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Tenentismo e política - tenen- tismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República Por Maria Cecília Spina For jaz. Editora Paz e Terra, Rio de Ja- neiro, 1977. O próprio título do livro su- gere não se tratar apenas de mais uma obra sobre esse tema bastante explorado e analisa- do. A autora, depois de um le- vantamento e sistematização das análises existentes sobre o tema, elege uma perspectiva bem definida para pensar o fe- nômeno tenentista: quais seriam as reais bases sociais desse movi- mento. Para tanto, delimita sua análise no período de julho de 1922 a fevereiro de 1927, por- tanto a fase inicial do movimen- to, que coincide com sua con- figuração I i bera 1-democrát i c a. É exatamente nesse período que o tenentismo começa a elaborar um projeto de transformação da sociedade brasileira marcada, de um lado, pela crise agrário- exportadora e pela crise do esta- do oligárquico, e de outro lado pela sua contrapartida, a emer- gência e progressiva hegemonia dos setores urbano-industriais. na Introdução a autora afirma que, embora a resposta ao seu problema central exija "uma análise histórica mais am- pla, que se estendesse pelo me- nos até 1934, quando o tenen- R.Adm. Emp. tismo se desintegra como grupo político organizado" (p. 16), e que é sua intenção prosseguir posteriormente a análise, esse corte no tempo se justifica pela unidade própria que a fase libe- ral-democrata do tenentismo possui. Num primeiro capítulo, Ma- ria Cecília, depois de apresentar os ''marcos estruturais" mais ge- rais em que se insere a conjun- tura da década de 20, passa· a analisar o processo histórico- social da formação das camadas médias urbanas, pois o que a preocupa é estabelecer possíveis vinculações entre esse grupo so- cial e o movimento tenentista. E a utilização da expressão "ca- madas médias urbanas" não é arbitrária, como ela mostra, mas designa - utilizando o traba- lho de Décio Saes - Jlaqueles setores da população urbana que não sendo detentores do capital, realizam trabalho predominante- mente não-manual, quer traba- lhando por conta própria, quer vendendo a sua capacidade de trabalho a terceiros" (p. 20). Embora consciente de estar abordando um problema teóri- co mais geral, qual seja, "o da 'especificidade' das classes so- ciais nos países da periferia ca- .- pital ista" a autora não se atém, mas segue adiante, levan- tando e analisando na sociologia brasileira os estudos sobre as re- lações entre tenentismo e cama- das médias urbanas. E chega a detectar duas tendências: uma que os grupos industriais alia- dos às classes médias represen- tando os agentes de transforma- ção social e política no sentido da implantação de um sistema capitalista industrial no Brasil (p. 23), e outra, mais recente, que surge como uma crítica à anterior, que contesta a tese da representatividade dos setores médios da população brasileira através dos tenentes. Feito o que, a autora passa a desenvolver sua hipótese cen- tral: a de que l/na conjuntura da Rio de Janeiro, 17 (5): 100-110 década de vinte o tenentismo assumiu o papel de porta-voz das . aspirações das camadas mé- dias urbanas. Esse grupo social, por sua dependência estrutural das oligarquias dominantes, foi incapaz de organizar um partido político que expressasse seus in- teresses e que efetivamente con- testasse a dominação oligárqui- ca. Esse papel foi preenchido por um setor da burocracia esta- tal, os militares, que embora in- tegrantes das camadas médias urbanas, possuem uma autono- mia própria advinda de suas funções no aparelho de Estado" (p. 31 }. As análises históricas que a autora desenvolve nos ca- pítulos seguintes demonstram não só essa sua hipótese central, como também desvendam mais -duas características do movi- mento tenentista: de um lado, o de ser "muito radical em sua forma e limitado em sua ideolo- gia"- o que é explicado, segun- do a autora, pela combinação da situação instítucional dos te- nentes como membros do apa - relho militar do Estado e de sua composição social como mem- bros das camadas médias urba- nas; e de outro, o fato de as contradições que apresenta res. i- direm "exatamente na combina- ção da autonomia relativa fren- te às forças sociais em luta, ca- racterística da burocracia esta- tal, à dependência histórica das camadas médias urbanas das forças sociais hegemônicas na sociedade brasileira" (p. 30-31 ). Noutros termos, os tenentes não se expressam somente em nome do Exército, mas expres- sam também o inconformismo anti oi igárquico das camadas mé- dias urbanas. - No segundo capítulo a autora vai lastrear as raízes do descon- tentamento militar na fase ini- cial da crise da Primeira Repú- blica, a articulação entre a re- beldia militar e os confl·itos in- ternos das oi igarqu ias regionais, e verificar até que ponto existe uma convergência entre ambos. set./out. 1977

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  • Tenentismo e poltica - tenen-tismo e camadas mdias urbanas na crise da Primeira Repblica

    Por Maria Ceclia Spina For jaz. Editora Paz e Terra, Rio de Ja-neiro, 1977.

    O prprio ttulo do livro j su-gere no se tratar apenas de mais uma obra sobre esse tema j bastante explorado e analisa-do. A autora, depois de um le-vantamento e sistematizao das anlises existentes sobre o tema, elege uma perspectiva bem definida para pensar o fe-nmeno tenentista: quais seriam as reais bases sociais desse movi-mento. Para tanto, delimita sua anlise no perodo de julho de 1922 a fevereiro de 1927, por-tanto a fase inicial do movimen-to, que coincide com sua con-figurao I i bera 1-democrt i c a. exatamente nesse perodo que o tenentismo comea a elaborar um projeto de transformao da sociedade brasileira marcada, de um lado, pela crise agrrio-exportadora e pela crise do esta-do oligrquico, e de outro lado pela sua contrapartida, a emer-gncia e progressiva hegemonia dos setores urbano-industriais.

    J na Introduo a autora afirma que, embora a resposta ao seu problema central exija "uma anlise histrica mais am-pla, que se estendesse pelo me-nos at 1934, quando o tenen-

    R.Adm. Emp.

    tismo se desintegra como grupo poltico organizado" (p. 16), e que sua inteno prosseguir posteriormente a anlise, esse corte no tempo se justifica pela unidade prpria que a fase libe-ral-democrata do tenentismo possui.

    Num primeiro captulo, Ma-ria Ceclia, depois de apresentar os ''marcos estruturais" mais ge-rais em que se insere a conjun-tura da dcada de 20, passa a analisar o processo histrico-social da formao das camadas mdias urbanas, pois o que a preocupa estabelecer possveis vinculaes entre esse grupo so-cial e o movimento tenentista. E a utilizao da expresso "ca-madas mdias urbanas" no arbitrria, como ela mostra, mas designa - utilizando a o traba-lho de Dcio Saes - Jlaqueles setores da populao urbana que no sendo detentores do capital, realizam trabalho predominante-mente no-manual, quer traba-lhando por conta prpria, quer vendendo a sua capacidade de trabalho a terceiros" (p. 20).

    Embora consciente de estar abordando um problema teri-co mais geral, qual seja, "o da 'especificidade' das classes so-ciais nos pases da periferia ca-

    .-pital ista" a autora a no se atm, mas segue adiante, levan-tando e analisando na sociologia brasileira os estudos sobre as re-laes entre tenentismo e cama-das mdias urbanas. E chega a detectar duas tendncias: uma que v os grupos industriais alia-dos s classes mdias represen-tando os agentes de transforma-o social e poltica no sentido da implantao de um sistema capitalista industrial no Brasil (p. 23), e outra, mais recente, que surge como uma crtica anterior, que contesta a tese da representatividade dos setores mdios da populao brasileira atravs dos tenentes.

    Feito o que, a autora passa a desenvolver sua hiptese cen-tral: a de que l/na conjuntura da

    Rio de Janeiro, 17 (5): 100-110

    dcada de vinte o tenentismo assumiu o papel de porta-voz das. aspiraes das camadas m-dias urbanas. Esse grupo social, por sua dependncia estrutural das oligarquias dominantes, foi incapaz de organizar um partido poltico que expressasse seus in-teresses e que efetivamente con-testasse a dominao oligrqui-ca. Esse papel foi preenchido por um setor da burocracia esta-tal, os militares, que embora in-tegrantes das camadas mdias urbanas, possuem uma autono-mia prpria advinda de suas funes no aparelho de Estado" (p. 31 }. As anlises histricas que a autora desenvolve nos ca-ptulos seguintes demonstram no s essa sua hiptese central, como tambm desvendam mais -duas caractersticas do movi-mento tenentista: de um lado, o de ser "muito radical em sua forma e limitado em sua ideolo-gia"- o que explicado, segun-do a autora, pela combinao da situao i nsttucional dos te-nentes como membros do apa-relho militar do Estado e de sua composio social como mem-bros das camadas mdias urba-nas; e de outro, o fato de as contradies que apresenta res.i-direm "exatamente na combina-o da autonomia relativa fren-te s foras sociais em luta, ca-racterstica da burocracia esta-tal, dependncia histrica das camadas mdias urbanas das foras sociais hegemnicas na sociedade brasileira" (p. 30-31 ). Noutros termos, os tenentes no se expressam somente em nome do Exrcito, mas expres-sam tambm o inconformismo anti oi igrquico das camadas m-dias urbanas. -

    No segundo captulo a autora vai lastrear as razes do descon-tentamento militar na fase ini-cial da crise da Primeira Rep-blica, a articulao entre a re-beldia militar e os conflitos in-ternos das oi igarqu ias regionais, e verificar at que ponto existe uma convergncia entre ambos.

    set./out. 1977

  • So analisados assim o governo de Epitcio Pessoa e seu conhe-cido civilismo, e, paralelamente rebeldia militar, a rebeldia das oligarquias regionais dos estados "intermedirios" - Rio Grande do Sul, Rio de Janei.ro, Bahia e Pernambuco.

    No terceiro captulo so ana-lisadas as revolues de 1924, que representariam o amadure-cimento poltico e ideolgico da sedio de 1922, e que ''con-figuram uma fase especfica do movi menta tenentista: a fase liberal-democrata, na qual os te-nentes agem relativamente des-

    . . vinculados de setores dissiden-tes da oi igarquia dominante" {p. 51)'

    O importante a ressaltar a que a autora mostra como a am-pla simpatia da opinio pblica e mesmo o. empenho em con-quist-la no so s indicadores da inexistncia de uma tendn -cia isolacionsta do tenentismo dessa fase, como do fato de que os prprios tenentes no preten-dera! efetivamente organizar o povo, mas apenas obter o apoio popular. Mais do que isso, os te-nentes buscavam alianas nas prprias elites, "e no concebi-am a luta poltica como algo a ser realizado pelo prprio povo, mas, ... por uma vanguarda em nome do povo". O que no quer dizer, segundo a autora, que os tenentes no representas-sem as camadas mdias urbanas, mas que "o el itismo dos tenen-tes e sua incapacidade de orga-nizar correspondem ao elitismo das camadas mdias e sua in-capacidade de organizar-se poli-ticamente'.' (p. 80-81 ).

    Finalmente a autora analisa a formao da Coluna Paulista e os levantes revel ucionrios nos outros estados para, no ltimo captulo, estudar a formao da Coluna Prestes, que "se consti-tui a partir do momento da jun-o das alas pau I ista e gacha da revoluo tenentista" (p. 96), sua marcha at fevereiro de

    1927, ressahando que os "te-nentes da Coluna mantinham a concepo, desenvolvida desde 22 de que as Foras Armadas so o principal agente da mu-dana poltica no Brasil e que elas representam os interesses gerais da nacionalidade, que es-tariam expressos em seu progra-ma liberal-democrata e antioli -grqu i co" (p. 1 09}.

    Como ressalta Francisco Cor-rea Weffort na introduo do livro, no s o tenentismo ho-je ainda uma questo em aber-to, como o livro de Maria Cec-lia Forjaz se destaca entre a bi-bliografia existente, tendo co-mo uma de suas perspectivas mais fecundas a de ver no movi-mento tenentista no uma opo-sio entre a interpretao insti tucional e a classista da presen-a mil i ta r na poltica, mas a de analisar os tenentes como si mul-taneamente fazendo parte da sociedade e do Estado, no se podendo entender seu compor-tamento poltico, e suas aparen-tes incongruncias, sem essa du-pla relao. O

    Amlia Cohn

    Ergo no mia

    Por Reiner W. Lehr Vogel Ver-lag, Wuerzburg, 1976, 160 p. ilustrado, ndice remissivo, bi-bliografia; brochura.

    O livro, cujo ttulo completo, traduzido do alemo, Erge nomia, concisa e resumidamen-te, fundamentos das relaes re-cprocas entre o homem, a tc-nica e o ambiente, o mais re-cente dos I ivros de ergonomi a nas prateleiras. O prprio ttulo d a definio da cincia apli-cada. O 'leitor que, inadvertida-mente, pegar o .livro ficar sur-preso com as ilustraes das pri meiras pginas, que parecem ter sado de um livro-texto de me-dicina. Mas este volume, como poucos, integra bem as cincias ligadas ergonomia - a psicolo-

    . gia ocupacional, a fisiologia, a anatomia, a engenharia indus-trial, a ecologia e a fsica.

    De extenso ndice resumo so-mente, como exemplo, a tercei-ra parte : "Ergonomia prtica". 1) O sistema homem-mquina : construo e funo de um sis-tema homem-mquina. Possibi -1 idades de comunicao entre o homem e a mquina. 2) A oti-mizao do sistema homem-m-quina: Anlise do sistema global homem-mquina. Adequao da tcnica ao homem. A mesa de trabalho e o assento de operrio. Dispositivos de regula -

    Resenha hih/ioKrjica

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