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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO LGICA E METAFSICA
Coordenador
Rodrigo Guerizoli
Vice-Coordenador
Antonio Frederico Saturnino Braga
Revista desenvolvida em parceria com o Programa de Ps-Graduao Lgica e Metafsica (PPGLM)da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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INVESTIGAO FILOSFICAhttp://periodicoinvestigacaofilosofica.blogspot.com.br/
Editores ResponsveisRodrigo Reis Lastra Cid
Luiz Maurcio Bentim da Rocha Menezes
Coordenadores EditoriaisLuiz Helvcio Marques Segundo
Mayra Moreira da CostaPedro Vasconcelos Junqueira Gomlevsky
Conselho EditorialDanillo de Jesus Ferreira Leite
Guilherme da Costa Assuno CeclioLeandro Shigueo Araujo
Luis Fernando Munaretti da RosaLuiz Helvcio Marques Segundo
Luiz Maurcio Bentim da Rocha Menezes
Mrio Augusto Queiroz CarvalhoMayra Moreira da Costa
Paula Akemy AraujoPedro Vasconcelos Junqueira Gomlevsky
Renata Ramos da SilvaRodrigo Alexandre de Figueiredo
Rodrigo Reis Lastra CidSagid Salles Ferreira
Tiago Lus Teixeira de Oliveira
Conselho ConsultivoAlexandre Meyer Luz
Alexandre Noronha MachadoCarlos Eduardo Evangelisti Mauro
Desidrio Orlando Figueiredo MurchoGuido ImaguireMrio Nogueira de Oliveira
Michel GhinsRoberto Horcio de S Pereira
Rodrigo Guerizoli TeixeiraRogrio Passos Severo
Srgio Ricardo Neves de MirandaUlysses Pinheiro
Equipe TcnicaLogotipo: Thiago Reis
Revisor: Fbio Salgado de CarvalhoTradutor: Giuliano Tadeu Nunes Pietoso
INVESTIGAO FILOSFICARevista de Filosofia SemestralVolume 5, nmero 1, 2014, 59p.Publicao digitalISSN: 2179-6742
1. Filosofia Peridicos. 2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia eCincias Sociais. Programa de Ps-Graduao Lgica e Metafsica. 3. Blog Investigao Filosfica.
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Sumrio / Contents
Editorial........................................................................................................... 01
Artigos/Articles
Aproximaes Fenomenolgicas Filosofia da Linguagem em Plato
Irlim Corra Lima Jnior..................................................................................... 02
O Sentido do Destranscendentalismo em Jurgen Habermas
Ilca Santos de Menezes......................................................................................... 18
O papel da Eloquncia na Filosofia Humeana
Carlos Roberto Alves Lima.................................................................................... 25
Resenha/Review
LENOBLE, Robert. Histria da ideia de natureza
Por:Matteo Nigro................................................................................................... 37
Tradues/Translations
Ceticismo e Fechamento
Anthony Brueckner
Traduo deLuiz Helvcio Marques Segundo.......................................................... 42
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Investigao Filosfica, v. 5, n. 1, 2014. (ISSN: 2179-6742) Editorial
http://periodicoinvestigacaofilosofica.blogspot.com.br IF
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Investigao Editorial
com muito prazer que damos inicio a mais uma edio da revistaInvestigao
Filosfica. Nesse volume temos um artigo sobre a filosofia da linguagem em Platoinserida em um dilogo com a fenomenologia de Heidegger; outro sobre a
destranscendentalizao do sujeito cognoscente em Habermas; e um ltimo tratando do
papel da eloquncia no pensamento de Hume. A edio tambm traz uma resenha da
Histria da ideia de naturezade Robert Lenoble; e uma traduo sobre o Ceticismo e
Fechamento de Anthony Brueckner. Desejamos a todos uma boa e agradvel leitura
filosfica.
Rodrigo Cid
Luiz Maurcio Menezes
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APROXIMAES FENOMENOLGICAS FILOSOFIA DA LINGUAGEM
EM PLATO
Irlim Corra Lima Jnior1
RESUMO: Apoiando-nos em estudos de Heidegger a respeito da filosofia antiga, o qual relsob a perspectiva de uma hermenutica fenomenolgica os textos herdados pela tradiofilosfica, pretendemos no presente trabalho traar alguns dos aspectos fenomenolgicosfundamentais de uma filosofia da linguagem em Plato, no dilogo Crtilo, em relao com asua metafsica, a fim de proporcionar uma viso de conjunto pela qual seja possvel vislumbraruma relao essencial entre possveis pressupostos com a derivao natural de alguns de seusconceitos. Nesse intento, discorreremos acerca do carter adventcio da verdade, cujodesencobrimento, no qual vm luz do ser dos entes, abre os horizontes para uma possvelcompreenso sistmica da metafsica platnica. Com efeito, ao identificarmos essencialmenteverdade e linguagem, aprofundaremos propriamente nos traos que possibilitam fazer umesboo da ntima conexo entre a filosofia da linguagem em Plato e a sua metafsica. Por fim,
procuraremos demonstrar como verdade e linguagem seriam, no fundo, modos de produo ereproduo paradigmtica do ser dos entes.
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Mmesis. Fenomenologia.
Phenomenological approaches to philosophy of language in Plato
Abstract: Basing on studies of Heidegger regarding the ancient philosophy, which rereadsunder the perspective of a phenomenological hermeneutic the texts inherited by thephilosophical tradition, in this work we intend to outline some of the fundamentalphenomenological aspects of a philosophy of language in Plato, in the dialogue Cratylus, inrelation to his metaphysics, in order to provide an overview for which it is possible to glimpsean essential link between the possible assumptions with the "natural" derivation of some of itsconcepts. In this attempt, we will discuss about the adventitious character of truth, whoseuncovering, which come to light the Being of the beings, opens horizons for a possible systemicunderstanding of Platonic metaphysics. Indeed, by identifying essentially truth and language,we deepen properly the traits which enable to make a sketch of the intimate connection betweenthe philosophy of language in Plato and his metaphysics. Finally, we seek to demonstrate howtruth and language would be, deep down, a paradigmatic mode of production and reproductionof the Being of the beings.
Keywords: Language. Mimesis. Phenomenology.
Introduo
A pretenso desta investigao , partindo de uma leitura fenomenolgica
inspirada em Heidegger, traar alguns aspectos gerais tocantes filosofia da linguagem
em Plato, em especial o dilogo Crtilo, e sua relao com a metafsica, um dos pilares
do pensamento ocidental e base para os desdobramentos da Filosofia ao longo dos
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Mestrando do Programa de Ps-graduao em Filosofia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro (PUC-Rio). Bolsista da [email protected]
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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sculos, seja direta ou indiretamente, de forma mais ou menos sistemtica e orgnica, a
fim de proporcionar uma viso de conjunto pela qual seja possvel vislumbrar a relao
essencial entre alguns de seus pressupostos com a derivao natural de seus conceitos.
Posto que no contssemos com espao suficiente e tempo hbil, dispensamo-nos de
empreender uma hermenutica acurada dos textos platnicos o que se fizera mister e
fora bastante enriquecedorde modo a ratificar mais rigorosamente a compreenso do
que aqui propugnamos.
Uma interpretao fenomenolgica da obra platnica perfeitamente possvel
uma vez que se regresse s fontes das quais seu pensamento bebeu e originalidade de
suas ideias. evidente que isso esbarra seriamente em limites histricos, culturais,
filolgicos, polticos, sociais..., mas de alguma forma, ainda que no nos seja
franqueado um acesso historicidade factual de seu contexto, o vigor essencial de seu
pensamento ainda capaz de repercutir at ns, atravs de novas interpretaes, uma
compreenso no menos originria que a de seus contemporneos e no menos fiel a seu
esprito.
Como dissemos, uma anlise minuciosa do texto platnico est por ora
descartada, no nos sendo possvel no momento, mesmo porque, na realidade, muitos
elementos aqui pensados e relacionados no so objetos centrais nas discusses do
Crtilo. Contudo, este dilogo acaba por propiciar uma considerao fenomenolgica a
respeito do pensamento platnico, posto que, terminando em aporia, no apresenta
seno pouqussimos rastros do que a tradio posterior chamar de seu dogmatismo,
como por exemplo a doutrina das ideias, a anamnese..., mas sem deixar de ser cioso em
relao s questes metafsicas, tal como a relao entre ser e dizer, coisa e palavra...
Deste modo, enseja-nos precisamente o que intencionamos: uma anlise conjuntural e
sinttica, mas de modo algum definitiva. Sem necessidade de apelar para o hiperurnio
e para rememoraes com o fito de resolver tais questes (em cujas discusses no nosdebruamos), o impasse do dilogo obriga-nos a tramitar nos limites fenomenolgicos
difceis de serem destrinados e de serem resolvidos, como a relao entre linguagem,
verdade, ser, nome, coisa, representao, mmesis, etc.
Apoiando-nos em estudos de Heidegger a respeito da filosofia antiga, colhidos
de diversos textos seus, sustentaremos nossas anlises, sem porm pretender
propriamente incorrer numa fidelidade estritamente compromissada com o pensamento
heideggeriano, cujo projeto alicera-se justamente na destruio da metafsica em vistade fazer surgir uma compreenso novamente originria. Nosso propsito aqui,
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diversamente, nada mais do que apresentar de forma panormica uma possvel
estrutura fenomenolgica que pudesse se encontrar subjacente metafsica de Plato.
O carter fenomenolgico daaltheia
Que no decorrer da histria da Filosofia a interpretao do conceito de verdade
tenha prevalecido a justaposio adequacional entre sujeito e objeto no um
acontecimento fortuito ou tardio para o desdobramento do pensamento ocidental. Ao
contrrio, que possui suas justificativas na raiz deste mesmo, foi algo a respeito do que
deveras se debateu Heidegger com o intento de denunciar o surgimento da Metafsica
como o esquecimento do ser. A condio de possibilidade para este olvidamento, o qual
lanou por mais de dois mil e quinhentos anos o sentido primrio da verdade nas trevas
dos primrdios do pensamento filosfico, perodo a ser classificado (quase que)
definitiva e anacronicamente como filosofia pr-socrtica, no obstante tenha aberto
espao para o desencobrimento dos entes enquanto entes, sobre cuja inaugural
reminiscncia epistemolgica pde-se fundamentar ao longo dos tempos as cincias
tericas e prticas, teria sido precisamente a guinada filosfica em relao ao conceito
de verdade, quando esta deixou de significar desvelamento e passou a indicar
correo, at atingir na Idade Mdia, com efeito, a formulao clssica da verdade
como veritas est adequatio rei et intellectu, assinalando a verdade como adequao,
algo que, perpassando incostete a Idade Moderna, nada obstante a ressignificao de
coisa / realidade e intelecto, bem como sua relao e polaridade, s com Nietzsche em
fins do sculo XIX foi agudamente criticado. Se Nieztsche, porm, procurou denunciar
essa caracterizao objetivante da verdade como imposio arbitrria da vontade de
potncia e destrui-la, fazendo-a retroceder at s tramas de sua genealogia de onde pde
ser ento originada, Heidegger debruou-se sobre a filosofia antiga esmiuando
hermeneuticamente os traos e cises pelos quais se deu o processo dessa reviravolta afim de clarificar fenomenologicamente como e por que isto se vincula intimamente com
o acontecimento histrico do esquecimento do ser, um dos marcos fundacionais da
histria do Ocidente.
Apelando para uma profunda reflexo filosfica a respeito do timo da palavra
, cujos limites de pensamento reflexivo no se obrigam em se deter na
cientificidade lingustica ou filolgica, mas extravasam para o campo de uma reflexo
trans-histrica e transcendental, Heidegger lana mo de sua origem a partir da raiz doverbo (- / -), o qual significa esconder-se, ocultar-se, olvidar-se.... O
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desdobramento, a emisso de um juzo enquanto verdadeiro ou falso requer como
condio uma referncia ao que se deu como fato ou ao que se mostrou enquanto
realidade. Sem querer tocar aqui nas condies lgicas pertinentes configurao de
leis e regras pelas quais seria possvel se emitir uma verdade ou falsidade, mas detendo-
nos to somente na condio ontolgica que as precede e que mesmo pr-lgica,
foroso que antes mesmo de que algo seja dito verdadeiro ou falso, algo tenha se dado,
algo tenha surgido enquanto real. S tambm pelo carter referencial realidade ser-
nos- possvel compreender como que a verdade (desde Plato como ,
correo, retido) passou a sinalizar a adequao do intelecto coisa ou entre sujeito e
objeto. O juzo lgico-veritativo pressupe por necessidade, pois, as condies
epistemolgicas atravs das quais a adequao entre subjetividade e objetividade
possvel, e em que ambas so justapostas corretivamente, em vista de se propiciar o
conhecimento da coisa ou do objeto tais quais eles so ou se apresentam. Contudo, tal
no seria sequer possvel sem o advento ontolgico da prpria realidade, cuo dar-se e
mostrar-se assinalado pelo conceito primrio de . Por essa razo, esse
adventcio desencobrimento consiste no fundamento que possibilita do qual se
derivamtodos os demais sentidos epistemolgicos e judicativos possveis do conceito
de verdade.
Mas, se esse sentido apresenta-se-nos como primrio, o que nele j est em
jogo enquanto compreenso originria da realidade e do seu modo de dar-se enquanto
verdade? O que o ser / a realidade4enquanto o que figura na figurao da verdade? E
qual o modo de configurao da verdade que condiciona a realidade que se figura?
Em vista dessas questes, convm tambm pensar o que assinala o conceito de
fenmeno e sua essencial atinncia dinmica e compreenso da prpria verdade. O
significado de o que se mostra, o que se manifesta, o se-mostrante
adveniente da prpria mostrao atravs da qual ele se mostra. Assinala Heidegger:
Como significao da expresso fenmeno deve-se portanto reterfirmemente: o-que-se-mostra-em-si-mesmo, o manifesto. Os, os fenmenos so ento o conunto do que est luz dodia ou que pode ser posto em claro, aquilo que os gregos s vezesidentificaram com (o ente). (...) fenmeno comoaparecimento de algo nosignifica, pois, precisamente: mostrar-se a
4 No nos foroso ater-nos distino propriamente entre ser e ente tal como Heidegger prope nocontexto de seu prprio pensamento. Nada obsta, pois, que nos utilizemos de sua interpretao a respeito
de como os filsofos da aurora da metafsica a entreviram. er e realidade, pois, devem ser vistossimplesmente como essncia (modo de ser de algo determinado, ) e quididade (a coisidade da coisamesma, sua configurao especfa, )
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si mesmo, mas o anunciar-se de algo que no se mostra pelo que semostra. (2012c, p. 103)
Fenmeno nunca , pois, fenmeno de si mesmo a mostrao de um fenmeno
supe uma reduo fenomenolgica que desfenomenalize o que se mostra no fenmeno,
a fim de se traar a configurao geral pela qual o fenmeno fenomenaliza seus
contedos , mas de um algo que nele e atravs dele se mostra: os entes ( ).
Esse aparecimento de algo, contudo, embora se mostre, se anuncie fenomenicamente,
nunca se d como em si mesmo, mas s a partir do momento em que se fenomenaliza,
em outras palavras, torna-se fenmeno, apresenta-se segundo o modo de apario
fenomenal e no na subsistncia em si de si mesmo. Assim, o fenmeno a apario da
coisa que no se mostra se mostrando, do ente que se encontra condicionado
desapario de como em si mesmo para aparecer como fenmeno de si mesmo: como
o desvelar de si como fenmeno no velamento de si mesmo como , o seu modo de
ser prprio, sua essncia.
untando aqui o dissramos acerca da com o que investigamos com o
, o carter fenomenolgico da verdade consistiria, pois, no: desvelamento do
ente que trazido luz fenomenalmente com o velamento de sua prpria . A
essncia, portanto, aquilo que por natureza e por modo de figurao do prprio ser real
obliterado no aparecimento: o prprio ocultar-se cuja vigncia franqueia afenomenalizao de si como ausncia presente. No ser fortuita, destarte, a necessidade
de forar ao desvelamento da verdade a correo epistemolgica do olhar fenomnico e
natural em contemplao intelectiva, a qual, desencobrindo o vu das aparncias e da
doxa, revelasse a configurao essencial ali oculta.
Os aspectos apofnticos do lgos
Restringir o modo de dar-se da verdade fenomenal aos cercames da faticidadeperceptiva, quilo que os gregos denominaram , redundaria em rescindir do ser
humano a condio pela qual ele mesmo constitudo pela essncia de sua humanidade
pela qual de antemo disposto compreenso originria da realidade e aberto para o
ser: o homem , com efeito, o vivente que possui o lgos() enquanto
sua diferena especfica aos demais viventes e trao ontolgico-existencial constitutivo.
pesar de no podermos destrinar no momento como se requereria a polissemia da
palavra , sem que possamos optar por uma traduo que intentasse traduzi-la no
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seu aspecto primrio, nem que fosse provisoriamente, seja-nos permitido ento ao
menos aprofundarmo-nos em sua compreenso originria.
ambm o , na medida em que um fazer ver e mostrar, uma
modalidade da prpria , mas como um fenmeno arquetipicamente humano
dessa forma de mostrao. Com efeito, a respeito da caracterizao ontolgica desse
fenmeno da linguagem diz Heidegger:
como discurso significa, ao contrrio, algo assim como ,tonar manifesto aquilo de que se discorre no discurso. risttelesexplicitou mais nitidamente essa funo do discurso como. O faz ver algo (), a saber, aquilo sobreo que se discorre e faz ver a quem discorre (voz media) e aos quediscorrem uns com os outros. O discurso faz ver ... a partirdaquilo mesmo de que se discorre.(...) O ser-verdadeiro do como significa: no como , tirar o ente de que se fala do seu encobrimento,fazendo-o ver como no-encoberto, descoberto (). (2012c, p.113 ; 115)
ela discursividade do se perfaz o acontecimento fenomenalizante da
linguagem, que potencializa o homem para o desencobrimento notico discursivo da
verdade dos entes para alm da da dao ftica aos sentidos. A inteleco
desbravadora do ser humano, a sua 5, sobrelevando-se para alm das percepes
imediatas, capta os sentidos constituidores dos entes em jogo na percepo e os modos
pelos quais estes se configuram e subsistem em sua prpria configurao, mesmo a
despeito do devir. Em face fenomenalizao do fluxo em constante cambiao e
mudana dos entes, a viso perscrutadora da apreenso intelectiva apreende a estrutura
identitria no s do seu modo de doao, o conspecto fenomenal sob o qual aparecem
os entes, mas tambm sua identidade subjacente a partir da qual se abre a possibilidade
do reconhecimento () de suas determinaes essenciais () e da
reconstituio dialtica de sua configurao diferencial e especfica (). or isso e
em vista disso o nunca imediatamente (qui fora melhor dizer pura e
simplesmente) fenmeno, ou melhor, fenomenalizao presente em carne e osso do ente
do qual se diz, mas possui um carter apofntico, de um mostrar-se pelo qual o que
mostrado ou indicado da parte daquilo que fora dado pela percepo ou descortinado
a partir da inteleco compreensiva na qual sua configurao e sentido so apropriados6.
5Para Plato, a, traduzida amide por inteleco, a regio mais alta do conhecimento humano, amxima . S o filsofo alcanaria esse nvel. Contudo, sem a pretenso de nos restringirmos a
todas as circunscries do pensamento platnico, no nos detemos ao uso estrito desse termo em Plato.6No Sofista, diz lato que pensamento () e discurso () so, pois, a mesma coisa, salvo que ao dilogo () interior e silencioso da alma consigo mesma que chamamos de pensamento.
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or natureza, o desencobrimento dos entes e do seu sentido e significado, realizado pelo
, sempre um trazer luz da verdade, que possui como precedncia ontolgica
(no temporal ou ftica, mas transcendental) e necessria o prprio acontecer da
verdade enquanto desvelamento dos entes a partir dos quais transluz a realidade, dando-
se a conhecer.
A realidade dos entes que entrevista pelo indicada em lato por
diversas palavras, mas sobretudo por , , , . configurao eidtica
dos entes () ou sua estrutura ideal (), subjacentes mas participativamente
presentes7nos fenmenos, o que torna apreensvel a identidade e a diferena dos entes
em seu manifestar-se. Atravs delas podemos dizer o que elas so, defini-las,
circunscrev-las, apontar quais entes respondem por elas ou a manifestam, quais se
relacionam com elas ou no. A sua quididade, portanto, aponta para uma forma
arquetpica prpria de cada coisa e sem a qual nenhuma coisa poderia ser e subistir
sendo a si mesma. Esta , ento, sua , sua raiz ontolgica a partir da qual os
fenmenos brotam, surgem, emergem (vale lembrar o significado do verbo , o qual
significa justamente brotar, surgir...) como partcipes da matriz essencial que os
conserva na vinculao constante de sua prpria identidade. Enquanto , como j
dissramos acima acerca de sua ausncia presente na vigncia do , trata-se da raiz
que, se ocultando na escurido do solo no fenomenologizvel, no imanifestvel, nutre e
confere vigor vigncia fenomenal dos entes, cujo modo de ser que lhes prprio,
embora na ausncia de no l vigorar como em si, se faz presente de algum modo
(1972, 263e, p. 197-198) , com efeito, no apenas a faculdade do conhecimento dos objetosmatemticos (como podemos ver na Repblica VI, 509ss). Ela, em copertinncia ao , opressuposto ontolgico sem o que no se mostra possvel ao homem a alcanar a. Mais do que umsaber estritamente matemtico ou geomtrico como pr-requisito para comear a aprender filosofia ou
para ingressar na Academia, trata-se da travessia da para a dimenso inteligvel do pensar, quese d no , em direo , a qual o pice de sua autorrealizao.O carter dialgico da e do , mostra-se como a essncia de ambos, a despeito da diferenade um ser interior e o outro exterior. Esse carter , pois, a prpria travessia que o dizer e o pensar fazemde antemo, posto que inerente a sua essncia mesma, do plano sensvel para o plano inteligvel (no nossa pretenso aqui encetar discusso alguma em relao ou , como outras possibilidadesdo saber discursivo). Sem isso, no poderia se dar de maneira alguma a dialtica. Em outra passagem doSofista: rivarmo-nos disso (do , no caso, mas tambm da , podemos dizer), com efeito,seria, desde logo perda suprema privar-nos da filosofia. (...) Se dele fssemos privados (...) issosignificaria negar-nos toda possibilidade de discorrer sobre o que quer que fosse (...)(19, 0a-b,p.193) Desta forma, a dialtica, como forma suprema do conhecimento e revelao do ser dos entes, seriaterminantemente invivel. E, com isso, a filosofia.7 No necessrio aqui se decidir nessa anlise pela doutrina das ideias. O que est se encontra em
questo no momento no nem uma subacncia efetiva nem uma participao em u m almhiperurnico, mas to-somente a diferena entre a manifestao do ente enquanto fenmeno e asubsistncia real de sua identidade como o irredutvel ao seu se mostrar como fenmeno.
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como a ausncia da qual devem os entes participar, sem a qual no poderiam manifest-
la e com a qual no poderiam manifestar-se.
odemos, desta maneira, comear a compreender como que o no por
acaso uma forma de (mostrar, demonstrar, manifestar, indicar, representar,
explicar). A referncia de Heidegger em Ser e Tempoa esse verbo coincide de fato com
a tentativa de Scrates no dilogo platnico Crtilode aproximar o a :
ScratesLogo, se apreendes o que eu digo, que recebeste de mimuma indicao ().CrtiloSim.crates Indicao () por meio de algo que no se assemelhaao que tenho no esprito quando falo (...). Mas, ainda mesmo que ocostume no sea conveno, no certo dizer que a representao() se firma na semelhana. no costume, pois este, como jvimos, consegue representar () tanto por meio do semelhantecomo do dissemelhante. E j que chegamos a um acordo, Crtilo (...)foroso nos ser concluir que conveno e costume contribuemigualmente para exprimir ( ) o que temos no pensamento.(PLATO, 1973, 435a-b, p. 216) 8
Ainda que o dilogo tenha terminado em aporia, sem se poder se decidir
peremptoriamente pelo como ou se viabilizando ao menos um mtodo
firme para assim compreend-lo, a aproximao entre ambos parece indicar-nos uma
coapropriao que nos ensejaria pensar em sua relao essencial9. Restituindo essa
passagem ao contexto ontolgico do qual tambm faz parte, descurando, porm, da
discusso entre Scrates e Crtilo sobre a naturalidade ou o convencionalismo da
confeco e estabelecimento dos nomes, encontramos aqui os fenmenos de indicar, de
exprimir ou de representar como pertinentes dinmicidade do prprio . Estes
significados, com efeito, derivam-se todos da compreenso10primria de como
fenomenalizao apofntica. porque a linguagem capaz de fazer referncia dao
originria da , que ser capaz de assumir um carter indicativo e apont-la; e
tambm, porquanto a retome e a reaproprie para si, figurando-a como no-presente emsi mas reapresentada, mostra-se idnea para represent-la, alm de ser-lhe possvel
explic-la em seus aspectos constitutivos ideacionais, em suas relaes, etc. or causa
8O que se encontra entre parnteses acrscimo nosso, com base no texto estabelecido por John Burnetem Plato. Platonis Opera. Tomus I. Oxford: University Press, 1903, disponibilizado na plataforma on-linedo projeto Perseus: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.01.0171, acessadoem 03 de abril de 2014.9 Quanto potencialidade da linguagem para mostrar o real, diz Scrates j no comeo do dilogo:endo assim, a proposio que se refere s coisas como elas so, verdadeira, vindo a ser falsa quandoindica o que elas no so. (...) Logo, possvel dizer por meio da palavra o que e o que no .
(PLATO, 1973, 385b, p.147)10 O que no o mesmo que significado. polissemia de dificilmente deixa-se apreender emapenas um nico significado.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.01.0171http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.01.0171http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.01.0171 -
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disso, o caracteriza-se igualmente pela sua propriedade diacrtica de separar e
distinguir, alm de poder definir e conceituar, compartilhar e instituir significaes,
sobre cuja significatividade erige-se a comunicao e o ensino11. O sentido elementar
fenomenolgico de , ento, o de mostrar a partir de, demonstrar a
demonstrao (), a ao pela qual o mostrar-se parte de algo a fim de mostr-lo
em atividade mesma, converge seu sentido de imediato para a compreenso ontolgica
de como acontecimento apofntico em copertinncia .
om isso o evoca, traz voz e ao vozeamento do dizer o prprio
acontecimento da verdade. O nomear, o apalavrar, enfim, o conferir ou estabelecer um
retira da distncia intangvel e atrai para a proximidade fenomnica aquilo que se
encontrava oculto. Nada obstante a coisa mesma no possa ser diretamente mostrada,
atingida ou deslumbrada, porquanto no nos seja possvel transpor os limtrofes de sua
ausncia nos fenmenos, o ato de nomear, em conjuno com conferncia doadora de
sentido pela discursividade, conduz ao horizonte do vislumbre sua manifestao e a
possibilidade de se divisa-l12. No h linguagem ou nome para alm do horizonte
ontolgico, e, contudo, no h horizonte sem linguagem ou nome a partir dos quais se
entreveja o evocado. Do inominvel nomeao fulgura uma relao essencial entre
palavra e coisa que talvez no tenha sido seno nomeado (e talvez insuficiente e
toscamente) como . Diz lato: O nome imitao (), tanto quanto a
imagem.13(1973, p. 211) O estupor diante da obliterao do inefvel em cotejo com o
11 ocrtes: O nome, por conseguinte, um instrumento para informar a respeito das coisas e parasepar-las, tal como a lanadeira separa os fios da teia. (LO, 19, 88b-c, p.152)E, visto que o nome uma parte de um todo, que o , isso se aplica tambm a este. Em relao aoensino e ao aprendizado, essa definio do nome como um instrumento afasta a tese que o personagemCrtilo procura sustentar, a saber, de que conhecer o nome de uma coisa e o con hecimento da coisasignificam o mesmo. Enquanto instrumento para o conhecimento sobre uma coisa conhecimento queno parte dos nomes, mas da prpria coisa , o nome distingue -se por natureza daquilo a que se refere.
ssim tambm o .12 crates (...) na medida em que, partindo da diferena entre logos verdadeiro e logos falso, lhe (aHermgenes) faz admitir que tambm os componentes do logos, as palavras (), so verdadeirosou falsos, e que, portanto, tambm o nomear, como uma parte do falar, se refere revelao do ser() que se produz no falar. (GDMER, 1999, p. 9)azemos aqui referncia a essa passagem e a grifamos ustamente com o intuito de pr em evidncia acapacidade apofntica tanto do quanto do , em sua articulao e movimento de trazer luz averdade e o ser dos entes. Sem que a ambos esteja assegurada essa capacidade, incorreramos naimpossibilidade de se alcanar o plano notico do conhecimento, o qual, no entanto, apenas propriamente alcanado subsequentemente pela dialtica. Quanto importncia da dialtica para arevelao do ser, diz Plato naRepblicaque o dialtico quem (...) apreende a essncia de cada coisa.(010, 4b, p. 48) E tambm: (...) a dialtica se situa para ns l no alto como se fosse a cpula dascincias (...) (010, 4e, p. 49) entre outras.
Esboamos alguns pressupostos disso na nota 5, logo acima.13 palavra correta quando representa a coisa, isto , quando uma representao ( ). No setrata, naturalmente, de uma representao imitadora, no sentido de uma cpia direta, de modo que se
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prosasmo adventcio dos fenmenos pode ter precisamente contribudo para se descurar
metafisicamente dessa relao em sua grandeza e profundidade. De fato, a motivao
metafsica desde j se orientou para a investigao procura do que responde pelo
fundamento, a , a partir do qual o que emerge percebido como declnio
ontolgico, degradao de ser, seja essa ocorrncia mimtica, participativa ou causativa.
Altheiae lgos como formas demmesis produtivas
A linguagem mostra-se imprvia para a epifania. Nela o fundamento da
essncia e sua prpria fundao se escondem. Neste sentido, poderamos retomar as
palavras que encerram o Tratactus logico-phisophicus de Wittgenstein: obre o que
no se pode falar, deve-se calar. (1961, p. 129)E, no entanto, a histria da metafsica
testemunha uma contnua transgresso a esses limites. Mas tambm isto no possui
razes casuais e nem se deve pelo descuido acrtico dos filsofos que julgaram natural a
via de ascendncia dos fenmenos s essncias, da participao ao real em si, sem
considerar seus limites. De modo algum. S se pode considerar tais filsofos como seres
sob o fascnio da atitude natural, caso se desconsidere a profundidade e a originalidade
de seus questionamentos e investigaes, que ingratamente soem em decair ao longo
dos tempos na letargia e repetio do dogmatismo. A revoluo ptolomaica no foi
menos revolucionria que a copernicana: seja girando o sol ao redor da Terra ou o
contrrio, em ambos a audcia do esprito humano se potencializa para uma
compreenso universal e sistmica das revolues do universo, do todo e do ser. Assim,
no menos perspicaz foi a filosofia antiga para se propor questes e a partir delas
compreender a realidade.
Em direo a uma interpretao mais profunda dos antigos, escreve Heidegger
o seguinte:
Precisamos afastar nesse caso todos as interpretaes e retoquesmodernos desses conceitos antigos. S podemos fornecer emcontornos gerais a comprovao da origem das principaisdeterminaes antigas para a coisidade do ente a partir docomportamento produtivo, a partir da concepo de ser produtiva.(2012b, p. 156)
O que se quer dizer com isso que a filosofia clssica assumiu perante a
compreenso da realidade (a coisidade da coisa e o ser do ente) um comportamento
reproduzisse o fenmeno audvel e visvel, mas o ser () (...) que tem de ser revelado pela palavra.(GADAMER, 1999, p. 596) Por aqui se evidencia o quo devemos evitar uma compreensodemasiadamente tosca e apressada da palavra como mera imitao.
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produtivo, de modo a conceber o prprio ser e sua relao com os entes sob o
paradigma do modo de produo.14Entre os pr-socrticos, chamados por Aristteles de
com muito mais justia, todavia no era assim: assumindo um comportamento
cultivador face realidade, tomavam-na como a perptua gerao espontnea e natural
() da qual os entes surgem e fenecem, cujo fundamento eterno e princpio ( )
jamais se deixa entrever em seu estado originrio. Quaisquer que tenham sido as
influncias histrico-culturais para essa no pouco relevante mudana de modelo
comportamental que marcou propriamente o incio da metafsica do pensamento
clssico, isto no momento no vem ao caso. O importante ressaltar aqui como que o
pensamento grego assumiu essa postura como o marco zero de seu horizonte
interpretativo a respeito da realidade.
Tambm com essa postura se encontra comprometida a noo do fenmeno da
linguagem e da nomeao no Crtilo.15 or sua vez, diz Heidegger: Os nomes so
palavras que apresentam. Os nomes apresentam o que j , entregando-os
representao. Mediante essa fora de apresentao, os nomes testemunham seu poder
paradigmtico sobre as coisas. (00, p. 178) S o que j se deu ou se d luz da
verdade do ser pode ser apresentado pelas palavras.16 Em congruncia a isso, diz
Gadamer, refletindo sobre a linguagem no Crtilo:
14E isso eminentemente marcante no pensamento platnico, basta lembrarmos-nos de dilogos capitaisdentre o conjunto da obra de Plato, tais como o Timeu(em que a figura do demiurgo constri o mundosensvel a partir do inteligvel) e a Repblica (em que a plis um constructo filosfico a partir dosparadigmas conceituais alcanados pela dialtica), a ttulo de exemplo. Alm disso, so to numerosas aspassagens no corpus platonicusque recorrem ao exemplo ou analogia com o arteso ou artfice e a seuofcio (a ), para os contextos mais variados contextos, que nos abstemos aqui de cit-las ou fazerreferncia, posto no ser nosso propsito.15
om diferente inteno, novamente citamos: O nome, por conseguinte, instrumento para informar, arespeito das coisas e para separ-las, tal como a lanadeira separa os fios da teia. (LO, 19, 88b-c, p.152) Se ao de conferir nomes se estabelecer um vnculo ntimo de analogia com uma produoartesanal, haver necessidade, pois, de que se postule a quem coube ou caberia esse labor, o, como explicaremos adiante.16 Caso pretendssemos esmiuar o texto platnico, seramos obrigados a considerar uma srie dequestes que tocam a oposio entre naturalismo X convencionalismo dos nomes, verdadeiro X falso.Uma fala de Scrates no Crtilo, de fato, aponta para ambas as questes: Eu tambm defendo o princpiode que os nomes devem assemelhar-se quanto possvel coisa representada; porm, como disse h poucoHermgenes, seja bastante precria a tal fora de atrao da semelhana e que nos vejamos recorrer a esseexpediente banal, a conveno, para a correta imposio dos nomes. (LO,1973, 435d, p. 218) Nonos seria possvel, todavia, perquirir por ora tais questes a partir do caminho que traamos. De qualquermodo, ambas apoiam-se na manifestao prvia do ser como sua condio de possibilidade e na
linguagem como modalidade do prprio ser, com o fito de (...) assegurar ao discurso () lugar nonmero dos gneros do ser (LO, 19, 0a, p. 19), pressuposto ontolgico para essas questesulteriores.
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Obviamente que a verdade da palavra no se apoia na correctura, em suacorreta adequao coisa, mas em sua perfeita espiritualidade, isto , torna-se patente o sentido da palavra no seu som. Nesse sentido, todas as palavrasso verdadeiras, isto , seu ser se abre em seu significado (...). (1999, p. 598)
A manifestao do ser a prpria condio de possibilidade do acontecimento
apofntico da linguagem, que retira do ser mesmo sua fora e potncia () de
apresentao, se manifestando como uma das modalidades do prprio ser. O carter
paradigmtico deste poder deve-se, em todo caso, prpria compreenso da origem
fenomenolgica da linguagem: tanto a linguagem originariamente paradigma da
manifestao (em cuo a verdade do ser se manifesta na diferena ontolgica do
dizer), quanto possui a origem daquilo que diz, enquanto fenmeno do ser na
fenomenalizao dos entes, a partir dos paradigmas da realidade que se manifestam
nesse dizer, embora em si mesmo permaneam velados.
usto por isso a linguagem . E, contudo, visto que linguagem e
verdade so copertinentes ao modo do fazer-se real da realidade, tambm a verdade,
enquanto desencobrimento dos entes, 17. Mas por esse termo no podemos
compreender meramente imitao. Outrossim no o podemos compreender como uma
criao completamente original que traz existncia coisas absolutamente singulares,
nicas e livres de determinaes prvias. om efeito, a supe um . Este,
por sua vez, como modo de produo prprio dos artesos imbudos de uma arte outcnica () para realiz-lo com perfeio, requer, alm da matria-prima bruta e
amorfa a ser moldada (), um paradigma () ou modelo arquetpico
() a partir do qual seja possvel reproduzir sua configurao () ou forma
() originrias no artefato novo, de modo a subsistir nele seu essencial e a
identidade de sua , no como mera repetio formal, mas como reproduo
essencial de um paradigma em um obeto singular. , portanto, o modo de
produo dos entes tendo como matriz uma idealidade originria. ambm o modo de produo mimtico dessas mesmas essncias, mas no reprodutivo e sim
representativo e justamente por isso em grau menor de apresentatividade, na medida em
que supe, como , o dos entes na vigncia do real.
17No pensada aqui como, por exemplo, Plato ou Aristteles pensaram-na, mas refletindo a respeito delapela copertinncia entre linguagem e verdade como modos de dar-se dos entes. De fato, nem lato, nemristteles ousariam conceber a verdade dos entes como , mas sim como participao, relao decausalidade, etc. Conceb-la assim incorreria em depreciar necessariamente a natureza, origem do
da filosofia. Assumimos aqui esse termo para pensar o modo de produo de desvelamento de ser elinguagem, pois que nele transparece tanto o carter paradigmtico a partir do qual se produz comotambm da prpria ao produtora e reprodutiva.
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E aqui se insere a necessidade no apenas causal mas ontolgica de algum que
exera esta produo. No Timeu o demiurgo no um arteso tpico que possui to-s a
tcnica para a produo; ele imbudo igualmente do olhar divino filosfico capaz de
apreender por sua a essencialidade das coisas tais como so em si mesmas e
reproduzi-las produzindo pela perfeio de sua percia o variegado e mltiplo mundo
dos entes em devir.
No contexto do Crtilo, contudo, essa figura divina perfeita no poderia ser de
forma alguma admitida como responsvel por algo to imperfeito em seus propsitos
como a linguagem. E, entretanto, faz-se mister a figura de um , um
artfice de nomes, que labore como um18, legislador, para o estabelecimento
e produo dos nomes, como algum que os forja e os produz. Sem se poder sustentar a
tese da naturalidade dos nomes, o convencionalismo deixa meramente ao encargo desse
legislador a confeco dos nomes. por isso que a figura do 19, o dialtico,
igualmente requerida, pois s ele seria capaz da viso notica necessria para uma justa
correo dos nomes, em vista destes se adequarem s coisas mesmas que tencionam
representar.
Essa conjuno de foras entre as mos do legislador e o intelecto do dialtico
no se mostra capaz o suficiente para uma refundao da linguagem que minimizasse os
impactos das convenes e maximizasse a correspondncia ontolgica. Este projeto
abortado antes mesmo de seus primeiros passos pelo fato de ser descomunal em relao
s foras de produo humanas. Ao contrrio da produo da natureza, que conta com o
divino para configur-la perfeitamente, nos faltariam lbios e mos divinas para
refundar os nomes e a linguagem.
Consideraes finais
Nos breves apontamentos que fizemos aqui no decorrer do texto pudemosestabelecer alguns elementos-chave que nos permitiram traar em linhas gerais o esboo
de uma metafsica da linguagem em Plato. evidente isso aqui no foi suficientemente
problematizado e tampouco apresenta inteno de resolver terminantemente suas
questes. A anlise fenomenolgica conduzida at agora logrou minimamente
reconhecer os traos e conexes pelos quais a linguagem est intimamente vinculada
18or conseguinte, Hermgenes, nem todos os homens tm capacidade para impor nomes, mas apenas o
fazedor de nomes (), e esse, ao que tudo indica, o legislador (), de todos osartistas o mais raro. (LO, 19, 88e - 389a, p. 153).19PLATO, 1973, 390c-d, p. 155.
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questo do ser e como que sua compreenso s pode se dar sobre a sua fundamentao
na ontologia.
Se os deuses dispuseram para ns a da linguagem, no nos ensinaram a
fal-la ou manej-la. Os nomes que dispomos para traduzir a verdade dos entes e do ser
se apresentam como instrumentos limitados e no raras vezes ineficazes. Mas so os
nicos de que dispomos. Sem eles no h comunicabilidade, no h compartilhamento
de sentidos, ensino ou conhecimento. Os deuses teriam escondido de ns em seu
silncio seu idioma etreo e difano capaz de transluzir sem quaisquer vestgios de
opacidade e sem mediaes a perfeio das coisas tais como so em si mesmas.
Restam-nos os nomes. Resta-nos, destarte, multiplic-los, expandi-los em sua
pragmtica, reinvent-los e reorigin-los. Sem eles no somos os viventes que somos e
por isso tambm deles a misso existencial de povoar a terra e descortin-la. Os
viventes que possuem a linguagem e, contudo, a linguagem muito mais que uma
propriedade constitutiva de nosso ser, mas a regio em que habitamos e que no nos
possvel jamais ultrapassar, ainda que enveredemos pelas trilhas mais inspitas da
reflexo e do pensamento onde seja rduo identificar fenmeno, coisa e palavra.
Onde a grandeza do homem, a sua misria. Mas nessa misria estende-se a
largura e a profundidade do horizonte no qual se manifesta para ns o acontecimento da
verdade. A grandeza da linguagem, longe de apenas consistir na nossa diferena
especfica em relao ao gnero dos animais, garante-nos que ao menos que
coparticipemos, nos limtrofes em que estamos enredados fenomenicamente, do divino
que numenicamente nos ocultado.
BIBLIOGRAFIA
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo. Petrpolis: Vozes, 1999.HEIDEGGER, Martin.A caminho da linguagem. Petrpolis: Vozes, 2003.
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p.227-249.
_______. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Petrpolis: Vozes, 2012b.
_______. Ser e tempo / Sein und Zeit. Petrpolis: Vozes, 2012c.
INWOOD, Michael.Dicionrio Heidegger. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
PLATO. Crtilo. In: Dilogos IX: Teeteto e Crtilo. Belm: Ed. UFPA, 1973._______.Repblica. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2010.
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WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratactus logicus-philosophicus. So Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1968.
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O SENTIDO DO DESTRANSCENDENTALISMO EM JURGEN HABERMAS
Ilca Santos de Menezes1
RESUMO:Para Jurgen Habermas, o paradigma da filosofia da conscincia, em que o sujeitocognoscente se dirige a si mesmo como s entidades no mundo, est esgotado. Habermas sugereque esse paradigma seja substitudo pelo paradigma do entendimento recproco, no qual osintegrantes da interao adotam atitude performativa, coordenando seus planos de ao ao seentenderem sobre algo. Alguns filsofos tentam expressar a ordem perdida das coisas, que osujeito cognoscente tenta controlar em vo. Mas Hegel, segundo Habermas, quem inicia opensamento de destranscendentalizao do sujeito cognoscente. Para Hegel, o sujeito estsempre em situaes de encontro e troca, e s no relacionamento com o outro toma conscinciade si mesmo. Para Habermas, quando a comunicao faz a mediao do saber, a racionalidadeno est mais restrita ao sujeito cognoscente, ela mediada pela capacidade dos participantes dainterao agirem segundo pretenses de validade sustentadas no reconhecimento recproco.Quando os participantes da interao ouvem uns aos outros, terminam por descentrar suasperspectivas iniciais. H pressupostos morais e ticos na comunicao intersubjetiva, portantoexiste contedo normativo para o comportamento e o entendimento entre os sujeitos. Mas aauto-regulao dos sujeitos precisa ser complementada pelas leis, em sociedades complexas.
PALAVRAS CHAVE: Sujeito cognoscente. Destranscendentalizao. Comunicao.Entendimento.
Detranscendentalism in the sense of Jurgen Habermas
Abstract: or ccording to urgen Habermas, the paradigm of the philosophy ofconsciousness, (in which the cognoscente subject addresses to himself as to the entities in theworld), is depleted. Habermas suggests that this paradigm is replaced by the a paradigm ofmutual understanding, in which members of the interaction adopt performative attitude,coordinating their action plans to agree on something. Some philosophers try to express the lostorder of things, that the knowing subject in vain, attempts to control.
But Hegel, according to Habermas, is who starts the thought of detranscendentalization ofthe cognoscente subject. For Hegel, the subject is always in situations of encounter andexchange, and only in the relationship with the other, becomes aware of itself. For Habermas,states, when communication mediates knowledge, rationality is no longer restricted to thecognoscente subject; it is mediated by the ability of the participants of the interaction to actaccording accordingly to validity claims sustained in mutual recognition.
When the participants of the interaction hear each other, they end up decentralizing theirinitial prospects. There are moral and ethical assumptions in intersubjective communication, so
hence, there are normative content for the behavior and understanding between subjects. Butself-regulation of the subjects, needs to be complemented by the laws in complex societies.
Keywords:Cognoscente subject. Detranscendentalization. Communication. Understanding.
Neste texto apresento uma noo do sentido do destranscendentalismo desenvolvido
por Jurgen Habermas. Segundo ele, a destranscendentalizao dos sujeitos
1Doutoranda UFBA. Prof. Unicenid e Unifacs.
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cognoscentes2 discutida por alguns filsofos, e existe crtica quanto ao vis
controlador da razo centrada no sujeito. Habermas sugere que o paradigma do
conhecimento de objetos, ou filosofia da conscincia3, seja substitudo pelo paradigma
do entendimento entre sujeitos capazes de falar e agir, que, socializados por meio da
comunicao, reconhecem-se reciprocamente. Essa seria uma forma determinada de
crtica ao logocentrismo ocidental.
Segundo Habermas, G. W. Friedrich Hegel e Karl Marx tentam explicitar a intuio
tica do sujeito cognoscente segundo o modelo da formao no forada da vontade em
uma comunidade de comunicao sujeita a presses de cooperao, mas no efetuam a
mudana de paradigma. Martin Heidegger e Jacques Derrida atribuem interpretao
do mundo, no a um ser a, que projeta a si mesmo, mas aos mundos da vida
estruturados comunicativamente, que se reproduzem atravs da ao orientada ao
entendimento. Mesmo tentando ignorar a metafsica da subjetividade, eles permanecem
presos inteno da filosofia primeira, de acordo com Habermas. Esses e outros
autores, cada um a seu modo, tentam expressar a ordem perdida das coisas, que o
sujeito, isolado metafisicamente, quer tentar controlar em vo. Eles diagnosticam a
perda do abrigo metafsico. Mas, para Habermas, no s isso. As oscilaes que
ocorrem, por exemplo, entre consideraes transcendentais e empricas, entre auto-
reflexo e o imemorial inalcansvel por meio da reflexo, so sintomas de esgotamento
do paradigma da filosofia da conscincia. A soluo mais slida para a dissoluo
desses sintomas a passagem ao paradigma do entendimento recproco. No modelo da
ao orientada ao entendimento, deixa de ser privilegiada a atitude objetivante em que o
sujeito cognoscente se dirige a si mesmo como s entidades no mundo, isto , como
objeto. Ao contrrio, no paradigma do entendimento recproco, o fundamental a
atitude performativa dos participantes da interao, que coordenam seus planos de ao
ao se entenderem sobre algo (HABERMAS, 2002a, p. 411-414).Para Habermas, a considerao kantiana de que, entre a posio extramundana do eu
transcendental e a intramundana do eu emprico, nenhuma mediao possvel,
2Cognoscente pode ser entendido como consciente de si mesmo, ou auto-consciente (CAYGILL, 2000, p.
70).3 Ramo de estudo filosfico que se articula em torno da afirmao da autonomia do sujeito, o qualestrutura cognitivamente a realidade e deve plasma-la praticamente segundo critrios universalistas.Paa Joh Loke osiia a peepo do ue se passa a ppia ete de u hoe. O seu
principal interesse consiste em, a partir da realidade da conscincia, defender a noo de identidade
pessoal, fazedo da osiia a ase de u sujeito. Iauel Kat defie osiia oo arepresentao que ua outa epesetao e i, a ual foa a odio uivesal de todooheieto e geal CAYGILL, 2000, p. 69.
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dispensada assim que a intersubjetividade produzida linguisticamente passa a ter a
precedncia. Nesse caso, o ego (o eu) encontra-se em uma relao interpessoal que lhe
permite, da perspectiva do lter (o outro), referir-se a si mesmo como participante de
uma interao. A reflexo efetuada desde a perspectiva do participante escapa ao tipo de
objetivao operada desde a perspectiva do observador. Sob o olhar a terceira pessoa,
quer seja dirigido para o exterior, quer para o interior, tudo se congela em objeto. Mas a
primeira pessoa, dobrada sobre si mesma em atitude performativa a partir do ngulo de
viso da segunda, pode reconstituir seus atos realizados irrefletidamente. Uma
reconstruo reconstituinte do saber desde sempre aplicado ocupa o lugar do saber
objetivado reflexivamente, isto , ocupa o lugar da conscincia de si (HABERMAS,
2002a, p. 415).
O que antes competia filosofia transcendental a anlise intuitiva da
conscincia de siadapta-se agora ao crculo das cincias reconstrutivas,
que, na perspectiva dos participantes de discursos e de interaes, procuram
tornar explcito o saber pr-terico de regras de sujeitos que falam, agem e
conhecem competentemente, recorrendo a uma anlise das manifestaes
bem sucedidas e das distorcidas. Visto que tais tentativas de reconstruo
no se destinam mais a um reino inteligvel que est alm dos fenmenos,
mas ao saber de regras efetivamente praticado e sedimentado nas
manifestaes geradas segundo regras, anula-se a separao ontolgica entre
o transcendental e o emprico (HABERMAS, 2002a, p. 415-416).
De acordo com Habermas, crticos de Immanuel Kant, como J. G. Fichte e F.
Schiller dizem que a filosofia de Kant empreende uma delimitao de fronteiras. Mas
esse processo no dinmico a ponto da razo se retirar, abandonando o outro. Hegel
tambm critica as operaes de demarcao da filosofia da reflexo, as oposies entre
f e saber, entre infinito e finito, entendimento e sensibilidade, dever e inclinao, entreoutras. Para Hegel, a necessidade da filosofia deve-se ao desaparecimento da
capacidade de unificao entre os homens. Hegel interpreta as delimitaes de
fronteiras, prprias razo centrada no sujeito, como cises, e no como excluses, e
exige da filosofia o acesso a uma totalidade que compreende em si a razo subjetiva e
seu outro (HABERMAS, 2002a, p. 422-423). Como Hegel no concorda com a
representao mentalista de uma subjetividade auto-suficiente, que se delimita em
relao ao que lhe exterior, ele pe de lado as oposies e liberta as operaes de umsujeito cognoscente do isolamento do Eu narcisicamente introvertido. Para Hegel, o
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sujeito est sempre situado em contextos e em permanente encontro e troca. O sujeito
no pode estar junto a si mesmo sem estar junto ao outro, pois s no relacionamento
com o outro ele forma a conscincia de si mesmo (HABERMAS, 2004, p. 191).
Segundo Habermas, Hegel inicia o pensamento de destranscendentalizao do sujeito
cognoscente. Ele reconduz o sujeito transcendental de Kant ao espao social e tempo
histrico (HABERMAS, 2004, p. 183).
Karl Marx pensa diferente de Hegel em relao incluso do outro, no
conhecimento de si mesmo. Para Marx, o sujeito no processo produtivo se desenvolve
em sua subjetividade. Habermas analisa em Marx o materialismo histrico. Nessa
teoria, Marx afirma que os produtos produzidos pelos homens so distribudos e
consumidos. Assim como o trabalho, a distribuio dos produtos socialmente
organizada. Nas regras de distribuio existe conexo sistemtica com expectativas e
interesses recprocos. Ento Habermas observa que a repartio dos produtos do
trabalho exige regras de interao, que, no nvel da compreenso lingustica
intersubjetiva, podem ser destacadas de situaes particulares e serem reconhecidas
como normas do agir comunicativo. Habermas diz que o conceito de trabalho social
marxista, enquanto forma de reproduo da vida humana, tem conotaes especficas,
ele se relaciona criticamente com importantes afirmaes de fundo da filosofia do
sujeito ou da reflexo. Na teoria de Marx, o modo como os indivduos externam sua
vida coincide com a sua produo (tanto o que produzem como o modo como
produzem). Isso pode ser entendido como uma crtica ao fenomenalismo das
orientaes, empiristas ou racionalistas, que entendem o sujeito cognoscente como
conscincia passiva. H tambm conotaes materialistas no principio de que o que o
indivduo coincide com sua produo, indo de encontro ao idealismo terico e ao
idealismo prtico que afirmam o primado do esprito em relao natureza e o primado
da ideia em relao ao interesse (HABERMAS, 1983, p. 113-114). Para Marx, o modode produo da vida material condiciona em geral o processo social, poltico e espiritual
da vida. A conscincia dos homens no o que determina o seu ser, mas o seu ser
social que determina sua conscincia (HABERMAS, 1983, p. 123).
Na sua obra, O discurso filosfico da modernidade, Habermas diz que a filosofia da
prxis, marxista, est sujeita a uma razo compreensiva, superior, com pretenso de
totalidade. Em nome dessa razo, Horkheimer e Adorno criticam a razo da filosofia
kantiana como repressiva, instrumental e obtusa. Para Habermas, no h nenhuma razocompreensiva. Como dizem os irmos Bohme, segundo Habermas, dever-se-ia aprender
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unidade do mundo, que Kant concebe ao lado de ideias tericas como do sujeito
cognoscente, e de Deus como origem unificadora dos objetos de pensamento. A ideia
cosmolgica tem papel de princpio metodolgico da integridade e se refere ao objetivo
de uma unidade sistemtica do conhecimento do entendimento. O pensamento
metafsico rui diante de uma ordem do mundo hipostasiada. A destranscendentalizao
conduz os sujeitos aos contextos do mundo da vida e cognio com o falar e o agir. O
sujeito transcendental perde sua posio do outro lado do tempo e espao e se
transforma em sujeitos capazes de linguagem e ao (HABERMAS, 2002b, p. 37-39).
Segundo Habermas, no horizonte do mundo da vida, os sujeitos capazes de ao
relacionam-se com algo no mundo objetivo quando querem se entender sobre algo na
comunicao ou nas relaes prticas. Para isso cada um deve, em concordncia com
todos, partir de um pressuposto pragmtico. O mundo suposto como totalidade de
objetos identificveis que podem ser julgados ou tratados. A objetividade do mundo
significa que ele idntico para todos, e a prtica lingustica que nos obriga
suposio pragmtica de um mundo objetivo comum. Habermas chama a ateno para a
questo de que o mundo suposto como totalidade de objetos no deve ser confundido
com a realidade que constituda por tudo o que pode ser representado por expresses
verdadeiras (HABERMAS, 2002b, p.39-42). A suposio de um mundo comum de
objetos existentes independentemente, dos quais podemos fazer afirmaes,
completada pela ideia de verdade, como qualidade dessas afirmaes. Quando no h
base prpria para as afirmaes, as exigncias de verdade deixam-se provar
discursivamente. A ideia de um processo de argumentao o mais inclusivo possvel,
mantm um papel importante para o esclarecimento, seno da verdade, pelo menos da
aceitabilidade racional (HABERMAS, 2002b, p. 57-59).
Os participantes das interaes usam argumentos e ouvem os outros, terminam por
descentrar suas perspectivas iniciais. Dessa forma a ideia kantiana de totalidade domundo transferida do mundo objetivo para o mundo social. Ao interagirem
comunicativamente as pessoas so orientadas por valores e normas, de modo que sabem
o que esperar umas das outras. Num grupo social h expectativas normativas, prticas,
costumes, instituies e regulamentos. As interaes so reguladas normativamente,
porque os indivduos se defrontam com normas que reconhecem como obrigatrias.
Dessa forma o mundo social compreendido como uma totalidade de relaes
interpessoais legitimamente reguladas (HABERMAS, 200b, p. 60-62).
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Na filosofia da conscincia, o sujeito interpretado como tendo conhecimento e
domnio sobre os objetos. A mostrar que o paradigma da razo centrada no sujeito est
esgotado, Habermas procura resgatar e valorizar a razo comunicativa, presente na
relao entre os sujeitos, nos contextos do mundo da vida. Na teoria de Habermas, o
sujeito cognoscente faz parte do processo histrico, se relaciona com os outros e junto
aos outros busca conhecimento sobre os objetos. A comunicao intersubjetiva possui
contedo normativo para o comportamento e o entendimento entre os sujeitos, devido
aos pressupostos morais e ticos. Na vida em comunidade, para um convvio
organizado, com justia e sem violncia, cada um deve justificar suas aes e no
prejudicar os outros. Mas, numa sociedade complexa, para haver ordem social, a auto-
regulao dos sujeitos precisa ser complementada pelas leis.
BIBLIOGRAFIA
CAYGILL, Howard. Dicionrio Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
FERRAZ, Marcus. Lies do mundo da vida: o ltimo Husserl e a crtica ao
objetivismo. Scientiae Studia. So Paulo, vol. 2, n. 3, p. 355-372, jul./set. 2004.
HABERMAS, Jurgen. Agir comunicativo e razo destranscendentalizada. Rio de
Janeiro: Tempo brasileiro, 2002b.
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________ Para a reconstruo do materialismo histrico. So Paulo: Brasiliense,
1983.
________ Verdade e justificao. So Paulo: Loyola, 2004.
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O PAPEL DA ELOQUNCIA NA CINCIA DO HOMEM HUMEANA
Carlos Roberto Alves Lima1
RESUMO: O ensaioDa eloqunciadelineia uma mudana significativa da reflexo humeana,na medida em que podemos observar Hume acentuar uma valorizao e construo dalinguagem, tomando como base a eloquncia e oratria dos antigos contrapondo aos modernos.Ao final, o filsofo mostra-nos outra faceta da cincia do homem e seu cuidado com o discursofilosfico.
PALAVRAS-CHAVE:Eloquncia. Antigos e Modernos. Discurso.
Abstract: The essay Of eloquence outlines a significant change in the Humean reflection,insofar as we can see Hume accentuate an appreciation of language and construction, based onthe eloquence and oratory of the ancients in contrast to modern. By the end, the philosophershows us another facet of the science of man and his care about the philosophical discourse.
Keywords: Eloquence. Ancient and Modern. Discourse.
Uma mudana na escrita permitiu a Hume mudar seu modo de como refletir
sobre a natureza humana. O resultado gerou um estilo mais apropriado e mais eloquente
a suas investigaes estticas. O ensaio Da Eloquncia bem atesta nossa observao
atravs de seu enredo rico em figuras e reflexes tais que mostram a fora
desempenhada pela escrita eloquente na filosofia de Hume. Neste ensaio o filsofo
busca compreender, na relao entre antigos e modernos, o que os distingue e separa, asaber, o discurso. Segundo Hume, era reconhecido por todos que a eloquncia moderna
era diferente da antiga; os modernos levavam em considerao o estilo ideolgico a
partir do discurso poltico e da literatura. sobre este cenrio que o filsofo vai refletir.
Um bom exemplo que mostra a diferena entre o discurso dos antigos e dos
modernos observado na prpria Inglaterra. No Da Eloquncia, o filsofo faz a
seguinte pergunta: temos na Inglaterra nomes dos quais podemos nos orgulhar pela sua
orao ou maestria no uso de suas figuras eloquentes? (HUME, 004, p.0-209) A
resposta humeana irnica, pois, segundo ele, a maestria de alguns autores deve-se
somente ao discurso poltico. O poltico no teria uma preocupao em preservar ou
resguardar o contedo de seu discurso, preferindo seguir a experincia e a sabedoria do
que preservar o mrito pela fora da sua oratria e de como esta poderia incendiar
paixes. Para tal feito seriam necessrios engenho e perspiccia de esprito, e aqueles
que preferiam seguir o caminho contrrio, segundo Hume, no tinham nenhuma
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vantagem sobre os demais, visto que qualquer um com dedicao e talento comum
poderia elaborar discurso semelhante (HUME, 2004, p. 207-209).
Os antigos, para Hume, eram um exemplo a ser almejado quando se tratava
do sublime e da eloquncia. Como afirma na seguinte passagem:
Mesmo quem no estiver familiarizado com os nobres vestgios dosantigos oradores pode julgar, a partir de alguns poucos exemplos, queo estilo de sua eloquncia era infinitamente mais sublime que aquele aque aspiram os oradores modernos (HUME, 2004, p. 210).
Podemos perceber que na citao acima h uma admirao confessa da
eloquncia antiga por parte de Hume. E o filsofo apreende a eloquncia dos mais
proeminentes mestres cuja fora discursiva incomensurvel Longino, Ccero,
Quintiliano, Demstenes. Estes so exemplos de refinamento na escrita que
despertavam as paixes mais pungentes da natureza humana, segundo Hume. Elesconseguiram chegar exatido em suas alegorias e discursos por meio de uma arte
apurada e de um sentimento inigualvel, cujo resultado gerou uma arte sublime. O
clamor de suas ousadias e excessos inflamava a todos os espectadores a segui-los. De
acordo com o filsofo, esse artifcio era prazeroso de ser acompanhado, mesmo sendo
notrios seus excessos. O que, no entanto, no nos impediria de prestar ateno ao estilo
e composio das alegorias e expresses (HUME, 2004, p. 211-212).
Hume tinha conscincia do vigor artificial dos oradores antigos tinham na
construo de suas reflexes, poesias e demais argumentaes. Esse reconhecimento,
segundo Adam Potkay, levou o filsofo, astuciosamente, a mostrar os artifcios que
estavam sob as figuras ocultas destes oradores (POTKAY, 1994, p. 8-9). O ponto
central que pesava contra a eloquncia moderna na viso de Potkay era seu recurso
excessivo razo e argumentao. Em decorrncia disso, o solo eloquente moderno
teria se desenvolvido sob a aridez de uma linguagem fria. Para Hume, faltava aos
modernos a sensibilidade e a destreza dos antigos, os quais no viam problema algum
em suas construes exageradas, uma vez que elas representavam uma forma de
expurgar os males da alma. Alis, somente um grande gnio poderia, com a fora de sua
linguagem, empreender uma construo to sublime quanto eloquente, e este, o filsofo
nos relata, ser o mesmo em todas as eras. Neste sentido, torna-se uma tarefa difcil,
segundo Hume, delinear o incio e o declnio da genialidade da eloquncia (HUME,
2004, p. 212).
Tambm no Tratado podemos averiguar a fora desempenhada pela
eloquncia na filosofia de Hume quando este afirma que difcil recusar nosso
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assentimento quilo que retratado com todas as cores da eloquncia. [...] somos
arrebatados pela viva imaginao daqueles que lemos e ouvimos (HUME, 000, p.
153). no campo da linguagem que julgamos aparecer de maneira singular decises e
descobertas ltimas sobre a compreenso da natureza humana, mediante a averiguao
das imperfeies dos sistemas filosficos. Suas controvrsias e resultados tornam-se
fatos reconhecidos pelo filsofo. Quanto imperfeio de alguns sistemas filosficos,
Hume afirma:
Em meio a todo esse alvoroo, no a razo que conquista os louros, mas a
eloquncia; e ningum precisa ter receio de no encontrar seguidores para
suas hipteses, por mais extravagantes que elas sejam, se for hbil o
bastante para pint-las em cores atraentes (HUME, 2000, p. 20).
Contudo, cabe ressaltar que no encontraremos no Tratado uma anlise
aprofundada sobre a eloquncia. O estudo sistemtico do tema ser realizado
posteriormente nos ensaios Da Escrita de Ensaios e Da Eloquncia. Porm, se
detivermos o olhar sobre o Tratado, podemos encontrar exemplos fascinantes que
demonstram o estilo refinado de Hume. Donald Livingston observa que a eloquncia
uma arte que desempenha uma funo importante enquanto ferramenta capaz de acionar
nossas paixes de forma mais rpida imaginao, e as conecta aos seus espectadores
atravs da simpatia (LIVINGSTON, 1998, P. 35-52). Assim sendo, a manobra humeana
de revisitar seu estilo usando de uma linguagem fortemente eloquente foi, de acordo
com Giancarlo Carabelli, algo muito prprio do sculo XVIII para refletir aspectos da
natureza humana (CARABELLI, 1995, p. 34). Essa manobra endossada no Tratado,
passando pelos Ensaios, at as demais obras. Para mostrar bem esta afirmao, nada
melhor que o exemplo humeano da vitria da filosofia frente a toda confuso gerada
pelos excessos da razo. omo assevera Hume: a vitria no alcanada pelos
combatentes que manejam o chuo e a espada, mas pelos corneteiros, tamborileiros edemais msicos do exrcito (HUME, 000, p. 20). Porm, algum poderia objetar que
o filsofo privilegia demais a eloquncia no vendo suas falhas. Mas tal objeo pode
ser facilmente contestada uma vez que Hume tinha conscincia dos abusos que o
discurso eloquente gerava quando em demasia. Alm do mais, esta observao nos
fornecida tanto noDa Eloqunciacomo no Tratado.
NoDa Eloquncia, o filsofo considera trs fatores que fizeram com que o
discurso eloquente antigo casse em desuso pelos modernos. O primeiro diz respeito complexidade, multiplicidade e preferncias s quais os modernos estavam sujeitos. Por
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exemplo, o discurso jurdico, segundo Hume, rico em retrica e excesso nos
argumentos, de modo que estes so conduzidos a um grau de emprego que apenas os
mais habilidosos sero mestres em seu labor (HUME, 2004, p. 213-214). O segundo
fator v o declnio da eloquncia relacionado aos truques e alegorias empregados para
convencer espectadores e juzes quanto aos argumentos inseridos no discurso de forma
abusiva. Tal fato foi visto com desprezo pelos modernos. E por fim, Hume nos aponta
as desordens dos governos antigos (HUME, 2004, p. 217).
Em parte, segundo Hume, foi salutar abandonar o discurso antigo e agir com
bom senso. Porm, tal atitude no localiza os modernos em nvel superior aos antigos,
mostra antes a necessidade de aperfeioamento do seu prprio discurso e que isso os
leve a abrir mo completamente de ver tal tentativa coroada com xito. Isso deveria
fazer com que redobrassem sua arte e no que a abandonassem completamente
(HUME, 2004, p. 215). Por fim, na seo Dos Milagres (HUME, 2003, p. 164), Hume
atesta que a eloquncia subjuga o entendimento de seus espectadores de tal sorte que
estes no se do conta da manipulao a qual foram sujeitos deixando de lado o uso da
razo e da reflexo.
Ao examinarmos o Tratado observamos que Hume v na conexo do
discurso eloquente com o teolgico uma fonte de erro que nos conduz a uma cadeia de
exageros. Tais argumentaes, quando fundamentadas na religio e na eloquncia,
tornam-se obscuras e difceis de aceitar. Assim nos relata Hume:
Com razo, muitos telogos eminentes no hesitaram em afirmar que,embora o vulgo no possua princpios formais de negao da f, ele defato infiel em seu corao, no possuindo nada semelhante ao quepodemos denominar de crena na durao eterna de sua alma. [...], queos telogos mostraram com tanta eloquncia, e observemos que,mesmo se tais discursos contm um pouco de exagero, como em todasas questes de retrica, neste caso h que se admitir que as mais fortesfiguras retricas so infinitamente inferiores. (HUME, 2000, p. 144).
A passagem no deixa dvida: at mesmo o discurso teolgico est imerso
em a exageros, e suas construes so feitas para causar espanto e medo aos indivduos.
Verificamos ainda, segundo Hume, que nem mesmo os poetas escapam ao juzo crtico
nas construes e figuras eloquentes para despertar os sentimentos de paixo e simpatia
quanto ao belo e feio. Tais expresses, por mais refinadas que sejam, so todas fices -
as mais engenhosas das quais temos conhecimento. Tais poetas, quando se perdem em
meio a suas construes, no passam a proporcionar mais o prazer que antes
despertavam, e se querem despertar nossa vontade ou paixo, devem ainda ter como
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objetivo um tom de realidade em suas fices, tornando-as agradveis imaginao
(HUME, 2000, p. 151). Mas, essas fices so importantes de forma considervel, quer
para os poetas, quer para seus espectadores.
Essa mistura entre realidade e fico importante para sua trama, pois, ao
influenciar na apreenso da ideia pela imaginao, mesmo que sejam reconhecidamente
produtos da mais pura fico, o resultado o de conectar e despertar as paixes de uma
ideia a outra (HUME, 000, p. 1). pesar de sua ficcionalidade, tal mistura acaba
exercendo, segundo Hume, uma importante funo para nosso juzo e fantasia, ou ainda,
em nosso juzo de paixo, na medida em que a crena nela nos liga imaginao com
suas cores mais vivas.
A imaginao uma faculdade muito importante que permite fundamentar e
unir a cincia do homem. A diferena entre a imaginao e a memria ocorre por uma
questo de grau de fora e vividez (HUME, 2000, p. 20). Alis, Hume no Tratado
deixa claro que ambas as faculdades retiram suas ideias simples, e jamais indo alm, das
percepes que as originou. E, tampouco, podemos distingui-las das ideias complexas,
pois no temos motivos suficientes para tal operao. Para Hume a crena quem
delimita a distino entre a imaginao e a memria. A imaginao livre e ilimitada
tendo o poder de associar tudo a seu bel-prazer, pois nos transpe para alm dos limites
de nosso corpo, indo a outras regies do universo (HUME, 2000/2003, p. 34/113-114, p.
35). Contudo, adverte o filsofo que a imaginao se encontra aprisionada dentro dos
limites da experincia que os sentidos lhes fornecem. Ou seja, esta implicao diz
respeito impossibilidade de ultrapassarmos aquilo que pode gerar contradio ao
nosso pensamento (HUME, 2003, p. 35). Deste modo, a imaginao torna-se ponto
crucial para entendermos a esttica: seja na relao com a escrita e o refinamento; seja
nas paixes, na delicadeza de gosto, na tragdia e o mesmo na reflexo sobre o gosto.
Neste sentido, podemos observar que a imaginao se faz presente e importante namedida em que ela une e separa as ideias. Incit-la d fora e autoridade perante as
crenas, pois, difcil recusar nosso assentimento quilo que retratado com todas as
cores da eloquncia. [...]. Somos arrebatados pela viva imaginao daquilo que lemos
ou ouvimos (HUME, 000, p. 1). ara Hume, claro que no trivial que a
imaginao seja assim to facilmente incitada quanto aos seus afetos e com isto passe da
causa ao efeito. preciso, pois, grande Gnio para seguir com tal empreitada e este
dito altivo e sublime (HUME, 000, p. 40).
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A dificuldade dos modernos em aceitar o discurso dos antigos, segundo
Hume, diz respeito falta de critrio que, entre eles, se tornou constante. Alm do mais,
ter um sentimento de emulao para com as alegorias dos antigos, antes de serem vistas
com desdm, ao contrrio, so antes tentativas de genialidade que tem como intuito
incitar os jovens a ouvir, pensar e refletir as expresses das fices eloquentes (HUME,
2004, p. 218). No obstante, Hume observa que a ignorncia e a falta de gosto so as
causas para uma vida sem reflexo e de futilidades, de tal sorte que,
Quando num povo prevalece um falso gosto em poesia ou eloquncia,que este continue sendo preferido ao verdadeiro, depois de umacomparao e reflexo adequadas. Geralmente tal predomnio se deveapenas ignorncia do verdadeiro e falta de modelos perfeitos, quepermitam aos homens a justa compreenso e uma apreciao maisrefinada daqueles produtos de gnio. [...]. Os princpios de todos os
sentimentos e paixes esto presentes em todos os homens; quandodespertados da forma correta, esses princpios adquirem vida eaquecem o corao, produzindo aquela satisfao pela qual sedistingue uma obra de gnio das belezas adulteradas que nascem deum esprito ftil e de uma fantasia caprichosa (HUME, 2004, p. 219).
Para Hume, toda a produo de gnio requer um plano ou organizao para
causar aquele deleite e assim possa aprazer nossos afetos, e deve seguir seus objetivos
sem cair em exageros ou distores (HUME, 2003, p. 43). Na Investigao sobre o
Entendimento Humano(148), o filsofo claro ao observar que uma produo sem
um desgnio assemelhar-se-ia mais aos delrios de um louco que aos sbrios esforos do
gnio e da sabedoria (HUME, 00,p. 43). As figuras sublimes e patticas entre os
antigos no causavam repugnncia, antes serviam para despertar as paixes e afetos dos
espectadores, eram antes anttodos aos excessos da razo (LONGINO, 1996, p. 74).
essa fascinao pelo sublime a causa de admirao de Hume por Longino. Este filsofo
grego assevera-nos que o gnio nasce com esse talento tcnico, ou ainda, uma questo
de predisposio enquanto um dom natural que vai ao longo do tempo sendo apurado
(LONGINO, 1996, p. 45).
O filsofo escocs concorda com Longino quanto predisposio e dom
natural de alguns para o sublime, o que nos parece uma manifesta adeso humeana ao
discurso eloquente do filsofo grego. Contudo, cabe observar que ambos os filsofos
tm opinies diferentes quanto a suas concluses. O fato mais importante que nos leva a
concordar com a admirao e influncia de Longino sobre Hume sua adeso
natureza humana. Hume comunga com Longino que o sublime e o pattico so um
antdoto e um socorro maravilhoso contra a suspeita que pesa sobre o emprego das
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figuras, e a tcnica do artifcio, de certa forma cercada pelo brilho das belezas e das
grandezas, a se encontra mergulhada e livre de toda a suspeita (LOGIO, 199, p.
52).
Longino confessa que sublime o que agrada sempre a todos
(LOGIO, 199, p. ) ou ainda, o sublime o eco da grandeza da alma
(LONGINO, 1996, p. 54) e, sem dvida, estas afirmaes atestam a estima de Hume, na
medida em que defende semelhantes pressupostos. Para ambos os filsofos o excesso,
tanto no discurso quanto das paixes, visto como desvio da boa obra de gnio, pois,
quer sejam filsofos, quer sejam poetas, os excessos, ao invs de virtudes so vcios,
fadando as obras ao fracasso.
Para Hume a liberdade no discurso um processo benfico para a
construo do sublime na obra do gnio, pois, seus resultados geram o progresso do
conhecimento e do desenvolvimento social. Podemos ver esta conexo tambm nos
ensaios estticos de Hume como algo inestimvel para o florescimento das artes e
cincias. Somente em repblicas livres o progresso e desenvolvimento podem surgir.2
No Tratadoobservamos que para o filsofo o gnio considerado como algo mgico e
inexprimvel em palavras, ele simplesmente nos cativa por seu talento (HUME, 2000, p.
48).
A maneira como cada filsofo emprega sua linguagem converte-se em um
estilo prprio e isto faz parte de seu mtodo, seu modo de refletir os problemas do
mundo em toda sua complexidade e amplitude, construindo assim estratagemas e
experimentos de pensamentos os mais refinados. Algum poderia objetar que por vezes
os argumentos de Hume so deveras obscuros, na medida em que conduzem os leitores
e intrpretes a labirintos. Mas, segundo oo arlos alles o bom intrprete deve ento
multiplicar-se, dissolver aparentes contradies ou fragilidades, acompanhar a obra em
seus desnveis, pois s assim pode refazer-lhe a unidade e tornar inteligveis as vriasintenes do autor (LLE, 1989, p. 19). al perspectiva possibilita um
favorecimento ao pensamento do filsofo. Ou seja, uma boa leitura aquela que procura
na exegese do prprio texto do filsofo compreender e resgatar suas tenses e respostas.
2Cf. Longino,Do Sublime, p.106. Longino nos confessa de forma evidente e direta como a liberdade emum governo livre pode proporcionar o crescimento do conhecimento e: Graas aos prmios propostos
nas Repblicas, a superioridade dos espritos dos oradores sempre se afia pelo exerccio e de certa formase afina e, como se deve, brilha com o mesmo brilho que o mundo, na mesma liberdade. LOGIO, DoSublime, p.106. E no seu ensaio sobre o progresso nas artes e cincias Hume faz semelhante raciocnio.
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moral, poltico, lgico ou esttico. Ela nos guia ao melhor uso de nossa linguagem e,
para aqueles que a dominam com elegncia, permite o refinamento e aprimoramento de
suas construes.
A mudana de estilo permite ao filsofo dizer que s o gnio verdadeiro
pode incitar todas as paixes e sentimentos do modo mais adequado, isto sendo atestado
nas artes quando estas esto a servio do prazer e deleite do esprito humano, causando
nossa admirao. O gnio falso, apesar de sua astcia quanto ao uso da linguagem, s se
enche de oprbrio em sua argumentao, deixando espao ao verdadeiro filsofo ou
gnio que superior tanto em estilo quanto em refinamento, tomando as atenes todas
pra si (HUME, 2004, p. 219-220). claro que o recurso retrico uma manobra
consciente de Hume para direcionar e preparar seu leitor, tanto para os aspectos
positivos quanto aos negativos de tal discurso, cujo resultado o de munir com cautela
seu leitor quanto aos perigos e sedues das palavras (SALLES, 1989, p. 48). Segundo
oo arlos alles, Hume desqualifica [...] a um s tempo, contra a eloquncia dos
pregadores, a imagem do seu discurso como padro de esclarecimento e sabedoria
(SALLES, 1989, p. 49). Sendo assim, o filsofo de forma consciente ensina-nos como
lermos sua obra em toda sua inteireza e enxergar o que h de correto em interpret-lo
(SALLES, 1989, p 53).
No ensaioDa Simplicidade e do Refinamento na Escrita, Hume revela todo
seu engenho para mostrar que o estilo moderado benfico para todos aqueles que
buscam na linguagem compreender as sutilezas do esprito. Quanto escrita, Hume
concorda com as observaes de Joseph Addison (1672-1719) para quem o estilo
elegante um sentimento natural sem que este seja bvio (HUME, 2004, p. 323), e
por esta razo que nada pode agradar as pessoas de gosto, a no ser a descrio da
natureza com toda sua graa e todos seus encantos, la belle nature(HUME, 004, ).
Neste ensaio, o filsofo reflete acerca da natureza da escrita quanto simplicidade. Pois,por mais que uma linguagem esteja carregada de floreios, se esta no for elegante de
nada adiantar, muito menos ser natural e simples se lhe faltar fora e vivaci