01644_Silacc_Cidade Ubícua e as Novas Espacialidades Hibridas

13
SILLAC 2010 – Simpósio Ibero Americano Cidade e Cultura: novas espacialidades e territorialidades urbanas Título: Cidade Ubíqua e as Novas Espacialidades Híbridas Sessão Temática: ST01 - Espacialidades e territórios híbridos da (na) Contemporaneidade O ser humano só existe se situado no espaço, seja este material ou imaginário. Milton Santos (1997) sistematizou o conceito de espaço como sendo a relação entre os sistemas de ações e de objetos, redefinindo as noções de fluxos e fixos apresentadas anteriormente por Manuel Castells (1989). E é justamente na relação estabelecida entre fluxos e fixos que se constrói a percepção, sensação e representação dos diferentes espaços urbanos das cidades contemporâneas. Cabe nos ressaltar que a articulação entre cidade e urbano encontra nos meios tecnológicos novas possibilidades de diálogo e sinergia uma vez que, oposto ao conceito de cidade como objeto definido e definitivo, objetivo imediato para a ação, o urbano se apresenta como horizonte, como virtualidade iluminadora, como apontado por Henri Lefevbre (1991). Conforme preconizado por Webber (2000) e pelo grupo Archigram no final da década de 1960, não é possível pensar em tecnologia como mero instrumento ou sistema dissociado do contexto das cidades contemporâneas. O espaço urbano do século 21 é um espaço concebido tecnologicamente em sua essência e origem. Essa premissa se confirma uma vez que por meio da realidade aumentada e estendida, a cidade ubíqua se conforma e desdobra entre ambientes pervasivos e móveis. cidade ubíqua, realidade estendida, cidade superfície, interação, espaço tecnológico. Introdução O digital e as decorrentes tecnologias de informação e comunicação têm operado transformações radicais em modos de viver, habitar e de pensar a cidade. Desde os primórdios do digital, discute-se "a estética do digital" e "paradigmas do digital" que variam de modelos de unificação sistêmica transdisciplinar à simbiose arte-tecnologia. Até hoje, os debates se dão de forma interdisciplinar nos quais são convocadas abordagens estético-filosóficas, teorias (da linguagem, da semiótica, da comunicação, da informação, da cibernética) e perspectivas das ciências sociais (antropologia urbana, geografia humana, sociologia) e suas aplicações em design, arquitetura e urbanismo. Destaste, o presente trabalho tem como objetivo apresentar propostas e projetos de intervenção em grandes centros urbanos que entendem a cidade como superfície que integra as atuais tecnologias da informação no suporte do desenvolvimento de uma nova e integrada camada digital da cidade em um complexo que mistura o espaço material e imaterial redefinindo a própria função desta tecnologia da imagem em superfície no espaço urbano das cidades. Painéis, outdoors eletrônicos, sistemas eletrônico-digitais que envolvem fachadas e espaços como dermes tátil-visuais da (mídia) cidade; além de terminais de informação e superfícies arquitetônicas inteligentes podem ser usados de modo a suportar a noção de espaço público como espaço de criação e troca de cultura, assim como a formação de uma esfera pública por meio da crítica e da reflexão. Sua natureza digital faz com estas

description

Artigo do Sillacc 2011

Transcript of 01644_Silacc_Cidade Ubícua e as Novas Espacialidades Hibridas

SILLAC 2010 – Simpósio Ibero Americano Cidade e Cultura: novas espacialidades e territorialidades urbanas Título: Cidade Ubíqua e as Novas Espacialidades Híbridas Sessão Temática: ST01 - Espacialidades e territórios híbridos da (na) Contemporaneidade O ser humano só existe se situado no espaço, seja este material ou imaginário. Milton Santos (1997) sistematizou o conceito de espaço como sendo a relação entre os sistemas de ações e de objetos, redefinindo as noções de fluxos e fixos apresentadas anteriormente por Manuel Castells (1989). E é justamente na relação estabelecida entre fluxos e fixos que se constrói a percepção, sensação e representação dos diferentes espaços urbanos das cidades contemporâneas. Cabe nos ressaltar que a articulação entre cidade e urbano encontra nos meios tecnológicos novas possibilidades de diálogo e sinergia uma vez que, oposto ao conceito de cidade como objeto definido e definitivo, objetivo imediato para a ação, o urbano se apresenta como horizonte, como virtualidade iluminadora, como apontado por Henri Lefevbre (1991). Conforme preconizado por Webber (2000) e pelo grupo Archigram no final da década de 1960, não é possível pensar em tecnologia como mero instrumento ou sistema dissociado do contexto das cidades contemporâneas. O espaço urbano do século 21 é um espaço concebido tecnologicamente em sua essência e origem. Essa premissa se confirma uma vez que por meio da realidade aumentada e estendida, a cidade ubíqua se conforma e desdobra entre ambientes pervasivos e móveis. cidade ubíqua, realidade estendida, cidade superfície, interação, espaço tecnológico.

Introdução

O digital e as decorrentes tecnologias de informação e comunicação têm operado transformações

radicais em modos de viver, habitar e de pensar a cidade. Desde os primórdios do digital, discute-se

"a estética do digital" e "paradigmas do digital" que variam de modelos de unificação sistêmica

transdisciplinar à simbiose arte-tecnologia. Até hoje, os debates se dão de forma interdisciplinar nos

quais são convocadas abordagens estético-filosóficas, teorias (da linguagem, da semiótica, da

comunicação, da informação, da cibernética) e perspectivas das ciências sociais (antropologia

urbana, geografia humana, sociologia) e suas aplicações em design, arquitetura e urbanismo.

Destaste, o presente trabalho tem como objetivo apresentar propostas e projetos de intervenção em

grandes centros urbanos que entendem a cidade como superfície que integra as atuais tecnologias

da informação no suporte do desenvolvimento de uma nova e integrada camada digital da cidade em

um complexo que mistura o espaço material e imaterial redefinindo a própria função desta tecnologia

da imagem em superfície no espaço urbano das cidades. Painéis, outdoors eletrônicos, sistemas

eletrônico-digitais que envolvem fachadas e espaços como dermes tátil-visuais da (mídia) cidade;

além de terminais de informação e superfícies arquitetônicas inteligentes podem ser usados de modo

a suportar a noção de espaço público como espaço de criação e troca de cultura, assim como a

formação de uma esfera pública por meio da crítica e da reflexão. Sua natureza digital faz com estas

plataformas de exibição sejam uma visualização experimental no limiar entre espaço urbano público e

espaço virtual.

Tecnologias de informação e de comunicação funcionam como camadas que se acoplam e integram

ao corpo, a objetos, a espaços e ambientes. Se, há vinte anos, termos como realidade virtual,

realidade aumentada e computação ubíqua remetiam a um ideário social pautado pelo tecnológico,

atualmente, as tecnologias de informação e comunicação já estão incorporadas em objetos e no

ambiente urbano sob a forma de redes pervasivas através das quais informações são colhidas e

processadas em todos os contextos possíveis (GREENFIELD: 2006). Nesse cenário, práticas

industriais são suplantadas por processos tecnológicos acelerados nos quais dispositivos e

interfaces, acoplados ao corpo e ao ambiente urbano, promovem a troca e a difusão de informação

em rede, para além da superfície e da aparência da cidade. Para Zielinski (1995), as interfaces

funcionam como instrumentos e modelos conceituais com os quais se opera na cidade

contemporânea em meio a diversos sistemas de signos que se chocam, misturam, hibridizam. Para

Ascher (2001), a transição entre a cidade moderna e a cidade contemporânea é marcada pela

passagem do capitalismo industrial para o capitalismo cognitivo, do qual a tecnologia é um aspecto

parcial que manifesta padrões comportamentais e ou imaginários inscritos em processos sociais.

Mitchell (2002) descreve o ambiente híbrido, no qual objetos virtuais são sobrepostos a físicos, como

aquele que potencializa a conectividade e a mobilidade, aspectos significativos e relevantes de

sociabilidade inscritos nas estruturas invisíveis em rede da cidade.

Para Ferrara (2008; 2002) é da experiência baseada na simbiose informação-imagem-memória que

emergem novas linguagens, representações e espacialidades. Nesse contexto contemporâneo, o

espaço geográfico visível e fixo integra dinâmicas e fluxos virtuais mapeáveis e visualizáveis

globalmente. Deste modo, o próprio conceito de intervenção na cidade sofre as influências das

virtualidades do urbano global e conforma espacialidades variáveis e emergentes. As dinâmicas entre

os fixos e fluxos geram tensões e estados, ora concentrados, ora dispersos que inauguram, por

exemplo, modelos de organização social e econômica (como coletivos, creative commons, economia

criativa). Esses fatores, por sua vez, têm acrescido complexidade à noção de urbano e cidade e aos

sentidos de cidade. Vemos hoje que ela se manifesta através de inúmeras interfaces que conectam

dados e idéias, imaginários e conhecimentos que alteram a representação e a percepção do espaço

urbano.

Cidade Superfície

Na cidade, a porosidade e interpenetrabilidade entre situações físicas e concretas e redes digitais

configuram-se, cada vez mais, como manifestações de uma realidade estendida. Nesse contexto,

painéis e outdoors que, integrados a sistemas eletrônico-digitais, envolvem fachadas e espaços como

dermes tátil-visuais da cidade como mídia. Além deles, sistemas inteligentes de mapeamento e

visualização são acoplados a superfícies arquitetônicas, o que gera um conjunto de manifestações

midiáticas que dão suporte à idéia de um “espaço” compartilhável na esfera pública como espaço de

criação e troca de cultura. Ao mesmo tempo em que a realidade estendida integra em si o físico-

analógico e o fluxo digital em camadas intercambiantes, a cidade como superfície aqui proposta

integra o público e o privado continuamente, o que gera amplo palco para observação, crítica e

reflexão sobre aspectos físicos e cognitivos envolvidos nesses processos.

Ferrara (2008, p. 48) defende que o espaço dever ser entendido em sua condição fenômenica e

nesse sentido, elege três categorias que lhe são determinantes: espacialidade, visualidade e

comunicabilidade. Assim se transportarmos essas categorias para o entendimento da cidade como

superfície podemos inferir que no momento atual essas categorias não somente são redutívies umas

às outras, mas que por meio de uma intricada articulação combinatória possibilitam diversas

configurações concretas de espaço em mutáveis e efêmeras apropriações em que o espaço público,

na maioria das vezes a rua, assume novos usos e processos de significações, alternando-se entre

público e/ou privado.

O conceito de cidade como superfície comunicacional não é uma característica da

contemporaneidade, sua gênese está intrinsecamente relacionada a da prórpria configuração do

urbano enquanto resposta ao mundo industrial materializado no espaço físico das cidades. Por outro

lado, podemos afirmar que esse conceito tem se renovado por meio da novas configurações

tecnológicas que permitem que o espaço concreto se manifeste em camadas temporais

constantemente resignificadas que redefinem o domínio do urbano por meio de apropriações

potenciais e reais.

Superfícies visuais

Nos últimos anos, arquitetos, designers e artistas têm integrado tecnologias de informação e

comunicação cada vez mais ubíquas em intervenções urbanas nas quais a cidade atua como “meta”-

superfície. O artista polonês Krzysztof Wodiczko, por exemplo, tem explorado a cidade como interface

limítrofe entre público e privado, como em The Hiroshima Projection, 1999 [ Figura 1 e Figura 2],

Tijuana Projection, 2000 [Figura 3 e Figura 4] e Bunker Hill Projection, 1998 [Figura 5, Figura 6 e

Figura 7].

[Figura 1 e Figura 2] The Hiroshima Projection, 1999, de Krzysztof Wodiczko. Projeção pública no Domo da Bomba Atômica de Hiroshima, Japão. Direitos autorais de Krzysztof Wodiczko. Cortesia Galeria Lelong, New York. É permitido o uso de imagens de obras de arte exclusivamente para fins pessoais ou educacionais: Art21 Copyright Notice. http://www.pbs.org/art21/slideshow/popup.php?slide=709 acesso em 23 de maio de 2010.

[Figura 3 e Figura 4] The Tijuana Projection, 2001. Esquema manuscrito de projeção de narrativa e quadro de projeção pública no Centro Cultural de Tijuana, Mexico, parte de In-Site 2000. Direitos autorais de Krzysztof Wodiczko. Cortesia Galeria Lelong, New York É permitido o uso de imagens de obras de arte exclusivamente para fins pessoais ou educacionais: Art21 Copyright Notice http://www.pbs.org/art21/slideshow/?slide=718&showindex=324, acesso em 23 de maio de 2010.

[Figura 5, Figura 6, Figura 7]. Documentação: detalhes de projeção pública. Bunker Hill Monument, Boston, 1998. Direitos autorais de Krzysztof Wodiczko. Cortesia Galeria Lelong, New York É permitido o uso de imagens de obras de arte exclusivamente para fins pessoais ou educacionais: Art21 Copyright Notice. http://www.pbs.org/art21/slideshow/?slide=712&artindex=159, acesso em 23 de maio de 2010. Um marco arquitetônico e histórico relevante da cidade serve de superfície de projeção de narrativas

que, por um lado, atualizam a memória e história e por outro, evidenciam tensões, vulnerabilidades e

fraturas da cidade. Cada projeção deriva da articulação entre a especificidade e singularidade do fixo

(lugar) e de seus fluxos experienciais. Cada projeção é um recorte narrativo de vivências, por vezes

traumáticas, relatadas por habitantes. O lugar é, simultaneamente, símbolo arquitetônico de

relevância patrimonial e histórica e inscrição projetada, sobreposta e efêmera, que revela fissuras. O

edifício público (memorial), não restrito a patrimônio arquitetônico como sustentáculo fixo de uma

memória passada a ser preservada, é corpo fluido e que se atualiza para além de fragilidades,

mutilações e fissuras, em superfície compartilhável.

Neste sentido, as projeções em fachadas de edifícios se manifestam não somente como uma

realidade aumentada que amplia a realidade física ao inserir elementos virtuais, mas como realidade

estendida que se configura na dimensão do tempo por meio dos significados gerados pelo período de

apropriação da superfície.

Além das intervenções em fachadas por meio de projeções, a cidade superfície se expande e se

manifesta pelo suporte de painéis eletrônicos comerciais que desde a modernidade passaram a

incorporar as paisagens urbanas das maiores metrópoles do mundo. O marco da apropriação dos

painéis eletrônicos comerciais para fins de intervenção artística tem na Times Square, em Nova

Iorque, o referencial histórico do debate contemporâneo sobre arte, design, media, comunicação e

cidade. O projeto Messages to the Public (1982-1990), promovido pela Fundação de Arte Pública de

Nova Iorque, foi um dos precursores ao expor em um grande painel luminoso na fachada do edifício

Allied Chemical, intervenções artísticas em 30 segundos de exibição diária com o propósito de

estabelecer um diálogo entre observadores e artistas como Jenny Holzer, Keith Haring e David

Hammons.

As intervenções de Holzer (1982; 1986) reforçaram e ainda reforçam a cidade superfície como

agenciador perceptivo, sensorial e afetivo ao questionar o próprio espaço social onde se insere, uma

vez que se anuncia como metalinguagem, uma série de “truísmos” compostos de frases que

despertam o estado de consciência do espectador para uma mensagem que se fixa no fluxo do

movimento, da passagem e das idéias. Suas intervenções aparecem como interferência em meio às

distrações de consumo que circundam o habitante da cidade. As propostas da artista atravessam

suportes, objetos e mídias que variam de impressos, brindes a projeções e leds [Figura 8].

[Figura 8]. Da série Truísmos (1977-79). Spetacolor, Times Square, New York, 1986. Foto de John Marchael. Direitos autorais Jenny Holzer Artist Rights Society New York, 2007. http://www.pbs.org/art21/slideshow/?slide=1458&showindex=358 , acesso em 23 de maio de 2010.

Se Holzer intervém na cidade como superfície de inscrição de pensamentos e afetos que despertam

os sentidos, em Bologna Towers 2000, de autoria de Brody Maggiori e Peter Greenaway,

performance audiovisual realizada na Piazza Maggiori e comissionada pela cidade de Bolonha por

ocasião da designação de capital da cultura européia no ano 2000, a cidade se transforma em folha

de papel sobre a qual se escreve e reconta sua história. Projetada a partir de documentos,

cartografias e registros históricos, como inscrição dinâmica em superfície-manuscrito, a performance

se dá em ritmos e cadências variadas [Figura 9, Figura 10].

[Figura 9, Figura 10]. Quadros de performance audiovisual pública Bologna Towers 2000, Piazza Maggiori, Bologna, 2000. Duração: 30 minutos. Direitos autorais Brody Neuenschwander & Peter Greenaway. É permitido o uso de imagens de obras de arte exclusivamente para fins pessoais ou educacionais Imagens extraídas do site oficial de Brody Neuenschwander http://www.bnart.be/Bologna%20Towers%202000.php, acesso em 23 de maio de 2010. Os trabalhos de Wodiczko, Holzer e Maggiori & Greenaway tocam a superfície urbana como grandes

visualidades informacionais em que arte, arquitetura e comunicação se agregam em espacialidades

comunicantes. A visualidade dos suportes determina a espacialidade e a comunicabilidade do

espaço, então reconfigurado pelo artista.

Superfícies interativas

Ao longo dos últimos anos, a cidade superfície tem integrado a noção de ubiqüidade por meio de

projetos que não somente expõem novas visualidades urbanas, mas permite que estas se estendam

por meio de dispositivos móveis ou que se transformem em espacialidades constituídas por novos

usos do espaço urbano, intermediadas não somente pela observação, como os projetos apontados

anteriormente, mas por meio da interação.

Por ubíquo, entende-se a tecnologia que não está materialmente presente e com a qual os usuários

não necessariamente se relacionam com um instrumento tecnológico em si, mas com a tarefa a ser

desempenhada. Segundo Weiser (1991) “as tecnologias mais profundas são aquelas que

desaparecem. Elas se entrelaçam com o cotidiano até que se tornem indistinguíveis dele”. É

seguindo este raciocínio que entendemos o espaço tecnológico, como uma hibridização entre cidade

e tecnologia, onde não é possível mais dissociar essa última do contexto do mundo urbano

contemporâneo.

As tecnologias da informação e comunicação (TICs) assim como as novas mídias têm proporcionado

não somente novas conceituações sobre o espaço urbano, mas novos modos de construção do

sentido de cidade, uma vez que articulam configurações não somente referentes à geometria do

espaço, mas diretamente à representação de lugar.

Magical Mirror 2006, de autoria de Daniel Michelis, propôs uma intervenção na fachada do edifício

SAP, empresa responsável por criar softwares de gestão integrada, em Berlim. Após o expediente, a

fachada de vidro era resignificada através de uma intervenção que envolvia câmeras de vídeo que

registravam carros e passantes. Essas imagens eram exibidas em tempo real de modo a configurar

espelhos interativos [Figura 11] que convidavam a ocupação da calçada, ou seja, do espaço público

por meio da interação que promovia a permanência dos passantes e a conseqüente sinergia entre

espectadores e atores da cena que se configurava. As superfícies refletoras suportavam assim, a

noção de espaço público como espaço de criação e cultura.

Neste sentido, a realidade projetada se estendia para além das superfícies uma vez que promovia a

interatividade entre corpo e imagem e apropriação do espaço material pelo seu par imaterial.

Criavam-se imagens do mesmo modo que realidades mediadoras entre o corpo e a cidade concreta.

[Figura 11] Espelhos interativos Magical Mirrors 2006, SAP, Berlim, 2006. Direitos autorais Daniel Michelis. É permitido o uso de imagens de obras de arte exclusivamente para fins pessoais ou educacionais. Imagens extraídas do site oficial de Daniel Michelis. http://magicalmirrors2006.wordpress.com/, acesso em 23 de maio de 2010.

Além da intervenção propriamente dita, o projeto contava com um blog diário onde o Michelis relatava

as suas observações do processo de articulação entre cidade, público e meios digitais. Assim, o

projeto se estendia para além da superfície do edifício uma vez que os internautas também poderiam

acompanhar e remotamente dialogar com o projeto.

Outro projeto que abordou a interação como propósito de ocupação de superfícies na cidade foi o

evento sediado no Covent Garden, em Londres: OVI Maps da Nokia, 2010 [Figura 12]. Para promover

a distribuição gratuita de mapas para celulares, a Nokia juntamente com a agência Wieden Kennedy

utilizou um automóvel em frente a uma das fachadas do Covent Garden, para capturar imagens dos

passantes e por meio de tecnologia 3D, projetar as imagens em tempo real com o adendo de pelo

movimento gerado por aqueles que interagiam com a superfície, criar setas que percorriam toda a

superfície promovendo uma animação, que integrava todas as superfícies constituintes do projeto.

Diferente do projeto anterior, em que a fachada pertencia a um edifício comercial, mas a ação era

promovida por um artista, neste projeto, uma empresa utilizava uma fachada de um complexo

histórico e de significância cultural para a promoção de um produto, não pela obviedade de sua

publicidade, mas pela diversão, interação e sinergia proposta no ambiente da cidade, estendendo o

uso da fachada e do espaço público da rua, para uma representação, mesmo que efêmera, privada

quanto ao conteúdo. Nesse sentido, o espaço público intermediado pela tecnologia se curvava ao

domínio privado, uma vez que a proposta era a promoção de um serviço para celular.

[Figura 12] OVI Maps Nokia 2010, Covent Garden, Londres, 2010. Direitos autorais Nokia & Wieden Kennedy. Imagens extraídas do site oficial de Wieden Kennedy. http://wklondon.typepad.com/welcome_to_optimism/2010/04/nokia-ovi-maps-installation-at-covent-garden.html, acesso em 23 de maio de 2010.

Diferentemente, os projetos do Centro Dinamarquês para Vida Urbana Digital articulam as fachadas

interativas como possibilidade de participação e construção de novos significados a partir da

apropriação do espaço da rua por meio das fachadas sobre as quais interferem. O projeto Climate on

the Wall, 2009 [Figura 13] foi pensado quando da conferência “Além de Kyoto”. Essa intervenção

convidava os habitantes da cidade de Aarhus a compartilharem pensamentos e construírem frases

com palavras que eram disponibilizadas na fachada do Ridehuset, edifício referência da cidade,

situado ao lado da prefeitura. Como uma extensa parede semântica, os passantes interagiam criando

frases e expressões ao posicionarem palavras que, como imãs, mudavam de lugar de acordo com a

organização proposta pelos passantes tendo em vista a construção de um poema colaborativo que

refletia as opiniões e reflexões sobre as questões climáticas globais dos cidadãos de Aarhus.

[Figura 13] Climate on the Wall Danish Center for Digital Urban Living 2009, Aarhus, 2009. Direitos autorais Danish Center for Digital Urban Living. Imagens extraídas do site oficial de Danish Center for Digital Urban Living. http://www.digitalurbanliving.dk/projects/media-facades/klima-vaeggen.php, acesso em 23 de maio de 2010.

Neste sentido, podemos inferir que o espaço público sofre sobreposições de usos, uma vez que tanto

edifícios públicos e privados, quanto ações promovidas pelas artes ou por ações de branding acabam

deflagrando novas apropriações que interferem diretamente no sentido do espaço concreto, uma vez

que a comunicabilidade se sobrepõe à própria espacialidade e visualidade presentes. Se para os

projetos categorizados como de “superfícies visuais” a visualidade dos suportes determinava a

espacialidade e a comunicabilidade do espaço então reconfigurado, para os projetos que abordam as

“superfícies interativas”, a espacialidade e visualidade são estruturadas pela comunicabilidade

promovida pela interação. O significado é produzido coletivamente por artista e habitantes.

Superfícies móveis

A extensão da realidade na cidade superfície se dá tanto pelas superfícies em escala urbana como

por aquelas na escala do indivíduo, encontradas nos displays dos dispositivos móveis responsáveis

por estender a capacidade de observação, percepção e conseqüente generalização por parte dos

habitantes da cidade na determinação de seu sentido. Uma vez conjugadas as diversas escalas das

superfícies midiatizáveis, o que se tem é uma resultante informacional capaz de promover interação,

participação e representação em níveis que somente o ambiente urbano é capaz de abrigar, já que as

mídias locativas permitem o intercâmbio de informações e serviços entre ambientes físicos diversos.

Dos projetos que envolvem a interação com dispositivos móveis e realidade aumentada, até mesmo a

projetos em fachadas que quando capturados por câmeras de celulares conjugam novas realidades,

as mídias locativas contribuem para a efetiva consolidação de uma cidade superfície que extrapola as

suas dimensões físicas concretas.

Partindo dessas premissas, o Festival Europeu de Fachadas Mediáticas de 2010, sediado em Berlim,

programou um Mobile Dinner para a abertura do evento. Uma intervenção midiática que integrava um

evento culinário com uma instalação ciberinterativa, ao conectar convidados de diferentes cidades.

Um grande painel fazia às vezes de um cinema ciber-comunicativo através do qual a audiência podia

acompanhar o jantar em diversas cidades e, ao mesmo tempo, constatar de que modo os painéis

eletrônicos, fachadas midiáticas e qualquer tipo de superfície que se encontre em interface com o

espaço público pode ser usada para a comunicação em escala global.

Durante o jantar, as cidades participantes podiam dialogar e interagir virtualmente ultrapassando as

barreiras geográficas por meio do uso de live feed, ou seja, contribuições feitas pela audiência, a

partir das quais se construiu uma conferência mediada pela virtualidade. O espaço digital se

consolidava assim, pela participação e interação em realidades físicas e culturais distintas.

O projeto idealizado por Johanna Bruckner [Figura 14] tem como objetivo construir tensões entre

espaços geograficamente distintos e promover a estruturação de espacialidades constituídas pela

possibilidade de comunicabilidade e visualidade de espaços concretos, mas situados em pontos

físicos distantes, porém hibridizados por um evento em que a extensão da realidade invade e integra

os seus pares dialógicos espacialmente distantes.

Com os “jantares móveis” Bruckner propõe a discussão sobre como a comunicação virtual por meio

das fachadas urbanas midiáticas se potencializa como mediadora social, uma vez que toma o espaço

público como espacialidade informacional. Esse projeto amplia a discussão promovida pelos outros

projetos, anteriormente apresentados neste texto, uma vez que incorpora a superfície como interface

para a construção de novas cartografias espaciais por meio da ocupação do espaço urbano que se

estende pelo tempo real da apropriação em outros espaços de recepção.

A metáfora da superfície como mediação promovida pelos dispositivos móveis é ampliada na escala

do urbano coletivo. Se os telefones celulares integram indivíduos em redes que extrapolam o tempo e

o espaço físico, os “jantares móveis” de Bruckner o assume na escala do coletivo, ao construir e

conectar espaços urbanos e, conseqüentemente, cidades em rede, em que o corpo não é o do

indivíduo e sim da comunidade que, pela participação, reconstrói seu espaço público em diálogo com

seus pares.

[Figura 14] Dinners Mobile Media Facades Festival Europe 2010, Berlim, 2010. Direitos autorais Johanna Bruckner. Imagens extraídas do site oficial de Media Facades Festival Europe 2010. http://www.urbanism-as.org/URBANISM_AS_-_!_Johanna_Bruckner/projects.html, acesso em 23 de maio de 2010.

Considerações Finais

Nesse artigo apresentou-se a realidade estendida como espaço no qual o espaço físico é justaposto

a ambientes virtuais via tecnologias da informação e comunicação. Discutiu-se a noção de cidade

superfície, na qual painéis, projeções em grande escala; fachadas de luz automatizadas assim como

as novas mídias têm proporcionado não somente novas conceituações sobre o espaço urbano, mas

novos modos de construção do sentido de cidade, uma vez que articulam configurações não somente

referentes à geometria do espaço, mas diretamente à representação de lugar.

A cidade real - e virtualmente conectada através potentes redes e sistemas informacionais tem sido

incorporada a manifestações de arte midiática (instalações interativas urbanas; ações colaborativas

em rede e fora dela). Essas evidenciam relações e tensões entre arte, ciência, tecnologia e entre

cultura e economia.

Na cidade-mídia, o paradigma da recepção é alterado para o da ação dialógica comunicacional,

envolve participação e interação do antigo observador que agora é ator, integrante e agente do

sistema e da cidade. Ao mesmo tempo em que tais ações funcionam como pele da cultura e pulsam

na dinâmica globalizante e digital, por outro, refletem também o singular e específico, o diferente.

Referências Bilbiográficas

ARGAN, G. C. Projeto e Destino. São Paulo, Editora Atica, 2004 (121). CASTELLS, M. The Informational City. Londres, Blackwell, 1989. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. Notas: Seguido do prefácio à 4ª edição italiana. FERRARA, L. D’A. Design em espaços. São Paulo, Rosari, 2002. FERRARA, L. D’A. Comunicação, Espaço, Cultura. São Paulo, Annablume, 2008. GREENFIELD, A. Everyware: The dawning age of ubiquitous computing. Berkeley, New Riders, 2006. LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo,Atica, 1991. MITCHELL, W. E-topia: a vida urbana, mas não como a conhecemos. Tradução de Ana Carmen Martins Guimarães. São Paulo: Editora Senac, 2002. SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Paulo, Hucitec, 1997. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo, EDUSP, 2008. WEBBER, M. M. The Post-City Age. In: LEGATES, Richard T.; STOUT, Frederie. The City Reader. New York, Routledge, 2000. WEISER, M. The computer for the 21st century. Scientific American, 265, 3, 94-104, 1996. Disponível em: http://www.ubiq.com/hypertext/weiser/SciAmDraft3.html