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  • MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Alessandra Ribeiro, Camila Alves Mantovani, Marina Mendes, Maurício Guilherme Silva Jr., Roberta Nunes, Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Thiago Malta,Vanessa Fagundes, Verônica Soares e Vivian TeixeiraDiagramação: Fazenda ComunicaçãoRevisão: Sílvia BrinaDireção de arte: Felipe BuenoEditoração: Unika Editora, Fatine OliveiraMontagem e impressão: Rona EditoraTiragem: 25.000 exemplaresCapa: Felipe Bueno

    Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

    Blog: http://blog.fapemig.brFacebook: http://www.facebook.com/minasfazcienciaTwitter: @minasfazciencia

    GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Fernando Pimentel

    SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Miguel Corrêa Jr.

    Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

    Presidente: Evaldo Ferreira VilelaDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda BeirãoDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha

    Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Esther Margarida Alves Ferreira Bastos, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Michele Abreu Arroyou, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli, Virmondes Rodrigues Júnior

    Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

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    Para andar, conversar, brincar, comer, ler a revista Minas Faz Ciência, enfim, para todas as atividades realizadas pelo corpo, o cérebro é indispensável. Mesmo que re-lativamente pequeno – ele pesa, em média, 1,5 quilo nos seres humanos –, o órgão consome cerca de 20% de toda a energia do organismo. Pesquisadores comprovaram que o utilizamos o tempo todo, inclusive enquanto dormimos. São cerca de 100 bilhões de neurônios, um número ainda maior de conexões e perguntas que a ciência ainda não conseguiu responder. Apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, é possível dizer que há muito para se conhecer sobre o cérebro humano.

    As Neurociências buscam compreender o funcionamento desse órgão, especial-mente aqueles ligados ao comportamento humano. Para isso, congregam várias áreas, passando pela Psicologia e pela Neurologia, que investigam o funcionamento do sis-tema nervoso e suas interações com o corpo. São muitos e diversificados os estudos realizados dentro desse campo do conhecimento. A reportagem especial desta edição traz um panorama das linhas de investigação em curso e as contribuições dessa ciência para a melhor compreensão do nosso corpo.

    Dengue, zika vírus e chikungunya são assuntos do momento. O País vive uma epidemia grave, com números que não param de crescer, especialmente no caso da dengue. O problema é também um desafio para a ciência nacional. Em todos os esta-dos, pesquisadores se dedicam a estudar a doença sob vários aspectos: tratamentos mais adequados, hábitos do mosquito transmissor e até mesmo as atitudes da popula-ção no que se refere ao cuidado contra a propagação das larvas do inseto. Minas Gerais conta com um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Dengue, um centro de excelência que realiza pesquisas de ponta sobre o tema, muitas em parceria com outras instituições. Esses estudos têm contribuído para combater a doença e fornecer respostas. O repórter Téo Scalioni apresenta esses trabalhos e soluciona algumas dúvi-das comuns, como a viabilidade, em curto prazo, de uma vacina eficaz para a dengue.

    Outro destaque é o trabalho da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) com as microrredes energéticas inteligentes. Tais sistemas elétricos, que combinam fontes de energia consideradas limpas, como o sol e o vento, ainda são raros no Brasil. O campus da Unifei é um dos candidatos a receber esse sistema. Lá, já são realizados estudos sobre geração e transmissão de energia, especialmente dentro do Centro de Excelência em Redes Elétricas Inteligentes. Os resultados contribuem para gerar dados sobre a qualidade do fornecimento e o consumo de energia, além de pensar alternativas para o modelo energético adotado no País.

    Temos, também, uma novidade. A seção Vida de Cientista apresentará, a cada edição, o perfil de um pesquisador de renome, buscando retratar não apenas suas con-quistas profissionais, mas também seu dia a dia fora do laboratório, suas fontes de inspiração e seus hobbies. A ideia é mostrar que o cientista é uma pessoa como qual-quer outra, com problemas, alegrias e dilemas. Para a “estreia”, a repórter Marina Men-des conversou com o físico Ado Jório Vasconcelos, do Instituto de Ciências Exatas da UFMG. Recentemente, o professor, que estuda a aplicação de nanoestruturas em novos materiais e Biomedicina, teve seu nome incluído na lista dos cientistas mais influentes do mundo, segundo a editora norte-americana Thomson Reuters. Conheça um pouco mais sobre sua trajetória a partir da página 45.

    Aproveito esse espaço para dar uma dica aos nossos leitores. Recebemos, com frequência, pedidos para envio das edições anteriores da Minas Faz Ciência. Com ex-ceção dos números recentes, não temos esse material para distribuição. Mas todas as edições estão disponíveis, na íntegra, em nosso blog (http://blog.fapemig.br) e no por-tal da FAPEMIG (www.fapemig.br), que, por sinal, está de cara nova. Que tal conhecer um pouco da história da revista e da ciência no Estado?

    Boa leitura!Vanessa Fagundes

    Diretora de redação

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    VIDA DE CIENTIsTA Conheça a trajetória de Ado Jorio Vasconcelos, que integrou a lista de pesquisadores mais produtivos em 2015

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    hIPERLINkConversas com o universo, dengue, Sci-Hub e livros para pequenos cientistas

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    ENgENhARIA ELéTRICA Unifei baseia-se em projetos estrangeiros para instalação futura de microrrede inteligente de energia elétrica

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    ENTREVIsTALigado ao Instituto de Astrofísica de Andaluzia (IAA), na Espanha, Antônio Claret dos Santos fala de ciência e ondas gravitacionais

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    30 COmPuTAçãOProjeto auxilia desenvolvedores a criar sites com maior acessibilidade a pessoas com deficiência

    bIOCOmbusTÍVELEm Lavras, especialistas investigam características da produção de biocombustível a partir da batata-doce

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    gEOLOgIA Estações controladas por pesquisadores da Unimontes monitoram tremores de terra na região de Montes Claros (MG)

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    6 EsPECIALReportagem discute objetivos, desafios, limites e bases teóricas das Neurociências

    33 QuÍmICAEstudo da Universidade Federal de Juiz de fora revela uso de metais pesados em bijuterias de baixo custo

    36 FARmáCIA Na UFMG, especialistas analisam efeitos do uso do fármaco Ritalina por estudantes que buscam neuroaprimoramento

    42 ENERgIAPesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) avaliam potencial brasileiro para desenvolvimento de energia eólica

    39 COmbATE à DENguE Combate à dengue, à chikungunya e ao zika vírus é alvo de inúmeras vertentes de pesquisas no Estado

    20 mEIO AmbIENTE Em investigação sobre alternativas sustentáveis para produção de materiais, cogumelos nascem de sacolinhas plásticas

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    MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é

    permitida, desde que citada a fonte.

    “A maioria das pessoas que recorre à prática de meditação tem, como objeti-vo principal, a busca de pelo menos um dos itens citados na pergunta. Na verda-de, não podemos achar que o resultado virá instantaneamente. É um processo contínuo. Acredito, sim, ter eficácia não somente em um dos itens citados, mas em todos. A prática deve ser constante, independentemente do tempo”.Eduardo Quintella Machado de Carvalho

    Via Facebook

    “Acredito totalmente! Acho que me-ditar é um dos caminhos mais lindos para entrar em contato com quem a gente é de verdade. Não é fácil, mas dá para sentir na pele os benefícios. Vale muito a pena”.Thainá Cunha

    Via Facebook

    “Meditar nos torna mais concentrados e leves. Libera e capta energia, simultanea-mente. Faz bem para o corpo e a mente. Mas é, de preferência, um processo contínuo, ininterrupto. Não é um remédio que se toma somente em momentos de crise”.Sônia Pessoa

    Via Facebook

    “Não acho que ‘acreditar’ seja uma palavra boa, porque meditação não precisa de fé ou de opinião para funcionar... É uma técnica que, se usada corretamente, apre-senta benefícios a qualquer praticante (ex-ceto, talvez, pessoas com psicopatologias

    severas). Estudo comprovando os benefí-cios em vários contextos é o que não falta”. André MouraVia Facebook

    “Eu acredito e acho que a meditação

    deveria ser mais incentivada e divulgada. Em tempos como os que vivemos hoje, a tão falada ‘mindfullness’ nos mostra o quanto a cabeça da gente não para um só instante. E o quanto é importante nos desligarmos um pouco para contemplarmos a vida”. Luiz Flávio LimaVia Facebook

    “Meditar é de grande poder! A ciência tem comprovado os inúmeros benefícios da meditação. Os desafios do dia a dia podem levar uma pessoa a inibir o seu progresso pessoal. Tensões no corpo e na mente, falta de perspectiva, cansaço tristeza, dentre outros fatores, podem levar ao afastamento da roti-na diária e, até mesmo, do convívio pessoal. A meditação tem se revelado grande aliada, trazendo, às pessoas, mais concentração, energia vital, além de corpo e mente mais relaxados. Por meio da prática meditativa, uma pessoa se torna mais confiante, sua estima melhora, as respostas para suas dú-vidas clareiam na mente, há um aumento do bem-estar e, como consequência, até mesmo doenças poderão ser sanadas ou minimiza-das. A atividade da meditação é muito antiga, porém, vem sendo resgatada e o número de praticantes aumenta a cada dia. Teremos um mundo melhor se a meditação fizer parte de nossa rotina diária! Então, vamos meditar?”. Esther MagalhãesVia Facebook

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    Das infinitudes do cérebro

    A compreensão do comportamento humano é o foco das Neurociências, campo que se destaca pela multidisciplinaridade

    Alessandra Ribeiro e Camila Alves Mantovani

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    O estudo do corpo humano é algo que fascina e desafia os homens desde remotas eras. Os avanços das tecnologias ampliaram muito as possibilidades de compreender um pouco mais tal funcio-namento, tendo em vista, principalmente, o uso de técnicas não invasivas in vivo. Dentre os vários sistemas e órgãos que se dão a conhecer, o cérebro tem concentrado grande esforço de pesquisa – e com foco inicial não apenas na Biologia e nas áreas de saúde. Nesse contexto, destaca-se o surgimento e a consolidação das chama-das Neurociências (Sim, no plural!).

    Apesar de o estudo do cérebro re-montar há séculos e séculos, no que tan-ge a efeitos disciplinares e acadêmicos, considera-se a década de 1970 como marco do surgimento de tal campo do co-nhecimento. A datação deve-se, em grande medida, aos já mencionados avanços tec-nológicos do século XX, que permitiram a criação, por exemplo, da primeira máquina de tomografia, cujo uso ampliado, para além dos ambientes de pesquisa, deu-se somente na década de 1990, devido aos altos custos.

    De acordo com Ângela Maria Ribei-ro, professora e idealizadora do programa de Pós-graduação em Neurociências da Universidade Federal de Minas Gerais, os avanços nos métodos e técnicas são importantes não apenas pela ampliação da capacidade de compreensão do cére-bro e suas interações, mas, também, por ressaltarem a primeira dimensão interdis-ciplinar da área.

    Segundo a pesquisadora, a linha divisória entre as disciplinas acaba por se dissolver, inicialmente, no próprio método. “Tomemos, por exemplo, a morfologia, que, em essência, estuda a forma. É pos-sível traçar uma história, desde Leonardo da Vinci, com seus desenhos macro, até as imagens geradas por microscópios, tomo-grafias, ressonâncias. Isso foi um marco, pois, com a evolução tecnológica, ao mes-mo tempo em que observamos a forma, vemos, também, a atividade”, explica.

    Neste cenário, se o paciente inge-re uma substância “marcada”, é possível acompanhar, simultaneamente, a forma e a atividade de circuitos e regiões específi-

    cas no cérebro. “A ressonância magnética funcional é uma técnica que exemplifica a interdisciplinaridade entre a morfologia, a bioquímica e a fisiologia. Trata-se de méto-do desenvolvido por meio do conhecimen-to da Engenharia Eletrônica, da Bioquími-ca, da Morfologia e da Fisiologia, e, hoje, empregado em várias áreas, e não só nas Neurociências”, conclui.

    Para além da dimensão técnica, no entanto, as Neurociências revelam-se um campo de conhecimento que busca com-preender o comportamento humano, a par-tir do funcionamento do sistema nervoso e de suas interações com o corpo – a me-diação principal para relacionamento dos indivíduos com o mundo à sua volta. Com base em tal pressuposto, Ângela Ribeiro destaca a abrangência do tema, ao apontar para as diversas subáreas que a compõem, como os “territórios” molecular, sistêmico, cognitivo e computacional. “No cerne das Neurociências, há interações com a Psico-logia, a Psiquiatria, a Neurologia, a Neu-robiologia e a Neurofisiologia. Você pode usar modelos animais ou diversos tipos de estudos, em vários níveis, mas o objetivo central é a compreensão do comportamen-to humano”, esclarece.

    Pode-se perceber, portanto, que a premissa – e, por conseguinte, o diferen-cial – dos estudos em Neurociências está no fato de que qualquer aspecto do com-portamento (motor, emocional, cognitivo) tem bases biológicas ou físicas e que, para os especialistas da área, isso não envolve apenas o sistema nervoso. Há, também, questões relativas aos sistemas endócrino e imunológico.

    Outro ponto fundamental é o fato de as Neurociências adotarem o paradigma darwiniano. Isso significa que, ao analisar fenômenos e/ou estudos teóricos, neuro-cientistas buscam interpretar e compreen-der seus objetivos empíricos aos olhos da teoria da evolução. “Até agora, é esse o paradigma que usamos, mas pode surgir, no horizonte, algo que modifique isso”, pondera Angêla Ribeiro.

    A partir de tal perspectiva, o indiví-duo é visto como um ser “em relação com os outros”. Daí o interesse pelo uso desse conhecimento na busca por compreender

    Referência aos princípios da chamada teoria da evolução, desenvolvida pelo naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882).

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    as interações de comportamentos – as quais, em suma, envolvem “intercâmbios com o outro” e, de forma mais abrangente, têm importância social.

    Estímulos sociaisNos últimos anos, ampliou-se, signi-

    ficativamente, a interface das Neurociências com outros campos disciplinares, especial-mente, no que diz respeito às Ciências So-ciais e humanas. Exemplo de como tais áreas têm lançado luz sob fenômenos similares refere-se aos estudos em torno da chamada “tomada de decisão”. Segundo Ângela Ribei-ro, ao longo das descobertas das Neurociên-cias, percebeu-se que os estímulos do meio ambiente alteram a rede neural e, assim, modificam o organismo. Consequentemente, isso provoca mudanças nos processos deci-sórios, bem como nas atitudes e nas emo-ções dos indivíduos. Para a pesquisadora, tudo isso aponta para o fato de que há um processo em construção, contrapondo-se à visão anterior, que considerava o sistema como algo pronto, fechado.

    A especialista ressalta, ainda, que a evolução de outras áreas da Biologia, como a epigenética, tem auxiliado as Neuroci-ências a revelar que os estímulos do meio social são capazes de mudar o organismo do indivíduo, a rede neural, e, assim, alterar seu comportamento. O mais interessante, porém, está no fato de que isso pode ser transmitido a outras gerações. “Além de variados, os estímulos sociais são detecta-dos consciente ou inconscientemente pelo organismo. Estudos de Neurociências já apontam que as alterações provocadas pe-los meios, na rede neural, ocorrem desde a gestação”, enfatiza.

    Uma série de estímulos, portanto, é registrada e codificada no cérebro sem que os indivíduos tenham consciência disso. “O interessante é perceber que muitas de-cisões que tomamos, na verdade, já tinham sido ‘tomadas’ por nossa rede neural, de forma inconsciente. Esse conhecimento re-vela-se bastante importante, por exemplo, para as Ciências Sociais”, explica.

    Exemplos simples de estímulos do meio, detectados pelo corpo a partir de uma mesma estrutura físico-biológica – e interpretados de modo diferente por indiví-duos ou grupos de indivíduos –, referem--se à percepção sensorial. “Um perfume é captado pela mesma via sensitiva por mim e por você. Porém, na hora em que ele chega ao cérebro, passa a ter significados distintos para nós. Isso porque a informa-ção vai interagir com outras já codificadas na rede neural. Portanto, posso dar uma resposta diferente da sua, a partir de um mesmo estímulo”, exemplifica.

    O termo se refere a mudanças hereditárias na expressão gênica (genes ativos e inativos), que não envolvem alterações na sequência (base) de DNA. Há mudanças no fenótipo, sem que algo ocorra no genótipo. Isso afeta a forma como as células leem os genes. A epige-nética é uma ocorrência regular e natural, mas também pode ser in-fluenciada por fatores como idade, ambiente, estilo de vida e doenças.

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    Para Ângela Ribeiro, as contribui-ções das Neurociências para as Ciências Sociais e humanas vão além de métodos. Envolvem, na verdade, um conhecimento adquirido em torno das questões relati-vas ao comportamento. Isso diz respeito, especialmente, à compreensão de que as experiências adquiridas durante o de-senvolvimento do indivíduo – não só de ordem biológica, mas, também, relativas ao meio em que cada um viveu – geram similaridades e diferenças individuais im-portantes, devido aos contextos nos quais os indivíduos (ou grupos) estão inseridos.

    Respeito e críticaO conhecimento das relações entre

    as atividades dos sistemas neural, endó-crino e imunológico com o comportamento humano tem colaborado para estudos os mais diversos. “A própria empatia, conceito extremamente subjetivo, tem sido estudada pelas Neurociências. Com a evolução da área, conseguimos compreender aspectos do comportamento humano que, anterior-mente, nem pensávamos ser consequência, por exemplo, de interações químicas na rede neural”, comenta Ângela Ribeiro.

    As interfaces entre Ciências Sociais e Neurociências abrem um leque de pos-sibilidades de entendimento sobre fenô-menos relacionados ao comportamento humano. Isso pode ter impactos positi-vos em relação à melhoria da qualidade de vida das pessoas, em pesquisas, por exemplo, sobre os hábitos nutricionais de certas comunidades. “A aproximação en-tre os campos do conhecimento, porém, precisa se dar de maneira respeitosa e crítica, pois, ao olhar para um fenôme-no cultural, com as lentes de um neuro-cientista, corre-se o risco de operar certo reducionismo”, comenta, ao frisar que as Neurociências surgiram “para somar”.

    Isso significa que não se pode abrir mão dos métodos e das teorias desenvol-vidos pelas Ciências Sociais e humanas. “As Neurociências devem ser vistas como nova perspectiva – ou instrumento – para o entendimento do comportamento huma-no, e, portanto, social”, conclui.

    Construção de saberNo ver de Ângela Ribeiro, há poucas

    iniciativas, nas universidades brasileiras, para a formação de recursos humanos ca-pazes de atuar em pesquisas situadas nas interfaces entre as Ciências Sociais e as Neurociências. “Na Europa e na América do Norte, muitos países interessam-se em produzir conhecimento nessa área. No Bra-sil, percebemos movimentos pontuais, de pessoas que saíram da academia, forma-ram empresas e vendem esse know-how. Antes disso, porém, precisamos produzir tais saberes”, pondera.

    Em 2010, quando coordenava o Programa de Pós-graduação em Neuroci-ências, a pesquisadora viu a oportunidade de criar uma linha de pesquisa que bus-casse consolidar as relações interdiscipli-nares com as Ciências Sociais e humanas. Para tal, estabeleceram-se interações, na UFMG, com professores das faculdades de Ciências Econômicas (Face), de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) e de Educação (FaE). Como resultado inicial, Ângela des-taca a oferta de uma disciplina em colabo-ração com o programa de pós-graduação em Administração, já na quinta edição.

    Para além disso, a pesquisadora destaca a grande demanda por formação na área, expressa pela procura de alunos dos mais diversos campos do conheci-mento. Apesar de já em curso um conjunto de pesquisas com características interdis-ciplinares, verificou-se a necessidade de formalizar a iniciativa na UFMG, pois ainda há carências ligadas a infraestrutura, fun-damental às propostas interdisciplinares.

    Hoje, a formação em Neurociências está vinculada, pelo menos, a sete uni-dades da UFMG: Escola de Engenharia, Faculdade de Medicina, Escola de Música, Fafich, FALE, ICEx e ICB. Apesar disso, a estrutura de funcionamento da UFMG, baseada em departamentos, dificulta os objetivos centrais das investigações neu-rocientíficas. Com base em tal panorama, Ângela Ribeiro destaca o esforço, junto a outros pesquisadores, para formalização, em 2016, da linha de pesquisa “Interfaces entre Neurociências e Ciências Sociais”, inédita no País. “Isso será muito interes-sante, pois fugiremos das colaborações

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    voltadas, quase que exclusivamente, para aplicações pontuais, como mecanismos e métodos. Partiremos, então, para a efetiva construção de conhecimento em bases in-terdisciplinares”, completa.

    Razão X Emoção

    Nas Ciências Sociais – e, princi-palmente, no que diz respeito às análises orientadas pela Teoria da Ação Racional –, a razão tem papel central no processo decisório, interpretado, de forma objetiva, por meio de metodologias de pesquisa li-gadas, por exemplo, às Ciências Políticas e Econômicas. Na última década, com os avanços das Neurociências, diversos espe-cialistas passaram a explorar o componen-te emocional inerente às tomadas de de-cisão. “O desenvolvimento de tecnologias apropriadas, o conhecimento das manifes-tações comportamentais e dos respectivos processos neurobiológicos envolvidos nestes estados emocionais permitiraram que pesquisadores de áreas diversas se associassem a neurocientistas para com-preender melhor o papel das emoções nos processos decisórios”, relata o cientista social Carlos Magno Machado Dias, dou-torando do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG.

    Com base em fundamentos do Neu-romarketing e da Neuroeconomia, o pes-quisador investiga as emoções associadas à imagem de eleitores em relação a candi-datos a cargos políticos – e como elas in-terferem em suas preferências e escolhas. Uma das ferramentas usadas para “medir” tais emoções é um programa de compu-tador capaz de identificar a intensidade das expressões faciais dos participantes (supostos eleitores), ao assistirem a víde-os de um candidato fictício. A ideia é que o político faça um mesmo discurso, mas com quatro cenários diferentes de fundo. Enquanto isso, os espectadores têm as imagens faciais registradas.

    As expressões são registradas e classificadas pelo software de acordo com imagens reunidas em uma base de dados. Um novo estado facial é identificado se a expressão persistir por mais de cinco se-gundos. As análises são feitas por meio de um conjunto de algoritmos que permite

    a identificação de marcas faciais básicas, como felicidade, surpresa, medo, raiva, nojo e tristeza. “A imagem facial capturada pelo software é, essencialmente, um méto-do biométrico cujas manifestações bioló-gicas estão ligadas ao sistema límbico do cérebro e são difíceis de medir, mas podem ser inferidas por meio de avaliações indire-tas”, descreve Carlos Magno.

    Os dados são cruzados com um questionário respondido pelos espectado-res, antes de assistirem ao vídeo, repleto de perguntas sobre gênero, etnia e prefe-rências políticas gerais, além da autoi-dentificação de alinhamento ideológico, segundo escala de esquerda à direita. Em um segundo momento, repete-se o méto-do durante a propaganda eleitoral gratui-ta, com candidatos reais. Gradativamente, novas técnicas têm sido empregadas para medir o papel das emoções no processo de tomada de decisão política emoções, a exemplo da técnica de eye tracking e dos eletrocardiogramas.

    mindfulness

    Um tipo de meditação, focada na atenção ao momento presente, na cons-ciência corporal e no autocontrole das emoções, ganha espaço no ambiente cor-porativo, com o objetivo de aumentar a ca-pacidade de tomada de decisões objetivas e reduzir o estresse. Trata-se da Mindful-ness Based Stress Reduction (MBSR) – ou “atenção plena”, segundo expressão usada no Brasil –, técnica criada pelo médico norte-americano Jon Kabat-Zinn, na Fa-culdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, em 1979. Nas palavras do próprio Kabat-Zinn, o método consiste em “aprender a parar, pausar e observar o que acontece no corpo e na mente”. O progra-ma é desenvolvido ao longo de oito sema-nas, em encontros semanais com duração de três horas.

    A meditação é praticada, há séculos, por religiões como o budismo e o hindu-ísmo. Embora tenha sido inspirada em tal tradição, a técnica é “laica, orientada para a promoção da saúde, acessível e inserida no contexto ocidental contemporâneo”, conforme define o Núcleo Mineiro de Mindfulness (Numi). Atualmente, o méto-

    O conceito refere-se a um conjunto de tecnologias que permite medir e registrar os movimentos oculares de um in-divíduo diante de estímulos em ambientes reais ou controlados. Desse modo, determina-se em que áreas ele fixa a atenção, por quanto tempo e em que ordem se dá a exploração visual.

  • MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016 11

    PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: Estudo sobre desenvolvi-mento, avaliação e implementação de inovações em intervenções para usuários de tabaco e outras drogasInSTITuIção: Universidade Federal de Juiz de ForaCooRDEnADoR: Telmo Mota RonzaniChAMADA: Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem)VALoR: R$ 119.568,06

    do é empregado em mais de 200 hospitais e centros de saúde do mundo, para tratar problemas como ansiedade, depressão e dor crônica.

    Estudioso da mindfulness, o médico Ramon Cosenza, coordenador do curso de Neuropsicologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, cita experiências bem-sucedidas também nas escolas, onde a técnica tem sido associada à melhoria da aprendizagem e do relacionamento inter-pessoal entre os alunos, com redução nos casos de violência e nos níveis de estresse dos professores.

    “A partir da década de 1980, come-çou a publicação de pesquisas científicas que demonstram efeitos da mindfulness na atenção, na memória, na regulação emocional e na resposta imunológica do organismo, dentre outros benefícios, como a sensação de bem-estar”, afirma Cosenza, ao apontar estudo publicado nos anais da Academia de Ciências de Nova Iorque, em 2014, segundo o qual o acompanhamento de praticantes do mé-todo revelou reduções significativas do

    cortisol e de imunoglobulinas circulantes – elementos associados, respectivamente, a menores níveis de estresse e à melhoria da resposta imunológica.

    Noutro artigo, publicado pela revista Nature Reviews Neuroscience, em março de 2015, são descritos estudos de neu-roimagem que demonstram mudanças na estrutura cerebral, com efeitos positivos, associadas à prática da mindfulness. “Há evidências de que ela modifica o proces-samento da cognição, e, particularmente, a função executiva, bem como o proces-samento emocional”, relata o médico. No entanto, admite-se, na mesma publicação, que “os mecanismos neurais subjacentes permanecem obscuros”, o que revela a ne-cessidade de novas pesquisas para com-preensão completa das bases neuronais e moleculares de tais mudanças.

    No Brasil, uma das referências no estudo do tema é o Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde, da Uni-versidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto atende a usuários do Sis-

    tema Único de Saúde (SUS), desde 2011, no Ambulatório de Mindfulness. As principais queixas tratadas são estresse e dor crônica.

    Em Minas Gerais, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) investigam a eficácia do método para o fim do consumo do tabaco e de ben-zodiazepínicos. Um dos trabalhos buscou instrumentos confiáveis para medir os efei-tos desse tipo de meditação no tratamento dos dependentes. A versão brasileira da Escala de Atenção e Consciência Plenas (Maas) foi analisada e considerada um re-curso válido.

    Para chegar a tal resultado, realizou-se um estudo transversal, que envolveu 395 participantes, divididos entre pacientes de uma Unidade de Atenção Primária à Saúde municipal, pacientes em tratamento para dependência de tabaco, estudantes uni-versitários e meditadores. A iniciativa, do Centro de Pesquisa, Intervenção e Avalia-ção em Álcool e Drogas (Crepeia), coorde-nado pelo professor Telmo Mota Ronzani, do Departamento de Psicologia da UFJF, teve apoio financeiro da FAPEMIG.

    O exercício a seguir é proposto pelo Centro Brasileiro de Mindfulness e Pro-moção da Saúde da Unifesp e usa, como âncora, a própria respiração:

    mindfulness em 3 minutos

    # Traga sua atenção para o ambiente: a temperatura, os sons… e ape-nas observe.

    _ Agora, preste atenção em seu corpo: como está se sentindo neste momento? Quais sensações corporais estão presentes?

    # Note, também, seus pensamentos e sentimentos._ Atente-se para a respiração e não se procure em controlá-la. # Deixe que ela encontre seu próprio ritmo. Sinta o ar entrando e saindo._ Se sua mente for a outro lugar, tudo bem! Apenas observe onde ela

    estava e volte a sentir a respiração.# Busque, agora, expandir a atenção, como se seu corpo inteiro esti-

    vesse a respirar e a te observar neste momento._ Entre em contato, então, com a temperatura e o som do ambiente,

    por meio da “lente” de sua respiração, mas de modo consciente.

  • 12 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

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    TA

    Formado em Física pela Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também concluiu mestrado, Antonio Claret dos Santos viajou à Espanha para desen-volver o doutorado junto ao Instituto de Astrofísica de Andaluzia (IAA) e ao Depar-tamento de Física Teórica da Universidade de Granada. No IAA, o pesquisador integra, atualmente, o grupo de Astrofísica Robóti-ca e de Altas Energias (Arae), responsável, dentre outros estudos, por investigações sobre as ondas gravitacionais, preconi-zadas por Albert Einstein (1879-1955). Trata-se de perturbações no tecido espaço--tempo, resultantes do movimento e/ou da deformação de um campo gravitacional, que se propagam à velocidade da luz.

    No que tange ao trabalho de Claret com Astrofísica teórica, destacam-se os projetos “Evolução estelar”, que investi-ga estrelas de nêutrons/quarks e buracos negros, e “Plato”, que pretende a busca de exoplanetas a partir de satélite homônimo da Agência Espacial Europeia (ESA). O pes-

    quisador dedica-se, ainda, ao “Carmenes”, que procura exoplanetas similares à Terra, e ao “Bootes”, iniciativa ligada à Física de altas energias, aos telescópios robóticos e às explosões de raios gama (GRB).

    Para além de sua área de origem, o físico dedica-se à Paleoantropologia. “In-teressam-me a Astronomia no medievo es-panhol e as causas da extinção dos dinos-sauros. Dedico-me ao estudo das pegadas fósseis de tais animais no norte da Espa-nha, analisando-as físico-anatomicamente, para determinar suas velocidades”, conta. Nesta entrevista, Claret esclarece a impor-tância das ondas gravitacionais, e discute aspectos da produção científica no Brasil e no mundo.

    O que, exatamente, são as chamadas ondas gravitacionais, preditas há um sécu-lo pelo físico Albert Einstein?

    Trata-se de perturbações no tecido espaço-tempo, devido ao movimento e/ou à deformação de um campo gravitacional,

    que se propagam com a velocidade da luz. As ondas podem induzir oscilações na for-ma de objetos nelas atravessados. Elas se revelam, porém, de difícil detecção, devido às pequenas amplitudes das deformações resultantes. É como medir variações da mesma ordem de grandeza de um núcleo atômico. Há diferentes configurações as-trofísicas capazes de gerar este tipo de ondas, e, em princípio, de detectá-las, como a explosão de uma supernova, a formação de um buraco negro, a fusão de duas estrelas de nêutrons, ou de dois bu-racos negros, e a rotação de uma estrela de nêutrons não homogênea.

    Joseph Weber foi pioneiro neste campo. Seu experimento consistia em uma barra de alumínio, de 2,5 metros de com-primento e meio metro de diâmetro, que se deformaria ao ser atravessada por uma onda gravitacional. Infelizmente, a sensi-bilidade do instrumento era muito baixa. Além disso, havia grande dificuldade de eliminar ruídos. Apesar dos problemas,

    Maurício Guilherme Silva jr.

    Triunfos da mente humanaPesquisador do Instituto de Astrofísica de Andaluzia, na Espanha, o brasileiro Antonio Claret dos Santos fala de seu trabalho com as ondas gravitacionais, fenômeno previsto pela teoria da relatividade geral e recentemente comprovado

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    Weber anunciou, na década de 1960, que havia detectado as ditas ondas, fato não confirmado por experimentos posteriores. Pouco depois, e quase simultaneamente, nos EUA e na antiga União Soviética – que, por vezes, apesar da Guerra Fria, trabalha-ram em conjunto –, começou-se a idealizar o detector por interferometria. Tal detector também se baseava nas oscilações de um corpo atravessado pelas ondas gravitacio-nais, mas as correspondentes distorções seriam medidas por lasers.

    Por outro lado, nos anos 1970, os astrofísicos Hulse e Taylor encontraram evidências indiretas das ondas. Ao me-dir a variação do período de um sistema binário, constituído por duas estrelas de nêutrons, os pesquisadores verificaram um sistema compatível com uma configu-ração que perde energia ao emitir ondas gravitacionais, e, portanto, em muito bom acordo com a Relatividade Geral de Eins-tein. Em 2014, a equipe do Biceps [refe-rência ao Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarisation, radiotelescópio instalado no Pólo Sul] anunciou que ha-via detectado ondas gravitacionais geradas na etapa de rápida expansão do universo. Porém, estas medidas foram questionadas, e a detecção, descartada. Finalmente, pes-quisadores e associados do Laser Interfe-rometer Gravitational-Wave Observatory (Ligo) – dois interferômetros, com quatro e dois quilômetros de comprimento, loca-lizados nos Estados Unidos – anunciaram, em fevereiro de 2016, a detecção de ondas gravitacionais provenientes da fusão de dois buracos negros com massas 29 e 36 vezes maiores que a do Sol.

    Para a ciência e, especificamente, para a Física, o que representa a compro-vação das ondas gravitacionais? Quais os próximos desafios?

    Acho um triunfo da mente humana. Neste caso, de Albert Einstein, cuja descri-ção da gravitação é bastante exata, até onde somos capazes de medir. Também foi um

    triunfo da habilidade humana em conceber e construir os interferômetros que possibi-litaram a detecção das ondas. Lembremo--nos que, há décadas, observávamos o universo apenas por meio da radiação eletromagnética no visível, no ultravioleta e no infravermelho. Logo, construíram-se os radiotelescópios e nossa percepção au-mentou de maneira significativa: víamos o exterior através de uma janela maior! Em seguida, tornaram realidade as observa-ções em raios-X e gama. Mais janelas abertas! Agora, aumentaremos nosso po-der de visão e de compreensão, com teles-cópios sensíveis às ondas gravitacionais. Eles são particularmente importantes nos fenômenos relacionados com objetos mui-to compactos, tais como buracos negros e estrelas de nêutrons.

    Quanto às metas e aos desafios, há muitos objetivos de vanguarda. O impor-tante, porém, é não esquecer que a pró-pria Física clássica ainda oferece campos de pesquisas muito frutíferos. Ressaltaria como grande desafio teórico a junção en-tre Física Quântica e Relatividade Geral, tarefa, sem dúvida, muito árdua. No plano acadêmico-experimental, mas de aplica-ção quase imediata, está a fusão nuclear. Ou seja, a obtenção de energia por meio da emulação das estrelas. Também a Compu-tação Quântica e as aplicações da Nanotec-nologia estão na lista de desafios e metas.

    Quanto aos futuros resultados dos observatórios de ondas gravitacionais, eles nos ajudarão a compreender um pou-co melhor a Física dos objetos compac-tos. Penso, contudo, que o melhor serão as surpresas com que nos brindarão. De fato, está previsto o lançamento da missão espacial Lisa [Laser Interferometer Space Antenna], projeto conjunto entre ESA e Nasa [a agência espacial norte-americana] que terá três naves aptas a detectar e medir, simultaneamente, as mencionadas ondas.

    Ao comparar Brasil e outros países, quais as principais diferenças quanto à

    É necessário estender o in-

    teresse à ciência. Para tal, as

    crianças são fonte permanen-

    te, pois sentem fascínio, por

    exemplo, pelos dinossauros.

    Se começamos com esse tema,

    a criança é levada a se interes-

    sar, também, pela Geologia,

    pela Química, pela Astrofísica.

  • MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016 15

    atenção concedida às ondas gravitacio-nais? Temos pesquisa de ponta na área?

    Segundo me consta, duas entidades científicas brasileiras participaram da de-tecção das ondas gravitacionais: o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espe-ciais] e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Dado o elevado número de insti-tuições e autores envolvidos, é muito difícil avaliar a contribuição de cada indivíduo e/ou organização. A meu ver, porém, o fato de as duas instituições brasileiras apare-cerem na lista é um indício de que, nesta modalidade, faz-se pesquisa de alta qua-lidade no País.

    Como o senhor analisa o interesse dos indivíduos pela Astrofísica?

    A Astrofísica, como a Paleontologia, tem um atrativo especial sobre o público em geral, por tentar responder a pergun-tas-chave como “De que está constituído e como se comporta o Universo?”, “Qual a origem da vida?”, Qual a causa da extinção dos dinossauros?”, “Como surgiu o Homo sapiens?” etc. Esse interesse natural deve ser reforçado pelo cientista, responsável por escrever artigos e livros de divulgação, além de realizar conferências e seminários dirigidos ao público. É necessário estender o interesse à ciência. Para tal, as crianças são fonte permanente, pois sentem fascí-nio, por exemplo, pelos dinossauros. Se começamos com esse tema, a criança é levada a se interessar, também, pela Geologia, pela Química, pela Astrofísica. Estimulamos, assim, o descobrimento do caráter interdisciplinar. Há, obviamente, combinações alternativas, mas com re-sultantes que sempre apontam na mes-ma direção. Penso ser uma obrigação do cientista divulgar os seus resultados ao público, dentre outros motivos, porque são essas pessoas que pagam nossos salários.

    A divulgação da Astrofísica na Espanha é boa. Os institutos têm, em suas fileiras, jornalistas especializados. Permita-me centrar-me em Granada, que

    conheço melhor. Esta cidade tem três centros dedicados à Astrofísica: o IAA, o Departamento de Física Teórica da Uni-versidade de Granada e o Instituto de Radioastronomia Milimétrica. O IAA edita uma revista de divulgação; às quintas-fei-ras, há conferências públicas; existem, ainda, jornadas de portas abertas e visitas ao Observatório de Sierra Nevada e ao Radiotelescópio. O Parque das Ciências de Granada, por outro lado, tem um mo-derno planetário, com produção própria e um telescópio de 75 cm de diâmetro, que, antes, funcionava em nosso observatório.

    Não conheço em detalhes a divulgação da Astrofísica no Brasil, mas sei que algumas pessoas se dedicam a essa tarefa com serie-dade e ótimos resultados. Creio, porém, que se deveria potencializar ainda mais a divulga-ção científica em ambos os países. Por quê? Porque ciência também é cultura. Infelizmen-te, é frequente a separação entre ciências e letras. Uma pessoa, às vezes, é considerada culta por ler os clássicos e/ou por frequentar teatros. Contudo, se essa pessoa não tem os conhecimentos mínimos de ciência, não deve, a meu ver, ser considerada culta. É como ha-bitar uma casa muito bonita e confortável, sem saber como foi construída ou onde se localiza. Por outro lado, se a pessoa tem sólidos co-nhecimentos científicos, mas ignora as artes e as letras, sabe muito sobre a tal casa, mas é incapaz de interpretar a beleza que a rodeia ou a concepção artística envolvida em sua construção. Penso que uma pessoa culta é aquela que, além de possuir conhecimentos literários, artísticos e humanísticos, tenha um mínimo de cultura científica, ou vice-versa.

    De que modo as mídias digitais inter-ferem, hoje, na produção científica? O IAA mantém conexões internacionais favoreci-das pelas novas tecnologias?

    Sem a tecnologia disponível nos dias de hoje, muitas descobertas no mundo da Astrofísica seriam quase impossíveis. Centrarei no caso dos Gamma-Ray Bursts (GRB) como exemplo. Esse fenômeno

    pode ter diferentes origens: a) um choque de duas estrelas de nêutrons; b) a explo-são de uma hipernova (mais potente que uma supernova normal). Ambos os fenô-menos são altamente energéticos e rápi-dos. Curiosamente, terminei há pouco um artigo, a ser publicado em breve, sobre estrelas com altas taxas de rotação que, segundo meus cálculos, podem dar lugar ao segundo tipo de GRB porque, entre ou-tros detalhes, a perda de momento angular é anisotrópica. Voltando à questão, desde o momento em que o satélite de raios gama detecta a explosão, é necessária uma coor-denação exemplar para dirigir os telescó-pios óticos à região do céu onde ocorreu o tal evento, para identificar a fonte e iniciar as observações espectrofotométricas. Até os telefones celulares entram em ação. O IAA conta com tais meios por meio da rede Bootes, que é, em si, uma teia de ara-nha, que se torna o fio de uma teia ainda maior, em certas ocasiões, como no caso das ondas gravitacionais. A colaboração é imprescindível. O elevado número de auto-res dos vários artigos sobre a detecção das ondas, ou sobre a detecção do Bóson de Higgs, respaldam a sentença anterior.

    Por outro lado, o intercâmbio de informações também se acelerou com as novas tecnologias. Os processos de arbi-tragem dos artigos científicos são muito mais rápidos, dado que, antes, se faziam por correio comum e podia tardar muito até que um artigo fosse publicado, sem contar as esperadas discussões autor-referee. As consultas bibliográficas também se bene-ficiaram das novas tecnologias. Dou um exemplo local muito importante para mim: a bibliotecária do Departamento de Física da UFMG, Shirley Maciel, localizou rapi-damente uma dissertação sobre P. Lund (Lagoa Santa) a meu pedido, estabelecen-do uma equação muito simples e clara: gentileza + tecnologia = eficiência.

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    Vivian Teixeira

    Energia (inteligente)

    para todosPesquisadores da Unifei inspiram-se em centros mundiais de referência para criar

    modelo avançado de rede elétrica

  • MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016 17

    Em 2012, o furacão Sandy atingiu a Costa Leste dos EUA e causou bilhões de dólares em danos ao governo. Inúmeras linhas de energia acabaram destruídas e o fornecimento de eletricidade, para 3,5 mi-lhões de residências e empresas, foi inter-rompido. Graças às microrredes energéti-cas inteligentes, (redes de menor dimensão concebidas dentro dos conceitos das smart grids), lugares como o Food and Drug Ad-ministration, órgão americano responsável pelo controle dos alimentos, suplementos alimentares, medicamentos, cosméticos, equipamentos médicos, materiais biológi-cos e produtos derivados do sangue huma-no, manteve-se em funcionamento.

    Isso aconteceu porque, no momento da interrupção, as microrredes – que agem como pequenos sistemas elétricos conven-cionais, capazes de extrair energia a partir de fontes limpas, como o vento e o sol – se desligaram do mecanismo comum de ener-gia e continuaram a funcionar, mas de for-ma independente. Instituições que traba-lham com equipamentos caros e dependem da eletricidade para manter a segurança e a continuidade de suas operações encontram solução em tais mecanismos, justamente, para atividades contínuas e seguras.

    Na Universidade da Califórnia, em San Diego, as microrredes inteligentes são responsáveis por 92% da eletricidade usada no campus – o que, também, gera economia anual de mais de US$ 8 milhões. O sistema inclui três fontes principais de geração de energia: célula de combustível, que transforma gás metano em eletricida-de, sem combustão; captação solar, com uso de painéis fotovoltaicos; e cogeração a gás natural, empregada para ligar luzes e equipamentos, além de produzir vapor para aquecimento, ventilação e refrigeração.

    Embora a ocorrência de furacões não seja comum no Brasil, uma série de problemas é capaz de deixar em risco o fornecimento de energia, a exemplo da variação no padrão da corrente elétrica, das interrupções inesperadas no forneci-mento e, até mesmo, de outros tipos de catástrofes naturais.

    O modelo usado na Califórnia ain-da não existe em terras brasileiras, mas o campus da Universidade Federal de Itajubá

    (Unifei) é um dos candidatos a receber um sistema semelhante no futuro. A neces-sidade foi percebida após a divulgação de estudos prévios, que relacionaram a grande quantidade de quedas de energia na instituição a outras duas necessidades: redução do consumo de energia elétrica e premência por um laboratório especia-lizado para aulas e experiências práticas sobre o assunto.

    Pesquisador do Instituto de Sistemas Elétricos e Energia da Unifei, Paulo Már-cio da Silveira trabalha com o tema desde 2008, com investigações, dentre outros temas, sobre modelagens e análises que podem ser aplicadas à tecnologia de re-des elétricas inteligentes. Em 2011, com apoio da FAPEMIG e da Japan Internatio-nal Cooperation Agency (Jica), ele viajou ao Japão, onde se surpreendeu com o alto nível das pesquisas e do desenvolvimento na área. “Os japoneses têm muitas instala-ções de projetos-piloto sobre smart grids e microgrids”. Já no ano de 2012, teve a oportunidade de conhecer a Universidade de Shanghai, “onde até mesmo uma planta nuclear faz parte de sua geração própria, funcionando ‘inclusive’ como laboratório de ensino e pesquisa”, conta.

    A preocupação com a produção ener-gética levou a Unifei a fundar, em 2005, o Laboratório de Qualidade, Medição e Pro-teção de Sistemas Elétricos (LQMP), e, em 2012, o Centro de Excelência em Redes Elétricas Inteligentes (CERIn). De acordo com Paulo Silveira, a importância do CERIn, bem como de outros grupos de pesquisa, está na atenção concedida à temática por profissionais dos meios acadêmico e em-presarial. O Centro se dispõe a trabalhar na tríade ensino, pesquisa e extensão, em uma busca permanente por inovações tecnoló-gicas e científicas.

    solução alternativaNa prática, a microrrede inteligente

    da Unifei pretende oferecer aos usuários, além da geração própria de energia – que diminui os custos de consumo –, uma ins-talação elétrica mais flexível e confiável, que apresente pouquíssimos desligamen-tos e possa trabalhar no “modo ilhado” quando houver problemas externos com a

  • concessionária local, a Companhia Ener-gética de Minas Gerais (Cemig). Nestes casos, a microrrede continuará a suprir cargas prioritárias.

    Salas de aula, laboratórios de ensi-no e pesquisa e outros serviços do cam-pus não teriam atividades interrompidas por falta temporária de energia vinda da concessionária. A eletricidade sairia dos geradores alternativos, como os fotovol-taicos, e, também, de sistemas armaze-nadores. A microrrede da Unifei também pretende estimular o uso de alternativas de transporte mais sustentáveis, come-çando pelos pequenos veículos (scooters, bicicletas etc.), além de realizar experi-ências e pesquisas próprias. “No futuro, a depender do avanço das pesquisas e dos investimentos, há possibilidade de ampliar a oferta deste tipo de tecnologia, incluindo postos de recarga de veículos elétricos, algo ainda incipiente no Brasil”, acrescenta o pesquisador.

    Além de ampliar as possibilidades de geração de energia, uma microrrede inte-ligente é reconhecida por gerar inúmeros dados relativos ao consumo – e que po-dem ser acessados de computadores ou dispositivos móveis. Ao invés de os usu-ários conhecerem o que consumiram ape-nas uma vez por mês, por meio do trabalho do leiturista, poderão acessar informações a qualquer hora, por meio de robusta pla-taforma de dados.

    Isso facilita o gerenciamento dos da-dos e pode acarretar em mais economia de energia. Segundo Paulo Silveira, uma rede elétrica inteligente é, sobretudo, um as-sunto multidisciplinar. Primeiro, porque há necessidade de duas grandes áreas de co-nhecimento: a Engenharia Elétrica – e seus sistemas elétricos de potência, controle e automação, além da eletrônica de potência –, e a Engenharia de Telecomunicação.

    Também é preciso incluir, em proje-tos de microrredes, profissionais de Enge-nharia da Energia, Engenharia Mecânica e Engenharias de Recursos Naturais, além de experts, por exemplo, em Física e Química, áreas importantes para o desenvolvimento de pesquisas sobre novos materiais para

    18 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

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    geração, transmissão e armazenamento de energia. É fundamental, ainda, a participa-ção da comunidade acadêmica e da popu-lação do entorno, para que as microrredes atendam às expectativas da sociedade, que deve se envolver na busca de soluções.

    Cenário brasileiroAntes de vislumbrar um cenário

    avançado como o da futura microrrede in-teligente da Unifei, importante perceber o atual cenário brasileiro. O formato padrão de onda usado nas transmissões de ener-gia é o senoidal. Segundo dados do Mi-nistério de Minas e Energia (MME), mais de 70% da produção energética consumi-da no Brasil provêm de hidrelétricas, mas, em grandes períodos de seca, a eficiência da geração torna-se ameaçada. Em tais casos, as termelétricas entram em ação e complementam a geração de energia em mais de 20%.

    A Agência Nacional de Energia Elétri-ca (Aneel), autarquia em regime especial, vinculada ao MME, foi criada para regular o setor elétrico brasileiro, e, entre suas atribuições, constam a regulação da gera-ção (produção), transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, além da fiscalização – direta ou mediante con-vênios com órgãos estaduais – de conces-sões, permissões e serviços na área.

    A Aneel produz indicadores para acompanhar diversos aspectos do forneci-mento de energia elétrica. Entre eles, está a qualidade do serviço, o que inclui ava-liação das interrupções no fornecimento, e do produto oferecido aos consumidores – com a avaliação da conformidade de ten-são em regime permanente e das perturba-ções na forma de onda de tensão.

    Segundo Gilson Paulillo, presidente da Sociedade Brasileira de Qualidade da Energia Elétrica (SBQEE), os indicadores produzidos pela Aneel precisam nortear os esforços de pesquisa e desenvolvimento feitos no País, para que ocorra desenvol-vimento científico e tecnológico na área de energia elétrica e eles estejam de acordo com os interesses da sociedade brasileira. “É necessário pensar em soluções de gera-ção baseadas em smart grids para que se consiga melhorar o fornecimento e reduzir

    os impactos da geração de energia. Para isso, é fundamental melhorar a qualidade dos medidores”, avalia.

    Em 2010, foi debatida uma proposta de regulamentação dos requisitos mínimos para os medidores eletrônicos de energia, por meio da Audiência Pública 43/2010, que colheu contribuições da sociedade. Segundo informações da Aneel, a regula-mentação resultante da Audiência Pública (Resolução Normativa nº 502/2012) está com a aplicação suspensa devido ao fato de o Instituto Nacional de Metrologia, Qua-lidade e Tecnologia (Inmetro) ainda não ter aprovado sistemas de medição com as fun-cionalidades previstas.

    Além da lentidão relacionada à le-gislação vigente, certos entraves podem postergar a instalação da microrrede inte-ligente na Unifei. Segundo Paulo Silveira, um grande desafio do momento é o período de recessão enfrentado pelo País. Apostar em incentivos governamentais e na am-pliação das ofertas de tecnologia de baixo custo para os consumidores – principal-mente, para os de menor renda – seria um

    ótimo incentivo. “Precisamos, também, de um novo modelo de mercado de energia, que coopere com esta política. Atualmente, as próprias companhias distribuidoras en-xergam dificuldades de incentivar o uso de fontes renováveis para o público em geral, considerando a perda de receita que isso pode gerar para elas próprias”, critica o pesquisador.

    A Aneel identifica como principais dificuldades para a implantação de mo-delos de smart grids os altos investimen-tos necessários e potencializados pelo aumento do dólar, o processo de aprova-ção de medidores no Inmetro e as altas cargas tributárias. Embora o cenário não seja o mais positivo, no documento com as considerações do Fórum de Inovação Sustentável, a COP 21, ocorrido em Paris, ao final de 2015, um dos tópicos de debate direcionou-se a essa temática, “reconhe-cendo a necessidade de promover o acesso universal à energia sustentável nos países em desenvolvimento, particularmente na África, por meio de uma maior implantação das energias renováveis”.

    PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: Tecnologia de redes elétricas inteligentes - Modelagens e análises CooRDEnADoR: Paulo Márcio da Silveira InSTITuIção: Universidade Federal de Itajubá ChAMADA: Programa Pesquisador Mineiro VALoR: R$ 48.000,00

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    plástico

    Alessandra Ribeiro

    Sem aditivos químicos, processo biológico reduz tempo de decomposição das sacolinhas

    distribuídas nos supermercados

  • MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016 21

    O que leva mais tempo: a decomposi-ção de uma sacola plástica ou a aprovação de um pedido de patente no Brasil? Em pri-meiro lugar, você precisa saber que a saco-linha pode demorar de 100 a 400 anos para se desfazer. Se ela for do tipo oxibiodegrá-vel, contudo, o prazo, supostamente, é de 18 meses, segundo os fabricantes. Pesqui-sadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) descobriram um processo que dá início à degradação do plástico em apenas 45 dias, sem presença da luz solar. (Com o sol, aliás, tudo fica ainda mais rápido!) O pedido de patente do método tramita no Instituto Nacional da Propriedade Intelec-tual (Inpi) há mais de quatro anos.

    Aplicado apenas às sacolas oxibio-degradáveis, o processo de biodegradação descoberto pelos cientistas é desencadea-do pelo fungo de podridão branca Pleuro-tus ostreatus. Na natureza, ele participa da decomposição de resíduos vegetais e pro-duz o cogumelo ostra ou hiratake, também usado na culinária. O fungo foi colocado em frascos de vidro esterilizados, mistura-do a sacolas cortadas em pedaços peque-nos e a papel toalha umedecido em água.

    Em seguida, armazenou-se o material em temperatura ambiente por 90 dias. “Du-rante o período de incubação, foi observada a colonização da superfície dos plásticos pelo fungo, a formação de cogumelos e as alterações na estrutura do material, como rachaduras e pequenos orifícios”, descre-vem os pesquisadores. A toalha de papel exerce função estratégica, já que o fungo a ataca primeiro. Por fim, as enzimas geradas no processo, chamadas de lignocelulíticas, também começam a degradar o plástico.

    “Nosso principal objetivo, com o pe-dido de patente, é demonstrar a possibili-dade de degradação das sacolas plásticas por um processo biológico”, afirma Maria Catarina Megumi Kasuya, coordenadora do projeto e professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biotecno-

    logia Aplicada à Agropecuária (Bioagro) da UFV. Ela orientou a tese de doutorado do bioquímico José Maria Rodrigues da Luz, desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agrícola, base de toda a investigação.

    Enquanto aguardam a resposta do Inpi, os pesquisadores buscam parceiros para viabilizar o projeto. “Procuramos em-presas ou instituições para licenciamento da tecnologia ou estabelecimento de par-ceria, de modo a continuar a pesquisa, a fim de obter um processo em escala indus-trial”, revela Maria Catarina. Prefeituras, fabricantes de sacolas oxibiodegradáveis e empresas que trabalham com o descarte de resíduos sólidos são possíveis mercados.

    Além da degradação do plástico, a tecnologia tem potencial para a produção de enzimas, a exemplo das lacases e ce-lulases, com aplicação na indústria de pa-pel e celulose, higiene e limpeza. Também existe a possibilidade de aproveitamento em processos de biorremediação, uso de organismos vivos para limpeza ou descon-taminação de áreas ambientais afetadas por poluentes diversos. Outro resultado, inusitado, é a produção de cogumelos co-mestíveis. Neste caso, é preciso avançar na detecção de eventuais resíduos químicos, antes da liberação para consumo humano.

    A escolha do Pleurotus ostreatus não foi aleatória. “Nossa experiência com fun-gos lignocelulolíticos, ou causadores da podridão branca, está na base da proposta de meu projeto de doutorado”, conta José Maria Rodrigues, ao explicar que o estu-do privilegiou uma espécie de fungo em função de sua alta capacidade de produzir enzimas extracelulares, além do já conhe-cido potencial de produção de cogumelos comestíveis e do emprego em processos de biorremediação. “Acredito que outros fungos lignocelulolíticos possam ser usa-dos na degradação das sacolas oxibiode-gradáveis, mas isso requer estudos. Na

  • 22 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

    UFV, temos uma micoteca com mais de 100 isolados fúngicos aptos a serem sub-metidos a testes”, afirma.

    As sacolas oxibiodegradáveis contêm o aditivo D2W, acelerador do processo de oxidação do plástico. Segundo os fabrican-tes, o prazo de degradação total do material é de 18 meses. Há controvérsias sobre a adoção das sacolas. Um dos argumentos levantados pelos críticos de seu uso é a toxicidade das substâncias catalisadoras empregadas e sua permanência no meio ambiente, mesmo após a fragmentação em partículas menores. A pesquisa realizada na UFV demonstrou que a exposição das sa-colas à luz solar, durante 120 dias, não foi suficiente para desencadear a desintegração física, o que os leva a inferir que elas podem se acumular na natureza, assim como os objetos convencionais.

    Polêmica infinitaDurante a conferência das Nações

    Unidas sobre Desenvolvimento Susten-tável, a Rio+20, realizada em 2012, a

    Associação Brasileira de Supermercados (Abras) apresentou ao Ministério do Meio Ambiente um relatório para redução do uso de sacolas plásticas, que apontava queda de 6,4%, equivalente a 953 mi-lhões de “sacolinhas” no período de um ano (2010-2011). Apesar de expressivo, o número ganha outras dimensões se pen-sarmos que fica abaixo do total de sacolas consumidas em apenas um mês no Brasil: 1,25 bilhão. Por dia, são 41 milhões.

    O resultado apresentado pela Abras refletiu uma série de iniciativas isoladas no País, a exemplo da proibição das sacolas convencionais nos supermercados de Belo Horizonte, primeira capital a aplicar a me-dida, em 2011. A iniciativa, porém, não foi adiante. Depois da polêmica cobrança pela distribuição, e, até mesmo, da falsificação de sacolas, uma lei estadual se sobrepôs à municipal, ao determinar que apenas cidades com coleta seletiva e usina de compostagem poderiam exigir o plástico biodegradável adotado por BH, que não dispunha da infraestrutura.

    Para saber mais!

    ▶ “Orientações sobre consumo consciente e propostas para redução de sacolas plás-ticas pelos consumidores” (Cartilha elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente, 2011).

    Disponível em www.mma.gov.br/estruturas/234/_arquivos/cartilha_3___consu-midores_234.pdf

    ▶ Grupo de Trabalho Sacolas Plásticas: Disponível em: www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-

    -consumo-sustentavel/gt-sacolas-plásticas

    ▶ Sacolas plásticas: aspectos controversos de seu uso e iniciativas legislativas (Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, elaborada por Maurício Boratto Viana)

    Disponível em www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnot-tec/areas-da-conle/tema14/2011_4475.pdf

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    No ano passado, em meio a uma série de questionamentos, a Prefeitura de São Paulo proibiu a distribuição, pelos es-tabelecimentos, de sacolas brancas, subs-tituídas pelas de bioplástico, predominan-temente constituídas de material renovável. Na esfera federal, vários projetos de lei so-bre o uso das sacolas foram apresentados no Congresso Nacional e propõem desde o banimento do produto até a adoção de diferentes materiais.

    A falta de padronização sobre a maté-ria-prima a ser usada nas sacolinhas levou a Abras a romper o pacto, firmado com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), de reduzir em 40%, até 2015, o consumo das embalagens nos supermercados. No mesmo ano, o MMA publicou o relatório de um grupo de trabalho sobre uso do ma-terial, que reuniu representantes de todas as esferas envolvidas, dos consumidores à indústria fabricante de plásticos. As ativi-dades terminaram sem o estabelecimento de um consenso. Neste cenário, portanto, soluções como a proposta pelos pesquisa-dores da UFV são muito bem-vindas.

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    Roberta nunes

    Inusitada alternativa

    Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras avaliam produção

    de biocombustível a partir da batata-doce

  • MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016 25

    A produção de biocombustíveis é impulsionada, mundialmente, por fatores ambientais e econômicos. Apesar de o petróleo permanecer como principal matriz energética, há muito, o etanol transformou--se em grande oportunidade de negócios. No Brasil, a produção a partir de biomas-sa centraliza-se no setor sucroalcooleiro, com ênfase na cana-de-açúcar. Estudos recentes, porém, apresentam a batata-doce como importante alternativa para fabrica-ção de álcool biocombustível.

    Em tal cenário, um projeto do Depar-tamento de Agricultura, da Universidade Federal de Lavras (UFLA) tem buscado ob-ter e oferecer novos clones de batata-doce que permitam seu efetivo uso como alter-nativa à produção de etanol combustível, e, ao mesmo tempo, contribuam com o de-senvolvimento de alimentos para nutrição humana e animal.

    Uma equipe multidisciplinar tem se dedicado ao tema. O grupo é coordenado pelo professor Wilson Magela Gonçalves, responsável pelo desempenho econômico e energético da cultura de batata-doce, e conta com o auxílio do professor Wilson Roberto Maluf, melhorista que se encarre-ga da obtenção dos clones.

    Para avaliar o potencial do cultivo, os pesquisadores usaram uma série de crité-rios de seleção (Veja box à página 26) para definir quais eram as aptidões dos clones de batata-doce. “Isso inclui ao menos cin-co clones com tripla aptidão: alimentação, produção de etanol e nutrição animal. Den-tre eles, destacam-se os clones UFLA-07-12 e UFLA-07-49, que apresentam altíssi-mas produtividade para as três funções”, aponta Wilson Magela.

    VantagensSegundo a pesquisa, a batata-doce

    pode produzir de 40 a 100 toneladas de raízes em cada ciclo, o que equivale a um volume entre 6.400 e 16.000 litros de eta-nol por hectare – que, por sua vez, possui,

    aproximadamente, o tamanho de um cam-po de futebol. Em comparação, a cana-de--açúcar apresenta rendimento de cerca de 8.100 litros por hectare.

    Além disso, a batata-doce pode ser plantada em todo o território nacional, in-clusive em regiões onde, por força do regi-me hídrico, a cana-de-açúcar não se adap-ta. Wilson Magela acredita que, por meio de clones selecionados para a produção de biocombustível, é possível que, ao longo de um ano, o rendimento de álcool da nova cultura torne-se quatro vezes maior que o verificado nos canaviais.

    Os benefícios socioeconômicos e ambientais do cultivo para a produção de álcool etílico também se revelam diferen-ciais. “Em geral, a batata-doce é explorada pela agricultura familiar. Além disso, conta com baixa emissão líquida de CO2 na at-mosfera e os resíduos sólidos gerados no processo de obtenção de álcool, mistura-dos à folhagem, podem ser usados como ração destinada à pecuária”, acrescenta o pesquisador.

    miniusinaPioneiras na área, as pesquisas com

    batata-doce, para produção de etanol, iniciaram-se em 1996, por meio de um projeto de pesquisa elaborado por Márcio Antônio da Silveira, atual reitor da Univer-sidade Federal do Tocantins (UFT). Desde 2014, o campus da UFT conta com uma miniusina piloto para produção do álco-ol alternativo. A implantação foi realizada a partir de Termo de Cooperação firmado entre a instituição e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

    A miniusina destina-se à realização de demonstrações, para que produtores, empresários e agricultores possam apren-der as técnicas e aplicá-las em seus con-textos. “A batata-doce é uma matéria-prima que se adequa aos objetivos de forma so-cial, econômica e ambiental. Em pequenas áreas, há altas produções. Desse modo,

    Trata-se de planta reprodu-zida, capaz de garantir as mesmas características da muda mãe.

  • 26 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016

    garante-se oportunidade para pequenos e médios agricultores”, afirma Márcio da Silveira, ao também ressaltar que o desa-fio da produção é imenso, pois trata-se de cultura de subsistência, de pouco valor. “Muitos olham a batata in natura e não a valorizam. Assim que processada, porém, ela se transforma em mercadoria”, conclui.

    DesafiosDiante do potencial da nova matéria-

    -prima, fica clara a necessidade de outras tantas pesquisas na área. “Ao ano, cente-nas de estudos com a cana-de-açúcar são realizados, em diferentes regiões brasi-leiras. Com relação à batata-doce, não há uma dezena de propostas”, enfatiza Wilson Magela. Outro problema diz respeito ao atual cenário econômico: com a grande queda nos preços do petróleo, os combus-tíveis alternativos, o que incluir o etanol proveniente da cana-de-açúcar, deixaram

    hora de escolher! Confira os critérios de seleção para que se “garimpem”, com objetivos dis-

    tintos, as melhores batatas-doces.

    Consumo humanoRaízes alongadas e com as extremidades mais estreitas do que o centro. Peso médio em torno de 250 a 330 gramas por raiz.

    Produção de etanolRendimentos de produção de etanol igual ou superior aos da cana-de-açúcar, sen-do, no mínimo, 6 mil litros de etanol por hectare.

    Nutrição animalQuantidade de proteína bruta nas ramas e fo-lha semelhante ou superior à da soja, tendo como referência 1.2 mil quilos de proteí-na bruta por hectare.

    PARTICIPAção DA FAPEMIG PRojETo: Batata-doce, a biomassa para etanol biocombustível que contribui para o aumento da produção de alimentos CooRDEnADoRES: Wilson Magela GonçalvesInSTITuIção: Universidade Federal de Lavras (Ufla)ChAMADA: Programa Mineiro de Desenvolvimento Tecnológico e Produção de BiocombustíveisVALoR: R$ 164.078,71

    de ser economicamente interessantes em curto prazo. “A recuperação de preços de petróleo, aliada às demandas ambientais, pode reacender o interesse por combustí-veis alternativos em geral”, explica.

    Os desafios para que o uso da nova matéria-prima seja otimizado passam pela necessidade de melhoramento genético, com o intuito de que se obtenham novos clones de batata-doce, aptas para consu-mo in natura e resistentes a doenças e a pragas de solo. São necessárias, também, a melhoria da eficiência dos sistemas de produção de mudas, a mecanização do transplante, a colheita da batata e o apro-veitamento de resíduos da destilação do etanol na produção animal. Outro ponto relevante refere-se à importância de iden-tificar a viabilidade energética e econômica do que se produz, da maneira a analisar se compensam os custos e benefícios.

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    IATodo cuidado é pouco

    Instaladas por pesquisadores da Unimontes, estações de averiguação sísmica monitoram tremores de terra na região de Montes Claros (MG)

    Alessandra Ribeiro

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    Com menos de 20 mil habitantes, Itacarambi, no Norte de Minas Gerais, ga-nhou destaque no noticiário brasileiro em 9 de dezembro de 2007. Na ocasião, foi registrada, ali, a primeira morte atribuída a um tremor de terra no País, que atingiu 4,9 graus na escala Richter. O município fica a cerca de 200 quilômetros de Montes Claros, cidade pólo da região, onde também têm sido percebidos terremotos de baixa magni-tude, mas que assustam a população, como o ocorrido em 19 de maio de 2012 – que ultrapassou 4,0 graus na escala Richter. Em tal caso, felizmente, sem vítimas.

    Desde 2013, a Universidade Estadu-al de Montes Claros (Unimontes) registra a atividade sísmica da região, a partir de duas estações: uma definitiva, dentro do Parque Estadual da Lapa Grande, nas ime-diações do Bairro Vila Atlântida, epicentro de tremores ocorridos no município; e uma provisória, na fazenda Chico do Haras, a 11 quilômetros do campus universitário. “Os registros serão realizados, ainda, por um período de seis a 12 meses nesta esta-ção. Após a análise do comportamento sís-mico no período, avaliaremos se ela será instalada definitivamente no local, ou, pro-visoriamente, em outro ponto, para novas observações”, explica o professor Expedito José Ferreira, coordenador do Núcleo de Estudos Sismológicos da Unimontes.

    “Os dados provenientes das estações transcendem a perspectiva de simples for-necedora de dados, pois, além de garantir o registro dos eventos, permitem o moni-toramento, constante e preciso, dos tremo-res”, destaca o geógrafo Maykon Fredson Ferreira, ao apresentar os resultados do projeto em vídeo veiculado na mostra “Ino-va Minas FAPEMIG”, realizada em novem-bro de 2015. “As informações registradas nas estações subsidiarão a conduta e o ge-renciamento dos elementos transformado-res do espaço geográfico, além de garantir tomadas de decisões seguras, por parte dos gestores, com base em dados técnicos e científicos”, completa.

    Mais do que fornecer subsídios para ações no âmbito da defesa civil, por exemplo, a instalação das estações sis-

    mográficas, pela Unimontes, abriu novo campo de pesquisas na universidade, que se aproximou de instituições tidas como referências nacionais na área. Os registros são transmitidos em tempo real, pela inter-net, ao Observatório Sismológico da Uni-versidade de Brasília (UnB) e ao Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), parceiros do projeto. A iniciativa conta, ainda, com a colaboração do Ins-tituto Estadual de Florestas (IEF), que ce-deu o espaço ocupado no Parque da Lapa Grande. A compra dos equipamentos das duas estações, da ordem de R$ 142 mil, foi viabilizada pela FAPEMIG e pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais..

    OrigemSegundo Expedito Ferreira, logo

    após o tremor ocorrido em maio de 2012, em Montes Claros, pesquisadores do Ob-servatório Sismológico da UnB e do Cen-tro de Sismologia da USP se deslocaram para a região e instalaram, na cidade, uma rede provisória com nove sismômetros,

    Como se medem os terremotos?

    O tamanho relativo dos sismos é chamado de magnitude, que, por sua vez, é medida por meio da chamada escala Richter, criada, em 1935, por Charles Richter. O modelo é logarítmico – ou seja, de um grau a outro, há diferença de dez vezes na amplitude das vibrações. Ao mesmo tempo, a distinção da quantidade de energia liberada é de 30 vezes.

    Outra maneira de medir os terremotos é avaliar os efeitos que causam em deter-minado lugar. Para isso, usa-se a escala Mercalli Modificada, que não se baseia em medições realizadas com instrumentos, mas na avaliação visual do resultado provo-cado pelo tremor sobre objetos, construções e pessoas. Este procedimento é menos preciso que do que a escala Richter. Por outro lado, é importante para a avaliação de terremotos ocorridos há bastante tempo, em épocas nas quais não havia estações sismográficas.

  • para investigar a origem do fenômeno. A conclusão preliminar mostrou que os tremo-res mais fortes estavam associados a uma falha geológica no sentido norte-noroeste/sul-sudoeste, com dimensão de 1 a 2 quilô-metros, cuja movimentação se dá por com-pressão da crosta. “Estas tensões geológicas compressivas são as mesmas que causaram os tremores de Manga (1990) e Caraíbas/Ita-carambi (2007). [Elas] são também compatí-veis com as que causaram o sismo de Brasília (2000)”, descrevem os especialistas.

    “Os tremores de Montes Claros de-vem ser resultado de ‘pressões’ geológicas que atuam em ampla região do Brasil”, infe-re o professor da Unimontes, para quem há possibilidade de reincidência: “Nos últimos cinco anos, as ocorrências têm sido inten-sificadas. Na primeira semana de abril de 2014, por exemplo, ocorreram vários tremo-res”, lembra. Expedito Ferreira cita o relató-rio elaborado pelo professor Lucas Barros, do Observatório Sismológico da UnB, que revela a ativação de um novo segmento de falha sismogênica na cidade, com dimensão maior do que aquela determinada a partir dos eventos de 2011 a 2013.

    Terror no brasil

    O maior terremoto registrado no País ocorreu em 1955 e atingiu 6,2 graus na escala Richter, com epicentro a 370 quilômetros de Cuiabá (MT). Em 1980, houve outro tremor, com magnitude 5,2, sentido em praticamente todo o Nordeste, que provocou o desabamento parcial de casas em Pacajus (CE). Em 8 de junho de 1994, a cidade de Porto Alegre (RS) foi atingida pelas ondas sísmicas de um terremoto ocorrido na Bolívia, a 2.200 km de distância. O abalo atingiu 7,8 graus na escala Richter.

    Fonte: Serviço Geológico do Brasil

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    Roberta nunes

    Web realmente universalDestinado a desenvolvedores de sites, manual apresenta recomendações de

    acessibilidade para pessoas com deficiência

  • MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2016 31

    Todos os dias, milhões de pessoas acessam a internet em busca de um univer-so de informações e atividades on-line. Na era da informação, caso surja uma dúvida, a resposta é encontrada após rápida busca no Google. Por outro lado, se o intuito é a comunicação, basta acionar o WhatsApp, o Facebook e outras redes sociais, pois, em alguns segundos, diversas mensagens são enviadas. A web tornou-se meio para ex-pressar opiniões, trocar conhecimento, re-alizar negócios, aprender, ensinar e outras tantas ações. Apesar disso, a maioria dos sites ainda não contempla 45,6 milhões de pessoas com deficiência no País, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Por meio de pesquisa realizada em 2010, na qual analisaram-se 6 milhões de portais governamentais, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) relata que apenas 5% dos sites eram acessíveis a pessoas com deficiência. Para compreen-der esses obstáculos, ponha-se no lugar de indivíduos daltônicos, fotossensíveis ou com problemas auditivos, visuais, mo-tores ou intelectuais. De que modo, afinal, acessar as milhões de informações dispo-níveis nos sites on-line?

    Da busca de respostas para tal inda-gação, surgiu o projeto “Web semântica e acessibilidade”, desenvolvido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (campus de São João del-Rei), para auxiliar os desenvolvedores iniciantes a deixar seus sites semanticamente corretos e acessíveis a usuários com deficiências diversas.

    Com apoio da FAPEMIG, a coordena-dora do projeto, Teresinha Magalhães, e estu-dantes de Gestão da Tecnologia e Informação desenvolveram um manual com orientações para que os desenvolvedores tornem os por-tais acessíveis e facilmente localizáveis pelos motores de busca on-line. “Hoje, muitos sites não são lidos pelos softwares de de-ficiência. O intuito é não só dar a forma, mas fazer com que os recursos possam garantir consistência a um portal, de for-ma que ele apareça nas primeiras linhas da busca”, esclarece.

    As dificuldades de navegação ficam claras pelo relato de Alex Garcia, primei-ro surdo-cego a se graduar no Brasil – e,

    hoje, pós-graduado em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Natural do Rio Grande do Sul, ele ainda possui 0,05% da visão no olho direito, o que lhe permite usar o ampliador de telas e de alto contraste como recurso assistivo. Apesar disso, os obstáculos permanecem enormes: “O maior desafio é ter paciência para encontrar o que desejo quando os sites mudam seu desenho. Alguns se alteram a cada semana, enquanto outros apresentam excesso de imagens e de movimento. Há, ainda, aqueles que, devido a uma pirotecnia danada, são terríveis para as pessoas com deficiência”, comenta. Diretrizes

    Mestranda em Ciência da Informa-ção pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Janicy Rocha esboçou um panorama dos processos, nacionais e internacionais, para padronização do desenvolvimento de sites. Tais diretrizes são abordadas no “E-acessibilidade e usuários da informação com deficiência”, no qual a pesquisadora destaca que os parâmetros começaram em 1994, quan-do Tim Berners Lee fundou o World Wide Web Consortium (W3C), com o intuito de regulamentar os assuntos ligados à web, por meio da elaboração de padrões para construção de conteúdos.

    Segundo Janicy Rocha, os registros dos primeiros trabalhos em prol da aces-sibilidade na web datam de 1997, a partir de iniciativas realizadas no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália. Em 1999, a W3C cria um grupo de trabalho para desenvolver diretrizes capazes de auxiliar a construção e a implementação da aces-sibilidade na web – o Web Accessibility Initiative (WAI).

    No mesmo ano, a equipe publica a primeira versão das “Diretrizes para a Aces-sibilidade do Conteúdo da Web (WCAG 1.0)”. Diante dos avanços das tecnologias, foi necessário atualizá-la, em 2008, quan-do surge o WCAG 2.0. Em 1999, o governo de Portugal define diretrizes de acessibili-dade e a iniciativa é ampliada a 15 países da União Europeia. Desde então, diversas outras nações desenvolvem leis e modelos próprios às suas realidades.

    Tais indivíduos têm defici-ências visuais (18,6%), motoras (7%), auditivas (5,1%) e mentais ou intelectuais (1,4%).

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    No cenário brasileiro, a primeira ini-ciativa legal para promoção da acessibili-dade web surgiu com o Decreto 5.296/04, de 2004. O documento determina procedi-mentos, em páginas governamentais, para facilitação do acesso de usuários com de-ficiência visual e estabelece o prazo de 12 meses, prorrogável por igual período, para a adequação. Como o Decreto não apre-senta orientações para implementação, a segunda iniciativa brasileira foi a criação do Modelo de Acessibilidade do Governo Eletrônico (e-MAG).

    A primeira e a segunda versões da proposta remontam a 2005. Para avaliar a acessibilidade, o e-MAG recomenda a ve-rificação do website com as diretrizes, por meio do uso de validadores automáticos e de testes realizados por usuários com deficiência. Em maio de 2007, assim ins-titucionalizado o e-MAG, determinou-se a adoção do Modelo em todos os websites da administração pública federal direta, in-direta, autárquica e fundacional. Em 2011, saiu a terceira versão do mecanismo, com significativas diferenças.

    semânticas

    Com base nas referidas diretrizes, a equipe do projeto “Web semântica e acessibi-lidade” percebeu que, com a rapidez das no-vidades tecnológicas, seria necessário criar um manual semanticamente correto para a internet, capaz de contemplar outros tipos de deficiências, já que a legislação brasileira de-termina a acessibilidade de websites apenas para pessoas com problemas visuais.

    Teresinha Magalhães ressalta que se costuma pensar em acessibilidade como uma via de mão única, como se as pes-soas fossem apenas receptoras. Segundo a coordenadora das pesquisas, porém, isso está longe da verdade, especialmente no caso da web. Quanto mais pessoas pu-derem acessar, mais contribuições haverá, tanto para a internet quanto para a socie-dade. “Não significa que se deva gastar mais dinheiro. Basta ter maior cuidado na criação, pois os sistemas web precisam ser construídos com base nos diversos tipos de usuários”, acrescenta.

    Para compreender como isso fun-ciona, o estudante Igor Campos Moraes,

    bolsista do projeto, explica que o conteú-do de um site é escrito a partir do uso de tags, os comandos da linguagem HTML, que têm funções gerais ou específicas: a tag semântica chamada , por exemplo, cria um bloco de conteúdo para cabeçalhos; já a , sem valor semânti-co, é responsável por blocos de conteúdo ligados a qualquer coisa.

    É muito mais fácil fazer um site sem semântica, pois o desenvolvedor web não pre-cisaria conhecer várias tags. Porém, ressalta o estudante: “Isso dificultaria o acesso à infor-mação on-line para usuários, pois os motores de busca, como o Google, trabalham com um algoritmo que identifica, na web, quais sites possuem as palavras-chaves desejadas dentro das tags com valor semântico”.

    A semântica possibilita, ainda, a adap-tação do site a usuários com algum tipo de necessidade específica, como as pesso-as com deficiência visual, que recorrem aos softwares leitores de tela para traduzir as informações ao meio auditivo. Por meio das tags semânticas, os softwares identificam se uma frase é um título ou um novo parágrafo, facilitando o acesso ao conteúdo.

    Além disso, conforme explica Igor Campos, o Google usa o algoritmo Page-Rank para medir a importância de um site em meio a todos os outros. Para isso, o buscador analisa quantos links externos apontam para a página e decide, assim, a posição de cada site na revelação de re-sultados. “A ‘web semântica’ garante que o Google apresente a página no resultado de buscas referentes ao assunto e a ‘aces-sibilidade web’ possibilita o acesso ao site de maneira universal”, afirma Igor Moraes.

    serviço especializado

    Há empresas especializadas em criar sites acessíveis a pessoas com defi-ciência. Uma das vencedoras da