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arquivo “tercei95.doc” aberto 21 fev 98===================================================== “ O COMANDO CAPITALISTA RE-ESTRUTURA E TERCEIRIZA A PRODUÇÃO PARA REFORÇAR A SI PRÓPRIO, EM MEIO À CRISE ” [#] A. Oswaldo Sevá Fo. Agosto de 1995, re-editado em Fevereiro de 1998 Agradeço aos petroleiros da FUP a oportunidade de palestrar neste Congresso, e registro que venho colaborando , desde meados de 1992, em cursos e consultorias técnicas, com os cinco Sindipetros do Estado de São Paulo, em um projeto sobre “Segurança, Saúde e Ambiente nas instalações petrolíferas”. Agradeço também a oportunidade de compartilhar esta mesa-redonda com o economista Ademar Mineiro, do Dieese, R. J. , e também assessor sindical como eu, e com o colega Professor Ricardo Antunes, da área de “Trabalho e Sindicalismo”, do IFCH / Unicamp, S.P. e sob a coordenação do dirigente Jorge Antonio, de São José dos Campos, SP. A nossa contribuição nesta mesa-redonda sobre “Terceirização e Re-estruturação produtiva” é a interpretação política e econômica dos rearranjos que estão sendo vivenciados pelos trabalhadores petroleiros e por tantos outros nestas duas últimas décadas. Organizei a minha parte , meus argumentos, em cinco tópicos : I - o capital sempre se rearranja, mas ... II - o que veio ocorrendo no Brasil desde os anos 1980 teve uma lógica política dominante;

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“ O COMANDO CAPITALISTA RE-ESTRUTURA E TERCEIRIZA A PRODUÇÃO PARA REFORÇAR A SI PRÓPRIO, EM MEIO À CRISE ” [#]

A. Oswaldo Sevá Fo. Agosto de 1995, re-editado em Fevereiro de 1998

Agradeço aos petroleiros da FUP a oportunidade de palestrar neste Congresso, e registro que venho colaborando , desde meados de 1992, em cursos e consultorias técnicas, com os cinco Sindipetros do Estado de São Paulo, em um projeto sobre “Segurança, Saúde e Ambiente nas instalações petrolíferas”. Agradeço também a oportunidade de compartilhar esta mesa-redonda com o economista Ademar Mineiro, do Dieese, R. J. , e também assessor sindical como eu, e com o colega Professor Ricardo Antunes, da área de “Trabalho e Sindicalismo”, do IFCH / Unicamp, S.P. e sob a coordenação do dirigente Jorge Antonio, de São José dos Campos, SP. A nossa contribuição nesta mesa-redonda sobre “Terceirização e Re-estruturação produtiva” é a interpretação política e econômica dos rearranjos que estão sendo vivenciados pelos trabalhadores petroleiros e por tantos outros nestas duas últimas décadas.

Organizei a minha parte , meus argumentos, em cinco tópicos :

I - o capital sempre se rearranja, mas ...II - o que veio ocorrendo no Brasil desde os anos 1980 teve uma lógica

política dominante; III - a crise de investimentos, de acumulação, em vários setores vai sendo

repassada para a sociedade como uma intimidação, uma chantagem, para, em seguida, afrouxar os controles sobre as empresas;

IV - as decisões de “”fazer na fábrica”, “comprar feito” e de “mandar fazer fora” são tendências históricas do capitalismo industrial, mas ...

V - a conjuntura recente no país indica que prevalece a estratégia da fragilização e desorganização dos trabalhadores, numa verdadeira guerra de classes. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------[ # ] Roteiro apresentado na mesa-redonda “Terceirização e re-estruturação produtiva” no Congresso da Federação Única dos Petroleiros, em Serra Negra, S.P. em 12 de agosto de 1995.

roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.2

I - o capital sempre se rearranja, mas ...É possível e é também oportuno enxergarmos a chamada “re-estruturação

produtiva”como um conjunto de re-arranjos que resulta numa alteração da correlação entre as forças econômicas políticas na produção, no chão de

fábrica, e na macro-economia.

O Capital - como expressão dos meios de produção e das relações sociais

de produção - sempre se rearranjou, com mudanças incessantes de pessoas,

famílias, grupos envolvidos no jogo patrimonial e financeiro, pois são

mantidos alguns e são mudados outros dentre os donos dos negócios, os

sócios, os acionistas, os testas- de ferro, os executivos, os credores, os

devedores... E, ao mesmo tempo, sempre se rearranjou , na busca de

realização das mercadorias produzidas, pelas vias da diversificação e da mudança de mercado e de serviços conexos à produção e às vendas;

como atestam as ampliações das capacidades produtivas, as diversificações

dos investimentos e dos contratos ao longo da cadeia produtiva, rio acima, em

direção aos suprimentos de matérias-primas e de insumos da produção,

incluindo-se a posse ou a concessão de recursos mineirais, hidráulicos,

energéticos, fundiários.

Mas principalmente, as direções das maiores empresas sempre se

compuseram, rearranjaram com as demais classes sociais e setores que

também são dominantes, ou que possam ser a elas associados, e sempre

alimentaram relações deste ou daquele tipo com classes e setores que seriam

antagônicos ou resistentes ao seu comando, os seus próprios assalariados e

contratados, os desempregados, os expropriados, os ameaçados de

expropriação.

roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.3

Enfim, estes comandantes das fábricas, terras, imóveis, rebanhos,

exercitam seu poder político também por meio da relação estreita e complicada que alimentam com as máquinas administrativas publicas e com os poderes do Estado, com as instâncias arrecadadoras, reguladoras e

fiscalizadoras, com as agências e organismos regionais e internacionais.

Não se trata aqui de insistir com a fórmula que interpreta o Estado como

uma complexa e monolítica agência da burguesia ou dos proprietários ou dos

banqueiros. Pois, no Brasil das últimas décadas, o Estado é também isto, e

muito mais do que isto, é campo de transferências radicais de rendas entre

setores, grupos e regiões do país, é terreno de uma imbricação orgânica,

estruturante , de famílias, de aliados e apadrinhados de todo tipo, de agentes

infilitrados e de quadrilhas, e mais, ... os lobbistas e demais representantes

discretos ou descarados de interesses ponderáveis e quase sempre

dissimulados ou maquiados. ( refs. GRAMSCI, conceito de intelectual orgânico, refs. Michel

BEAUD, art. França 95 , versão Unimep, La como cá ...).

II - ...mas...o que veio ocorrendo no Brasil desde os anos 1980 teve uma lógica política dominante -

Estes rearranjos que vêm sendo implementados desde meados dos anos

1980, e em especial, após os governos Collor - Itamar , - nomeadamente a re-

estruturação intra-organizações e inter- setores e ramos produtivos e de

serviços, a re-estruturação do emprego, das funções, das carreiras, e já em

1997-98, a mudança legislativa das relações contratuais de emprego e salário -

- tudo isto tem uma lógica política que prevalece sobre os seus proclamados

objetivos estratégicos e sobre os seus prováveis resultados econômicos.

roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.4

Esta lógica política que veio sendo aperfeiçoada desde o governo Sarney e

a Constituição de 1988, pode ser resumida em :

-neutralizar pressões reivindicativas crescentes nas empresas em geral,

nas grandes instalações industriais e energéticas, nas redes de transportes e de

comunicações, e também neutralizar resistências e denúncias de moradores de

baiiros , distritos e cidades com muitas indústrias, minerações ou obras nas

proximidades, e, -muito particularmente, - neutralizar os movimentos que possam ser organizados e sejam

expressivos em âmbito regional e nacional, e que possam ter repercussão no exterior.

Em vários casos, os rearranjos feitos também visam a destinar uma maior massa de renda para ficar sob controle das direções empresariais, e que possa ser aplicada em várias atividades de sustentação mercadológica,

cultural e jurídica dos empreendimentos, em atividades de contra-informação,

dentro e fora das empresas, e nas atividades já antigas de cooptação de

indivíduos e instituições, de favorecimentos e de lobbismo na defesa de seus

privilégios ou na abertura de novos esquemas. Em suma, mais renda, extraída e

transferida de outros pontos da economia nacional, e destinada em maior

proporção ao aperfeiçoamento do comando político e ideológico de toda a

sociedade

Em sintese, a lógica política é a de neutralizar os opostos, os

reivindicantes, os resistentes, por meio da divisão e da intimidação, e de

ampliar a renda do comando - ( ref. conceito usado por NEGRI, textos dos anos 1970 - a

propósito do nuclear e da automação se expandindo após a crise 72-75 ) - que materializa os

instrumentos de combate às classes exploradas e de alianças com outras.

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III - A crise de investimentos, de acumulação, em vários setores, vai sendo repassada para a sociedade como uma intimidação, uma forma de chantagem. Para, em seguida, afrouxar os controles sobre as empresas

Um ponto forte justamente desta operação político-ideológica, que

necessita de muito dinheiro e que envolve o trabalhode muita gente, é a construção de uma chantagem social, de uma intimidação por parte dos

empreendedores reais ou fictícios, sobre a sociedade . E certo que os

investimentos produtivos [ no sentido de ampliação de capacidades produtivas

que gerarão valor mercantil por muito tempo à frente ] , vão rareando , tornando-

se seletivos; vários setores vivem mesmo uma situação de “lockout”, - decidiu-

se não investir nem mesmo reinvestir para fins de manutenção da capacidade

de produção - com a consequente retração de encomendas de bens de capital,

de obras, de montagens e de serviços técnicos.

Na mesma sequência temporal, e isto se torna visível nos primeiros anos

da década de 1990, fez-se um relançamento de projetos de investimentos, com

um caráter de “leilão de facilidades e de atrativos” para a suposta localização

de in’dustrias, minas, agroindustrias, hotéis, parques de diversões , etc,

negociando-se sempre com vários municípios, de alguns Estados, e às vezes

até, entre localidades de países distintos, - e isto significa nada mais do que

-uma ampliação dos espaços de submissão, de flexibilização de toda a sociedade às decisões, aos eventuais recuos e às frequentes mudanças destas decisões, e também aos desmandos e aos blefes dos empresários,

dos grupos econômicos e financeiros, e de tantas “lideranças políticas” a eles

associados.

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Nesta mesma linha de intimidações e chantagens sobre a sociedade ou

setores ou regiões, todo o aparato licenciador/ concedente de serviços , mais o

aparato regulador e fiscalizador, vão se desmantelando, e por aí, vão facilitando, relaxando, tornando-se conivente com as empresas e os empreendedores.

Assim vem sendo na área trabalhista, com graves prejuízos na área

ocupacional, por conta do aumento de acidentes e de doenças e de diminuição

das responsabilidades empresariais e dos auxilios e dos beneficios

correspondentes para as próprias pessoas lesadas, feridas, mutiladas ou

doentes. Sabe-se que uma das razões fortes para a decisão de re-

localização de indústrias já funcionando, e para a abertura de novos distritos e

polos industriais em localidades antes não industrializadas é , para a empresa, recomeçar a funcionar com outros contingentes de trabalhadores, se possível, sem sindicalização e sem conexões com movimentos sindicais e

partidários em âmbito nacional.

Na chamada “guerra fiscal”entre municípios para a “atração”da fábrica de

motores da Volkswagen, houve prefeitos que anunciaram um grande argumento

para os empreendedores : “a mão da obra da cidade é disciplinada e os

sindicatos cutistas não atuam ...” Finalmente construída em São Carlos, SP, o

fato é que no ano de 1996, uma quarta parte do orçamento daquele município

[ de aproximadamente 100 milhões de reais ] foi destinada às despesas de

suporte para a instalação do capital alemão finalmente “atraído”. Quando as

obras foram embargadas pelo promotor local, após denúncias de cidadãos e

entidades sobre o impacto da fábrica sobre os recursos naturais do município,

acusaram-nos de “serem contra o emprêgo” !

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Aliás, assim vem sendo também nas questões ambientais dentro e fora dos perímetros e das instalações produtivas. A sinalização, por parte dos

governos federal e estaduais, principalmente do governo Cardoso-Maciel, desde

1995, foi nítida : a Justiça do Trabalho, as Delegacias do Trabalho, os

Procuradores e Promotores Publicos, os órgãos de controle e licenciamento

ambiental, e de vigilância sanitária e ocupacional não devem dificultar a vida das empresas já funcionando , muito menos a instalação de novos empreendimentos.

No campo das condições e da segurança no trabalho, - hoje bastante

bem coberto pelas Normas Regulamentadoras - NR s , do Ministério do

Trabalho, - evoluem as consequências desta mesma sinalização. Embora

sejam menos nítidas, por causa de várias manobras de bastidores, que

pudemos acompanhar, podemos supor, mas que não temos registro detalhado:

- por um lado, desde meados dos anos 1980, veio aumentando a

participação de entidades sindicais e de seus assessores nas discussões e re-

escrituras das NRs ( por exemplo, as normas recentes sobre Mapas de riscos,

Benzeno, Caldeiras e vasos, Lesões por esforços repetitivos ), e -

- por outro lado, veio crescendo o combate das gerências às NRs e

às CIPAs mais consistentes e corajosas, e claramente se multiplicaram e se

disseminaram os casos de descumprimento a várias normas, ao mesmo tempo,

em quase todas as empresas.

Nas etapas de licenciamento de ampliações de instalações ou de empreendimentos novos, também muita coisa foi desmantelada e outras

sofreram adaptações e maquiagens para, no fundo, atender formalismos e

facilitar, por princípio, qualquer investimento.

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Muitos projetos de grande impacto foram licenciados apenas com a aprovação executiva , por parte de alguma agência ou escritório local, de um

“Relatório Ambiental Preliminar” ou de um “Estudo de viabilidade ambiental” -

um tipo de “by-pass”, que ocorreu recentemente, por exemplo, no licenciamento

de uma grande instalação petrolífera, [ planta de reciclo de resíduos viscosos de petróleo ,

com tecnologia “Delayed Coking” , para obtença de frações leves e de coque granulado ; -

investimento da ordem de 250 milhões de reais, de grande capacidade e funcionando de forma

interconectada a uma grande refinaria , a REPLAN, em Paulínia, SP ] , e também ocorreu no

licenciamento de uma fábrica de baterias da DELCO - GENERAL MOTORS, em

Piracicaba, SP.

Os grupos poderosos vão mais adiante, obtendo em alguns casos notáveis,

a dispensa de elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, [ previsto nas Constituições Federal e Estaduais e com procedimentos

regulamentados pelo Conama e pelos orgãos ambientais dos Estados] e

portanto, escapando de um parecer técnico e de julgamento em sessão plenária

do órgão ambiental, e se livrando da possibilidade de comparecer em Audiência

Pública, - p.ex., nos casos dos investimentos recentes em uma fábricas de

motores da CHRYSLER e BMW , em Campo Largo, PR , e em uma montadora

de automóveis TOYOTA em Indaiatuba, SP.

Em sintese, os argumentos são sempre lastreados em algum senso

comum, caso contrário não seriam minimamente convincentes. Mas, na primeira

análise, revelam hipocrisia e disposição de lograr o interlocutor ; dizem que

- se os critérios de licenciamento forem apertados, se houver muitas exigências

trabalhistas , os empreendimentos serão “afugentados”, ou seja, - ao invés de

vir se instalar por aqui, vão para outro município, outro Estado...

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IV - As decisões de ”fazer na fábrica”, “comprar feito”- ou “mandar fazer fora” são tendências históricas do capitalismo industrial, mas ...

Recomecemos, portanto , o debate sobre a terceirização e a atual re-

estruturação produtiva, compilando , a seguir, algumas expressões que

praticamente fazem parte do capitalismo industrial :

“Comprar peças ou componentes fabricados fora, e montar nesta fábrica”,

“Fabricar aqui peças e componentes para serem montados fora”, “mandar para

reforma ou conserto nas oficinas de terceiros ou nos fornecedores das peças”,

” Manter pessoal na fábrica para serviços de manutenção e de apoio, ou

contratar equipes e empresas de fora para trabalhar nos mesmos locais”,

“ Mandar lotes de produtos semi-acabados para o acabamento em firmas

especializadas” [ caso histórico da “façonnage”na indústria têxtil em Americana,

SP, em Juiz de Fora, MG, e várias outras cidades brasileiras ]

“Fazer contrato com operários individualmente para executarem

acabamento ou montagem de peças por lotes levados para a residência do

trabalhador “[ caso também histórico do “putting out”, na antiga industria

européia e na atual industria japonesa ] ; “Contratar brigadas ou turmas de

trabalhadores para executar tarefas especificas, em um ou mais locais, ou para

tocar canteiros de obras “[ também a história registra desde os brigadistas de zonas pobres

européias nas construções de ferrovias, portos e canais desde a segunda metade do sec XIX., cf.

ref. HOBSBAWN, Era do Capital ]

Portanto, temos que tratar todas estas formas de terceirização como uma

tendência integrante dos empreendimentos capitalistas, tanto nas regiões

mais densamente industrializadas e diversificadas, como nas “frentes de

expansão”, nas novas fárbicas, minas, usinas, etc.

roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.10

Na formação dos engenheiros e administradores, há muito que se ensina

os métodos e modelos de avaliação do tipo “otimização”, “made or buy ”, “value

analysis”, que procuram sempre pesar os prós e os contras, os custos e os

benefícios desta ou daquela alternativa. Na prática das frentes de obras, da

construção e montagem de novas indústrias e de empreendimentos em geral, e

ultimamente, também nos setores sensíveis, como a manutenção técnica e até

mesmo a operação de unidades petroquimicas, de plataformas de petróleo, - o

que vigora é mais a lei da selva, com contratações e empreitadas “em cascata”, com quarteirizações e com meras mudanças nas razões sociais de equipes de empreiteiras que se tornam permanentes. Também é fato

histórico, no capitalismo, trazer contingentes de pessoas para trabalhar,

induzindo e organizando sua migração, seja pelo tempo de uma safra, [ as

greves das batatas nas zonas de mineração na França e na Bélgica, ou as

levas de miseráveis e sem-terras do Jequitinhonha que vêm para colher cana e

laranja em SP ], ou de pelo tempo de uma estação.

Além disto, ao mudar de local de residência, por conta de um terceiro, e

através de intermediários, as pessoas amarram suas trajetórias de vida daí em diante , por causa dos adiantamentos de dinheiro, das dívidas reais ou

falseadas, dos laços de apadrinhamentos, cumplicidades, favores , e muito por

temor e por coação. Na nova realidade, em outra região ou país, estarão ainda

mais nas mãos de outros, e num meio desconhecido; este é um ingrediente

chave nas histórias dos peões antilhanos na ferrovia Madeira - Mamoré e no

Canal do Panamá, e também dos italianos, tiroleses, suiços que vieram há um

século, plantar e colher nas fazendas capixabas, mineiras, fluminenses e

paulistas sob o comando dos barões do café, seus capatazes e sua polícia.roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.11

V - a conjuntura recente no país indica que prevalece a estratégia da fragilização e desorganização dos trabalhadores, numa verdadeira guerra de classes.

Tentaremos finalizar fazendo algumas sínteses dos aspectos que

caracterizam e que diferenciam esta atual onda de re-estruturação e

terceirização. Se corretos, indicam que estamos vivendo um aprofundamento

das relações conflitivas entre classes sociais, entre os agentes econômicos da

produção, patrões, gerentes , capatazes, e trabalhadores em geral :

V. 1. Partindo-se desta intençao primária das empresas, - que é um ato

político de suas direções e gerências, - pode-se concluir que esta re-

estruturação busca, antes dos outros resultados, uma maior capacidade de resposta às reivindicações, nas disputas dentro da produção, e durante as greves.

V. 2. Partindo-se da mesma suposição, pode-se afirmar que a empresa

busca, por meio da precarização das relações e das condições de trabalho, um

espaço crescente para a sua des-responsabilização legal e social - destacando-se a des-reponsabilização por irregularidades, crimes e prejuízos

trabalhistas e ambientais .

V. 3. Dos fatos de todo dia, no chão da fábrica, é possível demonstrar que

aumenta a proproção de pessoal contratado no mesmo perímetro produtivo,

portanto aumenta a interiorização fabril de muita gente, - o que leva a uma

multiplicação interna de alguns riscos; mas, também pode-se constatar a

externalização de vários outros riscos, processo notável , por exemplo, nas

etapas de tratamento eletrolítico de metais, de jateamento de peças corroídas.

roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.12

V. 4. Qual seria a lógica da terceirização crescente, do ponto de vista das

grandes e médias organizações [ quando contratam vários tipos de serviços, desde a

vigilância armada nas guaritas e portarias, até a instalação de softwares para operar as unidades

de fabricação, e que mantêm longas listas de fornecedores, de prestadores de serviços, de

consultores contábeis, jurídicos e trabalhistas, de agências de publicidade e de marketing ] ?

Internamente, nos corredores e nos bastidores dos escritórios, devidamente

filtrados e barrados por secretárias, chefes de gabinete, senhas de acesso e

chaves, estão alguns instrumentos desta lógica - as licitações, as chamadas

de preços, os credenciamentos, os contratos, os termos aditivos, as medições

de serviços e de Homens-Horas, as prestações de contas.

E por aí se explica, em parte, o poder também crescente dos funcionários e

dos burocratas, e principalmente a multiplicação dos acordos e das alianças

celebrados pelos gerentes e adjuntos que detem tais instrumentos, pois cuidam,

na hierarquia interna, destes setores tão “aquecidos”ultimamente.

É claro que há muita corrupção de médio e alto nível exatamente nestes

setores, onde pessoas e quadrilhas se beneficiam de “inside information” e de favorecimentos nos julgamentos das propostas, o que lhes rende pedágios,

comissões e regalos nada insignificantes.

Mas, esta luta interna pelas possibilidades de se corromper explica apenas

uma parte. A outra parte se explica “para fora” da empresa principal, da

contratante : uma eficiente e cumulativa ampliação da base social e política

daquela empresa, e do sistema empresarial em geral.

roteiro terceirização FUP 95 O. Sevá pg.13 ( final do item V )

Tal ampliação política se faz através de laços cultivados e bem tecidos

com as empresas pequenas e médias da região onde funciona a empresa

principal, ou mesmo com firmas de muito longe, de entendimentos permanentes

com os empreiteiros de mão de obras, com ex-funcionários e aposentados que

criam novas firmas ou que são recrutados por outras firmas, que prestarão

serviços à empresa onde eles já trabalharam antes. Celebram também acordos [ que poderão depois resultar em verbas de campanha eleitoral ou em pressões sobre Câmaras

Municipais e Assembléias Legislativas ] com os políticos e poderosos locais, que

recomendam às empresas contratações deste ou daquele protegido, que

montam empresas de ônibus fretados para funcionários , frotas de caminhões,

serviços de vigilância, serviços de restauração, de cozinha, e assim por diante.

V. 5. Cabe , no final deste roteiro, devolver a indagação aos participantes e

organizadores desta mesa-redonda - afinal, isto será sempre assim? não se pode reverter o “rolo compressor” ? Em grande medida, o futuro depende

justamente dos movimentos organizados dos que estão trabalhando, do pessoal

próprio das contratantes, dos que se aposentaram , dos que foram demitidos, do

pessoal das empreiteiras. Se prossseguirem na desarticulação entre si, reproduzindo estranhamentos e divisionismos, vão assegurando mais

trunfos ...mas não para si próprios, e sim para os grupos opostos, para os que já

dominam. Nesta conjuntura de 1998, a re-estruturação e a terceirização à moda

brasileira dos anos 1990 se alimentam também de ausências : a ausência de

uma Reforma Agrária, a ausência de independência real do Judiciário e do

Ministério Público, diante do Executivo e das empresas, a ausência de

responsabilização civil e criminal pelos crimes no trabalho. =====================================================aosf, fev 98