136620719 Historia e Sociologia v 2

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  • Volume 2

    Flvio Limoncic

    Monica Grin

    Flvio Limoncic

    Monica Grin

    Mdulos 2 e 3Mdulos 2 e 3

    Histria e Sociologia Histria e Sociologia

  • Volume 2 Mdulos 2 e 3

    Flvio LimoncicMonica Grin

    V l 2 Md l 2 3

    Histria e Sociologia

    Apoio:

  • Material Didtico

    Referncias Bibliogrfi cas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.

    Copyright 2009, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.

    2010/1

    ELABORAO DE CONTEDOFlvio LimoncicMonica Grin

    COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto

    SUPERVISO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Ana Paula Abreu-Fialho

    DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISO Alexandre BelmonteMarcelo Bastos Matos

    EDITORATereza Queiroz

    REVISO TIPOGRFICACristina FreixinhoDaniela de SouzaElaine Bayma

    COORDENAO DE PRODUOJorge Moura

    PROGRAMAO VISUALAlexandre d'OliveiraDavi Daniel de MacdoSanny Reis

    ILUSTRAOAndr Dahmer

    CAPAAndr Dahmer

    PRODUO GRFICAOsias FerrazVernica Paranhos

    Departamento de Produo

    L734h Limoncic, Flvio. Histria e Sociologia. v. 2 / Flvio Limoncic, Monica Grin. - Rio de Janeiro: Fundao CECIERJ, 2010. 240p.; 19 x 26,5 cm.

    ISBN: 978-85-7648-558-2

    1. Histria. 2. Sociologia. I. Grin, Monica. II. Ttulo. CDD: 901

    Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001

    Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

    PresidenteMasako Oya Masuda

    Vice-presidenteMirian Crapez

    Coordenao do Curso de HistriaUNIRIO Mariana Muaze

  • Universidades Consorciadas

    Governo do Estado do Rio de Janeiro

    Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia

    Governador

    Alexandre Cardoso

    Srgio Cabral Filho

    UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO

    UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

    UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles

    Reitor: Alosio Teixeira

    Reitor: Ricardo Motta Miranda

    Reitora: Malvina Tania Tuttman

    Reitor: Ricardo Vieiralves

    Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho

  • Mdulo 2: A Sociologia no Brasil

    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I___7 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II__23 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I____________37 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 14 Grandes temas da Sociologia brasileira III: o problema da desigualdade social no Brasil_____65 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 15 Violncia e criminalidade______________________87 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Mdulo 3: Desafi os contemporneos refl exo sociolgica

    Aula 16 Famlia e matrimnio: desafi os tradio_______117 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 17 Identidades, diversidade cultural e multiculturalismo no mundo globalizado_________139 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 18 Mudanas no mundo do trabalho I_____________163 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Histria e SociologiaSUMRIO

    Volume 2 Mdulos 2 e 3

  • Aula 19 Mudanas no mundo do trabalho II_____________189 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Aula 20 Histria e Sociologia ________________________ 215 Flvio Limoncic / Monica Grin

    Referncias _________________________________________233

  • Aula 11

    Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Meta da aula

    Proporcionar ao aluno uma viso da ideologia nacional-desenvolvimentista, conforme

    desenvolvida pela Cepal na Amrica Latina e pelo Iseb no Brasil.

    Objetivos

    Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:

    1. reconhecer que o Iseb identificava uma contradio entre o pas moderno e o

    arcaico e que o Estado deveria ter um papel importante para a construo do

    primeiro;

    2. reconhecer que a ideologia nacional-desenvolvimentista do Iseb percebia os

    problemas sociais do Brasil como resqucios do passado colonial, que seriam

    superados por meio da industrializao;

    3. identificar a fora da ideologia nacional-desenvolvimentista, ainda hoje presente

    nas vises de que a industrializao e o crescimento econmico so elementos

    fundamentais para a superao da pobreza no Brasil.

    Pr-requisitos

    Para melhor compreender esta aula, voc deve estar atento aos contedos das

    Aulas 4, 5, 6, 7, 8 e 9, uma vez que em todas elas foram tratados temas como

    modernidade e modernizao no surgimento do pensamento sociolgico e o

    pensamento social brasileiro.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    INTRODUO

    Voc j viu que, quando Marx, Durkheim e Weber organizaram

    as grandes balizas do que viria a ser o pensamento sociolgico,

    fizeram-no em um contexto de profundas transformaes econmicas,

    polticas, sociais e culturais pelas quais passava a Europa no sculo

    XIX. Para pensar tais transformaes, que associavam a crise de

    uma ordem tradicional e a emergncia da modernidade, esses trs

    autores elaboraram conceitos tais como os de modo de produo

    capitalista, de solidariedade orgnica e de secularizao.

    No momento em que tais conceitos eram aplicados realidade

    europia, nos Estados Unidos eram dados os primeiros passos da

    Escola de Chicago, profundamente associada pesquisa emprica

    e busca de solues para os graves problemas urbanos e

    sociais ento enfrentados pelo pas, que tambm se modernizava

    aceleradamente na virada do sculo XIX para o XX.

    O Brasil vivia, poca, situao bem distinta da europia

    e da norte-americana. Repblica recente, herdeira de um imprio

    solitrio nas Amricas que recm-abolira a escravido e com uma

    economia de base agroexportadora, o Brasil surgia ante os olhos

    de seus pensadores sociais como arcaico e preso ao passado.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, o pensamento social buscou

    identificar as razes do atraso brasileiro, da persistncia do

    latifndio, da baixa produtividade do trabalho e do insolidarismo.

    Como voc viu, alguns autores, como Oliveira Viana, propunham

    uma modernizao conduzida pelo Estado autoritrio, ao passo

    que outros, como Srgio Buarque de Holanda, defendiam uma

    revoluo democrtica.

    No ps-Segunda Guerra Mundial, tomou corpo o debate sobre

    a modernizao dos pases que passaram a ser ento conhecidos

    como subdesenvolvidos, como o Brasil. Tratava-se agora de, por meio

    de estudos econmicos e sociolgicos, identificar, com sistematicidade

    cientfica, os bices ao desenvolvimento de tais pases, propondo

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    polticas pblicas para a sua modernizao. Em 1949, com esse

    intuito, foi criada a Comisso Econmica para a Amrica Latina

    (Cepal), rgo da Organizao das Naes Unidas (ONU) que tinha

    por objetivo pensar o subdesenvolvimento latino-americano e sugerir

    estratgias para sua superao. Fizeram parte da Cepal importantes

    economistas e socilogos brasileiros que, nas dcadas de 1950,

    1960 e 1970, participaram ativamente da proposio de polticas

    pblicas e da reflexo sobre o desenvolvimento brasileiro, como

    Celso Furtado, Maria da Conceio Tavares, Fernando Henrique

    Cardoso, Carlos Lessa, Antonio Barros de Castro e Jos Serra.

    O pensamento da Cepal

    O pensamento cepalino propunha-se a responder seguinte

    questo: Qual o motivo do subdesenvolvimento dos pases latino-

    americanos? Uma vez identificadas as causas deste, uma questo

    adicional se colocava: Como super-lo? Os estudos da Cepal no

    tinham, portanto, um carter meramente acadmico. Longe disso,

    eles deveriam servir como base de ao, de formulao de polticas

    pblicas com vistas emancipao dos pases latino-americanos de

    suas situaes de pobreza e baixo crescimento econmico.

    A partir dessas questes, o pensamento cepalino estruturou-se

    em torno de dois grandes temas, interligados: por um lado, um esforo

    para compreender as caractersticas das estruturas socioeconmicas

    dos pases latino-americanos, nelas identificando possveis entraves

    A Cepal existe at hoje. Se voc tiver interesse em temas

    econmicos latino-americanos, pode acessar seu site

    oficial: http://www.eclac.org/default.asp?idioma=PR

    para ter acesso a textos e dados.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    modernizao; por outro, compreender a dinmica do comrcio

    internacional entre o que chamava de pases centrais e pases

    perifricos. Os pases centrais eram identificados s economias urbano-

    industriais, como os Estados Unidos e a Europa, e os perifricos eram

    os pases subdesenvolvidos, exportadores de matrias-primas, como

    os latino-americanos.

    O problema fundamental dos pases subdesenvolvidos seria

    a falta de dinamismo de suas estruturas produtivas, baseadas na

    produo de produtos primrios, nas quais a baixa produtividade

    do trabalho impediria uma produo maior de riquezas. Tais

    economias seriam voltadas para fora, ou seja, para a exportao

    de produtos primrios, sofrendo, portanto, todas as oscilaes do

    comrcio internacional.

    Mas o ponto fundamental relativo ao comrcio internacional, e

    que reproduziria o subdesenvolvimento dos pases latino-americanos,

    que haveria o que os cepalinos chamavam de deteriorao dos termos

    de troca. O nome complicado, mas quer dizer uma coisa relativamente

    simples: no comrcio internacional, os pases perifricos, exportadores

    de matrias-primas e importadores de bens manufaturados, sempre

    estariam em desvantagem em relao aos pases centrais, exportadores

    de manufaturas e importadores de matrias-primas. Portanto, o

    comrcio internacional reproduziria e aprofundaria as diferenas

    entre os pases centrais e os perifricos, condenando os ltimos ao

    subdesenvolvimento.

    Como resolver esse dilema? Para a Cepal, a sada seria

    a realizao, liderada pelo Estado, de um amplo processo de

    modernizao, entendida como industrializao, e que deveria

    incluir a reforma agrria. Segundo essa viso, o latifndio, ligado

    ao comrcio internacional e, portanto, deteriorao dos termos de

    troca, seria um bice ao desenvolvimento industrial, que justamente

    emanciparia os pases latino-americanos dessa deteriorao. Em

    suma, as economias latino-americanas deveriam deixar de ser

    exportadoras de matrias-primas e importadoras de produtos

    manufaturados para se tornarem, elas prprias, produtoras de

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    produtos manufaturados. Com isso, a produtividade do trabalho iria

    aumentar e as riquezas produzidas nos pases neles permaneceriam,

    elevando a qualidade de vida de todos.

    O pensamento da Cepal teria enorme influncia no apenas

    nas idias econmicas implementadas no Brasil nos anos 1950,

    durante o governo Juscelino Kubitschek, mas tambm na reflexo

    sociolgica do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o Iseb.

    O pensamento sociolgico do Iseb

    O pensamento desenvolvido por economistas e socilogos

    ligados ao Iseb foi fortemente influenciado pela produo cepalina

    e contribuiu para forjar as bases ideolgicas do chamado nacional-

    desenvolvimentismo do governo Juscelino Kubistchek. De fato, o

    Iseb no se constituiu apenas como um grupo de reflexo sobre

    a realidade brasileira. Foi alm, contribuindo para que, no plano

    das idias, o pas tomasse conscincia do seu subdesenvolvimento

    e lutasse para dele emancipar-se.

    O Instituto Brasileiro de Estudos Superiores foi criado em,

    1955 e fechado em 1964, pelos militares. Dele fizeram

    parte importantes socilogos e economistas brasileiros, como

    Cndido Mendes, Guerreiro Ramos, Gilberto Paim, lvaro Vieira

    Pinto, Roland Corbisier, Hlio Jaguaribe, Igncio Rangel e Nelson

    Werneck Sodr. Muito embora tais pensadores tivessem profundas

    diferenas entre si, o Iseb forjou a ideologia nacional-desenvolvimentista

    que foi fundamental para legitimar o processo de modernizao do

    Brasil nos anos 1950.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    O diagnstico que os isebianos faziam da realidade brasileira

    no diferia, em essncia, daquele realizado pela Cepal para os

    pases latino-americanos de um modo geral. O Brasil seria ainda um

    pas agro-exportador, marcado por relaes arcaicas no campo e

    preso a um comrcio internacional a ele desfavorvel, que impediria

    o desenvolvimento de suas indstrias e a elevao da produtividade

    de seus trabalhadores. Seria preciso, portanto, romper com essa

    lgica, responsvel no s pelo subdesenvolvimento como tambm

    pela persistncia da pobreza, por meio da industrializao e da

    urbanizao.

    Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976)

    foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Em

    seu governo, JK implementou o Plano de Metas,

    conjunto de medidas que deveria fazer o Brasil crescer

    50 anos em 5 atravs da industrializao, exemplificada pela

    instalao da indstria automobilstica. No governo JK foi construda

    tambm a nova Capital Federal, Braslia, que deveria expressar o

    novo Brasil, moderno e industrial, em contraposio ao pas agrcola

    e arcaico que o presidente herdara quando assumiu a presidncia.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Esse ponto importante: para o pensamento isebiano,

    a pobreza ento existente era percebida como um legado do Brasil

    arcaico, latifundirio e agroexportador, sendo, portanto, passvel de

    ser superada pelo que ento era considerado o moderno, a cidade e

    a indstria. A conjugao da promoo do crescimento econmico via

    industrializao e a reforma agrria, que eliminaria o latifndio e seu

    arcasmo, era entendida, pois, como o caminho para a superao da

    pobreza e para a construo de um pas mais justo e igualitrio.

    Nos anos 1950, segundo os isebianos, o Brasil estaria prestes a

    emancipar-se da herana de seu passado colonial. Durante a Segunda

    Guerra Mundial, um incipiente processo de substituio de importaes

    teria dotado o pas de algumas indstrias, como a siderrgica de Volta

    Redonda, e, no segundo governo Getlio Vargas (19511954) a

    criao de empresas estatais como a Petrobras teria sinalizado um

    novo papel do Estado na promoo da industrializao. A prpria

    criao do Iseb sinalizaria esse momento propcio alavancagem

    de um novo Brasil, moderno e urbano-industrial.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Atende ao Objetivo 1

    1. A viso do Brasil como um pas preso ao seu passado, e que dele deveria se emancipar,

    est presente, como voc j viu, em importantes pensadores sociais brasileiros anteriores ao

    Iseb. Mas no apenas entre eles. Leia a seguinte passagem de Lus Edmundo, importante

    cronista brasileiro da primeira metade do sculo XX, sobre as reformas urbanas do prefeito

    Pereira Passos (1902-1906):

    Penetramos o sculo das luzes e ainda estamos em plena morrinha colonial.

    Ainda somos o que ramos quando aqui albergvamos o mau gnio do

    Sr. Luiz Vahia, o ona, a arrogncia do Sr. Marqus do Lavradio, o gravata,

    e a palermice coroada do Sr. D. Joo VI, o frouxo. E assim continuamos a ser

    at o advento de Rodrigues Alves, at a obra magnfica de Pereira Passos e

    Oswaldo Cruz, quando se transforma a cidade pocilga em den maravilhoso,

    fonte suave de beleza e sade, centro para onde logo afluem estrangeiros

    que, at ento, medrosamente nos visitavam, apavorados, todos, com a febre

    amarela: americanos, ingleses, italianos, alemes, que aqui chegam trazendo-

    nos, alm de um esforo pessoal aprecivel, capitais, estmulo, e o que melhor

    ainda, a viso civilizadora de ptrias adiantadas e progressistas (EDMUNDO,

    1938, p. 25).

    Identifique nesse texto os trechos em que Lus Edmundo contrape o arcaico ao moderno e nos

    quais ele identifica um ator central no processo de modernizao do pas, nos moldes do Iseb.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Comentrio

    So vrios os momentos em que Lus Edmundo contrape o arcaico ao moderno em seu texto:

    sculo das luzes x morrinha colonial, cidade pocilga x den maravilhoso, febre amarela x fonte

    suave de beleza e sade. Por outro lado, assim como os isebianos, Lus Edmundo localizava

    no Estado, representado por Pereira Passos, um ator central no processo de emancipao

    do peso do passado.

    Ainda que compartilhando um ncleo de idias comum, os

    pensadores isebianos divergiam entre si em alguns pontos. Dois

    autores podem ser indicados como representativos da principal

    clivagem no interior do pensamento isebiano: Hlio Jaguaribe e

    Nelson Werneck Sodr.

    Hlio Jaguaribe foi um dos fundadores, ainda em 1952,

    do chamado Grupo de Itatiaia, antepassado do Iseb que reunia

    intelectuais paulistas e cariocas visando ao estudo da realidade

    brasileira. Para Jaguaribe, o Brasil vivia nos anos 1950 o embate

    entre duas grandes foras: as foras do progresso, envolvendo todas

    as classes sociais interessadas na transformao social burguesia

    industrial, trabalhadores urbanos e rurais que formariam a

    maioria do povo brasileiro, e uma minoria retrgrada a burguesia

    latifundiria, o setor mercantil da burguesia urbana e a pequena

    burguesia radical interessada em manter o pas na velha posio

    colonial de pas exportador de matrias-primas. Em suma, as foras

    do progresso eram por ele identificadas indstria e cidade e, as

    do atraso, ao latifndio agroexportador.

    Para Jaguaribe, o conflito central da realidade brasileira

    no era o conflito entre capital e trabalho, o conflito de classes,

    portanto, mas o conflito entre modernizantes e arcaizantes,

    entre nao e antinao (identificada esta aos aliados locais do

    imperialismo, ou seja, aos interessados na manuteno do pas

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    como uma economia agroexportadora). Assim, So Paulo surgia

    como o plo do Brasil moderno, urbano-industrial, em contraposio

    a um Brasil ainda predominantemente arcaico e semifeudal, que,

    por restringir a ampliao do mercado consumidor de produtos

    manufaturados e a oferta de produtos primrios para o mercado

    interno, obstaculizaria o desenvolvimento do Brasil moderno.

    Para superar tal situao, Jaguaribe sugeria que o Estado fosse o

    coordenador da economia, ao lado da burguesia empreendedora,

    de modo a superar os entraves do atraso.

    No entanto, havia um problema para que isso ocorresse: a

    falta de poupana interna, a baixa capacidade de investimento da

    economia brasileira. Industrializar um pas exige recursos vultosos

    que, na viso de Jaguaribe, deveriam ser buscados fora do Brasil,

    por meio de investimentos estrangeiros. Era esse ponto que marcava

    a diviso entre duas vises distintas no seio do Iseb: os que defendiam

    a participao do capital estrangeiro na industrializao do pas,

    como Jaguaribe, que formava a ala desenvolvimentista do Instituto,

    e os que a ela se opunham, como Nelson Werneck Sodr, que

    formava uma ala mais nacionalista.

    Nelson Werneck Sodr vinha de uma tradio intelectual

    completamente diferente da de Hlio Jaguaribe. De formao

    marxista, Sodr entendia a sociedade brasileira atravs da categoria

    de modo de produo. O Brasil teria tido em seu perodo colonial

    uma economia baseada no modo de produo escravista, ao qual

    teria se seguido uma transio para um modo de produo feudal,

    baseado no grande latifndio agroexportador. Ento, na conjuntura

    dos anos 1950, a questo principal a ser enfrentada no era a

    representada pelo conflito entre capital e trabalho, mas entre estes e

    os latifundirios feudais e seus aliados, como as fraes mercantis da

    burguesia. Em suma, para Sodr, tratava-se de construir um modo de

    produo capitalista no Brasil, passo necessrio para a constituio

    do socialismo. Para isso, era preciso industrializar o pas em moldes

    capitalistas, e, nesse sentido, burguesia e trabalhadores deveriam

    atuar juntos contra o latifndio, como tambm sugeria Jaguaribe.

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Atende ao Objetivo 2

    2. Leia a seguinte passagem, de Wanderley Guilherme dos Santos:

    Foi o desenvolvimentismo a ltima forma assumida por aquela ideologia

    que, nascendo com o prprio alvorecer do capitalismo no Brasil, teve por

    misso derrotar as sobrevivncias ideolgicas de uma estrutura arcaica e em

    decadncia a estrutura semicolonial predominante no pas at a dcada

    dos 30 ao mesmo tempo que vislumbrava e projetava as vias pelas quais

    deveria evoluir o sistema econmico nacional. Para tal fim, melhor dizendo,

    para ganhar ideologicamente a maioria das foras sociais, retirando-as de sob

    o controle das teses colonialistas, esmerou-se a ideologia do desenvolvimento

    aqui entendida como a ideologia incumbida de derrotar as teorias coloniais

    e equacionar os meios do arranque capitalista inicial em demonstrar que a

    liquidao da dependncia econmica para com o exterior, assim como a

    soluo das principais agruras sociais, poderiam ser obtidas com a expanso

    do capitalismo (SANTOS, 1963, p. 55-56).

    Escreva um texto de dez linhas identificando, nas linhas de Wanderley Guilherme dos

    Santos, alguns dos elementos principais da ideologia desenvolvimentista presentes nas

    formulaes do Iseb.

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    __________________________________________________________________________

    Comentrio

    So vrios os caminhos que voc trilhar em seu texto. Um que bastante importante de ser

    aprofundado diz respeito a uma tese central da ideologia desenvolvimentista: a de que a

    superao do arcasmo, a liquidao da dependncia externa e o avano do capitalismo

    no Brasil teriam por resultado na soluo das principais agruras sociais brasileiras, como

    a pobreza.

    CONCLUSO

    O Iseb foi fundamental no apenas para consolidar a ideologia

    nacional-desenvolvimentista no Brasil como tambm para criar uma

    viso dualista da realidade brasileira. De modo sucinto, pode-se afirmar

    que o pensamento dualista percebe a formao social brasileira como

    fracionada em duas formaes antagnicas, uma moderna e outra

    tradicional, a segunda obstaculizando o livre desenvolvimento da

    primeira. Como conseqncia, o pas pensado a partir de dicotomias

    tais como campo versus cidade, serto versus litoral, Estado versus

    sociedade, pblico versus privado, nao versus imperialismo.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Atividade Final

    Atende ao Objetivo 3

    Converse com dez pessoas de idades variadas, dos vinte aos sessenta anos, a respeito

    de suas vises acerca do desenvolvimento econmico. Faa pelo menos as seguintes

    perguntas:

    a. Voc acha que a industrializao importante para o pas?

    b. Voc acha que a industrializao importante para a superao da pobreza no

    Brasil?

    ___________________________________________________________________________

    ___________________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________________

    ___________________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________________

    __________________________________________________________________________

    A partir dessa viso, o Iseb buscava criar as bases ideolgicas

    da superao do legado do passado colonial e abrir caminho para

    o Brasil urbano-industrial. Em suma, os idelogos do Iseb percebiam

    a sociedade brasileira fracionada em atores modernizantes e

    arcaizantes, devendo os primeiros forjar uma aliana em torno de

    um amplo processo de industrializao, capaz de superar e derrotar

    os segundos. Para o Iseb, as profundas desigualdades sociais do

    pas seriam fruto de seu subdesenvolvimento de sua insuficiente

    industrializao.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2

    Comentrio

    muito provvel que uma parcela expressiva dos seus entrevistados responda

    afirmativamente s duas questes. Muito embora cinqenta anos de industrializao

    no Brasil no tenham sido capazes de superar a pobreza brasileira pelo contrrio,

    como ser visto na prxima aula , e a crtica ambiental tenha desenvolvido uma viso

    problematizadora da grande indstria, ainda muito forte, nos dias de hoje, a viso que

    associa modernidade e riqueza industrializao.

    RESUMO

    No ps-Segunda Guerra Mundial, a Cepal buscou empreender

    uma anlise das razes pelas quais as economias latino-americanas

    eram subdesenvolvidas. Segundo a Cepal, faltaria dinamismo interno

    a tais economias, marcadas pelo predomnio do latifndio e da

    agroexportao. Para agravar o quadro, a deteriorao dos termos

    de troca no comrcio internacional entre pases perifricos e pases

    centrais reproduziria a falta de dinamismo interno de tais pases,

    aprofundando ainda mais as diferenas entre centro e periferia.

    Para equacionar o problema, a Cepal sugeria a industrializao

    dos pases latino-americanos.

    No Brasil, o pensamento isebiano, fortemente influenciado pelo

    cepalino, forjou uma ideologia nacional-desenvolvimentista, segundo a

    qual o pas deveria emancipar-se do legado do seu passado colonial,

    expresso no latifndio, e industrializar-se. Haveria, portanto, uma

    convergncia de interesses entre a burguesia industrial e o proletariado

    em sua oposio s foras do atraso, o grande latifndio e a burguesia

    mercantil. Os problemas sociais do Brasil, em suma, seriam resultado

    da fora do peso do passado, da insuficincia do seu capitalismo,

    e seriam superados, justamente, pela industrializao capitalista.

  • 22

    Histria e Sociologia

    Informao sobre a prxima aula

    Na prxima aula, voc vai entrar em contato com a reflexo

    sociolgica que buscou compreender as razes pelas quais o

    Brasil, ao contrrio do que queriam os isebianos, industrializou-se

    e urbanizou-se no ps-Segunda Guerra Mundial aprofundando

    suas desigualdades sociais.

  • Aula 12

    Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II

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    Histria e Sociologia

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    Meta da aula

    Apresentar as principais correntes do pensamento sociolgico brasileiro que buscaram

    pensar a modernizao do pas a partir do esgotamento do pensamento cepalino.

    Objetivos

    Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:

    1. reconhecer a crtica ao pensamento dualista isebiano;

    2. reconhecer a tradio sociolgica do populismo e seus crticos.

    Pr-requisito

    Para melhor compreender esta aula, voc deve estar atento aos contedos da Aula 11,

    sobre o pensamento cepalino.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    INTRODUO

    O ps-Segunda Guerra Mundial produziu uma ampla srie de

    fenmenos polticos e sociais, como a crise dos imprios britnico e

    francs, a descolonizao da frica e da sia e a urbanizao e indus-

    trializao de diversos pases at ento essencialmente agrrios.

    Para pensar sobre tais transformaes, em particular o

    grande processo de transformao de sociedades de base agrria

    em urbano-industriais, a Sociologia, sobretudo a norte-americana,

    produziu ao menos trs grandes correntes da chamada sociologia

    da modernizao.

    Uma primeira, representada por Seymour Lipset, iden-

    tificava uma forte correlao entre modernizao e democracia.

    Para Lipset, quanto mais prspera e urbanizada uma sociedade,

    mais probabilidade ela teria de ser democrtica, em razo da

    expanso da sua classe mdia. Para o autor, ao privilegiar a

    competio eleitoral como forma de regulao dos conflitos sociais

    e por amortizar esses mesmos conflitos, colocando-se a meio caminho

    entre os possveis plos de radicalizao, a classe trabalhadora e a

    burguesia, a classe mdia, oriunda do processo de modernizao,

    surgia como a base social da democracia.

    Uma segunda corrente a representada por Barrington

    Moore Jr. Para ele, existiriam pelo menos trs caminhos para a

    modernizao, dependendo dos tipos de alianas de classes que

    presidissem o processo modernizador: o trilhado por pases que

    realizaram a revoluo burguesa, como a Inglaterra, Frana e

    Estados Unidos, resultando em pases modernos e democrticos;

    o trilhado por pases que se modernizaram por uma aliana entre

    a burguesia e setores das antigas classes dominantes rurais, sob a

    gide do Estado, resultando no fascismo, como a Itlia e a Alemanha;

    finalmente, uma terceira via para a modernizao seria a comunista,

    conduzida pelo Estado e trilhada pela Unio Sovitica.

    Seymour Martin Lipset

    (1922-2006)Foi professor de

    vrias universidades

    importantes, como

    Stanford, Havard

    e Columbia e

    presidente da

    American Sociological

    Association, tendo

    desenvolvido trabalhos

    em diversas reas

    da Sociologia,

    como sociologia

    da modernizao,

    movimento sindical e

    estratificao social.

    Barrington Moore Jr.

    Nascido em 1913 e

    falecido em 2005,

    foi professor da

    Universidade de

    Harvard e tornou-se um

    clssico da Sociologia

    ao escrever As origens

    sociais da ditadura e da

    democracia. Senhores

    e camponeses no

    mundo moderno.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    Ao otimismo de Lipset e aos mltiplos caminhos de Barrington

    Moore Jr., Samuel Huntington apresentava uma terceira viso,

    bastante pessimista, a respeito dos processos de modernizao dos

    pases atrasados. Para ele, tais processos resultariam em profundos

    conflitos polticos e sociais, como desdobramento da dissoluo

    dos laos tradicionais de coeso social e da incorporao das

    massas recm-urbanizadas arena poltica, desembocando,

    necessariamente, em regimes polticos autoritrios.

    No Brasil, principalmente a partir de 1964 e ao longo dos

    anos 1970, os socilogos tinham de lidar com uma situao

    bastante diferente da dos norte-americanos. Enquanto estes lidavam

    com perspectivas tericas e com realidades concretas distantes

    dos prprios Estados Unidos, o desafio que se colocava aos soci-

    logos no Brasil era o de compreender o fracasso do nacional-

    desenvolvimentismo isebiano.

    Ao contrrio do que queriam os isebianos, a modernizao

    brasileira, entendida enquanto industrializao e urbanizao, no

    havia resultado em melhoria das condies de vida da maior parte

    da populao brasileira, tampouco a burguesia industrial brasileira

    havia se revelado anti-imperialista. Pelo contrrio, convivera, at com

    bastante conforto, com o que o Iseb entendia como imperialismo.

    E, por falar em imperialismo, o latifndio, tido como um seu aliado,

    no havia sido desmontado pela reforma agrria, o que implica dizer

    que o latifndio no se revelara, como queriam os isebianos, um bice

    modernizao. Para coroar as desiluses isebianas, o golpe militar

    de 1964 havia sepultado a experincia liberal-democrtica iniciada

    pela Constituio de 1946, ambiente poltico no qual o prprio Iseb

    havia florescido. Portanto, os socilogos dos anos 1960 e 1970

    dedicaram-se a refletir sobre a modernizao brasileira a partir de

    uma situao bastante diferente daquela, muito mais otimista, que se

    colocava diante dos isebianos nos anos 1950.

    Diante de tal cenrio, o pensamento sociolgico brasileiro

    empreendeu esforos em diferentes direes, criticando o dualismo

    cepalino, repensando as opes e estratgias dos diferentes atores

    Samuel HuntingtonNascido em 1927,

    um dos mais pol-

    micos socilogos da

    atualidade. Professor

    de Harvard,

    geralmente identificado

    s correntes mais

    conservadoras

    do pensamento

    sociolgico e, alm de

    ter produzido estudos

    sobre a modernizao,

    o autor da tese do

    choque de civilizaes.

    Segundo tal tese, o

    mundo ps-Guerra

    Fria seria marcado

    no mais por conflitos

    ideolgicos, mas

    culturais, estando o

    Ocidente ameaado

    por outras culturas,

    como a islmica.

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    sociais, como o Estado e a burguesia nacional, diante dos desafios

    da industrializao, e repensando tambm as relaes entre o

    Estado e os trabalhadores naquilo que ficou conhecido como a

    Repblica Populista.

    As crticas ao dualismo isebiano

    Foi nos anos 1970 que as crticas ao dualismo isebiano se

    intensificaram, por sua incapacidade estrutural em compreender o

    processo de modernizao capitalista pelo qual o pas passava, em

    que o acelerado crescimento econmico no se fazia acompanhar

    pela melhoria efetiva da qualidade de vida e da incorporao

    de massas ao circuito produo/consumo. A obra fundamental de

    crtica ao dualismo foi, sem dvida, a de Francisco de Oliveira,

    que demonstrou como a persistncia e o aprofundamento das desi-

    gualdades sociais nos anos 1970 eram frutos do desenvolvimento

    capitalista brasileiro, que articulou distintos padres de acumulao

    com a acumulao propriamente capitalista, esta dando o sen-

    tido ao todo. Oliveira demonstrou, assim, como a persistncia

    e o aprofundamento das desigualdades sociais eram frutos do

    desenvolvimento capitalista, no da insuficincia deste, como

    queriam os isebianos. Uma outra crtica importante ao dualismo

    isebiano foi desenvolvida por Luciano Martins. Utilizando o conceito

    de modernizao conservadora, inspirado em Barrington Moore,

    Martins entendia que a modernizao brasileira teria sido feita

    por meio de uma coalizo de elites, na qual a diferenciao das

    estruturas econmicas nas quatro dcadas posteriores a 1930 no

    teria afetado o padro de dominao secularmente existente no

    Brasil. Tal qual na Prssia dos junkers, teria ocorrido, no Brasil,

    uma coalizo entre interesses agrrios e industriais, resultando

    em uma modernizao pelo alto. Para Martins, as assimetrias

    percebidas na sociedade brasileira (seu estudo do incio da dcada

    de 1970, portanto cronologicamente prximo ao de Oliveira) seriam

    plenamente modernas, no resqucios herdados do passado.

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    Portanto, ao contrrio do que queriam os isebianos, o latifndio

    brasileiro, entendido por estes como herana arcaica e aliado do

    imperialismo, teria se revelado, pelo contrrio, um aliado do prprio

    processo de modernizao capitalista do pas.

    Atende ao Objetivo 1

    1. Leia os trechos a seguir de uma crnica escrita em 1921 por Lima Barreto,

    sugestivamente intitulada 15 de novembro.

    Em seguida, escreva um texto de, pelo menos dez linhas, comparando este texto

    com o de Lus Edmundo, lido na aula passada, no que diz respeito viso que

    ambos tinham da realidade brasileira, com nfase na questo do dualismo.

    Escrevo esta no dia seguinte ao do aniversrio da proclamao da Repblica.

    No fui cidade e deixei-me ficar pelos arredores da casa em que moro, num

    subrbio distante. (...) Entretanto, li com tristeza a notcia da morte da princesa

    Isabel. (...) Veio, entretanto, vontade de lembrar-me o estado atual do Brasil,

    depois de trinta e dois anos de Repblica. Isso me acudiu porque topei com

    as palavras de compaixo do Senhor Ciro de Azevedo pelo estado de misria

    em que se acha o grosso da populao do antigo Imprio Austraco. Eu me

    comovi com a exposio do doutor Ciro, mas me lembrei ao mesmo tempo do

    aspecto da Favela, do Salgueiro e outras passagens pitorescas da cidade. Em

    seguida, lembrei-me de que o eminente senhor prefeito quer cinco mil contos

    para reconstruo da avenida Beira-Mar, recentemente esborrachada pelo

    mar. Vi em tudo isso a Repblica; e no sei por qu, mas vi. No ser, pensei

    de mim para mim, que a Repblica o regime da fachada, da ostentao,

    do falso brilho e luxo de parvenu, tendo como repoussoir a misria geral?

    (BARRETO, 1995, p. 45- 46).

    _________________________________________________________________________

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    Comentrio

    Se na aula anterior foi dado a Lus Edmundo o crdito de expressar, bem cedo, uma

    sensibilidade dualista para a realidade brasileira, crdito tambm deve ser dado a Lima

    Barreto como um dos primeiros intelectuais brasileiros a perceber que a convivncia do

    considerado moderno e do atrasado, da riqueza associada ao primeiro e da pobreza

    ao segundo, era uma convivncia de contemporneos. Ao contrrio do que queria Lus

    Edmundo, para Lima Barreto a misria reinante no Rio de Janeiro de sua poca no

    era um resqucio da cidade colonial, mas uma produo da cidade republicana.

    Se a persistncia das desigualdades sociais no eram heranas

    do passado, como queriam os isebianos, como deveriam ser explicadas?

    Quais seriam os papis assumidos no processo de modernizao pelas

    diferentes classes sociais e pelo Estado brasileiro?

    O papel das classes sociais e do Estado no processo de modernizao

    Um tema recorrente na literatura sociolgica sobre a

    modernizao brasileira refere-se fragilidade da burguesia

    nacional e do conseqente papel assumido pelo Estado na

    conduo do processo de modernizao. Para Luciano Martins, a

    frgil burguesia industrial brasileira teria desenvolvido um padro

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    meramente reativo liderana do Estado, o grande protagonista do

    processo de modernizao, advindo da o seu carter autoritrio.

    Martins utilizaria tambm o conceito de desarticulao social

    para explicar o processo brasileiro, chamando a ateno para a

    fragilidade do processo de sedimentao das classes burguesas

    dominantes em pases de industrializao recente e acelerada,

    ensejando as condies para que o Estado e sua burocracia passem

    a desenvolver um papel central na gesto da economia e no processo

    de acumulao capitalista.

    Tambm Joo Manuel Cardoso de Mello afirmava ser a

    burguesia industrial nacional, ancorada em indstrias leves e

    com frgil poder de acumulao, incapaz de definir um padro

    de acumulao alternativo quele que levasse estatizao dos

    novos setores econmicos. Pensando a modernizao capitalista

    brasileira como a de um capitalismo tardio, o autor entende que o

    pas industrializou-se quando, em nvel internacional, o capitalismo j

    havia atingido sua fase monopolista. Neste cenrio, s o Estado teria

    as condies de mobilizar recursos para os investimentos necessrios

    transformao da economia brasileira, particularmente em funo

    da fragilidade de um esquema endgeno de acumulao de capital

    em relao s inverses exigidas pelo capitalismo monopolista.

    Esta tradio, que ope o Estado forte sociedade desar-

    ticulada, no se restringe aos autores brasileiros, tampouco realidade

    brasileira. De fato, interessante notar como a teoria da burguesia

    fraca se repete em formulaes sobre inmeras outras formaes

    sociais, com trajetrias e atores sociais distintos da experincia

    brasileira. Geralmente, as burguesias fracas e os Estados fortes so

    localizados nos pases subdesenvolvidos, ao passo que as burguesias

    fortes e Estados instrumentais so localizados nos Estados Unidos e

    na Europa, com a exceo de pases de industrializao tardia, como

    a Alemanha. Adam Przeworski, no entanto, chama a ateno para a

    fragilidade de tal viso sobre a burguesia como elemento explicador

    da autonomia do Estado e demonstra como, exemplificando com

    os casos ingls, francs e mesmo o alemo, inexiste relao causal

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    entre fragilidade da burguesia e autonomia do Estado: em todos estes

    pases teriam se forjado burguesias com projeto de classe, ao passo

    que o Estado teria permanecido largamente autnomo. No caso

    brasileiro, Snia Draibe afirma que Luciano Martins, ao enfatizar

    os aspectos autoritrios da modernizao capitalista brasileira, feita

    na ausncia de uma burguesia conquistadora, e baseada em uma

    coalizo elitista de formato oligrquico, corre o risco de transformar

    a moderna burocracia econmica em ator isolado do processo de

    industrializao.

    Tambm Eli Diniz desenvolveu uma crtica a essa viso do

    papel reativo da burguesia nacional no processo de modernizao

    capitalista do Pas. Afirma a autora que, embora a primazia do

    Estado na transio para uma moderna economia capitalista, no

    Brasil, seja incontestvel, ela no deve levar a que se descaracterize

    o importante papel de instituies da sociedade civil, como as

    entidades empresariais, enquanto espao de articulao, proposio

    e defesa de interesses dotado de dinamismo prprio.

    A fragilidade da burguesia nacional, assim como da classe

    trabalhadora brasileira, tambm est presente em uma das tradies

    que se tornariam centrais para a anlise da modernizao brasileira.

    A que a entende dentro dos marcos conceituais do populismo.

    A tradio do populismo

    Francisco Weffort, Otvio Ianni e muitos outros socilogos

    brasileiros pensaram a modernizao brasileira a partir do conceito

    de populismo. Apesar das diferenas entre eles, pode-se afirmar que,

    para tal tradio, entre 1930 e 1964, o Brasil teria se urbanizado

    e industrializado nos moldes de uma Repblica Populista.

    A Repblica Populista teria sido resultado, de um lado, de

    uma crise de hegemonia da classe dominante, j no mais agro-

    exportadora mas ainda incapaz de liderar um projeto de classe

    urbano-industrial e, de outro, da falta de conscincia de classe

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    das massas trabalhadoras, recm-urbanizadas e incapazes de

    compreender e agir politicamente enquanto classe trabalhadora.

    nesse cenrio que surge o lder populista, dotado de carisma e

    capacidade de mobilizar as massas, manipulando-as em troca de

    polticas sociais e cujo objetivo final fazer avanar o processo

    de urbanizao e industrializao.

    Para Weffort, o sistema populista se desenvolveu no perodo

    de crise da oligarquia e do liberalismo, que se aprofundou a partir

    dos anos 1920 e 1930. A partir de ento, quando a urbanizao

    e a industrializao se aprofundaram, a sociedade brasileira teria

    vivido um complexo processo de incorporao das massas arena

    poltica, o que teria ensejado algum grau de autoritarismo na

    conduo da vida pblica, fosse o autoritarismo de Vargas entre

    1937 e 1945, fosse o autoritarismo paternalista ou carismtico

    dos lderes da democracia de 1946-1964, com destaque para o

    prprio Vargas em seu segundo governo (1951-1954). O populismo

    expressava, tambm, na viso de Weffort, a debilidade dos grupos

    dominantes urbanos quando, diante da iminncia de constituio

    de um capitalismo nacional, tiveram de substituir as oligarquias

    tradicionais, de base agrria, na conduo da vida pblica.

    Em outras palavras, para Weffort o populismo seria resultado

    da crise de hegemonia da oligarquia e da emergncia de uma nova

    aliana de poder no interior do aparelho de Estado. No entanto,

    esta aliana seria caracterizada pela ausncia de hegemonia, ou

    melhor, pela incapacidade de qualquer um dos novos scios do

    poder em construir uma nova hegemonia, resultando em um Estado de

    Compromisso. Nas condies do Compromisso, a instabilidade poltica

    que marcou o perodo at 1964 teria tido sua gnese na personalizao

    do poder, na imagem, meio real e meio mtica, da soberania do Estado

    sobre o conjunto da sociedade e na necessidade de participao,

    no jogo poltico-institucional, das massas populares urbanas.

    Segundo Weffort, o fundamento do que ele chama de sistema

    populista seria uma:

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    Histria e Sociologia

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    Estrutura institucional de tipo autoritrio e semicorporativa,

    orientao poltica de tendncia nacionalista, antiliberal

    e antioligrquica; orientao econmica de tendncia

    nacionalista e industrialista; composio social policlas-

    sista mas com apoio majoritrio das classes populares

    (WEFFORT, 1980, p. 84-85).

    Uma outra abordagem do populismo a de Francisco de

    Oliveira, que o define como a revoluo burguesa no Brasil.

    Para Oliveira, ao contrrio da revoluo burguesa clssica, a

    brasileira teria prescindido de uma ruptura total do sistema de poder,

    mantendo parte do poder das classes proprietrias rurais. A revoluo

    brasileira teria se caracterizado, em verdade, pela construo de um

    novo modo de acumulao, voltado para dentro, tendo sido preciso,

    para tal, a adequao das relaes de produo:

    O populismo a larga operao dessa adequao,

    que comea por estabelecer a forma de uno do

    arcaico e do novo, corporativista como se tem as-

    sinalado, cujo epicentro ser a fundao de novas

    formas de relacionamento entre o capital e o trabalho,

    a fim de criar as fontes internas da acumulao. A le-

    gislao trabalhista criar as condies para isso

    (OLIVEIRA, 1975, p. 30-31.)

    O conceito de populismo, ainda que largamente utilizado hoje

    em dia, comeou a ser crescentemente criticado por historiadores

    a partir de fins dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980. ngela

    de Castro Gomes, principalmente, criticou a viso de que os

    trabalhadores teriam se deixado manipular por lderes populistas,

    o que encerraria a percepo de que o Estado seria todo-poderoso

    e, os trabalhadores, passivos. Criticando tambm a viso, encerrada

    no conceito de populismo, de que os trabalhadores brasileiros no

    teriam conscincia de classe, a partir da viso de que no existe uma

    conscincia de classe correta, Gomes afirma que, no perodo em

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    questo, teria se consolidado, entre a classe trabalhadora brasileira

    e o Estado, um pacto, ao qual denomina trabalhista, segundo o qual

    a classe trabalhadora teria obtido ganhos simblicos e materiais em

    troca de apoio ao projeto trabalhista.

    CONCLUSO

    O perodo compreendido entre 1930 e 1964, e que o cerne

    das reflexes da sociologia brasileira da modernizao, acabou por

    ser largamente compreendido a partir do conceito de populismo.

    Para alm da crtica a tal conceito formulado por, dentre outros,

    ngela de Castro Gomes, importante salientar que o conceito de

    populismo acabou por extrapolar o circuito acadmico para penetrar

    no debate pblico. Ao faz-lo, ele ganhou uma dimenso pejorativa,

    desqualificadora. Populista , como diria Gomes, o inimigo, o outro,

    o que coopta as massas populares e as manipula. Com isto, no

    s toda uma tradio poltica, o trabalhismo, desqualificada,

    como a prpria classe trabalhadora percebida como incapaz de

    compreender-se a si prpria e os seus interesses.

    Esta uma das razes pelas quais Gomes rejeita a utilizao

    do conceito de populismo. Se a funo dos conceitos contribuir

    para produzir compreenso sobre um determinado fenmeno, o fato

    de o conceito de populismo ter adquirido uma dimenso negativa

    acaba por contaminar sua funo. Assim, ele pode acabar por

    produzir no compreenso, mas condenao sobre um perodo

    fundamental da histria do Brasil.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2

    Atividade Final

    Atende ao Objetivo 2

    Leia o poema a seguir de Lisindo Coppoli sobre Getlio Vargas, publicado em 1953,

    e identifique os elementos que podem ser associados tradio do populismo.

    Fala o pai dos pobres

    Trabalhadores do Brasil! Meus filhos!

    Lembro-me bem de vs, nem poderia

    ...................................................................

    Sois vs, trabalhadores maltrapilhos,

    Os detentores da soberania,

    Vs, que, perseverando, haveis de, um dia,

    Pr nossa ptria sobre novos trilhos. c

    Que a vossa grande f no esmorea;

    ....................................................................

    .................................................................................

    Firmes em nossos ideais to nobres,

    Sempre, em mim, vs tereis o mesmo pai,

    E em vs eu terei sempre os mesmos pobres!

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    ________________________________________________________________________________

    ________________________________________________________________________________

    ________________________________________________________________________________

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    Histria e Sociologia

    Comentrio

    So vrios os elementos do poema que podem ser identificados tradio do

    populismo, a comear de seu ttulo. A viso de Getlio como pai dos pobres remete

    viso destes como menores, portanto, como tendo a necessidade de serem tutelados

    pelos mais velhos. Por outro lado, a idia de pai remete tambm necessidade de

    proteo, como se os trabalhadores brasileiros no tivessem capacidade de, por si ss,

    tomarem suas prprias decises. Por outro lado, o princpio da cooptao dos pobres

    pelo poder est sempre presente, assim como a idia de que, no fundo, o lder, apesar

    de revelar-se como protetor dos pobres, implementa o poder em favor dos ricos.

    Em suma, o poema de Coppoli inspira-se no famoso ditado de que

    Vargas seria o pai dos pobres e a me dos ricos.

    RESUMO

    O desenvolvimentismo cepalino, ao se revelar incapaz de

    produzir compreenso sobre a modernizao brasileira, deu lugar a

    novas interpretaes sobre esta. A crtica ao dualismo, uma anlise

    mais detida sobre o papel dos agentes sociais e a tradio terica

    do populismo foram, todas, tentativas de anlise que objetivavam

    compreender as razes pelas quais o Brasil modernizou-se e in-

    dustrializou-se sem, contudo, realizar as reformas tidas como

    necessrias pela Cepal, como a agrria, e sem superar seus graves

    problemas sociais.

    Informao sobre a prxima aula

    Na prxima aula, voc vai entrar em contato com um dos

    temas mais polmicos do pensamento sociolgico brasileiro, e de

    grande atualidade, que um desdobramento das reflexes feitas

    nas Aulas 11 e 12 sobre a modernizao brasileira: o problema

    das desigualdades sociais.

  • Aula 13

    Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Meta da aula

    Identificar as dimenses da desigualdade social no contexto europeu e as formas pelas

    quais ela vem sendo representada historicamente na reflexo sociolgica.

    Objetivos

    Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:

    1. reconhecer a dimenso sociolgica do tema da desigualdade social;

    2. identificar as especificidades histricas das desigualdades sociais;

    3. reconhecer as diferentes linguagens da sociologia que buscam representar o tema

    das desigualdades sociais.

    Pr-requisitos

    Para que voc encontre maior facilidade ao estudar esta aula, reveja a Aula 4, sobre

    Durkheim e Marx, que tratava a questo social na Europa do sculo XIX, e as Aulas

    10 e 11, sobre tenso racial, preconceito e integrao do negro; a Aula 12, sobre

    desigualdade social; e a Aula 14, sobre modernizao, industrializao e urbanizao.

    Elas so relevantes para a compreenso do tema da desigualdade social.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    INTRODUO

    A pobreza e sua verso mais severa, a misria um

    fenmeno to presente na vida brasileira que, muito provavelmente,

    voc j a considera parte da paisagem social, ou seja, voc caminha

    hoje pelas ruas dos grandes centros urbanos e invariavelmente

    esbarra na misria. Pessoas nas ruas pedindo dinheiro, os chamados

    sem-teto, os doentes, os famintos, os abandonados, os carentes,

    que j compem naturalmente a paisagem urbana nas grandes

    cidades no Brasil e no exterior. Por outro lado, voc tambm

    observa os mais ricos, os mais aquinhoados, aqueles que exibem

    suas riquezas por meio de bens de consumo: carros, roupas caras,

    jias e, provavelmente, voc tambm os enxerga como parte da

    paisagem urbana. Entretanto, se paramos para refletir detidamente

    sobre a pobreza e a riqueza, a misria e a opulncia, a carncia e

    a fartura, provvel que o que antes era naturalmente parte da

    paisagem transforme-se em um problema, em uma questo e, at

    mesmo, em um desafio. Esse o movimento que a sociologia realiza.

    Ela se pergunta: a pobreza e a riqueza sempre existiram? justo

    que a sociedade se divida entre ricos e pobres? Por que uns tem

    muito e outros nada? Qual a distncia tolervel que deve separar

    ricos de pobres? Quando a desigualdade social se transforma em

    um risco para a ordem social?

    Essas perguntas cercam um fenmeno tpico da modernidade

    que buscaremos tratar na presente aula: a desigualdade social.

    Esse fenmeno, especialmente a partir do sculo XIX, transforma-se,

    por assim dizer, em um dos maiores problemas da modernidade

    de difcil soluo enfrentados no Brasil e no mundo. Nem

    todos, contudo, esto realmente atentos a essa questo. Poucos

    se indagam sobre como as sociedades conseguem conviver e se

    manter em ordem, ou seja, sem revolues ou guerras civis, frente

    desigualdade social. Muitas vezes os mais ricos so indiferentes aos

    pobres, e alguns pobres muitas vezes imaginam que natural que

    outros tenham muito dinheiro e que eles no tenham quase nada.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Alguns se resignam diante da desigualdade; outros, porm, podem

    pensar que essa distncia social uma injustia. H, ainda, aqueles

    que podem naturalizar essa distncia atribuindo-a vontade de

    Deus. Nessa perspectiva, convm perguntar: ser que voc realmente

    enxerga a desigualdade social no Brasil? Em que circunstncias

    voc identifica a desigualdade social? Que razes voc identifica

    para a desigualdade social? Como voc ajuza sobre a distncia

    entre ricos e pobres? Qual a distncia tolervel? Qual a sua

    opinio sobre a desigualdade social? Como voc se v em um pas

    socialmente desigual? Por que alguns pases so mais socialmente

    desiguais do que outros? Quais as razes filosficas, histricas e

    sociolgicas da desigualdade social? Ainda que reconheamos em

    nosso cotidiano as imagens da desigualdade social, nem sempre a

    consideramos com a profundidade que ela merece. Em muitos casos,

    reconhecemos a desigualdade mas no enxergamos as razes da

    sua emergncia histrica, sequer nos envolvemos diretamente com

    os seus impactos sobre os indivduos e a sociedade ou, vale dizer,

    com as possibilidades de contribuir para a sua superao.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Voc deve dirigir sua ateno agora para as questes que

    mobilizaram o surgimento da Sociologia desde o sculo XIX.

    Lembre-se de Durkheim (Aula 4): como uma sociedade pode se

    manter coesa mesmo quando seus indivduos encontram-se em

    posies desiguais? Como uma sociedade pode se desenvolver

    pacificamente mesmo quando os interesses dos indivduos so

    distintos ou quando alguns indivduos so mais recompensados

    do que outros? O que assegura a paz social quando alguns

    podem ter acesso a uma maior quantidade de bens de consumo e

    propriedade, enquanto outros no podem? Essas so questes

    que, desde autores como Hobbes, Locke, Rousseau, Adam Smith,

    Durkheim e Marx, desafiam a imaginao filosfica e sociolgica

    no Ocidente.

    As origens da desigualdade segundo Rousseau

    Muitos pensadores nos sculos XVII e XVIII se inquietavam

    com as condies de emergncia da ordem social. Como possvel

    a sociedade? Como homens com status diferenciados podem viver

    em sociedade? Se os homens so naturalmente egostas, como

    eles podem viver em sociedade? Mesmo considerando todos os

    homens como parte de uma mesma natureza humana, intrigava a

    esses pensadores o porqu de alguns tornarem-se mais poderosos

    do que outros. Por que alguns alcanavam a glria e outros no?

    Por que alguns possuam reconhecimento e propriedades e outros

    no? Por que alguns possuam riquezas e outros no? Se para esses

    pensadores, sobretudo os chamados contratualistas, os homens

    nascem iguais, ou seja, so parte de uma mesma humanidade,

    que os filsofos do direito natural chamavam natureza humana,

    o que, ento, os teria tornado desiguais? Autores contratualistas

    como Rousseau, por exemplo, buscaram compreender a origem das

    desigualdades entre os homens pelo chamado mtodo heurstico.

    Tratava-se de pensar em uma situao hipottica, mas logicamente

    ContratualistasEscola que floresceu

    na Europa entre os

    sculos XVII e XVIII. Teve

    como mais conhecidos

    representantes, Hobbes

    (1588-1679), Locke

    (1632-1704) e Rousseau

    (1712-1778). Ainda

    que esses autores no

    pensassem exatamente

    da mesma maneira,

    adotaram uma mesma

    estrutura conceitual a fim

    de afirmar o poder do

    consenso na manuteno

    da sociedade e do

    Estado. Para Hobbes, as

    paixes levam os homens

    ao pacto a fim de garantir

    a paz social; para

    Locke, a razo o motor

    do consenso entre os

    homens; para Rousseau,

    a busca da felicidade

    instituda como vontade

    geral permite o contrato

    entre os homens.

    Mtodo heurstico Parte da pesquisa que

    visa favorecer o acesso a

    novos desenvolvimentos

    tericos ou descobertas

    empricas. Define-se

    procedimento heurstico

    como um mtodo de

    aproximao das

    solues dos problemas,

    que no segue um

    percurso claro mas que se

    baseia na intuio e nas

    circunstncias a fim de

    gerar conhecimento novo.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    plausvel, que permitisse refletir sobre as razes das desigualdades

    entre os homens. Rousseau vislumbrava uma natureza humana

    segundo a qual, na origem dos tempos, os homens teriam nascidos

    rigorosamente iguais, destitudos de propriedade, razo ou poder,

    aos que ele chamava bom selvagem ou homem natural. Eram

    desprovidos de interesse e cobia. Somente quando se introduz

    entre os homens a necessidade do trabalho, da sobrevivncia,

    com o surgimento da sociedade, surgem a vontade de poder, o

    desejo de subjugar o outro, a inveja e a cobia. Essa diferenciao

    fundamentada na propriedade permite a escravizao de uns por

    outros, inaugurando as desigualdades entre os homens. Nos termos

    de Rousseau, a civilizao, a sociedade civil, retiraria o homem da

    sua bondade natural e original, tornando-o competitivo, egosta e

    individualista.

    As desigualdades identificadas especialmente por Rousseau,

    derivam da observao de uma sociedade marcada por diferenciaes

    quanto posio social, ao status e ao poder poltico. Na reflexo

    antropolgica de Rousseau, a desigualdade no est na origem.

    Est justamente na vida civilizada, na vida em sociedade.

    Ele desenha a evoluo do homem at o surgimento da sociedade,

    de maneira hipottica, como ele diz no Discurso: Comecemos por

    prescindir dos fatos e imaginemos a existncia fictcia de um estado

    de natureza que teria precedido a entrada dos seres humanos em

    sociedade. Na verdade, a sua crtica tambm uma denncia

    que se dirige ao Antigo Regime, ou seja, ao regime absolutista e

    s desigualdades que ele reproduz que acabam por separar os

    indivduos: desigualdades de origem moral, social e poltica. Se os

    homens nascem iguais, ento, pela lgica de Rousseau, no seria

    a desigualdade algo natural. A desigualdade , para Rousseau,

    resultado da civilizao, do interesse privado, da transformao

    do bom selvagem em homem egosta.

    Jean-Jacques RousseauNasceu em Genebra

    em 1712 e morreu em

    Ermenoville em 1778.

    Filsofo suo, escritor

    e terico poltico, foi

    um dos mais relevantes

    filsofos do iluminismo

    francs. Suas idias

    influenciaram os lderes

    da Revoluo Francesa.

    Em 1755 escreveu

    Discurso sobre a origem

    e os fundamentos da

    desigualdade entre

    os homens, trabalho

    no qual os temas da

    desigualdade e da

    injustia so tratados

    como resultado

    da competio e

    da hierarquia na

    sociedade. Para ele,

    da prpria civilizao

    viriam os males que

    afligem o homem

    civilizado. Em estado

    natural os homens

    seriam iguais, a

    civilizao que se

    encarrega de introduzir

    a desigualdade. autor

    de uma vasta obra

    que inclui seu mais

    conhecido trabalho:

    O contrato social.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Pobreza e desigualdade da perspectiva da Sociologia

    A compreenso sociolgica da desigualdade social s

    ganhar maior nitidez com a Revoluo Francesa. Era preciso que

    um acontecimento poltico e histrico trouxesse cena pblica a

    pobreza em sua verso mais aguda a misria, les malhereaux ,

    como dizia Saint-Just.

    A revoluo colocou de ponta-cabea todo o edifcio do

    Antigo Regime, antes acomodado na hierarquia, no privilgio, nas

    diferenas de status e nas suas desigualdades. Descortinava-se, ento,

    um mundo de pobreza to avassalador que a prpria liberdade pela

    qual se lutava na Revoluo Francesa foi perdendo espao para

    a luta que emergia como mais relevante: a luta pela igualdade.

    A pobreza seria, a partir da Revoluo Francesa, compreendida

    como uma questo social contra a qual o ideal da igualdade,

    atravs do estado e da poltica, se afirmaria. Agora, a oposio

    entre igualdade e desigualdade social marcaria a preocupao no

    apenas dos revolucionrios, mas tambm dos estudiosos dessa nova

    sociedade que se inaugurava com a Revoluo Francesa.

    Figura 13.1: Tomada da Bastilha (Prise de la Bastille) de Jean-Pierre

    Louis Laurent Houel (1735-1813).

    Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bastilha

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Voc agora convidado a pensar em diferentes cenrios sociais

    e nas transformaes histricas das noes de riqueza e pobreza.

    Cenrio 1: Pensemos no Antigo Regime, no ano hipottico

    de 1737. Em algum lugar da Frana havia um campons, o Sr.

    Jean-Paul, que era pobre, mas no passava necessidade. Era capaz

    de se alimentar, de ter acesso ao moinho e proteo do senhor

    ou do proprietrio provavelmente um aristocrata das terras em

    que ele vivia. Suas relaes com esse senhor eram marcadas pela

    diferenciao de status e de direitos. A desigualdade social era

    um dado quase natural dessa diferenciao. O Sr. Jean-Paul podia

    se sentir um pouco injustiado por ser pobre, mas no ao ponto

    de achar que ele poderia alterar aquela situao. Aquele era um

    dado da tradio e at, em uma perspectiva religiosa, uma vontade

    divina imutvel. Ele, nesses termos, no se imaginava no lugar do

    seu senhor. O seu horizonte de desejo no inclua a possibilidade

    de alguma mobilidade social. Lembre que nessa poca as idias

    ilustradas de liberdade e igualdade conduzidas mais amplamente

    pela Revoluo Francesa no estavam popularizadas. Tampouco

    os direitos do homem e do cidado. Aguarde, pois mais adiante

    teremos outros cenrios.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Pensemos um pouco mais nos significados da desigualdade

    social. Provavelmente quando voc pensa em desigualdade social

    voc a traduz como uma noo ligada esfera econmica, como

    expresso das desigualdades entre ricos e pobres ou, em linguagem

    mais sociolgica, desigualdades entre classes sociais. A traduo

    econmica da desigualdade social uma das mais conhecidas e

    possui uma histria que voc j viu em aulas anteriores. Nasce com a

    modernidade no sculo XIX, com o advento da sociedade industrial e

    do mercado de trabalho. Mas, antes disso, a desigualdade social j era

    um problema mesmo para os filsofos sociais, como vimos em Rousseau.

    Quando a igualdade poltica e social se torna relevante, isto , objeto

    de desejo dos indivduos, a desigualdade passa a ser vista como uma

    injustia, um desvio da idia de que todos os homens nascem iguais.

    Antes da Revoluo Francesa, no Antigo Regime, a desigualdade social

    no era uma questo poltica, sequer uma questo de justia. A ordem

    social era hierarquicamente diferenciada, com cada segmento social,

    que podemos chamar casta, ocupando um lugar previamente conhecido

    e legitimado pela tradio. A ordem dos nobres ou aristocratas, do

    clero, dos burgueses e dos camponeses. Antes da modernidade, as

    possibilidades de mobilidade de um segmento ou casta social para

    outros eram raras. A nobreza, o clero, a burguesia e os camponeses,

    todos estavam marcados pelos seus lugares de origem, de nascimento,

    e exerciam uma funo prpria nos segmentos do quais eram parte,

    como vimos no caso do campons Jean-Paul. Raramente, no Antigo

    Regime, o indivduo de um segmento colocava em dvida o seu

    lugar de origem a fim de almejar posies em outros seguimentos.

    As idias iluministas j no sculo XVIII reproduzem, especialmente

    no ambiente burgus, a crtica estrutura social e poltica rgida e

    hierrquica do Antigo Regime. A Revoluo Francesa resultado,

    com efeito, de uma crescente insatisfao inicialmente manifestada

    pela burguesia, casta social mais prxima da nobreza, insatisfeita

    com os privilgios da ltima. Observa-se entre a burguesia e a

    nobreza o que alguns autores chamam privao relativa, ou seja,

    quanto mais prximo voc se encontra de outro segmento social que

    possui privilgios que o seu grupo de origem no possui, maiores

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    as chances de que voc perceba a sua posio na sociedade como

    uma expresso de injustia. Por que o conde de Lion tem privilgios

    e eu, um empresrio burgus, no? Se eu tenho mais dinheiro

    que o conde, por que no posso ter os mesmos privilgios que

    ele? Essa percepo, j no final do Antigo Regime, da injustia

    naquela estrutura social hierarquizada e rgida acalentaria o desejo

    poltico de alterar esse status quo. A Revoluo Francesa seria,

    tambm, a conseqncia poltica daquela percepo de injustia

    que nasce ainda no Antigo Regime. A expanso dos direitos civis,

    com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado todos os

    homens so iguais... , trouxe a expectativa de uma ordem social

    mais igualitria. A igualdade um alvo no horizonte dos desejos

    do agora cidado transforma-se em um ideal a ser atingido e tudo

    o que contraria esse objeto do desejo passa a ser negativamente

    denominado desigualdade.

    Atende ao Objetivo 1

    1. Comente os seguintes aspectos dos itens retirados da Declarao dos Direitos do Homem

    e do Cidado: O que se entende por igualdade na Declarao? Como conciliar igualdade

    e garantia da propriedade? Como a liberdade considerada na Declarao?

    Status quo Expresso latina para

    designar o estado

    atual das coisas

    ou das situaes.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado: 26 de agosto de 1789

    Os representantes do povo francs, constitudos em Assemblia Nacional,

    considerando que a ignorncia, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do

    homem so as causas nicas da infelicidade pblica e da corrupo dos governos,

    resolvem expor, numa declarao solene, os direitos naturais, inalienveis e

    sagrados do homem, a fim de que esta declarao, constantemente presente a todos

    os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar seus direitos e seus deveres,

    a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser,

    a cada instante, comparados com a meta de toda instituio poltica, sejam mais

    respeitados, a fim de que as reclamaes dos cidados, fundadas de agora em

    diante sobre princpios simples e incontestveis, se destinem sempre manuteno

    da constituio e felicidade de todos. Por conseguinte, a Assemblia Nacional

    reconhece e declara, em presena e sob os auspcios do Ser Supremo, os seguintes

    direitos do homem e do cidado:

    Artigo 1. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distines

    sociais no podem ser fundamentadas seno sobre a utilidade comum.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Artigo 2. A finalidade de toda associao poltica a conservao dos direitos

    naturais e imprescritveis do homem. Esses direitos so: a liberdade, a prosperidade,

    a segurana e a resistncia opresso.

    Artigo 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que no prejudique a

    outrem; assim sendo, o exerccio dos direitos naturais de cada homem no tem

    outros limites seno os que assegurem aos demais membros da sociedade o gozo

    desses direitos. Tais limites no podem ser determinados seno pela lei.

    Artigo 6. A lei a expresso da vontade geral. Todos os cidados tm direito de

    concorrer, pessoalmente ou pelos seus representantes, na sua formao. Ela tem de

    ser a mesma para todos, quer seja protegendo, quer seja punindo. Todos os cidados,

    sendo iguais aos seus olhos, so igualmente admissveis a todas as dignidades,

    lugares e empregos pblicos, segundo a capacidade deles, e sem outra distino

    do que a de suas virtudes e talentos.

    Artigo 10. Ningum deve ser molestado pelas suas opinies, mesmo religiosas, desde

    que sua manifestao no perturbe a ordem pblica, estabelecida pela lei.

    Artigo 17. Sendo a propriedade um direito inviolvel e sagrado, dela ningum

    pode ser privado, salvo quando a necessidade pblica, legalmente verificada, o

    exigir evidentemente e com a condio de uma justa e prvia indenizao.

    Comentrio

    A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789 foi objeto de dois sentimentos

    opostos. Se por um lado ela representava a possibilidade de um mundo novo, mais livre e

    igualitrio, valores saudados na era da ilustrao pelos chamados progressistas, por outro,

    observava-se uma reao a esses valores, sobretudo pelos conservadores, adeptos da

    chamada tradio moral e, em alguns casos, da tradio religiosa. Para estes a tentativa do

    povo francs de instaurar os sagrados Direitos do Homem e de conquistar a liberdade poltica

    no fez mais do que atirar esse mesmo povo na barbrie. Para estes, a liberdade poderia

    gerar anarquia e a igualdade poderia favorecer um governo tirnico. Para os socialistas,

    dcadas mais tarde, a Declarao era incompleta, pois no abolia a propriedade privada.

    Ao contrrio, resguardava-a. Era uma salvaguarda ao Estado liberal. A Declarao dos Direitos

    do Homem e do Cidado e a Revoluo resultavam para alguns em mudanas inditas e

    justas e para outros significava promessas vs e irresponsveis cujo resultado era exatamente

    o oposto do que o que aqueles fenmenos polticos propunham.

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    Histria e Sociologia

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    Revoluo Industrial, pauperismo e desigualdade social

    No era apenas na Frana que o fenmeno da pobreza mostrava

    a sua cara. Na Inglaterra, ou melhor, em Londres, em Manchester,

    nas cidades industriais inglesas, o fenmeno da pobreza est

    acompanhado, paradoxalmente, do fenmeno da opulncia. Podemos

    observar, sobretudo no sculo XIX, no pice da Revoluo Industrial

    inglesa, alguns importantes indicadores desse cenrio: o fortalecimento

    do Imprio britnico por meio da aventura colonizadora, o aumento

    da riqueza, especialmente da riqueza mvel e da propriedade dos

    burgueses, a alta produtividade nas indstrias o crescimento urbano, as

    manufaturas no campo e nas cidades etc. Observamos, simultaneamente,

    o aumento da pobreza, a indigncia, a explorao dos trabalhadores

    com longas jornadas de trabalho, o trabalho infantil, a prostituio, a

    misria, a marginalidade. Estamos diante de um interessante paradoxo

    que mobilizou a imaginao sociolgica no sculo XIX. Voc talvez

    se pergunte: ser que todos os avanos alcanados pela Revoluo

    Industrial s foram possveis custa de muita misria? Essa pergunta

    era formulada pelos socilogos, demgrafos e pelos economistas do

    sculo XIX que buscavam desvendar esse cruel paradoxo.

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    As explicaes para a pobreza e para a desigualdade social

    O paradoxo da coexistncia do pauperismo e da opulncia

    mobilizaria pensadores liberais e empreendedores, que identificavam

    nessa nova situao social uma clara ameaa manuteno da

    sociedade. Ainda na poca de Adam Smith, no final do sculo

    XVIII, acreditava-se que os indivduos eram dotados de interesses,

    mas que eram tambm dotados de sentimentos morais. Uma

    nao, para Adam Smith, no poderia ser rica e prspera se toda

    a sua populao no experimentasse os benefcios dessa riqueza.

    O que adiantaria uma nao rica se grande parte de sua populao

    permanecesse pobre? Impunha-se aqui um dilema moral. Adam Smith,

    partilhando essa crena moral com alguns filsofos sociais do seu

    sculo, imaginava que o prprio mercado, por meio do que ele

    chamava mo invisvel, encarregar-se-ia de tornar harmnica

    a sociedade uma vez que, segundo ele, o padeiro precisaria do

    aougueiro e vice-versa. Da mesma maneira, o empresrio precisaria

    do trabalhador e vice-versa. Como o mercado auto-regulvel est

    baseado na interdependncia de seus membros, seria natural que

    a sociedade pudesse ser organizada pelo prprio mecanismo

    das trocas de mercado. Esse mecanismo beneficiaria a todos.

    Entretanto, ao longo do processo de revoluo industrial, conclua-

    se que o mercado, deixado livre, ou seja, o mercado auto-regulvel,

    era mais imperfeito do que perfeito. Favorecia mais aos que j

    detinham a propriedade dos meios de produo (o empresrio) do

    que aqueles que tinham de vender a sua fora de trabalho. Com

    as cidades inchando e com o aumento de mo-de-obra disponvel,

    Adam Smith Nascido em 1723 na

    Esccia. Economista

    e filsofo, chamado

    pai da economia

    moderna, considerado

    um dos maiores

    tericos do liberalismo

    econmico. Acreditava

    que a iniciativa privada

    deveria estar livre da

    interveno do governo.

    Para ele, o mercado

    livre, movido pelos

    interesses egostas do

    indivduos, levado

    pela mo invisvel a

    promover algo que no

    era parte do interesse

    individual: o bem-estar

    da sociedade. Seu livro

    mais conhecido Uma

    investigao sobre a

    natureza e a causa da

    riqueza das naes

    (1776). Morreu em

    1790 em Edimburgo.

    Mo invisvel Metfora utilizada por Adam Smith (1723-1790) para descrever o

    resultado no intencionado das aes dos indivduos preocupados com o

    seu prprio interesse. No livre mercado, quando os indivduos perseguem

    seus prprios interesses, tendem a promover tambm o bem da sua

    comunidade. H uma mo invisvel que dirige os interesses privados em

    direo a um benefcio pblico.

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    Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2

    tornava-se fcil para o empresrio impor as suas condies, quase

    sempre para ele vantajosas (salrios baixos e longa jornada de

    trabalho