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PAUL CELAN

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Paul Celan, Viena 1947-48

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Título: Arte Poética

Paul Celan

Arte PoéticaO Meridiano e outros textos

Tradução deJoão Barrento e Vanessa Milheiro

Posfácio e notas deJoão Barrento

© Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1971© Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 1996

Concepção gráfica de João Botelho

ISBN 972-8028-67-9 Cotovia

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Índice

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Edgar Jené e o sonho do sonho 11Contraluz 23Resposta a um inquérito da Librairie Flinker, Paris

(1958) 29Alocução na entrega do Prémio Literário da Cidade

Livre e Hanseática de Bremen 31Diálogo na montanha 35O Meridiano 41Carta a Hans Bender 65Resposta a um inquérito da Librairie Flinker, Paris

(1961) 69Resposta a um inquérito da revista "Der Spiegel" 71Alocução na Asociação de Escritores Hebraicos 73

Posfácio 75

Bibliografia 85

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A poesia já não se impõe, expõe-se.

Paul Celan26 de Março de 1969

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Edgar Jené e o sonho do sonho'(1948)

Espera-se de mim que diga algumas palavras queouvi no fundo do mar, onde tanta coisa é silenciada <';.

tanta coisa acontece. Abri uma brecha nas obstruçõese objecções da realidade e encontrei-me diante doespelho do mar. Tive de esperar um pouco até que elese estilhaçasse e eu pudesse entrar no grande cristal domundo interior. Tendo sobre mim a grande estrela infe-rior dos desconsolados descobridores, segui Edgar Jenésob os seus quadros.

Mesmo sabendo que tinha uma viagem penosa pelafrente, fiquei desnorteado quando quis seguir uma dasestradas, sozinho e sem guia. Uma das estradas! Eraminúmeras estas estradas e cada uma convidava-me apercorrê-Ia, cada uma oferecia-me um par de olhosdiferentes para observar o espaço belo e selvagem dooutro lado, o mais fundo, do ser. Não admira que nessemomento, vendo ainda com os meus velhos olhosobstinados, me tenha posto a fazer comparações para

1 O texto foi escrito para o catálogo de uma exposição do pintorEdgar Jené (Der Traum vom Traume. Com 30 reproduções e uma notaprévia de Otto Basil. Viena: Agathon 1948). Reimpressão na revistaDie Pestsliule(Viena), Vol. 1 (1972-73), Nr. 1, pp. 22-25

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ARTE POÉT1CA

poder escolher. Mas a minha boca estava acima dosmeus olhos e era mais audaz, porque muitas vezes tinhafalado no sono, tinha-se-me antecipado e gritou-me oseu sarcasmo: "Meu velho merceeiro das identidades!O que é que viste e conheceste, pertinaz doutor datautologia? Diz lá, o que é que conheceste à beira dessanova estrada? Uma também-árvore ou uma quase-árvore,não é? E agora vais buscar todo o teu latim paraescreveres uma carta ao velho Lineu? Vai antes buscarum par de olhos ao fundo da tua alma e põe-nos aopeito - e então saberás o que aqui se dá a ver".

Ora, acontece que eu' sou aI uém ue ama as.Qalavras sin elas. Na verdade, antes de iniciar estaviagem, _tinha com reendido ue só havia maldade efalsidade nesse mundo ue eu tinha abandonado. Masacreditava que, se chamasse as coisas elo seu nome,conseguiria abalar os seus alicerces .. Sabia que talempresa pressupunha o re. resso a uma in, enuidadeincondicional. Eu via esta ingenuidade como uma visão,original e purificada, da escória de séculos de velhasmentiras sobre este mundo. Ocorre-me aqui umaconversa com um amigo, que surgiu a partir do ensaiode Kleist Sobre o Teatro de Marionetas.' Como poderia,porém, ser recuperada essa graça original cuja existênciaserve de título ao último, e por isso também inultra-passável, capítulo da História da humanidade? O meu

2 O ensaio de Kleist tem tradução portuguesa: As Marionetas.Trad. de Luís Bruhein eAníbal Fernandes. Lisboa: Hiena 1988

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EDGAR JENÉ E O SONHO DO SONHO

amigo interpretava-o assim: por meio de uma purificaçãoracional da nossa vida psíquica inconsciente, podíamosreconquistar essa originalidade que foi a do princípio, eque também no fim poderia dar sentido a esta vida etorná-Ia digna de ser vivida. Nesta perspectiva, princípioe fim coincidiam, e qualquer coisa como o luto peloprimeiro pecado original ganhou voz. Era precisoderrubar o muro que separa o hoje do amanhã, e oamanhã tornar-se-ia novamente no ontem. Deveriadominar a razão, ser restituído às palavras, e porconseguinte às coisas, às criaturas e aos acontecimentos,o seu sentido verdadeiro, lavando-as com a água régiada razão. Uma árvore deveria tornar-se novamenteárvore e o seu ramo, do qual em centenas de guerras sependuraram rebeldes, num ramo florido, quando fossepnmavera.

Revelava-se aqui a primeira das minhas objecções.Na verdade, ela mais não era do que a constatação deque o acontecido era mais do que um acrescento ao quejá é, mais do que um atributo mais ou menos dificilmenteeliminável da substância das coisas; era, sim, algumacoisa que mudava na sua essência esta substância, umforte precursor de uma permanente transformação.

O meu amigo insistia. Mesmo na torrente daevolução humana, afirmou, era capaz de distinguir aconstante da vida psíquica, de identificar os limites doinconsciente, e tudo se resolveria quando a razãodescesse às profundezas e trouxesse à superfície a águado poço escuro. Também este poço tinha o seu fundo,

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ARTE POÉTICA EDGAR JENÉ E O SONHO DO SONHO

que era alcançável; e se à superfície estivesse tudo bempreparado para receber as águas das profundezas ebrilhasse o sol da justiça, já muito do trabalho estariafeito. Mas como é que poderemos chegar a esse ponto,se tu e outros como tu nunca abandonam as profundezase estão sempre em diálogo com as fontes obscuras?

Compreendi que se tratava de uma censura dirigidaà minha profissão de fé numa posição que, por identi-ficar o mundo e as suas instituições como uma prisãopara o homem e o seu espírito, tudo queria fazer paraderrubar os muros dessa prisão. Mas ao mesmo tempotambém compreendi qual o caminho que essa consta-ração me prescrevia. Tornou-se claro ara mim gue ohomem não só adecia agrilhoado à vida exterior, comotambém se encontrava amorda ado e iml2ossibilitadode falar - e ao dizer "falar" estou a rel2ortar-me destaforma, a toda a esfera dos meios de eXl2ressão humana.

or ue as suas alavras estos e movimentos)emiam sob o eso milenário de uma honestidade

fingida e deformada - e haveria algo de mais desonestodo ue afirmar ue, no fundo, tais alavras de algummodo, ainda eram as mesmas? E, or conse uinte, tivetambém de reconhecer ue à uilo ue, no mais fundoda sua interioridade, desde tem os imemoriais tentavaencontrar a sua ex ressão, se tinha vindo· untar tambéma cinza de significados extintos, e não al2enas esta!

Como oderia a ora sur ir o novo ue o mesmo édizer o uro? Das mais remotas regiões do espírito pode-rão vir palavras e figuras, imagens e gestos oniricamente

velados e orurrcarnente desvelados, e quando seencontrarem uns com os outros no seu curso alucinantee nascer a centelha do maravilhoso, no momento em queo espanto se unir à extrema estranheza, eu olharei nosolhos a nova claridade. Ela olha-me de um modo estranho,pois, embora eu a tenha conjurado, ela vive do lado delá das imagens do meu pensamento desperto, a sua luznão é a luz do dia e ela é habitada por figuras que nãoreconheço, antes conheço numa visão primeira. O seu pesopossui uma gravidade diferente, a sua cor fala para umnovo par de olhos com os quais as minhas pálpebrasfechadas se presentearam uma à outra, o meu ouvidotransferiu-se para o meu tacto, onde aprende a ver; o meucoração, agora que habita a minha fronte, experimentaas leis de um movimento novo, incessante e livre. Si o osmeus sentidos errantes ara o novo mundo do es íritoe vivo a liberdade. A ui, onde sou livre, reconhe otambém como fui cruelmente en anado do outro lado.

Ora, durante uma última pausa mental, escutei-mea mim próprio antes de me ter aventurado na viagempelo fundo do mar e seguido Edgar Jené sob os seusquadros.

"Uma vela abandona um olhd',' Uma única vela?Não, eu vejo duas. Mas a primeira, que tem ainda a cor

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3 O texto comenta, a partir daqui, quatro quadros, com os títulos:"Uma vela abandona um olho", "Filho da aurora boreal", "O marvermelho atravessa a terra" e "Vamos jurar no sono". Os quadros vãoreproduzidos nas páginas seguintes, para facilitar a compreensão doensaio, que sem essa visualização se torna ainda mais hermético.

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EDGAR JENÉ E O SONHO DO SONHO

escolhos, um monumento de gelo nos acessos do marinterior que também é um mar de lágrimas ondulantes.Como será o outro lado deste rosto? Cinzento, comoaquela terra que ainda avistamos? Mas voltemos ... àsnossas velas. A primeira regressará à caverna vazia dosolhos, que vê de forma estranha. Talvez tambémprossiga a sua viagem, na direcção inversa, para o olhoque do outro lado se fixa no cinzento ... E assim estebarco se transforma em mensageiro, mas a suamensagem não promete muito. E o segundo barco, cujavela leva um olho incandescente, a menina-da-olhoflamejante no campo negro da certeza? Nós embarcamosdormindo. Assim vemos o que fica por sonhar.

*

do olho, não poderá avançar, eu sei, ela retrocede. Pareceser muito difícil este retrocesso: como uma cascataíngreme, caía a água deste olho, mas aqui em baixo (láem cima), a água corre também para a montanha, a velaescala ainda a encosta íngreme deste perfil branco quemais não possui do que este olho sem menina-da-olho,e que, por não possuir mais nada a não ser precisamenteisto, pode mais e sabe mais do que nós. Pois este perfilde uma mulher cujo cabelo um pouco mais azul do quea sua boca que olha para cima (num espelho, para nósinvisível, em posição oblíqua sobre ela, esta bocareconhece-se a si própria, examina a sua expressão econsidera-a certa) - este perfil é uma barreira de

Quantos são os que sabem ser infinito o númerodos seres criados? Que o criador de todos eles é ohomem? É lícito começar já a contá-Ias? Existem já,sem dúvida, aqueles que sabem ser possível ofereceruma flor a uma pessoa. Mas quantos sabem tambémque se pode oferecer uma pessoa a um cravo? E qualdestas coisas consideram mais importante? Mais do queum ficará incrédulo se lhe falarem do filho da auroraboreal.

Incrédulos ainda hoje, quando afinal há tanto tempojá os cabelos de Berenice pendem sob as estrelas. Mas aaurora boreal tem agora um filho, e Edgar Jené foi oprimeiro a vê-Ia. Ele passa, gigantesco, lá onde o homem

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EDGAR JENÉ E O SONHO DO SONHO

da velha realidade, não gueríamos ouvir o grito dohomem, o nosso eró rio rito, mais alto do ue antes,mais estridente? Olhai: este espelho interior obriga tudoa tomar partido. "O mar de sangue atravessa a terra" : ermase encanecidas as colinas da vida. O fantasma da guerrapercorre os países de pés descalços. Tem garras como asaves de rapina ou dedos dos pés como o homem! É

está gelado e preso nas florestas cobertas de neve do seudesespero. As árvores não lhe são obstáculo, passa porcima delas, envolve-as também no seu largo manto, fazdelas os seus companheiros, com ele chegarão tambémàs portas da cidade onde se espera o grande irmão. Queé ele aquele por quem se espera, isso vê-se nos seus olhos- eles viram o que todos viram, e mais.

*

multiforme, e o que é agora? Uma tenda de sanguesuspensa no ar. Quando desce, nós moramos entreparedes de sangue e farrapos de sangue. Onde o sangueboceja podemos continuar a olhar e a ver outras formas,semelhantes, de vapores de sangue. Além diso, somostambém alimentados: uma das garras escavou um poçode sangue onde também nós, os perdidos, podemos vera nossa imagem reflecrida. Sangue no espelho de sangueé puta beleza, dizem-nos ...

Aquilo que Edgar Jené aqui faz pela primeira veztomar forma - será que isso só habita aqui? Não

ueríamos nós também reconhecer melhor o esadelo

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ARTE POÉTICA EDGAR JENÉ E O SONHO DO SONHO

* bandeira era ainda a mesma, a sombra que ela projectavaainda maior que anteriormente. E erguia-se outra vez amão para o juramento. Mas a quem se jurava agorafidelidade? Ao outro, aquele a quem jurámos ódio. E amorte estranha? Tem razão em agir como se os nossosjuramentos nem sequer fossem precisos ... Por fim, noaltar-rnor havia um galo a cantar. ..

Deixem-nos, pois, fazer a tentativa de jurar no sono.Somos uma torre de cujo cimo irrompe o nosso denso

rosto de pedra. Somos mais altos que nós próprios, somosuma outra torre acima da mais alta das torres, e do cimopodemos ver-nos a nós próprios. Subimos a nós própriosmilhares de vezes. Que perspectiva! Juntarmo-nos embandos lá em cima para prestar juramento, mil vezesnós próprios, a grande força superior. Ainda não chegá-mos mesmo ao cimo, onde o nosso rosto é já o punhocerrado, um punho de olhos que jura. Mas somoscapazes de reconhecer o caminho até lá. É íngreme estecaminho, mas quem quer jurar o que também valeráamanhã, segue tais caminhos. E lá em cima! Que recintopara prestar juramento! Que subida até ao mais fundo!Que distância para ecoar a promessa que ainda nãoconhecemos!

Fizémos muitas vezes o juramento da guarda -na sombra quente de bandeiras impacientes, nacontraluz da morte estranha, no altar-mor da nossa razãodita sagrada. E mantivemos também os nossos juramen-tos à custa da nossa vida secreta. Mas que vimos nósquando voltámos ao lugar onde os prestámos? A cor da

Tentei descrever alg2- ue me a areceu no marprofundo de uma alma.

Os guadros de Ed ar Jené sabem mais.

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Contraluz'(1949)

o coração ficou escondido no escuro e duro como..L edra filosofa!.

*

Era Primavera, e as árvores voaram para os seuspássaros.

*

Tantas vezes o cântaro artido vai à fonte até ueesta seca.

*

Fala-se em vão de justiça enguanto o maior dosnavios de guerra não se deseedaçar contra a fronte deum afo ado.

*

1 Publicado no jornal Die Tat, de Zurique, em 12 de Março de1949.

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ARTE POÉTICA CONTRALUZ

Quatro estações do ano e nenhuma quinta para sedecidir por uma delas.

*

Quando o general pôs a cabeça ensanguentada dorebelde aos pés do seu soberano, este teve um acessoviolento de cólera. "Como te atreveste a empestar asala do trono com o cheiro do sangue?", gritou, e o gene-ral estremeceu.

Abriu-se, então, a boca da cabeça decepada e contoua história dos lilases.

"Demasiado tarde", opinaram os ministros.Um cronista posterior corrobora esta opinião.

Era tão grande o seu amor por ela que teriaconseguido levantar a tampa do caixão - se a flor queela aí colocou não fosse tão pesada.

**

o abraço dela durou tanto que o amor desesperoudeles.

*

Quando desceram o enforcado do patíbulo, os seusolhos ainda não tinham perdido o brilho. Depressa ocarrasco tratou de os fechar. No entanto, os circunstantestinham-se apercebido disso e baixaram os olhos devergonha.

Mas, nesse momento, o patíbulo julgou ser umaárvore, e como ninguém tinha os olhos abertos, não épossível comprovar se, de facto, ele também não o terásido.

*

Tinha chegado o dia do juízo e, para se procurar amaior das infâmias, a cruz foi pregada em Cristo.

Enterra a flor e õe o homem sobre esta cam a.*

*

*

Ele pôs na balança virtudes e VICIOS, culpa einocência, boas e más qualidades, porque queriacertezas antes de se julgar a si próprio. Mas os pratos dabalança, com tais pesos, mantinham-se à mesma altura.

Como queria a todo o custo chegar a uma conclusão,

A hora saltou do relógio, pôs-se à frente dele eordenou-lhe que andasse certo.

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ARTE POÉTICACONTRALUZ

fechou os olhos e andou vezes sem conta à volta dabalança, ou num sentido ou no outro, até já não saberem qual dos pratos estava este ou aquele peso. Depoiscolocou, às cegas, num dos pratos a sua decisão de sejulgar a si próprio.

Quando voltou a abrir os olhos, um dos pratos tinha,na verdade, baixado, mas já não era possível reconhecerqual dos dois, se o prato da culpa, se o da inocência.

( lM'~ ,1 Isto deixou-o zangado, recusou-se a ver nisso umatf' i~0) vantagem e pronunciou a sua sentença, sem, contudo,

cfà).)tY poder evitar a sensação de estar eventualmente acometer uma injustiça.

*

Ele ensinava as leis da gravidade, produzia provasobre prova, mas só encontrava orelhas moucas. Elevou--se então nos ares e ensinou as leis, pairando - agorajá acreditavam nele, mas ninguém se admirou quandoele não regressou do ar.

*

Não te iludas: não é esta última candeia que dámais luz - foi a escuridão em redor que se aprofundou. .mais em SI mesma.

*

"Tudo corre": também este pensamento. E não fazele parar tudo de novo?

*

Ela virou as costas ao espelho, pOlS detestava avaidade do espelho.

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Resposta a um inquérito da Librairie Flinker,Paris'(1958)

(O inquérito dirigia-se apersonalidades da Filosofia e daLiteratura, com o intuito de obter informações sobre os seustrabalhos eprojectos em curso)

Agradeço o vosso inquérito sobre os meus trabalhose projectos actuais. Ao fazer isso, porém, estão a dirigiras vossas perguntas a um autor cujas publicações atéagora se limitaram a três livros de poesia. Se eu quisercingir-me ao assunto só posso, portanto, tentar dar umaresposta enquanto poeta .

.Al2oesia alemã segue, julgo eu, caminhos diferentesdos da francesa. Trazendo na memória o gue há de maissombrio, tendo à sua volta o ue há de mais roblemá:tico, or mais gue actualize a tradição em ue se insere,ela .á não conse _ue falar a linwgem g~uns ouvidosbenevolentes 12arecem ainda eS12erardela. A sua lingua-gem tornou-se mais sóbria, mais factual, desconfia do"b I " d dei E' ,e o , tenta ser ver a eIra. ortanto - se me e er-miúdo rocurar a minha exeressão no cam o do visual,

1 Publicado no Almanach 1958 da Librairie Française et ÉrrangereFlinker, Paris, 1958, p. 45. Reproduzido no jornal Die Welt(Hamburgo), de 22 de Novembro de 1970.

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ARTE POÉTICA

não erdendo de vista a olicromia de uma retensaactualidade - uma linguagem "mais cinzenta", uma

w,NSIUJL< i~'4. lin ua em ue, entre outras coisas, também uer ver a(í~~~'\ sua "musicalidade" situada num lugar onde ela já nãoIÍk~ . \-L tenha nada em comum com a uela "harmonia" ue,J.n-{..l;\ ,) . .

~ o W(~} maIS ou menos desQreocu adamente, se ouv1u com oc:.9fM • ue há de mais terrível, ou ecoou a seu lado.

Alocução na entrega do Prémio Literárioda Cidade Livre e Hanseática de Bremen(1958)

Na nossa língua, denken (pensar) e danken (agra-decer) são palavras da mesma raiz. Quem lhes seguir osentido, depara com o campo semântico de gedenken(lembrar), eingedenk sein (rernernorar), Andenken(recordação), Andacht (devoção). Permitam-me que vosagradeça a partir daqui.

A região de onde venho - e por que desvios! masexiste tal coisa, desvios? -, essa região de onde venhoter convosco é provavelmente desconhecida para amaior parte dos presentes. I É a região onde tem origem

1 A região é a Bucovina, hoje território da Ucrânia, Celan nasceuem 1920 na cidade de Czernowirz (ver mapa, p. 32), na altura já romena,e que até à 2a Guerra era, um dos centros mais importantes da culturajudaica do Leste europeu. Sobre a literatura da Bucovina, ver o catálogoda exposição organizada pela Casa da Literatura de Berlim In der SpracbederMorder. Eine Literatur aus Czernoioitz; Bukowina (Na Língua dos Assas-sinos. Uma literatura de Czernowitz, Bucovina), ed. Ernest Wichnere Herbert Wiesner. Berlim: Literaturhaus 1993; o volume coleccivoDie Bukowina. Studien zu einer versunkenen Landschaft (A Bucovina.Estudos sobre uma região desaparecida), cd. Dietmar GoltschnigglAnton Schwob, Tübingen: Francke 1990; e a antologia de poesiaorganizada por Amy Colin e Alfred Kittner, Versunkene Dichtung derBukowina. Eine Anthologie deu tscher Lyrik (Poesia Desaparecida daBucovina, Uma Antologia de Poesia Alemã). Munique: Fink 1993.

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«A região de onde venho»

~ URSS

~UCRANIA

ROMÉNIA

1920 - A Bucovina era parte da Roménia de então.

uma parte não insignificante daquelas histórias hassí-dicas que Martin Buber nos voltou a contar a todos emalemão. Era - se me é dado completar de alguma formaeste esboço topográfico que, de muito longe, agorarevejo -, era uma terra onde viviam homens e livros.Aí, nessa antiga província da monarquia habsbúrgica,agora caída no esquecimento da História, veio pela pri-meira vez ao meu encontro o nome de Rudolf Alexan-der Schrõder, ao ler a Ode mit dem GranatapfeL (Ode daRomã), de Rudolf Borchardt. E aí Bremen ganhou

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xr.ocucxo EM BREMEN

também para mim um perfil próprio, associado àspublicações da "Bremer Presse't.?

Mas Bremen, dada a conhecer através de livros edos nomes daqueles que escreviam e editavam livros,manteve a aura do inacessível.

O acessível, suficientemente distante, aquilo a quese queria ter acesso, chamava-se Viena. Sabem bem oque se passou depois, durante anos, com essa acessibi-lidade.

No meio de tantas erdas, uma coisa ermaneceuacessível, próxima e salva - a língua.

Sim, a esar de tudo, ela, a lín ua,salvo. Mas de ois teve de atravessar o seu ró rio vaziode res ostas, o terrível emudecimento, as mil trevas deum discurso letal. Ela fez a travessia e não gastou umar.alavra com o ue aconteceu, mas atravessou essesacontecimentos. Fez a travessia e ôde reemer ir"enri uecida" com tudo isso. Nesses anos e nosse uintes tentei escrever oemas nesta lín ua: ara falar,

ara me onentar, ara saber onde me encontrava e ondeisso me iria levar ara fazer o meu rojecto de realidade.

2 A Ode da Romã (que Celan admirava muito) é uma epístolapoética endereçada pelo poeta decadente e estericistaRudolfBorchardt(1877-1945) a Rudolf AlexanderSchrõder em 1907.Ambos semoviam,nos começos do século, no círculo de amigos de Hugo vonHofmannsthal. A "Brerner Presse" foi uma editora bibliófila quecomeçou a editar, ainda sob os auspícios de Borchardr e Schrõder, em1913, precisamente com uma obra de Hofmannsthal, Wege undBegegnungen (Caminhos e Encontros).

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ARTE POÉTICA

Foi, como podem ver, acontecimento, movimento,estar sem re a caminho, foi a tentativa de encontrarum rumo. E se pergunto qual é o seu sentido, entãopenso que terei de dizer a mim próprio que nesta per-gunta também fala a pergunta sobre o sentido dosponteiros do relógio. ,

(r~J V\H" Porque o poema não é intemporal. E certo uelJci M~~ P-foclama uma p-retensão de infinito, p-rocura actuar

através dos tem os - através deles, mas não p-ara alémdeles.--O poema, sendo como é uma forma de manifes-

f'fi-~u ;; !ação da linguagem e, por conseguinte, na sua essênciaIe5\et.a:\",,~~dialógico ode ser uma mensagem na garrafa, lançada/1)' \ ·dGo .

í}"J'v" Vq ao mar na convicção - decerto nem sempre mUlto#J esperançada - de um dia ir dar a aI uma raia, talvez

a uma raia do coração. Também neste sentido~120emas estão a caminho - têm um rumo.

Para onde? Em direcção a algo de aberto, de ocupá-vel, talvez a um tu apostrofável, a uma realidade apostro-fável. Penso que, para o poema, o que conta são essasrealidades. E acredito ainda que raciocínios como esteacompanham, não só os meus próprios esforços, mastambém os de outros poetas da geração mais nova. Sãogs esforços de guem, sobrevoado or estrelas ue sãoobra humana de guem, sem tecto, também nestesentido até a ora nem sonhado e 120r isso desp-rote idoda forma mais in uietante, vai ao encontro da lín uacom a sua existência, ferido de realidade e em busca derealidade.

Diálogo na montanha'(1959)

Um dia à tardinha, o Sol, e não apenas ele, tinha-seposto, ia andando, saiu da casinha e ia andando o judeu,judeu e filho de judeu, e com ele ia o seu nome, o indi-zível, ia e vinha, arrastando-se, fazia-se ouvir, vinha debengala, vinha sobre a pedra, estás a ouvir-me?, tu estása ouvir-me, sou eu, eu, eu e aquele que tu ouves, julgasouvir, eu e o outro - ele ia andando, pois, podia ouvir--se, ia andando um dia à tardinha, quando muita coisase tinha posto já, ia sob o céu de nuvens, ia pela sombra,a própria e a estranha - porque o judeu, tu bem o sabes,que tem ele que verdadeiramente lhe pertença, que nãolhe tenha sido cedido, pedido emprestado e não devol-vido? - Ele ia então andando, e vinha, vinha pela estra-da fora, bela e incomparável estrada, ia andando, comoLenz, pela montanha, ele, a quem tinham deixado habi-tar lá em baixo, onde é o seu lugar, nas terras baixas,ele, o judeu, vinha andando, andando.

Pela estrada fora, era por onde vinha, pela belaestrada. E quem achas tu que veio ao seu encontro? Ao

I O "Diálogo" foi escrito em Agosto de 1959, no Engadin (cf.nota 23 a "O Meridiano'', P: 61), e publicado pela primeira vez na re-vista Neue RuntÚchau(Berlim etc.),VaI.71 (1960), Nr. 2, pp. 199-202.

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ARTE POÉTICAOlÁLOGO NA MONTANHA

seu encontro veio o seu primo, primo e irmão, um quartode vida de judeu mais velho que ele, vinha caminhando,alto, vinha, ele também, pela sombra, a emprestada-porque, pergunto e volto a perguntar, quem, daquelesque Deus deixou que fossem judeus, vem pela es~radafora com o que quer que seja de seu? Ele vinha, vinha,alto, vinha ao encontro do outro, o grande ao encontrodo pequeno, e o judeu Pequeno fez calar a sua bengaladiante da bengala do judeu Grande.

E assim se calou também a pedra, e fez-se silênciona montanha por onde eles iam, este e aquele.

Havia silêncio, pois, lá em cima na montanha. Mas osilêncio não durou muito, por ue uando o judeu vem~aminhando e encontra outro, não dura muito tem~o osilêncio, nem na montanha. Pois judeu e natureza são coisasdistintas, ainda e sem re, ho'e também agui também.

E aí estão eles, os dois irmãos, à esquerda o lírio-turcoem flor, selvagem, em flor como em lugar nenhum, e àdireita ergue-se, em pé, o rapúncio, e dianthus superbus,o cravo-renda, não anda muito longe. Mas eles, osirmãos, Deus seja acusado, não têm olhos. Ou melhor:também eles têm olhos, mas há um véu à sua frente, àsua frente não, atrás deles, um véu ondeante; mal entrauma imagem, fica logo presa nas malhas, e logo apareceum fio que começa a fiar, a envolver a imagem, um fiodo véu; vai fiando e envolvendo a imagem e gera umfilho com ela, meio imagem e meio véu.

Pobre lírio-turco, pobre rapúncio! Eles aí estão, osdois irmãos, no meio de uma estrada na montanha, e a

bengala em silêncio, e a pedra em silêncio, e o silêncionão é silêncio, nenhuma palavra se calou ali, nenhumafrase, é apenas uma pausa, um espaço vazio no meio daaldeia, uma clareira, e tu vês todas as sílabas em círculoà sua volta; língua e boca são estes dois, como antesforam, e dos olhos pende-lhes o véu, e vós, pobres devós, vós não estais nem de pé nem em flor, vós nãoexistis, e Julho não é Julho.

Que faladores! Têm qualquer coisa para dizer umao outro, também agora, com a língua a bater atabalhoa-damente contra os dentes e os lábios a não quereremarredondar-se! Bom, que falem então .

«Vieste de longe, vieste até aqui »

«Vim. Vim como tu vieste.»«Bem sei.»«Sabes. Sabes e vês: a Terra dobrou-se aqui em cima,

dobrou-se uma vez e duas vezes e três vezes, e abriu-seao meio, e no meio há uma água, e a água é verde, e overde é branco, e o branco vem ainda mais de cima,vem dos glaciares, podia dizer-se, mas não se deve, queé essa a língua que vale aqui, o verde com o branco ládentro, uma língua nem para ti nem para mim - pois,pergunto eu, a quem se destina ela, a Terra? A ti não sedestina, é o que eu digo, nem a mim - uma língua, éisso então, sem Eu e sem Tu, só Ele, só Isso, percebes,só Eles, e nada rnais.»

«Percebo, percebo. Afinal vim de longe, afinal vimcomo tu vieste.»

«Bem sei.»

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ARTE POÉTICA

«Sabes e queres perguntar-me: e vieste, apesar detudo, apesar de tudo vieste até aqui - porquê e paraquê?»

«Porquê e para quê ... Por ue tinha de conversar,talvez comi _o ou conti o, tinha de conversar, com aboca e com a língua, e não só com a ben ala. Pois ...com uem conversa ela, a bengala? Conversa com aQedra, e a edra - com uem conversa ela?»

«Com uem, meu irmão, há-de ela conversar? Elanão conversa, fala, e uem fala, meu irmão, não conversacom nin uém, fala or ue nin _uém o ouve, ninguém eNin _uém, e de ois é ele ue diz, ele e não a sua boca, enão a sua língua ele e aQenas ele diz: estás a ouvir]»

«Estás a ouvir, diz ele - eu sei, meu irmão, eusei ... Estás a ouvir, diz ele, eu estou presente, estou aqui,cheguei. Cheguei com a bengala, eu e nenhum outro,eu e não ele, eu com a minha hora, a imerecida, eu, aquem o destino atingiu, eu, a quem o destino não atingiu,eu, com memória, eu, o de fraca memória, eu, eu, eu ...»

«Diz ele, diz ele ... Estás a ouvir, diz ele ... E oEstás-a-ouvir, com certeza, o Estás-a-ouvir, esse nãodiz nada, esse não responde, porque o Estás-a-ouvir éo dos glaciares, aquele que se dobrou três vezes, e nãoo fez para os homens ... O Verde-e-Branco além, o dolírio-turco, o do rapúncio ... Mas eu, meu irmão, eu queestou aqui, no meio desta estrada onde não é o meulugar, hoje, agora que ele se pôs, ele e a sua luz, eu aquicom a sombra, a própria e a estranha, eu - eu, que teposso dizer:

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..DIÁLOGO NA MONTANHA

- Estive deitado sobre a pedra, naquele tempo, tusabes, nos ladrilhos de pedra; e ao meu lado estavamdeitados outros que eram como eu, outros que não eramcomo eu e eram iguaizinhos, os meus irmãos; estavamali deitados e dormiam, dormiam e não dormiam, esonhavam e não sonhavam, e não me amavam e eu nãoos amava, porque eu era um, e quem é que quer amarUm, e eles eram muitos, muitos mais do que os que aliestavam deitados á minha volta, e quem é que podequerer amá-los todos? E, não to escondo, eu não osamava, àqueles que não me podiam amar, eu amava avela que ardia ali à esquerda num canto, amava-a porqueela ia desaparecendo ao arder, não porque ela iadesaparecendo ao arder, porque ela, essa era a vela dele,a vela que ele, o pai das nossas mães, tinha acendido,porque nessa noite começava um dia, um determinadodia que era o sétimo, o sétimo a que se seguiria oprimeiro, o sétimo e não o último; eu, meu irmão, nãoos amava, eu amava vê-los desaparecer à medida queiam ardendo, e, sabes, desde essa altura não amei maisnada;

nada, mesmo nada; ou talvez aquilo quedesaparecia ao arder como aquela vela naquele dia, nosétimo e não último; não no último, não, porque eu estouaqui nesta estrada que dizem bela, e sou eu, junto dolírio-turco e do rapúncio, e cem passos adiante, ali aondeposso chegar, o pinheiro sobe até ao zimbro, eu vejo-o,vejo-o e não vejo, e a minha bengala falou à pedra, e aminha bengala está calada agora, e a pedra, dizes tu,

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ARTE POÉTICA

sabe falar, e no meu olho há o véu, ondeante, há véusondeantes, e se levantas um cai logo o segundo, e aestrela - é verdade, ela está agora sobre a montanha-, se quiser entrar vai ter de celebrar bodas e em brevedeixar de ser ela para ser meio véu, meio estrela, e eusei, eu sei, meu irmão, eu sei que me encontrei contigoaqui, e que conversámos muito, e as dobras além, tusabes que elas não estão lá para os homens nem paranós, que fomos andando e nos encontrámos, nós aquisob a estrela, nós, os judeus que vieram, como Lenz,pela montanha, tu o Grande e eu o Pequeno, tu faladore eu falador, nós, com as nossas bengalas, nós, com os.nossos nomes, os indizíveis, nós com a nossa sombra, aprópria e a estranha, tu aqui e eu aqui - .

- eu aqui, eu; eu, qúe te posso dizer, que te podenadizer tudo isto; eu, que não to digo e não to disse; eu,com o lírio-turco à esquerda, eu, com o rapúncio, eucom a que desapareceu a arder, a vela, eu com o dia, eucom os dias, eu aqui e eu ali, eu, acompanhado talvez- agora! - pelo amor dos não amados, eu a caminhode mim aqui em cima.»

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o meridiano'(1960)

Minhas Senhoras e meus Senhores!A arte, estão lembrados, a arte é como uma

marioneta, um ser jâmbico de cinco pés e - estacaracterística, por via da alusão a Pigmalião e à suacriatura, está também mitologicamente documentada- sem descendência.'

Sob esta forma ela é objecto de uma conversa quetem lugar num quarto, num quarto e não na Conciergerie.Uma conversa que - é esta a impressão com que sefica - poderia ser continuada indefinidamente, se nadase intrometesse nela.

Mas há qualquer coisa que se intromete.A arte volta a aparecer. Volta a aparecer numa outra

obra de Georg Büchner, no Woyzeck, no meio de outragente, sem nome, e - se me é permitido recorrer p~raeste efeito a uma expressão cunhada por MoritzHeinemann para A Morte de Danton - a uma "luz de

I Discurso de agradecimento do Prémio Georg Büchner,Darmstadt, 22 de Outubro de 1960. Publicado pela primeira vez noJahrbuch der Deutschen Akademie for Sprache und Dichtung 1960.Heidelberg 1961, pp. 74-88.

2 Cf Dantons Tod(AMortede Danton),Acto lI, Cena 3.

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ARTE POÉTICA

tempestade ainda mais lívida". A mesma arte volta aentrar em cena, neste outro tempo muito diverso,apresentada por um charlatão, e já não, como na referidaconversa, relacionável com a criação "ardente", "efer-vescente" e "radiosa"," mas antes ao lado da criatura edo "Nada" que essa criatura "traz consigo" - desta veza arte surge em figura de macaco, mas trata-se da mesmaarte, que reconhecemos imediatamente "pelo casaco epelas calças"."

E ela - a arte - chega ainda com uma terceiraobra de Büchner até nós, com Leôncio e Lena. O tempoe a luz são aqui irreconhecíveis, afinal estamos "em fugapara o paraíso", "todos os relógios e calendários" serãoem breve "estilhaçados" ou então "proibidos'? - maspouco antes disso são ainda apresentadas "duas pessoasde ambos os sexos", chegam "dois autómatos mundial-mente famosos" e um indivíduo que de si próprio dizque é "talvez o terceiro e o mais estranho dos dois"desafia-nos, "com voz roufenha", a admirar o que temosdiante dos olhos: "É só arte e mecanismo, é só papelãoe engrenagens!"6

3 Id., ibid.4 Cf. Woyzeck, cena 3. As referências às cenas de Woyzeck seguem

a ordenação da chamada "versão in quarto", considerada pela ediçãocrítica de Werner R. Lehmann como a "última versão" (aquela em quea primeira cena é a intitulada "Campo aberto. A cidade ao longe"). Acena 3 intitula-se, nesta versão, "Barracas de feira. Luzes. Povo".

5 Cf. Leonce und Lena (Leôncio e Lena), Acto I1I, cena 3.6 Id., ibid.

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O MERIDIANO

A arte aparece aqui com mais acompanhantes doque antes, mas - e isso salta à vista .- está no seuelemento, é a mesma arte de sempre, a arte que jáconhecemos. Valério? é apenas um outro nome para ocharlatão.

A arte, minhas Senhoras e meus Senhores, com tudo (:::rkaquilo que já é seu e tudo o que está para vir, é também UJ--O

um problema. Um problema, como estamos a ver, fiJt:w-<.}.'I . , di e"tC/iA-O"mutave , resistente e perene, que o mesmo e izer, '/

eterno.Um problema que permite que um mortal, Camille,

e alguém a quem só a morte dá sentido, Danton,encadeiem sem cessar palavras e mais palavras. Falarda arte é fácil.

Mas quando se fala da arte há também semprealguém que está presente e... não presta atenção ao quese diz.

Para ser mais exacto: alguém que ouve e escuta eolha ... e depois não sabe do que se esteve a falar. Masque ouve quem fala, que o "vê falar", que apreendeulinguagem e figura, e ao mesmo tempo também - quemduvidaria disso quando se trata de uma obra como esta?- a respiração, ou seja um sentido e um destino.

Esse alguém, sabei-lo há muito, tantas vezes citado,e não por mero acaso, vem todos os anos ter convosco- esse alguém é Lucile."

7 Valério: a personagem da peça Leôncio e Lena, o realista ocioso,o bobo que chega a Ministro.

S Celan parece relacionar aqui a personagem d' A Morte de Danton,

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o MERIDIANOARTE POÉTICA

Aquilo que se intromete na conversa impõe-se s:mcontemplações, entra connosco na praça da Revoluçao,

d ""as carruagens vão chegan o e param .Os passageiros estão todos presentes, não falta

ninguém, Danton, Camille, os outros. Todos eles têm,também aqui, palavras, palavras artísticas, e usam-nascom eficácia, fala-se - e para isso Büchner quase sóprecisa de citar - de um ir-para-a-morte colectivo,Fabre pretende até ser capaz de morrer "duplamente",todos estão à altura - apenas umas quantas vozes,"algumas vozes" sem nome, acham que tudo aquilo "já

h 'do "9aconteceu antes eles provoca te 10 .E aqui, onde tudo chega ao fim, nos longos mo~e~-

tos em que Camille - não, não ele, não ele prop:1Omas um dos que fez a viagem -, quando este Camillemorre de morte teatral, quase diríamos jâmbica, umamorte que só duas cenas mais tarde podemos sentircomo sua, a partir de uma palavra que lhe é tão estranhae tão próxima -, quando à volt~ de Cam~lle o. patét!,coe o sentencioso confirmam o tnunfo da manoneta edo "arame", nessa altura Lucile volta a estar presente;Lucile, cega para a arte, a mesma para quem a linguagemtem algo de pessoal e perceptível, reaparece com o seu"Viva o Reil'""

E que palavra, depois de todas as que foram ditasda tribuna (que é o cadafalso)!

É uma contra- alavra, é a alavra ue faz rom e~o "arame", a Qalavra ue' á não se curva diante dos"cavalos de arada nem dos ilares da História", 11 é umacto de liberdade. É um asso.

É certo que, à primeira vista, isto pode soar -provavelmente não por acaso, tendo em conta aquiloque agora, hoje, eu arrisco dizer sobre o assunto - auma profissão de fé no ancient régíme.

Mas aqui não se trata - e permitam que alguémque cresceu também com as obras de Pietr Kropotkin eGustav Landauer'? o saliente expressamente neste

Ii Citação de uma carta de Büchner à noiva (sem data, posteriora 10 de Março de 1834). O contexto é o seguinte: "Tenho andado aestudar a história da Revolução. Senti-me como que aniquilado sob oterrível peso do fatalismo da História. Encontro na natureza humanauma espantosa igualdade, nas relações humanas uma violênciainevitável, inerente a todos e a ninguém. Cada indivíduo é apenasespuma na crista da onda, a grandeza um puro acaso, a força do génioum jogo de fantoches, uma luta ridícula contra uma lei de ferro;reconhecê-Ia é o máximo que podemos alcançar, dominá-Ia éimpossível. Deixei de me curvar diante dos grandes nomes e dospilares da História. Habituo o olhar ao sangue. Mas não sou nenhumalâmina de guilhotina. O tem que seré uma das palavrasde maldição quepresidiu ao baptismo do Homem. A sentença: 'os males virão, e aidaqueles por quem eles passem', é aterradora. O que é que em nósmente, mata, rouba? Não quero dar seguimento a estespensamentos."

12 O russo Kropotkin (1842-1921) e o alemão Landauer (1870--1919) são duas destacadas figuras da história do anarquismo europeu.

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Lucile, com a Diana Lucina da mitologia latina, deusa da luz nocturnaque também presidia aosritos do parto e do Ano Novo.

9 Cf. A Morte de Danton, Acto IV, cena 8.10 Cf. A Morte de Danton, Acto IV, cena 9.

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ARTE POÉTICA O MERIDIANO

momento - de prestar homenagem a uma qualquermonarquia, nem a um ontem que se quer conservar.

A homena em é a ui a aI o ue testemunha aRresença do humano - à majestade do absurdo.

E isso, minhas Senhoras e meus Senhores, não temnome certo nem fixo, mas julo ue é... a oesia.

"Ah, a arte!"13 Como estão vendo, fiquei preso aesta palavra de Camille.

É possível - tenho plena consciência disso - leresta palavra de diversas maneiras, há vários acentos quelhe servem: o agudo da actualidade, o grave dahistoricidade - também literária -, o circunflexo -um sinal de expansão - do eterno.

Eu escolho - porque não tenho escolha - oagudo.

A arte - "ah, a arte!" - possui, ao lado da suacapacidade de transformação, também o dom daubiquidade: pode encontrar-se também no Lenz, etambém aí - permito-me destacar isto -, como n' AMorte de Danton, sob forma episódica.

"À mesa, Lenz recuperou a boa disposição: falava--se de literatura, estava no seu ambiente ... "

" ... O sentimento de que aquilo que foi criado temvida estava acima das duas coisas, e era o único critérioem matéria de arte ... " 14

Destaquei apenas duas frases: a minha máconsciência em relação ao acento grave obriga-me desdejá a chamar a vossa atenção para o facto. Esta passagemtem, antes do mais, relevância histórico-literária, épreciso saber lê-Ia em articulação com a já referidaconversa em A Morte de Danton, a concepção estéticade Büchner encontra aqui a sua expressão, a partir daquichegamos, deixando o fragmento de Büchner sobreLenz, a Reinhold Lenz, o autor das Anotações sobre oTeatro.'? e através dele, do Lenz histórico, ainda maisatrás, ao "Élargissez l'Art" de Mercier," literariamente

De literatura se falou, estava no seu elemento. O período 'idealista'dava os primeiros passos e tinha em Kaufmann um fervoroso adepto.Lenz combatia vigorosamente o novo ideário. Dizia: 'Os poetas dequem se fala que reproduzem a realidade não fazem a menor ideia doreal, embora não deixem de ser mais suportáveis do que os outros, osque pretendem transfigurá-Io'. Dizia também: 'Deus fezprovavelmente o mundo tal como deve ser, é pouco natural que osnossos balbuceios consigam melhor resultado. Na medida das forçaque tivermos, devemos esforçar-nos por imitar a criação de Deus. Avida é o principal, e é tudo o que precisamos; pouco monta que sejabela ou feia. O sentimento de que alguma coisa se criou com vida estáacima da beleza ou da fealdade; em matéria de arte, é o único critério".(Lenz, trad. de Ernesto Sarnpaio, Lisboa: Hiena 1994, pp. 40-41).

15 O "Lenz histórico" é o dramaturgo Johann Michael ReinholdLenz (1751-1792), paladino do teatro anticlassicisra, adorado r deShakespeare e autor de uma violenta diatribe contra o aristorelisrno,as Anmerkungen überdas Theater(Anotaçõessobreo Teatro), de 1774.

16 Louis Sébastien Mercier (1740-1814): dramaturgo francês, umdos primeiros autores de dramas burgueses, e também de uma dasutopias mais conhecidas do século XVIII, L'An 2440 (I770). Foi

13 Cf. A Morte de Danton, Il, 3.14 A citação, que surge aqui truncada, só se compreende melhor

se inserida no seu contexto: "Á mesa, Lenz recuperou o bom humor.

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ARTE POÉTICA

tão influente. Esta passagem abre perspectivas, antecipao Naturalismo e Gerhart Hauptmann, e nela devemostambém procurar e podemos encontrar as raízes sociaise políticas da obra de Büchner.

Minhas Senhoras e meus Senhores, o eu não deixarde mencionar coisas deste teor, talvez tranquilize, sebem que apenas momentaneamente, a minha consciên-cia, mas mostra-vos ao mesmo tempo - e com issovolta a tranquilizar-se a minha consciência - que nãoconsigo libertar-me de uma obsessão que para mim temuma íntima ligação com a arte.

Procuro-a também aqui no Lenz, e permito-mechamar a vossa atenção para isso.

Lenz, ou seja Büchner, usa - "ah, a arte!" -palavras muito desprezíveis ao referir-se ao "idealismo"e às suas "marionetas de pau". E contrapõe-lhes -seguem-se as linhas inesquecíveis sobre a "vida das maisínfimas criaturas", os "estremecimentos", as "alusões",o "jogo expressivo tão subtil que mal se dá por ele" -o natural e criatural. E ilustra esta sua concepção daarte com uma vivência:

"Quando, ontem, ia subindo a encosta do vale, viduas raparigas sentadas numa pedra: uma delas apanhavao cabelo ao alto, a outra ajudava-a; e os cabelos loiroscaíam, soltos, e o rosto era pálido e sério, e ao mesmotempo tão jovem, e o vestido preto, e a outra tão cheia

membro da Convenção, onde defendeu posições moderadas,insurgindo-se contra a pena de morte para Luís XVI. Foi preso duranteo Terror, mas libertado depois da morte de Robespierre.

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O MERIDIANO

de cuidados ... As mais belas e comoventes obras dosvelhos mestres alemães mal dão uma ideia desta cena.Desejar-se-ia por vezes ser uma cabeça de Medusa parapoder transformar em pedra um grupo como este, edepois correr a chamar toda a gente."

Reparem bem, minhas Senhoras e meus Senhores:C~Desejar-se-ia ser uma cabeça de Medusa", Rara ...~reender o natural en uanto natural or meio da arte!

Desei ar-se-ia atente-se, é o ue se diz nesta_Rassa em e não eu dese' aria.

Isso significa uma retirada da esfera do humano,uma saída ara um domínio voltado ara o humano ~in uietante - o mesmo onde a fi ura do macaco osautómatos, e com eles ... ah, também a arte, arecemestar em casa.

Não fala assim o Lenz histórico. É o de Büchnerquem assim fala, ouvimos aqui a voz do próprioBüchner: 12ara ele, a arte continua a ter, também aqui,al o de in uietante.

Minhas Senhoras e meus Senhores: escolhi o acentoagudo, e não pretendo iludir-vos nem iludir-me quantoa est~ minha interrogação sobre a arte e a poesia _uma Interrogação entre muitas outras. Com ela devoter ido ao encontro de Büchner, a partir de mim próprio,embora de forma não deliberada, para tentar encontrara sua própria interrogação.

Mas, como estão vendo, o "tom roufenho" deValério faz-se ouvir nitidamente de cada vez que a arteentra em cena.

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AI{'rE P ÉTICA

17 Cf. Lenz, trad. portuguesa, p. 45.

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o MERlDlANO

Ao ler isto penso em Lucile; leio: ele, ele próprio.uem traz a arte diante dos olhos e no sentido - ri I-c. L' à histé d L ,Le continUO a rerenr-me a IStona e enz - es uece- v

se de si. A arte rovoca um distanciament~ Eu. A jJ5&',t)),.<t,/varte exige agui, numa direcção determinada, uma ~.Mdeterminada distância, um determinado caminho. í?- v

E a poesia? A poesia que não pode deixar de seguiro caminho da arte? A ser assim, este seria verdadeira-mente o caminho para a cabeça de Medusa e para oautómato!

Não estou a procurar fugas, continuo apenas a fazerperguntas, na mesma direcção e, ao que penso, nadirecção apontada pelo fragmento de Lenz.

Talvez a oesia - é a enas uma er unta - talveza oesia, tal como a arte, se diri'a, com um Eu es ~de si ara a uelas coisas in uietantes e estranhas, arade novo se libertar - mas aonde? mas em ue lu ar?

.mas com ue meios? mas em ue condi ão?A ser assim, a arte seria o caminho que a poesia

tem de percorrer - nem menos, nem mais.Eu sei que há outros caminhos, mais curtos. Mas

também a poesia se nos adianta por vezes. La poésie, elleaussi, brúle nos étapes.

Deixo o esquecido de si, aquele que se ocupa daarte, o artista. Julguei encontrar a poesia em Lucile, eLucile apreende a linguagem como figura e direcção erespiração: busco também aqui, nesta obra de Büchner,a mesma coisa, busco o próprio Lenz, vou em buscadele - como pessoa -, busco a sua figura: em nome

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AIt'l'E rol?TlcA

do lugar da poesia, em nome da libertação, em nome dopasso em frente.

O Lenz de Büchner, minhas Senhoras e meus Senhores,ficou como fragmento. Teremos nós, para sabermos qual adirecção da sua existência, de procurar o Lenz histórico?

"A sua existência era para ele um fardo necessário.- E assim foi vivendo ... "18Aqui acaba a narrativa.

Mas a poesia procura, como Lucile, ver a figura nadirecção que ela segue, a oesia antecipa-se-nos. Nóssabemos para onde vai o sentido da sua vida, como elevai vivendo.

''A morte", lê-se numa obra sobre Jakob MichaelReinhold Lenz publicada em Leipzig em 1909, escritapor um professor de Moscavo de nome M. N. Rosanov,"a morte não se fez esperar muito no seu papellibertador. Na noite de 23 para 24 de Maio de 1792Lenz foi encontrado sem vida numa rua de Moscavo.Foi enterrado a expensas de um nobre. Desconhece-sea sua última morada."

Era assim que ele ia vivendo.Ele: o verdadeiro Lenz, o Lenz de Büchner, a figura

de Büchner, a personagem que tivémos oportunidadede conhecer na primeira página da narrativa, aquele Lenzque "a vinte de Janeiro atravessava a montanha"19 ele- não o artista, não aquele que se ocupa das coisas daarte, ele enquanto Eu.

18 Id, ibid, p. 76.19 Esta frase é a que abre a narrativa Lenz.

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o MERlDIANO

Encontraremos agora o lugar que era o do estranho,o lugar onde a pessoa conseguia libertar-se enquantoEu - um Eu de estranhamento? Encontraremos umtal lugar, um tal passo?

" ... mas às vezes era-lhe desagradável não poderandar de cabeça para baixo."20 - É este o Lenz. Éverdadeiramente, creio, ele e o seu passo, ele e o seu"Viva o Rei!"

" ... mas às vezes era-lhe desagradável não poderandar de cabeça para baixo."

Quem anda de cabeça para baixo, minhas Senhorase meus Senhores, uem anda de cabe a ara baixo temo céu por abismo debaixo de si.

Minhas Senhoras e meus Senhores: nos dias de hojeé frequente apontar à poesia a sua "obscuridade".Permitam-me que cite neste momento, sem maisdelongas - mas não se deu aqui subitamente umaabertura? -, uma frase de Pascal, uma frase que li háalgum tempo num texto de Leo Chestov: Ne nousreprochez pas le manque de clarté puisque nous en foisonsprofession! O que aqui temos parece-me ser, se não aobscuridade congénita, pelo menos aquela obscuridadeatribuída à poesia, em nome de um encontro, a partirde uma distância ou de uma estranheza - queporventura se inventaram a si próprias.

Mas talvez existam, numa e na mesma direcção,dois tipos de estranheza - muito próximos um do outro.

20 Cf. Lenz; p. 23.

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AI! 11, I'( )I~'i'1 'A

Lenz - OU seja Büchner - foi aqui um passo maislonge do que Lucile. O seu "Viva o Rei!" já não é umafrase, é um terrível emudecimento que o deixa a ele -e a nós - sem respiração e sem palavras.

~ S () • Poesia: é ual uer coisa ue ode si nificar uma1/1"WJfn..",'J-- mudan a na res ira ão. uem sabe se a oesia não faz

\Jj (e~r(}ktfv\'o caminho - também o caminho da arte - com vista(e~~ '>V!~~ a uma tal mudança? Talvez ela consi a, .á ue o estra-

nho, ou seja o abismo e a cabeça de Medusa, o abismo eos autômatos, arecem ir numa e na mesma direc ão.- talvez ela consiga então aí distin uir entre estranhezae estranheza, talvez a cabeça de Medusa se atrofie

recisamente aí, talvez recisamente aí falhem osautômatos - neste breve e único momento. Talveza ui, com o Eu - este Eu sur reendido e liberto a ui edeste modo -, talvez a ui se liberte ainda um Outro.

Talvez o oema se·a ele rô rio a anir desteonto ... e ossa a ora, deste modo não artístico e liberto

da arte, seguir os seus outros caminhos, e assim tambémos caminhos da arte - se ui-Ios, se ui-Ios e voltar ase ui-los.

Talvez.Talvez se possa dizer que em cada poema fica

"t ,I inscrito o seu "20 de Janeiro". Talvez o ue há de novor • "fAtllN"\~YJlI,r \ nos oemas ue ho·e se escrevem se·a isto: gue é a(\i{+t~HJ - da forrna rnai I .\1\.'~C ~J)'~ ue, a rorrna maIS c ara, se rocura manter VIva a

I ""À ~ ~ '1'~ ,. d . d,t. IiVV

- ar{:> memona e taIS ata.s.h V'~r;:ti) Mas não é a partir de tais datas que se escreve oh~ . nosso destino? E escrevemo-nos em direcção a que datas?

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o MERIDIANO

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ARTE POÉTICA O MERIDIANO

(t..~Jt1.ui~)..0 ~1" isso, segundo creio, só indirectamente tem a ver com as

, V~ dificuldades - que não devemos subestimar - da~.It01MAl4)escolha das palavras, com o mais acentuado declive da

sintaxe ou o sentido mais desperto da elipse), o oemamostra, e isso é indesmentível, uma forte tendência par?-o emudecimento.

Ele afirma-se (permitam-me, depois de tantas for-mulações radicais, mais esta), o oema afirma-se àf!!ill:_em de si ró ~12ara 120der subsistir, evoca-se erecu12era-se incessantemente, num movimento ue vaido seu á-não ao seu Ainda-e-sem re.

Este Ainda-e-sem re não ode ser outra coisa senãouma fala. Não lin ua em sem mais, ortanto, nem rova-velmente também "co-res ondência" (Ent-s rechun noplano da lin ua_em.

Ele é antes lin ua em actualizada liberta sob osigno de um I2rocesso de individuação radical, é certo,mas ue ao mesmo tem o ermanece consciente dosJimites ue lhe são tra ados ela lin ua em, dasp-ossibilidades ue se lhe abrem na lin ua em.

Esse Ainda-e-sem re do oema só ode serencontrado na oesia de guem não se es uece de uefala sob o ângulo de incidência da sua existência, da/1sua condi ão criatural. .

''7 . Então o oema seria - de forma ainda mais clarado gue até a ora - ling~a em, tornada fi ura, de umente singular, e, na sua essência mais funda, presença eevidência: .

É certo que o poema - o poema hoje - mostra (e o oema é solitário. É solitário e vai a caminho.uem o escreve torna-se arte inte rante dele.

Mas não se encontrará o poema, precisamente porisso, e portanto já neste momento, na situação doencontro - no mistério do encontro?

O oema uer ir ao encontro de um Outro I2recisadesse Outro, de um Ínterlocuror. Procura-o e oferece-se-lhe.

Cada coisa, cada indivíduo é, ara o oema ue sedi ri e ara o Outro fi ura desse Outro.

A aten ão ue o oema rocura dedicar a tudo a ui-10 com ue se encontra, o seu sentido a uradíssimo dorormenor, do erfil, da estrutura, da cor, mas tambémdas "comoções" e das "alusões" - tudo isso, ao Wrenso, não é nenhuma con uista do olho ue diaria-mente concorre com a arelha ens cada vez mais12erfeitas (ou com elas corre), é antes uma forma d~concentração gue tem 12resentes todos os nossos dados ..

''A aten ão" - ermitam-me ue cite a ui, se~uindo.o ensaio de Walter Benjamin sobre Kafka, uma frase deMalebranche - "a aten -o é a oração natural da alma" ..21

O 120ema torna-se - e em gue condi ões! - o.oema de um su'eito gue insiste em ser um su'eito de

r.erce ão, atento a todos os fenómenos, e interro andoe a ostrofando esses fenómenos: e torna-se diálogQ,muitas vezes um diálo o desesl2erado.

Só no es a o desse diálo o se constitui o ue éa ostrofado, e se concentra à volta do Eu ue a ele se

21 A citação vem do grande ensaio de Benjamin "Franz Kafka.

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(r~J..o ~o-)ti

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pa

ARTE POÉTICA

diri e e o nomeia. Mas essa entidade a ostrofada, comoue transformada em Tu ela nomea ão, introduz

também nessa resen a o seu Ser-outro. Até no a ui e~ ora do oema - e o oema dis õe sem re a enasdeste único e ontual resente -, até nesta imediari-cidade e roximidade ele deixa falar a uilo ue é mais

ró rio dele, desse Outro: o seu tem o.Quando assim falamos com as coisas, confrontamo-

-nos sempre com a questão de saber de onde vêm epara onde vão elas: uma questão "em aberto", "que nãoleva a conclusão nenhuma", que aponta para um espaçoaberto e vazio e livre - estamos muito longe, "lá fora".O poema, creio, procura também este lugar.

O poema?O poema com as suas imagens e os seus tropos?Minhas Senhoras e meus Senhores, de que falo eu

realmente quando, a partir desta direcção, nesta direcção,com estas palavras, falo do poema? Do poema? Não,daquele poema. Mas eu falo afinal do poema que nãoexiste!

O poema absoluto - não, é mais que certo quenão existe, não pode existir, tal coisa!

Mas existe, isso sim, com cada verdadeiro poema,com o mais modesto dos poemas, aquela irrefutávelpergunta, aquela inaudita exigência.

E as imagens, gue seriam então?

Zur zehnten Wiederkehr seinesTodestages" (1934), que tem traduçãoportuguesa: Kafka. Trad. de Ernesto Sampaio. Lisboa: Hiena 1987.

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O MERJOIANO

A uilo ue foi a ercebido, ue tem de ser a erce-bido, uma única vez, de todas as vezes, como coisa únicae só a ora e só a ui. E assim o oema seria o lu aro~todos os tro os e metáforas uerem ser levadosad absurdum.

Investi_a ão to oló .ica?Certamente! Mas à luz do

uisa: à luz da u-toQia.E o homem? E a criatura?A esta luz.Que perguntas! Que exigências!É tempo de voltar atrás.Minhas Senhoras e meus Senhores, estou a chegar

ao fim - estou de novo no princípio.Élargissez l'Art! Esta questão, com a sua velha, a sua

nova inquietude, acerca-se de nós. Com ela me acerqueieu também de Büchner - e julguei reencontrá-Ia.

Tinha também uma resposta pronta, uma conrraspalavraao estilo de Lucile, queria contrapor qualquer coisa, serpresente com a minha contradição:

Am liar a arte?Não. Entra antes com a arte no no

há de mais acanhado. E liberta-te.A arte, portanto também a cabeça de Medusa, o

mecanismo, os autómatos, o que há de mais inquietantee difícil de distinguir, em última análise talvez apenasuma estranheza - a arte continua a viver.

Duas vezes, quando Lucile disse "Viva oRei", equando o céu se abriu como um abismo sob os pés de

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ARTE POÉTICA

Lenz, parecia estar presente aquela mudança derespiração. Talvez também quando eu tentei agarrar-meàquele lugar distante e à espera de ser preenchido, eque acabou por apenas se tornar visível na figura deLucile. E estivémos também outra vez, quando falámosda atenção dada às coisas e à criatura, na proximidadedo aberto e da liberdade. E por fim na proximidade dautop1a.

A oesia minhas Senhoras e meus Senhores - estamanifestação infinita de mortalidade e vanidade!

Minhas Senhoras e meus Senhores, permitam-me,já que estou novamente no princípio, que volte a colocara mesma questão, de forma breve e a partir de um ângulodiferente.

Minhas Senhoras e meus Senhores: há alguns anosescrevi uma quadra, assim:

"Vozes vindas da vereda de urtigas: / / Vem até nóscaminhando sobre as mãos.! Quem está sozinho com alâmpada,! tem apenas a mão para vos ler."22

E há um ano, recordando um encontro gorado noEngadin, pus no papel uma pequena história na qualum homem ia pela montanha, "como Lenz"."

Em ambos os casos, tinha escrito o meu destino apartir de um "20 de Janeiro", do meu "20 de Janeiro".

22 A citação corresponde à segunda parte do poema de aberturado livro de Paul Celan Sprachgitter( Grelha de Linguagem), de 1959.

23 A "história" é o texto "Diálogo na Montanha", incluído nestevolume. O encontro, que não chegou a ter lugar, era com o filósofoTheodor W Adorno.

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O MERIDIANO

E então ... encontrei-me a mim próprio.Será então que, quando pensamos em poemas, será

que seguimos tais caminhos com o poema? São essasvias apenas des-vios, caminhos ínvios de ti a ti? Massão também, no meio de sabe-se lá quantos outroscaminhos, caminhos nos quais a língua ganha voz, sãoencontros, caminhos de uma voz para um Tu que recebe,caminhos da criatura, projectos de existência, talvez,uma antecipação a nós próprios para nos encontrarmos,em busca de nós próprios ... Uma espécie de regresso acasa.

Minhas Senhoras e meus Senhores, estou a chegarao fim - a chegar, com o acento agudo que decidi usar,ao fim de ... Leôncio e Lena.

E aqui, diante das duas últimas palavras desta obra,tenho de ter cuidado.

Tenho de evitar, como fez Karl Emil Franzas, oresponsável por aquela "Primeira Edição Crítica eCompleta das Obras de Georg Büchner e do espólioManuscrito", publicada há oitenta e um anos pelaEditora Sauerlãnder, de Francoforte do Meno -, tenhode evitar, como fez o meu compatriota Karl Emil Franzos,que venho reencontrar aqui, ler o "Commode" que aí se usacomo se de um "Kommendes" se tratasse!"

24 A passagem exige uma explicação para o leitor português.Celan refere o final da peça Leôncio e Lena, em que a personagemValério diz o seguinte: "E eu vou ser Ministro de Estado e vai sair umdecreto que quem fizer calos nas mãos será declarado interdito, quequem cair doente por trabalhar demais incorrerá em crime, que todo

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Alrr~ p ~.i'I A

E apesar disso: não estão lá, precisamente no Leôncioe Lena, aquelas aspas que, invisíveis, sorriem para aspalavras, e que querem ser entendidas, não tanto como"pezinhos de ganso", mas antes como "orelhinhas delebre"," ou seja, como qualquer coisa que se põe àescuta, não sem receio, de si e das palavras?

Partindo daqui, deste "Commode", mas também àluz da utopia, lanço-me agora, eu próprio, numainvestigação topológica:

Procuro a região de onde vêm Reinhold Lenz e KarlEmil Franzas, que encontrei no caminho para aqui, naobra de Georg Büchner. E procuro também, já que estoude volta ao lugar de onde parti, o lugar das minhaspróprias origens.

aquele que se gabar de ganhar o pão com o suor do seu rosto serádeclarado doido e perigoso para a sociedade humana, e depoisdeitamo-nos à sombra e pedimos a Deus que nos mande macarrão,melões e figos, gargantas melodiosas, corpos clássicos e uma religiãoconfortéoel» (cito a tradução portuguesa de Renato Correia, feita para oGrupo de Teatro Cena em 1982. Sublinhado meu).

O austríaco Karl Emil Franzas, que em 1879 fez uma primeiraedição crítica e completa das Obras de Büchner, leu erroneamente ofrancesismo utilizado por Büchner - kommode Religion - comokommende Religion, ou seja "religião do futuro", neutralizando assimo carácter paradoxal, hilariante mas desesperado do final desta comédiasombria de Georg Büchner.

25 O jogo de palavras utilizado por Celan não é transponívelpara Português. "Pezinhos de ganso" é tradução literal do termo quena gíria tipográfica alemã significa" aspas".

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o MERIDIANO

Procuro rudo isso no mapa, com um dedo um tantoimpreciso, porque inquieto - num mapa para crianças,como tenho de confessar desde já.

Não se encontra nenhum desses lugares, eles nãoexistem, mas eu sei, sobretudo agora sei, onde elesdeviam estar, e... encontro alguma coisa!

Minhas Senhoras e meus Senhores: encontroalguma coisa que me consola um pouco por, na vossapresença, ter percorrido este caminho do impossível,este impossível caminho.

Encontro aquilo que une e como que conduz opoema ao encontro.

Encontro ual uer coisa - como a lin ua em -de imaterial, mas terreno, lanetário, de forma circular,

ue regressa a si mesma de ois de eassar or ambos osólos e - coisa diverrida!26 - cruzar

encontro um Meridiano.Convosco e Georg Büchner e o "Land" de Hessen

julgo ter-lhe tocado de novo.Minhas Senhoras e meus Senhores: foi-me hoje

concedida uma grande honra. Poderei guardar a memóriade ter recebido, junto de pessoas cuja vida e obrasignificam para mim encontro, um prémio que leva onome de Georg Büchner.

26 A "coisa divertida" é-o também apenas no jogo alemão comas palavras "tropas" e "trópicos" (que têm a mesma forma de plural,Tropen). Lembre-se que Celan concluira já, a meio deste discurso, que"o poema seria o lugar onde todos os tropos e metáforas querem serlevados ad absurdum".

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ARTE POÉTICA

Agradeço esta distinção, agradeço-vos por estemomento e este encontro.

Os meus agradecimentos ao "Land" de Hessen, àcidade de Darmstadt, à Academia Alemã de Língua e

Literatura.Agradeço ao Presidente da Academia Alemã de

Língua e Literatura, agradeço-lhe a si, meu caro Hermann

Kasack."Cara Marie Luise Kaschnitz." os meus agradeci-

mentos.Minhas Senhoras e meus Senhores, agradeço-vos a

vossa presença.

27 O escritor alemão Hermann Kasack era, em 1960, o Presidenteda Academia Alemã de Língua e Literatura, que atribui o Prémio

Büchner.28- À escritora Marie Luise Kaschnitz coube fazer a /audatío na

ocasião da atribuição do prémio a Paul Celan.

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Carta a Hans Bender(1960)

Meu caro Hans Bender,

Agradeço-lhe a sua carta de 15 de Maio e o amávelconvite para colaborar na sua antologia Mein Gedicht istmein Messer (O meu poema é a minha faca). I

Lembro-me de há tempos lhe ter dito que assimue o oema verdadeiramente está aí, o oeta volta a

libertar-se da sua cum licidade ori inal. Hoje formulariaesta opinião de maneira completamente diferente, ouentão tentaria diferenciá-Ia; mas no fundo continuo ater esta - velha - opinião. É claro que existe tambémo que hoje, tão fácil e despreocupadamente, se designade ofício. Mas - permita-me esta redução dopensamento e da experiência - o ofício é, como acorrecção em geral, condição de toda a poesia. Este

I A antologia em questão, que inclui a carta de Paul Celan, é umaedição aumentada, em relação à primeira, de 1955, e foi publicada pelaEditora List, de Munique, em 1961. A páginas 166 pode ler-se aseguinte nota do organizado r: "Paul Celan autorizou a publicaçãodesta sua carta pelo organizador da Antologia, com o desejo expressode que "ela fosse tomada por aquilo que é: como uma carta dirigi da asi, com a data do dia de hoje (18 de Maio de 1960)".

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ARTE POÉTICA

ofício não se faz, com certeza, sobre um chão dourado.?- quem sabe até se ele assenta sobre algum chão. Temos seus abismos e profundezas, e alguns - ah, mas eunão faço parte deles - têm até um nome para isso.

Ofício - é coisa das mãos. E estas mãos, por outrolado, só pertencem a um indivíduo, isto é, a um únicoser mortal que com a sua voz e o seu silêncio busca umcaminho.

Só mãos verdadeiras escrevem oemas verdadeiros.Não vejo nenhuma diferença de rincl 10 entre uma erto de mão e um oema. E não nos venham com o" oieín" e coisas assim. Isso significava, .untamentecom as suas roximidades e distâncias, sem dúvidaqual uer coisa totalmente diferente do ue no seucontexto actual.

Existem, com certeza, exercicros no sentidoespiritual, caro Hans Bender! E para além disso hátambém, a cada esquina lírica, toda a espécie deexperiências com o chamado material verbal. Poemassão também oferendas - oferendas àqueles que sãoatenros." Oferendas que transportam um destino.

"C f I"orno se azem poemas.

2 A frase só se compreende à luz de um antigo provérbio segundoo qual um bom ofício, uma vez aprendido, é sempre rentável. NosProvérbios de Sebastian Franck (Frankfurt, 1560) ele é citado na versãoatribuída ao humanistaJohannesAgricola: "Um ofício tem um chãode ouro".

3 Cf. nota 21 a "O Meridiano".

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CARTA A HAN 131\NI)1\I(

Há anos atrás ude, or algum tem o, ver e, maistarde, a artir de uma certa distância, observaratentamente como o "fazer" se vai transformando,através da factura, em contra-facção.4 Sim, isto tambémexiste, como deve saber ... Não acontece or acaso.

Vivemos sob céus sombrios e ... existem oucos.seres humanos. Talvez or isso existam tam ém tão

oucos oemas. As eS12eran as gue ainda me restamnão são grandes; tento conservar aguilo gue me restou.

Com os melhores votos, para si e para o s~utrabalho,

Paul CelanParis, 18 de Maio de 1960

4 O original explora um jogo de palavras que se procurou manter:a machen (o acto) / die Mache(o processo e o resultado) / Machenschaft(o fazer intriga, trama, manobra) corresponde "fazer" /"factura" /"contra-facção".

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Resposta a um inquérito da Librairie Flinker,Paris'(1961)

(O objectivo do inquérito era o "Problema do bilinguismo ')

As perguntas dirigem-se à língua, às ideias, à poesia.Perguntas feitas em poucas palavras. Permitam-me quea minha resposta tenha uma forma igualmente lacónica.

Não acredito ue ha'a bilin uismo na oesia. Falarcom lín, ua bífide - isso sim, existe, também emdiversas artes ou artifícios da 12alavra e dos nossos dias,es ecialmente na ueles ue, numa feliz concordânciacom ores ectivo consumo cultural sabem estabelecer--se, de forma tanto oli ,lota como olícroma.

Poesia - essa é a inelutável unicidade da língua.Não é, ortanto - ermitam-me este lu, ar comum: a

..l2oesia, tal como a verdade vê-se ho' e freguentemente. na situação de não ir dar a lugar nenhum -, não é,portanto, a sua duplicidade.

I Publicado no Almanach 1961 da Librairie Française et ÉtrangereFlinker, Paris 1961, P: 18. Reimpressão no jornal Die Uíélt(Hamburgo),de 21 de Novembro de 1970.

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Resposta a um inquérito da revista «DerSpiegel»:(1968)

(Partindo dapergunta "Épossível uma revolução?';a revista«Der Spiegel» pedia uma tomada de posição sobre a seguintealternativa formulada por Hans Magnus Enzensberger noThe Times Literary Supplement: «Defacto, hoje não nos vemosconfrontadoscom ocomunismo, mas sim com a revolução.Osistemapolítico da República Federaljá não tem conserto. Ou estamos deacordo com ele,ou temos de osubstituir por um novo. Tertium nondabitur»)

Tenho ainda esperanças, não apenas em relação àRepública Federal e à Alemanha, de que haja mudanças,transformações. Elas não serão trazidas por sistemasalternativos, e a revolução - a social e ao mesmo tempo (f.tV",,~~anti-autoritária - só é pensável a partir delas. Ela t:::.;;-começa, na Alemanha, aqui e agora, com o indivíduo. Tut;Lyjd.,;o)E poupem-nos a uma quarta via.

1 Publicado em: DER SPIEGEL fragte: 1st eine Revolutionunvermeidlich?42 Anrworten auf eine Alternative von Hans MagnusEnzensberger (DER SPIEGEL perguntou: a revolução é inevitável?42 respostas a uma alternativa de Hans Magnus Enzensberger). Ham-burgo 1968. O ensaio de onde provém a citação de Enzensberger,"The Writer and Politics", fora publicado no TimesLiterarySupplementde 28 de Setembro de 1967.

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Alocução na Associação de EscritoresHebraicos'(1969)

Vim visitar-vos a Israel porque precisei de o fazer.Depois de tudo o que vi e ouvi, domina-me uma

sensação rara, a impressão de ter feito o que devia -espero que não apenas em relação a mim próprio.

Julgo ter uma ideia do que pode ser a solidão judaica,e compreendo também, entre tantas outras coisas, oorgulho reconhecido por cada mancha verde plantadacom as nossas próprias mãos, e que está pronta a servirde refrigério a quantos por aqui passam; como entendotambém a alegria por cada palavra readquirida, que cadaum sente e preenche, que acorre para fortalecer aqueleque lhe é dedicado. Entendo tudo isto, nestes temposde auto-alienação e massificação generalizadas e cres-centes. E aqui, nesta paisagem exterior e interior, encon-tro muito da exigência de verdade, da evidência naturale da singularidade universal da grande poesia. E julgo terencontrado um interlocutor na decisão serena e segurade alguém que busca afirmação no plano do humano.

Agradeço a tudo isto, agradeço-vos.Telavive, 14 de Outubro de 1969.

I Proferida a 14 (?) de Outubro em Telavive. Publicada pela pri-meira vez na revista Die Stimme (Telavive), Agosto de 1970, p. 7.

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POSFÁCIO

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João BarrentoO mistério do Encontro

Ein Rdtsel ist Reinentsprungenes.É um mistério oque vem daspuras origens.(Hõlderlin, O Reno)

As páginas anteriores reunem quase todos os textosde prosa de Paul Celan até agora publicados, se excep-tuarmos algumas esparsas notas introdutórias aos poetasrussos Osip Mandelstam (desaparecido nos anos trinta,vítima não se sabe bem se de Estaline, se de Hitler) eAleksandr Blok. I A correspondência ainda por publicarpoderá eventualmente acrescentar mais algumas cintila-ções a esta pequena constelação de textos, breves, mas debrilho intenso: num lacónico discurso de ocasião(Bremen, 1958) ou numa simples carta a umantologiador (Hans Bender, 1960), Celan conse _ue fixar

ue iluminam subitamente o Ser da oesia,

IAs versões portuguesas seguem a edição alemã dos GesammefteWérke (ed. de Beda Allemann e Stephen Reichert, Vol. IlI, Frankfurt/M.: 5uhrkamp Verlag 1983), que por sua vez se serviu, para a fixaçãodos textos alemães, das primeiras versões impressas, corrigidas. A"Alocução na Associação de Escritores Hebraicos" segue a versãomanuscrita utilizada pelo Autor na altura do discurso de Telavive.

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ARTE POÉTICA

propor definições de uma pregnância que vale porensaios inteiros. Mesmo aí, nesses textos de circuns-tância, -ª-12rosade Celan é semQre sui _eneris, anti- rosaica:exacta e 12rofunda, im12revisível e associativa eU tica ehíbrida. Também os ensaios maiores, como "O Meridiano"(ainda um discurso de agradecimento) ou o "Diálogona Montanha" (um texto atravessado pela sombra deAdorno, o "judeu Grande", e onde ecoam, tanto anovela Lenz, de Büchner, como sobretudo motivos datradição e da condição judaica), associam, num ritmodeambulante e sobressaltado cuja estranheza a traduçãoprocura não apagar, o rigor da ideia à deriva intertextual,e transformam-se assim, ainda e sempre, em grandespoemas. poeta até aos ossos e à dor, Celan não uer,nem sabe, ser outra coisa. A interpretação dos textosde prosa, em particular dos dois referidos, será, como ada sua poesia, sempre problemática, árdua e aberta. Estaé uma J20ética inse _ura de si, o discurso avan a e recua,tacteante, a alavra "talvez" sur e nove vezes numa só

á ina. O texto definitivo de "O Meridiano" é o resíduoda decantação difícil de um manuscrito enorme (notas,transcrições, tentativas, entre Maio e Outubro de 1960),com cerca de trezentas páginas à espera de divulgação,o que só acontecerá depois de saído o volume respectivoda edição histórico-crítica em curso de publicação. A"arte poética" de Paul Celan contida neste discurso é,como a sua poesia, uma busca atormentada, um rede-moinhar labiríntico à volta de uma outra obra breve e inten-sa, a do poeta dramático "da criatura" Georg Büchner,

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POSFÁCIO

que emprestou o nome ao maior prémio literário alemão,que Celan recebe nesse ano de 1960. A caminhada, aoencontro do Outro do poema, do poema impossível"que fala em nome de um Outro", só podia terminar,como termina dez anos mais tarde, à beira do abismo,ou no -"poema absoluto" que não existe, na "majestadedo absurdo" (como nessa comédia grotesca dahumanidade que é o Leôncio e Lena de Büchner). Doabsurdo que é, no poema como na tragédia, a sua lei denecessidade, e que lhe vem dessa paradoxal tendênciapara o emudecimento, do periclitante paradoxo de opoema ser solitário e ir a caminho do Encontro com oOutro. Os ecos que aqui se ouvem podem ser umaresposta ao veredicto de Adorno sobre a(impossibilidade da) poesia depois de Auschwitz; masremontam também à teologia de Schleiermacher e, maiscertamente, à filosofia dialógica de matriz judaica, deBuber e Rosenzweig a Lévinas (mais de Lévinas que deBuber). É por este trilho que segue, hoje, a minha leiturada poética de Paul Celan.

No lugar desse Encontro não há, nem certezas nemapoteoses, mas apenas aquela imperceptível "mudançade respiração" (Atemwende), testemunho da atenção doOutro ao poema, do poema ao respirar do mundo, à"criatura" nele, à utopia futura dele - apesar das u-topias terríveis deste século, lugares da História tãoinimagináveis que se transformam em não-lugares. Opoema é, então, em toda a sua complexidade e obscu-ridade, simples e "autêntico" - mas o termo terá de

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AR'I'E POÉTICA POSFÃCIO

ser corrigido por outros, porque na poesia de Celan nãosopram já, nem os ventos românticos, nem o ontolo-gismo essencialista de Heidegger, em que a figura do"autêntico" tem ainda um papel central. Digamos, poragora e com o próprio Celan, que o poema é autênticocomo a mão que o escreve, uma espécie de regresso acasa: "Só mãos verdadeiras escrevem poemas verda-deiros, Não vejo nenhuma diferença de princípio entreum aperto de mão e um poema" (carta a Hans Bender).

éMtl1(nlro O encontro com o Outro, que, ao contrário de tantas~ (; fMtro outras no percurso autotélico da modernidade, de

<J.t Mallarmé a Valéry, é determinante na poética de Pauln ' . .Á. r.; Celan, configura-se aqui (de forma obsessiva nos textos~\'IIW,(~e.l v . d ") al bé, .- maiores esta poeuca ,t como tam em acontece na

filosofia de Emmanuel Lévinas, enquanto forma de des--inter-esse, de relação necessária na ordem do ente e desaída da ordem do Ser, da ontologia abstracta e neutra.Celan ultra assa as oéticas do hermetismo mais uro(Ortega diria: mais desumano), tal como Lévinas superaa fenomenologia, de onde vem, e a ontologia, que aindaatravessa, a caminho de um re resso à metafísica, uenele será uma ética. Para o oeta, como ara o filósofo,al uma coisa de fundamental se l2assa na sua busca decom reensão do mundo, ue não é da sim les ordemda com reensão com os meios da lin ua em, é antesanterior a todas as ormas de com reensão verdadeira-mente humanas (do verdadeiramente humano): o encon tro.com o Outro. Não como programa, não como mera no-meação, mas (afinal ainda na esteira do Heidegger tardio?)

como "acontecimento" (Er-eignis) puro, incontornável,necessário. O termo alemão Ereignis contém o sentidode um acontecer próprio (eígen), singular e concreto,visível (na raiz do conceito está também o verbo augen,desaparecido na sua forma simples, e que significavaver, apreender com o olhar); e nele está também, noprefixo, a ideia de força súbita que irrompe, uma quaserevelação de algo que vem de uma origem (a partículaEr- é aparentada com aquela outra que tem o sentidode "origem": Ur-i. O rosto do Outro em Lévinas (nãocomo forma, mas como "significa ão sem contexto","sentido só Rara ele" e nele),2presensa incontornáveldo Outro no acto de nascimento do oema em Celan(não como "destinatário", mas como motor de uma es-crita que, não se lhe diri indo o contém dão a estafilosofia a sua dimensão ética, a esta oesia a sua dimen-são verdadeiramente humana. Será neste sentido que Idse pode dizer que estamos perante uma filosofia, e uma V

oesia, das "vítimas", ensada e feita ara elas e comelas. É impossível resistir ao apelo, à convocação impe-rativa do rosto do Outro, rosto sem rosto, porque, paraLévinas, ele está para lá das formas plásticas. O aconte-cimento que é o poema, que é o pensar, não é então umacto de vontade (de vontade de compreender) que partede um Sujeito: ''A deposição da soberania pelo eu é arelação social com outrém, a relação des-inter-essada.Escrevo-a com três palavras para realçar a saída do Serque ela significa" (E. Lévinas, Ética e Infinito). O aconte-cimento é, isso sim, um irromper do mundo do outro

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Altl'E I' ,TI A POSFÁCIO

pelo meu próprio mundo adentro, representa a priorida-de absoluta do acontecer sem nome antes da compreensão.Por isso não pode haver, não há, formalismo ou maneirismonesta poética, arbitrariedade ou circunstancialismo fútilnesta ética. O apelo do Outro é irresistível, avassalador,provoca no Eu, vulnerável a ele e impotente peranteele, a total insegurança, juntamente com a convicçãoabsoluta de que esse Outro é uma presença incontor-nável, ainda que "virtual" (é isto que Celan quer dizercom o muito citado símile do poema como mensagemna garrafa, no Discurso de Bremen). A poética de Celané uma poética de oficiante da experiência ("o motornunca é aqui a própria linguagem, mas sempre esomente um eu que fala a partir do ângulo particular dasua existência": p. 30), a filosofia de Lévinas, esse outro"judeu Grande" que Celan não menciona nunca, masque é o seu duplo filosófico, é uma filosofia dainalienável responsabilização em relação ao Outro(Lévinas, no entanto, usa como epígrafe para umcapítulo central do seu livro Autrement qu 'être ou au-delàde l'essence, em 1974, um verso do poema de Celan"Louvor da Distância": "Sou tu quando sou eu").

Ora, para Paul Celan, como para EmmanuelLévinas, rosto e discurso estão ligados. Rosto é, comose disse, essencialmente significação em si, e não forma.O rosto não é "visto", o rosto fala, diz Lévinas. E odiscurso não é, para Celan, expressão monológica desentido único, como o era para as poéticas modernasdo hermetismo e do formalismo, até ao Gottfried Benn

dos anos cinquenta, o de "Problemas da Poesia".Discurso é "resposta" ou "responsabilidade", e esta é,para o filósofo e para o poeta, o fundamento da "relaçãoautêntica". É por isso que a poética de Paul Celan, sendosecundária em relação à sua poesia, é importante para aclarificar num sentido antitético do das leituras redutorasque nela apenas exploram a dimensão linguístico-for-mal. Porque aqui estamos claramente perante ~

oética da relação do a elo do grande mistério doEncontro, numa poesia da qual, paradoxalmente, se dizque é feita "em causa própria" - mas agora essa causaé também a "alheia", não sendo, afinal, já alheia, nemsequer causa, porque o próprio do Próprio é a atençãoao Outro, porque "Eu sou tu quando sou eu". Lévinaschamaria a isto - a esta proposta de superação daclássica dualidade sujeito-objecto ~ uma poética dodizer. "Sempre distingui no discurso o dizere o dito. Queo dizer deve implicar um dito, é uma necessidade (...)Mas odizer éofacto de, diante do rosto,eu nãoficar simplesmentea contemplá-lo- respondo-lhe' (Ética e Infinito. Sublinhadomeu). Celan prefere o paradoxo: "O poema é solitário.É solitário e vai a caminho".

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DEPOSITO LEGAL 98400/96

Acabou de imprimir-seemAbrilde 1996

na Tipografia Guerra (Viseu)numa tiragem de 1200 exemplares.

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