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  • Economia e Sociedade - 27

    Dinmicas financeiras privadas e o desafio s polticas dos bancos centrais1

    Charles E. Goodhart

    Introduo

    Cada nova gerao acredita que a extenso e a complexidade dos problemas que enfrenta no tm precedentes. Deve, por isso, superar desafios nicos para encontrar novas solues. Mas, na realidade, muitas destas dificuldades so inerentes ao sistema e, tanto elas quanto as solues propostas, mutatis mutandi, geralmente tm uma forma comum. Assim com os problemas de estabilidade e de controle financeiro. Muitos preocupam-se com o aumento da volatilidade dos mercados financeiros. Entretanto, mesmo a experincia do meu pas, o Reino Unido, revela que a volatilidade desses mercados (de aes, de cmbio, de ttulos e imobilirio) no foi particularmente marcante nos anos recentes; ao menos quando comparada aos severos distrbios de 1929-33, 1971-75 ou 1979-82. Na verdade, o perodo que vai de 1971 (quando o Sistema Bretton Woods entrou em colapso) at 1982 (quando os pases industrializados controlaram a inflao a expensas de taxas de juros reais elevadas e da decorrente crise da dvida dos pases menos desenvolvidos) foi de quase contnua turbulncia financeira, aps o qual se restabeleceu um nvel razovel de ordem e estabilidade. No entanto, o perodo subseqente foi pontuado por movimentos ocasionais, mas extremados, de preos nos mercados financeiros. Entre estes destacaram-se: o crash da Bolsa de 19 de outubro de 1987; os eventos no mercado cambial de setembro de 1992 e julho-agosto de 1993, forando membros do Sistema Monetrio Europeu (SME) a abandonar suas bandas estreitas; a bolha e o colapso do setor imobilirio japons e, ainda, a elevao e queda de preos nos mercados de ttulos, em 1993-94. Exceto o ataque especulativo contra o SME, difcil relacionar convincentemente estes movimentos de preos (especialmente o de outubro de 1987) aos fundamentals. Por isso, houve certa tendncia de atrelar as causas de tais movimentos a dinmicas desestabilizadoras inerentes aos prprios preos. Por exemplo, seguro de portflios, em 1987; as posies de hedge no interior do SME em 1992 (discutiremos isto adiante); e a variedade de estratgias de stop-loss e de cobertura de riscos, em 1989-92 e no recente colapso do mercado de ttulos.

    (1) Artigo apresentado no Seminrio Os Desafios do Sistema Monetrio Internacional, So Paulo, ago. de 1994. Promoo FUNAG/CEBRAP. Traduzido do ingls por Jos Carlos Miranda.

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    Mas estratgias do tipo stop-loss so conhecidas e utilizadas h dcadas, seno h sculos. A alavancagem - talvez com posies especulativas dos fundos de hedge - refletia, inicialmente, tomadas de emprstimos (freqentemente vista) pelos especuladores para o financiamento de acionistas em bases marginais. No h novidade nas acusaes e reclamaes quanto forma pela qual tais especuladores alavancados podem desestabilizar os mercados alm do que encontramos nos anais do sculo XIX e incio do XX (Sprague, 1910). Crises e manias financeiras como Kindleberger (1989) e outros documentaram so fenmenos bastante singulares e no existe nenhuma evidncia de que sua virulncia esteja aumentando. Ao contrrio, dos quatro distrbios mencionados anteriormente (outubro de 1987, SME, bolha imobiliria e o mercado de ttulos, em 1993-94), somente a bolha e o colapso imobilirio deixaram marcas deletrias nas variveis econmicas reais. Uma das caractersticas dessas crises que, freqentemente, surpreendeu os comentadores (mesmo sendo um oxmoro em um mundo racional eficiente) foi o grau de conexo internacional dos distrbios financeiros. De certo modo esta caracterstica apareceu durante as crises do SME que, uma vez iniciadas, reverberavam de pas membro a pas membro, a despeito de suas condies internas especficas. Se bastante difcil explicar o crash do mercado de aes de 1987 ou as oscilaes do mercado americano de ttulos em 1993-94, talvez seja ainda mais difcil compreender como e porque estes movimentos de preos foram transmitidos a outros pases; ou porque foram amortecidos em alguns casos e agravados em outros, como por exemplo, no Reino Unido, onde a variao percentual dos preos dos ttulos nos meses recentes foi maior que nos prprios Estados Unidos. Os mercados financeiros so internacionais enquanto a cobertura das noticias pela mdia e as primeiras informaes da maioria das pessoas so locais e nacionais. Novamente, reaparece aqui a tendncia a acreditar que esta globalizao dos mercados financeiros nova, um desenvolvimento dos tempos modernos. Em muitos aspectos, entretanto, estamos somente tentando retornar ao mercado global que existia antes de 1914. Pelo critrio de Feldstein-Horioka (correlao entre investimento interno e coeficientes de poupana), os fluxos de capital e os dficits/supervits correntes a eles associados eram mais elevados, como percentagem do PIB, antes de 1914 que agora, para os maiores pases do mundo. A migrao fcil de pessoas, particularmente do antigo para o novo mundo, atingiu, at 1914, nveis jamais verificados posteriormente. Inversamente, as transferncias internacionais de capital tiveram restaurada sua posio pr-1914 somente com a remoo dos controles cambiais. A diferena que, at 1914, os sistemas financeiros estavam conectados pelo padro ouro e, atualmente, por taxas de cmbio flutuantes. Como Morgenstern (1959) e outros autores documentaram, o padro ouro condicionava as taxas de juros nacionais de curto

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    prazo a uma interdependncia muito maior que agora. poca, a maior inovao tcnica interligando os mercados financeiros internacionais era o telgrafo (transocenico). Quando ocorriam, os distrbios e crises financeiras de um pas - como, por exemplo, na Argentina, em 1890, na Austrlia, em 1893 e em Nova Iorque, em 1907 - eram rapidamente transmitidos ao resto do mundo, freqentemente por meio de Londres. Pode ser questionvel considerar um fato especfico e retrgrado, o insulamento das diferentes economias nacionais por barreiras mobilidade de produtos e de capitais, como entre 1914 e os anos 1960. Mas, se assim foi, o retorno a mercados financeiros globalizados parte de uma tendncia em curso e desejvel. Outra tendncia corrente, detectvel pelas mudanas estruturais contnuas das instituies e mercados financeiros, a expanso dos produtos derivativos. Esta ocorre tanto nos mercados organizados de troca como nas operaes de balco. Evidencia-se em termos absolutos e relativos quando comparada a dos mercados vista subjacentes. E constitui a caracterstica mais observvel e temvel do presente desenvolvimento dos mercados financeiros. Possivelmente, uma mudana estrutural to importante tenha decorrido do aumento da concorrncia (internacional), quebrando as barreiras artificiais entre mercados e instituies financeiras, tanto intra quanto entre pases. Em parte, tais barreiras eram determinadas, ou no mnimo facilitadas, pela regulao e superviso financeira das autoridades nacionais no mbito de seus pases. Mas tais barreiras e as distines entre mercados e instituies erodiram-se e tornaram-se imprecisas, colocando desafios s autoridades de difcil enfrentamento, principalmente no campo do controle regulatrio. Discutiremos esta questo na seo 3. No obstante, este tipo de problema no , tambm, novo. Na primeira metade do sculo XIX, o dinheiro tinha, predominantemente, a forma metlica ou de notas bancrias conversveis em moedas (metlicas). O controle do sistema monetrio-financeiro era visto - inclusive por muitos dos melhores economistas da poca, como Ricardo - como sinnimo de administrao da emisso de moedas bancrias (Currency School). Mas, to logo tal concepo foi implementada por intermdio da centralizao da emisso de moeda no Banco da Inglaterra (Peel's Act de 1844), a natureza dos bancos transformou-se a partir da expanso de filiais dos bancos comerciais de fundo acionrio, assim como a da prpria moeda. No enfrentamos atualmente uma transformao estrutural to ampla de nossos conceitos e sistema institucional como a ocorrida no sculo XIX. Entretanto, bem possvel que tal mudana venha ainda ocorrer. Por exemplo, no h nenhuma razo intrnseca para que os passivos transferidos na compensao de pagamentos, isto , moeda, devam se restringir aos dos bancos ou ter valores nominais fixos. Em muitos aspectos, os fundos mtuos representariam uma base mais slida que os bancos para o sistema monetrio (Goodhart, 1993). No ficaria surpreso se,

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    pelo ano 2010, considerssemos as dcadas de 80 e 90 como sendo de estabilidade geral e de poucas mudanas estruturais. bom lembrar que muitos dos problemas e distrbios com que hoje nos defrontamos no so novos nem, segundo a maioria dos critrios objetivos, especialmente virulentos. Tenho sempre enfatizado trs aspectos desses problemas. O primeiro a ampliao da volatilidade dos mercados financeiros. O segundo, o aumento da internacionalizao e dos elos globais entre tais mercados. E o terceiro, a quebra das barreiras, que resulta numa delimitao imprecisa entre mercados e intermedirios financeiros intra e entre pases. Tenho, tambm, sugerido que no h no momento, em relao s dcadas passadas, uma razo especial para maiores preocupaes acerca destes desenvolvimentos. H, entretanto, um aspecto do desenvolvimento em curso, relacionado ao crescimento dos novos mercados de derivativos, que pode causar maior preocupao. Isso ocorreria quando algumas dessas inovaes reduzissem a transparncia das posies de mercado. Neste caso, os riscos aumentariam devido reduo da capacidade de reguladores, e demais agentes de mercado, de interpretar os sinais e de controlar os riscos adequadamente, por exemplo. Em seu nvel mais simples, esta sndrome aparece como uma preocupao quanto ao entendimento, pelos altos executivos, do potencial que a capacidade de negociar nos mercados de derivativos representa em termos de avaliao e controle de riscos dentro de suas prprias instituies (por exemplo, Mr. Jett and Kidder Peabody). Os controles dos sistemas internos so apropriados? Num nvel um pouco superior, a existncia dos mercados de derivativos permite aos intermedirios financeiros limitar riscos e/ou tomar posies especulativas no s de forma extremamente rpida mas, tambm, por meio de mecanismos bastante complexos. Contudo, tais engenharias financeiras aumentam crescentemente a rotao nos mercados financeiros, elevando o tamanho e a escala das compensaes de pagamentos. No mercado de cmbio, por exemplo, h preocupao crescente com os perigos advindos de eventuais falhas em tais setores de avaliao de riscos. Isto especialmente crtico onde no existe mercado centralizado e os procedimentos de interveno ainda no esto (legalmente) assentados. Sob tais circunstncias, a avaliao do risco de crdito pode tornar-se cada vez mais difcil. Isto, inevitavelmente, questiona a adequabilidade das formas tradicionais de regulao (bancria) baseadas em coeficientes arbitrrios de capital. Ou, ainda, baseadas em coeficientes de ativos lquidos aplicados a determinadas categorias especficas de ativos (com compensao limitada) e supervisionados por meio dos balanos em algumas ocasies pr-anunciadas e, em outras, ao acaso. Meu prprio trabalho economtrico, a partir de dados do mercado de cmbio altamente representativos (Goodhart, 1989), fez-me acreditar que relativamente poucos dos movimentos de mercado eram respostas diretas

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    publicao de "novidades" especificamente econmicas e que muitos deles constituam respostas interao de agentes de mercado. Uma transao de mercado , em si mesma, tratada como significativa pelos que a observam, a menos que exista alguma razo para consider-la como desprovida de informaes relevantes ou sem implicaes para o mercado como um todo. Hayne Leland, um dos inventores do seguro de portflios, gosta de distinguir o efeito que teve, em 19 de outubro de 1987, a venda de uns poucos bilhes de dlares pelas seguradoras, do efeito virtualmente nulo sobre os mercados de uma ampla venda de aes poucos meses mais tarde. A diferena que o ltimo episdio referia-se nova emisso de aes da NTT no Japo, pr-anunciada e bem conhecida desde ento. Desta forma, todos puderam tomar suas posies em resposta proposta de venda pr-anunciada. Como j mencionado, movimentos mais intensos nos preos sempre geraram reaes quase automticas por meio de vendas do tipo stop-loss e de chamadas de margem de garantia. Mas, atualmente, parece ter ocorrido uma mudana qualitativa no volume de transaes quase-automticas decorrentes, por exemplo, de coberturas de opes e de recomposies e coberturas de portflios. Estas transaes so maiores em termos dos valores envolvidos e podem ser mais atingidas por eventos especficos do que no passado, como veremos em relao s bandas cambiais. Mercados, especialmente os financeiros, operam melhor quando possuem informaes suficientes. Uma das questes levantadas pelo crescimento dos mercados de derivativos se estes geraro certas informaes-chave, como, em particular, as de vendas/compras que so quase automaticamente programadas para efetivar-se sob certas condies especficas de mercado. Estas deveriam ser mais amplamente conhecidas por todos os participantes do mercado mas, at hoje, os dados no so coletados e conferidos, nem esto disponveis em publicaes. Com esta reflexo geral como fundo, poderemos agora voltar-nos para a anlise dos efeitos das dinmicas financeiras em curso sobre os problemas defrontados pelos formuladores de poltica de um banco central. Comearei examinando a poltica monetria domstica, em que os problemas so, do meu ponto de vista, menos prementes; e concluirei com o problema da regulao pois, aqui, os desenvolvimentos estruturais em curso esto causando dificuldades fundamentais para os presentes mtodos de regulao.

    1. Poltica monetria

    O principal instrumento de poltica monetria encontra-se na capacidade do banco central administrar o nvel geral das taxas de juros de curto prazo. Ele faz isso por meio do controle efetivo (monopsnico) do volume de moeda de

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    curso legal, isto , da base monetria (moeda e depsitos junto ao banco central) que pode administrar a curto prazo por meio de operaes de open-market. As principais restries operacionalizao adequada da poltica monetria tm sido de cunho poltico. Tomam, freqentemente, a forma de presses polticas para manuteno das taxas de juros num patamar inferior ao que seria consistente em relao estabilidade de preos. E, em outras ocasies, de presses para elevar a emisso de base monetria como forma de financiamento do dficit do setor pblico. Isto vem ocorrendo, freqentemente, em muitas das Repblicas que formavam a antiga Unio Sovitica. No h, claro, nenhuma novidade quanto a isso. Na verdade, a voga atual de adotar em lei a independncia do banco central - como requerido dos bancos centrais membros do Sistema Europeu de Bancos Centrais pelo Tratado de Maastricht - indica o desejo de evitar, no futuro, tais interferncias polticas. Mas se os bancos centrais que tiveram mandato estatutrio para manter a estabilidade e, por isso, para administrar autnoma e efetivamente as taxas de juros, falharem em suas tarefas, alguns crticos poderiam ser levados a concluir que eles so congenitamente incapazes de garantir a estabilidade dos preos. Nesta circunstncia hipottica poderia haver um incentivo ao Free Banking, sistema em que cada banco individualmente se responsabilizaria pela converso de suas moedas e passivos em um ativo de valor real, como, por exemplo, uma cesta nocional de bens, um ndice de rentabilidade, ou qualquer outro. Mas tal resultado, ainda que improvvel, tem pouca relao com as dinmicas financeiras privadas. Algumas propostas futursticas enfatizam que o desenvolvimento de uma sociedade que operasse sem papel-moeda (por exemplo, por meio de cartes inteligentes) reduziria ou, o que daria no mesmo, alteraria a demanda por moeda que o banco controla por meio de taxas de juros de curto prazo. Em tal contexto, a poltica do banco central ficaria comprometida. Tais receios so injustificados. Bancos e demais intermedirios financeiros sempre preferiro aplicaes em fundos "inquestionveis" de seus bancos centrais a ampliar crdito para seus correlativos. Alm disso, alternativas s moedas correntes normalmente requerem identificao eletrnica e, por esta razo, perdem o anonimato. Hoje, parte da demanda por moeda, em diversos pases, est relacionada atividades econmicas ilegais e obscuras. E tais atividades podem estar relacionadas ao PIB nominal de forma to estvel quanto aquelas que j se efetuam sem a intermediao de papel-moeda. Acredito ser verdade que, se o banco central no tivesse tido o monoplio da emisso de moeda, a competio entre bancos comerciais para emitir suas prprias notas resolveria o problema de pagamento de juros sobre tais ttulos (fim da senhoriagem e de inmeras facetas enigmticas da economia monetria de uma nica vez). Mesmo assim, o banco central poderia, ainda, controlar o nvel geral das taxas de juros, fixando a taxa que pagaria sobre seus prprios passivos

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    (Goodhart, 1993). Mas isso nos distancia, novamente, do principal objetivo deste trabalho. Voltando ao essencial, comecemos pela hiptese de que no haja uma sria ameaa tradicional capacidade de qualquer banco central para administrar sua poltica monetria pelo controle das taxas de juros de curto prazo, advinda das dinmicas financeiras privadas, nem de outra origem qualquer. Tais mudanas estruturais colocam, sim, problemas para a escolha da taxa de juros mais apropriada ao controle monetrio; de monitoramento dos efeitos da poltica de juros e dos mecanismos de transmisso de tais efeitos economia.2 O melhor exemplo o colapso da estabilidade da maioria das funes de demanda por moeda, atribudo, geralmente, a inovaes financeiras tais como o pagamento de taxas de juros de mercado a amplas categorias de depsitos vista, o crescimento dos fundos mtuos, etc. As oscilaes de M3 na Alemanha e a deciso do Bundesbank de diminuir as taxas nominais de juros segundo as expectativas de declnio da inflao e do PIB nominal, a despeito de elevaes em M3, fornecem-nos um ltimo exemplo. Em anos anteriores, como, por exemplo, de 1975 a 1982, pensava-se que metas para agregados monetrios intermedirios - dadas as ligaes presumveis destes com movimentos subseqentes nas rendas nominais - proveriam os bancos centrais de informao suficiente a respeito de quando variar as taxas de juros e de como controlar o crescimento monetrio.3 Desde ento, os hbitos modificaram-se e os agregados monetrios j no constituem uma base informativa to relevante para os bancos centrais. So um entre vrios indicadores para administrao da poltica de juros. Esta mudana, em grande medida, decorre da imprevisibilidade da velocidade da moeda. Por exemplo, as taxas de crescimento dos emprstimos bancrios e dos agregados monetrios mais amplos colapsaram em vrios pases, entre 1990 e 1992, inclusive no Japo e no Reino Unido, sem suscitar nenhuma presso conjunta por uma reduo compensatria maior das taxas de juros adotadas. No Reino Unido, claro, a conduo da poltica monetria era restringida por sua condio de membro do Mecanismo Cambial Europeu e, subseqentemente, pela necessidade de repensar sua poltica estratgica. As mudanas estruturais no s afetaram a estabilidade das funes de demanda por moeda como, tambm, alteraram os mecanismos de transmisso pelos quais as taxas de juros afetam a economia. Por exemplo, restries impostas

    (2) Muitos acadmicos, entre eles McCallun, argumentam que o banco central deveria determinar uma taxa de crescimento para a base monetria ao invs do nvel da taxa de juros. Este um argumento de longo prazo, que trato em inmeros outros trabalhos, por exemplo, Goodhart (1994). Para a presente finalidade, minha tese que, na prtica, os bancos centrais tm, e continuaro a ter, controle rgido da taxa de juros e no da base monetria. Sendo assim, a discusso deveria ocorrer nestas bases prticas e realistas. (3) Esta prtica costumava enfurecer os economistas monetaristas que defendiam a superioridade do controle da base monetria enquanto tcnica operacional. Como j discuti na nota 2, os bancos centrais nunca aceitariam os argumentos ou preconceitos monetaristas.

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    s taxas de juros de certos intermedirios financeiros (e as limitaes que lhes so associadas em termos de atividades permitidas) e a concorrncia entre alguns segmentos de intermedirios, significavam que aumentos das taxas de juros politicamente induzidos ocasionariam transferncias (previsveis) de fundos. E aqueles intermedirios que perdiam financiamento racionavam, conseqentemente, os emprstimos para seus tomadores. Pessoas fsicas, especialmente quando se tratasse de tomadores de emprstimos hipotecrios, e pequenas empresas seriam expelidas do mercado pela poltica monetria restritiva: as autoridades utilizar-se-iam, assim, das imperfeies dos mercados financeiros para reforar seu controle. Hoje este controle encontra-se enfraquecido pela debilidade de tais imperfeies devido fora da concorrncia e da inovao estrutural. Agora, quando o banco central eleva o nvel geral das taxas de juros de curto prazo, ele no pode estar seguro dos efeitos sobre certos diferenciais-chave entre taxas (como ele podia no passado, graas rigidez imposta s taxas de depsitos correntes para bancos e para o sistema financeiro de habitao, por exemplo). H menos efeitos quase-automticos de racionamento. Para ter-se o mesmo impacto global, o efeito-preo das variaes das taxas de juros deve ser maior. claro que o efeito-preo das taxas de juros depende de expectativas da variao relativa de outros preos, isto , das taxas "reais" de juros. No o nvel geral de preos de bens e servios que preocupa os tomadores de emprstimo, mas os preos daqueles bens ou ativos que esto sendo adquiridos ou retidos como garantias de emprstimo. So relativamente poucos os emprstimos tomados para financiar consumo corrente. Ao contrrio, a maioria dos emprstimos destina-se a financiar a compra de ativos, notavelmente bens reais, casas, escritrios, fazendas, etc. Por isso, tais tomadores preocupam-se com os preos dos ativos e no com um ndice de preo de varejo. A taxa de inflao que relevante para a determinao da taxa de juro real dos emprstimos dos bancos e companhias de financiamento imobilirio baseia-se nos ativos reais e no nos bens em geral. Fosse ou no compatvel com expectativas racionais, prevalecia a opinio, em muitos pases no final dos anos 80, de que os preos das propriedades/imveis cresceriam de modo consistentemente mais rpido que o ndice de preo de varejo. Sendo assim, as taxas de juros reais, calculadas a partir desses ndices, estariam superestimadas. O contrrio ocorreu aps a exploso da bolha, revelando taxas de juros reais subestimadas, como, por exemplo, no Japo. Isto nos conduz a questes complexas relativas s concepes de "estabilidade de preos". Que ndice as autoridades devem objetivar estabilizar? Como - se for o caso - as autoridades devem reagir a elevaes de preos de ativos superiores s dos bens? Os preos dos ativos so muito volteis e, talvez, mais sujeitos a mudanas que os dos bens. Se o mercado de aes disparasse, seria esta razo suficiente para apertar a poltica monetria? A discusso dessas questes durante a Conferncia

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    do Banco do Japo sobre Estabilidade Financeira em um Ambiente de Mudanas, em outubro de 1993, revelou que poucos economistas queriam incorporar, formalmente, os preos dos ativos a algum ndice ou medida que pudesse vir a ser utilizada como meta de estabilizao. Ao contrrio, quase todos defendiam o uso dos dados de preos dos ativos como "variveis de informao", que poderiam ser utilizadas como um dos guias para o ajuste das taxas de juros de curto prazo. O usual entre pases que no tm objetivos pr-fixados para suas taxas de cmbio (ou em economias fechadas, como os EUA, devido a seu tamanho, ou em economias protegidas por controles cambiais e/ou com taxas flutuantes) so alteraes discricionrias das taxas de juros. Estas objetivam estabelecer preos estveis a mdio prazo e so realizadas com base em informaes a respeito de diversas variveis, incluindo neste rol vrios indicadores diretos da prpria inflao, de utilizao de capacidade e de desemprego, a taxa de cmbio, os agregados monetrios, etc. O peso atribudo s diferentes informaes inteiramente subjetivo. No um mtodo de operao intelectualmente meticuloso. Em um mundo complexo, que evolui estruturalmente, a flexibilidade da advinda pode ser uma vantagem operacional, particularmente quando as autoridades monetrias esto rigorosamente comprometidas com a obteno de metas. Mesmo em pases com taxas de cmbio flutuantes, as influncias externas so capazes de afetar as decises correntes das autoridades sobre o nvel apropriado das taxas de curto prazo e as expectativas quanto ao seu futuro provvel no mercado domstico. Por isso, as taxas de juros de mais longo prazo e a curva de rendimentos em pases com taxas de cmbio flutuantes podem ser influenciadas pela avaliao de mercado dos impactos domsticos de mudanas internacionais. Alm deste efeito normal, questionou-se, nos ltimos meses, se os fluxos internacionais de capitais no produziriam um ajustamento global nos rendimentos dos ttulos. Tal ajuste teria elevado, em vrios pases, os rendimentos de ttulos de prazo mais curto (trs a cinco anos) alm do nvel explicvel pelas taxas a termo implcitas em ttulos de mesmo prazo. Via de regra, o reajuste nos rendimentos dos ttulos inicia-se nos EUA e seus efeitos irradiam-se a partir de Nova Iorque. Se difcil explicar a extenso das mudanas dos preos e dos rendimentos nos EUA, mais ainda o na Europa, onde muitos pases, como a Alemanha e a Frana, recuperam, com dificuldades, suas economias. Talvez tais colocaes nada mais sejam que a expresso elegante de minha opinio pessoal de que os ttulos de curto prazo se tornaram, desde meados do vero de 1994, um bom negcio em inmeros pases da Europa. No obstante, suspeita-se atualmente de que assistimos, no passado recente, uma sobre-reao internacionalmente coordenada e mesmo, em parte, capitaneada por dinmicas financeiras. Tero sido os efeitos combinados da resoluo de Basilia - sobre os coeficientes de adequao de capital (para preveno de riscos) e a m qualidade

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    dos passivos decorrentes de operaes imobilirias de bancos e demais instituies financeiras entre 1989 e 1992 - que os levaram a sobrecarregar suas carteiras com ttulos do governo? Esta postura teria se aprofundado, em 1993, pela ao dos fundos de hedge? Ser que uma proporo crescente desses agentes teria implementado estratgias deliberadas de seguro de portflio, protegendo-se contra riscos de taxas de juros? At que ponto estratgias individuais de cobertura de risco pioram o risco agregado (principalmente quando tais opes individuais no so transparentes de antemo para o mercado) devido ao maior mimetismo do mercado? Se estas preocupaes podem (ou no) ser vlidas para um pas em particular, elas no englobam a questo da aparente coordenao internacional nos ajustes dos preos e dos rendimentos dos ttulos. Mas uma das caractersticos dos mercados de derivativos que eles permitem que os diferentes tipos de riscos inerentes a uma tomada de posio sejam separados, individualmente segurados ou conscientemente assumidos. No passado, qualquer residente que comprasse um ttulo estrangeiro teria que, simultaneamente, aceitar riscos monetrios, cambiais e de juros. medida que o risco de cmbio pode ser agora isolado e seu seguro barato, os ttulos estrangeiros tornam-se substitutos mais prximos para os ttulos domsticos? Caso positivo, ser que a evoluo dos rendimentos dos ttulos em todo o mundo se tornar mais sensvel aos movimentos do mercado de ttulos de Nova Iorque? Mas, como afirmei anteriormente, mesmo sob regime de cmbio flexvel, no parece haver hoje restries maiores que as do passado ao controle das taxas de curto prazo do mercado monetrio pelo banco central. Ser que isso talvez signifique que haver, no futuro, maior tenso entre presses internacionais e fatores internos (por exemplo, a trajetria esperada das taxas de curto prazo no futuro) na determinao dos rendimentos dos ttulos em outros pases alm dos EUA? Se sim, a habilidade dos bancos centrais nacionais para controlar, ou mesmo predizer, a trajetria dos rendimentos dos ttulos de mais longo prazo - a despeito de continuarem controlando as taxas de mercado de menor prazo - poder diminuir. Isso o tempo nos dir. De qualquer forma, seria bom no nos empolgarmos demais com os fatos recentes do mercado mundial de ttulos. No entendemos, ainda, completamente o que aconteceu. Pode ter sido um desenvolvimento nico que no se repetir de forma igual no futuro. E no est de todo claro que as oscilaes destes mercados - excessivamente flutuantes no final de 1993, excessivamente deprimidos no segundo trimestre de 1994 - tenham afetado adversamente a economia mundial. Resumindo, conquanto no objetivem fixar suas taxas de cmbio, os bancos centrais permanecem donos de seus prprios mercados monetrios. S que a escolha da melhor forma de exerccio deste poder torna-se mais complexa em um ambiente de mudanas estruturais.

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    2. Poltica cambial

    Em primeiro lugar deveramos tentar entender porque os bancos centrais objetivariam implementar polticas cambiais, antes de discutir se os recentes desenvolvimentos de mercado e as mudanas estruturais ocorridas complicaram o funcionamento das mesmas. Em particular, os dois principais regimes (cannicos) de taxas de cmbio - livre flutuao e totalmente fixo - no requerem nenhuma poltica. No primeiro, os dois bancos centrais estabelecem (independentemente) suas polticas monetrias domsticas (taxa de juros) e o mercado fixa a taxa de cmbio. No segundo, apenas um dos bancos centrais determinaria a poltica monetria (taxa de juros) e os demais bancos centrais, dependentes, aceitariam e implementariam a poltica estabelecida quase automaticamente. A forma extrema ocorre quando h uma moeda nica, mas inmeros bancos centrais - membros, regionais ou nacionais -, como no Sistema Federal de Reserva dos EUA e, recentemente, o Sistema Europeu de Bancos Centrais. Uma forma enfraquecida do sistema de taxas fixas a cmara de converso, a exemplo de Hong Kong, da Estnia ou da Argentina, em que o banco central local organiza a emisso da moeda nacional ou local. E garante que toda emisso marginal4 seja 100% lastreada por ttulos resgatveis na praa do pas (central) emissor da moeda-ncora. Se ocorrer um dficit no balano de pagamentos e o banco central perder reservas, a emisso de moeda (ou de ttulos bancrios) deve ser reduzida. Se isto no ocorrer quase automaticamente, como usual, deve ser atingido por meio de operaes de open-market. Em ambos os casos, as taxas de juros devem ser elevadas. Na prtica, pases que adotam a cmara de converso devem ajustar suas taxas de juros do pas central, acrescidas normalmente de um prmio de risco varivel ao longo do tempo, dependendo das circunstncias econmicas e polticas observadas. Por que, ento, os bancos centrais no se satisfazem em adotar uma das duas formas cannicas que no os envolva com nenhuma poltica cambial? Por que, freqentemente, ficam no meio do caminho, o que lhes requer ateno especial em relao administrao da taxa de cmbio? O maior problema da livre flutuao tem sido o de que as taxas de cmbio real mostraram-se no s extremamente volteis mas, tambm, sujeitas a desalinhamentos de mdio prazo significativos. O pior caso foi a apreciao do dlar em meados dos anos 80. Como este ltimo exemplo sugere, no h evidncias, por mim conhecidas, de que os desenvolvimentos recentes de mercado - como, por exemplo, o crescimento do mercado de cmbio (forex), ou a expanso dos mercados de derivativos - conduziram qualquer piora na propenso do mercado

    (4) Em tais sistemas pode tambm haver uma emisso fiduciria limitada inconversvel de ttulos locais.

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    forex a se comportar de uma maneira no explicvel pelos fundamentals. Alm disso, se comparado com os anos 70 e 80, o mercado de cmbio nos anos 90 tem sido, talvez, mais reativo aos fundamentals. Alguns aspectos da apreciao recente do iene podem parecer de difcil compreenso. Mas, a meu ver, os fatos evidenciam que a maior parte da finana especulativa apostava na apreciao do dlar antes do ltimo inverno. As explicaes a respeito do porqu de o dlar ter-se, contrariamente, desvalorizado, tenderam a enfatizar fatores reais, tais como a interrupo dos fluxos de capitais de longo prazo japons para os EUA e o contnuo dficit americano em conta corrente. A cobertura de posies altistas em dlares, tomadas anteriormente por especuladores, s exacerbou o processo de depreciao. Seja como for, mesmo que o mercado cambial permanea imprevisvel e capaz de determinar paridades indesejveis s autoridades monetrias, no h evidncias de que tais perversidades piorem. Antes, o oposto. No obstante, as autoridades monetrias podem, em determinados momentos, desejar intervir no mercado cambial para influenciar o nvel, a taxa de variao ou a volatilidade do cmbio. Mas, a relao entre o tamanho das reservas que as autoridades podem dispender para tal propsito e a extenso do mercado como um todo evolui em detrimento dos bancos centrais. De qualquer modo foi-se o tempo em que os analistas pensavam que as intervenes dos bancos centrais poderiam determinar significativamente as posies de mercado, ou influenciar as alocaes de fundos de forma categrica. Argumenta-se, entretanto, que tal interveno "sinalizaria" as futuras intenes das autoridades monetrias e isto que seria relevante. Esta linha de argumento uma via de mo dupla. A sinalizao mais forte de qualquer banco central a alterao imediata de sua taxa de juros. Mas intervir significa o contrrio. anunciar que, embora o mercado cambial esteja sendo criteriosamente acompanhado, sua evoluo, at ento, no coloca a necessidade de alterar as taxas de juros. Se tal postura percebida como fraca ou potencialmente forte pelos mercados, trata-se ainda de uma questo ambgua. Portanto, surpreendente que estudos sobre os efeitos das intervenes, como os de Edison (1993) e de Dominguez e Frankel (1992), tenham misturado concluses ainda discutveis. De qualquer maneira, tanto tem sido escrito nos ltimos anos sobre interveno que no parece ser necessrio ou til ir alm. As intervenes dos bancos centrais no mercado cambial permitem-lhes relativamente pouco controle sobre taxas de cmbio flexveis. Por isso, as autoridades monetrias, necessitando de maior estabilidade de sua paridade cambial vis vis algum pas vizinho ou grupo de pases, e no se sentindo preparadas para abandonar, em conjunto, a opo de poltica monetria independente, movem-se em direo a taxas cambiais fixas mas ajustveis.

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    O desejo de fixar a taxa de cmbio pode surgir por inmeras razes. Porque o pas pequeno (em relao a seus parceiros comerciais); tem uma interpenetrao comercial e/ou mobilidade de fatores crescente com seus vizinhos (isto , aproxima-se de uma rea monetria tima); deseja usar a taxa de cmbio fixa como uma ncora prvia realizao de uma poltica monetria antiinflacionria; encara taxas fixas de cmbio como um estgio do caminho da unio monetria completa; ou, ainda, por vrias outras razes.Mas, apesar dessas razes, o desejo de liberdade para reajustar a taxa permanece e, em determinadas circunstncias, aflora. Seja porque a economia local no convergiu suficientemente para o centro; porque no forma uma rea monetria tima com o pas central (por exemplo, por insuficincia de mobilidade de fatores); devido ausncia de relaes comerciais, fiscais e polticas significativas com o pas central; devido possibilidade de choques locais assimtricos; e ainda, por vrias outras razes. Deste modo, alguns pases podem sentir que nem a livre flutuao, nem a cmara de converso ou uma unio monetria ajusta-se bem sua condio especfica. A melhor alternativa , assim, um sistema intermedirio de taxas fixas mas ajustveis. A principal desvantagem para uma economia regional/nacional sob sistema de cmara de converso ou em uma unio monetria que choques assimtricos podem tornar a taxa de juros vigente (determinada pelo centro) inapropriada regio. E esta desvantagem pode ser agravada consideravelmente pela dinmica do sistema de cmbio fixo mas ajustvel, por razes que se tornaram conhecidas, no Reino Unido, como a "crtica de Walters", o assessor de Mrs. Thatcher nos anos 80. Quando um pas adota tal sistema, ou depois de um reajuste de sua paridade cambial, a expectativa , normalmente, de que a taxa ser mantida por, no mnimo, um ano, por razes de credibilidade poltica. Dada tal expectativa, as taxas de juros de curto prazo sero empurradas para baixo pela entrada de capitais at que fiquem um pouco acima daquela vigente no pas central. Mas o pas que adota pela primeira vez o sistema ou reajusta sua paridade tem, provavelmente, por uma srie de razes, uma taxa de inflao significativamente superior a do pas central. Conseqentemente, o primeiro efeito da fixao - de certa forma paradoxal em relao ao aumento de credibilidade da nova paridade - induzir taxas de juros reais locais excessivamente baixas, um amplo ingresso de capitais e um impulso inflacionrio adicional. A experincia da ndia nos ltimos anos um exemplo recente desta sndrome. Uma forma de combater o efeito inflacionrio decorrente de uma poltica monetria excessivamente frouxa durante os primeiros anos ou meses do sistema contrabalan-la com um poltica fiscal extremamente apertada. Mas, normalmente, isto no factvel politicamente. Infelizmente, a norma que o gap inflacionrio entre o pas perifrico e o central permanea ou piore, o que causa, ao longo do tempo, uma apreciao real da taxa de cmbio, uma deteriorao da

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    balana comercial e um enfraquecimento da posio competitiva da indstria de bens comercializveis. Conseqentemente, deixa-se de acreditar na manuteno, por muito tempo, da paridade estabelecida. Conforme ganhem corpo expectativas de que a taxa de cmbio deva ser reajustada no futuro prximo, a taxa de juros necessria, para contrapor-se especulao e impedir sadas de capitais forneos, torna-se excessivamente elevada. So exemplos de crises especulativas deste tipo na Europa: a Sucia, em 1992, que se valeu de taxas de overnight superiores a 100% ao ano e a Grcia, mais recentemente, em 1994. H, ainda, um outro problema. Se o pas cuja paridade da moeda est sob suspeita tem, tambm, um nvel elevado de desemprego, o crescimento da taxa de juros pode ser sentido pelo mercado como politicamente insustentvel, mesmo que o banco central expresse sua disposio para impor taxas elevadas. Por isso, em certas circunstncias, o crescimento das taxas de juros (qualquer que seja o nvel inicial) pode reforar a especulao ao invs de combat-la. Acredita-se que esta sndrome atacou a libra, em setembro de 1992 e o franco francs, no vero de 1993. Alm disso, este (possvel) efeito perverso da elevao das taxas de juros como instrumento de defesa da paridade cambial tem sido, provavelmente, exacerbado pelas dinmicas financeiras internas, como analisado no trabalho de Garber e Spencer (1994), e enfatizado por Paolo Kind na Conferncia de Perugia, em julho de 1994. O mecanismo destas dinmicas financeiras essencialmente o seguinte: os administradores de portflios deslocam fundos entre os mercados nacionais de ttulos para se beneficiar dos diferenciais de juros locais (como j observado no item 1). Simultaneamente, eles cobriro seus riscos de cmbio por meio de opes futuras de venda. Estas opes concretizam-se em troca de moedas no momento em que a paridade da moeda local caia abaixo do limite fraco da banda. Se a taxa corrente de cmbio j estiver muito prxima ao limite inferior da banda, elevar as taxas de juros como defesa da moeda local exerce presses baixistas sobre a taxa de cmbio a termo. Isso faz com que aqueles que, anteriormente, subscreveram opes de venda realizem vendas de cobertura. Se, at ento, houve entradas significativas de capitais devido exclusivamente ao diferencial de juros, pode haver um volume massivo de vendas de cobertura quando e se uma elevao nos juros conduzir a uma taxa de cmbio futuro inferior do limite inferior da banda. Desta forma, um banco central, que tenha elevado sua taxa de juros com a expectativa de fortalecer a taxa de cmbio corrente, pode ser frustrado e ver-se tendo que lidar com uma onda de vendas de cobertura. Paolo Kind, em Perugia, mostrou que tais desenvolvimentos tiveram seu papel na sada da lira italiana do Mecanismo Cambial Europeu, em setembro de 1992. O modelo inicial de smooth-pasting de Krugman sobre variaes de paridades no interior de bandas cambiais era mais atrativo por sua elegncia

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    acadmica que por seu realismo. A preferncia pela adoo de um regime de bandas, em detrimento de regimes de cmara de converso e de unio monetria, deve-se ao anseio de que se mostre capaz de reajustar a paridade da moeda local em certas circunstncias. Conseqentemente, as bandas no podem ser completamente crveis. Pelas razes j levantadas, a credibilidade parcial e varivel ao longo do tempo, podendo ocasionar alguns problemas dinmicos graves. No momento, no h grande entusiasmo, no Mecanismo Cambial Europeu, no que se refere ao retorno a bandas estreitas. Na verdade, no est claro porque seria desejvel ir alm do anncio de uma paridade central realmente fixa. Como Branson colocou, discutindo o trabalho de Garber e Spencer (1994), uma banda anunciada pode ser um repulsor. Muito do sucesso inicial do Mecanismo Cambial Europeu hoje atribudo ao uso de controles de cmbio. Eichengreen, Rose e Wyplosz, em trabalho recente apresentado na Conferncia de Perugia, em julho de 1994, argumentaram que, caso fosse desejvel para o Mecanismo Cambial Europeu retornar s bandas estreitas, seria adequado refor-las com alguma verso de controle cambial, com severo monitoramento dos emprstimos a no-residentes em moedas nacionais. Esta proposta foi bastante hostilizada pelos debatedores em Perugia, pelos economistas l presentes e por outros mais. Atacou-se argumentando que tais controles so inerentemente indesejveis e que nunca funcionariam. Partindo da premissa que qualquer controle induz burla: a diminuio, da mobilidade de capitais, aumentaria a possibilidade de persuaso de residentes para intermediar bancos e no-residentes. A viso generalizada que o mercado se tornou suficientemente habilidoso para evitar, ou livrar-se, de controles cambiais que limitem sua eficincia. A menos que sejam introduzidos complexos controles burocrticos - e, neste caso os custos para o pas envolvido superariam os benefcios do prprio controle -, o mercado livra-se dos controles. Em resumo, no h espao para a poltica cambial em regime de flutuao livre de divisas nem de cmbio totalmente fixo como o de cmara de converso ou em uma unio monetria. H razes pelas quais um pas pode aspirar a um meio caminho, adotando um cmbio fixo mas ajustvel. Mas este regime, particularmente quando bandas estreitas so adotadas, pode conduzir a processos dinmicos adversos que vm se agravando com o desenvolvimento recente das tcnicas de administrao de portflios. Qualquer tentativa de reao que reintroduza controles cambiais pode ser frustrada e falhar. E, caso funcione, a "cura" pode ser pior para o paciente que prpria doena especulativa.

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    3. Regulao

    Por definio, a regulao objetiva forar (parte de) os regulados a aes que no desenvolveriam voluntariamente (de outra maneira a regulao seria intil). Portanto, , em geral, considerada penosa. As pessoas tentam evitar as obrigaes. Os desenvolvimentos estruturais dos anos recentes, globalizao dos mercados financeiros e crescimento dos derivativos e a eroso das barreiras entre instituies financeiras e mercados criaram oportunidades patentes de arbitragens regulatrias e de escapes. Diferentemente das questes tratadas nas duas sees anteriores, polticas monetria e cambial, em que tais mudanas estruturais no alteraram, significativamente, os problemas enfrentados pelos bancos centrais, tais mudanas afetaram, e continuam afetando, a forma e a conduo da regulao e de superviso. At os anos 70, a regulao financeira era, essencialmente, uma tarefa realizada internamente por cada nao, de forma individualizada, de acordo com sua prprias tradies. No Reino Unido esta tradio era de restrio, cartelizao e auto-regulao. Cada grupo de intermedirios (as sociedades imobilirias, financeiras, bancos comerciais, bancos de investimento, etc), estava alocado em uma parte especfica do sistema financeiro onde detinha, sob certas restries, o monoplio efetivo. Eles foram encorajados a formar uma associao cujos dirigentes poderiam consultar as autoridades monetrias. A entrada era restrita, e as regulamentaes limitavam a competio a preos (taxas de juros). A existncia de tais vantagens de cartel era um incentivo auto-regulao, e o Banco da Inglaterra podia esperar, e esperava, "bom comportamento" em relao a regras no escritas, apesar da ausncia de qualquer suporte estatutrio; com apenas um funcionrio e o dirigente do Discount Office trabalhando, parte de seu tempo, na superviso do mercado de ttulos, dos principais intermedirios, dos bancos comerciais e de investimento. A desvantagem deste confortvel sistema cartelizado foi que ele se tornou rgido, com elevados custos e pouco competitivo. A competio domstica surgiu nos anos 60 por meio dos intermedirios financeiros. Mais importante, a competio internacional emergiu especialmente nos mercados atacadistas de dinheiro, tais como o euromercado e o mercado de euro-ttulos, a partir dos anos 60. Enquanto que, at os anos 70, as autoridades em Londres, notavelmente o Banco da Inglaterra, tentaram restringir a livre competio no mercado varejista domstico, elas tiveram papel de vanguarda, incentivando Londres a se tornar um importante competidor internacional no mercado financeiro atacadista global e, mais recentemente, nos mercados transeuropeus (sustentando SEAQs internacionais no mercado burstil londrino). Foi a concorrncia, incentivada pela crena ideolgica em seus benefcios para a eficincia e para o crescimento, e a progressiva remoo dos controles

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    cambiais em um nmero crescente de pases, que minaram o sistema prvio de cartis auto-regulados. Assim, a retirada da regulao prvia sobre as aplicaes em Wall Street, nos anos 70, tornou-a um crescente competidor do mercado burstil de Londres, forando, efetivamente, o Big Bang em 1986, que, por sua vez, forou as reformas das bolsas de valores no continente europeu - em Paris, Frankfurt e Milo - por receio de perder, ainda mais, seus negcios para Londres. Portanto, entre os anos 60 e 80, a tendncia inicial era de desregulao, ou melhor de eliminao das regras restritivas que conduziram proteo dos lucros e conseqente solvncia do sistema e adeso a regras especficas de conduta (na hiptese de que estas permitiam, freqentemente, operaes com informaes privilegiadas e de "faz-de-conta"). A concorrncia diminuiu as margens de juros e de lucro, conforme era seu objetivo. A capitalizao dos bancos foi, em alguns casos importantes, enfraquecida, tambm, pelas perdas incorridas nos emprstimos aos pases em desenvolvimento (no incio dos anos 80) e nos crditos imobilirios domstico e externo (no final dos anos 80). Se tais estratgias de emprstimo foram ou no afetadas pelo risco moral decorrente da crena de que os grandes bancos de um pas seriam socorridos por suas prprias autoridades, permanece uma questo controversa. H, tambm, algumas controvrsias em relao verdadeira capacidade dos diretores dos bancos para estimar e monitorar o risco real envolvido em suas posies. No obstante, difcil contestar que o risco moral e a probabilidade de adoo de estratgias de alto risco piorem medida que declina o prprio capital disponvel de um banco; que declina sua adequao de capital. Quando seu prprio capital diminui, a perda potencial dos acionistas, decorrente de maus resultados, jogada sobre outros ombros (esquemas de seguro de depsitos, o banco central ou os contribuintes), o contrrio no sendo verdadeiro. Em princpio, este risco maior pode ser contrabalanado pela elevao do custo para obteno de fundos e/ou dos servios de seguro, mas, na prtica, isso no acontece. De qualquer forma, as autoridades de alguns dos maiores pases (EUA e Reino Unido) observaram, com crescente preocupao, um declnio da adequabilidade do capital mdio de seu prprios (principais) bancos ao longo dos anos 80 e, na ltima metade daquela dcada, claras evidncias do aumento da fragilidade financeira, ilustrado pelo nmero crescente de falncias bancrias e de sociedades imobilirias, s observado durante a grande depresso do incio dos anos 30. Sendo assim, alguma coisa precisava ser feita para manter, de fato restaurar, a estabilidade sistmica. A resposta bvia parecia uma redefinio

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    satisfatria do Coeficiente de Adequao de Capital (CAR),5 isto , elev-la. O problema imediato era que uma proporo crescente dos negcios dos principais bancos de vrios pases se dava no mercado atacadista internacional. Por isso, qualquer tentativa, por um pas isolado, de impor CARs mais restritivos ao seu sistema bancrio domstico induziria transferncia rpida (e fcil na ausncia de controles cambiais) de volume considervel de operaes, usualmente classificadas como varejistas e internas, para os mercados offshore. Na realidade, entretanto, raramente ficou claro, mesmo para as diretorias dos bancos, se tais coeficientes estariam sendo mantidos e ajustados com objetivos regulatrios, de senhoriagem ou de controle monetrio. Com a expanso e maior eficincia da moeda e dos mercados interbancrios, os coeficientes de reserva ou de liquidez passaram a ser vistos como de valor prudencial limitado. Alm disso, a adoo do Sistema de Pagamentos Brutos em Tempo Real (RTGS) aumenta a necessidade dos bancos terem acesso imediato e intradirio a fundos idneos. O uso das reservas como fonte barata de fundos (senhoriagem) para os governos no muito bem visto atualmente, como constatamos durante as campanhas pela independncia dos bancos centrais (Tratado de Maastricht). Por outro lado, o papel dos coeficientes de reserva, se houver algum, na conduo diria da poltica e controles monetrios, permanece um ponto de conteno na Europa, particularmente no processo de construo da Unio Monetria Europia (Monticelli e Vials, 1993; Goodhart e Vials, 1994). Sendo assim, o uso futuro dos coeficientes de reserva na Europa permanece incerto e indefinido. Portanto, qualquer tentativa isolada de CAR mais restritivo para um sistema bancrio nacional, transferiria parte dos negcios para fora do pas, enfraquecendo a posio competitiva do sistema domstico. Assim, a crescente globalizao dos mercados atacadistas de dinheiro suscitou presses para a adoo de um aparato regulatrio internacional, obtendo-se assim um campo de ao mais neutro. Realmente, em meados dos anos 80, j havia fortes reclamaes dos bancos americanos e britnicos de que bancos de outros pases, notadamente japoneses e franceses, tinham vantagens "injustas" nos mercados atacadistas internacionais, pois suas autoridades nacionais permitiam coeficientes menores de capital. Colocado o problema nestes termos, a soluo natural era reunir a diplomacia internacional dos bancos centrais para chegar a um acordo e aplicar um CAR comum mnimo. A histria de como esta negociao foi realizada - sob a liderana de Corrigan, do Federal Reserve Board de Nova Iorque, e de Cooke, Blunden e Quin, do Banco da Inglaterra - e conduziu s exigncias de Basilia de

    (5) Nas dcadas anteriores, o principal instrumento de controle regulatrio era a imposio de coeficientes de reservas, ou de liquidez, o que tinha a vantagem de prover o governo de financiamento barato - e em alguns modelos - fornecer s autoridades um fulcro (mais forte) para o controle monetrio.

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    1988 so bem conhecidas. Portanto, a questo a ser enfrentada no restante desta seo verificar se tais exigncias solucionaram os problemas regulatrios correntemente observados. Caso a resposta seja negativa, refletir sobre como melhorar o sistema regulatrio. claro que nenhuma iniciativa regulatria pode ter sempre 100% de sucesso. , tambm, altamente provvel que a condio do sistema bancrio mundial aps a adoo das resolues de Basilia a respeito de coeficientes de adequao de capital, seja muito melhor do que seria sem elas, mesmo que tal contrafato nunca possa ser provado (ou negado). Apesar disto, defenderei aqui que o Acordo de Basilia (e seu equivalente, as diretrizes bancrias da Unio Europia) falho (escorregadio) e, por isso, precisa imediatamente ser revisto. O primeiro problema, e em minha opinio o menos srio, saber se plausvel constituir um nvel regulatrio global assentado num mundo em que os sistemas contbeis, impositivos, legais, assim como a definio das questes sujeitas superviso, mantm suas caractersticas nacional e individual. Scott e Iwahara (1994) estudaram esta questo no Grupo dos Trinta que trata do equilbrio competitivo entre os bancos americanos e japoneses. Concluem que o Acordo falhou neste objetivo.6 O primeiro problema refere-se, portanto, concorrncia entre bancos-lderes em pases distintos. O segundo problema diz respeito competio entre bancos e outros intermedirios financeiros no interior dos pases (e, tambm, em menor extenso, entre pases). Como colocado anteriormente, a demarcao prvia de fronteiras rgidas entre os campos de atuao dos vrios intermedirios financeiros tornou-se desgastada e imprecisa. Isso aconteceu em vrios pases. Alm disto, a extenso das atividades permitidas aos bancos e, conseqentemente, o campo de concorrncia bancria potencial variou significativamente entre os pases que limitaram a atuao de seus bancos a operaes quase que estritamente comerciais (Glass-Steagall Act dos EUA) e aqueles que, como a Alemanha, permitiram e at incentivaram os bancos universais. Isto freqentemente causa problema para os reguladores. Se eles tentam impor CARs mais elevados, mais restritivos a todo o leque de atividades bancrias, eles podem enfraquecer a posio competitiva dos bancos em relao aos intermedirios no-bancrios nas

    (6) Suas concluses (p.69) so as seguintes: "O principal objetivo do Acordo de Basilia era nivelar o jogo competitivo entre os bancos japoneses e americanos. Acreditamos que no alcanaram esse objetivo por inmeras razes. Em primeiro lugar, porque fatores que o Acordo de Basilia no pode corrigir, como os subsdios pblicos, tm um grande impacto sobre a concorrncia bancria. Segundo, porque o efeito do Acordo altamente influenciado por regras contbeis e pelas regulaes dos balanos, como por exemplo, as polticas de reservas para devedores duvidosos. Como Basilia no conseguiu harmonizar estas questes, o mesmo requerimento de capital tem impactos diferentes nos dois pases. Terceiro, diferenas nos regimes legais prevalecentes para os mercados dos capitais entre dois pases podem induzir a vantagens significativas na utilizao de vrios instrumentos de capital e na deteno de ativos com riscos diferentes. Quarto, o problema de nfases diferenciadas, dadas aos coeficientes de capital pelas autoridades pblicas nacionais, no foi resolvido. Assim, seria um mero acidente se o Acordo contribusse, mesmo que modestamente, para diminuir a desigualdade competitiva entre os bancos americanos e japoneses.

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    reas de atuao comum. Caso busquem proteger e manter a posio competitiva dos bancos em tais reas, necessitaro fazer uma diviso arbitrria das atividades dos bancos e estabelecer arranjos regulatrios para cada uma das partes. Este seria um campo frtil para arbitragens regulatrias. Os esforos para tratar a concorrncia entre bancos e instituies financeiras no-bancrias operando na Europa constituem um caso ilustrativo. A soluo obtida pelas autoridades europias, sob a jurisdio do CAR, em 1993, foi a diviso dos livros (contbeis) bancrios em duas partes. O "livro de negcios" seria sujeito a regras mais permissivas de adequao de capital, mais apropriadas ao registro das atividades de corretagem e de parte das transaes bancrias. Tal enfoque contribuiu para diminuir a desigualdade concorrencial entre bancos e instituies no-bancrias de investimento, mas criou vrios outros problemas, conforme discutido por Dale (1994) e, a seguir, sintetizados. Em primeiro lugar, as discusses entre os reguladores encarregados dos bancos e aqueles incumbidos das instituies que operam nos mercados de ttulos culminaram em um compromisso para o livro de negcios, em termos de: definio de capital; tratamento de subscries; regras gerais de exposure; e requerimentos para posies de risco, que se aproximam mais do modelo regulatrio para o mercado de ttulos que para os bancos. J que, nos ltimos tempos, os bancos suportam os riscos associados a seus prprios livros de negcios e de companhias financeiras subsidirias, isto pode implicar uma diluio da proteo solvncia, conferida, at ento, aos bancos. O CAD impe somente reservas mnimas para fins de adequao, podendo as autoridades nacionais aplicar coeficientes mais elevados, quando necessrio. Entretanto, preocupaes competitivas desencorajaro providncias unilaterais deste tipo. Em segundo lugar porque, sendo os bancos livres para utilizar suas bases de depsito para o financiamento de ttulos - seja este contabilizado em seus prprios balanos ou no de suas subsidirias -, os problemas de risco moral associados aos bancos passam, agora, a ser transferidos para os mercados de ttulos. O uso de depsitos, como forma de funding para ttulos, outorga aos bancos importante vantagem competitiva sobre as instituies financeiras no-bancrias. Isso torna-se uma fonte importante de desigualdade num campo de ao, em circunstncias diversas, mais neutro. Em terceiro, por conferir s empresas de investimento as mesmas condies de crdito privilegiado at ento exclusivas dos bancos7 pode transmitir aos mercados financeiros a impresso de que as primeiras recorrem aos mesmos instrumentos oficiais idealizados para o respaldo dos bancos como, por exemplo, os emprstimos em ltima instncia dos bancos centrais.

    (7) Concede-se status automtico de "passivos qualificados" para emisso de dbitos e peso de risco para instituies que respondem pelos riscos de suas contrapartes.

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    Finalmente, constitui-se um paradoxo remarcvel que o CAD buscasse campo de ao neutro para bancos e empresas de investimento e, de fato, tenha limitado severamente o campo de ao quando aplicado aos negcios bancrios e de ttulos. Como explicado acima, as reservas de capital aplicadas aos emprstimos bancrios so muito mais elevadas que aquelas aplicadas aos ttulos de dvidas com riscos e maturidades equivalentes no livro de negcios (um fator no inferior a 32 vezes, no caso de ttulos qualificados de curto prazo). Reservas diferenciadas no so novas. J existiram no Reino Unido e favoreceram os negcios com ttulos quando realizados por empresas de investimentos. Sob o regime do CAD, os bancos passam a ter enorme incentivo para transformar seus negcios tradicionais em emprstimos securitizados. Isso d maior mpeto ao processo de securitizao, seja este desejvel ou no. Mas, insatisfatrio mesmo que um desenvolvimento de mercado to importante seja um subproduto de uma estrutura regulatria nova, e no o resultado de deciso poltica consciente. Todas estas dificuldades tm suas razes nas estruturas de mercado dos EUA que permitem que negcios bancrios e com ttulos sejam livremente entremesclados nos conglomerados financeiros. Foi sugerido anteriormente que qualquer regulao oficial abrangente para as empresas de investimento deve ser muito mais leve que aquela necessria aos bancos. Porque a prpria "indstria do investimento" tem incentivo e capacidade para impor diretamente regras objetivas de "liquidez de capital" que minimizam o risco de defaut. E, tambm, porque os efeitos de spillover da quebra de uma empresa de investimento so pequenos, se comparados aos custos sociais das falncias bancrias. Contudo, uma vez que as empresas de investimento estejam conectadas a bancos, os riscos sistmicos associados aos bancos estendem-se para os mercados de ttulos. Alm disso, como sob o CAD, os depsitos podem ser usados para financiar negcios com ttulos, o problema do risco moral contamina, tambm, o mercado de ttulos. So estes elos bancos/depsitos, ao invs das caractersticas das empresas de investimento per se, que tornam necessria a regulao oficial ampla dos negcios com ttulos. No entanto, estas preocupaes so relativamente insignificantes, se comparadas aos problemas de taxao e tratamento de risco do Acordo de Basilia. Estas questes so tratadas de maneira muito simplista e insatisfatria. Ao invs de tentar medir o risco global de todo o portflio usando os melhores modelos disponveis de teoria financeira, o enfoque de Basilia optou pelo critrio de blocos constitutivos. Sob tal perspectiva, as ponderaes de risco de crdito aplicam-se en bloc, certas categorias de ativos, por exemplo, a dbitos governamentais, a emprstimos hipotecrios, a outros emprstimos comerciais, etc. As ponderaes devem ser aplicadas independentemente da posio credora do tomador particular de emprstimo dentro daquela categoria (de ativo). Por este

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    critrio, investir em ttulos de dvida pblica8 da Turquia tm peso zero, e emprstimos comerciais General Motors tm peso de 100%. Exceto tentativas isoladas de desencorajar e prevenir nveis elevados de exposure, pouca ateno foi dada mensurao e ao incentivo diversificao prudencial no interior dos blocos de ativos. Grande parte do nvel de exposure, do comprometimento, a qualquer momento, dos bancos deve-se a relaes interbancrias e se d no curso dos sistemas de pagamentos. As questes de compensao apropriada e dos acordos para posies lquidas permissveis permanecem complexas e de tratamento ad hoc. As ponderaes de risco eram, quase que inevitavelmente, arbitrrias. Isso implicou incentivos ao sistema bancrio para deter aqueles ativos cujas ponderaes fossem (indevidamente) generosas para com seus balancetes, como por exemplo, os ttulos de dvida pblica e os emprstimos hipotecrios, transformando em operaes fora de balano aquelas cujas ponderaes fossem muito pesadas como, por exemplo, os emprstimos para grandes corporaes privadas. Este ltimo procedimento foi facilitado pelo desenvolvimento dos novos mercados e instrumentos financeiros, tais como os vrios tipos swaps. Muitas das recentes mudanas na estrutura dos portflios bancrios em pases como os EUA, surgem, em grande parte, a partir de arbitragens regulatrias. A concepo inicial dos coeficientes de reserva, de Basilia, preocupava-se somente com o risco de crdito. H, entretanto, vrios outros tipos de risco: de taxa de juros, de liquidez, de cmbio, etc, para no mencionar o risco de fraude. A tendncia prevalecente entre as autoridades, consoante com o enfoque por blocos constitutivos, foi passar a avali-los separadamente (medir a extenso de riscos inerentes a blocos especficos de ativos e passivos), dando tratamento insuficiente ou ad hoc aos riscos no interior ou entre blocos. Alm disso, as reservas de capital para os diferentes tipos de riscos deveriam ser tratadas como aditivas, apesar de os diversos riscos no terem, necessariamente, correlaes positivas. Paralelamente, as tentativas de estender o enfoque de blocos constitutivos, para lidar com uma gama maior de riscos, vm elevando a complexidade do sistema. Agregue-se, ainda, que o desenvolvimento dos mercados de derivativos vem permitindo aos bancos ajustar rapidamente suas posies finais vis--vis certos riscos, tanto por motivos de cobertura (dos seus prprios riscos) quanto de especulao, mas, freqentemente, por meio da redefinio de suas transaes fora de balano. Tornou-se mais difcil avaliar o risco global de um banco pela anlise de seus balanos. A interao das posies includas e no-includas nos

    (8) Sob o Tratado de Maastricht, o Sistema Europeu de Bancos Centrais est proibido de financiar diretamente seu prprio setor pblico, governo e entidades. Isso implica que tais segmentos, incluindo os governos centrais, poderiam agora falir. singular que os bancos centrais europeus pudessem envolver-se na preparao do Tratado de Maastricht e, ao mesmo tempo, manter ponderao zero para o risco de crdito nos dbitos governamentais.

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    balanos precisa ser devidamente revista pois, atualmente, as informaes de balano no servem como critrio para avaliao do risco normal. H um coro crescente de vozes defendendo uma reconsiderao e a reformulao radical do enfoque que vem sendo dado ao CAR. O artigo principal do Financial times business information, de julho/agosto 1994, colocou que "o debate a respeito da regulao das atividades com derivativos realou a complexidade das tcnicas de administrao do risco bancrio e as imperfeies das diretrizes de adequao de capital da Basilia. Introduziu-se um problema concreto: podero, realmente, os reguladores esperar apreender o perfil de risco de instituies individuais por meio da aplicao de regras de capital simples e estticas; ou ser melhor deixar tal tarefa aos prprios bancos? Colidindo com a experincia dos reguladores, Charles Taylor, diretor executivo do Grupo dos Trinta, props uma reviso radical do modo pelo qual a avaliao de risco feita. Ele argumenta em A new approach to capital adequacy for banks, trabalho realizado para o Centro de Estudos de Inovaes Financeiras, em julho de 1994, que o presente regime de Basilia fundamentalmente frgil porque mede, de fato, o risco a partir de uma classificao de instrumentos e no segundo tipos e porque no considera os sofisticados modelos de gerenciamento de risco usualmente empregados pelas maiores instituies financeiras. Como resultado, desencoraja, ao invs de promover, uma administrao eficiente do risco. Muitos dos comentrios crticos sobre o presente sistema regulatrio tm sugerido que, ao invs de impor um sistema de coeficientes nico e, por isso, inevitavelmente simplista, os supervisores deveriam avaliar e tentar construir esquemas de gerenciamento de risco a partir daqueles utilizados pelos prprios bancos. Nesta direo, no mesmo relatrio sobre regulao financeira citado acima, Patrick Fell argumenta que "historicamente, a maioria dos bancos e intermedirios financeiros em todo o mundo teve de concordar com regimes de capital determinados externamente e sem grande afinidade com a forma que monitoram usualmente seus riscos. O exemplo bvio a estrutura do Acordo de Basilia, que olha somente para o risco de crdito e, mesmo nesta rea, emprega um modelo mais simples que o utilizado normalmente pelos bancos. Nos ltimos anos, os supervisores comearam a se concentrar na crescente complexidade dos instrumentos financeiros (notavelmente os derivativos), cujos riscos so menos suscetveis de avaliao por meio de tcnicas mecanicistas que, por exemplo, os emprstimos bancrios. Os supervisores esto comeando a compreender que tais riscos podem ser entendidos apenas quando observados pelo microscpio do sistema de monitoramento de risco das prprias firmas. O uso de qualquer outro caminho menos sofisticado fornece um resultado incorreto e no, necessariamente, prudente". Em suas concluses, afirma que "o movimento em direo ao uso de modelos de risco para superviso e para clculos de capital inevitvel e

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    altamente recomendvel. Superviso e controle do gerenciamento podem, por isso, caminhar ao longo desse caminho e no, necessariamente, em caminhos paralelos. Os supervisores tero um maior incentivo para encorajar boas prticas gerenciais enquanto que os gerentes sentiro que a submisso ao supervisor no meramente burocrtica. Ao contrrio, pode, de alguma forma, auxiliar a empresa a encontrar seus prprios controles objetivos.

    Concluso

    A complexidade e as alternativas diferenciadas das estratgias bancrias possveis a partir do advento das tecnologias de informao, de novos instrumentos e mercados (derivativos, por exemplo) e de presses competitivas, impossibilitam a construo de um modelo nico de controle de risco aplicvel a todos os bancos. Ao contrrio, as autoridades deveriam procurar construir e fortalecer sistemas individualizados para tal fim, impondo modelos externos s quando ficasse demonstrada a insuficincia das regras internas de controle. Entretanto, mesmo com sistemas internos de controle adequados, os bancos podem, em certos momentos, ficar a descoberto. Nestes casos, as autoridades deveriam, imediatamente, realizar uma interveno estruturada, com mecanismos de resoluo baseados numa simples relao capital/ativos.

    Charles E. Goodhart professor da London School of Economics - Inglaterra.

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    Resumo

    O presente trabalho analisa os efeitos das dinmicas financeiras em curso sobre os problemas defrontados pelos formuladores das polticas dos bancos centrais. Examina seus efeitos sobre a determinao das taxas de juros e de cmbio e evidencia como as transformaes financeiras contemporneas esto causando dificuldades fundamentais para os atuais mtodos de regulao.

    Abstract

    This paper analyses the effect of current financial dynamics on the problems for Central Bank policy-making. The author reviews these, starting with domestic monetary policy; passes by exchange rate determination, and concludes with regulation, where the current structural developments are causing fundamental difficulties for present regulatory methods.