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    DIREITOS FUNDAMENTAIS E TRANSDISCIPLINARIEDADE: O DIREITO AO

    DESENVOLVIMENTO NA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E OS OBSTCULOS

    SUA CONCRETIZAO1

    THIAGO HOLANDA GONZLEZ

    RESUMO

    Este trabalho pretende empreender uma anlise do objetivo constitucional fundamental de

    garantir o desenvolvimento nacional. Parte-se do reconhecimento do direito ao desenvolvimento

    no plano internacional e do significado de sua incorporao no ordenamento jurdico brasileiro.

    Identificando-se o Brasil como um pas subdesenvolvido, marcado por heterogeneidades e

    contradies, atribui-se sentido e alcance especficos noo de desenvolvimento. Percebe-se

    que a Constituio Federal de 1988 fornece substrato jurdico para a perseguio do objetivo

    fundamental mencionado. Entretanto, os empecilhos plena manifestao da soberania popular e

    a acentuao do processo de globalizao tm imposto obstculos afirmao da soberania

    econmica, o que dificulta uma interveno planejada do Estado na economia, voltada

    superao da condio de subdesenvolvimento.

    Palavras-chaves: Constituio Federal de 1988. Desenvolvimento nacional. Interveno do

    Estado. Economia. Soberania econmica.

    ABSTRACT

    This paper intends to undertake an analysis of the fundamental constitutional objective to ensure

    national development. It starts with the recognition of the right to development in the

    international sphere and of the meaning of its incorporation in the Brazilian legal system. Brazil

    is an underdevelopment country, marked with heterogenities and contradictions. Therefore thedevelopment has specific notion and scope in the Brazilian case. The 1988s Federal Constitution

    provides juristic substrate to the pursuit of the referred fundamental objective. However the

    1 Artigo vencedor do II Concurso de Artigos Jurdicos da UFC, promovido pela organizao da V Semana do Direitoda UFC. Aluno da graduao em Direito da Universidade Federal do Cear (UFC). Bolsista do Programa Institucional deBolsas de Iniciao Cientfica da Universidade Federal do Cear (PIBIC UFC).

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    obstacles to the complete popular sovereigntys manifestation and the emphasis on the

    globalization process have caused difficulties to the affirmation of the economics sovereignty,

    which hampers a planned State intervention in the economy, oriented to overcome

    underdevelopment condition.

    Keywords: 1988s Federal Constitution. National development. State intervention. Economy.Economic sovereignty.

    1. INTRODUO

    A interpretao e a aplicao da Constituio exigem, necessariamente, em uma

    sociedade com alto grau de complexidade, uma constante preocupao com o sentido que devem

    assumir diante do plano concreto, pois a Constituio, por meio de suas normas, confere

    estruturao s searas poltica, econmica e social. Destarte, tm os juristas verificado que o

    estudo isolado do Direito no basta para o seu correto entendimento, uma vez que est

    direcionado regulao de situaes fticas, a partir de decises axiolgicas, pautadas numa

    concepo ltima de justia. Ganha espao, portanto, a noo de transdisciplinariedade.

    Ao se propor uma anlise de um objetivo constitucional fundamental, tal qual o de

    garantir o desenvolvimento nacional (art. 3, II, CF/88), indispensvel a observao da norma

    constitucional que o prescreve dentro de um sistema coeso, levando-se em conta, ainda, aspectos

    polticos, econmicos e sociais que permeiam seu sentido e alcance, bem como os obstculos,

    nos planos ftico e jurdico, consecuo do objetivo enunciado.

    Parte-se, pois, neste trabalho, de duas premissas: a) o Brasil um pas subdesenvolvido,

    marcado por heterogeneidades e contradies, o que atribui, ao objetivo fundamental de garantir

    o desenvolvimento nacional, um significado especfico, distinto do que a ele seria destinado em

    um pas desenvolvido, uma vez que necessariamente relacionado idia de mudana, a um salto

    de qualidade nos campos econmico, social, cultural e intelectual; b) a Constituio Federal de1988 dirigente e traz baila um sistema de normas voltado superao da condio de

    subdesenvolvimento.

    Entretanto, o novo processo de globalizao, iniciado na dcada de 1980, tem posto em

    xeque a concepo moderna de Estado, sobretudo no que se refere a um de seus fundamentos: a

    soberania nacional. Diante disso, os pases subdesenvolvidos deparam-se com a acentuao das

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    influncias dos setores capitalistas internacionais em suas tomadas de decises, o que os afasta do

    cumprimento das normas constitucionais e, consequentemente, do processo de desenvolvimento.

    nesse contexto que se buscar identificar, no texto constitucional, substrato jurdico para

    a perseguio do objetivo constitucional fundamental de garantir o desenvolvimento nacional,

    atentando-se, contudo, anlise dos obstculos poltico-econmicos existentes, no que tange,

    notadamente, afirmao da soberania nacional em um contexto de globalizao.

    2. DO CONSTITUCIONALISMO LIBERAL AO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL. A

    CONSTITUIO DIRIGENTE

    As constituies do Estado Liberal serviram burguesia em duas ordens de interesses: em

    um primeiro momento para proteg-la contra a aristocracia absolutista; aps, para consolid-lacomo classe dominante2. Estabeleceram uma separao entre o Estado, de um lado, e a sociedade

    e a economia, de outro, atribuindo quele a tarefa de garantir a inviolabilidade da liberdade do

    indivduo, contra a qual nem mesmo ele, Estado, poderia atentar.3 Ocorre que tal liberdade,

    indispensvel para que a burguesia mantivesse o domnio do poder poltico, estendia-se s demais

    classes sociais to-somente se considerada sob o prisma formal ou nominal. 4

    As constituies liberais limitaram-se, destarte, a disciplinar o poder estatal, definindo sua

    estruturao bsica e os direitos individuais.5 Para tanto, afirmaram uma rgida tcnica de

    separao de poderes, desenvolvida por Montesquieu, a partir do modelo ideolgico de Locke,

    2 NUNES, Antnio Jos Avels. O Estado Capitalista. Mudar para permanecer igual a si prprio. In: Constituio eEstado Social: os obstculos concretizao da Constituio. So Paulo: Coimbra Editora e Revista dos Tribunais,2008, p. 49.3 O modelo acima identificado representa o Estado de Direito, que assim foi exposto por Gilberto Bercovici: NoEstado de Direito, as regras jurdicas estabelecem padres de conduta ou comportamento e garantem tambm umadistanciao e diferenciao do indivduo, por meio do Direito, perante os rgos pblicos, assegurando-lhe umestatuto subjetivo essencialmente caracterizado pelos direitos e garantias individuais. (BERCOVICI, Gilberto. Aproblemtica da constituio dirigente: algumas consideraes sobre o caso brasileiro. Revista de Informao

    Legislativa. a 36. n. 142. abr./jun. Braslia, 1999, p. 37).4 A burguesia, classe dominada, a princpio e, em seguida, classe dominante, formulou os princpios filosficos desua revolta social. E, tanto antes como depois, nada mais fez do que generaliz-los doutrinariamente como ideaiscomuns a todos os componentes do corpo social. Mas, no momento em que se apodera do controle poltico dasociedade, a burguesia j se no interessa em manter na prtica a universalidade daqueles princpios, como apangiode todos os homens. S de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicao poltica eles seconservam, de fato, princpios constitutivos de uma ideologia de classes. Foi essa a contradio mais profunda nadialtica do Estado moderno. (BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8 ed. So Paulo:Malheiros, 2007, p. 42).5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 229.

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    trazendo consigo, inicialmente, o enfraquecimento e a desintegrao da doutrina da soberania.6

    Acreditava-se que, com a fragmentao do poder, preservar-se-ia a liberdade individual. Por

    outro lado, assentaram-se essas constituies na concepo de igualdade de Rousseau, que,

    embora fosse meramente formal, acarretava a rejeio ao absolutismo e ao direito divino dos

    reis. Segundo Marcio Augusto de Vasconcelos Diniz, o essencial, para Rousseau, era buscar um

    modo de organizao poltica que, conquanto universal, protegesse a todos os indivduos

    associados e resguardasse os seus direitos naturais liberdade e igualdade.7 Note-se que

    Rousseau, ao contrrio de seus antecessores, no pretendia enfraquecer a soberania; pelo

    contrrio, afirmava-a, por meio da transferncia de todo o poder ao povo.8 Conforme Paulo

    Bonavides, a ideologia revolucionria da burguesia soube, porm, encobrir o aspecto

    contraditrio dos dois princpios e, mediante sua vinculao, construiu a engenhosa teoria do

    Estado liberal-democrtico.9

    No final do sculo XIX, a tese liberal segundo a qual a economia e a sociedade,

    confiadas mo invisvel (s leis naturais do mercado), proporcionam a todos os indivduos, em

    condies de liberdade igual para todos, as melhores condies de vida 10 esbarrou em fatores

    como a concentrao do capital e o aumento da dimenso das empresas, decorrentes do progresso

    tcnico, e como o fortalecimento do movimento operrio.11 Tal conjuntura imps a modificao

    do papel do Estado face sociedade e economia, cabendo-lhe, a partir de ento, no apenas

    garantir os direitos individuais, mas tambm oferecer aos indivduos prestaes positivas,

    6 GIERKE, Otto Von apudBONAVIDES, Paulo. Op. Cit., 2007, p. 45.7 DINIZ, Marcio Augusto de Vasconcelos. Sociedade e Estado no Pensamento Poltico Contemporneo.Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 1999, p. 29.8 Confiram-se as seguintes palavras de Rousseau: No sendo o Estado ou a Cidade mais que uma pessoa moral, cujavida consiste na unio de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados o de sua prpria conservao,torna-se-lhe necessria uma fora universal e compulsiva para mover e dispor cada parte da maneira maisconveniente a todos. Assim como a natureza d a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto

    social d ao corpo poltico um poder absoluto sobre todos os seus, e esse mesmo poder que, dirigido pela vontadegeral, ganha, como j disse, o nome de soberania. Mais frente, escreve o filsofo: O pacto social estabelece entreos cidados uma tal igualdade, que eles se comprometem todos nas mesmas condies e devem todos gozar dosmesmos direitos. Igualmente, devido natureza do pacto, todo o ato de soberania, isto , todo o ato autntico davontade geral, obriga ou favorece igualmente todos os cidados, de modo que o soberano conhece unicamente ocorpo da nao e no distingue nenhum dos que a compem. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. In:Os Pensadores. 4 ed. So Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 48-51).9 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., 2007, p. 52.10 NUNES, Antnio Jos Avels. Op. Cit. 2008, p. 49.11 Id. Ibid., p. 49.

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    relacionadas busca da melhoria das condies scio-econmicas.12 Comea, ento, com a

    Constituio de Weimar, de 1919, a surgir um novo modelo de constitucionalismo, o

    constitucionalismo social.13

    Caracterstica tpica das constituies sociais (tambm adjetivadas de econmicas ou

    programticas)14 a estipulao de tarefas a serem realizadas pelo Estado e pela sociedade na

    seara econmica, em busca de objetivos traados pela constituio.15 Tal aspecto foi observado

    pela Teoria da Constituio Dirigente, segundo a qual a constituio, alm de estruturar e

    organizar o Estado e a sociedade, e estabelecer direitos e garantias aos indivduos, prev um

    programa, a ser seguido pelo legislador, visando transformao das condies scio-

    econmicas.

    O primeiro a utilizar a expresso constituio dirigente (dirigierendeVerfassung) foi

    Peter Lerche. Para o jurista, todas as constituies dividem-se em quatro partes: as linhas dedireo constitucional, os dispositivos determinadores de fins, os direitos, garantias e repartio

    de competncias estatais e as normas de princpio. Alm dessa composio, seria caracterstica

    das constituies modernas a presena de diretrizes que configurariam imposies permanentes

    ao legislador. para tais diretrizes que se destina, segundo Lerche, a denominao dirigierende

    Verfassung. Ademais, entende o autor que no mbito da constituio dirigente que se

    poderia observar uma discricionariedade material do legislador, uma vez que a este seria dado

    atualizar, continuadamente, as diretrizes constitucionais.16

    Jos Joaquim Gomes Canotilho tambm props um conceito de constituio dirigente,

    que apresenta relevantes distines em relao ao modelo desenvolvido por Lerche. Assim, para

    12 Segundo Avels Nunes, a mudana do papel do Estado decorre da necessidade burguesa de proteo do sistemacapitalista, fazendo-se manifestar uma caracterstica prpria do capitalismo: a de mudar para permanecer vivo. Nessesentido, esclarece o professor portugus: As lutas da nova classe operria constituram a forma mais visvel e maisprofunda de contestao do direito clssico (do direito burgus). A burguesia, porm, aprendeu as lies da histria,o que facilitou a adopo de solues de compromisso que implicaram a integrao, na nova ordem jurdica docapitalismo, de princpios contrrios aos dogmas da ordem liberal. O qualificativo social, que tempos antes carregavaalgo de subversivo, assume agora, aos olhos da burguesia, um ar protetor e tranqilizador.(Id. Ibid., p. 50).13 Estas novas Constituies consistem em uma tentativa de estabelecer uma democracia social, abrangendodispositivos sobre a ordem econmica e social, famlia, educao e cultura, bem como instituindo a funo social dapropriedade (BERCOVICI, Gilberto. Constituio e Estado de Exceo Permanente: atualidade de Weimar. Riode Janeiro: Azougue Editorial, 2004, p. 25).14 BERCOVICI, Gilberto. Constituio Econmica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituio de1988. So Paulo: Malheiros, 2005, pp. 33-34.15 BERCOVICI, Gilberto. Op. Cit. 2004, p. 39.16 LERCHE, Peter apudBERCOVICI, Gilberto. A Constituio Dirigente e a Crise da Teoria da Constituio. InTeoria da Constituio: Estudos sobre o Lugar da Poltica no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003, p. 114-16.

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    o professor portugus, a definio de uma constituio como dirigente diz respeito sua

    concepo como um todo, e no apenas caracterizao de uma de suas partes. O ncleo

    essencial de sua anlise transita em torno do que deve (e pode) uma constituio ordenar ao

    legislador e o que deve ele fazer para cumprir, adequada e oportunamente, as imposies

    constitucionais. Diante disso, pretende-se empreender uma reconstruo da Teoria da

    Constituio, atravs de uma teoria material da constituio concebida como teoria social.17

    A tese defendida por Canotilho busca, portanto, estabelecer um fundamento constitucional

    para a poltica, por meio da vinculao do legislador aos preceitos estabelecidos na constituio. 18

    Como aponta Gilberto Bercovici, a questo das imposies constitucionais no uma simples

    discusso sobre a adequao da execuo das normas constitucionais, mas um problema de

    cumprimento da constituio mesma.19

    Recentemente, o jurista portugus procedeu a uma reviso da sua tese, o que levou algunsdoutrinadores a entender que, para ele, a constituio dirigente estaria morta. Andreas J. Krell,

    reportando-se s novas concepes de Canotilho20, diz que tal mudana de viso deve-se forte

    influncia da doutrina tradicional alem (especialmente Konrad Hesse) e modificao da

    situao social de Portugal no seio do processo de integrao econmica e poltica da Unio

    17 CANOTILHO, Joaquim Jos Gomes. Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador: contributo para acompreenso das normas constitucionais programticas. Coimbra: Coimbra, 1994, p. 11-14.18 A do bloco constitucional dirigente, plasmada nas linhas de direco poltica, nos princpiosdeterminadores de fins, nas normas determinadoras de tarefas estaduais e em imposies constitucionais no , comopor vezes se pretende, estabelecer um para a poltica e reduzir a direco poltica a dos preceitos constitucionais. Pelo contrrio: o sentido dinmico-programtico destas posiespostula mesmo a existncia de actos de e de governo como actos directivos, planificadores,conformadores, programticos e criadores. A exige ; oprograma constitucional aponta para e para actos de direo poltico-programtica. Sendoassim, a vinculao jurdico-material do no visa eliminar oErmessen, a dos rgos constitucionais titulares de competncia de direco poltica; procura, antes de tudo,estabelecer um para a poltica. Esta deve mover-se no mbito do programanormativo-constitucional. Em sntese: o bloco constitucional dirigente no substitui a poltica; o que se torna

    premissa material da poltica. (Id. Ibid., 1994, p. 463).19 BERCOVICI, Gilberto. A Constituio Dirigente e a Crise da Teoria da Constituio. In Teoria da Constituio:Estudos sobre o Lugar da Poltica no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 117.20 Ultimamente, Canotilho revidou esse seu posicionamento, declarando-se adepto de um constitucionalismomeramente reflexivo (U. Preuss) em virtude do descrdito de utopias e da falncia dos cdigos dirigentes, quecausariam a preferncia de modelos regulativos tpicos da subsidiariedade, de autodireo social estatalmentegarantida. O entulho programtico e as metanarrativas da Carta portuguesa, segundo ele, impediriam aberturas ealternativas polticas, tornando-se necessrio desideologizar o texto constitucional.[...]Alm disso, o autorportugus passou a negar a possibilidade da gerao de direitos subjetivos na base de direitos constitucionais sociais,alegando que somente o legislador ordinrio seria legitimado a determinar o contedo concreto dos direitos sociais,sem vinculao estrita s normas programticas da Constituio. [KRELL, Andreas J. Realizao dos direitosfundamentais sociais mediante controle judicial da prestao dos servios pblicos bsicos (uma viso comparativa).Revista de Informao Legislativa. a. 36. n. 144. out./dez. Braslia, 1999, p. 248].

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    Europia, no devendo ser transportada, com a mesma conformao, para o Brasil.21 No se pode

    reconhecer a morte da constituio dirigente, sobretudo quando se admite a seguinte premissa

    de Gilberto Bercovici:

    Ao nos debruarmos sobre a problemtica da Constituio dirigente, ou seja, aconstituio que define fins e objetivos para o Estado e a sociedade, precisamos fixar-nos ao texto de uma determinada constituio. Isso porque o texto constitucional otexto que regula uma ordem histrica concreta, e a definio da Constituio s pode serobtida a partir de sua insero e funo na realidade histrica. Esse , nas palavras deJos Joaquim Gomes Canotilho, o conceito de constituio constitucionalmenteadequado.22

    A realidade histrica brasileira reflete heterogeneidades e contradies tpicas de um pas

    subdesenvolvido, fazendo-se necessria a identificao de normas constitucionais e

    infraconstitucionais capazes de fornecer substrato jurdico atuao do Poder Pblico, no que serefere implementao de polticas pblicas voltadas superao da condio de

    subdesenvolvimento. Pode-se afirmar, portanto, que dirigente a Constituio Federal de 1988,

    porquanto traz diretrizes e fins a serem buscados pelo Estado brasileiro, prestando-se a fornecer

    embasamento jurdico realizao de mudanas de cunho scio-econmico, oferecendo

    fundamento constitucional para a poltica.23

    3. O DESENVOLVIMENTO NACIONAL

    3.1. O reconhecimento do direito ao desenvolvimento

    Antes de se proceder anlise do desenvolvimento nacional no mbito da Constituio

    Federal de 1988, cumpre verificar a evoluo do significado do direito ao desenvolvimento, a

    partir de seu reconhecimento no plano internacional.

    O direito ao desenvolvimento foi primeiramente formulado na doutrina de Etiene R-

    Mbaya, tendo sido por ele direcionado aos Estados e aos indivduos, traduzindo-se, quanto a

    21 Id. Ibid., 1999, p. 248.22 BERCOVICI, Gilberto. A problemtica da constituio dirigente: algumas consideraes sobre o caso brasileiro.Revista de Informao Legislativa. a. 36. n. 142. abr./jun. Braslia, 1999, p. 35.23 As condies culturais, polticas e scio-econmicas vigentes no Brasil no final do sculo XX no exigem umaexaltao de teorias liberalistas e internacionalistas, mas um desenvolvimento firme e contnuo em direo ao EstadoSocial, preconizado pela Carta de 1988. (KRELL, Andreas J. Op. Cit., 1999, p. 249).

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    estes, em uma pretenso ao trabalho, sade e alimentao adequada.24 Tal direito surgiu como

    uma das formas de expresso do princpio da solidariedade, em um contexto poltico-econmico

    internacional em que se passava a reconhecer a diviso do mundo em pases desenvolvidos e

    subdesenvolvidos.25

    De acordo com Cludia Perrone-Moiss26, a Comisso de Direitos Humanos das Naes

    Unidas, por meio da Resoluo 2 (XXXI), de 10 de fevereiro de 1975, expressou a importncia

    da realizao dos direitos econmicos, sociais e culturais contidos na Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, prevendo a realizao de estudos referentes aos direitos humanos nos pases

    subdesenvolvidos. Dessa forma, em 21 de fevereiro de 1977, por intermdio da Resoluo 4

    (XXXIII), a Comisso concitou os Estados a promoverem aes voltadas concretizao dos

    direitos econmicos, sociais e culturais, solicitando ao Secretrio-Geral das Naes Unidas a

    realizao de um estudo acerca da dimenso internacional do direito ao desenvolvimento comoum dos direitos do homem, o que acarretou na designao de uma equipe de especialistas, em

    1981, para elaborar a declarao do direito ao desenvolvimento. A Assemblia Geral, com a

    Resoluo 41/128, de 4 de dezembro de 1986, proclamou o direito ao desenvolvimento, passando

    este a ser considerado um dos direitos humanos de terceira dimenso.27

    24 BONAVIDES, Paulo.Op. Cit., 2008, p. 569.25 Id. Ibid., 2008, pp. 569-70.26 PERRONE-MOISS, Cludia apud RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes,significados e conseqncias. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 60-64.27 A teoria das geraes de direitos foi elaborada por Karel Vasak, em conferncia proferida no InstitutoInternacional de Direitos Humanos, em 1979. (PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO, Suzani Andrade. Direitoao desenvolvimento como direito fundamental. Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI. Belo Horizonte,2007. Disponvel em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho.pdf. Acesso em15 de abril de 2010). Vasak classificou em trs geraes os direitos humanos. A primeira delas compreendedireitos de liberdade, direitos civis e polticos, pautados na idia de resistncia ou de oposio em face do Estado, apartir do reconhecimento da separao entre este e a Sociedade. A segunda gerao, por sua vez, engloba osdireitos sociais, culturais e econmicos, bem como os direitos coletivos, introduzidos no constitucionalismo dasdiversas formas de Estado Social. Aponta Paulo Bonavides que tais direitos depararam-se, inicialmente, com oproblema da baixa normatividade, haja vista a dificuldade de viabilizao de garantias para sua efetivao. Aps,as Constituies passaram a explicitar a aplicabilidade imediata desses preceitos. (BONAVIDES, Paulo. Op. Cit.,2008, pp. 564-65). J os direitos de terceira gerao, direitos de fraternidade ou de solidariedade, caracterizam-se

    por desprenderem-se da concepo individual do homem, destinando-se proteo de grupos humanos (famlia,povo, nao), sendo, assim, de titularidade coletiva ou difusa. (LAFER, Celso. A reconstruo dos direitoshumanos: um dilogo com o pensamento de Hannah Arendt. So Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 131). ParaPaulo Bonavides, tais direitos so dotados de elevada carga de humanismo e universalidade, voltando-se prpriaconcepo do gnero humano como valor supremo, rompendo-se, assim, com a limitao proteo de indivduosou grupos. (BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., 2008, pp. 569-70). Na terceira gerao de direitos humanosclassificam-se os direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente e comunicao, entre outros. Mencione-se, ainda,que alguns autores tm reconhecido a existncia de uma quarta e, at mesmo, de uma quinta dimenso de direitoshumanos que, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, ainda aguarda sua consagrao na esfera do direito internacional edas ordens constitucionais internas. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais: uma teoria

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    Atualmente, o direito ao desenvolvimento reconhecido como inalienvel, sendo parte

    integrante dos direitos humanos fundamentais.28 Confira-se, nesse sentido, o art. 10 da

    Declarao e Programa de Ao de Viena, das Naes Unidas (A/CONF. 157/123, de 12 de julho

    de 1993):

    10. A Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito aodesenvolvimento, conforme estabelecido na Declarao sobre o Direito aoDesenvolvimento, como um direito universal e inalienvel e parte dos direitos humanosfundamentais.Como afirma a Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa humana osujeito central do desenvolvimento.Embora o desenvolvimento facilite a realizao de todos os direitos humanos, a falta dedesenvolvimento no poder ser invocada como justificativa para se limitarem direitoshumanos internacionalmente reconhecidos.Os Estados devem cooperar uns com os outros para garantir o desenvolvimento eeliminar os obstculos ao mesmo. A comunidade internacional deve promover uma

    cooperao internacional eficaz visando realizao do direito ao desenvolvimento.

    geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.50). Ainda hoje largamente difundida e empregada a diviso dos direitos humanos e fundamentais em dimenses,no obstante o surgimento de fortes crticas a esta abordagem. Em aluso referida teoria, confira-se, entre outros,Paulo Bonavides (Op. Cit., 2008, pp. 560-93) e Ingo Wolfgang Sarlet (SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., 2009, pp.45-46). Entre os que no reconhecem a sua adequao est Carlos Weis (WEIS, Carlos apud SARLET, IngoWolfgang. Op. Cit., 2009, p. 46). Vale ressaltar que, de incio, a principal crtica destinada teoria dimensional dosdireitos humanos e fundamentais voltava-se diviso destes direitos, inicialmente, em geraes, o quetranspareceria uma idia de substitutividade dos direitos de uma gerao pelos das geraes subsequentes.Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, tal crtica limitava-se esfera terminolgica, uma vez que, na essncia, a teoria

    sempre contemplou o carter cumulativo dos direitos nascidos nas sucessivas geraes. Tal dissdio, todavia, foisolucionado pela ampla adoo, pela doutrina, do termo dimenso, em substituio palavra gerao,originariamente utilizada. Confiram-se as seguintes palavras de Sarlet: Em que pese o dissdio na esferaterminolgica, verifica-se crescente convergncia de opinies no que concerne idia que norteia a concepo dastrs (ou quatro, se assim preferirmos) dimenses dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido suatrajetria existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituies escritas dos clssicosdireitos de matriz liberal-burguesa, nos catlogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de mltiplas ediferenciadas posies jurdicas, cujo contedo to varivel quanto as transformaes ocorridas na realidade social,poltica, cultural e econmica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais noaponta, to-somente, para o carter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos osdireitos fundamentais, mas afirma, para alm disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direitoconstitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos(Id.Ibid., 2009, p. 46). Outro aspecto crtico relevante, aventado por parte da doutrina, concerne autenticidade de

    alguns direitos de terceira e de quarta dimenses enquanto direitos humanos ou fundamentais (quando positivadosem uma Constituio). Ademais, critica-se uma supervalorizao dada abordagem histrica dos direitosfundamentais. Diante disso, escreve Ingo Wolfgang Sarlet: A despeito destes e de todos os demais aspectos queaqui poderiam ser versados e por mais que se possa aderir a boa parte das crticas colacionadas no que dizespecialmente com a supervalorizao histrica (dimensional) dos direitos fundamentais, cremos que o maisimportante segue sendo a adoo de uma postura ativa e responsvel de todos, governantes e governados, no queconcerne afirmao e efetivao dos direitos fundamentais de todas as dimenses, numa ambincianecessriamente [sic] heterognea e multicultural, pois apenas assim estar-se- dando os passos indispensveis afirmao de um direito constitucional altrusta e fraterno (Id. Ibid., 2009, p. 57).28 RISTER, Carla Abrantkoski. Op. Cit., 2007, p. 62.

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    O progresso duradouro necessrio realizao do direito ao desenvolvimento exigepolticas eficazes de desenvolvimento em nvel nacional, bem como relaeseconmicas eqitativas e um ambiente econmico favorvel em nvel internacional.29

    Diante da consolidao do direito ao desenvolvimento no mbito dos direitos humanos,

    outras questes surgem quanto amplitude de seu contedo e possibilidade de suaconcretizao. Note-se que, no plano internacional, o direito ao desenvolvimento tem sido

    tratado, ao longo de sua construo, por dois ngulos: de um lado, coloca-se a pessoa humana

    como sujeito central do desenvolvimento, exigindo-se dos Estados a adoo de polticas eficazes

    de desenvolvimento em nvel nacional; de outro, acentua-se a necessidade de uma relao

    solidria entre os Estados, mediante a criao, em nvel internacional, de um ambiente econmico

    favorvel.

    Paulo Bonavides identifica, no processo de globalizao, uma vertente econmica

    (neoliberal) e outra poltica (sem ideologia neoliberal). Esta se radica na teoria dos direitos

    fundamentais, a nica verdadeiramente que interessa aos povos da periferia; aquela, por sua

    vez, move-se em direo dissoluo do Estado nacional, enfraquecendo os laos de soberania e,

    ao mesmo tempo, doutrinando uma falsa despolitizao da sociedade.30

    A partir da dplice vertente atribuda, no plano internacional, ao direito ao

    desenvolvimento, e diante da percepo dicotmica, acima mencionada, do fenmeno da

    globalizao, pode-se identificar, por um lado, um problema para a concretizao do direito ao

    desenvolvimento, uma vez que esta obstaculizada pelo condicionamento das relaes entre os

    Estados aos interesses dos detentores do poder econmico. No entanto, por outro lado, a

    incorporao, pela Constituio Federal de 1988, de um direito fundamental ao desenvolvimento,

    implica a insero deste no sistema de garantias constitucionais, oferecendo-se a possibilidade de

    definio de seu contedo, bem como os instrumentos jurdicos necessrios sua concretizao.

    3.2. O desenvolvimento nacional na Constituio Federal de 1988

    29 Outros documentos internacionais contemplam o direito ao desenvolvimento. Entre eles, podem-se mencionar aCarta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, que dispe acerca do direito de todos os povos ao seudesenvolvimento econmico, social e cultural (art. 22), a Carta da Organizao dos Estados Americanos, a Carta dasNaes Unidas, os Pactos Internacionais de Direitos Humanos e a encclica de Paulo VI, de 1967, sobre odesenvolvimento dos povos. (PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO, Suzani Andrade. Op. Cit., 2007).30 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., 2008, p. 571.

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    A Constituio de 1988, j em seu art. 3, passa a estabelecer os objetivos fundamentais

    da Repblica Federativa do Brasil. Trata-se, seguindo-se a classificao dos princpios elaborada

    por Canotilho31, de princpios constitucionais impositivos, uma vez que impem ao Estado

    executar tarefas orientadas consecuo de fins constitucionalmente estabelecidos. No obstante,

    observa Eros Grau32, tambm guardam os objetivos fundamentais caractersticas prprias dos

    princpios polticos constitucionalmente conformadores, que, segundo Canotilho, resplandecem

    os valores que guiaram a atividade do legislador constituinte. Devem, assim, nortear toda

    interpretao que se faa da Constituio. Ressalte-se, ainda, que as normas contidas no art. 3,

    uma vez voltadas modificao da sociedade, devem servir de fundamento reivindicao da

    sociedade em favor da realizao de polticas pblicas pelo Estado.33

    Entre os objetivos fundamentais da Constituio Federal de 1988, est o de garantir o

    desenvolvimento nacional (art. 3, II, CF). Para a identificao do significado e do alcance de talobjetivo, cumpre mencionar o que se deve entender por desenvolvimento. Deixe-se claro,

    entretanto, que o delinear dessa noo, para os objetivos que se prope alcanar no presente

    trabalho, no se pode cingir a aspectos gerais, conceituais. O vocbulo ganha significado

    especfico quando relacionado a pases perifricos, uma vez que se associa, particularmente,

    superao de uma condio de subdesenvolvimento historicamente imposta a essa gama de

    pases. Como ensina Celso Furtado, o subdesenvolvimento , portanto, um processo histrico

    autnomo, e no uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que j

    alcanaram um grau superior de desenvolvimento.34 A superao do subdesenvolvimento, resta

    claro, requer a atuao do Estado no sentido de romper com um sistema que tende a se perpetuar.

    Faz-se necessrio, destarte, averiguar algumas circunstncias da formao econmica do

    Brasil para, diante disso, identificar o que significa, no caso brasileiro, garantir o

    desenvolvimento nacional.

    31 Em sua tipologia de princpios, Canotilho os divide em a) princpios jurdicos fundamentais (Rechtsgrundstze),historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na conscincia jurdica e que encontram uma recepo

    expressa ou implcita no texto constitucional; b) princpios polticos constitucionalmente conformadores, queexplicitam as valoraes polticas fundamentais do legislador constituinte; c) princpios constitucionais impositivos,em que se subsumem todos os princpios que impem aos rgos do Estado, sobretudo ao legislador, a realizao defins e a execuo de tarefas; d) princpios-garantia, que visam instituir directa e imediatamente uma garantia doscidados. (CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7 ed. Coimbra:Almedina, 2003).32 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econmica na Constituio de 1988: interpretao e crtica. 13 ed. So Paulo:Malheiros, 2008, p. 216.33 Id. Ibid., 2008, p. 216.34 FURTADO, Celso. Teoria e Poltica do Desenvolvimento Econmico. 10 ed. So Paulo: Paz e Terra, 2000.

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    Deve-se, primeiramente, distinguir da noo de desenvolvimento a idia de crescimento

    econmico. Esta apenas componente daquela. Desenvolvimento supe, nas palavras de Eros

    Grau, dinmicas mutaes e importa que se esteja a realizar, na sociedade por ele abrangida, um

    processo de mobilidade social contnuo e intermitente.35 Desse modo, deve o desenvolvimento

    conduzir a uma nova estrutura social, em um processo que envolve no s a elevao do padro

    econmico, mas tambm dos nveis sociais, culturais e intelectuais. Trata-se, conforme se

    depreende, de aspectos qualitativos, e no meramente quantitativos.

    Entre as teorias do desenvolvimento elaboradas ao longo do sculo XX, foi a teoria do

    subdesenvolvimento, da CEPAL (Comisin Econmica para Amrica Latina), que mais

    influenciou a poltica brasileira de desenvolvimento.36 Tal teoria baseia-se na idia de

    desenvolvimento desigual da economia mundial, em obedincia a uma diviso internacional do

    trabalho, observada na relao centro-periferia.Joo Manuel Cardoso de Mello, analisando esse sistema, assim o define:

    de um lado, o centro, que compreende o conjunto das economias industrializadas,estruturas produtivas diversificadas e tecnicamente homogneas; de outro, a periferia,integrada por economias exportadoras de produtos primrios, alimentos e matriasprimas, aos pases centrais, estruturas produtivas altamente diversificadas e duais. 37

    Assumindo tal posio, os pases perifricos tornavam-se dependentes das demandas

    decorrentes do desenvolvimento tecnolgico-industrial nos pases centrais. O desenvolvimento

    naqueles pases mostrava-se setorial, limitado s exigncias externas: era o que se convencionou

    chamar de desarollo hacia afuera. No havia, assim, na periferia, comando sobre a prpria

    economia.

    A partir do primeiro ps-guerra, dois fatores primordiais desencadearam um processo de

    industrializao latino-americano, a saber, as dificuldades de importao e a grande depresso da

    dcada de 1930. No entanto, esse processo, ratificado no segundo ps-guerra, mostrou-se

    problemtico, sobretudo por trs razes: (i) as tcnicas modernas, oriundas do centro, exigiam um

    capital por homem muito elevado para os pases perifricos; (ii) a demanda para os produtos

    35 GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econmico. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 7.36 BERCOVICI, Gilberto. Op. Cit., 2005, p. 47-48.37 MELLO, Joo Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio. 8 ed. So Paulo: Brasiliense, 1990, p. 14.

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    industrializados era frgil; (iii) havia uma aparente tendncia ao desemprego estrutural,

    principalmente pela ausncia de indstrias de bens de capital.38

    Diante desse quadro, a economia poltica da CEPAL buscou desvendar o processo de

    industrializao latino-americano entre os anos de 1914 e 1945, prognosticar problemas e

    apresentar polticas pblicas para enfrent-los.39 Como observa Gilberto Bercovici, para a

    CEPAL, somente por meio da industrializao os pases perifricos poderiam desenvolver-se e

    gozar de seus progressos tcnicos.40 Porquanto buscasse subverter uma dinmica econmica

    mundial consolidada, em que os centros de deciso situavam-se nos pases desenvolvidos, fazia-

    se necessria a presena de um Estado forte, promotor do desenvolvimento. Assim, para a

    implementao de suas idias, entendia a CEPAL ser indispensvel a planificao econmica

    pelo Estado.

    Entretanto, a partir de 1964 adotou-se um chamado modelo de desenvolvimento41

    emque se buscou atrair corporaes multinacionais, mediante benefcios tributrios e baixo custo de

    mo de obra, entre outros fatores. Tal poltica estagnou a produo cientfico-tecnolgica do

    Brasil e muito contribuiu para o aumento das desigualdades sociais. Conforme Caio Prado Jnior,

    o sistema empregado reafirmou a economia brasileira no capitalismo internacional, enquadrando-

    a na posio de simples dependncia dele.42 Os centros de deciso econmica e,

    conseqentemente, em boa parte poltica, voltaram-se intensamente para o exterior. O milagre

    econmico da dcada de 1970 nada mais foi que um surto de crescimento econmico,

    estimulado por uma conjuntura internacional de liquidez financeira e estabilidade cambial, fruto

    de circunstncias excepcionais,43 alheio a mudanas qualitativas nas estruturas sociais.

    Face ao que foi dito, cumpre-se entender que a garantia do desenvolvimento nacional

    impe, no caso brasileiro, uma participao ativa do Estado, mediante a implementao de

    polticas pblicas voltadas superao das desigualdades sociais, e ao desenvolvimento

    cientfico, tecnolgico e cultural. Tal participao passa, inexoravelmente, pela interveno

    estatal na economia, como ente regulador e como agente econmico, de modo a criar um

    38 Id. Ibid., 1990, p. 17-20.39 Id. Ibid., 1990, p. 20.40 BERCOVICI, Gilberto. Op. Cit., 2005, p. 50.41 E se a nossa participao no assunto, em particular poltica nele seguida, queremos dar o nome de modelo,como tem sido feito, esse modelo ter essencialmente consistido em preparar, facilitar, recepcionar, acomodar efavorecer mais e o melhor possvel aquela enxurrada imperialista que submergir a economia brasileira. (PRADOJNIOR, Caio. Histria Econmica do Brasil. 36 ed. So Paulo: Brasiliense, 1988, p. 348).42 Id. Ibid., 1988, p. 345.43 Id. Ibid., 1988, p. 356.

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    contexto poltico-econmico favorvel s mudanas, nas estruturas sociais, capazes de superar a

    condio de subdesenvolvimento. Nesse ponto situa-se o maior entrave ao processo de

    desenvolvimento brasileiro: o enquadramento do Brasil, enquanto pas perifrico, em um sistema

    econmico mundial historicamente consolidado e que dele exige um papel secundrio e

    subserviente.

    4. O PROBLEMA CONSTITUINTE: A SOBERANIA BLOQUEADA

    Pelo prprio desenrolar do sculo XX, com os caminhos e descaminhos polticos e

    econmicos trilhados pelo Brasil, apresentou a Constituio Federal de 1988 uma ordem

    econmica que, embora coerente, traz consigo a projeo das contradies do Estado brasileiro. 44

    Conquanto estabelea como escopo assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da

    justia social (art. 170, caput, CF),45 prevendo, para isso, formas de atuao sobre e no domnio

    econmico46, bem como o exerccio estatal, na seara econmica, das funes de fiscalizao,

    incentivo e planejamento (art. 174, caput, CF), a Constituio de 1988 deixa clara a opo por

    uma economia de mercado, ao estabelecer princpios como o da propriedade privada (art. 170, II,

    CF) e o da livre concorrncia (art. 170, IV, CF), bem como dispositivos tais qual o art. 170,

    pargrafo nico, CF, que a todos assegura o livre exerccio de qualquer atividade econmica,

    independentemente de autorizao estatal, ressalvados os casos expressos em lei.Nota-se, assim, uma complexidade que se deve, sobretudo, heterogeneidade da

    sociedade brasileira, que bem se refletiu nos debates e decises que se exsurgiram da Assemblia

    44 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., 2008, p. 337.45 dirigente a Carta de 1988, vale vincar,pois contm fins e programas de ao voltados melhoria das condiesscio-econmicas da populao.46 Quanto s formas de interveno do Estado na seara econmica, convm mencionar a notvel classificao de ErosRoberto Grau. Para o ilustre professor, a interveno pode dar-se no domnio econmico, quando o Estado atua comoagente econmico, ou sobre ele, quando o Estado age no sentido de regular a atividade econmica. A interveno nodomnio econmico pode ser por absoro, nos setores em que o Estado atua em regime de monoplio, ou por

    participao, nas hipteses em que atua em regime de competio. J a interveno sobre o domnio econmicopode ser por direo, quando o Estado estabelece normas de comportamento obrigatrio para os agenteseconmicos, ou por induo, nos casos em que manipula os instrumentos de interveno em consonncia e naconformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.(GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., 2008, p. 147).Andr Ramos Tavares, alm de mencionar a classificao de Eros Grau, expe um critrio taxonmico que divide ainterveno estatal na seara econmica em direta e indireta. Nesta enquadram-se os subsdios e benefcios fiscais,bem como a regulamentao de atividades de cunho econmico, a serem exercidas a priori pelos particulares. Jnaquela, a direta, encontram-se as atividades do Estado enquanto sujeito econmico, na produo e distribuio debens e servios. (TAVARES, Andr Ramos. Direito Constitucional Econmico. 2 ed. So Paulo: Mtodo, 2006, p.55-57).

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    Nacional Constituinte de 1987. Segundo Eros Grau, justamente essa capacidade de refletir os

    conflitos sociais que dota a ordem econmica constitucional de 1988 de complexidade e

    riqueza.47 Para Paulo Bonavides, o Brasil apresenta uma crise constituinte, observada ao longo

    de toda a sua histria constitucional, que consiste em uma usurpao do poder constituinte do

    povo pelas foras reais de poder:

    A crise constituinte no , por conseguinte, a crise de uma Constituio, seno a crise doprprio poder constituinte; um poder que quando reforma ou elabora a Constituio semostra nesse ato de todo impotente para extirpar a raiz dos males polticos e sociais queafligem o Estado, o regime, as instituies e a Sociedade mesma em seu conjunto.48

    Trata-se, como observa Gilberto Bercovici, do exerccio de uma soberania bloqueada,

    tpica dos pases perifricos. Tais pases deparam-se com graves limitaes de cunho interno e

    externo, que fazem com que a soberania de seu povo no se manifeste de forma plena.49 Para o

    ilustre professor, a questo na periferia est ligada aos limites histricos e estruturais que o

    poder constituinte encontra para se manifestar plenamente como formao da vontade soberana

    do povo.50

    Conquanto se possa enaltecer a adequao da ordem econmica da Constituio de 1988

    regulao das relaes econmicas e sociais tais quais se observam no Brasil, bem como entend-

    la instrumento apto a fundamentar a busca por uma sociedade de bem-estar, h de se alertar para

    os empecilhos manifestao da soberania, em plenitude, pelo povo brasileiro, mxime ao nosdepararmos com as seguintes palavras de Bercovici: o poder constituinte atua de forma

    permanente. Ele se refere ao povo concreto, com autoridade e fora para estabelecer a

    constituio, manter sua pretenso normativa e revog-la.51 Na (falta de) manuteno da fora

    normativa da Constituio Federal de 1988 os fatores reais de poder tm se manifestado.

    Pode-se assim explicar (justificar, jamais) algumas Emendas Constituio que visaram a

    suprimir ferramentas importantes de atuao do Estado na economia, fundamentais

    concretizao dos objetivos propugnados pela ordem econmica constitucional. Nesse sentido

    procedeu a Emenda Constituio n 6, de 1995, revogao do art. 171, que estabelecia uma

    47 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., 2008, p. 347.48 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., 2008, p. 384.49 BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituio: para uma crtica do constitucionalismo. So Paulo: QuartierLatin, 2008, p. 36.50 Id. Ibid., 2008, p. 36.51 Id. Ibid., 2008, p. 34-35.

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    distino entre empresas brasileiras e empresas brasileiras de capital nacional, e previa a

    possibilidade de a lei conceder s segundas benefcios para desenvolver atividades estratgicas ou

    imprescindveis ao desenvolvimentos no Pas. Ademais, prescrevia o 2 do art. 171 tratamento

    preferencial, nas aquisies de bens e servios, a ser dispensado s empresas brasileiras de capital

    nacional. Tratava-se o art. 171, CF, portanto, de forte instrumento para a promoo do

    desenvolvimento cientfico, tecnolgico e econmico nacional. Como bem expe Eros Grau,

    discriminaes dessa ordem so praticadas mesmo pelos Estados desenvolvidos, em defesa da

    economia nacional, em nome do princpio de sua soberania.52

    Nesse complexo contexto em que se insere o Estado brasileiro, ganha relevo o princpio

    da soberania econmica nacional, expressamente mencionado pela Constituio Federal de 1988,

    no art. 170, I. essencial, para a superao das barreiras do subdesenvolvimento, que se d ao

    referido princpio a devida interpretao e que se busque a medida de sua aplicabilidade,sobretudo quando se observa, no cenrio mundial, uma crescente tendncia integrao

    econmica entre os pases.

    5. A SOBERANIA ECONMICA NACIONAL FACE INTEGRAO ECONMICA

    MUNDIAL

    Da leitura do art. 170, I, da Constituio Federal de 1988, percebe-se que o legislador

    constituinte no lana mo da expresso soberania econmica nacional, mas sim do termo

    soberania nacional. No entanto, inserto que est no Ttulo VII, Da Ordem Econmica e

    Financeira, Captulo I, Dos Princpios Gerais da Atividade Econmica, o princpio da

    soberania nacional recebe, neste topos, significado distinto do vocbulo soberania contido nos

    artigos 1, I; 5, LXXI; 17, caput; 91, caput; e 231, 5, todos da Constituio de 1988. Nessas

    hipteses, manifesta-se a soberania poltica, atributo essencial do Estado, poder de ordenao

    territorial de carter supremo e exclusivo, que parte de sua concepo como sujeito de direito

    capaz de vontade e de ao, impondo-se, de forma regular, a todos os poderes, organizados ou

    no, existentes no territrio.53 No exprime, tambm, o mesmo significado atribudo palavra

    soberania encontrada expressamente no art. 14, caput, CF, ocasio em que trata a Constituio

    52 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., 2008, pp. 267-68.53 HELLER, Hermann. Teoria do Estado. So Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 289-90.

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    da soberania popular, inerente prpria forma republicana de governo, de acordo com a qual

    todo poder emana do povo, nos termos do art. 1, pargrafo nico, CF. Dito isto, a soberania

    nacional prevista no art. 170, I, CF, tem um sentido prprio, que diz respeito ruptura da situao

    brasileira de dependncia em relao s sociedades desenvolvidas, o que impe a modernizao

    da economia e da sociedade, sem que isso represente isolamento econmico. 54 essa a

    concepo adotada, no presente trabalho, para a soberania econmica nacional.

    Conforme lio de Eros Grau, os princpios enunciados no art. 170, CF, entre eles a

    soberania econmica nacional, so dotados de dupla funo. Isso porque, se por um lado

    representam instrumento para a consecuo do objetivo da ordem econmica de a todos assegurar

    existncia digna, segundo os ditames da justia social (art. 170, caput, CF), de outro so objetivos

    especficos a serem alcanados. Tal configurao permite inferir, segundo o autor, que afirmar a

    soberania econmica nacional definir polticas pblicas voltadas viabilizao da participaoda sociedade nacional, em condies de igualdade, no mercado internacional. 55

    No obstante, o tratamento jurdico do princpio da soberania econmica nacional no

    bastante, ainda que se tome seu sentido de modo correto, atento s peculiaridades do

    ordenamento jurdico e da realidade brasileiros. Faz-se necessrio perquirir a sua adequada

    aplicabilidade, considerando os entraves que lhe so opostos, sobretudo quando situado em um

    contexto de elevado grau de integrao econmica.

    A expresso globalizao foi amplamente difundida, a partir do final do sculo XX,

    para designar um complexo sistema de integrao poltica, econmica, jurdica, cultural e social

    de nvel mundial.56 Como bem esclarece Jos Eduardo Faria, a globalizao, em sua essncia,

    no um fenmeno novo, pois, no decorrer da histria, podem-se observar diversos momentos de

    54 GRAU, Eros. Op. Cit., 2008, p. 226.55 Id. Ibid., 2008, p. 230.56 Jos Eduardo Faria explica que o termo globalizao designa um conceito plurvoco, uma vez que utilizado paraexpressar, traduzir e descrever um vasto e complexo conjunto de processos interligados: Entre os processos maisimportantes destacam-se, por exemplo, a crescente autonomia adquirida pela economia em relao poltica; aemergncia de novas estruturas decisrias operando em tempo real e com alcance planetrio; as alteraes em

    andamento nas condies de competitividade de empresas, setores, regies, pases e continentes; a transformao dopadro de comrcio internacional, deixando de ser basicamente inter-setorial e intrafirmas; a desnacionalizao dosdireitos, a desterritorializao das formas institucionais e a descentralizao das formas polticas do capitalismo; auniformizao e a padronizao das prticas comerciais no plano mundial, a desregulamentao dos mercados decapitais, a interconexo dos sistemas financeiro e securitrio em escala global, a realocao geogrfica dosinvestimentos produtivos e a volatilidade dos investimentos especulativos; a unificao dos espaos de reproduosocial, a proliferao dos movimentos imigratrios e as mudanas radicais ocorridas na diviso internacional dotrabalho; e, por fim, o aparecimento de uma estrutura poltico-econmica multipolar incorporando novas fontes deconflito tanto no movimento do capital quanto no desenvolvimento do sistema mundial. (FARIA, Jos Eduardo. ODireito na Economia Globalizada. So Paulo: Malheiros, 1999, p. 59).

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    rpida modernizao econmica, cultural e jurdica, impulsionada por caractersticas

    conjunturais. Todavia, o contemporneo processo de integrao traz consigo novidades

    decorrentes, sobretudo, do acentuado desenvolvimento tecnolgico e da transposio de

    obstculos comunicao, exigindo a adaptao das estruturas poltica, jurdica e institucional do

    Estado, bem como a reviso de seu papel em relao ordem scio-econmica:

    O que parece ser realmente novo sua aplicao a um indito processo de superao dasrestries de espao pela minimizao das limitaes de tempo, graas ao vertiginosoaumento de capacidade de tratamento instantneo de um gigantesco volume deinformaes; a um fenmeno complexo e intenso de interaes transnacionais, onde aempresa privada progressivamente substituiu o Estado como ator principal, criando

    algo qualitativamente diferenciado de quase tudo que se teve at agora em matria de

    ordenao scio-econmica e de regulao poltico-jurdica; avassaladora dimensoalcanada pelos movimentos transnacionais de capital, especialmente o financeiro; e formao de uma hierarquia dinmica de acesso e trocas desiguais entre os fatores deproduo, com amplitude mundial.57 (grifo nosso).

    Diante disso, o Estado brasileiro v um acentuado condicionamento dos problemas

    nacionais s questes internacionais e depara-se com um feixe de interesses privados que

    direciona as decises poltico-econmicas para o exterior, o que vai de encontro ao princpio da

    soberania econmica nacional. Nas palavras de Jos Eduardo Faria, em vez de uma ordem

    soberanamente produzida, o que se passa a ter uma ordem crescentementerecebida dos agentes

    econmicos.58 Para tanto, intensa a presso exercida por setores vinculados ao sistema

    capitalista internacional, no sentido de criar condies favorveis para sua atuao, porintermdio da desregulamentao dos mercados e da liberalizao.59

    Como consectrio disso, promoveu-se, no Brasil, entre 1995 e 2002, a reforma

    administrativa neoliberal, buscando-se afastar o Poder Pblico das relaes econmicas, o que se

    deu por intermdio das privatizaes e da desregulao.60 Almejou-se, enfim, instituir um Estado

    Regulador, em que o Estado deixa de controlar os meios, deslocados para outras entidades,

    inclusive quando se trata de servios pblicos, e passa a controlar os fins, com o intento de obter

    57 Id. Ibid., 1999, p. 59-60.58 Id. Ibid., 1999, p. 35.59 Jos Eduardo Faria menciona, como exemplo de atuao de setores vinculados ao sistema capitalista internacionalperante o Estado brasileiro, o GIE Grupo de Investidores Estrangeiros, criado em 1990, no incio do GovernoCollor, por iniciativa dos presidentes das Cmaras de Comrcio americana, japonesa e alem. No plano externo, oGrupo viabiliza contratos entre o governo brasileiro e empresas transnacionais, ao passo que, internamente, age embusca do estabelecimento de um ambiente, poltico e jurdico, favorvel participao dessas empresas. Segundo oautor, o Grupo caracteriza-se por estabelecer relaes diretas e informais com o Poder Executivo, longe da imprensae dos mecanismos de controle do Poder Legislativo. (Id. Ibid., 1999, p. 26-27).60 BERCOVICI, Gilberto. Op. Cit., 2005, p. 81-85.

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    eficincia. Tais modificaes constituram um obstculo a mais para a atuao estatal planejada,

    fundamental para o desenvolvimento nacional, prevista na Constituio Federal de 1988, pois

    distriburam os servios pblicos em diferentes centros de autonomia. Confiram-se, nesse

    sentido, as palavras de Gilberto Bercovici:

    Ora, sabemos que as agncias independentes no so independentes. E a regulao noBrasil no significa a republicizao do Estado. Pelo contrrio, a regulao significouo desmonte da estrutura do Estado, o sucateamento do Poder Pblico e o abandono dequalquer possibilidade de implementao de uma poltica deliberada dedesenvolvimento nacional.61

    No se pode negar, diante das mudanas ocasionadas pelo recente processo de

    globalizao, que houve um enfraquecimento da soberania nacional. De fato, procedeu-se a um

    deslocamento de alguns elementos da soberania do Estado para cima, para o mbito de alguns

    organismos regionais ou internacionais, e para baixo, para alguns agentes privados e locais.

    Em sntese, existem camadas adicionais de instituies polticas e jurdicas independentes do

    Estado, que o complementam, mas no o substituem.62 Pode-se constatar a formao,

    atualmente, com relativa autonomia diante do Estado-nao e da poltica internacional, de setores

    distintos da sociedade mundial que produzem, por si mesmos, ordenamentos jurdicos globais sui

    generis.63 No se deve entender, entretanto, que tal circunstncia implica o esvaziamento do

    significado da Constituio enquanto norma fundamental ou a relativizao da aplicabilidade dos

    dispositivos por ela prescritos. Diante disso, a Constituio Federal de 1988, no art. 3, II,enuncia o desenvolvimento nacional como objetivo fundamental a ser perseguido, o que passa,

    necessariamente, pelo desenvolvimento educacional, cientfico e tecnolgico, relacionado

    capacidade de o Brasil gerar tecnologia apta a viabilizar a modernizao da economia e da

    sociedade, permitindo, diante disso, a participao, em condies de igualdade, no mercado

    61 Id. Ibid., 2005, p. 85.62 COHEN, Jean L. Sociedade Civil e Globalizao: Repensando Categorias. Revista de Cincias Sociais. v. 46. n.3. Rio de Janeiro, 2003, p. 419-59.63 Os candidatos para um tal direito mundial sem Estado so inicialmente os ordenamentos jurdicos de gruposempresariais internacionais.[...]Mas tambm o discurso dos direitos humanos, atualmente conduzido em princpio emesfera global, exige um direito sui generis, cuja fonte de direito no independe apenas dos ordenamentos jurdicosnacionais, mas se dirige justamente contra prticas dos Estados-naes.[...]Tambm na rea da proteo ambiental possvel reconhecer tendncias na direo de uma globalizao do direito em relativa independncia das instituiesestatais. (TEUBNER, Gunther. A Bukowina Global sobre a Emergncia de um Pluralismo Jurdico Transnacional.Impulso. v. 14. n. 33. Piracicaba 2003, p. 9-31).

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    internacional.64 A busca pelo desenvolvimento nacional exige, portanto, no caso brasileiro, a

    afirmao da soberania econmica.65

    Resta claro que a observncia dos preceitos constitucionais exige a interveno do Estado,

    a bloquear o excesso de ingerncia poltico-econmica do mercado internacional, promovendo,

    por meio de polticas pblicas, o desenvolvimento dos setores incapazes de competir, em

    condies de igualdade, em escala mundial.66 Note-se que a Constituio Federal de 1988,

    mesmo alvo de Emendas Constitucionais de constitucionalidade questionvel67, continua a

    fornecer substrato jurdico a intervenes dessa natureza, uma vez que, desde seus princpios e

    objetivos fundamentais, enuncia um Estado Democrtico de Direito direcionado ao

    desenvolvimento, o que no pode ser ignorado pelos Poderes Pblicos.

    Cabe fazer, ainda, uma observao. A atual crise econmica mundial, que culminou com

    a falncia de algumas das maiores empresas transnacionais, fez ressurgir, mesmo em pasesdesenvolvidos tradicionalmente liberais, a discusso acerca do papel do Estado na economia. A

    atualidade desse debate pode ser constatada em recentes publicaes de peridicos especializados

    em economia e poltica. A revista Exame, na edio de 10 de maro de 2010, traz, como matria

    central, uma anlise da atuao do Estado brasileiro na economia, a partir do seguinte

    questionamento: No difcil, mas vital, equilbrio entre Estado e mercado, que caminhos

    64 Nesse sentido, conforme aponta Eros Grau, deve-se compreender o art. 219 da Constituio, segundo o qual, omercado interno integra o patrimnio nacional e ser incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural escio-econmico, o bem-estar da populao e a autonomia do Pas, nos termos de lei federal. (GRAU, Eros. Op.Cit., 2008, p. 231).65 Data venia, discorda-se, aqui, do Professor Jos Eduardo Faria, quando, ao defender a perda do poder deseduo da concepo de Constituio Dirigente, profere as seguintes palavras: Alis, com a transnacionalizaodos mercados e subseqente desterritorializao da produo, [...], a prpria idia de Constituio vemgradativamente deixando de ser um princpio absoluto, passvel de ser visto e reconhecido como normafundamental e centro emanador do ordenamento jurdico (tendncia essa comprovvel, em termos empricos, pelocrescente esvaziamento da fora normativa dos textos constitucionais perante os novos esquemas regulatrios e asnovas formas organizacionais e institucionais supranacionais). (FARIA, Jos Eduardo. Op. Cit., 1999, p. 34).66 Reportando-se amplitude do papel do Estado nos pases latino-americanos, Daniel A. Barcel Rojas assinala:Una primera afirmacin es que en las nacientes democracias de Amrica Latina la intervencin del Estado en laeconoma es obligatoria. Pero es obligatoria no slo por razones econmicas sino por razones polticas; desde de lalente del sistema poltico el propsito de la intervencin del Estado en la economa es consolidar e reproducir elsistema democrtico. (ROJAS, Daniel A. Barcel. El papel del Estado en la economia. In Tendencias delconstitucionalismo en iberoamrica. Disponvel em: < http://www.bibliojuridica.org/libros/6/2701/pl2701.htm>.Acesso em 11 de maro de 2010).67 Para Eros Grau, os programas de governo dos Presidentes da Repblica que se devem adequar Constituio, eno o contrrio. A incompatibilidade entre qualquer deles e o modelo econmico por ela definido consubstanciasituao de inconstitucionalidade, institucional e/ou normativa. (GRAU, Eros. Op.Cit., 2008, p. 45).

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    seguiremos?.68 Tal discusso, ademais, promete ser a tnica da campanha eleitoral presidencial

    de 2010.

    Trata-se, como se pode perceber, no caso brasileiro, de uma oportunidade de se afirmar,

    no plano concreto, a soberania econmica nacional, uma vez que, juridicamente, ela jamais

    deixou de ser garantida, de modo a se estabelecer e, de fato, cumprir um planejamento voltado

    realizao das medidas necessrias mudana qualitativa dos nveis econmico, social, cultural e

    intelectual.

    6. CONCLUSO

    Buscou-se realizar, neste trabalho, uma anlise do sentido e do alcance do objetivo

    fundamental de promover o desenvolvimento nacional, previsto no art. 3, II, da ConstituioFederal de 1988, levando-se em considerao os obstculos sua concretizao. Pode-se, assim,

    depreender (i) que a Constituio Federal de 1988 dirigente, e enuncia, em seu texto, objetivos

    fundamentais, dentre os quais o de garantir o desenvolvimento nacional, exigindo-se, para sua

    consecuo, a interveno do Estado na economia, a ponto de promover mudanas nas estruturas

    sociais, econmicas e cientfico-tecnolgicas, capazes de superar o subdesenvolvimento; (ii) que

    a interveno estatal necessria, e deve estar voltada busca do bem-estar social e superao

    das desigualdades, sem que isso represente a planificao da economia, uma vez que se deve

    sujeitar a princpios e regras informadores do sistema capitalista, inseridos na Constituio; (iii)

    que o Brasil, como pas perifrico, depara-se com limitaes no que se refere manifestao da

    soberania de seu povo, que v usurpado seu poder pelos detentores do poder econmico,

    conforme se percebe na anlise de algumas Emendas Constituio, voltadas supresso de

    mecanismos de incentivo ao desenvolvimento tecnolgico nacional e de regulao do mercado

    pelo Estado; (iv) que, conquanto esteja inserido o Brasil em um processo de globalizao, o

    princpio da soberania econmica no deve ter sua aplicabilidade relativizada, uma vez que

    reveste-se de singular importncia para o alcance do objetivo fundamental de garantir o

    68 Interessante a aluso feita, na matria citada da revista Exame, a um tipo de modelo de capitalismo que se estariamanifestando na atual crise financeira: o capitalismo de Estado. Tal modelo, segundo a revista, foi bem captadopelo cientista poltico americano Ian Bremmer: Com o mundo rico chafurdando [sic] em problemas, diz Bremmer, omodelo liberal entrou numa fase de declnio. O momento de pases cujo motor econmico decorre do Estado, sejapor meio de suas empresas estatais, seja por meio de seus fundos soberanos. (LAHZ, Andr; CAETANO, JosRoberto. Estado grande ou Estado forte?. Revista Exame. ed. 963. a. 44. n. 4. So Paulo: Abril, 2010, p. 20-30).

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    desenvolvimento nacional, o que no pode ser ignorado pelos planos de governo, haja vista o

    carter dirigente da Constituio Federal de 1988.

    7. REFERNCIAS

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