04 Pavimentos Mistos Madeira-Betão

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EM ANÁLISE Pedra & Cal n.º 29 Janeiro . Fevereiro . Março 2006 Tema de Capa 4 As estruturas mistas madeira-betão consistem no uso combinado da ma- deira e do betão, procurando tirar partido das vantagens de cada um, e minorar as respectivas desvantagens. Para tal, adiciona-se à estrutura de madeira uma lajeta de compressão de betão. Fazendo uma analogia com o betão armado, podemos imaginar os elementos de madeira como a arma- dura de tracção do elemento de betão. O desempenho da estrutura mista se- rá tanto mais eficiente quanto melhor for o comportamento do conjunto (tendencialmente com tracção na ma- deira e compressão no betão), para o qual as características da ligação têm uma importância decisiva. Apesar desta técnica ser geralmente associada a intervenções de reabili- tação, o seu uso é igualmente possível noutras condições, como sejam estru- turas novas ou pré-fabricadas. Em rea- bilitação, esta solução geralmente usa- -se quando se pretende aumentar a ca- pacidade de carga ou diminuir defor- mações e/ou vibrações. Em novas construções, ela aparece muitas vezes associada a vãos superiores aos habi- tualmente realizados em madeira sim- ples. VANTAGENS E INCONVENIENTES Em relação ao pavimento de madei- ra, o pavimento misto apresenta me- lhor desempenho estrutural, traduzi- do por maior capacidade de carga, até 2 ou 3 vezes superior, e maior rigidez, até 3 ou 4 vezes superior. A maior ri- gidez e o aumento do peso contri- buem, igualmente, para uma redução do valor das frequências próprias de vibração. Por outro lado, o aumento do peso, só por si, constitui uma des- vantagem pelo ligeiro aumento das cargas transmitidas ao resto da estru- tura. Todavia, o maior peso próprio do pavimento será largamente com- pensado pelo respectivo aumento da capacidade de carga. Em termos de desempenho acústico, existem estudos que indicam que po- dem ser esperados valores de isola- mento da ordem de 60 dB para sons aéreos e da ordem dos 50 dB para sons de impacto, com ou sem pavimento flutuante. A resistência ao fogo é também au- mentada, uma vez que a lajeta de betão introduz uma importante bar- reira para a propagação do incêndio, sendo, neste caso, muito mais fácil a verificação dos requisitos impostos aos pavimentos face ao risco de pro- pagação de incêndio. Em relação ao pavimento de betão, as duas principais vantagens são: o peso próprio muito menor e a possi- bilidade de aproveitamento do pavi- Pavimentos Mistos Madeira-Betão Uma das técnicas possíveis para a recuperação estrutural de pavi- mentos de madeira em edifícios antigos são as estruturas mistas madeira-betão. Nesta solução, ao pavimento original de madeira, é adicionada uma lâmina de betão obtendo-se melhorias significati- vas em termos de desempenho global. Intervenção utilizando ligação por cavilhas Escoramento do pavimento necessário devido ao acréscimo de esforços e deformação nos elementos de madeira antes do endurecimento de betão 04-06 Analise#1.qxp 3/17/06 6:30 PM Page 4

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EM ANÁLISE

Pedra & Cal n.º 29 Janeiro . Fevereiro . Março 2006

Tema de Capa

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As estruturas mistas madeira-betãoconsistem no uso combinado da ma-deira e do betão, procurando tirarpartido das vantagens de cada um, eminorar as respectivas desvantagens.Para tal, adiciona-se à estrutura demadeira uma lajeta de compressão debetão. Fazendo uma analogia com obetão armado, podemos imaginar oselementos de madeira como a arma-dura de tracção do elemento de betão.O desempenho da estrutura mista se-rá tanto mais eficiente quanto melhorfor o comportamento do conjunto(tendencialmente com tracção na ma-deira e compressão no betão), para oqual as características da ligação têmuma importância decisiva.Apesar desta técnica ser geralmenteassociada a intervenções de reabili-tação, o seu uso é igualmente possívelnoutras condições, como sejam estru-turas novas ou pré-fabricadas. Em rea-

bilitação, esta solução geralmente usa--se quando se pretende aumentar a ca-pacidade de carga ou diminuir defor-mações e/ou vibrações. Em novasconstruções, ela aparece muitas vezesassociada a vãos superiores aos habi-tualmente realizados em madeira sim-ples.

VANTAGENS E INCONVENIENTES

Em relação ao pavimento de madei-ra, o pavimento misto apresenta me-lhor desempenho estrutural, traduzi-do por maior capacidade de carga, até2 ou 3 vezes superior, e maior rigidez,até 3 ou 4 vezes superior. A maior ri-gidez e o aumento do peso contri-buem, igualmente, para uma reduçãodo valor das frequências próprias devibração. Por outro lado, o aumentodo peso, só por si, constitui uma des-vantagem pelo ligeiro aumento dascargas transmitidas ao resto da estru-

tura. Todavia, o maior peso própriodo pavimento será largamente com-pensado pelo respectivo aumento dacapacidade de carga. Em termos de desempenho acústico,existem estudos que indicam que po-dem ser esperados valores de isola-mento da ordem de 60 dB para sonsaéreos e da ordem dos 50 dB para sonsde impacto, com ou sem pavimentoflutuante. A resistência ao fogo é também au-mentada, uma vez que a lajeta debetão introduz uma importante bar-reira para a propagação do incêndio,sendo, neste caso, muito mais fácil averificação dos requisitos impostosaos pavimentos face ao risco de pro-pagação de incêndio.Em relação ao pavimento de betão,as duas principais vantagens são: opeso próprio muito menor e a possi-bilidade de aproveitamento do pavi-

Pavimentos Mistos

Madeira-BetãoUma das técnicas possíveis para

a recuperação estrutural de pavi-

mentos de madeira em edifícios

antigos são as estruturas mistas

madeira-betão. Nesta solução, ao

pavimento original de madeira, é

adicionada uma lâmina de betão

obtendo-se melhorias significati-

vas em termos de desempenho

global.

Intervenção utilizando ligação por cavilhas Escoramento do pavimento necessário devido aoacréscimo de esforços e deformação nos elementos demadeira antes do endurecimento de betão

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mento de madeira existente. Por ou-tro lado, quando se trata de umaconstrução nova, há que considerar ofactor estético e os menores custos deacabamento final, uma vez que a ma-deira, só por si, constitui já o acaba-mento. Em termos de desvantagens,tem-se uma maior permeabilidadeaos sons aéreos e um risco acrescidode problemas com vibrações que re-sultam da diminuição da massa.

ASPECTOS DE NATUREZA

CONSTRUTIVA

Existem alguns aspectos que é interes-sante referir, no caso de intervençõesem que é mantida a totalidade da es-trutura, incluindo o soalho existente,que actuará como cofragem.Teremos que salientar algumas preo-cupações construtivas, como: imper-meabilização do pavimento originalpara recepção da camada de betão, es-coramento da estrutura de madeiracom possível aplicação de contra-fle-cha e verificação do estado de conser-vação dos apoios.A impermeabilização do pavimentooriginal visa ultrapassar duas si-tuações: humidificação da madeiracom consequente perda de água dobetão e o escoamento da goma dobetão pelas frestas do soalho. A estra-tégia mais comum consiste em apli-car uma película plástica em toda asuperfície do soalho. Em alternativa,e caso a face inferior do soalho não se-ja visível, poder-se-á efectuar esta im-permeabilização com uma pinturaadequada. O escoramento do pavimento preten-de evitar deformações indesejáveis poracção do peso próprio do betão fresco.

Este pode ainda ser aproveitado paraexecutar uma contra-flecha, permitin-do anular as posteriores deformaçõesdevidas às cargas permanentes.Após a intervenção, a zona do apoioda viga na parede ficará mais fragili-zada, devido ao acréscimo de pesopróprio sem consequente ganho de

resistência. Para além desta razão deordem estrutural, a zona do apoio erae continuará a ser a mais exposta àocorrência de degradação biológicaassociada a humidade elevada. Du-rante a intervenção, esta zona deverá,caso necessário, ser protegida e even-tualmente reforçada.

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Ligação da madeira - betão com cavilhas. Visíveis para além das cavilhas, uma armadura construtiva e um plás-tico impermeabilizante

Vista da face inferior do pavimento após a intervenção

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ASPECTOS DO COMPORTAMENTOESTRUTURALDada a inexistência de regulamentaçãoespecífica para os sistemas mistos ma-deira-betão, usualmente, são os regula-mentos de estruturas de madeira queorientam o dimensionamento, nomea-damente a ENV 1995:1 e a ENV 1995-2,existindo no Anexo (informativo) B daENV 1995-1 um modelo de análise daestrutura mista. Este modelo está de-talhadamente apresentado e exempli-ficado na publicação STEP.A dependência das propriedades dosmateriais relativamente à duraçãodas acções pode ser importante e de-ve ser tida em conta no dimensiona-mento corrente das estruturas mistasmadeira-betão, já que, frequentemen-te, o comportamento a longo prazo setorna condicionante. Estes efeitos po-dem ser considerados introduzindoalgumas alterações no modelo de cál-

culo atrás referido. Essas alteraçõesestão também detalhadamente des-critas na publicação STEP.Atendendo a que, normalmente, valo-res de rigidez dos ligadores usadosnestes sistemas mistos não são muitoelevados, poderá não ser possível evi-tar alguma fissuração na face inferiorda lâmina de betão. No entanto, a im-portância de se colocar armadura paracontrolo desse efeito é questionável,uma vez que as tensões de tracção nobetão atingem valores próximos dasrespectivas tensões de rotura já em pa-tamares de tensão perto da rotura dalaje. Esta armadura pode, contudo, serútil para controlar a fendilhação porefeito da retracção, sendo que, nessa si-tuação, poderá ser posicionada a meiaaltura da secção da lâmina de betão.A importância dos ligadores está ain-da directamente relacionada com ovão a vencer.

Diversas tipologias de ligação mistassão conhecidas, destacando-se, de en-tre elas, os ligadores metálicos de pre-gos, parafusos, cavilhas ou placasdenteadas, ou ligações por contactodirecto entre os dois materiais atra-vés da realização de um entalhe na vi-ga de madeira, ou mesmo as colagensdirectas entre a madeira e o betão.A escolha da solução de ligação entrea madeira e o betão deverá ser estuda-da em função da secção transversal daestrutura, das propriedades dos ma-teriais, do vão a vencer, das sobrecar-gas, da área de pavimento a intervir edo nível de deformações pretendido.Para a generalidade das intervençõesde reabilitação, onde os vãos não ul-trapassem os 5 a 6 metros e as sobre-cargas tomem valores abaixo dos 2 kN/m2, os ligadores metálicos re-velam-se interessantes pela boa re-lação custo / desempenho estrutural.Em situações de projecto mais especí-ficas e estruturalmente exigentes, ou-tras soluções deverão ser estudadas,podendo, então, passar pelas ligaçõespor contacto directo ou colagem.

REFERÊNCIASDias, A., Jorge, L., Ferreira, M. (2005) – Casos práticosde utilização em Portugal de estruturas mistas madeira--betão, Relatório interno, DEC-FCT-UC.Natterer, J., Herzog, T. and Volz, M. (1998) - Construi-re en Bois 2, 2.ª Ed., Presses polytechniques et univer-sitaires romandes, Suíça.NP ENV 1995-1-1 (1998) – Eurocódigo 5: Projecto de es-truturas de madeira. Parte 1.1: Regras gerais e regras paraedifício, IPQ.STEP (1992) – Timber engineering, First Edition Cen-trum Hout, Holanda.

ALFREDO DIAS,Engenheiro Civil, Professor Auxiliar,Universidade de Coimbra, [email protected]ÍS JORGE,Engenheiro Civil, Professor Adjunto,Instituto Politécnico de Castelo Branco,[email protected]

Ligação madeira - betão com parafusos inclinados

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