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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Programa de Pós-Graduação em Comunicação Fabio Barros Truci A QUESTÃO DA LIBERAÇÃO DAS DROGAS. Discurso, fábula e mídia no curta animado Guerra ao Drugo São Paulo 2017

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Fabio Barros Truci

A QUESTÃO DA LIBERAÇÃO DAS DROGAS.

Discurso, fábula e mídia no curta animado Guerra ao Drugo

São Paulo 2017

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Fabio Barros Truci

A QUESTÃO DA LIBERAÇÃO DAS DROGAS.

Discurso, fábula e mídia no curta animado Guerra ao Drugo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Orientador: Prof. Dr. Gelson Santana Penha Área de concentração: Comunicação Audiovisual

São Paulo 2017

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Fabio Barros Truci

A QUESTÃO DA LIBERAÇÃO DAS DROGAS.

Discurso, fábula e mídia no curta animado Guerra ao Drugo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Área de concentração: Comunicação Audiovisual

_________________________________________________________ Prof. Dr. Gelson Santana Penha – Universidade Anhembi Morumbi (Orientador)

_________________________________________________________ Prof. Dra. Maria Bernadette Cunha de Lyra – Universidade Anhembi Morumbi

(Banca Examinadora)

_________________________________________________________ Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani – Universidade de São Paulo (Banca Examinadora)

São Paulo, 4 de maio de 2017.

4

AGRADECIMENTOS

A minha esposa, Maria, que ao meu lado, dia e noite, acompanhou o

desenvolvimento deste trabalho; por me apoiar e demonstrar que as oportunidades

.

, pela demonstração de força para

continuar viva, por ter me criado e dado a educação que ela acreditava ser a melhor

para o resto da minha jornada.

, mas sei que

o seu apoio foi fundamental para que chegasse a essa conquista.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

da Universidade Anhembi Morumbi, em especial ao meu orientador, professor

Gelson Santana Penha, pela paciência, pelos pelas .

Aos amigos que estiveram nessa jornada, em especial Guilherme Machado, Fabiano

Pereira e Cristiane Santos pelas risadas e pela importante troca de informações e

ajuda.

E, por fim, agradeço à equipe que me deu a oportunidade de participar na produção

da obra-objeto desta dissertação.

5

RESUMO

O objetivo desta dissertação é refletir sobre o processo de produção e veiculação de

uma peça publicitária de animação que trata, como uma fábula, o problema da

descriminalização das drogas. O curta de animação em foco aqui é Guerra ao

Drugo, realizado pela agência AlmapBBDO e pela ONG Global Commission on Drug

Policy, em 2014. Para esta pesquisa, servi-me de três estratégias: a primeira foi

estudar a organização discursiva que a animação desenvolve; a segunda emerge da

construção fabular da narrativa; e a terceira trata da mídia escolhida para veicular o

curta-metragem de animação – o YouTube. Tendo como base as estratégias acima,

abordo inicialmente a materialização das táticas de criminalização e de

descriminalização das drogas nos meios midiáticos. Em seguida, pesquiso a técnica

e os processos utilizados na produção da peça, desconstruindo a campanha

publicitária, cena a cena, para uma avaliação das escolhas expressivas, bem como

o uso estratégico da fábula na construção da narrativa do filme. E, finalmente,

procuro possíveis motivos para a veiculação unimidiática na plataforma de vídeos da

web YouTube do curta a favor da liberação das drogas Guerra ao Drugo.

Palavras-Chave: Guerra ao Drugo. Descriminalização das drogas. Discurso. Mídia.

YouTube.

6

ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to consider the process of production and

placement of an animation advertisement that treats, as a fable, the problem of drug

decriminalization. The animation short in focus here is War on Drugo, and was

executed by the agency AlmapBBDO among NGO Global Commission on Drug

Policy in 2014. For this research I've used three strategies: the first seeks to learn

about the discursive organization that animation develops; The second, emerges

v ’ v ; The third deals with the media chosen to run

the animated short video - YouTube. Based on the above strategies, I initially

approach the materialization of the tactics of drugs criminalization and

decriminalization in the media. Afterward, I search the techniques and the processes

used in the production of the piece, dismantling the advertising campaign, scene

by scene, for an evaluation of the expressive choices; As well as the strategic use of

the fable in the development of the film's narrative. Finally, I look for possible reasons

why the short video War on Drugo - that is eager to legalize drugs - was uniquely use

on web video platform YouTube.

Keywords: War on Drugo. Decriminalization of drugs. Speech. Media. YouTube.

7

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – “O ” .............................................................................................26

Figura 2 – Vitral .........................................................................................................40

Figura 3 – Rei e o trono .............................................................................................41

Figura 4 – Castelo plano geral ..................................................................................41

Figura 5 – A cidade e o drugo ...................................................................................42

Figura 6 – Drugo e a população ................................................................................42

Figura 7 – Drugo e a população, plano de conjunto ..................................................43

Figura 8 – Soldado e o rei .........................................................................................44

Figura 9 – Contra plongée, rei segurando a espada .................................................44

Figura 10 – Wipe do cartaz .......................................................................................45

Figura 11 – Cartaz em câmera panorâmica ..............................................................45

Figura 12 – Dragão centro da cena e zoom out ........................................................46

Figura 13 – Final da cena ..........................................................................................46

Figura 14 – Favela retratada .....................................................................................47

Figura 15 – Prisão e calabouços ...............................................................................48

Figura 16 – Plano geral, rei e seus soldados ............................................................49

Figura 17 – Olho do dragão, plano de detalhe ..........................................................49

Figura 18 – Soldados, textura e cabeça do dragão, corte elíptico .............................51

Figura 19 – Soldados, câmera em travelling .............................................................52

Figura 20 – Drugo, plano americano .........................................................................52

Figura 21 – Conjunto de elipses. Soldados, textura de corte de carne dragões em

contraponto, tanques de guerra e fusão ....................................................................53

Figura 22 – Dragão e a paralaxe do cenário .............................................................55

Figura 23 – Transição, elementos na sombra e cidade durante a guerra .................56

Figura 24 – Líderes, plano de conjunto .....................................................................57

Figura 25 – Key light, plano de conjunto ...................................................................57

Figura 26 – Sequência de cortes diretos, subjetiva do dragão, plano de conjunto, tilt

cam e dragão no centro do plano ..............................................................................58

Figura 27 – Plano de conjunto ...................................................................................60

Figura 28 – Plano americano ....................................................................................60

Figura 29 – Tilt cam, de baixo para cima...................................................................61

8

Figura 30 – Cena final ...............................................................................................61

Figura 31 – Logo e assinatura ...................................................................................61

Figura 32 – Guerra ao drugo no youtube ..................................................................66

Figura 33 – Número de visualização e acumulativo dos últimos meses....................66

Figura 34 – Número de visualização e acumulativo dos últimos meses por gráfico

diário..........................................................................................................................67

Figura 35 – Número de compartilhamentos acumulado dos últimos meses .............68

Figura 36 – Número de compartilhamentos acumulado dos últimos meses por gráfico

diário..........................................................................................................................68

Figura 37 – Tempo médio de minutos assistido do vídeo por período ......................69

Figura 38 – Tempo médio de minutos assistido do vídeo por dia .............................69

Figura 39 – Número de indicações do vídeo por período ..........................................70

Figura 40 – Número de indicações do vídeo por dia .................................................70

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................9

1 GUERRA AO DRUGO: DISCURSO & FÁBULA ...................................................19

1.1 A fábula do discurso .........................................................................................26

1.2 O discurso da fábula .........................................................................................29

2 DESCONSTRUÇÃO & CONSTRUÇÃO DA ANIMAÇÃO .....................................36

2.1 A desconstrução da animação .........................................................................40

2.2 A construção da animação ...............................................................................62

3 YOUTUBE & GUERRA AO DRUGO .....................................................................66

3.1 A mídia YouTube ...............................................................................................71

3.2 “Narrativas privadas” e “narrativas civis” no YouTube ................................74

3.3 Guerra ao Drugo no YouTube ..........................................................................78

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................84

REFERÊNCIAS .........................................................................................................92

ANEXO A – Roteiro original ....................................................................................97

ANEXO B – Storyboard ...........................................................................................99

ANEXO C – Fotos de produção do stop motion ................................................. 103

ANEXO D – Pendrive com conteúdos de Guerra ao Drugo ............................... 105

ANEXO E – Ficha técnica de Guerra ao Drugo ................................................... 106

9

INTRODUÇÃO

O ponto central desta pesquisa é o filme criado pela Agência de publicidade

AlmapBBDO, em parceria com a ONG Global Commission on Drug Policy, com o

título Guerra ao Drugo 1 . O curta animado baseia-se em uma comunicação

publicitária, voltada para um debate cada vez mais atual, a descriminalização do uso

das drogas. Dessa forma, a ação visa à convergência do discurso publicitário com a

utilização de um produto audiovisual (filme curta-metragem de animação), aliado aos

recursos de divulgação da Internet.

Conforme a sinopse oficial do filme Guerra ao Drugo:

Drugo é um dragão que sobrevive em um reino e vive cercado por pessoas. O relacionamento com ele as faz faltarem ao trabalho, esquecerem da família, se tornarem mais violentas. Até que um dia, o Rei resolve combatê-lo e decide que a melhor forma de afastar as pessoas de Drugo é bani-lo do reino. Como era inimigo do Rei, o governante usou toda força possível em seu combate. O dragão teve de se esconder e essa situação deu origem a grupos armados que passaram a lucrar com as visitas feitas a ele às escondidas, gerando crimes e corrupção. Entretanto, à medida que a violência aumentava, mais forte o dragão ficava. Até que um dia, pensadores se organizaram para discutir qual a melhor forma de estabelecer uma convivência pacífica entre Drugo e o reino, já que viver sem ele por perto era uma utopia

2.

Drugo é a personificação das drogas ilícitas. Um símbolo criado a partir de uma

personagem mitológica que fascina ao mesmo tempo que intimida. Na campanha

em questão, o dragão é que simboliza a face negativa da droga, figura fictícia dos

contos das histórias de fábula. O filme é ambientado no período medieval, entretanto

a utilização do fantástico auxilia na analogia com o contemporâneo.

Em tempos de discussão acalorada sobre a descriminalização das drogas no Brasil

e no mundo, organizações de combate à violência debatem assuntos relacionados

às ações geradas pela política ineficiente de combate ao tráfico e suas

consequências, com apoio midiático dando suporte na discussão sobre o uso

1 A ficha técnica completa de Guerra ao Drugo encontra-se no Anexo E desta dissertação.

2 Disponível em: <goo.gl/qEXDQ2>. Acesso em: 15 abr. 2016.

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medicinal de alguns componentes tratados como droga ilícita, como, por exemplo, o

aclamado documentário Ilegal – a vida não espera (2014)3.

O discurso pela legalização de consumo da maconha, em países como os Estados

Unidos (em alguns estados), Holanda e Uruguai, viraram notícia em todo mundo, o

que aumentou o apoio da opinião pública e fez com que o debate chegasse em

instâncias como a Organização das Nações Unidas (ONU), que admitiu

recentemente que os objetivos na luta mundial contra as drogas não foram

v “

”4.

A Comissão Global de Política sobre Drogas têm como objetivo fomentar um debate

sobre a criminalização das drogas, chamando atenção do Brasil e do mundo para os

números negativos dessa guerra que foi criada em torno da criminalização dos

entorpecentes, propondo uma política mais humana, baseada em evidências

numéricas, mostrando as consequências danosas à saúde pública e a tentativa

frustrada da redução da violência.

Ilona Szabó de Carvalho, fundadora do Instituo Igarapé e representante da

Comissão Global de Políticas sobre Drogas no Brasil, pesquisa, entre outros

assuntos, sobre a criminalização das drogas e seus efeitos nefastos. Ela aderiu a

outras mídias (internet) com o intuito de provocar debates sobre abordagens

progressivas para prevenir a violência e lidar com as drogas.

Por exemplo, ela produziu um curta-metragem Faces da violência (2010), que foi

apresentado na Assembleia Geral da ONU e em conferências e seminários em todo

o mundo. Ela também foi coautora e escritora do documentário Quebrando o tabu

(2011), visto por centenas de milhares de pessoas.

Em entrevista para a revista Exame (AZEVEDO, 2015), em 2015, Ilona pontuou os

principais problemas da criminalização de drogas no nosso País, que não se difere

muito da maioria dos países do Ocidente. De acordo com a compreensão dela, as

3 Disponível em: <goo.gl/5zCRdZ>. Acesso em: 22 maio 2016.

4 Disponível em: <goo.gl/tPHSQd>. Acesso em: 2 out. 2016.

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políticas antidroga causam mais danos para a sociedade do que o consumo em si.

Ela aponta que o consumo abusivo nos atormenta, porém existem provas suficientes

que reprimir e marginalizar o usuário não é a forma correta de solucionar o problema

(a questão). Para a pesquisadora, o problema é muito mais de saúde pública do que

de segurança pública.

O instituto Igarapé e a ONG Global Commission on Drug Policy, listaram dez razões

para que esse discurso de criminalização seja mudado:

– a atual política de drogas é falha;

– a Lei antidrogas permite distorções;

– o sistema carcerário está superlotado;

– tratar dependentes é mais barato do que puni-los;

– a descriminalização poderá reduzir danos;

– é possível enfraquecer o crime organizado;

– punição e medo não evitam o uso entre adolescentes;

– a cannabis medicinal é tratamento para doenças;

– a proibição impede a pesquisa de novos remédios

– o Brasil já possui políticas de drogas de vanguarda.5

A pesquisadora, quando pontuou essas características como eventuais erros no

discurso e nas leis regimentares no Brasil, trouxe à tona um debate muito amplo de

como a criminalização criou um complexo sistema de afirmações errôneas sobre o

uso da droga na sociedade e seus reais malefícios.

No item sobre a redução de danos com a descriminalização das drogas, Ilona

concorda que o tráfico e a corrupção sistêmica detêm o poder sobre o comércio das

drogas.

Pesquisadores acreditam que afastar usuários de maconha, por exemplo, do contato direto com traficantes deve diminuir o risco de uso de outras drogas e de envolvimento com atividades ilícitas. Outro argumento é que, nos casos de dependentes químicos, a criminalização afasta os usuários dos tratamentos de saúde já que, muitas vezes, eles são estigmatizados (AZEVEDO, 2015, online).

5 Disponível em: <goo.gl/vdyW1B>. Acesso em: 15 ago. 2016.

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Apesar de toda a luta para que as leis e os discursos sobre a criminalização mudem

de tom, mesmo como uma evolução aparente nos discursos de que a droga deve

ser vista de forma central como um problema de saúde pública, há mais de 30

países no m v “ ”

de forma ilegal a droga.

E 1995 v V “ ú 2 ” v e levemente melancólico, que, depois de muitos sacrifícios em dinheiro e em vidas, a política de reprimir as drogas pela força policial e judiciária, só tinha “ ” (FRANÇA, 2015, p. 107).

No dia 16 de abril de 2016, na ONU, líderes globais voltaram à discussão para uma

saída menos dolorosa sobre as políticas adotadas pelos países sobre a

criminalização. O programa da Sessão Especial da Assembleia Geral (UNGASS) era

para ampliar o debate sobre um futuro melhor para os jovens no mundo. Apesar dos

avanços principalmente relacionados aos direitos humanos e saúde pública, para

Ilona S C v “deixa a desejar no que tange a

” (MATSUURA, 2016, online).

Preocupados com o que a ONG aponta como uma política de repressão que gera

graves problemas de saúde pública, em 2015, criou-se uma campanha publicitária

com o intuito de combater o discurso criminal sobre a sociedade e o consumo das

drogas.

No Brasil, a guerra às drogas é responsável pelo encarceramento de mais de 138

mil pessoas. Do total 97% não carregavam qualquer tipo de arma e 63% portavam

menos de 100g de droga. Esses dados são do Ministério da Justiça e do Núcleo de

Estudos sobre a Violência da USP6.

Quando os publicitários da AlmapBBDO, agência de propaganda mundialmente

conhecida por sua capacidade de criar campanhas publicitárias com grande ênfase

em políticas sociais, resolveram produzir uma peça para a ONG Global Comission

on Drug Policy, os profissionais da agência estruturaram um roteiro que trabalha

6 Disponível em: <goo.gl/EqnhXX>. Acesso em: 16 abr. 2016.

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com elementos da história em quadrinhos, da mitologia clássica, com referências da

época medieval, com personagens fictícios que pertencem a momentos históricos

distintos, com vestimentas de diferentes períodos da história ocidental, entre outros.

Como solução para o estilo do filme, os autores optaram pela técnica de animação

chamada stop motion, que traria um aspecto lúdico ao enredo, ao mesmo tempo que

seria a forma ideal para criar o ambiente fantástico da história.

Após o processo de produção do filme e o início de divulgação do vídeo, o diretor de

arte da Agência AlmapBBDO, Marcello Serpa afirma:

Por mais de 40 anos, a comunicação deste tema tem sido usada como mais uma arma na guerra às drogas. Campanhas demonizando substâncias e usuários não contribuíram para diminuir o sempre crescente consumo nem a violência consequente da proibição. Milhões de dólares foram investidos “ x ”. Precisamos mudar a narrativa para quebrar o . S “D ” ú efeitos da Guerra às drogas que ajude a promover mudanças políticas positivas, este filme terá cumprido seu papel.

7

Essa mudança na narrativa passa pela produção da peça com o uso da animação,

ú . “E v ” entos do

medieval para contar sua história. A construção da narrativa é retratada de forma

alegórica. Com todos esses elementos, tentou-se criar uma prática discursiva que

une o tradicional, composta por significados e símbolos, em conjunto com uma nova

narrativa social.

Stuart Hall (2003) corrobora a afirmação acima contextualizando que a prática

discursiva é uma prática de consumo.

“ ” -v , organizados, como qualquer forma de comunicação linguagem, pela operação de códigos dentro da corrente sintagmática de um discurso. Os aparatos, relações e praticas de produção, aparecem, assim, num certo momento (o momento da “produção/circulação”) veículos simbólicos constituídos “ ”. v circulação “ ” se realiza (p. 388).

7 Disponível em: <goo.gl/qU1PTQ>. Acesso em: 6 set. 2016.

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Os tempos mudaram, mas ainda assim devemos levar em consideração os antigos

tempos. Tempos estes retomados a partir das histórias contadas por nossos pais e

avós, e/ou por meio de histórias e contos que permanecem vivos no nosso cotidiano.

De acordo com Nancy Huston, o que nos diferencia dos animais irracionais está na

nossa percepção/intuição sobre o início e o fim da vida. Para a autora, o sentido

humano distingue-se do sentido animal pelo fato de que se constrói a partir de

narrativas de histórias, de ficções. (HUSTON, 2010).

Para a autora, “

metaforizado. Sim, até mesmo na época moderna, desencantada, científica,

racional, inundada de luzes”. (HUSTON, 2010, p. 19).

Com essa linguagem fabular, o diretor de cena do filme Guerra ao Drugo, Gabriel

Nóbrega, foca a problemática do discurso e acredita que conseguirá atrair o

telespectador por meio de elementos complexos que irão levar a uma construção

simbólica de um discurso “pró-causa” da descriminalização das drogas.

“ ”, influencia, entretém, instrui ou persuade, com consequências perceptivas, cognitivas, emocionais, ideológicas ou comportamentais muito complexas. Em um momento determinado, a estrutura emprega um código e produz “ ”; “ ” desemboca na estrutura das práticas sociais pela via de sua decodificação. (HALL, 2003, p. 390).

Nesse sentido, e mais precisamente no caso da peça Guerra ao Drugo, para

“ público” publicitária de uma forma geral adéqua-se

às condições de uma sociedade, a fim de produzir valores, ideologias e

necessidades. Procura refletir um mundo de “sonhos”, de “fantasias”, integralmente

criado com um único objetivo, a aceitação do consumo.

Para explicitar essa ideia . S v alguém ; , pois jamais se repete; ao contrário do enunciado que pode ser repetido. Teoricamente, um mesmo enunciado pode ter diversas enunciações, dependendo de sua localização em um campo institucional. Por exemplo, uma frase, inserida num romance ou em um texto policial, jamais será o mesmo enunciado, uma vez que possuirá

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em cada um desses espaços, uma v . (SILVA, 2005, p. 25).

Dessa maneira,

[...] , um espaço vazio que pode ser preenchido por diferentes indivíduos . concepção unificante do sujeito. Ao contrário possibilidade de dispersão do mesmo, esta última v posições possíveis v . E dispersão que permite que o sujeito assuma, no interior do discurso, lugares e estatutos diferentes. (SILVA, 2005, p. 24).

Por isso,

privilegiado. Para ele,

[...] descrever uma formulação em analisar as relações ); posição que podem e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito. (FOUCAULT, 2008, p. 108).

Podemos concluir, com Anthony Giddens (1991), que o sujeito pós-moderno, na sua

concepção, não tem uma identidade fixa, indelével. Para o autor, a identidade é

transformada de forma contínua, e essa variação depende de como somos

representados na ordem cultural vigente.

Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes. (GIDDENS, 1991, p. 38).

“ v ”

um novo discurso envolvendo a criminalização das drogas, mas, como o autor acima

conjectura com Zygmunt Bauman, o sujeito pós-moderno, por não ter uma

identidade fixa e ser extremamente mutável, pode transformar ou mudar a ordem

vigente ou a ordem do discurso, por assim dizer facilitando um novo discurso sobre

o tema.

São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso

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não quer dizer que nossos contemporâneos sejam guiados tão somente por sua própria imaginação e resolução e sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer d “ ê ” “ v ” que o destino dos trabalhos de autoconstrução está endêmica e incuravelmente subdeterminada, não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001, p. 14).

Quando me foi apresentado o roteiro do filme, objeto de pesquisa desta dissertação,

além da excitação em relação à possibilidade de produzir um material audiovisual,

atividade que norteia minha identidade e carreira profissional há quase 15 anos,

surgiu uma dúvida sobre como contar uma história que por si só já traz uma carga

de preconceito embutido. Como um tema considerado um dos maiores tabus da

nossa sociedade pode ser contado por meio de uma narrativa melhorativa sobre

droga?

Outras perguntas pertinentes surgiram durante a pré-produção do filme, como estas:

fazer o filme com qual técnica? Utilizar as ferramentas contemporâneas da

computação gráfica para fazer o trabalho, ou partir para um trabalho artesanal, e por

que não a mais ancestral técnica de animação que se tem conhecimento, o stop

motion?

O roteiro e o storyboard já nos davam uma direção sobre a característica estilística

do filme. Deveria ser algo tratado num ambiente em que o personagem principal do

filme, um dragão, estivesse inserido de forma fabular na direção de arte dos

cenários e personagens.

O diretor do filme, Gabriel Nóbrega, não teve dúvidas e escolheu o stop motion

como técnica para a produção.

Porém, durante o processo, fomos percebendo que a construção da narrativa seria

muito mais trabalhosa do que o planejado. Seria necessário além da produção com

base na técnica escolhida, um trabalho meticuloso de ferramentas de computação

gráfica na pós-produção e finalização do projeto.

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A utilização de rotoscopia (técnica de limpeza e reconstrução de cenários, utilizando

softwares específicos para isso) e de motion graphics, (efeitos de animação feito no

material com o uso de softwares específicos para finalização de vídeo) foi

necessária durante o processo de produção do filme.

Foram mais de trinta mil fotos, um total de treze cenários, mais de trezentos

personagens, sendo oitenta articulados, para que conseguíssemos criar os

movimentos necessários para a animação dos bonecos. Não obstante, tivemos,

aproximadamente, sessenta pessoas trabalhando direta ou indiretamente em todo o

processo de produção, que durou um tempo total de nove meses.

Depois de todo esse esforço em produzir uma campanha audiovisual, cujo tema tem

uma relevância midiática indiscutível, com um discurso que dialoga com questões de

empoderamento, efemeridade contemporânea, fábula, cultura, criminalização e

sociedade, não poderíamos deixar passar batido, sem que uma reflexão mais

abalizada com base em teorias da comunicação e do audiovisual, ajudassem a

tornar ainda mais rica a criação e o objetivo dessa campanha, que tem como norte

mudar uma impressão histórica de um discurso criado que remete ao medo, à

violência e à repressão. O intuito discursivo do curta animado é o reverso dessas

sensações. Novos sentimentos devem vir à tona, por meio de um discurso lúdico

que não deixa de expor de forma clara o real problema que a guerra as drogas criou

dentro das sociedades no mundo.

Para Marcello Serpa, diretor de criação do filme, todo e qualquer tabu inicia sua

“ ”.

principal da idealização e criação do filme. Tive a oportunidade de fazer cinco

perguntas rápidas para o Marcello sobre o filme e seus desdobramentos midiáticos,

e percebi ainda no começo de concepção e pré-produção da obra audiovisual em

questão que participar da construção visual dessa peça não era apenas mais um

trabalho prático como tantos outros. Marcello tinha uma ideia muito clara sobre um

discurso que leva à falência toda a estrutura social que ainda debate o assunto

como um problema policial em vez de pensar o tema como um problema de saúde

pública grave. Ao ler as respostas que ele me deu, tive a certeza que construir,

coordenar e produzir em conjunto com uma ponderação sobre essa campanha foi, é,

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e será uma realização pessoal de incrível construção de conhecimento e

experiência.

Meu esforço de reflexão em cima da animação Guerra ao Drugo percorre três

etapas distintas: na primeira, trato da relação entre as políticas de poder em relação

as drogas, historicamente estabelecidas, e as escolhas discursivas da narrativa na

peça publicitária. Na segunda etapa, discuto a realização da peça – técnica, roteiro,

produção, pós-produção etc. – e como está construída essa animação. Na terceira,

procuro refletir sobre a mídia escolhida para veiculação e sua adequação, ou não,

ao filme que resultou como produto final.

As perguntas que ficam, e que não tentamos aqui oferecer uma resposta definitiva, é

se Guerra ao Drugo traz algum ganho legítimo sobre a campanha pela liberação das

drogas, mesmo levando em conta o seu discurso intencionalmente fabular de cunho

libertário. Essa é uma questão que vai permanecer em suspenso se levarmos em

consideração as dúvidas sobre o impacto causado pelo filme em função da

veiculação a qual a peça foi submetida.

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1 GUERRA AO DRUGO: DISCURSO & FÁBULA

A publicidade sobre drogas teve durante seu histórico no Brasil dois pontos de vista

incongruentes. Até o final do século XX, o discurso era de colocar a droga, seus

efeitos, quem traficava e quem consumia no mesmo patamar criminal. A partir do

século XXI, inicia-se nos meios midiáticos um debate contrário a essa política que

abrange todos os grupos envolvidos com a droga, e a publicidade novamente entra

em cena discutindo as camadas envolvidas no processo de produção,

comercialização e consumo de droga.

Falando historicamente desse discurso, toda a América Latina sofreu influência

cultural estadunidense acerca da criminalização das drogas por décadas. O

proibicionismo criado ainda no período da Lei Seca (1919-1933) foi usado como

exemplo para o extermínio de práticas de consumo posterior das drogas, criando um

paradigma que se utiliza da moral, saúde e segurança em sua retórica nos anos

conseguintes.

Segundo Thiago Rodrigues, no documentário Cortina de fumaça (2010), o

proibicionismo instalado nos Estados Unidos, em 1919, estabeleceu-se com a

proibição da produção e comercio de bebida alcoólica, a Lei Seca.

A Lei Seca, de acordo com o professor, pode ser considerada a primeira mostra de

uma lei proibicionista de fato.

Jonatas Carlos de Carvalho também cita em seu artigo – Uma história política da

criminalização das drogas no Brasil: a construção de uma política nacional”

base nos textos de Thiago Rodrigues, afirma que, após as duas grandes guerras, a

“ ” -se o início de uma estratégia de política externa e vigilância

interna dos EUA.

[...] como uma postura governamental dirigida à exteriorização do problema da produção de psicoativos e à repressão interna a consumidores e organizações narcotraficantes. A um só tempo, uma instrumentalização da Proibição às drogas como artifício de política externa e recurso para a

governamentalização – disciplinarização, vigilância e confinamento – degrupos sociais ameaçadores à ordem interna como negros, hispânicos e jovens pacifistas (RODRIGUES, 2003 apud CARVALHO, 2011, p. 4).

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Em outras palavras, as etnias economicamente mais fragilizadas da sociedade

norte-americana (negros, latinos etc.) eram os alvos midiáticos do estereótipo

negativo do usuário de droga e os perigos que ambos geravam para a sociedade.

Esse discurso ganha força a partir dos anos 60. De acordo com Jonatas Carlos de

Carvalho (2011), em 1961, em Nova Iorque, um passo significativo foi dado com

objetivo de aumentar o controle sobre as drogas, dentro e fora dos EUA. A criação

da Convenção Única de Nova Iorque sobre entorpecentes, administrada pela ONU,

contando com a participação de todos os paí U ”.

(CARVALHO, 2011, p. 6).

A preocupação política nesse mesmo período, de acordo com Rosa Del Olmo

(1990), gerada por uma série de acontecimentos contribuiu para a regulamentação

desse comitê.

[...] era o início da década da rebeldia juvenil, da chamada "contracultura", das buscas místicas, dos movimentos de protesto político, das rebeliões dos negros, dos pacifistas, da Revolução Cubana e dos movimentos guerrilheiros na América Latina, da Aliança para o Progresso e da guerra do Vietnã. Estava-se transtornando o "American Way of Life" dos anos anteriores; mas sobretudo era o momento do estouro da droga e também da indústria farmacêutica nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Surgiam as drogas psicodélicas como o LSD com todas as suas implicações, e em meados da década aumenta violentamente o consumo de maconha, já não só entre os trabalhadores mexicanos, mas também entre os jovens de classe média e alta (DEL OLMO, 1990, p. 33).

De acordo com a autora, outras situações deixaram em estado de alerta o governo,

em relação ao aumento do consumo e comércio de drogas; ela exemplifica que em

1967 “ v

distrito Height-Ashbury da cidade de São Francisco, onde estavam se concentrando

milhares de jovens hippies” (DEL OLMO, 1990, p. 34).

A droga começa a servir como um dos instrumentos de coletividade, e ajudava os

jovens a desafiar a ordem vigente. Nesse período, a opinião pública conservadora,

começa a indagar o Ex v “v ”.

uma ponte com a influência no movimento hippie do uso das drogas e experimentos

21

produzidos por intelectuais como Ken Kesey e Timothy Leary, Rosa Del Olmo (1990)

afirma que:

O consumo de drogas não podia ser visto como uma simples "subcultura", a droga e seus protagonistas haviam mudado. Tinha de ser visto corno um "vírus contagioso". A maconha coletivizava o consumo ao ser usada em um ato público, compartilhado e comunitário. Deve-se lembrar, por exemplo, dos Hippies e do consumo maciço de maconha nos festivais de música ao ar livre corno o famoso Festival Woodstock. Era a arma por excelência que os jovens haviam encontrado para responder ao desafio da ordem vigente nos países desenvolvidos. Não é estranho então que se começasse a falar da droga, em matéria de segurança, como o inimigo interno (p. 36).

Nos anos 70, é lançada uma campanha publicidade norte-americana antidrogas com

conteúdo similar em vários países da América Latina.

Provavelmente com a finalidade – tal como assinalaram vários autores, de incorporar os países da América Latina no processo antidroga de uma maneira mais que simbólica [...] Com a qual modificavam a legislação introduzindo o discurso médico-jurídico (DEL OLMO, 1990. p. 37).

A partir desse momento, os EUA começam a influenciar legalmente os países

latinos, forçando a criação de medidas de proteção social e de saúde publica,

privando a liberdade e a capacidade de escolha/vontade, aumentando o controle

sobre o indivíduo, isso tudo com base na jurisdição Ianque.

O Drug Enforcement Administration (DEA) é criado e o Congresso dos EUA em

1972 publica um informe sobre o tráfico mundial de drogas e o impacto na

segurança dos Estados Unidos. Dessa maneira, os EUA começam a fechar o cerco

internacional com sua política antidroga. Nixon passa a exportar a aplicação da lei

em matéria de drogas, isto é, a legitimar o discurso jurídico-politico e o estereótipo

político-criminoso da droga além das fronteiras dos Estados Unidos (DEL OLMO,

1990).

Na América Latina, é no começo dos anos 70 que se inicia “o pânico” em torno da

droga. A principal ferramenta para alarmar a sociedade latina é o discurso dos meios

de comunicação.

22

Voltando os olhos para a América Latina, em 1977, o Congresso dos EUA envia

uma comissão para alguns países, entre eles Colômbia, Bolívia, Equador e Brasil,

com o intuito de concluir que a cocaína é produzida exclusivamente na América

Latina.

O interesse do Comitê ao enviar estas missões de estudo é muito compreensível, uma vez que quando Carter chega à Presidência, em 1977, a cocaína, produzida exclusivamente na América latina, já era uma droga de consumo elevado nos EUA. Segundo os dados do National Institute on Drug Abuse (NIDA), publicados na monografia Cocaine 1977, dois milhões de norte- americanos a haviam consumido em 1976, apesar porém de pouco se saber sobre os possíveis perigos para a saúde causados por "essa fascinante substancia", como a qualificou o diretor da NIDA nesse mesmo trabalho (DEL OLMO, 1990, p. 49).

A América Latina torna-se “ ” v . EU começam a agir

para que o controle da produção da cocaína seja eficaz. Aproveitando-se desse

discurso, os norte-americanos permanecem com seu poderio político, social e

econômico sobre os países latinos.

Detecta-se nesse momento o aumento do problema também na América Latina, o que provavelmente ocorreu, apesar de ser necessário um estudo mais detalhado, especialmente para destacar as possíveis variações regionais de padrões de consumo e tipo de drogas. No entanto, o discurso dos meios de comunicação, na época, oculta o fato, para difundir de maneira homogênea a preocupação com a chamada All American drug, criando um novo estereótipo como problema de todo o Continente: o estereótipo da cocaína. Entramos então na década de 80 (DEL OLMO, 1990, p. 52).

A década de 80, provavelmente, foi a que teve a amplitude máxima do combate às

drogas. Em todas as estâncias, a política da guerra à droga nos Estados Unidos

chegou ao auge. Houve um endurecimento no discurso político, mais do que nas

décadas anteriores, de manei “ ” já se constituía como a

principal ameaça ao continente.

Constituiu politicamente um novo inimigo, que ao longo das décadas de 60 70 “ ” . das drogas deu condições para a formação de um complexo fenômeno: o comércio internacional de drogas. Um mercado que não fez outra coisa: “ v ô x estrangeiro que, vitorioso, conseguia abortar todas as tentativas latino- v v ô .” “ v ” “ útero da divisão internacional do trabalho (CAGGIOLA, 2005 apud CARVALHO, 2011, p. 15).

23

Rosa Del Olmo (1990), em seu livro A face oculta da droga, que começou a ser

escrito em 1987, percebe que a crise econômica por que os Estados Unidos

passava naquele momento é um fator preponderante para a política de combate à

droga anunciado por Reagan, tratada “Cruzada R ”.

inicia um combate que procura reduzir a fuga de capital, por parte dos

contrabandistas, do tesouro norte-americano, além do problema de saúde pública

que aumentará o número massivamente de usuários norte-americanos de maconha

e cocaína.

Por exemplo, com relação ao aspecto econômico da droga, é significativo que já em 1980 “o DEA havia detectado importantes fugas de capital em direção a contas bancárias situadas fora dos Estados Unidos no valor de mais de 2 bilhões de dólares acumulados por vendas de cocaína e maconha. Comprovou-se igualmente na época que 31 dos 250 bancos de Miami haviam sido cúmplices das fugas e que cinco deles eram ‘ ’, que enviavam seu dinheiro à Suíça, Panamá, Bahamas e outros locais para ser lavado e introduzido novamente nos Estados Unidos através de investimentos legais”. (DEL OLMO, 1990, p. 56).

Fica evidenciada a preocupação econômica de Reagan com o tráfico internacional

de drogas, com base na produção latino-americana da cocaína. Reagan movimenta-

se politicamente e cria barreiras protecionistas para a economia do país. Importante

ressaltar que a cocaína, por ser a droga mais cara e a que mais entra nos EUA das

“ ”, sofre uma maior atenção no combate ao seu comércio. A

título de estudo, o trafico de heroína se mantém estável e a maconha, antes a

inimiga número 1 do Tio Sam “ v ”. (DEL OLMO,

1990, p. 58).

A forma de controle das economias dos países produtores de droga acaba tornando-

se desculpa para destruir a economia local com base nos interesses norte-

americanos. A autora Rosa Del Olmo (1990) exemplifica de forma clara um

problema que aconteceu na Jamaica e alerta para a política econômica colombiana,

que passou praticamente a viver da produção da cocaína nas décadas de 80 e 90.

24

Um exemplo que ilustra o que dissemos é o que ocorreu em Belize e Jamaica: Os projetos do presidente Reagan para promover estabilidade politica e econômica, controlar a imigração ilegal e o tráfico de drogas foram afetados pelas continuas restrições às cotas açucareiras desde 1982 [...] A política norte-americana frente ao açúcar custou à região mais de 130 mil desempregados desde 1984, que não tiveram outro remédio senão converter-se em imigrantes ilegais ou em cultivadores de maconha para sobreviver. E o que está acontecendo com o café na Colômbia? (DEL OLMO, 1990, p. 79).

A autora ainda conclui que, com essa representativa do comércio ilegal da cocaína,

cria-se o estereótipo do criminoso latino-americano, discurso massificado nos meios

de comunicação; ela exemplifica falando sobre o seriado Miami Vice (1984), no qual

traficantes de cocaína são sempre latinos e principalmente colombianos, ou sobre

filmes como Scarface (1983), de Brian De Palma.

Além dos seriados e filmes, a publicidade é outro grande aliado no combate e

criminalização da droga em todas as suas camadas. As campanhas destinadas ao

usuário têm como pano de fundo personalidades que morreram de overdose ou de

algum problema relacionado ao seu consumo, como os exemplos das campanhas

produzidas no Brasil nos anos 80 e 90, que citam usuários como seres “inúteis” para

a sociedade.

Quando Clinton se elege, um discurso mais moderado ao combate as drogas

começa a ser difundido, diferente do dos seus antecessores, Clinton usa tons mais

amenos para o debate sobre a droga. Em 1994, uma assessora de Clinton declara

publicamente que a guerra às drogas era uma cruzada que nunca se poderia

ganhar:

Com a chegada de Clinton, houve uma moderação considerável sobre o clamor antidroga de Reagan e Bush, porém sem promessas de reformas. Jocelyn Elders sua braço direito em assuntos ligados a saúde pública, declarou 1994 “C ” venceria, e que o país devia se acostumar a conviver com as drogas e que revogar a proibição iria melhorar a situação dos dependentes, e a segurança do resto da população. A Casa Branca se apressou em declarar que a senhora Elders havia exposto critérios exclusivamente pessoais, não assinado pelo resto da equipe do gabinete presidencial (ESCOHOTADO, 1998, p. 829).

Bill Clinton começa um processo de mudança de discurso político e criminológico

sobre L . C “

25

” nte da política dos seus antecessores, que tinham um ponto de

vista militar unilateral. Um exemplo desse discurso na prática é o Plano Colômbia:

O próprio Plano Colômbia espelha essa pequena metamorfose de prática e discurso ao prever um aporte de 7,5 bilhões de dólares para combate ao narcotráfico (combate apresentado como a soma de iniciativas militares e ajuda econômica ao campesinato), dos quais 1,3 bilhão de dólares provêm dos EUA e o restante reparte-se entre recursos do governo colombiano, da União Europeia, do Japão e de outros organismos internacionais. O envio de instrutores militares estadunidenses e a venda de equipamento bélico norte- v “ ” se aninha na nova ideia de partilha e responsabilidade (RODRIGUES, 2002, p. 108).

Na teoria e na prática, o que Clinton desejou foi fazer com que os governos locais

dos países latinos se responsabilizassem pelo controle no comércio ilegal da droga,

porém com os ideais da política repressiva Ianque “[...] reproduzindo no local uma

postura proibicionista que perde as feições norte-americanas para tornar-se

”. R DRIGUES 2002, p. 108).

Já a política de drogas do último chefe de estado norte-americano, Barack Obama,

apesar de não declarada, foi a que mais abriu portas para um debate direto sobre o

consumo de drogas de forma democrática em seu país. Uma matéria no site da BBC

10 2014 : “No Estado de Washington,

quase na fronteira entre EUA e Canadá, um farmacêutico chamado Sean Green,

cujo nome criou um trocadilho que a imprensa americana não deixou passar,

recebeu na semana passada a primeira licença estadual para vender maconha com

fins recreativos”.

Sofrendo influência política, econômica e midiática Ianque, a retórica criminal da

droga na América Latina, fazendo uma análise cultural brasileira e a influência

externa nos discursos midiáticos no Brasil, relativizando o discurso criminal e o

discurso da descriminalização, que tem em seu cerne sempre a influência externa

na cultura e discurso brasileiro, essa análise nos permite fazer uma ponte entre as

campanhas das décadas de 80 e 90, com a mudança no discurso dado no período

atual.

26

1.1 A fábula do discurso

Michel Foucault, em Microfísica do poder (1982), no capítulo Soberania e disciplina

pergunta: “Em uma sociedade como a nossa, que tipo de poder é capaz de produzir

discursos de verdade dotados de efeitos tão poderosos?” (p. 179).

O funcionamento do discurso, seguindo a linha de raciocínio do autor, numa

sociedade como a nossa, depende de uma relação de poder coesa de produção,

acumulação e circulação. Essa linha de produção correlacionada coloca-nos

submissos pelo poder à produção da verdade. A questão é que esse poder não para

de institucionalizar a busca da verdade; para produzir riquezas precisamos continuar

“v ”. O autor explana sobre este parágrafo:

[...] Por outro lado, estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder. Afinal, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder. Portanto, regras de direito, mecanismos de poder, efeitos de verdade, ou regras de poder e poder dos discursos verdadeiros, constituem aproximadamente o campo muito geral que escolhi percorrer apesar de saber claramente que de maneira parcial e ziguezagueando muito (FOUCAULT, 1982, p. 101).

“ às drogas” -nos nesse ponto, a verdade

institucionalizada pelo poder. Se você é um usuário de droga, não importa a real

necessidade para fazer uso do produto, você está agindo de forma mentirosa.

Foucault descreve claramente o que Nixon, Reagan, Bush, Clinton, entre outros

presidentes, “ ”.

Figura 1 – “ ”

Fonte: Associação Parceria Contra Drogas (APCD), 2002.

27

Voltando ao exercício do poder e do discurso, Foucault (1982) escreve: “Um direito

de soberania e um mecanismo de disciplina é dentro desses limites que se dá o

exercício de poder”. Dessa forma, o autor novamente coloca-nos dentro do padrão

criado pelos Estados Unidos para divulgar um discurso de criminalização das drogas

em todo o ocidente:

[...] direito público da soberania e o mecanismo polimorfo das disciplinas. O que não quer dizer que exista, de um lado, um sistema de direito, sábio e x − − trabalhando em profundidade, constituindo o subsolo da grande mecânica do poder (FOUCAULT, 1982, p. 104).

Podemos citar os interesses escusos nessas “ ”

que o autor critica? Qual o real interesse em se manter a criminalização das drogas?

O texto da primeira emenda constitucional norte americana (1789) baseia-se nos

seguintes princípios:

O Congresso não fará nenhuma lei respeitando um estabelecimento de religião, ou proibindo o seu livre exercício; ou restringir a liberdade de expressão, ou da imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de pedir ao governo uma reparação de queixas. (MORISSET, 2003, p. 21)

8.

Para Lloyd Morrisett (2003), aqueles que conquistaram a independência norte-

americana prezavam originalmente pelas liberdades dos direitos da população em

detrimento da coação. Alguns séculos depois, o crescimento populacional dos

Estados Unidos pulou de 4 milhões de pessoas para cerca de 250 milhões, junta-se

a isso o avanço da tecnologia que abre um novo debate sobre até onde vai a

liberdade do cidadão. Para os autores, os fatores populacional e tecnológico

influenciaram a mudança de atitude do governo norte-americano (p. 21).

Se no século XX a comunicação tecnológica era baseada no domínio do rádio,

televisão e jornal, no século XXI, a internet se credencia cada vez mais como

principal veículo midiático da comunicação. Morisett (2003) acredita que a internet é

diferente pois possui características de elementos do audiovisual somado ao

8 Tradução minha para: “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or

prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press, or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.”

28

telefone, favorecendo a participação ativa do cidadão e não mais a passividade que

fora implantada por décadas de televisão e rádio, que o autor supracitado chama de

“ v ”. “ v ” contribuiu por

décadas para criação de um discurso antidroga que perdurou por muitos anos.

Entretanto, com a participação da sociedade nos debates e não somente no papel

de receptor de informação, as liberdades começam a tomar um caminho de

amplitude de opinião jamais visto na sociedade. É nesse contexto que novos

discursos se chocam com os antigos, e Guerra ao Drugo aparece como mais uma

campanha midiática contemporânea a favor da descriminalização.

Se na primeira emenda constitucional norte-americana o debate público é papel e

dever político e deveria ser um princípio fundamental do governo americano, talvez

esta seja a hora ideal da mudança do discurso do poder baseado no medo de

punição e a volta do debate baseado na primeira emenda.

Para Morisett (2003), faz-se necessário um discurso sobre o livre pensar, a

esperança e a imaginação; a mudança da tríade: medo gera repressão; repressão

gera ódio; ódio ameaça o governo estável. Esses três fatores que eram justamente

combatidos pelas normas criadas na primeira emenda, normas estas que precisam

ser revisitadas e exercidos (p. 21).

Sendo assim, que o discurso baseado na força deixe de existir e abra espaço para

um discurso mais humanizado:

Que o caminho da segurança reside na oportunidade de discutir livremente queixas supostas e soluções propostas; E que o remédio apropriado para os conselhos ruins, sejam bons conselhos. Acreditando no poder da razão como aplicado através da discussão pública, eles evitavam o silencio coagido pela lei – o argumento da força na sua pior forma. Reconhecendo as tiranias ocasionais das maiorias dos governantes, eles alteraram a constituição para que a liberdade de expressão e de reunião fossem garantidos (MORISETT, 2003, p. 21)

9.

9 Tradução minha para: “That the path of safety lies in the opportunity to discuss freely supposed

grievances and proposed remedies; and that the fitting remedy for evil counsels is good ones. Believing in the power of reason as applied through public discussion, they eschewed silence coerced by law—the argument of force in its worst form. Recognizing the occasional tyrannies of governing majorities, they amended the Constitution so that free speech and assembly should be guaranteed.”

29

A tecnologia veio para ajudar nessa mudança de mentalidade por meio de discursos

mais coerentes com o pensamento da sociedade contemporânea, a sociedade que

tem o poder de participar do debate é diferente da sociedade que vivenciou uma

“ v ” .

1.2 O discurso da fábula

Marcello Serpa, diretor de criação da Agência de publicidade Almap/BBDO, criadora

do filme, cita a hidra de Lerna no making of do filme Guerra ao Drugo como

personagem referência para o Dragão, protagonista da campanha publicitária em

questão.

A hidra de Lerna é um personagem fabular mitológico que aparece no Livro de ouro

da mitologia, no capítulo sobre Hércules, cujo episódio chama-se Os doze trabalhos

de Hércules.

ú . C . - , mas a - [...] O trabalho seguinte foi a matança da hidra de Lerna. Esse monstro devastava a região de Argos e habitava um pântano perto do povo de Amione. Esse poço fora descoberto por Amione, quando a seca devastava a região e Netuno que a amava, deixara-a tocar na rocha com seu tridente e três nascentes surgiram dali. A hidra escolheu para moradia aquele local e Hércules foi mandado matá-la. O monstro tinha nove cabeças, sendo a do meio imortal. Hércules esmagava essas cabeças com sua clava, mas, em lugar da cabeça destruída, nasciam duas outras de cada vez. Afinal com a ajuda de seu fiel servo Iolaus, o semideus queimou a cabeça da hidra e enterrou a nona, a imortal, sob um enorme rochedo. (BULFINCH, 2002, p. 179).

O roteiro foi estruturado baseado nos contos fabulares e na jornada do herói, criou-

se uma história que tenta mudar de forma fabular a visão defendida por décadas

sobre o empoderamento do discurso a favor do crime de se consumir drogas para

um novo discurso, com uma base mais liberal e com foco na saúde pública, e não

nas ações policiais. Para Nancy Huston (2010), usar os elementos da ficção para

convencer é uma boa ferramenta, já que o real-real inexiste para os seres humanos.

30

Real-real: ele não existe, para os humano. Real-ficção apenas, para todos os lados, sempre, uma vez que vivemos no tempo [...] A narrativa se desenvolveu em nossa espécie como uma técnica de sobrevivência. Ela está inscrita nas próprias circunvoluções do nosso cérebro. Mais fraco do que os outros grandes primatas, ao longo de milhões de anos de evolução, o Homo sapiens entendeu o interesse vital que teria em dotar, através das suas fabulações, o real de Sentido (p. 19).

Portanto, usar o fabular para narrar uma nova ordem de discurso pode e deve ser

ferramenta para gerir uma mudança discursiva sobre o tema abordado. Esse novo

formato discursivo pode estar empregado em conceitos de descontinuidade, ruptura

“[...] que visa dar uma importância

temporal singular a um conjunto de fenômenos ao mesmo tempo sucessivos e

ê ”. (FOUCAULT, 2008, p. 23).

Quando Guerra ao Drugo traz à tona um discurso com conceitos acerca do tema da

descriminalização, com um argumento mais contemporâneo, percebe-se que muito

do que se debate sobre a criminalização das drogas e do usuário nada mais é que a

replicação de uma moral ou um juízo de valor da maior parte das culturas na

atualidade. Provavelmente, se fizermos uma pesquisa questionando brasileiros com

mais de 30 anos sobre campanhas publicitárias do fim do século XX cujo tema fosse

drogas, como, por exemplo, as campanhas divulgadas pela Associação Parceria

contra as Drogas com o Ministério de Justiça (já citadas nesta dissertação),

poderemos observar uma influência que levou o es “ v

”, tendo absorvido um discurso criminalizatório, que ainda está vigente nos

discursos de grande parte da sociedade.

Para Michel Foucault, ência de palavras, mas um modo

de pensamento que contraria a .

possibilitam a criação de relações e enunciados.

O discurso e a prática discursiva podem ser definidos como:

[...] um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação v ; retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos x ) ; constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência. ideal e intemporal que teria, além ;

31

consiste em saber como e por que ele pôde emergir e tomar corpo num ; , de parte a parte, histórico - , unidade e descontinuidade na própria , que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua t abrupto em meio às cumplicidades do tempo (FOUCAULT, 2008, p. 132-133).

Isso permite dizer que

[...] um conjunto de regras anônimas, históricas sempre determinadas no tempo espaço, que definiram em uma dada época, e para uma determinada área social, econômica, geográfica, ou linguística, as condições de exercício unciativa (FOUCAULT, 2008, p. 133).

O discurso, para Foucault (2013), é poderoso. Ele acredita que em toda cultura e

sociedade a produção do discurso tem a atribuição de ser monitorada, vigiada,

regulada, ordenada, dominadora etc.:

[...] suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (p. 8-9).

Quem domina um discurso convincente pode se utilizar da retórica para a

manipulação, sedução etc. A prática discursiva passa a ser ao mesmo tempo

desejada e temida, pela sua força e seu simbolismo. Quem domina a prática

discursiva produz sentido.

[...] s v , com efeito, desde os gregos, aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que esta em jogo, senão v v v , essa que se impõe a nós v x -la. (FOUCAULT, 2013, p. 19).

O discurso serve para dominar, sobrepujar ideais e na representação de interesses

de classes. Quem tem o domínio do discurso controla sociedades, direciona o rumo

da história (SOUSA, 2009, n. p.).

Foucault (2002) faz uma relação interessante sobre o discurso e a fábula. Para ele,

na nossa sociedade, durante um tempo, somente por meio do discurso fabular, a

32

vida era ideal, correta e servia de lição e exemplo positivo para a sociedade. Apesar

de o autor falar que isso aconteceu durante um tempo, que indica estar no passado,

podemos certificar, por meio de Guerra ao Drugo, que na contemporaneidade ainda

se pode utilizar a fábula como um novo discurso, ou um discurso diferente.

Durante muito tempo, na sociedade ocidental, a vida de todos os dias só pôde ter acesso ao discurso quando atravessada e transfigurada pelo fabuloso; era preciso que ela fosse retirada para fora de si própria pelo heroísmo, a façanha, as aventuras, a providência e a graça, eventualmente a perversidade; era preciso que fosse marcada por um toque de impossível. Só então se tornava dizível. Aquilo que a punha fora de alcance permitia-lhe funcionar como lição e exemplo. Quanto mais a narrativa fugisse ao vulgar, mais força tinha para fascin . “fabuloso-exemplar”, a indiferença face ao verdadeiro e ao falso era, pois, fundamental. (FOUCAULT, 2002, p. 124).

Para Nancy Huston (2010), a narrativa fabular é uma técnica de sobrevivência, que

foi desenvolvida na história da nossa espécie. Mais fraco do que os outros grandes

primatas, ao longo de milhões de anos de evolução, o Homo sapiens entendeu o

interesse vital que teria em dotar, por meio das suas fabulações, uma vida dotada de

sentido (significação e direção). Uma curva que vai do nascimento à morte.

No curta animado, objeto desta dissertação, algumas características fabulares

aparecem. Elizabeth Ubiali (2013) entende que as características narrativas da

fábula simbolizam situações humanas vivenciadas, geralmente por animais, com a

intenção de transmitir certa moralidade.

Esse gênero literário no qual está encerrada a fábula tem características peculiares. É usualmente definida como uma narração alegórica cujos personagens são geralmente animais e que revela uma crítica ou zombaria, implicando numa lição de moral. (UBIALI, 2013, n. p.).

Se a autora citada sugere que a fábula tem essas características, os criadores de

Guerra ao Drugo supostamente trabalharam com alguns elementos narrativos

apoiados nessa teoria. Para Ubiali, “[...] tal natureza simbólica revela uma analogia

com a natureza humana”. (2013, n. p). Portanto, a analogia do dragão como o

símbolo-chave da droga, criando uma similaridade e implicando uma lição de moral,

foi utilizada com base nessa linguagem narrativa a fim de contar outra história sobre

as drogas, mesmo que pecando em certos aspectos que costumam não serem

característicos da fábula, pois o discurso do filme é solene, sério, descolando-se,

33

assim, das características das narrativas fabulares, que primam pelo bom humor e

diversão.

Numa sociedade cada vez mais midiatizada, vivendo um momento de grande

imersão em mídias digitais, com um fluxo de informação cada vez maior e, por

consequência, grande déficit de atenção e foco, o filme tenta prender a atenção do

espectador. Para isso, busca dentro da narrativa fabular os elementos que para esse

mesmo espectador são características do seu modo de vida, retratando situações

cotidianas vivenciadas pelo ser humano, a busca pela liberdade e o despertar da

consciência, contribuindo para o aumento da atenção e reflexão no processo

cognitivo do consumidor dessa propaganda.

Esopo, escravo grego que viveu no século VI a.C., que foi quem desenvolveu a

fábula como a conhecemos hoje, com suas histórias relacionando bichos como

personagens, transmitia sabedoria e formação moral de caráter ao homem,

corroborando a linha de raciocínio dos criadores do curta.

Para finalizar essa constatação, basta ler o que o autor francês Jean de La Fontaine

(1621-1695), um dos maiores divulgadores dos textos de Esopo, falou sobre o seu

tutor:

Ele recriava essas fábulas com o objetivo de "educar" o homem de sua . […] v E que a Grécia se orgulha, ele que ensinava a verdadeira sabedoria, e que a ensinava com muito mais arte do que os que usam regras e definições (CARUSO, 2005, online).

Outra característica marcante da narrativa fabular que encontramos no curta

animado Guerra ao Drugo é a retórica como forma de persuasão. Um novo discurso

somado a uma narrativa que serve como um instrumento pedagógico parece ter um

poder de persuasão maior do que uma narrativa sem esses elementos. “Esopo foi

considerado pelo filósofo grego Aristóteles como um retórico, pois a sua fábula é

uma forma de persuadir.” (UBIALI, 2013, n. p.).

34

Não obstante, outra curiosidade que coloca Esopo e Guerra ao Drugo em similar

narrativa é que ambos usaram a fábula para alertar as pessoas acerca da ignorância

de suas atitudes.

Ainda de acordo com Elizabeth Ubiali (2013), houve um segundo momento fabular

na história, atribuído a Fedro, fabulista latino que viveu no século I d. C. De acordo

com Ubiali “[...] ele afirma : ”.

característica marcante no discurso de Fedro é sua indignação correspondente as

injustiças sociais e crimes do seu tempo. (n. p.).

Saindo do período medieval e ingressando nos tempos modernos, aparece um novo

momento fabular, encabeçado pelo escritor Jean de La Fontaine. Contextualizando o

período em que La Fontaine viveu, o pensamento racionalismo como pensamento

filosófico de destaque no período, influenciado pelo pensamento lógico, caminhava

em contraponto com os dogmas da igreja católica, instituição predominante no

período. Havia uma ruptura entre a imposição da fé e o pensamento filosófico.

Nesse contexto, La Fontaine escreve de forma realista e com o uso da fábula

consegue fazer críticas ao discurso político-religioso da igreja. Fontaine ainda

afirma, por meio de suas fábulas, “[...] muitas vezes, o mais e astucioso é o

vencedor e que os bons, inocentes e ingênuos podem ser sacr ”. (UBIALI,

2013, n. p.).

La Fontaine e os outros autores fabulares que surgiram posteriormente, mais

precisamente no século XXI, entre eles podemos citar os criadores de Guerra ao

Drugo, trabalharam com críticas veladas.

É importante ainda conceituar os três discursos que são característicos da fábula: o

primeiro é o discurso figurativo que representado pelo tempo, espaço e

atores/personagens, estes representados por deuses, forças da natureza e

especialmente pelo mundo animal. “E frente a uma Des-

humanização, que nada mais é do que uma Re-humanização, pois a natureza

desses personagens se identifica com atitudes e tendências humanas” (UBIALI,

2013, n. p.).

35

Já o discurso temático, que no cerne da sua palavra se relaciona com a temática e

se associa com os outros dois conceitos característicos da fábula, tem o humor

como traço . “

social.” (UBIALI, 2013, n. p.). Já o discurso metalinguístico tem relação com a moral.

Para Ubiali (2013), utilizando-se dessa tríade, o filme promove um caráter lúdico por

meio do discurso figurativo, utiliza a crítica política e social do discurso temático e

ajuda o discurso metalinguístico a não se tornar chato ou tedioso, além de ser

compreendido pelo espectador, pois faz parte da sua noção de mundo. Sendo

assim, o espectador de Guerra ao Drugo pode vivenciar um saber construído por

meio da aliança entre o caráter de diversão e o conceito de lúdico.

Não se sabe ao certo se o uso fabular no curta animado Guerra ao Drugo empregou

deliberadamente alguns dos conceitos aqui revisitados para a composição do

discurso do filme, mas acreditamos que propositalmente, ou não, alguns elementos

da fábula foram encontrados “ v ” na ideação e no filme objeto desta

dissertação.

36

2 DESCONSTRUÇÃO & CONSTRUÇÃO DA ANIMAÇÃO

Com a ambição do profissional de publicidade, característica que lhe é peculiar,

Guerra ao Drugo foi concebido para “encerrar a guerra às drogas em todo o

planeta”. Não foi à toa que a campanha publicitária ganhou prêmios nos principais

festivais publicitários e de animação pelo mundo. Foi premiado no Festival

Internacional El Ojo de Iberoamérica, que aconteceu em Buenos Aires, na Argentina.

Em sua 18ª edição, o festival premiou o curta em quatro categorias, ouro em melhor

animação, prata em melhor direção, bronze em melhor direção de arte e fotografia e

bronze em melhor produção integral. Também foi premiado com uma prata na

categoria animação stop motion no Festival Ciclope, único festival internacional

dedicado à animação. Conquistou o primeiro lugar na categoria design-animation da

edição de 2015 do London International Awards (LIA). No Anima Mundi, levou o

prêmio de publicidade animada para melhor filme brasileiro e ainda o prêmio de

melhor filme de animação no Festival de Publicidade de Cannes, entre outros.

Guerra ao Drugo foi produzido primordialmente por meio da técnica de animação

com stop motion. Para Amábile Brugnaro Santos e Marcos Paulo Blasques Bueno

(2010), autores do artigo Composição do movimento: o stop motion na publicidade,

“ ‘stop motion’ é uma sofisticada forma de animação” (p. 189).

Não obstante, além da técnica empregada em Guerra ao Drugo, estamos falando de

um filme animado, portanto conceituar a animação nesta pesquisa se faz

necessário.

Para Santos e Bueno (2010), a animação:

37

[...] nas origens do termo, é o processo de dar alma ou vida, a desenhos e seres inanimados. Diferente das outras artes, a animação nasce sob o signo da arte e da técnica. Resultado da união do desenho e da pintura com a fotografia e o cinema, a animação pode fazer uso ilimitado das artes gráficas explorando as características cinematográficas do filme. No início do século XX, o cinema de animação recebeu forte influência de histórias em quadrinhos, que neste momento, já possuíam esquemas narrativos próprios e uma linguagem consolidada e bastante desenvolvida. Dos quadrinhos, os cineastas aproveitaram as histórias, as temáticas, o ritmo e as gags (piadas prontas) em seus filmes. O cinema de animação vem se desenvolvendo através das mais variadas técnicas e dos aparatos advindos da tecnologia. No século XXI, novas categorias do audiovisual são criadas no contexto do cinema, que as técnicas de animar 2D e 3D propiciam a integração do cinema com a realidade virtual e anunciam caminhos do gênero (SANTOS; BUENO, 2010. p. 203).

Se pensarmos que, desde os primórdios, nas cavernas, o homem desenhava e

sonhava com seus desenhos rupestres em movimento, talvez exista um anseio

interno do ser humano em dar vida às suas imaginações, aos desejos e às visões;

por isso, a animação tornou-se peça fundamental na publicidade e no cinema.

Segundo Coelho (2000, p. 2), essa arte:

[...] nasceu da vontade de ver figuras se movimentando, falando, rindo e brincando e também da fascinação pela luz, por truques, mágicas e invenções geniais. O cinema de animação surge da curiosidade do homem e do seu fascínio pela magia da luz e do movimento.

O stop motion, para Santos e Bueno (2010), que, acreditamos ser a melhor

explicação teórica já escrita sobre a produção com a técnica aqui debatida, pode ser

conceituado da seguinte forma:

Processo de criação audiovisual inicialmente mais utilizado pelo cinema animado que utiliza modelos reais criados com diversos materiais e objetos. Estes são diversas vezes movimentados e fotografados de forma planejada – o animador muda aos poucos a posição dos objetos a cada foto. As fotos são então ordenadas como fotogramas para um filme e sua exposição sequencial no tempo – quando projetada em 30, 29.97, 24, 12 ou 06 f/s (fotogramas por segundo), gera a ilusão ou sensação de movimento. [...] O filme, resultante da reunião das fotos exibidos em velocidades específicas para cada caso e técnica, gera uma ilusão de movimento real contínuo filmado (p. 203).

Ou seja, “ v ”, tradução dura e direta do inglês para o português da

palavra stop motion, seria a técnica de fotografar um objeto inanimado, frame por

frame objetivando capturar e gerar, por meio das pequenas alterações ao objeto, a

ideia de movimento.

38

Os autores fazem uma analogia entre a técnica e seu uso na publicidade de forma

bastante coerente:

O animador necessita compreender as meticulosidades do movimento e recriá-las quadro a quadro. A trilha sonora como um todo interage com as “ v ” . “S w ” v v para que os resultados sejam precisos. A presente investigação emprega como metodologia a pesquisa qualitativa, uma abordagem fenomenológica e invocada. Discutem- “ ” dessa minuciosa técnica pela área de publicidade e propaganda, as vantagens e desvantagens em seu emprego, seu potencial de apreciação estética e aspectos da produção, desde o aprimoramento técnico ao uso das tecnologias multimediáticos de difusão pela mídia (SANTOS; BUENO, 2010, p. 189).

É importante ressaltar que o stop motion tem a fotografia como principal ferramenta

na construção do objeto. Outra ferramenta importante para a construção de uma

peça audiovisual com o uso da técnica do stop motion é a direção de arte, que os

autores citados anteriormente colocam como ferramenta apropriada pela publicidade

para a produção de peças que tendem a ter uma melhor aceitação pelo espectador

em vários meios de comunicação audiovisuais.

Existem algumas derivações do stop motion, como claymation, sandmotion,

cutoutmotion, pixilation, e a utilizada em Guerra ao Drugo foi a puppetmotion, que

“ ”

característica o uso de marionetes que interagem umascom as outras em um

ambiente construído de forma estruturada, como uma maquete, por exemplo. As

marionetes normalmente possuem uma armação interna para conseguir manter os

formatos adequados.

Paralelamente à arte, diversas áreas como, por exemplo, a publicidade e propaganda, também articulam devido a esse complexo universo que se estabelece com a cibercultura. Publicitários em particular buscam incessantemente por métodos, ferramentas, ideias, entre outros, que eventualmente possibilitarão que produtos tenham esse destaque no mercado. Estudos de campo, pesquisas acadêmicas e de mercado, fazem-se necessários para compreendermos possíveis maneiras de empregarmos determinadas técnicas e formas de produção artísticas em criações que poderão ser mais aceitas pelo público. A própria área da publicidade e propaganda apropria-se de elementos, linguagens, técnicas, entre outros antes mais utilizados para fins de concepção artística como, por exemplo, a área de stop motion [...] (SANTOS; BUENO, 2010, p. 189).

39

Guerra ao Drugo foi uma campanha produzida para uma ONG, isso por si só já

derruba alguns padrões de prazos da publicidade. O processo de stop motion é

sempre demorado. Uma das maiores dificuldades é a elaboração dos personagens,

vestimentas e cenários, que é toda artesanal. Para um mercado como o da

propaganda que respira prazos e pressão por resultados, o stop motion nunca é a

primeira opção buscada pelas agências e clientes. Entretanto, existem alguns

fatores que beneficiam o processo de produção de uma peça publicitária numa

animação tão tradicional como a citada.

Para os autores do artigo Composição do movimento: o stop motion na publicidade,

mesmo com o maior investimento em equipe de arte, de animação e a demora na

entrega do produto final, a técnica têm pontos positivos:

Maiores chances de destaque do anúncio entre os demais através do emprego de linguagem diferenciada – o potencial de apreciação estética é grande e atinge públicos e faixas etárias distintos; A criação publicitária torna-se um vídeo procurado para entretenimento, para apreciação artística ou reflexão, e o produto acaba enobrecido ou desejado para compra; As tecnologias multimidiáticas de difusão pela mídia acabam contribuindo para que o anúncio chegue ao público que se interessa – por iniciativa própria – em acessar vídeos diferenciados nos espaços virtuais, recebê-los e retransmiti-los através de compartilhamentos por mensagens de e-mail, redes sociais, links, entre outros, além das mídias convencionais, como a televisão, os telões digitais instalados em espaços públicos, as salas de cinema, entre outros; Possibilidade de ser criativo utilizando poucos materiais na cenografia; Os avanços tecnológicos de hardware e software facilitaram os processos de produção e o nível de aprimoramento técnico que se pode chegar, além de causar cada vez mais o barateamento para se produzir um filme com a técnica; etc. (SANTOS; BUENO, 2010, p. 194).

Através dos pontos positivos citados pelos autores, podemos concluir que Guerra ao

Drugo escolheu a forma artística publicitária correta, dado seu potencial de

apreciação estética, narrativa que não vende um produto, mas sim um novo

discurso, e a credibilidade que a peça transfere ao espectador.

Entre alguns autores e principalmente com base na obra Compreender o cinema e

as imagens, organizado por René Gardies (2006), faremos uma “ ” do

filme publicitário Guerra ao Drugo, objeto desta pesquisa.

40

2.1 A desconstrução da animação

O filme começa com um fade in de poucos frames e com câmera em movimento.

Por meio de um plano-sequência, que se inicia de cima para baixo (pan vertical),

que mostra um grandioso vitral, e que posteriormente será identificado com a sala

do rei, na parte interna do seu palácio. Esse plano-sequência passa pelo trono real

com o rei sentado no centro do campo. Ainda no plano-sequência inicial, um efeito

animado (VFX) faz uma transição para fora da sala do rei, parte interna do palácio,

para um plano geral que enquadra todo o palácio visto por fora. Ainda no plano-

sequência, a câmera percorre num curto espaço de tempo um pequeno pedaço do

reino, mostrando um plano aberto ou plano geral da cidade, utilizando-se de uma

panorâmica (PAN). Nessa primeira passagem do filme, apenas trilha e locução

fazem parte da fonte sonora da peça.

O plano-sequência coloca especialmente em evidência duas características do filme: o sentimento de duração e a transformação interna do plano, uma vez que as posições relativas dos atores, do cenário e da câmera estão sempre a variar. A dinâmica do campo fora-de-campo, em especial, é aqui necessariamente reativada pelas entradas e saídas de campo produzidas pelo quadro móvel (GARDIES, 2006, p. 33).

Figura 2 – Vitral

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

41

Figura 3 – Rei e o trono

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 4 – Castelo plano geral

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Temos o primeiro corte, uma transição que nos leva para dentro da cidade ou reino

de Drugo. Um raccord muito bem executado e fluído. O áudio constitui-se de um

efeito sonoro (sound effects) “ v ”

filme, um plano geral, câmera em movimento panorâmico mostrando pela primeira

vez o personagem principal do filme, o dragão chamado Drugo. A câmera continua

seu movimento PAN e a narração (discurso não diegético) deixa clara a ideia que o

dragão chama-se Drugo e as pessoas em volta dele estão ali distraindo-se com a

presença do personagem. O sync da imagem e áudio locutado estão ligados

diretamente.

42

Vimos que os raccords, eram elos que permitiam atenuar os efeitos do corte entre planos ou conferir-lhes um sentido particular. Mas são também formas que marcam o ritmo das passagens entre planos e que dão ao filme a sua pontuação (GARDIES, 2006, p. 33).

Figura 5 – A cidade e o Drugo

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 6 – Drugo e a população

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Na sequência, há um corte para o próximo plano, que podemos definir como um

plano de conjunto, uma redução do plano anterior, focando dois personagens que

estavam no plano antecedente. Esse plano mantém pequenos pedaços do dragão

em campo, para que a continuidade e a narrativa fiquem de fácil cognição para o

espectador. O corte explica de forma singular a narrativa que o locutor leva para a

“ x ”,

que é retratado pela imagem narrada junto com efeitos sonoros que ligam a imagem

a “ ”. E

43

figura do dragão (que solta fogo pelas ventas), porém, no filme, nesse momento, ele

ainda está soltando fumaça em meio ao povo.

Os pontos de montagem são os momentos exatos em que os planos são cortados, ou seja, onde começam ou acabam, quando são reunidos. Estes pontos de montagem são como que pontos de equilíbrio das sequências, são eles que lhes “ ” (GARDIES, 2006, p. 33).

Figura 7 – Drugo e a população, plano de conjunto

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Entretanto o plano seguinte sofre um corte abrupto. Parte de uma transição com

frame black, sugerindo o fim do primeiro capítulo. No início do segundo capítulo,

vemos a imagem do rei novamente dentro do castelo, ambiente noir, até que o Key

Light explode sobre o personagem, ao mesmo tempo que o efeito sonoro ajuda na

narrativa da cena, quando a luz aparece um som de porta batendo pode ser ouvido.

Paralelamente, outro personagem aparece na cena. É um soldado do rei. O rei está

no centro do plano, câmera estática, e o soldado aproxima-se e cochicha no ouvido

do monarca. A câmera aproxima-se do personagem real, num zoom in de poucos

frames, o rei levanta-se e a câmera muda de ângulo, ela torna-se um contra plongée

(câmera baixa). O rei levanta sua espada e a trilha sofre uma mudança em sua

amplitude; nesse momento, saímos do marasmo que a população e o rei estão

perante o dragão e vamos para as cenas de combate contra o Drugo.

[...] substituída pouco a pouco por outra, q – ou então o aparecimento de uma imagem faz-se sob a forma de uma abertura circular que aumenta ou diminuiu ) [...] (MARTIN, 2005, p.111).

44

Figura 8 – Soldado e o rei

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 9 – Contra plongée, rei segurando a espada

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

O corte para a cena seguinte dá-se por meio de um wipe animado (transição). O

wipe facilita o entendimento de um decurso de espaço ou tempo maior do que um

simples fade. Novamente temos o uso de um plano-sequência; o cartaz que serviu

para produzir a transição das cenas está servindo de fio condutor para a narrativa de

caça ao dragão por toda a cidade. Num movimento de câmera panorâmica, temos

um plano que per “ ”

pelo reino, e soldados em primeiro plano. A trilha continua com a amplitude elevada.

A PAN segue até um novo wipe, dessa vez utilizando um elemento de cenário (uma

árvore) dentro de uma floresta densa, até que a câmera chega no personagem

Drugo. Nesse momento, temos um zoom out, com o dragão no centro da cena. A

v x “

45

adiantou. O número de pessoas interessadas em Drugo só aumentou e mesmo que

à margem do reino (a floresta), as pessoas continuavam acompanhando sua

”. Temos novamente um anticlímax na trilha, e sua amplitude diminui.

Enquanto a câmera segue afastando-se do dragão, vemos pessoas surgindo em

primeiro plano, até que a câmera para em três personagens, que simbolizam o

usuário e os seguranças do tráfico.

Figura 10 – Wipe do cartaz

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 11 – Cartaz em câmera panorâmica

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

46

Figura 12 – dragão centro da cena e zoom out

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 13 – Final da cena

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Há uma mudança brusca, e mais do que isso, o uso do wipe, se faz necessário, pois

tem a função de sintetizar uma mudança de tempo e de espaço com bastante

evidencia para o espectador; mais até do que, por exemplo, um corte seco ou um

fade. A trilha novamente sofre mudança, sua amplitude e agora a tonalidade mudam

a estética da narrativa. Há também outra mudança estética; saímos do período

medieval e chegamos numa favela muito similar com o período contemporâneo.

Essa técnica, que modifica períodos históricos distintos e cria uma anacrônica

narrativa nesse plano pode ser considerada um flash-forward (momento adiante),

algo além do tempo da narrativa por assim dizer. Como de costume em todo o filme,

temos novamente um plano-sequência e uma PAN, que percorre toda a favela,

47

mostrando elementos fora do tempo fílmico, helicópteros, balas de armamentos

modernos etc.

Figura 14 – Favela retratada

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Contudo, já no plano seguinte, o corte é feito por meio de uma fusão. A imagem da

favela é sobreposta pela imagem dos calabouços do período medieval, ou seja,

voltamos agora ao “ ” por meio de um corte rápido. A trilha

continua sua escalada, baseada no aumento da amplitude. No final do plano ela

diminui sua tonalidade e os efeitos sonoros “v v ”.

movimenta-se por meio de um tilt ou pan vertical, sequenciada por um zoom out,

que consegue transmitir a grandiosidade e o aumento das prisões na narrativa da

peça publicitária.

48

Figura 15 – Prisão e calabouços

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

A organização de um filme assenta com muita frequência (as exceções são realmente raras, incluindo no cinema experimental) numa trama temporal determinável. Significa que é necessário sugerir ao espectadora noção de um tempo que decorre, e que decorre segunda uma lógica linear, bem como a ideia de uma arquitetura geral desse tempo. [...] É na base de uma unidade de desenvolvimento temporal que se podem compreender as : “v ” “ ” no futuro, é porque aceitamos a diegese como estrutura temporal determinável e organizada. A montagem é o instrumento que permite criara estrutura ligando planos entre si linearmente e que, por vezes, permite jogar com rupturas no próprio interior do sistema (GARDIES, 2006, p. 51-52).

Nesse instante, a mudança de cena dava-se por meio de um efeito animado; ainda

com a câmera em zoom out, voltamos para dentro do reino, onde vemos o vitral

sendo reconstruído por meio de um VFX (efeito animado). O movimento zoom out

permanece até que um plano geral conduz a narrativa que acompanha a locução.

Essa conjunção audiovisual elucida o texto, pois o narrador : “

investir uma enorme parte do tesouro para formar um poderoso exército [...]”.

49

Figura 16 – Plano geral, rei e seus soldados

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

O efeito sonoro que dominava a cena até a formação de um plano geral começa a

ficar secundário, e a trilha volta sua curva em ponto alto de amplitude na cena

seguinte.

Depois de uma fusão em fade out com o uso de black frames, a câmera capta um

plano de detalhe com um leve zoom in no olho do dragão. A cena continua com o

plano em close ainda no olho do Drugo, que se abre. Em paralelo, o áudio trabalha

na evolução da curva de amplitude, corroborando a dramaticidade da cena.

Figura 17 – Olho do dragão, plano de detalhe

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Após um corte direto, temos um plano americano que consegue mostrar os

personagens em conjunto com o cenário sem perder a narrativa da cena. A trilha

50

continua trabalhando em sua escalada de volume de amplitude. Temos um corte

estilístico com o uso de elipses (takes rápidos) motivadas pelo som, que ajudam na

narrativa da peça. Primeiro plano, os soldados empunhando suas espadas; segundo

plano, uma textura que remete ao corte na carne; terceiro plano, cabeça e pescoço

do dragão cortados no chão.

A primeira função da montagem é fornecer um suplemento de sentido às imagens, cujo mero conteúdo não poderia dar esse sentido. A associação dos planos permite ligar situações, reunir ou separar elementos, articular uma determinada continuidade aquilo que, sem esta operação de montagem, seria apenas visto como isolado, O simples fato de cortar e, depois, reunir permite efeitos de sentido tanto mais ricos quanto se multiplicam e se cruzam, se correspondem à medida que o filme avança (GARDIES, 2006, p. 40).

51

Figura 18 – Soldados, textura e cabeça do dragão, corte elíptico

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Um corte direto e estamos na próxima cena. Plano médio nos soldados, foco em

suas reações. A trilha chega ao início do clímax. Mais uma vez um tilt ou pan vertical

é utilizado, porém, dessa vez, de baixo para cima. Novo corte direto e agora temos

um travelling, a câmera se afasta lentamente de cima para baixo, até o

enquadramento em plano americano do dragão. Drugo está com duas cabeças,

52

fortalecido após tentativas frustradas de sua morte pelo rei e seus soldados. O

mesmo agora começa a cuspir fogo, a trilha recebe reforço de amplitude e a

tonalidade se exacerbam; o dragão cuspindo fogo recebe por meio de um efeito

sonoro um realismo narrativo ainda mais presente.

Figura 19 – Soldados, câmera em travelling

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 20 – Drugo, plano americano

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

A dinâmica dos próximos planos trabalha novamente com elipses em conjunto com

a trilha. Novamente num plano de conjunto temos os soldados e vemos uma parte

desfocada do cenário. A cena da textura que remete ao corte de pele novamente

aparece, num corte rápido pulamos para uma cena com câmera estática, em que o

dragão animado se movimenta da direita para a esquerda, em contraponto com a

cena dos soldados que estão se movimento da esquerda para a direita. Essa

53

dinâmica mostra de forma sutil o combate entre os dois lados. A congruência dessa

passagem na montagem simboliza o combate cada vez mais acirrado na narrativa

do filme. Temos ainda o aumento do poder armamentista pelo rei, com figuras de

tanques de guerra enfileirados, também num plano de conjunto.

Após essa primeira parte do take, temos um fade ou fusão encadeada com o uso de

uma textura animada, simbolizando algo que remete ao ardor em chamas de uma

película. Esse fade ajuda a narrativa na mudança para o take seguinte. Pois existe

uma leve disparidade visual entre os planos que estão se justapondo.

Figura 21 – conjunto de elipses. Soldados, textura de corte de carne,

dragões em contraponto, tanques de guerra e fusão

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Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Continuando a saga, nesse take chegamos ao clímax do filme, toda mise- en-scène

criada nessa cena corrobora sua importância. Esse plano trabalha uma composição

perfeita entre o enquadramento, o movimento e a animação.

Temos um contra plongée do dragão na cena. Na câmera está sendo efetuado uma

movimentação do tipo dolly back, porém, com o uso da animação, temos uma

55

paralaxe de cenários, que consegue de forma contundente contar o roteiro sem

cortes. O áudio mais uma vez ajuda na narrativa, porém dessa vez além da trilha e

dos efeitos, temos o que é chamado de exagero de efeitos sonoros, que ajuda na

dramaticidade do contexto. Primorosa execução que transcende a narrativa do filme.

Figura 22 – Dragão e a paralaxe do cenário

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

A duração assenta também na força afetiva ou dramática daquilo que é filmado (há muitas diferenças entre planos do mesmo comprimento, mas que podem registrar aqui uma parede nua, ali um rosto em sofrimento, acolá uma ação violenta). Enfim, eixo e abertura do plano, quadro fixo ou em movimento, composição, luz, sombra e cor, som e muito particularmente a música, tudo o que dá sentido e intensidade a um enquadramento altera também a sua duração (GARDIES, 2006, p. 40).

Uma nova transição facilita o entendimento da narrativa para o take seguinte, pois a

fusão da imagem remete ao fogo que os personagens se aquecem no plano

seguinte. A trilha que atingiu seu ápice do take anterior reduz drasticamente sua

intensidade, amplitude e tonalidade. Os personagens num ambiente noir, logo

recebem na composição da cena o plate da cidade, acinzentada e com cores frias,

conforme a narrativa explana os fatos. A câmera movimenta-se numa panorâmica

um pouco diferente da usual, da direita para a esquerda, destacando a cidade

arrasada com o combate ao dragão.

56

Figura 23 – Transição, elementos na sombra e cidade durante a guerra

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

A câmera continua em seu movimento panorâmico, e num plano geral de uma praça

em que conseguimos visualizar um coreto. Uma fusão rápida desvanece a cena

anterior, e agora vemos o coreto com figuras simbólicas da cultura e política mundial

em um plano de conjunto. Há uma mudança clara na trilha, que suaviza o momento

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atual do filme, podemos chamá-lo de hit point, ou seja, um ponto de transição entre

momentos musicais diferentes.

Figura 24 – Líderes, plano de conjunto

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

A narrativa agora foca no discurso de descriminalização das drogas. Após um fade

em black frame, novamente temos uma PAN com movimento da direita para a

esquerda. Um key light simbolizando o sol, ajuda na composição da cena, e vemos a

população empunhando armas. Esse take utiliza-se de um plano-sequência para dar

a dramaticidade desejada. A câmera panorâmica afasta-se levemente com um zoom

out, e temos um plano de conjunto, composto por parte da população e os pescoços

do dragão.

Figura 25 – key light, plano de conjunto

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

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Corte direto e temos na cena uma câmera subjetiva com os olhos do dragão seguido

por um leve zoom in, simbolizando o movimento de aproximação da cabeça de

Drugo. Outro corte direto e a câmera volta para o enquadramento de plano de

conjunto. Mais um corte direto e temos uma composição entre movimento de

câmera e efeito de animação, um tilt de cima para baixo ajuda a narrativa a explicar

a redução do tamanho do dragão; no final da cena, em plano geral, está o dragão no

centro da tela. Interessante ressaltar a sobreposição da trilha em todas as cenas

descritas nesse parágrafo, ajudando a impor a passagem temporal.

Figura 26 – Sequência de cortes diretos, subjetiva do dragão,

plano de conjunto, tilt cam e dragão no centro do plano

59

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

É o final da narrativa. Após uma fusão em black frame, os dois planos seguintes

seguem a narrativa do roteiro; no primeiro plano, um leve zoom in e um plano de

conjunto ajudam a contar o enredo, fusão encadeada para o segundo quadro e

temos um plano americano na composição entre personagens e cenário. Outra

fusão encadeada e finalmente chegamos na cena final da propaganda. Agora um

movimento de tilt de baixo para cima ajuda a observação do espectador acerca da

60

reconstrução da cidade destruída pela guerra ao Drugo. A câmera passa pela cidade

em um plano-sequência com o uso, novamente, de uma paralaxe para dar amplitude

nos elementos que compõem a cena, até que o movimento se estabiliza num plano

geral, em que vemos o dragão, uma placa de perigo e um pedaço do cenário. Por

fim, uma nova fusão, em black frame, a trilha ainda sobreposta às cenas, surge o

logo e o site da ONG. É o fim da peça publicitária e o começo do debate.

Figura 27 – Plano de conjunto

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 28 – Plano americano

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

61

Figura 29 – Tilt cam, de baixo para cima

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 30 – Cena final

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

Figura 31 – Logo e assinatura

Fonte: Guerra ao Drugo, 2014.

62

2.2 A construção da animação

Na publicidade, assim como em outros produtos do mundo audiovisual, a produção

de um vídeo deve seguir regras de construção e estruturação que vão contribuir

para o seu sucesso ou fracasso. Guerra ao Drugo, por se tratar de filme de

publicidade, deveria seguir alguns preceitos básicos de campanhas publicitárias, tais

como: ter síntese, apelo emocional, seduzir e trabalhar com o imaginário humano.

Pensando nisso, planejar o filme utilizando elementos da animação na valoração e

uma potencial diferenciação na estratégia narrativa de um filme cujo discurso é um

tabu para a sociedade se fez necessário.

Entretanto, não basta ser criativo, a construção de uma peça audiovisual desse

porte se dá com muito trabalho e organização. Semanas de preparação, noites em

claro, meses de agonia e superação do corpo e mente. Criar o cenário dos sonhos,

gerar desejo e aguçar o imaginário requerem muito profissionalismo e amor pela

produção audiovisual animada.

A pergunta que se deve fazer é: como construir um filme que convença o

espectador, torne-o inesquecível, mágico e sedutor?

Na procura da solução mais eficaz em impacto e persuasão o conceito criativo serve como plataforma para a construção da mensagem publicitária, com o apoio de imagens, elementos gráficos e linguagem verbal que dão corpo a uma ideia, produto ou serviço. As mensagens publicitárias dirigem- se, “ ” ê as culturais que retiram dos anúncios e que, em simultâneo, ajudam a criar e a dar significado aos mesmos. (PINTO, 1997, p. 30; 33).

Com essa questão na cabeça, Guerra ao Drugo começa a ter sua concepção

moldada com base na criação de um personagem animado, um dragão,

personagem fabular, que dá sentido à construção do roteiro e à ação dramática do

vídeo. Contudo, o primeiro passo na construção de um filme publicitário é a busca

por um diretor de cena, pois ele que fará um roteiro escrito se tornar um produto

audiovisual. Na publicidade, uma grande ideia deve se tornar algo memorável, e o

papel do diretor de cena é justamente ser o transformador visual.

63

Para Tiago Barreto, em sua obra Manual de produção de comercias: Luz, câmera,

criação (2016) “[...] se uma história não consegue ser bem pensada, bem escrita e

bem v ”. (p. 17).

Guerra ao Drugo, obrigatoriamente, passou por todas as etapas de realização

circunstanciais, para que o seu resultado fosse comprovadamente qualificado no fim

da produção e se tornasse satisfatório. Marcello Serpa foi procurado pela Comissão

Global de Política sobre Drogas, presidida à época pelo ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso, que solicitou a criação de algum conteúdo audiovisual que

explicasse com ênfase o fracasso da guerra contra as drogas. Depois de algumas

reuniões e coletas do briefing de criação (relatório com informações primordiais para

a criação da campanha publicitária), Marcelo concluiu que o caminho narrativo do

curta animado fosse construído sobre a mudança do discurso do medo e violência,

buscando algo lúdico para amenizar o discurso atual, que é um tabu enraizado na

sociedade. Nesse momento, o diretor de arte, buscando em seu referencial,

lembrou-se da Hidra de Lerna, um dos doze trabalhos de Hércules, nos contos

mitológicos; cada cabeça que Hércules arrancava da Hidra regenerava em dobro.

Ou seja, a violência e a força da espada só aumentavam o tamanho da ameaça.

Com essa sinopse, ele partiu para a construção do roteiro, cuja função é nortear a

ação dramática por meio de uma ação textual, direcionando todos os profissionais

envolvidos e criando um guia para o produto audiovisual. O roteiro do filme Guerra

ao Drugo está no Anexo A desta pesquisa.

Após esse primeiro passo criativo, Marcello Serpa foi em busca de uma produtora e,

mais precisamente, de um diretor que pudesse transformar aquele roteiro em algo

mágico. Buscar a Vetorzero e o diretor Gabriel Nóbrega, para Marcello, foi uma

consequência lógica. A Vetorzero é considerada uma das principais produtoras do

mundo quando o assunto é animação, e o diretor de cena em questão um dos mais

premiados de animação publicitária do Brasil. Após algumas reuniões e ajustes de

ideias, Marcello e o Gabriel produziram o storyboard (elemento visual que ajuda na

roteirização e visualização do filme). O storyboard de Guerra ao Drugo está no

Anexo B desta pesquisa.

64

Assim como foi fácil para Marcello Serpa pensar em Gabriel Nóbrega como nome

ideal para a produção da peça, para Gabriel, foi fácil pensar a ideia, narrativa e

produção do filme, usando a técnica do stop motion, elemento-chave para o sucesso

da obra. O diretor de cena avaliou que por se tratar da técnica mais antiga de

animação conhecida pelo homem, e pelo roteiro do filme criar uma analogia do

medieval com os dias atuais, o stop motion traduziria de forma coesa esses dois

períodos históricos na narrativa.

Trazer elementos fantasiosos e lúdicos depende de uma linguagem que permita que

a realidade seja transformada, fazer do impossível algo possível. Nesse contexto, a

utilização da animação é fator primordial para o sucesso de uma ideia como desse

curta animado.

O uso da animação tornou se popular como formato criativo na comunicação publicitária audiovisual. O envolvimento da animação oferece uma nova expressividade e uma outra dimensão narrativa e visual ao contexto publicitário. O potencial das diversas técnicas da animação transforma e rejuvenesce produtos e marcas em mensagens que frequentemente ultrapassam em imaginação os spots de ação real. (WELLS, 1998, p. 249).

Nesse momento, começa o que na produção de conteúdo audiovisual publicitário se

chama pré-produção. Todo grande projeto precisa de uma boa preparação; toda

parte organizacional do projeto deve ser pensanda nesse momento: reuniões entre a

produtora de vídeo e de áudio com a agência, produção de cronograma, plano de

filmagem, resolução de questões legais, criação de equipe, cenografia, figurino dos

personagens, pesquisa de referências, ou seja, tudo que é necessário para a

produção da obra sair perfeita.

Após uma exaustiva pré-produção, com todas as precauções e resoluções tomadas,

partiu-se para o segundo passo, a produção do filme. Nesse momento, não pode

existir mais falhas nem dúvidas, tudo deve andar de forma padronizada e harmônica

para o bom ambiente do trabalho e a administração de crises ser feita de forma

menos cansativa possível. Dentro do mundo publicitário, nada é mais importante que

a peça audiovisual, por mais criativos que sejam as mídias offline. Para a agência e

o cliente, o filme é a cereja do bolo, talvez por ser o item mais caro e mais complexo

de se produzir dentro de um plano de comunicação. Houve aproximadamente

65

sessenta profissionais envolvidos direta e indiretamente na produção, entre eles,

equipe de filmagem, fotógrafo, animadores, finalizador, diretor, todos embalados

numa valsa fotográfica de 24 horas por dia. Tirava-se uma foto, movimentava o

boneco, tirava outra foto e assim gradativamente o curta animado ia tomando vida.

30 mil fotos depois e um processo que durou aproximadamente sete meses apenas

para as fotografias e filmagem, chegava ao fim a produção do nosso filme.

Entretanto, ainda faltavam os acabamentos necessários para que o vídeo se torne

um produto audiovisual. Depois de receber mais de três terabytes de material bruto,

ou seja, tudo que foi filmado e fotografado, começa a parte do aumento da

velocidade ou sprint final. Edição, correção de cor, produção do áudio final são

alguns itens que entram na linha de chegada. Escolha dos melhores movimentos

dos personagens, dos melhores takes e fotos, a entrada dos músicos em estúdio e a

produção dos efeitos digitais tanto para o vídeo, quanto para o áudio são realizados

nesse momento, o último ato.

Em Guerra ao Drugo, além de todo o trabalho produzido com o stop motion, o uso

de computação gráfica na produção de alguns efeitos visuais foi exaustivamente

testado, composto e produzido.

A estrutura de técnicas de animação aos comerciais foi mais um passo para possibilitar qualquer tipo de produção ou ideia. Cenários absolutamente fantásticos, personagens surreais, ângulo de câmera impensáveis alguns anos atrás. A linguagem cinematográfica deu um largo passo para se tornar ainda mais sedutora. E as mensagens dos anunciantes ganharam mais um aliado na busca de comerciais memoráveis. Hoje até a entrada em quadro de um simples logotipo pode, e deve, ser algo marcante. (BARRETO, 2016, p. 178).

Não obstante, é importante ressaltar o trabalho da produtora de áudio no processo

do filme, parceria em todos os momentos em sintonia com a qualidade indiscutível

na criação de um clima sonoro que ajudou na dramatização e na construção desse

discurso contemporâneo sobre a descriminalização das drogas chamado Guerra ao

Drugo.

66

3 YOUTUBE & GUERRA AO DRUGO

De acordo com os números de visualizações no site YouTube, Guerra ao Drugo

estatisticamente contava, no dia 6 de abril de 2017, com exatas 81.512

visualizações em sua página.

Figura 32 – Guerra ao Drugo no YouTube

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

Abaixo, algumas estatísticas sobre visualizações e engajamento do filme com base

nas análises do próprio site YouTube:

Figura 33 – Número de visualização e acumulativo dos últimos meses

67

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

Figura 34 – Número de visualização e acumulativo dos últimos meses por gráfico diário

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

68

Figura 35 – Número de compartilhamentos acumulado dos últimos meses

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

Figura 36 – Número de compartilhamentos acumulado dos últimos meses por gráfico diário

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

69

Figura 37 – Tempo médio de minutos assistido do vídeo por período

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

Figura 38 – Tempo médio de minutos assistido do vídeo por dia

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

70

Figura 39 – Número de indicações do vídeo por período

Fonte: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE> - Acesso em: 6 abr. 2017.

Figura 40 – Número de indicações do vídeo por dia

Disponível em: <https://youtu.be/kfaGh42xZwE>. Acesso em: 6 abr. 2017.

Percebemos, por meio dessa análise, a diminuição da visualização do curta animado

nos últimos meses. Temos uma maior visibilidade entre junho de 2015 e janeiro de

2016, período que culmina na vitória do filme no festival de publicidade de Cannes.

Posteriormente, o filme sofre uma redução de visualização em todos os aspectos

aqui analisados.

71

3.1 A mídia YouTube

O YouTube, com base nas informações cedidas pelo site, foi lançado em maio de

2005 para que bilhões de pessoas possam descobrir, assistir e compartilhar os

vídeos mais originais já criados. O YouTube oferece um fórum para as pessoas

conectarem-se, informarem-se e inspirarem umas às outras por todo o mundo, bem

como atua como plataforma de distribuição para criadores de conteúdo original e

anunciantes grandes e pequenos.

a) O YouTube tem mais de um bilhão de usuários, quase um terço dos

usuários da Internet e, a cada dia, as pessoas assistem a milhões de horas de

vídeos no YouTube e geram bilhões de visualizações;

b) o YouTube, e até mesmo o YouTube para dispositivos móveis, atinge mais

adultos de 18 a 49 anos que qualquer rede a cabo nos EUA;

c) mais da metade das visualizações do YouTube são feitas em dispositivos

móveis;

d) o YouTube lançou versões locais em mais de 88 países;

e) você pode navegar no YouTube em até 76 idiomas diferentes (o que

abrange 95% dos usuários da Internet);

f) o número de canais que recebem seis dígitos por ano pelo YouTube cresce

50% ao ano;

g) a equipe do YouTube Space ajuda os criadores de conteúdo por meio de

programas e oficinas estratégicas administrados nas instalações de produção

do YouTube Space em Los Angeles, Nova York, Londres, Tóquio, São Paulo

e Berlim;

h) desde março de 2015, os criadores de conteúdo que filmaram nos

YouTube Space produziram mais de 10.000 vídeos, gerando 1 bilhão de

visualizações e mais de 70 milhões de horas de exibição;

i) desde julho de 2014, o YouTube já pagou US$ 2 bilhões para os titulares de

direitos que optaram por gerar receitas com reivindicações desde que o

Content ID foi lançado em 2007;

j) desde julho de 2015, há mais de 8.000 parceiros usando o Content ID,

incluindo muitas emissoras de TV, estúdios de cinema e gravadoras

importantes, que reivindicaram mais de 400 milhões de vídeos, o que os

72

ajuda a controlar os conteúdos no YouTube e gerar receita a partir de vídeos

com direitos autorais.10

Já se tornou “ ” v . T

torna uma prática básica citar o YouTube como um fenômeno midiático de cultura

participativa. Basta acessar o site para se ter a prova de que o mesmo é hoje uma

janela de infinitas possibilidades do audiovisual.

De um simples deposito de vídeos, para um espaço em que os internautas se

comunicam, a evolução desde 2005 foi rápida e intensa. Não obstante, vale a pena

indagar o grande sucesso da plataforma. Se o YouTube fosse uma simples

plataforma de repositório de material audiovisual, provavelmente sua potencialização

na web ficaria estagnada, de acordo com os autores do livro YouTube e a revolução

digital. O site só virou o fenômeno que é pela sua capacidade participativa. Podemos

também analisar que na cultura atual, que podemos chamar de cultura da conexão,

assim como Jenkins (2009), receber informação sem uma participação efetiva do

espectador, deixou de ser interessante há muito tempo.

Percebe-se ainda que o sucesso da plataforma é a junção bem feita entre o

comercial (business) e a participação do sujeito comum. Os grandes veículos,

publicidade, jornalismo e conglomerados de entretenimento navegam na mesma

v “ ”

armazenam seu cotidiano, suas manifestações e seus anseios na grande rede,

colocando muitas vezes lado a lado celebridades e pessoas comuns no mesmo

patamar de projeção.

No início, o site trazia o slogan Your Digital Vídeo Repository (Seu repositório de Vídeos Digitais), uma declaração que, de alguma maneira, vai de encontro à exortação atual, e já consagrada, Broadcast yourself (algo como Transmitir-se). Essa mudança de conceito do site – de um recurso de armazenamento pessoal de conteúdo em vídeo para uma plataforma destinada à expressão pessoal – coloca o YouTube no contexto das noções de uma revolução liderada por usuários e caracteriza a retórica em torno da “W 2.0” GROSSMAN, 2006 apud BURGESS; GREEN, 2009, p. 20-21).

10

Disponível em: <goo.gl/gHMClo>. Acesso em: 12 set. 2016.

73

Por isso, “[...] para o YouTube, a cultura participativa não é somente um artifício ou

um adereço secundário; é sem dúvida, seu principal negócio”. (BURGESS; GREEN,

2009, p. 23).

Outra arma importante que o YouTube oferece e serve para potencializar ainda mais

a ferramenta é a conexão que o site possibilita a outros meios de

comunicação/divulgação, aumentando ainda mais o leque de opções para uma

maior visibilidade do material inserido em sua plataforma.

Para Burgess e Green (2009), o compartilhamento de vídeos, em certo ponto, ajuda

a subverter valores culturais. Para eles, o agente social que produz material e

consegue mostrar suas opiniões em um canal como o YouTube está também

lutando contra o conceito cultural vigente. “A criação e o compartilhamento de vídeos

atuam do ponto de vista cultural como um meio de estabelecer redes sociais em

oposição ao modo de ‘produção’ cultural” (p. 47).

O site serve para debates públicos acerca dessa outra mídia, web, e tudo que

concerne o virtual, “ e na

sociedade, particularmente em relação aos jovens” BURGESS; GREE 2009, p.

35).

Os autores revelam sua preocupação em relação ao futuro do YouTube e seu

crescimento. Existem várias plataformas concorrentes, algumas similares como é o

caso do Vimeo (vimeo.com) e outros aplicativos que utilizam o audiovisual como

ferramenta de cultura participativa (Instagram, Snapchat etc.). Existem ainda

algumas plataformas que se autointi “ YouTube ”, como, por

exemplo o TeacherTube, um portal para educadores com layout similar ao YouTube.

Os autores ainda comentam que o YouTube passa por uma grande pressão para

instituir regras sociais e gerenciais para que o público e anunciadores consigam

conviver de forma harmoniosa.

Um dos maiores problemas para o futuro do YouTube é seu crescimento sustentável. Um desafio essencial será encontrar um equilíbrio entre a popularização de massa (coisa que o YouTube já conseguiu, pelo menos até agora), inovação e sustentabilidade (que requer investimentos de longo

74

prazo e uma comunidade estável e socialmente funcional) (BURGESS; GREEN, 2009, p. 140).

Contudo, os autores ainda revelam um dado curioso que interessa diretamente ao

cerne da questão de divulgação da peça na plataforma em debate, eles afirmam que

“[...] embora plataformas comerciais como o YouTube tenham popularizado o

conteúdo criado por usuários, esse material tornou-se rapidamente um recurso de

atividades de instituições sem fins lucrativos [...]” BURGESS; GREE 2009, p.141).

Ou seja, podemos partir dessa pressuposição que o YouTube é a mídia ideal para

que o Dragão fique famoso em todo mundo virtual?

Para Burgess e Green (2009), o futuro de plataformas cujo o foco é a cultura

participativa não está sob controle de nenhum grupo de interesses. Nem de grandes

empresas, nem de cidadãos comuns. Ela é cocriada dia após dia, por diversos tipos

de “pensadores ”, sejam os profissionais de publicidade e marketing,

Youtubers . E “ ”

depende da gama de fatores de uma relação bem-sucedida com essa cultura

participativa digital (p.14). Porém, com base nessa pesquisa, entendemos que no

presente, quando produtores de marca resolvem utilizar a plataforma como meio de

informação, ela se torna uma mídia de massa padronizada como todas as outras

que existiram ou ainda existem no mundo.

3.2 “Narrativas privadas” e “narrativas civis” no YouTube

Uma das constatações imediatas, quando se pensa em YouTube como mídia, é a

sua capacidade de ampliar comportamentos culturais e comportamentais para além

do espaço em que foram produzidos. Essa capacidade de ampliar dimensões

significativas dos produtos postos em circulação tornou possível diferentes fricções

culturais, ou seja, interpenetrações de distintas formas expressivas. Em um primeiro

momento, podemos dizer que o uso das drogas em diferentes culturas se dá a partir

dos seus modelos particulares de sociabilidade. O que as mídias de alguma forma

fizeram foi tornar disponível para outras variantes culturais esses modelos; o ponto

seguinte, com o YouTube, foi a particularização de diferentes sociabilidades todas

elas colocadas, ou mergulhadas, em uma mesma razão histórica, a midiática.

75

Quando o uso de substâncias que alteram o estado de consciência passa a ser

tratado “ ” De que maneira por meio de uma construção de narrativas,

como Guerra ao Drugo, torna-se importante problematizar, a partir da fabulação, a

ideologia das drogas? O certo é que o problema que a animação carrega atravessa

diferentes fases de socialização das drogas: mesmo que em um primeiro momento

/ x “ Cannabis sativa,

tendo chegado ao Brasil colonial, foi adotada tanto em sua consumação mágico-

religiosa, como lúdico- ”. C V LC TI 2005 . 511). C “

modalidades sagradas da utilização de Cannabis no Brasil foram desaparecendo do

horizonte de visibilidade social. E este fato não deve ser esquecido quando

”. (CAVALCANTI, 2005, p. 513). Por isso,

podemos falar, de certo modo, do conflito entre percepções sociais da função/uso

das drogas hoje. Quando “ ”

mídia com diferentes intensidades, já o faz a partir da etiqueta de ilegalidade. Dessa

forma, a palavra droga adquire essa conotação negativa no espaço da sociabilidade.

O que a animação Guerra ao Drugo procura fazer seria justamente refletir sobre o

que esse estado de negatividade gerou em termos sociais. Na medida em que uma

civilização racionalmente tecnológica se coloca em contradição com o que, na

1960 x “

movimento hippie [...] que experimentava o LSD, a mescalina e a maconha,

exaltando estas experiências nas suas expressões estéticas”. (LANGDON, 2005, p.

14).

O que a Internet permitiu de imediato foi a construção de um tempo individual no

coletivo. Toda cultura midiática nasce a partir de uma percepção coletiva como

elemento primordial. O que a Internet traz inicialmente é uma inversão de

paradigma: em vez de partimos do coletivo para o individual, agora partimos do

individual para o coletivo. E, por certo, o YouTube sedimenta essa outra

sociabilidade na cultura midiática. Esse tempo individual no coletivo carrega em si

certas regras que agora dependem diretamente de uma temporalidade informacional

. v “

transnacionalmente”.

76

Jenkins, Green e Ford (2014) afirmam, em sua obra Cultura da conexão, que a

cultura em plataformas de propagação cultural audiovisual depende de um

referencial de mídia de massa para uma resposta mais positiva na propagação de

um conteúdo com grande potencial de sucesso nas redes computadorizadas.

Ainda para os mesmos autores, a mistura cultural, ou o pensar

“transnacionalmente”, unida à cultura do efêmero que permeia a sociedade

contemporânea são fatores relevantes no conceito simplista dos vídeos “viralizados”

ou sucessos do YouTube por assim dizer.

” ” que as pessoas acreditam ter conquistado na

cultura digital – a tal “propagabilidade” de informação –, isso por si só não significa

“[...] final do papel da mídia de massa como talvez a força mais poderosa em

v v ”. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 315).

O próprio criador do filme deixa isso evidente em uma de suas respostas aos meus

questionamentos sobre a escolha da mídia de divulgação da peça. Para o diretor de

criação do curta, Marcello Serpa, o YouTube é um excelente canal de divulgação,

mas, diferentemente do que se imagina, não é simplesmente um canal de mídia

social. Ele afirma que toda comunicação de sucesso usando o canal tem que ser

sustentada por verba de mídia, só assim um filme aparece nas pesquisas feitas no

Google, nos favoritos do dia e da semana do YouTube, gerando muitos mais views

que um filme isolado.

Em situações como a do Guerra ao Drugo, fica a impressão de que sem um

orçamento substancioso para gerar uma difusão de massa com o vídeo, não há, por

parte das pessoas, o desejo da propagação do filme, que é um pressuposto básico

da cibercultura.

Na cultura de massa, a força individual estava no coletivo, na cultura da Internet a

força do coletivo está na individualidade. Dessa forma, o processo de escolha da

mídia na qual a animação seria divulgada levava em conta em primeiro lugar essa

v “ ” -política que

Guerra ao Drugo trazia como elemento básico de reflexão. A pergunta que se pode

77

fazer de imediato é se o tempo de construção narrativa do curta está em acordo com

o tempo da mídia escolhida, o YouTube. Se o efeito narrativo pertence a essa mídia.

Talvez seja possível dizer que muitos dos aspectos negativos já façam parte da

própria maneira como Guerra ao Drugo se apresenta no YouTube: demasiadamente

rebuscada, atravessada de centenas de detalhes, exige um nível de atenção acima

dos outros produtos presentes nessa mídia, a um excesso no uso de cores e, talvez,

o mais grave, não se dirige diretamente àquele que está assistindo.

A Viacom afirma que os primeiros sucessos do YouTube se deveram ao valor de seus direitos autores – afinal seus vídeos mais populares haviam sido produzidos por grandes empresas de mídia - , o que lançou o site como um lugar em que a atenção em massa torna o conteúdo valioso. Entretanto, muitas estrelas caseiras do YouTube desenvolvem negócios viáveis pela alavancagem da interação com seu público de nicho, e não simplesmente pela distribuição de matéria para consumo de massa. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 127).

Por isso, muito da essência fabular que serve de base para as determinações de um

inconsciente coletivo não faça sentido em um produto veiculado no YouTube.

Talvez, muito daquilo que Christopher Vogler defina como arquétipo tenha se

desarticulado na escolha do YouTube como mídia.

Ao descrever tipos, símbolos e relacionamentos de personagem, o psicólogo suíço Carl G. Jung empregou o termo arquétipo para designar padrões antigos de personalidade que são uma herança compartilhada da raça humana. (VOGLER, 2015, p. 61).

É de se perguntar até que ponto a relação entre arquétipo e fábula em uma cultura

da participação direta caracterizada pelo YouTube encontra alguma ressonância em

termos de seus efeitos discursivos. O efeito coletivo-individual dos arquétipos por

meio das fábulas parece não encontrar eco na construção individual coletivo-

modelada pelo YouTube.

Mesmo que muitas das estratégias relacionadas aos arquétipos tendam a ganhar

uma dimensão expressiva quando pensadas, em termos de uma cultura da mídia,

como fábulas cujo percurso expressivo vai do coletivo ao individual, podemos ainda

dizer que os arquétipos não têm o mesmo efeito em uma mídia que pede logo de

início o gesto individual para fazer parte da experiência coletiva, ou seja, para

78

transformar uma narrativa privada (ou aparentemente privada) em uma narrativa

civil.

3.3 Guerra ao Drugo no YouTube

Diferentemente do pensamento democrático e colaborativo que os autores do livro

YouTube e a revolução digital defendem em vários pontos da obra, Guerra ao Drugo

aponta para uma direção dicotômica sobre esse pensamento. Para Burgess e

Green, o YouTube representa claramente uma ruptura com os modelos de negócios

da mídia que existiam por décadas, e aparece como um novo ambiente do poder

midiático. Porém o que se compreendeu nessa pesquisa foge um pouco dessa visão

positiva defendida pelos autores supracitados. Talvez se pensarmos que antes da

expansão da Internet e, consequentemente, a criação e o sucesso do YouTube a

mídia de massa era administrada de forma hegemônica por conglomerados

comerciais televisivos que, após o ano de 2005, tiveram que rever o modelo

midiático que a TV implantou por décadas, pois agora o YouTube atingira

diretamente o modelo de negócio da TV, talvez nesse recorte do tempo, esse

pensamento tivesse algum sentido.

Porém, ficou claro que com o passar dos anos esse modelo tido como democrático

do YouTube passou a ser olhado de forma mais estratégica e comercial por vários

elementos que trabalham com comunicação, marketing, mercado digital, entre

outros. Jenkins, Green e Ford (2014) conceituam a palavra “propagabilidade”

referindo-a uma força técnica e cultural que as pessoas compartilhem conteúdos por

motivos próprios. Não obstante, conceituar a mídia propagada de forma espontânea

com esse nome ajuda a entender outro conceito que se desenvolveu nos meios

midiáticos on-line, “ ê ” termo cunhado e popularizado pelo discurso de

marketing. A terminologia “aderência” foi criada e conceituada para medir o sucesso

no comércio digital “ ê ”

necessidade de criar um conteúdo que atraia a atenção da audiência e que a

envolva. Com a construção dos modelos de negócio no ambiente on-line, sua

construção refere-se à centralização da audiência num local on-line específico para

gerar renda com anúncios ou vendas, ou seja, quanto mais visualizações, ou

79

impressões, vídeo tiver maior sua aderência e, consequentemente, mais valiosa é a

mercadoria (p. 26-27).

Todavia, essa ideia de mensuração acabou definindo o modo operacional de análise

sobre qual conteúdo on-line é mais popular, seja em websites com mote corporativo,

ou em websites de empresas sem fins lucrativos, em ambos se contabiliza seu

sucesso com a aderência alcançada.

A aderência capitaliza as maneiras mais fáceis que as empresas encontraram de

conduzir negócios on-line, em vez de capitalizar as maneiras como o público quer

experimentar o material on-line e de fato faz isso (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).

Com essa explicação, Jenkins, Green e Ford (2014) justificam que é um exagero

“ ê ” . Em paralelo,

eles fazem uma análise sobre a propagabilidade como uma alternativa ideal de

mensuração como modo operacional satisfatório. Para isso, eles montaram alguns

tópicos de análise entre os dois termos.

O primeiro tópico diz respeito às migrações de indivíduos versus fluxo de ideias.

Basicamente, eles constatam que, por se tratar de um modelo que é construído no

número de views ou impressões, o modelo de aderência concentra-se na contagem

de membros isolados da audiência, diferentemente da propagabilidade, que busca

nas conexões entre os indivíduos e o fator preponderante para uma análise mais

completa. O segundo tópico aborda a dicotomia entre o material centralizado e o

material disperso. Aqui, os autores falam de táticas que podemos definir como

sorrateiras. Um exemplo citado é o de sites que desativam o botão voltar, prendendo

o usuário num calabouço virtual. Já a propagabilidade ressalta a produção de

conteúdo em formatos de fácil compartilhamento, por exemplo, as inserções de

autoplay, que o YouTube oferece. A experiência unificada acaba centralizando,

limitando e controlando as pessoas dentro de um site. Em paralelo, quando falamos

em experiências diversificadas, o foco dessa ideia é permitir que vários públicos

possam personalizar e espalhar os conteúdos por diferentes motivos, convidando

outras pessoas a moldar o contexto do material conforme compartilham.

Interatividade pré-estruturada, aquela engessada, mas que mantém o interesse do

80

público, atrair e reter a atenção, canais escassos, marketing de força de venda para

indivíduos e papéis separados são outras características intrínsecas da estratégia

criada pelo modelo de aderência que no fundo serve única exclusivamente para

fazer uma análise quantitativa, deixando claro para toda a comunidade virtual quem

é o produtor, o marqueteiro e a audiência. Quando falamos de propagabilidade, os

papéis se misturam e perdem sua distinção (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).

Quando falamos do número de impressões ou views do curta animado objeto desta

dissertação, estamos justamente mensurando o seu resultado com base nos

conceitos de aderência, que, de certo modo, se baseiam apenas em estratégias de

marketing e quantidade. Porém, para Jenkins, Green e Ford (2014), o paradigma da

propagabilidade supõe que qualquer coisa que valha a pena ser vista circulará por

meio de todos os possíveis canais existentes, com o potencial de movimentar a

audiência de uma percepção periférica do conteúdo para um engajamento ativo.

Corroborando o parágrafo anterior, mesmo com um número relativamente pequeno

de clicks do vídeo na plataforma YouTube, Marcello Serpa acredita que o filme

conseguiu um resultado positivo, levando em consideração que o curta animado foi

colocado no canal da Comissão Global de Políticas sobre Drogas no YouTube sem

qualquer apoio de verba. Para ele, os 80 mil views não contam as inúmeras

traduções e aparições em blogs do mundo inteiro, as páginas de Facebook e a

audiência de faculdades, seminários, debates parlamentares em diversos países do

mundo. A ação de divulgação para os passageiros que assistiram ao filme no inflight

service dos vôos da companhia aérea Virgin. O filme ainda foi exibido durante um

debate sobre política de drogas no Senado Federal, em Brasília, em 2015.

Se analisarmos essa conclusão do Marcello Serpa, contextualizado dentro da teoria

da propagabilidade, o curta animado Guerra ao Drugo pode ser considerado um

projeto que obteve um sucesso on-line maior do que os números apontam.

Para Jenkins, Green e Ford (2014), o ideal é que a propagabilidade caminhe ao lado

da aderência. Eles usam como exemplo o vídeo da cantora Susan Boyle, que foi

visto no canal oficial no YouTube do programa com mais 77 milhões de

81

impressões11. Para os autores, a mistura entre os dois elementos, construindo um

conteúdo produzido em nível profissional e editado para aumentar o impacto

emocional no espectador, foi sem dúvida a chave do sucesso. Junte-se a isso as

reações reais dos participantes do programa, e a receita do sucesso está pronta

para ser popularizada pela circulação promovida de forma autentica pelos

indivíduos.

Marcello Serpa, diretor de arte do filme, foi claro ao dizer o motivo que levou a

escolher a mídia YouTube como única mídia disponível para divulgação do filme.

Não havia alternativa midiática no momento além do YouTube. O fator financeiro foi

preponderante para isso. Portanto, por mais que acreditemos que no quesito

propagabilidade Guerra ao Drugo tenha conseguido algum sucesso em sua jornada

digital, quando falamos da teoria de aderência e analisamos o vídeo em questão,

fica claro que a falta de recursos financeiros pesou contra um melhor resultado.

Ainda para Jenkins, Green e Ford (2014), na cultura conectada em rede, não é fácil

identificar o que leva as pessoas a propagar informações. As pessoas levam em

conta uma série de decisões quando decidem difundir algum texto na mídia. Nesse

sentido, essas pessoas consideram algumas questões: vale a pena se engajar

nesse conteúdo? Vale a pena compartilhar? Comunica algo sobre mim ou sobre

meu relacionamento com esse conteúdo? Porém, para os autores de Cultura da

conexão, quando uma pessoa vê conteúdos compartilhados, ela pensa não apenas

– e muitas vezes nem principalmente – no que os produtores podem ter desejado

dizer com aquele material, mas no que estava tentando lhe comunicar.

Outro fato “ ” Guerra ao Drugo obteve, se

pensarmos em propagabilidade somado a aderência, foi a baixa circulação

promovida pelos indivíduos. Aqui entram vários fatores já analisados nesta

dissertação, incluindo o discurso e o nível de rebuscamento da produção do filme

em questão. Quando um espectador se depara com o curta animado Guerra ao

Drugo e faz perguntas como as que Jenkins, Green e Ford (2014) atribuíram às

decisões individuais de ampliação e divulgação do conteúdo, algumas dúvidas

11

Disponível em: <goo.gl/sajOXm>. Acesso em: 18 jul. 2016.

82

podem surgir, como: vale a pena se engajar com a causa de descriminalização das

drogas? Comunica algo sobre mim, divulgar um filme que é a favor da liberação das

drogas?

Entretanto, se voltarmos ao exemplo do vídeo de Susan Boyle, podemos afirmar, de

acordo com Jenkins, Green e Ford (2014),

“[...] que mesmo em conteúdos destinados a circular em mercados limitados ou agendados para uma rápida distribuição global, pode conquistar, uma visibilidade muito maior que em qualquer momento anterior, graças à ativa circulação de vários agentes autenticamente populares” (p. 39).

Para Marcello Serpa, o Youtube é um excelente canal de divulgação. Mas,

diferentementte do que se imagina, não é simplesmente um canal de mídia social.

Toda comunicação de sucesso usando o canal tem que ser sustentada por verba de

mídia. Só assim um filme aparece nas pesquisas feitas no Google, nos favoritos do

dia, da semana do Youtube. Só assim se geram muitos mais views que um filme

isolado.

Mais uma vez, Marcello Serpa corrobora a análise feita neste capítulo,

propagabilidade sem aderência não gera viralização.

A expressão marketing viral, começou a ser popularizada em relação ao Hotmail em 1995, depois que os criadores deste serviço usaram tais palavras para explicar por que seu serviço conquistou milhões de usuários em poucos meses (JUVERTSON; DRAPER, 1997 apud JENKINS; GREEN; FORD, 2014). Embaixo de cada e-mail enviado, aparecia uma mensagem k : “G -mail grátis na web usando o ”. xpressão descreveu bem o processo. As pessoas se comunicaram e – enquanto isso – passaram adiante uma mensagem de marketing sem, muitas vezes, se dar conta de que isso tinha acontecido. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 45).

Para Luis Mauro Sá Martino (2015), os virais têm características específicas como

fator de sucesso em sua reprodução. A alta carga emocional, posicionamento do

público e o prestígio seriam características inerentes ao conteúdo viral. Ele ainda

afirma que essas características são indispensáveis para que o impacto da

mensagem gere compartilhamento. Esses elementos estão arraigados no filme

Guerra ao Drugo. Porém, o autor também afirma que fatores como simplicidade e

83

humor, são comuns aos virais e nesse ponto o curta animado em estudo nesta

dissertação acaba se perdendo na grande cultura do ciberespaço.

Por se tratar de um tabu, o discurso em Guerra ao Drugo talvez tenha sofrido para

ultrapassar algum obstáculo ideológico contrário ao tema. Para Marcello, o tema das

drogas é um tabu de décadas. Falar sobre a possibilidade de liberar o consumo

como alternativa à falência da guerra as drogas era algo impensável dez anos atrás.

De acordo com ele, muito se evoluiu nesse sentido. Vários países da Europa

flexibilizaram o consumo, descriminalizaram o consumidor e criaram vários projetos

de ajuda aos viciados em drogas pesadas, como a heroína, em países como

Portugal, Suíça e Holanda. O consumo de maconha está liberado recreativamente

em mais de cinco estados americanos e como uso medicinal em muitos outros.

Os autores de Cultura da conexão falam no livro de temas que eram escondidos

pelas grandes empresas midiáticas e que com o advento de sites como o YouTube

puderam ser noticiadas para outras culturas e povos.

Jornalistas, blogueiros e outros entusiastas do mundo cyber celebraram o uso de sites como Twitter, Facebook e YouTube por pessoas protestando no mundo islâmico e seus apoiadores no Ocidente como um sinal decisivo de que comunicadores autênticos poderiam ser capazes de impor questões internacionais na pauta da mídia noticiosa internacional. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 69).

Por fim, para Marcello Serpa, todo tabu começa a ser derrubado com a discussão

aberta sobre o tema. A mídia mais indicada para essa discussão aberta é o

YouTube, além da questão compulsória da divulgação no site (falta de verba para a

divulgação em outros canais midiáticos), Marcello escolheu para Guerra ao Drugo a

mídia que considerava mais adequada para sua veiculação, percebido que a

plataforma permite discursos que tratam assuntos considerados complexos e fora da

agenda social de determinadas culturas. Mas o produto, Guerra ao Drugo, estava

ajustado à mídia escolhida?

84

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Usando como referência a expressão “pânico moral”, conceito utilizado pelo escritor

Stanley Cohen no livro Folk devils and moral panics: the creation of the Mods and

Rockers, proponho debater o uso da mídia Youtube como principal base para o curta

de animação Guerra ao Drugo. Para isso, utilizo o conceito de modernidade líquida e

discurso, além de pressupostos em torno da comunicação massiva.

De acordo com Cohen (2011), “pânico moral” é um termo que faz parte da

linguagem cotidiana atual, mas tem sua origem em estudos culturais cujo conceito

serve para descrever um ciclo específico de coinfluência entre a representação da

mídia e a realidade social em torno de assuntos de interesse público. Para o autor,

as sociedades parecem estar sujeitas, de vez em quando, a períodos de pânico

moral. Uma condição, um episódio, uma pessoa ou grupo de pessoas emerge para

se definir como uma ameaça aos valores e interesses sociais. Sua natureza é

apresentada de forma estilizada e estereotipada pelos meios de comunicação

massivos. O autor ainda corrobora esse pensamento relatando que, às vezes, o

objeto do pânico é bastante novo e outras vezes é algo que já existe há muito

tempo, mas de repente aparece no centro das atenções. Em determinados

momentos, o pânico passa e é esquecido, em outros momentos tem repercussões

mais graves e duradouras e pode produzir mudanças na política legal e social ou na

forma como a sociedade se concebe. Não é à toa que, para o autor, as

consequências do pânico moral costumam estar associados ao surgimento de várias

ações da cultura jovem. Em maior ou menor escala, essa cultura tem sido associada

à violência. Como base para sua análise, ele exemplifica movimentos, como o

hippie, mods, rockers, hells angels, skinheads, entre outros. Cohen ainda relata que

houve reações paralelas ao problema da droga, militância estudantil, manifestações

políticas, vandalismo no futebol, vandalismo de vários tipos e crime e violência em

geral.

Ainda corroborando o parágrafo anterior, Stanley Cohen (2011) afirma que nas

sociedades industriais os discursos a partir do qual essas ideias são construídas são

invariavelmente recebidos em segunda mão. Ele chega já processado pelos meios

de comunicação massivos e isso significa que a informação tem sido sujeita a

85

definições alternativas do que constitui "notícia" e como ele deve ser recolhido e

apresentado. A informação é estruturada pelas várias restrições comerciais e

políticas nas quais os jornais, rádio e televisão operam. O autor considera que as

pessoas não podem deixar de prestar atenção ao papel dos meios de comunicação

massivos na definição e formação dos problemas sociais. Os meios de comunicação

têm funcionado há muito tempo como agentes reguladores da moral. Por fim, no

caso da droga, a mídia joga com as preocupações normativas do público e introduz

certas diretrizes morais no universo do discurso, podendo “criar” problemas sociais

de repente e dramaticamente (p. 9-10).

Para a conclusão desta dissertação, entendo “pânico moral” como a síntese da

estrutura de toda a produção de discursos que as mídias reverberaram por décadas

sobre a criminalização das drogas.

Mas, diferentemente do que apregoa o pânico moral, nesta dissertação, com base

no discurso do curta animado Guerra ao Drugo, “prevejo” que os valores particulares

precisam ser protegidos, que as ações sociais necessitam ser respeitadas e que o

“desvio de moral” seja realizado de forma autônoma e não manipulada. Partindo

desse pressuposto, o do respeito da autonomia e dos valores particulares, entendo a

consequência da gama de conceitos que utilizei durante toda a dissertação. Com

eles, podemos conjecturar alguns pontos que servem de base para o uso da

plataforma YouTube como importante ou talvez o mais interessante meio de

divulgação de filmes com discursos que pretendam criar um debate autônomo.

Um novo discurso pode e deve ser atribuído ao cenário social contemporâneo, visto

que, além das pesquisas citadas nesse trabalho, avalia-se de forma negativa as

ações de coação que criminalizaram a droga por anos a fio; esse novo discurso tem

base sólida em conceitos, como o da modernidade líquida, pois há uma

possibilidade real de mudança da “verdade institucionalizada” pelo poder, divulgada

por décadas.

A modernidade líquida, que tem como suporte a Internet, de acordo com o autor

desse conceito, o sociólogo Zygmunt Bauman, não estão mais padronizados em

tempos passados, conforme falado anteriormente: códigos e regras a que podíamos

86

nos conformar, que conseguíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e

pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta

(BAUMAN, 2001, p.14).

“ ” estabelecer um novo discurso ou

uma nova ordem, visto que para, Jean Burgess e Joshua Green (2009), o Youtube é

uma mídia cujo conteúdo pode atingir uma proporção gigantesca da população (p.

34).

Corroborando essa informação, os supracitados Burgess e Green (2009) afirmam

que os jovens são sempre o foco da imprensa para o bem ou para o mal, quando o

assunto é falar sobre o YouTube. Eles citam os riscos, o “mau uso” das tecnologias

da Internet e smartphones. A imagem dessa juventude é associada diretamente a

ideias sobre mudança no capitalismo e numa nova ordem de estruturas sociais, de

classe, distribuição de renda e práticas de consumo, os autores corroboram ainda

essa análise, considerando que essa equação de outras plataformas de mídia, como

o YouTube, encaminham a juventude para debates mais profundos como os de

cunho político, por exemplo.

Utilizando-se da receita – novo discurso, modernidade líquida, Internet e cultura

participativa, fábula, jornada do herói e storytelling –, a publicidade usa mais um dos

seus truques para encantar e convencer esse público ávido por mudanças. Se

pensarmos que as últimas propagandas de grande apelo nas mídias, sejam elas

destinadas ao espaço digital ou não, geram empatia e/ou comoção no consumidor; o

fato é que o curta-metragem animado, Guerra ao Drugo, foi feito para se enquadrar

nessa estratégia contemporânea da publicidade.

James McSill (2015), em Cinco lições de storytelling: fatos, ficção e fantasia, faz uma

analogia sobre como as histórias bem contadas deixaram de ser uma narrativa

utilizada pelos professores do jardim de infância e adentraram nas empresas. Para

McSill (2015), houve uma época na Internet que um discurso bem feito já servia para

impulsionar um produto ou serviço. Hoje, só o discurso não serve, ou você conta

uma boa história, usando algum truque de storytelling, ou está fadado ao fracasso.

87

Para o autor, somente o discurso remete a formalidade, ao afastamento dos anseios

e desejos do consumidor, à medida que uma história está associada a algo que

aproxima o detentor da mensagem ao receptor. McSill (2015) exemplifica essa ideia

com a imagem da apresentação dos smartphones da Apple por um informal Steve

Jobs, separado do terno e gravata e se apresentando com uma camiseta branca

“ ”. , isso por si só já traz uma nova narrativa; a

humanização de um ícone é uma nova história que transforma, fazendo um

contraponto com a antiga narrativa, que só informa.

Humanizar o dragão, contar a história em tom fabular tem como objetivo fazer com

que os consumidores não comprem apenas uma ideia, mas o discurso embalado

num produto com uma qualidade impecável na sua concepção artística, em uma

história bem construída e narrada, com personagens autênticos, que criam uma

experiência única e sedutora ao target.

Soma-se a isso uma narrativa pautada no stop motion, que, conforme palavras do

diretor de pós-produção do filme, Gabriel Nobrega, ajudou a mostrar uma riqueza de

detalhes que outras técnicas de animação, como, por exemplo, a computação

gráfica em três dimensões não conseguiria reproduzir, principalmente em como os

bonecos foram fabricados, com total foco no cuidado artístico dos detalhes das

roupas, movimentos e cenários.

Contudo, fica uma constatação que deve ser revista pelos criadores e planejadores

da divulgação da campanha, o filme no YouTube não obteve o sucesso que o

marqueteiros chamam de retorno do investimento, ou seja, teve uma baixa

visualização em comparação a outros filmes que se utilizaram de elementos

similares apontados nessa pesquisa.

No portal YouTube, em aproximadamente dois anos de upload da peça,

aproximadamente oitenta mil visualizações constam no histórico do site. A título de

comparação, se pegarmos uma I ú “Herói”12, que

se utilizou de uma narrativa fabular, do storytelling, de conceitos da jornada do herói

12

Disponível em: <goo.gl/WdhYFE>. Acesso em: 24 mar. 2016.

88

e divulgação em mídia digital (YouTube), entre outros pontos de similaridade com

nossa peça; ela atingiu em período similar de tempo de divulgação um número de

mais de 3 milhões de visualizações.

Uma análise dos autores da obra YouTube e a revolução digital talvez ajude a

explicar o insucesso quantitativo da peça como uma obra que não viralizou o

suficiente. Desde o começo, o YouTube representou uma alternativa ao modelo de

aderência. Para Burgess e Green (2009), a aderência é que determina o valor da

cultura da Internet. Porém, a plataforma YouTube tem como característica de

modelo de negócio a criação de valor por meio de circulação, característica muito

mais próxima do conceito de propagabilidade que discutimos nesta dissertação.

Para Guerra ao Drugo, percebemos que o ideal era a junção de propagabilidade e

aderência, mas alguns fatores prejudicaram essa construção.

Podemos afirmar que a massificação da peça não aconteceu pela falha na utilização

dos mercados culturais e ecologias sociais distintas? Ou a não tentativa de cortejar

comunidades preexistentes que tivessem interesse pelo tema do curta?

Conforme vimos no capítulo Guerra ao Drugo no YouTube, uma das perguntas que

fiz para o Marcello Serpa, de forma direta, foi o que o levou a escolher o YouTube

como mídia quase exclusiva na veiculação do curta animado. Sua resposta foi tão

direta quanto a pergunta: A escolha foi compulsória. Não havia nenhum dinheiro

disponível para compra de mídia.

Portanto, a falta de recursos financeiros, somada as características negativas da

peça/mídia utilizada, conforme explanado no trabalho, aparecem como principal

x “ ” quando a análise é feita com base em

informações quantitativas.

Percebemos ainda nesta pesquisa que, apesar dos esforços e da crença da

população de que plataformas de cultura participativa como o YouTube são ou

deveriam ser interfaces democráticas de acesso, divulgação e produção de

conteúdo midiático, o poder das grandes corporações da comunicação no conteúdo

de mídia massiva ainda resulta nos melhores resultados de reverberação da

89

mensagem, viralizando de forma mais rápida e ampla.

No entanto, fica uma passagem do livro de Burgess e Green, que fala sobre o futuro

não muito definido sobre plataformas que se utilizam da cultura participativa como

meio de divulgação de novos discursos, como é o caso do objeto deste trabalho.

Acima de tudo, o que mais se destaca no momento atual do YouTube é a incerteza

que permeia o futuro da cultura participativa e a complexidade que emerge da

intersecção de várias ideias mutáveis e divergentes sobre o para que serve a mídia

digital, ou para que poderia servir (BURGESS; GREEN, 2009, p. 40).

Para Jenkins, Green e Ford (2014), os colecionadores de mídia, cujo

comportamento lembra os de outros tipos de colecionadores, podem ser “operários”

numa tentativa de trazer de volta o curta animado aqui discutido e o discurso da

descriminalização para os debates da sociedade nos dias atuais. Apesar de ter sido

produzido recentemente (2014), Guerra ao Drugo pode voltar desse limbo retrô para

o presente.

Os fãs de mídia retrô recuperam o valor de uso pela descoberta de novos usos para materiais esquecidos, Assim, a disponibilidade imediata dos textos de mídia antigos pode inspirar novos atos de criação e execução, levando não apenas à realização de novos significados, mas também à criação de novos textos e ao surgimento de novas comunidades subculturais. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 135-136).

Um dos grandes objetivos do discurso da campanha é alertar sobre um ponto de

vista que visa advertir o uso de força policial desproporcional sobre o usuário, e

tratar o tema como um problema de saúde pública, e não mais policial. Assim como

outras campanhas contemporâneas acerca do problema, todas têm o mesmo intuito,

a revisão das leis e regras sobre vários problemas que essas leis arcaicas

acarretam. O Brasil na virada dos anos de 2016 para 2017 está passando por uma

das piores crises em seu sistema prisional, guerra de facções criminosas nos

presídios, processo de ressocialização ineficaz, superlotação carcerária, entre outros

problemas.

90

No dia 2 de fevereiro de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso do Superior Tribunal

Federal, mais alta instância do poder judiciário brasileiro, defendeu a legalização da

maconha. “ v

”13.

A gente deve legalizar a maconha. Produção, distribuição e consumo. Tratar como se trata o cigarro, uma atividade comercial. Ou seja: paga imposto, tem regulação, não pode fazer publicidade, tem contrapropaganda, tem controle. Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidade. E, se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo (Portal O GLOBO, 2017).

O título de uma matéria publicada no portal G1, no dia 3 de fevereiro de 2017, ajuda

a fazer uma ponte entre desc : “U

ê ”14. Na mesma matéria o

ministro Barroso corrobora sua ideia sobre o tema:

A crise no sistema penitenciário coloca agudamente na agenda brasileira a discussão da questão das drogas. Ela deve ser pensada de uma maneira mais profunda e abrangente do que a simples descriminalização do consumo pessoal, porque isso não resolve o problema. Um dos grandes problemas que as drogas têm gerado no Brasil é a prisão de milhares de jovens, com frequência primários e de bons antecedentes, que são jogados no sistema penitenciário. Pessoas que não são perigosas quando entram, mas que se tornam perigosas quando saem. Portanto, nós temos uma política de drogas que é contr . E ” Barroso (BRÍGIDO, 2017, online).

Dentre outros discursos, Guerra ao Drugo alerta para o problema da superlotação

das cadeias. A oportunidade de alavancar a divulgação do filme e por consequência

seu discurso vai ao encontro do debate da opinião pública sobre a problematização

do sistema prisional brasileiro.

Conclui-se que todos nós, pesquisadores do audiovisual, temos muitas dúvidas

sobre o uso das mídias contemporâneas como ferramenta para um debate sobre

temas polêmicos, como a descriminalização das drogas e tudo que implica esse

tema. Porém, a oportunidade momentânea do problema prisional brasileiro é um

gancho que deveria ser explorado pela Comissão Global de Políticas Sobre Drogas.

Usar a campanha e os recursos de mídia de massa, no presente, visto que o

13

Disponível em: <goo.gl/3zU6PQ>. Acesso em: 4 fev. 2017. 14

Disponível em: <goo.gl/EM2SVm>. Acesso em: 5 fev. 2017.

91

problema da violência ou o que entendemos nesse projeto como “pânico moral”

deste momento que vivemos, que gera uma abertura para o diálogo com a

sociedade civil, fazendo uso do curta animado como uma ferramenta poderosa para

ampliar o acesso ao debate de um discurso mais salutar para a sociedade

contemporânea.

92

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FILMOGRAFIA

CORTINA de Fumaça. Direção: Rodrigo Mac Niven. Brasil, 2010. (88min). FACES DA VIOLÊNCIA. Direção: Ilona Szabó de Carvalho. Brasil, 2010. (14min). ILEGAL – a vida não espera. Direção: Tarso Araújo e Raphael Erichsen. Brasil, 2014. (82min).

97

ANEXO A – ROTEIRO ORIGINAL

Loc. Off: Era uma vez o rei de um império muito poderoso.

Loc. Off: Um lugar onde vivia um dragão chamado Drugo.

Loc. Off: Ali, era comum ver habitantes se distraindo por horas e horas ao lado

do dragão.

Loc. Off: Mas logo surgiu um problema. Algumas pessoas começaram a

exagerar: se esqueciam dos seus trabalhos, famílias e só queriam saber de

Drugo, como se ele fosse a solução para tudo. (GRAVAR VERSÃO SEM

TRECHO SUBLINHADO TAMBÉM)

Loc. Off: O Rei concluiu que Drugo era responsável pelo sofrimento de muitas

famílias e deu início a uma enorme campanha para banir o dragão.

Loc. Off: De uma hora para outra, Drugo virou o inimigo nº 1 do reino, sendo

obrigado a fugir e se esconder na escuridão.

Loc. Off: Só que de nada adiantou. Apesar de proibido, o número de pessoas

interessadas em Drugo só aumentava.

Loc. Off: E assim surgiram grupos armados para lucrar com as visitas a Drugo,

gerando cada vez mais crimes e corrupção. Grupos que logo já estavam

lutando entre si.

Loc. Off: Foi decretado também que quem tivesse qualquer contato com Drugo

seria preso.

Loc. Off: E logo os calabouços ficaram lotados de pessoas que, apesar de

pacíficas, eram tratadas sem a menor compaixão. Inclusive aquelas que

dependiam de Drugo para suportar seus problemas.

98

Loc. Off: O Rei passou a investir uma enorme parte do tesouro para formar um

poderoso exército, que saiu à procura de Drugo.

Loc. Off: E foi então que descobriram algo inesperado: quanto mais combatiam

Drugo, maior e mais perigoso ele ficava, assim como os grupos armados.

Loc. Off: O reino foi tomado por uma violenta guerra, que se espalhou por

todos os reinados vizinhos.

Loc. Off: A guerra já alcançava 5 décadas de mortes, pobreza e destruição

quando alguns ex-governantes de vários reinos resolveram quebrar o tabu:

Ex-governante: We need to talk about Drugo.

Loc. Off: Foi o início da mudança.

Loc. Off: As pessoas reconheceram que a violência era o principal problema e,

assim, Drugo começou a voltar ao seu tamanho original.

Loc. Off: As armas baixaram e as pessoas começaram a pensar sem medo.

Loc. Off: Elas perceberam que cuidar de quem sofria por causa do Drugo era

bem mais inteligente do que matar e encarcerar pessoas numa guerra sem fim.

Loc. Off: Loc. Off: A história não acabou e nem o reino foi feliz para sempre.

Mas todos entenderam que um reino sem Drugo pode ser uma utopia.

Mas um reino com menos violência e sofrimento, não.

Entra Assinatura.

Comissão Global de Políticas Sobre Drogas

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ANEXO B – Storyboard

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ANEXO C – Fotos de produção do stop motion

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ANEXO D – Pendrive com conteúdos de Guerra ao Drugo

Neste pen-drive constam os seguintes conteúdos (em ficheiro .mov e jpeg):

– versão final de Guerra ao Drugo;

– making of dos depoimentos;

– making of de produção;

– referências para cenário, figurino e personagens.

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ANEXO E – FICHA TÉCNICA DE GUERRA AO DRUGO

Título:

Guerra ao Drugo

Ano:

2014

Duração:

03’ 21”

Diretor Geral de Criação:

Marcello Serpa

Criação:

Marcello Serpa, Pernil, André Gola

RTVC:

Vera Jacinto, Rafael Motta, Diego Villas Bôas

Cliente:

Comissão Global de Políticas Sobre Drogas

Produção Executiva: Alberto Lopes / Sérgio Salles / André Rosa Direção de Cena, Direção de Pós-produção: Gabriel Nóbrega Direção de Arte / Assistente de Direção: Diego Coutinho Produtora de Som: Raw Audio Atendimento: Roberta Reigado, Thaís Lopes Produtor: Daniel Greco; Eveline Weigel Diretor de Fotografia: Alexandre Elaiuy

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Storyboard: Ivan Freire Artistas Conceituais: Marcelo Souto, Fernando Henrique Cintra, Ivan Freire, Marcos Llussá, Michel Venus Designer de Personagens Senior: Bruno Henrique da Costa Color Key: Rafael Nascimento Assistente de Arte: Diogo Ladeira, Heitor Reis, Guilherme Carneiro, Pedro Jones, Vitor Nakamura, Aline Sanches Direção de Cenografia: Fabiana Fukui Cenografia: Cintia Bertaccini, Carmem Guerra, Ligia Jeon, Larissa Ribeiro, Borys Duque Diretor de Animação: D. Lee Peffer II Animador Senior: Thiago Calçado Animações Adicionais: Sérgio Castro, Fabio Yamaji, Fabiana Fukui Coordenação de Pós-produção: Fabio Truci Animação 2D: Paulo Pássaro

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Equipe de Pós-Produção: Lucas Barreto, Diego Coutinho, Cristian Cunha, Eduardo Teixeira, Francisco Beraldo Rotoscopia: Gassan Abdouni Produtor de Set: Fernando Lopes Assistente de Produção: Julia Poci Gaffer, Hugo Nyerges Eletricista: Fernando Caffé Coordenação de T.I: Thiago Herrero, Cadu Pennachin,Weslley Oliveira Trilha original: Raw Audio Direção Musical: Hilton Raw Produção Musical: Hilton Raw e Fernando Forni Executivos – Áudio: Pity Lieutaud e Robério Barbosa Sound design: Raw Audio Aprovação:

Ilona Szábo, Rebeca Lerer, Joanna Guinle