estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138...

70
ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 13 Maurizio Perugi, As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor”: um exercício de crítica das variantes 41 Poemas Luís Quintais, Laura 91 Vera Lúcia de Oliveira, Há uns que são engenheiros 92 Vasco Graça Moura, exercício em vaucluse 93 Diários David Mourão-Ferreira, Em Arezzo a 25 de Abril 97 Notas Xosé Manuel Dasilva, Petrarca na voz portuguesa de Vasco Graça Moura 103 Roberto Gigliucci, Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 113 Rita Marnoto, O sétimo centenário de Petrarca entre Portugal e a Itália 129

Transcript of estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138...

Page 1: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

ÍNDICE

Editorial 5-8

Dossiê–FrancescoPetrarca,1304-2004 9-138

EnsaiosMarcoSantagata,Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 13MaurizioPerugi,As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor”: um exercício de crítica das variantes 41

PoemasLuísQuintais,Laura 91VeraLúciadeOliveira,Há uns que são engenheiros 92VascoGraçaMoura,exercício em vaucluse 93

DiáriosDavidMourão-Ferreira,Em Arezzo a 25 de Abril 97

NotasXoséManuelDasilva,Petrarca na voz portuguesade Vasco Graça Moura 103RobertoGigliucci,Perspectivas e sucessos dos estudossobre o petrarquismo 113RitaMarnoto,O sétimo centenário de Petrarca entre Portugale a Itália 129

Page 2: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

ArtigosManuelCadafazdeMatos,Das relações quinhentistasentre Ioannes e Olavus Magnus e Damião de Góis 141GianlucaMiraglia,Estudos camonianos em Itália 169LeniraMarquesCovizzi,LuciaWataghin,Ungarettitradutor discreto e a analogia entre os poetas árcadesTomás António Gonzaga e Giovanni Meli 181ValeriaGiontella,L’opera di Giovanni Antinori. Biografiadi un architetto operante a Roma e a Lisbona nel sec. XVIII 203MassimoMazzeo,Uma viagem musical pelo século XVIIIportuguês e as influências italianas 213AldoColonna,Cesare Pavese e il cinema 223MiclaPetrelli,“I was a poet animated by philosophy”.Fernando Pessoa, ambiguità della poetica 233SebastianaFadda,A dramaturgia de Luiz Francisco Rebello: do Teatro Estúdio do Salitre às significações do palco 261

Temas e DebatesLingue,unitàeuropeaeglobalizzazione 293RobertodeMattei,O papel da latinidade no século XXI 295MassimoVedovelli, Nuove motivazioni e pubblici della linguaitaliana nel mondo 309

EntrevistaAToninoGuerraraccoltadaGiovanniBiagioni 337

Obra abertaAgustinaBessa-Luís,Sobre Manoel de Oliveira 347DaciaMaraini,Pascoli 353DavidMourão-Ferreira,Diários de viagem.Uma semana em Roma 363

RecensõesBarbaraSpaggiarieMaurizioPerugi,Fundamentos da CríticaTextual(LinoMioni) 387

ValeriaTocco,A Lira Destemperada. Estudos sobre a tradiçãomanuscrita de “Os Lusíadas”(IsabelAlmeida) 389Caminhos da Italianística em Portugal(IsabelMorujão) 393Ceserani,Vattimo,Gnisci,DalCo,Leonardo express(AnaVazMilheiro) 397DinoBuzzati,O Deserto dos Tártaros(ErnestoRodrigues) 400ValerioMassimoManfredi,Quimera (ManuelG.Simões) 404EduardoPitta,Os dias de Veneza(ManuelG.Simões) 407MárioCláudio,Os sonetos italianos de Tiago Veiga(ErnestoRodrigues) 410

ActualidadeEditou-se...(Paolad’Agostino) 415PortugalemTurim(Paolad’Agostino) 423Unaguitarra portuguesanellemanidiunitaliano(RiccardoIanello) 427TerceiroEncontrodeItalianística.LuigiPirandelloearecepçãodasuaobraemPortugal(RitaMarnoto) 435IstitutoItalianodiCulturadiLisbona:2005,unannodiattività(FabrizioCampoli) 439

GiulianoMacchiin memoriam(AnielloAngeloAvella) 459

Notasbiográficas 465

Page 3: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

Vi è un detto che pressappoco recita“Lecosebuone,sebrevi,duevoltebuone”……Confessoche facciounpo’faticaadapplicarloallamiacorta,seppurintensa,rela-zioneconEstudos Italianos em Portugal.Sonomoltoorgo-glioso(perchétacerlo?)diavercontribuitoallasuarivitaliz-zazione,masonoaltrettantodispiaciutodidoverchiudere,dopo appena due numeri, questo rapporto. Pochi mesidopol’uscitadiquestaedizioneraggiungeròinfattilafinedelmiomandatoe,dopocinque annipiuttosto intensi,dovròinterromperelamiaesperienzaportogheseperrien-trareinItalia.Rimpiantidivariogenereverrannosicura-menteconme;nonpotrebbeesserealtrimentiancheperunolacuivita,findai14annid’età,sièsrotolatasempretrarealtàgeografichediverse.Siacomunquequestaancheun’occasioneperrivolgereuncaldoringraziamentoeunaltrettantocaldosalutodiarrivederciatutticolorocheinPortogallocome in Italiamihannoonoratocon la loropreziosacollaborazione,pazienza,comprensioneedami-cizia.Tuttociò,incorniciatodallagentilezza,disponibilità,ricchezzadivalori,bellezzadelPaesechehaospitatoquestamiabrevemaintensafettadivita,verràconmeeresterànellamiamemoria,allaqualechiunquepotràsempreri-volgersi per qualsiasi necessità che sia alla mia portataesaudire.

Page 4: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

Tornandocomunqueallarivista,ilfattochelasualinfavitale sia comunque garantita dalla Prof.ssa Marnoto,dall’InstitutodeEstudosItalianosdell’UniversitàdiCoimbraeda tutti gli altri illustri amici che integrano il comitatoscientificoediredazione,mitranquillizzanonpocoemispingearinnovareatuttiloroisensidellamiagratitudineedituttalamiastima.Sonosicuroanchedelfattochechi,dopodime,verràdesignatoafarsicaricodelladirezionediquestoIstitutoItalianodiCulturasapràaccompagnarequestanostra creatura verso sfide e traguardi ancor più elevati.Questoènonsoloilmioauspicio,maancheunasortadi“ereditàirrinunciabile”chemisentodilasciare,mossodalpiacereegoisticodicontinuareaseguirealmenosullesuepagine l’evoluzione dei rapporti tra le nostre due realtà,destinate sempre di più e più profondamente a diveniresfaccettaturearricchentidiunarealtàeuropeachesperopossadiveniresemprepiùomogenea,dall’ArticoalMediterraneo,dalCabodaRocaa……(beh,questolasciamolodecidereaipolitici!).

Ancoraunavolta,atutti:obrigadoeatésempre!

Giovanni Biagioni

Há um ditado que diz mais ou menos isto,“Ascoisasboas,quandobreves,sãoduasvezesboas”…Confessoquemecustaaplicá-loàminhacurta,masintensa,relaçãocomEstudos Italianos em Portugal. Orgulho-me muito (porquenão dizê-lo?) de ter contribuído para a sua revitalização,tantoquantomeentristece terdedarpor terminadaessarelação,depoisdeteremsaídoapenasdoisnúmeros.Poucosmesesdepoisdapublicaçãodestevolume,chegareiaofimdomeumandatoe,depoisdecincoanosbastanteintensos,tereideinterromperaminhaexperiênciaportuguesapararegressaraItália.Saudosasrecordaçõesdeváriosgénerosirãoseguramentecomigo.Nempodiaserdeoutraforma,mesmoparaalguémcujavida,desdeos14anosdeidade,sempresedesenrolouporentrerealidadesgeográficasmuitodiferentes.Queestasejatambémocasiãoparadirigirumcalorosoagra-decimentoeumarrivederciigualmentecalorosoatodosaque-lesque,tantoemPortugal,comoemItália,mehonraramcomasuapreciosacolaboração,paciência,compreensãoeamizade.Tudo isso, enquadrado pela gentileza, pela dis-ponibilidade,pelariquezadevaloresepelabelezadoPaísqueacolheuestaminhabrevemasintensafatiadevida,irácomigoeficarágravadonaminhamemória,àqualquemquerquesejasepoderásempredirigirparaoqueestiveraoalcancedasminhaspossibilidades.

Page 5: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

Regressando,porém,àrevista,ofactodeasualinfavitalficargarantidapelaProf.RitaMarnoto,peloInstitutodeEstudosItalianosdaUniversidadedeCoimbraeportodososoutrosilustresamigosqueintegramosconselhoscientí-ficoederedacçãotranquiliza-mebastante, levando-mearenovar-lhesosmeussentimentosdegratidãoedetodaaminhaestima.Tenhotambémacertezadequequem,ase-guiramim,fordesignadoparaassumiradirecçãodesteIns-titutoItalianodeCulturasaberáacompanharestanossacria-turaatédesafiosemetasaindamaiselevados.Sãoessesnãosóosmeusauspícios,bemcomoumaespéciede“herançairrenunciável”quequeriadeixar,levadopeloprazeregoís-ticodecontinuaraseguir,pelomenosatravésdassuaspá-ginas,aevoluçãodasrelaçõesentreasnossasduasrealidades,destinadas,cadavezmaisecadavezmaisprofundamente,atornarem-seenriquecedorasfacetasdeumarealidadeeuro-peiaqueesperosepossatornar,tambémela,cadavezmaishomogénea,doÁrticoaoMediterrâneo,doCabodaRocaa…(bem,issoécomospolíticos!).

Umavezmais,atodos:obrigadoeatésempre!

Giovanni Biagioni

DOSSIê

FRANCESCOPETRARCA.1304-2004

No passado ano de 2004, comemorou-se o sétimo centenário do nascimento de Francesco Petrarca, ocorrido a 20 de Julho de 1304 na cidade de Arezzo. Em Itália, em Portugal e um pouco por todo o mundo, a efeméride foi recordada com iniciativas culturais da mais diversa índole. Volvidos que são dois anos sobre as celebrações, a revistaEstudosItalianosemPortugaldedica ao poeta um dossiê temático no qual se apresentam ensaios emblemáticos dos novos caminhos que entretanto se abriram aos estudos críticos, se faz um balanço informativo das actividades promovidas e se mostra como, para as literaturas de expressão portuguesa, Petrarca continua a ser uma presença viva, na charneira do novo milénio.

Uma reflexão em torno do lugar ocupado por Francesco Petrarca noiterdas letras italianas e em torno dos elos que o ligam ao fenó-meno do petrarquismo cortesão, com ecos que se estendem até mo-mentos bem mais adiantados no tempo, levou Marco Santagata a reequacionar os grandes pontos de referência da estrutura historio-gráfica da literatura italiana. Apoiando-se nos resultados das pes-quisas textuais e filológicas realizadas nos últimos anos, esse crítico apresenta-nos um novo desenho da sua topografia. Tem por contra-ponto a história e antologia da literatura italiana, intitulada Ilfilorosso, cujos oito volumes (aos quais se acrescentam os guias de uti-lizador) sairão até ao final de 2006, sob coordenação do próprio Marco Santagata e de Laura Carotti, Alberto Casadei e Mirko Tavoni. Por sua vez, Maurizio Perugi retoma as grandes lições da

Page 6: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

escola filológica italiana, em particular da crítica de variantes, para as aplicar a uma canção de Luís de Camões. As conclusões da sua análise mostram bem como, quer os estudos camonianos, quer os estudos petrarquistas em geral podem ser enriquecidos por uma me-todologia comparatista que saiba potenciar sinergias. A estes dois ensaios de fundo, juntam-se, na secção final, três intervenções que traçam uma perspectiva das actividades e das iniciativas levadas a cabo por ocasião do sétimo centenário. As confluências que vão sendo construídas no âmbito da tradução do Petrarca em vulgar para por-tuguês são avaliadas por Xosé Manuel Dasilva. Roberto Gigliucci delineia um panorama global dos estudos acerca do petrarquismo com informações relativas não só às grandes linhas de pesquisa des-bravadas, como também às edições críticas da obra dos petrarquistas italianos que de alguns anos a esta parte têm vindo a ser realizadas, sem deixar de assinalar as grandes sendas em perspectiva. Por úl-timo, Rita Marnoto apresenta algumas informações gerais acerca das actividades desenvolvidas por ocasião do centenário, em parti-cular no âmbito luso-italiano.

É mais que patente o facto de as celebrações de Francesco Petrarca de modo algum se terem resumido a uma recordação de circunstân-cia. Aliás, da presença continuada e vital de Petrarca na cultura e na literatura de hoje diz-nos a palavra dos poetas ou o diário que por David Mourão-Ferreira foi registado a 25 de Abril de 1974 em Arezzo. A Marco Santagata, Maurizio Perugi, Xosé Manuel Dasilva, Roberto Gigliucci e Teresa Martins Marques, bem como aos poetas Luís Quintais, Vera Lúcia de Oliveira e Vasco Graça Moura, são dirigidos públicos agradecimentos pela sua colaboração e pela oportunidade que deram à revistaEstudosItalianosemPortugalde oferecer ao seu público um panorama vivo dos setecen-tos anos do poeta.

RitaMarnoto

ENSAIOS

Page 7: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:13-39

NASCERDUASVEzES.VICISSITUDESDALÍRICAITALIANADOSPRIMEIROSSéCULOS*

Marco Santagata

1. As obras de grande divulgação,emesmodeclarada-mente‘científicas’,desenhamfrequentementeumahistóriada lírica italianados séculosXIIIeXIVmuito,paranãodizer demasiado, simplificada.No fundo, delineiamumacadeia principal constituída por poucos elos (Sicilianos,StilnovocomGuinizzelli,DanteePetrarca), ladeada,emcontracanto,pelofiodosjocososourealistas.

Tomemoscomopontodereferênciaduasobrassignifi-cativas, publicadas a quarenta anos de distância uma daoutra:osclássicosPoeti del Duecento deContini,editadosem1960,eaAntologia della poesia italianaorganizadaporSegreeOssola,cujoprimeirovolume,dedicadoaoséculoXIII,remontaa19971.

AantologiadeContini,maisdoqueumcânone,fixouumaimagemdapoesiadoséculoXIII,aquelaquecadaumdenóstemaindahojeàfrentedosolhos,quandopensanapoesiadessacentúria,tomadanoseuconjunto.OséculoXIIIdeContini,longedeseesgotarnasabstractasfinezasdocó-digocortêsounasparalelasabstrusidadesretóricasdotrobar

* TraduçãodeRitaMarnoto.1 Poeti del Duecento,ac.diGianfrancoContini,Milano-Napoli,Ricciardi

1960,2vol.;Antologia della poesia italiana,direttadaCesareSegreeCarloOssola,Duecento,Torino,Einaudi1997(1999).

Page 8: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

14 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 15

clus, afinal produtos fortemente codificados, é percorridoportensõesexpressionísticas,pordesígniosexperimentalis-tas,porumapluralidadedepropostasliteráriasquepressupõeumapluralidadedeutentes.Masdessaimagemdeconjuntoalíricaétãosóumaparte.

Tambémemâmbito líricoContini introduz inovaçõesorientadasnosentidodavariedade.Se,dezanosantes,Sali-naritinhaarticuladoasuaantologiadePoesia lirica del Due-cento2apenasemtrêspartes,“ISiciliani”,“Guittoneeiguit-toniani”,“GliStilnovisti”(semDante),Contini(queafirma,contudo,nanotadeapresentação,teradoptadooesquemahistoriográfico“piùaccettato,frustoepacifico”)subdividealíricaprofanaemnumerososcapítulos:“Scuolasiciliana”,“Poesiacortesetoscanaesettentrionale”,“Poesia‘popolare’e giullaresca” (“popolare” entre aspas, “al perentomodoromantico”), “Poesia ‘realistica’ toscana” (também entreaspas),“DolceStilNovo”(semDante,mascomGuinizzelli),“Vicinideglistilnovisti”.Contudo,ficaaimpressãodeque,paraalírica,Continiestámenosdeterminadoemseafas-tar dos códigos aceites. Se considerarmos a percentagemde textosantologizados (calculadacombasenoconjuntodoslíricos,cercade500),asuaprogressão(Sicilianos12%,Corteses 25%, Stilnovistas 33%) não se afasta muito dadeSalinari(Sicilianos17%,Guittoneeguittonianos37%,Stilnovistas45%).

Maisalgunsnúmeros.NosPoetideContini,osSicilianoseosSilnovistas(semDante)juntosvalem46%;comoacres-centodos“Vicinidegli stilnovisti”,chegama60%.Umapresençaestávelnocânoneéadospoetas“realistas”: so-mando-osaosprecedentes,apercentagemglobalchegaa73%.Quarentaanosvolvidos,aantologiadeSegreeOssolamantém,substancialmente,amesmaplanificação:nestecaso,a“Scuolasiciliana”vale19%,os“Siculo-toscani”21%,o

2 La poesia lirica del Duecento,ac.diCarloSalinari,Torino,Utet1951.

“Stilnovo”28%.Crescemos“realistas”(etiquetadoscomo“Poetigiocosi”),com28%.Comosevê,aparelhaSicilianos-Stilnovistas(semDante),porsisó,atesta47%(eram46%emContini).Comoacrescentodosjocosos,apercentagemsobepara71%,muitopróxima,pois,dos73%deContini.JáobserveiquedestasantologiasandaausenteoDantelírico.éevidentequecomasuapresençasefariaaindamaisnítidaalinhaqueidentificaoeixodesuportedalíricadoséculoXIIInasucessãoSicilianos-Stilnovo,comumparêntesescortêseoapêndicecómico-realista.

ForadeItália,estarepresentaçãofaz-seaindamaisacen-tuada,paranãodizeresquemática.EsquemáticaéadasEpo-chen der italienische Lyrik(1964)deHugoFriedrich3:aumprimeirocapítulosomatório(trovadoresprovençais,sicilia-nos,poesiareligiosaeburlesca),seguem-seoscapítulosdedi-cadosao“Dolcestilnovo”,aDantee,semsoluçãodecon-tinuidade(factoaterpresente),aPetrarca.MaisarticuladoéoquadrooferecidopelaAnthologie bilingue de la poésie ita-lienne publicada pela Pléiade em 19944. Articulado, masconsiderandoàparteadilataçãodonúmerodetextosjo-cososerealistas,nalinhadequantojáobservámos:23%detextossicilianos,12%desículo-toscanos,35%dejocosos,29%destilnovistas(semDante).ComoemFriedrich,tam-bémnestecasoocapítulodantescoéimediatamenteseguidopelopetrarquesco.

Opercursodelineadoédiscutível,nãoporsacrificarsabe--seláqueobra-prima,oupormortificarsabe-seláquegrandepoeta,masporinsinuarumaideiaevolutivadanossalíricadasorigensqueacabaporseprojectarbemparaalémdos

3 Trad.it.:HugoFriedrich,Epoche della lirica italiana,Milano,Mursia1974--76,3vol.

4 Anthologie bilingue de la poésie italienne,PréfaceparDanielleBoilletetMar-zianoGuglielminetti,EditionétabliesousladirectiondeDanielleBoillet,aveclacollaborationdeGiovanniClerico,JoséGuidi,MauriceJavion,FrançoisLivi,LauraNay,ClaudePerrusetAndréRochon,Paris,Gallimard1994.

Page 9: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

16 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 17

confinsdoséculoXIII.éaideiadeumcursolinearepací-fico,deumahomogeneidadequeunificaséculosdepoesialíricaitaliana.EraoqueescreviaFriedrichem1964:alíricaitaliana“ha,rispettoaquella francese, spagnola, ingleseetedesca, ilvantaggiodiunamaggiorecoerenza.Essanonpresentabruschefrattureditradizione.Apartealcunimu-tamentitematici,restapersecolivivoquelpatrimoniofon-damentaledivocaboli,diformelinguistiche,disignificati,dimezzistilistici,digenerichefufondatodaisicilianiedaifiorentinidelXIIIsecoloeratificatodalPetrarca”5.Repete-oSegreem1997:“Sipuòdirechelanostrapoesialirica,com-presoilsuobifrontismo,segueunpercorsomoltolineare,cosìcheperl’ethos,nonmenocheperlessemiesintagmi,pertopoiecc.,sipuòtracciarefacilmenteunastoria,checul-mineràconPetrarcaperpoiseguireilsuomodellosinoalSeicento”6.

Parece-me,pelocontrário,queessahistóriafoibemmaisfracturadaedramática,maisricadepotencialidadesnãoex-pressasedemotivaçõessilenciadas,emenossujeitaàdita-duradeunspoucosou,melhordizendo,sujeitaàditaduradepoucosemvirtudederazõesa seremprocuradasmaisforadainstituiçãoliterária,doquenaaparentecontinuidadedetopoielinguagens.Eparece-mequeosfiosseembaraçamlogoapartirdoséculoXIII.

2. ébemcertoque,seprivilegiarmososextremos,ouseja,porumlado,aquelaestranhaexperiênciadelíricacor-têssemcortequefoiapoesiaimperialdaSicília,poroutrolado,aquelaestranhatentativadelíricaaristocrático-burguesaquefoioStilnovo,esepusermosemrelevoosfactoresdecontinuidade,entãooemaranhadodefiosqueenredaosé-culoXIIIdesfaz-sedeformasimpleselinear.Nãoé,pelocontrário,assim,setivermosemlinhadecontaosimpulsos

5 Epoche della lirica italiana,pp.V-VI.6 Antologia della poesia italiana,p.XVIII.

centrífugoseastensõesquepercorremalíricadesseséculo.Nessecaso,emergirãofracturasprofundas,bemmaispro-fundasdoqueobifrontismoaqueacenavaSegrecomoconvívio,noúltimoquartodeséculo,deumalíricaáulicaedeoutracómico-realista.Deresto,observoàparte,otermobifrontismo,jáusadoporContini,talveznemsequerconfiraplenarazãodeseraessadualidadeespecífica.Naverdade,designaduas facesdeumarealidadequedeve ser lidadeformaunitária.Hoje,contrariandoatendênciadeorigemidealistaquelevaaverosjocososcomoumfenómenopre-valentementemetaliterário,deconscienteparódiadocon-temporâneoregistotrágico,começaadespontaratendência,emparteantecipadapelospositivistas,paraconsideraressefilãopoéticonasuaautonomia,desvinculando-odaideiadecontracantoparódico,pararestituirdignidadedevividoaosconteúdosqueexprime7.

Asfracturasaqueanteriormentealudiasão,porém,outras.Primeiradetodas,alinguística.Ofactode,emItália,a

lírica serbilingue–toscana(comoosSicilianosadquiremverdadeira importância depois de “traduzidos”, acabam,tambémeles,porfazerempartedopanoramalíricoemtos-cano)eprovençal–nãotemmerecido,nasreconstruçõeshistoriográficas,todoorelevoquemerece.Adiversidadedaespecializaçãodefilólogosromânicosedefilólogosita-lianosparece-meterconstituídoobstáculoaumacompreen-sãoglobaldalíricaemvulgar.Apesardenãofaltarempoetasqueescrevememambasaslínguas,maisdoquedebilin-guismodever-se-áfalardeduplocircuito:provençal,anortedosApeninos;toscano,naItáliacentral(comosseusanexosbolonheses).Oduplocircuitodiferencia-seclaramente,peloquedizrespeitoàspessoasfísicas,ospoetas,masmuitome-nospeloquedizrespeitoàcirculaçãodelivros.Querodizer

7 Cf.ocap.“Latradizionecomico-realistica”deClaudioGiunta,Versi a un destinatario. Saggio sulla poesia italiana del Medioevo,Bologna, IlMulino2002.

Page 10: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

18 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 19

que,seostrovadoresviveramsobretudonasgrandescortesfeudais,oscancioneirosprovençaisdevemtertidoleitoresnãosónacortedeFredericoII,mastambémnascidadestoscanas.Dacoexistênciaentreseparaçãoeintersecção,ashistóriasdaliteratura,easantologiasaindamais,nãoofere-cemuma representação adequada.Quemquiser ter umaprimeiraideia,mesmosónoplanovisual,dopanoramalíricoitalianodemeadosdoséculo,devefolhearaspáginasdoscancioneirosantigoseditadosporAvalle8etambémasdoúltimovolumedeLos trovadores deMartindeRiquer9,ondesãoantologizadosostrovadoresitalianosactivosemItálianoséculoXIII.

Oduplocircuitolinguísticodevesercolocadoemrela-ção,pelomenos,comdoisoutrosfenómenos:comoatrasodalíricanumvulgaritalianoemrelaçãoaorestodaEuropaecomaconcentraçãodalíricaemtoscanonumaáreageo-gráficarestrita.Bilinguismo,atrasoeconcentraçãogeográficadenunciamofactodeemItáliaaproduçãolíricaandarimis-cuídanograndeconfrontopolítico-socialeconotam,comosendodeclasse,nãosóaproduçãoemprovençaldascortesfeudais,mastambémaproduçãoemtoscanodascomunascentro-italianas.Seriadifícil,paraalémdeimpróprio,tentardarumadefiniçãodessaclasseemtermosmodernos,apesardenosentendermossedissermosqueoslíricosqueescre-vememtoscano sãoexpoentescultosdomundourbanoligadoaocomércio,àsmanufacturaseàfinança.Anovidadeeapeculiaridadedasituaçãoitalianaresidemnofactode,nestecaso,alíricanumvulgarlocalseterquasederepentelibertadodomundodascortesfeudais.Oquesignificaque,paraalíricatoscana,tendoemlinhadecontaainstituição

8 Concordanze della lingua poetica italiana delle Origini (CLPIO),ac.diD’ArcoSilvioAvalleeconilconcorsodell’AccademiadellaCrusca,Milano-Napoli,Ricciardi1992.

9 MartíndeRiquer,Los trovadores. Historia literaria y textos,TomoIII,Bar-celona,Ariel1983(1975).

literária,podemosfalardeumatradiçãocortês,mas,consi-derandoopapelqueessatradiçãodesempenhavanasocie-dadefeudal,nãopodemosfalardeumalíricafuncionalmentecortês. Inútil sublinhar quanto uma “cortesia” citadina emercantilpossaserdiferente,nassuasfinalidadesessenciais,daquelaque,duranteséculos,foifundamentoebaseideoló-gicadasociedadenobiliária10.Digamos,compalavrasbreves,queseavelhacortesiaerainstrumentodeintegraçãoecoesãodeumaclassedirigenteestabelecida,anovacortesiaéumdoscanaisparaaformaçãodeumaclassedirigentein fieri.

Omundocomunalévário,comdivisõesequerelas,ésocialeculturalmenteestratificado,estáabertoaonovoe,aomesmotempo,estádisponívelparaabsorverestilosdevidae tiposdeconsumoculturaldemarcanobiliárquica.Alíricaexprimetudoisso:éváriaquantoaoconteúdoeàforma, encontra-se dividida em escolas e correntes, andaenvolvidaemdiatribesideológicasepolíticas,sempreprontaparaabsorveratradiçãoe,damesmafeita,paraacontestar,éconservadoraeexperimentalatéàprovocação,tantosepodedirigircomumalinguagemcrípticaagruposdeini-ciados,comodarvozaexperiênciasdavidaquotidianaoufalarànovaaristocraciacomalinguagemdavelhaeàscama-das populares com linguagens destruturadas. Em suma, alíricada“geraçãodomeio”nãopodesercircunscritaaosconfinsdasmaneirasformalizadas,dasescolasedoscódigosfechados.écomoseahomogeneidadeumpoucoartificialdosSicilianos,depoisdeoterrenotoscanotersidofertili-zado,sedesfizesseempedaços.Dasuaexplosão,apardopersistenteedominantefilãoamoroso,nascerampoesiapolí-tica,poesiapartidária,poesiamoral,poesiadoutrinal,cientí-fica,didáctica,poesiagoliardaejocosa.Atépoesiapré-artís-

10 AludoàinterpretaçãogeraldalíricatrovadorescadeErichKöler,Sociologia della Fin’amor. Saggi trovadorici,TraduzioneeintroduzionediMarioMancini,Padova,Liviana1976.

Page 11: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

20 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 21

tica nasceu. Dos cancioneiros Laurenziano, Palatino eVaticano,Avalleextraiuumasériedetextospredantescosnosquais(sãopalavrassuas)“siaffollanopersonaggiincre-dibili[…],carceratieusurai,indoviniecartomanti,alchi-mistieteologirissosi,buffoniefalliti”.“L’interessante(con-tinuaAvalle)èchenonsitrattadipoesiemanieristiche,maditestimonianze[…]diesperienzevissuteinproprio”;“lapiùparte[diquestipoeti]sembra[…]gentevenutadalnulla(letterario)”11.Emconclusão,éorestodossobreviventesdeumuniversodepoesiapré-artísticaquefoivarridopelocursodahistória12.

Nãosepensequenosectorqueé,delonge,omaisim-portante,olírico-amoroso,reinepazeconcórdia.Ecomopoderiareinarse,porexemplo,adicotomiaentretrobarleuetrobar clus tantasvezessuperaoplanodaretórica,chegandoatéadeixarentreveroscontornosdeumadivisãopolítica:guibelinosefilo-imperiais,os‘corteses’doestilochão;guel-fos,osguitonianosdoestiloobscuro?Deresto,aoposiçãoentrecorteseseanticortesesficamuitoparaalémdadisputateóricade amoreoudapuraaltercaçãopoética:entreosquerepisamosvelhostemasdafin’amor easguinadascontraoamoradúlterodosGuittone,dosMonteAndrea,dosChiaroDavanzati,vaiumadiferençaideológicaprofunda,umalinhadedemarcaçãoquedistinguedoismodosdeconceberafamí-liaeaestruturasocialcitadina13.

11 Concordanze della lingua poetica italiana delle Origini,p.840.12 Outrasimportantesconsideraçõessobreo“realismo”,entreaspas,dalírica

doséculoXIII,encontram-senolivrodeClaudioGiunta,Versi a un destinatario.13 AntecipeialgumaslinhasdaminhainterpretaçãodalíricadoséculoXIII

nacomunicação,La fondazione del canone e della biblioteca volgare,apresentadaaocongressoda“Associazionedegli Italianisti Italiani” realizadoemRomaem2001(Il Canone e la Biblioteca. Costruzioni e decostruzioni della tradizione letteraria italiana, ac.diAmedeoQuondam,Roma,Bulzoni2002,pp.3-21),tambémpublicada,comvariantes,na“NuovaRivistadiLetteraturaitaliana”,IV(2001),pp.9-39.

Estassumáriasobservaçõesqueriamsugeriraideiadequealíricatoscanada“geraçãodomeio”,quenóshojelemoscomogéneroliterárioespecializadoeparaespecialistas,en-tão,nopontomáximodocrescimentoeconómicoesocialdosnovosestratoscitadinoseantesdeaCommedia deDanteterdescompaginadotudo,seapresentoucomosendooins-trumentoliterário,senãoexclusivo,certamentemaisdúctilepotente,quefoielaboradoparafalardarealidade:amo-rosa, política, ideológica, existencial, criatural. é este oquadrosobreoqualsedevemprojectarasrecusas,aspolé-micas,aorgulhosadiversidadedaquelepunhadodelíricosflorentinosqueDantehá-deetiquetar comocultoresdo“dolcestilnovo”.

Sãopoucos,defacto,masagressivos.Sobretudo,sãolúci-dos e determinados quando avançam com um programapoéticoque,semqueopareça,setingedefortestonsideo-lógicos.Arriscoumaafirmaçãoquepoderáparecerumpoucoparadoxal:asua,éaúnicaverdadeiratentativadecriarumalíricafuncionalmentecortês.OqueaexperiênciatemdeextraordinárioresidenofactodetersidofeitanocoraçãodeumaFlorençaguelfa,mercantilefinanceira.Asuacorteéidealemetafórica,talcomodecertaformaoseráa“aula”imperialdantesca:olugarvirtualondearistocraciasocialearistocraciadeculturasepodemencontraratécoincidirem.ParaGuido,Danteeosseusamigos,pareceserclaroqueumapoesiarigorosamenteamorosapelostemastratados,leuna formae lógico-filosóficanos seus fundamentos,nãoéumregressoaopassado,masomododeenlaçar,aumatra-dição‘alta’,umajovemaristocraciaintelectualquesepropõecomovanguardadosnovosestratossociais.Quantomaisoseucódigopoéticoseafastadecompromissoscomareali-dade,tantomaisosseustextosseenchemdereaisvalênciasideológicas.Poucasvezes,emmeuentender,umatãopa-tenteabstracçãoderesultadosseradicounoprópriodina-mismodastransformaçõessociais.

Page 12: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

22 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 23

3.Aquelaestação,comasualíricamultiforme,experi-mental,envolvidanumarealidadeeemlutaspolíticas,sociaiseideológicas,quetinhapodidomarcardemododuradouroocursodanossapoesia,revelou-seumapotencialidadenãoexpressa.Alíricaitalianaseguiuoutrasestradas,privilegiouo temaamorosoeaestabilidadedosestatutos formaisdematrizstilnovista-petrarquesca.

Foi,naverdade,achamadaàordem14,primeiro,dosStilno-vistas,depois,dePetrarca,asufocarospossíveisdesenvol-vimentosheterodoxosdalíricadoséculoXIII?Seobservar-mos a história literária de cima, não podemos deixar deresponderafirmativamente.Mas,paraseapresentarassim,opontodeobservaçãodevesercolocadosuficientementealto,demodoaanularolapsocronológicodemaisdeumséculo:tantoéotempoquepassa,naverdade,atéqueemItáliaseforme e se consolideuma tradição lírica dotadadaquelascaracterísticasderepetibilidade,ordemedelimitaçãotemá-ticaquesepodemresumircomonomedepetrarquismo.é,pois,evidentequealinhahistoriográficaescolar,enãosóescolar,Stilnovismo–Petrarca–petrarquismo,introduzsimplificaçõesedistorçõesquenãotêmcorrespondentenahistóriadeoutrosgénerosliterários.

OsStilnovistastiveramsucesso,sobretudoemFlorença,efoisobretudoemFlorençaqueocontinuaramaternasdécadassubsequentes.Honestamente,nãosepodeafirmarquetenhammodeladoalíricadoséculoXIV.TambémPe-trarcatevesucesso,masparapoucos.Tambémnoseucaso,nãosepodepropriamentedizerquetenhatidopesonalíricadoseuséculo.Deresto(etiveocasiãodeonotarmuitasvezes15),vinhadeumoutromundo,deumoutromundo

14 SegundoacélebredefiniçãodeGianfrancoFolena,Cultura e poesia dei Siciliani, in Storia della Letteratura Italiana, I. Le origini e il Duecento, Milano,Garzanti1965,p.290.

15 RemetoparaMarcoSantagata,I frammenti dell’anima. Storia e racconto nel Canzoniere di Petrarca,Bologna,IlMulino2004(IIed.)eparaaIntroduzione a

geográficoecultural,ealémdissonassuasrimafalavaparapessoasbemdiferentesdospobres(culturalmentepobres)ver-sejadoresdasuaépoca.éumdadodefactoquenasrecolhasmiscelâneasdoséculoXIVedeiníciosdoséculoXV,ouseja,manuscritosquefotografamoquadrodoqueefectiva-menteselia,aparecemosnomesdeCavalcanti,Guinizzelli,Dante,masaparecemmenosdoqueosdeoutrosrimadoresdoséculoXIVquehojesão,paranós,semidesconhecidos.Alémdisso,onomedovelhoGuittoneaindanãotinhasidoesquecido.UmoutrodadodefactoéodequeatéonomedePetrarcatambémsóesporadicamenteseencontra.Maisdoquedenomes, trata-sedetextos.Namaiorpartedoscasos,ascomposiçõessãoanónimaseoanonimatoatingedomesmomodograndesepequenos16.Paraumleitormé-diodepoesia,nasprimeirasdécadasdoséculoXV,osgran-desautoresnãocoincidemcomosdehoje:sãoosAntoniodaFerrara,osFaziodegliUberti,osFrancescodaVannozzo,osSimoniSerdini.Setivéssemosdeindicarobig,aescolhanãopoderiaincidirsenãosobreum:SimoneSerdinidaSiena,chamado“ilSaviozzo”.

Nenhumdosrimadoresqueacabaramdesernomeadossedistinguepelassuasqualidadespoéticas.Oslíricosdosé-culoXIV,noseuconjunto, sãopobresdevalor,masemgrandenúmero.Relativamenteaoséculoprecedente,deu--seumsaltoquantitativo.SerianecessáriomuitotempoparatraçarumdesenhofidedignodapoesiadoséculoXIV:éde-masiadovária (nos temas, nos géneros e nas formas) parapoderserarrumadacommeiadúziadepalavras.Contudo,

FrancescoPetrarca,Canzoniere,ed.commentataac.diMarcoSantagata,Nuovaedizioneaggiornata,Milano,Mondadori2004.

16 Umcódigorepresentativodessarealidadeéoms.daLaurenziana,“Con-ventisoppressi122”,acercadoqualsepodeconsideraratesededoutoramento,discutidanaUniversidadedePisaem2004,deMariaClotildeCamboni(Un manoscritto miscellaneo di rime e prose volgari: Firenze, Biblioteca Medicea Laurenziana, Conventi soppressi 122).

Page 13: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

24 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 25

paranossasorte,aimpossibilidadedeareduziraumpunhadodecategoriasbemdefinidaséfactoporsimuitosignificativo:aresistênciaàsclassificaçõeséíndicedeumasubstancialcon-tinuidadeentreavariedadeprestilnovistaeaqueleengarra-famentotipológicodoséculoXIV.Aspotencialidadespoli-fónicas da poesia lírica da “geração do meio” não sósuperaramasbarreirasqueosStilnovistastinhampretendidoerigir,masacentuaram-nasaindamais,paranãodizerquelevaramaumadeflagração.Bastará,porém,umasimpleslei-tura,paracolherumadiferençasubstancialentreapolifoniadoséculoXIIIeaanarquiadoséculosucessivo.Seumtextoamoroso,político,moralourealistadoséculoXIIItransmiteaoleitorumasensaçãode‘veracidade’ede‘autenticidade’,um texto amoroso,moral,políticoou realistadeumdostantosrimadoresdoséculoXIV(nãosendoPetrarca,bementendido) não consegue ser levado mesmo a sério. Ouseja,nãoconseguedissiparasensaçãodequesetratadeumobjectoafinalsecundário,quenãotemincidêncianemaquerter.Entenda-sequenemtodasascomposiçõespodemseretiquetadascomojogosliterários,massópoucassepodemadornarcomotítulodetextosdeconhecimento.OslíricosdoséculoXIVandamporumaespéciedeterradeninguém:nãoaspiramàquelecultodaformaqueserácensuradoaosseuscolegasdoséculoXVI,masnemtãopoucoseaproxi-mamdaqueleempenhamentoéticoqueosdetractoresdospetrarquistasdeQuinhentoshão-dereclamar.Relativamenteaopassadoimediato,acontecequealírica,deinstrumentomaiordacomunicação literária, se tornouumgénero,oumelhor,umapráticaespecífica,umdoscomponentes,enemsequeromaisimportante,dosistemaliterário.Passamaseroutrasastipologiasdeescritaqueveiculamconteúdosqueinteressam.Alíricacontinuaafalardarealidade,individualesocial,massobumaangulaçãoparcial,desprovidadeumamarcaideológicacredívelecomumtomque,nofinaldecontas, não aspira a uma audição particularmente atenta.

Ascausasdessedeclíniosãoconhecidas:crisedainstitui-çãocomunal,nascimentodas“tiranias”erespectivaevo-luçãopara“senhorias”,crescentepapeldesempenhadopelasnovascortesenquantocentrosdeproduçãodepoesiadeentretenimentoepropaganda,transformaçãodopoetalírico,de“intelectual”,emdiletante17.NãoforamosStilnovistas,pois,quehomologaramaricavariedadedepropostaslíricasda“geraçãodomeio”: as formasdessa lírica sobrevivemdurante muito tempo. é o seu espírito que se vai apa-gando,poucoapouco,equesevaidegradando,àmedidaqueoséculoavança,emvirtudedoenfraquecimentoda-quelespressupostossociais,políticoseinstitucionaisquelhedavamvida.

Nesselongoeconfusoprocesso,demodoalgumlinear,dá-seumoutrofenómenobemconhecido,eque,porém,valeapenasublinhar,ouseja,arupturada“linhagótica”porpartedalíricaemtoscano.Obaricentrodesloca-sedaItáliacentralparaaItáliasetentrional,atravésdeumarcogeográficocompreendidoentreMilãoeRimini:completa--se,assim,aquelemovimentoascendentedeSulparaNortequecaracterizouahistóriadoprimeiroséculodapoesiaemvulgar.Apartirdesseperíodo,oslancesverdadeiramentedecisivos,paraahistóriadogénero,serãosetentrionais.Sequisermosvoltaraolharascoisasdecima,parafazeromapadoDNAdanossalírica,nãonospodemoscontentarcomaapostanaduplaStilnovo–Petrarca:temosderecordar,pelomenos,osnomesdeGiustode’ContidiValmontonee de Pietro Bembo. Inútil determo-nos sobre Bembo.QuantoaGiusto,éumdoselosimprescindíveis,nãoporserromano,masportermorridoemRimini.Acrescento,

17 ParaumquadrodeconjuntodapoesiadoséculoXIV,continuaa serinsubstituível,ArmandoBalduino,Premesse ad una storia della poesia trecentesca, “Lettere italiane”, XXV (1973), pp. 3-36, depois editado no vol. Boccaccio, Petrarca e altri poeti del Trecento,Firenze,Olschki1984,pp.13-55.

Page 14: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

26 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 27

umpoucoprovocatoriamente,que talveznão seja total-mentedescabidoconsideraropróprioPetrarcaumastrodagaláxiasetentrional.

4. NãoachoquePetrarcaalgumaveztenhaimaginadoquealíricaitalianadepelomenosdoisséculosviesseaserdesignadaapartirdoseunome:nada,duranteasuavida,lhopodiafazercrer.Seter-setornadomentordaquelatra-diçãoéculpadealguém,Petrarcaestáseguramenteinocente.Mas,ditoisto,nãoéquenãodesempenheumpapelimpor-tanteparaofuturodesenvolvimentodapoesia–e,poder--se-áacrescentar,detodaaliteraturaemvulgar–,mesmoemtemposquelhesãopróximos,sóqueéumpapelmuitodiferentedodepaifundadorquelheélegitimamentere-conhecido.Umpoucoabrincar,umpoucoasério,podía-mos até dizer que Francesco Petrarca correu o risco depassaràhistórianãocomopaidalírica,mascomoaquelequeasufocouaindanoberço.Teriatidocúmplices,comcerteza,masseuteriasidooplanodocrime.Petrarca,defacto,éosupremoresponsávelporaquelerelançamentodalíngualatinaedomundoclássicoquefoioHumanismo,eoHumanismoproduziuumaradicalredistribuiçãodaspar-tesnosistemaliterárioecultural.Oséculoquetinhacome-çado com aCommedia, que ameio tinha visto nascer oDecameron eoCancioneiro,istoé,quetinhasancionadoaplenamaturidadedovulgar, terminavacomumagrandecrisedaliteraturaemvulgar.ApartirdasúltimasdécadasdoséculoXIV,instaura-se,emItália,umnovoregimedebilinguismo,oumelhor,deduplocircuito:semserrestrito,porém,aumgénero,comootinhasidonoséculoXIV,masextensivoaqualquermanifestaçãodaculturaescrita.Acultura‘alta’éperfeitamentelatina,razãopelaqualalite-raturaemvulgardecai,automaticamente,paraumplanobaixo.A lírica, então, que já tinha sofrido umprocessodedeclínionoquadrodosgénerosemvulgar,resvalaparaníveisbaixíssimos.

Asvicissitudeseofalhançodo“Certamecoronario”de144118sãoumbomtesteparaavaliarquãoprofundaeraacrisedovulgar.Paraevitaraderrota,Albertitinhatomadotodasasprecauções:umassuntotipicamenteclássico,a‘ami-zade’, aobrigação,paraosparticipantes,de introduziremnascomposiçõesapresentadasaconcursosentençastiradasdosclássicos.Porsuavez,tinhaseleccionadocomposiçõesquesediferenciavamdasrimazitascorrentes.Apesardisso,perdeuclamorosamente.

Nãoquerissodizerque,nolongolapsodetempoquecorreuentreamortedePetrarcaeaconsolidação,emplenoséculoXV,dosestadosregionais,aproduçãolíricativessedesaparecido;podemosdizer,bempelocontrário,quefoimesmonaqueleperíodo,naáreavénetaenascortesdosEste,dosMalatesta eda áreadeFeltre, que se lançaramas sementesparao seurenascimento sobnovas formas19.é,todavia,umdadodefactoqueessasdécadas,considera-dasglobalmente,assinalamumafracturanahistóriadalírica.Naquevirádepois,oselementosdenovidadeirãopreva-lecersobreosdecontinuidade.“Nascerduasvezes”,escrevinotítulodesteestudo,precisamenteparasublinharqueahistóriadanossatradiçãolírica,aparentementeunitáriaelinear,é,narealidade,bipartida.Umaduplicidadequeaténotipodecompetênciasdosestudiososquedelaseocupamencontracorrespondente:aosespecialistasdelíricadossé-culoXIIIeXIV,pelomenosatéPetrarca,sãorequeridascompetênciasnoâmbitodaromanística,aosdelíricados

18 ReconstruídosemDe vera amicizia. I testi del primo Certame coronario,ed.criticaecommentoac.diLuciaBertolini,Modena,Panini1993.

19 Peloquerespeitaaesteperíodohistórico,remetoparaomeucap.,“FraRiminieUrbino:iprodromidelpetrarchismocortigiano”,inMarcoSantagata,Stefano Carrai, La lirica di corte nell’Italia del Quattrocento, Milano, Angeli1993,pp.43-95,eparaolivrodeItaloPantani,“La fonte d’ogni eloquenzia”. Il canzoniere petrarchesco nella cultura poetica del Quattrocento ferrarese, Roma,Bulzoni2002.

Page 15: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

28 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 29

séculosXVeXVI,competênciasnoâmbitodapoesiaita-lianaedapoesiaclássica.

AderrotadeAlbertimostraqueoresgatedapoesiavulgarnãosepodiafazerapartirdedentro:nãoeradedentrodaliteratura,emuitomenosdedentrodalírica,quepodiambrotarosestímulosaumnovoequilíbriodoquadroglobaldosgéneros.Acontraprovaédadapelacircunstânciadeorelançamento,emgrandeestiloecomnovasformas,dalíricavulgarocorrernasegundametadedoséculo.écomodizerquesóumnovoquadrosocialeinstitucionalpodiabaralharascartasereporoequilíbriodasduasculturas.

Jádelineei,noutraocasião,osprocessoshistóricosque,domeumododever, levaramaoextraordinárioflores-cimentodalíricaquedesabrochanasegundametadedoséculoXV,bemcomoosmotivospelosquaisdespontacomascoresdePetrarca20.Empoucaspalavras:trata-sedaconsolidaçãodosistemadascortes,comasubstituição,aosestados“tirânicos”ousenhorisdaépocaprecedente,nãorarocomumadimensãomunicipal,deestadosouestado-zinhos regionais, eda formação,dentroeem tornodascortes,deumanovaagregaçãosocial‘mista’,aristocrática,masnãofeudal,heterogéneaetodaviacoesa,homóloganasuarealidade,decorteparacorteederegiãopararegião,e,comotal,tendencialmenteindiferenteaosconfinslin-guísticosedetradição.Emsuma,éesseconjuntodefenó-menospolíticos,institucionaisesociaisafecundaroterrenoparaumnovoflorescimentolírico.Alírica,aoretomaradominante amorosa, reencontra uma função social quetranscendeoentretenimentoeapropaganda,erigindo-sedenovoem instrumentodeagregaçãoeemveículodemensagensideológicas.Comefeito,nasnovascortesita-

20 Remetoparaocap.,“Dallalirica‘cortese’allalirica‘cortigiana’:appuntiperunastoria”,nocitado,Santagata,Carrai,La lirica di corte nell’Italia del Quat-trocento,pp.11-30.

lianasacontecealgoqueseparece,aolonge,esublinhoaolonge,comoquetinhaacontecidonascortesfeudaisdaProvençadostrovadores.

Agrandepeculiaridadedalíricaitalianaéprecisamenteessa,adetertidoumahistóriaquaseaoinvésdadasoutrastradiçõesromânicas.Aquiloque,noutraszonasdaEuropa,fica no início do processo, para nós verifica-se no fim.AItálianãoconheceuumaverdadeiratradiçãolíricadecariz‘cortês’:anobrezafeudalnãoteveforça,nemvontade,paraexperimentarnovasformasliterárias,ficandocoladaàlínguaeàsformasdaProvença.A“burguesia”toscanaprocuroudarvidaaumaproduçãolíricaprópriaerecognoscível,numatentativaoriginal,porémdeescassaduração.Foientão,emplenoséculoXV,quealíricasetornouumdosingredientesmaisimportantesdaculturadecorte:não‘cortês’,portanto,mas‘cortesão’.Umanovafigurasocialque,volvidasalgu-masdécadas,assumiráonomede‘gentil-homem’,apropria--sedesseingrediente,elegendo-ocomoumdosseustraçosdistintivos.éassimqueaItália,queoriginariamentetinhavividosobretudodeimportação,setransformaempotênciaexportadoradelírica,apontodedeteromonopólioeuro-peudogénero.

5. Géneroqueassumealinguagem,asformaseoimaginá-riodePetrarca.SabemosqueopetrarquismodoséculoXVprescindedeumateoriadaimitatio equeconsegueinstau-rarumcódigocomumatravésdapráticadaimitaçãoespon-tânea.Creioqueestaconceptualizaçãodesignaumfenó-menoanálogoaodadifusãodasmodas,nanossa época.Imitarummodeloporqueovizinhotambémoimitasigni-ficalevaracaboumactodeimitaçãoparaimitarumoutroactodeimitação.Numprocessoemqueimitaçãogeraimi-tação,maisdoqueomodeloemsicontamasmodalidadesdasuafruição.Asuasoma,porentresemelhançasedife-renças,conferesubstânciaaumatradiçãoquenãoéalimen-tadadoexterior,namedidaemquesenutreasiprópria.

Page 16: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

30 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 31

Deoutraforma,pode-seafirmarquenãoéomodeloadar--lhevalor,sendoantesosactosdeimitaçãoqueseseguememcadeiaaconferiremvaloraomodelo.Comestasesque-máticas observações, pretendo sublinhar que, apesar deseremmuitosebemconhecidososmotivosquetornavamapoesiadePetrarcaparticularmenteadequadaparadesem-penharaquelepapeldereferência,asverdadeirasrazõesemvirtudedasquaisoCancioneiro seelevouamodelo sãoexternasaolivro.Tantoassiméqueoreconhecimentoofi-cialdasuaautoridademodelizantehá-dechegarmaistarde,quandojáhámuitosanosexisteumatradiçãopetrarquistaoupetrarquizante.

Parasepoderdifundirevingar,aimitaçãoporcontágiodeveencontrarumambientefavorável,ouseja,umambientequeinduzacadapessoaaimitarocomportamentodosvizi-nhos.Sãovizinhosdospoetaslíricos,nãosóenãotantosobopontodevistaespacialegeográfico,quantoporanalogiadecondiçãosocialeporhomogeneidadeambiental,aquelesqueestãosujeitosaosmesmosestímulosesãodestinatáriosdas mesmas solicitações. Estamos a falar do ambiente decorte.Nãoécomcertezaporacasoqueadistribuiçãogeo-gráficadospoetasquepetrarquizam,nosúltimosquarentaanosdoséculo,coincidequaseperfeitamentecomadascor-tes.BastarálançarumolharsobreacartapolíticadaPenín-sulaparavercomo,nodeclíniodoséculo,depoisdoregressoemforçadapoesiaàItáliameridional,foilevadaàperfeiçãoumaespéciedecercoàquelaToscananãocortêse,porisso,petrarquísticademodoanómalo.

NosanoscinquentaesessentadoséculoXX,quandofoiretomadoessegénerodeestudosdepoisdoeclipseidealista,paraindividuarapeculiaridadedopetrarquismoquatrocen-tistaelaborou-seacategoriadepetrarquismoapetrarquescooudepetrarquismosemPetrarca.Eraumaformadesubli-nhar,conformeescreviaMariaCorti,que“nelQuattro-centoilPetrarcanonècheunadellecomponentidelpetrar-

chismo”21. Essa ideia, bastante útil para livrar a poesiapetrarquistadoséculoXVdahipotecaquinhentista,porsuavezetiquetadacomoexpressãodeumpetrarquismo“hor-todoxo”ou“integral”22,apesardecontinuarasobreviveremhistóriasdaliteraturaemanuais,parece-mequejáteveosseusdias.Germinadanoseiodaspesquisasdoshistoria-dores da língua, que por aquelas décadas detinhamumaespéciedemonopóliodoestudodaliteraturaemvulgardoséculoXV,exprimiaumpontodevistaparcial.Hoje,po-rém,onossoconhecimentodopetrarquismoquatrocentistanãoécomparávelcomoqueentãosedetinha.Oqueémais,elaborámosumavisãopanorâmicadopetrarquismoqueenglobapetrarquismosindividualizados,tendoapossibi-lidadedevalorizar,comotal,aquelesaspectospropriamenteliterários, esmagados pelas interpretações centradas sobrealíngua.

DiziaanteriormentequealíricacortesãdoséculoXVseparece,aolonge,comalíricacortêstrovadoresca.Pensavanadimensãosocialdeambososfenómenos,nasuafunçãomodelizantedecomportamentosecostumes,nasuacapa-cidadedecriarumvocabuláriocomumatodoumestratosocial.Nãopretendia,porém,minimizarasubstancialdife-rençaentreasduastradições.

Àprimeiravista,alíricacortesãpodiaparecercomprome-tidacomavidasocialederelação,maisaindadoquealíricacortês.Acontecimentosdoquotidiano,pequenasougrandesocasiõesdahistória,festaseencontrosmundanos,testemu-nhosegarantiasdaautenticidadedonarradopovoamascom-posiçõesdoslíricoscortesãos.Noentanto,eéestaanítida

21 PietroJacopoDeJennaro,Rime e lettere,ac.diMariaCorti,Bologna,Commissioneperitestidilingua1956;cit.p.XLVI.Quemescreveutilizouamplamenteconceitoscomoessesnaobra,La lirica aragonese. Studi sulla poesia napoletana del secondo Quattrocento,Padova,Antenore1979.

22 SãodefiniçõesdeEmilioBigi,Lorenzo lirico, inDal Petrarca a Leopardi,Milano-Napoli,Ricciardi1954,pp.23-45.

Page 17: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

32 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 33

diferençaentrecortesesecortesãos,ostextoslíricosdosé-culoXVnãosãoparteintegrantedosrituaisdecorteoudesociedade:nãosãoconcebidosnemapensarnumaperformance,nemcomaquelas intençõespragmáticas (pedidos, favores,relaçõesprivilegiadas)própriasdemuitascomposiçõestro-vadorescas.Oslíricosquepetrarquizam‘espelham’umam-bientesocial,delefazendoparte,porém,enquantocortesãosegentis-homens,nãoenquantopoetas.Entreasociedadedequefalameasuapoesia,umdiafragmapermanece.Odes-fasamentoentrerepresentadoerepresentaçãodefineasuaoperaçãocomoactoeminentementeliterário.

Aprincipalcaracterísticadopetrarquismocortesão,queéaqueodistinguedaprecedentetradiçãolíricae,pelomenosemparte,comoveremos,daquinhentista,éofactodesemanifestaratravésdelivrosderimasdeautoresindividuali-zados.Apoesialírico-amorosademarcapetrarquistaconfi-gura-se,aolongodesseperíodo,comoumsistemadehomensedelivrose,portanto,deindividualidades.Mesmoempre-sença de umvocabulário comum, de práticas largamentepartilhadasedeumuniversodiscursivotendenteàhomolo-gação,permaneceminalteradasafunção-autoreafunção--obra.Talvezsepudessesermaisclaroedizerqueafunção--autoreafunção-obraseafirmam,apartirdomomentoemque,senãoporoutrasrazões,emtermosquantitativos,corres-pondemaumanovidaderelativamenteàépocapassada,naqualanonimatoedispersãoeramcaracterísticasimportantesdogénerolírico.Tantomaisassimé,andandoobraseauto-resestreitamenteligados:muitasvezesopoetacortesãopra-ticasomenteogénerolírico,sendoquasesempreautordeumúnicolivroderimas,olivrodeumavida.

Eviteideliberadamenteutilizarapalavracancioneiro.Nemsempre,poder-se-iaatédizer,raramente,oslivrosderimasdoséculoXVsãomodeladosapartirdePetrarca.Bordejamsóassuasmargensmaisevidenteseexternas.Todavia,nãosãorecolhasorganizadasporgénerosmétricosouportemas,

segundo critérios extrínsecos. Tendem a estruturar-se aolongodeumfiológico,narrativoousentimental.Afinaldecontas,oqueinteressaéquesetratade“livrosdeautor”:umlivroderimas,quaisquerquesejamassuaspremissas,reenviaautomaticamenteparaPetrarca,porqueolivrofoiagrandeinovação(desprovidadesequazes,contudo,durantemuito tempo)que introduziunahistóriadogénero.Sobestepontodevista,oslíricoscortesãos,quesoboutrosaspec-tos se mostram muito livres em relação ao modelo, sãoconsiderados petrarquistas a pleno título. À sua maneira,naturalmente: um modo arriscado porquanto, no fundo,contraditório.Pretendemcomprimirdentrodasestruturasfechadasdeumlivro,podendoatéconferir-lheumanda-mentonarrativo,umaproduçãoaberta,vária,descontínua,socializada,eportantodemarcanãopetrarquesca.Todavia,opredomíniodainstâncialiteráriaimpedequeestalíricaseacomodeàfunçãodemeramodalidadecomunicativa,deactoefémeroeextemporâneo.TambémaconsciênciadeestarafazerliteraturaremeteparaPetrarca.

6.NasegundametadedoséculoXV,aimitaçãoporcontá-giodeuvidaaumatradiçãoamplae,sobretudo,recognos-cível.Senãotivessehavidoessepetrarquismodefacto,teriasidoimpensávelaexistênciadoprópriopetrarquismoregu-lar,teorizadoesustido,noséculoXVI,porinstrumentosdetrabalhoapropriados.

Amais relevanteherançaqueos líricos do séculoXVdeixamaonascentemercadoeditorialé,muitoprovavel-mente,olivroderimas.Nãoéfácildesbravar,commeiadúziadefrases,ograndemardaproduçãoderimasimpressas:vouavançar,comosecostumadizer,acorta-mato.

Naidadedosincunábulos,oscancioneiros,oumelhor,oslivrosdeautorsãoumaminoria23.ésignificativo,porém,

23 Fundamento-menaspesquisasdeNadiaCannata,Il canzoniere a stampa (1470-1530). Tradizione e fortuna di un genere fra storia del libro e letteratura,Roma,

Page 18: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

34 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 35

quequase todosprovenhamdecírculosdecorte:Milão,Mântua,Ferrara,Urbino,Nápoles.Nasprimeirastrêsdé-cadasdoséculoXVI,onúmerodelivrosimpressosdeumsóautorconheceumforteincremento,tantoqueultrapassa,àvontade,odascolectâneasdeváriosautores.Aconfirmaracentralidadedolivrodeautor,paraalémdosmerosdadosquantitativos,hátambémaconsiderarumanítidatendência,porpartedastipografias,paraconferiremumaformaunitá-riaaoprodutolíricodefinaisdoséculoXV,oqualdelaeraoriginariamentedesprovido.NopontoculminantedeumprocessoinauguradocomaediçãodePetrarcafeitaporAldoManuzioem1501,coloca-seapublicação,em1530,dasrimasdeBemboedeSannazaro.Poressadata,ocaminhorasgadocomafixaçãoqueManuziofizeradomodelotipo-gráficodo livroderimasparecia teratingidoa suameta:opetrarquismoencontrouumateoriaqueregulavaoplanolinguístico-expressivoeumaformaprivilegiada,olivrouni-tário,meiodetransmissãoestabilizado.Assimnasce,comonosensinouDionisotti24,opetrarquismodo séculoXVI.Econtudo,sedeumpontodevistacentradonaobservaçãodolivroimpressolançarmosumolharparaoquesucederánasdécadassucessivas,aquiloquefoiindicadocomosendouminíciopodemesmoparecerumfim.

NoséculoXVI,anoçãodecancioneiroébastantepro-blemática25,tãoproblemáticaqueoprópriomodelopetrar-quescopodesersubmetidoaleiturasdrásticas,ouatéres-

BagattoLibri2000;degrandevaloréorepertóriodelivrosdepoesiareunidopor ItaloPantani:Biblia. Biblioteca del libro italiano antico, diretta daAmedeoQuondam;La biblioteca volgare,1Libri di poesia,ac.diItaloPantani,Milano,Editricebibliografica1996.

24 CarloDionisotti,Appunti sulle rime del Sannazaro,“Giornalestoricodellaletteraturaitaliana”,140(1963),pp.161-211.

25 TambémonotouGuglielmoGorni,Le forme primarie del testo poetico, inLetteratura italiana,direttadaAlbertoAsorRosa,IIILe forme del testo, 1,Teoria e poesia,Torino,Einaudi1984,pp.439-518(paraocancioneiro,cf.pp.504-18).

truturado (como o fez Vellutello na edição de 1525, omesmoano,note-sebem,dasProse deBembo),apontodeaniquilarasuaconfiguraçãooriginária26.Noplanodaprá-ticapoética,abundamsinaisdacrisedaquelaforma:desdeograndenúmerodeinéditosoudeediçõespóstumasquepareceserumacaracterísticadoslivrosdeautormaisestru-turados,atéàgrandeliberdadetidanaconstruçãodoscan-cioneiros,namedidaemqueaspreocupaçõesdeadesãoaumarquétiposãomuitomenoresdequantoohaviamsido,ejácombastanteliberdade,noséculoanterior.Oquemaisinteressa,numaperspectivadehistóriadaliteratura,équenumséculoXVImaduro,problemáticanãosejaapenasanoçãode cancioneiro,mas tambémade livrode autor,apesarde terumaestrutura.Nadifusãode textos líricosatravésda imprensa,asantologiasdeváriosautoresassu-mem,de facto,umpapelquetendeaaumentardepesocomapassagemdotempo,equesevaifazendomaisrele-vante, semdúvida,doqueodos livrosdeautor.Nãoéexcessivoafirmarqueessa tipologia se tornaconstitutivadaprópriapráticalírica,apontodedefinirasuanaturezaeasuafunção27.Querodizerque,sealíricadecortedoséculoXVseapresentacomoumasociedadedeindivíduosedelivros,adeumséculoXVImadurosurgecomoumagaláxiademicrotextos.

Aprimeiraimpressãoéadequeestenossopercursonostenhaconduzidoatravésdeumapaisagembemconhecida:adifusãodetextossoltosoudemiscelâneasdeváriosauto-

26 QuantoaAlessandroVellutello,pode-severocapítuloquelhefoidedi-cadoporGinoBelloni,Laura tra Petrarca e Bembo. Studi sul commento umanistico- -rinascimentale al “Canzoniere”,Padova,Antenore1992.

27 PrecursordestetipodeestudosfoiAmedeoQuondam,Petrarchismo mediato. Per una critica della forma “antologia”,Roma,Bulzoni1974.SobreoséculoXVI,veja-setambémovolume,“I più vaghi e i più soavi fiori”. Studi sulle antologie di lirica del Cinquecento,ac.diMonicaBiancoedElenaStrada,Alessandria,Edizionidell’Orso2001.

Page 19: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

36 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 37

resnãoterásido,talvez,omodooriginárioe,sobretudo,duradouro e prevalecente, através do qual a poesia líricachegouaoseupúblico?Seassimfosse,operíododoslivrosderimas,ouseja,ossessentaanosaproximadamentecom-preendidosentre1470e1530,nãoseriasenãoumparênte-ses,ouatéumdesvio,numpercursosubstancialmentehomo-géneo.Masaprimeiraimpressãoéenganadora.Nãoqueoslíricos‘cortesãos’,queumconsolidadotoposhistoriográficovêsubstancialmentecomoumgrupodepoetasbizarroseextravagantes,devamserdesprovidosdaauraquasepreclas-sicistaquemeesforçoemlhesconferir(issonão),permane-cendocontudoosúnicosquetentaramimporumgéneroliteráriosemelhanteaoinventadoporPetrarcanoCancio-neiro:équeoslíricosquinhentistasnãopodemserassimi-ladosaoscolegasdosséculosprecedentes.Aimprensa,naverdade,modificouprofundamenteafunçãoe,comotal,ascaracterísticasdosseusprodutos.Alírica,queaolongodostemposveiculouinstânciaserepresentoumodosdeserdenobresfeudais,deburguesesdecomunasecidades,degentis--homensdecorte,emplenoséculoXVIparecenãopossuirumreferentesocialdefinido:nãofalaumalinguagemcomumdeclasse,exprimindoantesexperiênciasepensamentosdepessoassingularesou,nomáximo,depequenosgrupos.Emcompensação,porém,aodirigir-seaopúblicoanónimoeindiferenciadodomercado,temumauditóriocomonuncaotiveraaanteriorlírica,sejapeloquedizrespeitoàcom-posiçãosocialdosleitores,sejapeloquedizrespeitoàquan-tidadedoseunúmero.Ditoemtermosextremamentesin-téticos, talvez seja a primeira vez (à parte Petrarca, bementendido)queo“eu” líriconãosedeixa tão facilmentetraduzirporum“nós”e,sobretudo,queàquele“eu”nãocorrespondamum“tu”ouum“vós”comumafisionomiareconhecível.Apesardeseroprimeirofenómenodelitera-turademassasdanossahistória,opetrarquismoquinhentistaresisteàanálisesociológica.

Tambémemvirtudedeoutrosmotivosdefundoaimpres-sãodedéjà vuéerrada.écertoqueafragmentação,avarie-dade,amultiplicaçãodeangulaçõesepontosdevistaeafunção difusamente comunicativa assumida pelos textoslíricos,quenãoémenosimportante(ouseja,ofactodese-rem, emmuitos casos, referenciais, andando associados apráticasdesociedade,podendoterporfulcroasmaisvariadasfinalidadespragmáticas),écertoquetudoissonãoproduzumasensaçãodedesordem,emuitomenosdecaos.Pelocontrário,essecomplexodotadodeinúmerasfacetasapre-senta-secomoumconjuntocompacto,homogéneo,siste-mático.Agarantiraresistênciadeumgéneroquecontinhaemsitodasascondiçõesparasedesagregaraindamaisdesas-trosamentedequantosetinhadesagregadonoséculoXIV,estáaforçamodelizantedoclassicismonassuasváriasdecli-nações:forma mentis,teoriadaimitatio, práticapoéticafun-dadaemmecanismosderéplicaerepetição28.Apráticaeateoria classicistas erigemPetrarcanaprópria condiçãodeexistênciadeumaproduçãolíricaque,naconcepçãoenaprática,éoquemaislongedelesepossaimaginar.

Afirmei anteriormentequeé tempode remeterpara ahistóriadosnossosestudosacategoriade“petrarquismosemPetrarca”.Entendoqueháumaoutracategoriainterpreta-tivaquecontinuaagozar,porsinal,deumcertocrédito,quetambémdeveserabandonada:refiro-meàideia,quesubjazànoçãodepetrarquismointegral,segundoaqualoslíricosdoséculoXVIteriamassociadouma imitatio stilieumaimitatio vitae:Petrarcamestredeestiloedevida29.Nãomeparece,defacto,quenostextos(nostextoslíricos,quero

28 Acercadestestemas,nãopodedeixardeserfeitaremissãoparaostrabalhosdeAmedeoQuondam,comrelevoparaolivro,Il naso di Laura. Lingua e poesia lirica nella tradizione del Classicismo,Modena,Panini1991.

29 AideiafoisobretudodifundidaatravésdotãoconhecidolivrodeLuigiBaldacci,Il petrarchismo italiano nel Cinquecento,Padova,Liviana1974(2ed.;aprimeiraremontaa1957).

Page 20: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

38 Marco Santagata Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros séculos 39

dizer, e não em tratados ou comentários) se encontremexemplossignificativosdeumatalabordagem.Aideiadequeospoetaspetrarquistasoseguemcomomodelodassuasvicissitudesespirituais,naparábolaentreamorearrependi-mento,nãoencontracorrespondentenosseusversos.NãoéesseoPetrarcaqueencontramosnoscancioneirosqui-nhentistas,neméissooquecaracteriza,primordialmente,ograndefenómenopetrarquistadesseséculo.

7. Umaúltimaobservação.Umuniversolíricoimitativoerepetitivocomoeste,tantomaisqueseestendeassimpelotempo,comumatamanhariquezadetextos,anós,leitoresposromânticos, pode provocar, como ensina De Sanctis,uma sensação de artificiosidade e de inutilidadeou, piorainda,deaborrecimentoeasfixia.Masanós,historiadoresdofenómenoliterário,oferecevaliosaeabundantematériadereflexão.Sobriscodepoderparecerparadoxal,convidoaconsiderarofactodeoclassicismoquinhentista,precisa-menteemvirtudedasregrasquelhepermitiamconservarunidos,sobaégidedeumúnicocódigo,actossingularesváriosediferenciados,tersidotambém,alongoprazo,umfactordelibertação.Bemopodemosverificar,seacompa-nharmosaevoluçãodoslivrosderimasnoManeirismoe,depois,noséculoXVII.Aformadaantologiadeváriosauto-reseadarecolhaderimasdeumúnicoautor,internamentearticuladaemsubgénerostemáticos,foram,sobopontodevistahistórico, as incubadorasdeumprocessoque levoua líricaa libertar-se,primeiro,dahipotecapetrarquescaedepoisdasprópriasregrasdegéneroaqueobedecia.Atravésdesseslivros,alíricacomeçou,defacto,adiferenciar-senoseuespaçointerno,aespecializar-se,aenveredarporviascentrífugas.Àforçadetantoacumularrecolhasespecializa-daseparciais,desublinharpeculiaridadesdiscursivaseagre-gaçõestemáticas,alíricaacabaráporperderasuaunidadedesuperfíciee,porfim,aprópriaconsciênciadegéneroemsi.Degéneroliterárioquedesdeasorigenssetinhacarac-

terizadocomogéneroqueenglobavaereduziaàunidadeodiverso,noséculoXVIIe,sobretudo,noXVIII,transfor-mar-se-áemgénerodoqualseseparam,gradualmente,diver-sasmodalidadespoéticasqueacabarãodepoisporencontrarumacodificaçãoautónoma.Quandoumgrandepoetasen-tir denovo a exigência deorganizar os seus poemas emformadelivro,deixarádeterummodeloouumatradiçãoa que se deverá adequar ou de que se deverá distanciar:há-deencontrarnointeriordesseespaçoasrazõesquefazemdeumarecolhadepoesiasumlivro.Assimhão-senascerosCanti deLeopardique,paradoxalmente,atésepoderãoapresentarcomoumaderradeirahomenagemàqueleCan-cioneiroentãolongínquo,finalmenterestituídoàsuauni-cidadeirrepetível.

Page 21: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

ASTRêSVERSõESDACANçãOCAMONIANA“MANDA-MEAMOR”:UMEXERCÍCIODECRÍTICADASVARIANTES

Maurizio Perugi

Posição do problema.–AstrêsversõesdacançãoManda--me Amor,VInaediçãocríticadeLAFpublicadaem19951,estãolongedeconfiguraremumcasoúniconatradiçãodalíricacamoniana,tãoricaemproblemasdeduplas,eàsvezesatémúltiplas,redacções.Estatríada,noentanto,proporcionaumaocasiãoexemplardopontodevistadométodoque,elaboradoemItália,apartirdosanos30,sobonomedecríticadasvariantes,aindanãoteveconvenienteaplicaçãonestedomíniodafilologialusitana.

DentrodavastabibliografiaconsagradaaManda-me Amor,oestudodeJorgedeSenadestaca-secomoomaissérioeexaustivo,pormuitoqueosprincípiosrigorososdacríticatextualpermanecessemfundamentalmenteestranhosàsuaabordagem.Afastando-sedasconclusõesdeSena,LAFresol-veupublicar“astrêsversõesdotexto,dandonaturalprefe-rênciaàprimeira”,queelejulga“linguísticaepoeticamentesuperioràsdemais”(pp.278-9).Estaintuiçãoestácorrecta,comotentaremosdemonstrarcombasenumcertonúmerodeelementosobjectivos.Emconformidadecomonosso

1 LeodegárioA.deAzevedoFilho,Lírica de Camões,3,t.I:Canções,Lisboa,IN-CM, 1995, pp.269-384. Desta mesma edição decorrem todos os dadosrelativosàtradiçãomanuscritadeManda-me Amor,emquesebaseiaopresentecontributo.

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:41-87

Page 22: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

42 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 43

modelo,quejátivemosoportunidadedeilustrar2,Camõesparecetersubmetidoarevisãonumerosostextoslíricos,nointuitodeosactualizarnoquerespeitaqueràsestruturasmétricaseprosódicas,queraoléxicoeaoestilo.

Apersistência,dentrodatradiçãocamoniana,detraçosmétricos e linguísticosque remontamaum sistemamaisantigo,originouumaquantidadedefactoresdinâmicos,amaioriadosquaissemanifestanatradiçãoimpressa,porém,semdeixardeafectar,emcertamedida,asversõesmanus-critas.Notocanteaostextosemduplaoutriplaredacção,comoéocasodeManda-me Amor,serápreciso,decadavez,distinguir,semprequeforpossível,entrevariantesdeautorevariantesdetradição.

DeacordocomumadicotomiaestabelecidaporEmma-nuelPereiraFilho,estes‘aperfeiçoamentos’,sejamelesdaresponsabilidadedoautoroudoscopistas,foramintroduzi-dosnointuitodeatingirumamaiorconformidadecomres-peitoaumanormaoraformal(istoé,métricaelinguística),ora ideológica, ou seja, motivada pela censura religiosa.Oautordaúnicaediçãocríticaexistentedalíricacamonianalevantamuitasvezesestedelicadoproblema,mantendonogeralumaatitudedejudiciosacautela.Nesseâmbito,acrí-ticadasvariantesé,àsvezes,susceptíveldedarumarespostamaisprecisa,namedidaemquesepodeapoiarnaconside-raçãolinguísticadasleisquepresidemàtransmissãoerecodi-ficaçãodotexto.

IndicamosrespectivamentecomM1,M2eM3astrêsver-sõesdonossopoema3;figuramdistribuídaspelosseguintestestemunhos4:

2 Cf.BarbaraSpaggiarieMaurizioPerugi,Fundamentos da crítica textual,RiodeJaneiro,Lucerna,2004.

3 Advirta-se que, na edição de LAF, o nosso M1 corresponde à segunda versão,eonossoM2àprimeira versão.

4 Siglasdostestemunhosmanuscritos(quantoàbibliografiarelativa,reme-temosparaaediçãodeLAF):C=CancioneirodeDonaCecíliadePortugal

M1=LF2,TT,Visc3.M2=LF1,C,aqueremontamtantoRh[=Rythmas,1595],quelevaocomiatoalterado,comoRi[=Rimas,1598]eFS[=FariaeSousa,CanciónVII,pp.50-61],nosquaisocomiatofoi restaurado. Além disso, M2 encontra-se nas edições deDomingosFernandesem16165;deJoãoFrancoBarretoem16696;naprimeiraversãodeFS;naprimeiraversãodoViscondedeJuromenha.7

M3: publicada pela primeira vez por Domingos Fernandes(1616),depoisporFS,segundaversão(CanciónVII,pp.61-63),àqualremontaasegundaversãodoViscondedeJuromenha8.

Justificação da família M1.–AidentidadedafamíliaconstituídaporLF2,TT,Visc3ficademonstradaporgosto(emlugardegesto),errocomumeespecíficonov.289.

(séc.XVII);FS=FariaeSousa;MJ=ms.Juromenha(entre1590e1594),BibliotecadoCongresso(II-Port.Collection-D87270);LF=LuísFrancoCorreia;TT=TorredoTombo,ms.2209.O‘incipit’Manda-me Amor que cante docemente também figura no Índice do Cancioneiro do Padre PedroRibeiro.

5 Segunda parte (após a primeira de 1614), oficina de Paulo Craesbeeck,Lisboa;nelasereproduzoprólogode1595,comaindicaçãodeSurrupitacomoautor.

6 Primeira [1666], Segunda [1669] e Terceira Partes [1668, preparada porD.AntónioAlvaresdaCunha],nestanovaimpressãoemendadaseacrescentadaspelolicenciadoJ.F.Barreto,A.Craesbeeck,Lisboa:asduasprimeirasreprodu-zemostextosdeDomingosFernandes;paraaterceira,Cunhavaleu-sedemss.deixadosporFS,entreoutrasfontes.

7 AediçãodoViscondedeJuromenhaemseisvolumes,Obras de L. de C.,1860-1869,aumentadadenumerosascomposiçõesinéditaseapócrifas,contémtambémasredondilhasqueFSnãochegouaeditar.

8 Oqualpublica,portanto,astrêsversõesdeManda-me Amor (equivocando--seemrelaçãoàfontedaterceira,queprovém,narealidade,viasegundaversãodeFS).

9 A corrupçãode gesto para gosto é bemconhecida, p.ex.na tradiçãodeGregóriodeMatos.

Page 23: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

44 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 45

Nointeriordatríada(ondeVisc3omiteov.67)10,TTse-para-sedosdemaistestemunhosporinovaçõesquersubs-tantivas, quer formais. Além de alguns erros evidentes11,citaremosumconjuntoderecodificaçõesdevidasàpresençade factores dinâmicos; eis aqui os casos mais relevantes:

8porque vejo que se a escrever o venho,cominserçãodeque,comvistaadesfazerohiatoapósse;25Os cabelos por onde fui enredado,comvistaaremediarohiatoapósfui;51meus spiritos(esp-Visc3)serem de mi saídos]meus spiritos de mi serem saídosTT:trata-sedeumtípicoversodegaitagalega,queTTresolveupor simplesdeslocaçãodo inf. serem.Umcasoanálogonov.32uns devinos spíritos saíamLF2]espíritos divinosVisc3:vivos sospirosTT.Destavez,oacentona5asílabaoca-sionoucomutaçãosinonímicaemTT12,ficandooverso,con-sequentemente,hipométrico,porselimitarVisc3ainverteracolocaçãodoepítetocomrespeitoaosubstantivo.Alémdisso,TTapresentacertonúmerode‘lectionessingula-res’queterão,porconseguinte,desereliminadas:2o queela em minha alma tem empresso,ondeosdemaismss.apresentamacrasejá em;4fora contente;11que outro Orpheo;19Manam as fontes dágoa, o vb. manar sendo empregado absolutamente;21seu dano, ali Progne e Filomela(pormuitoaceitávelquepossaparecerohiatoapósdano,decertoantigo é liçãopreferível);22Minha vontade;47vi que dava cuidei em mi que faria,comsina-

10 Outros erros específicos deVisc3: 13 poderei; 15Senhor’ajuda; 20 anda chorando;23om.mostrar;33piedade;38a sua ágoa;47Vi que o dava;48carnes;53-54Que mudava a humana natureza/Nos montes, e a dureza(contaminação?);57dureza;61-63sendo: dando.Veja-setambéma‘singularis’63divina causa(emlugardedevina cousa).

11 5belo olhos;41abaixava-se(+1);62perdida(quedesfazarima);37da beldade(cf.85da memória);77sentimento(contraarima);87e com(+1).Acrescente-se12que se ele com canto as árvores moveo,hipermétrico,comacentona5a.

12 Spiritoétermotécnico,queremontaàlinguagemdosstilnovistas.

lefanacesura(cf.cuidei que em mi fariaLF2:cuidai o que em mim fariaVisc3);63com apetite,cf.64mas c’o mudo|atónito sentido;70cada um com seu contrário|em um geito;88que foi causa de tão longa História; 90 eu não a escrevi d’alma a tresladei (provávelacentoem5a).

Em11dinaLF2:dinoVisc3:dignoTT,oacordodeTTcomVisc3apontariaparaumainovaçãointroduzidaporLF2;omesmovale,atécommaiorrazão,para6abastaria,faceabastariaque,alhures,aparececonstante13.

Adispersãográficadostestemunhospodeserexemplifi-cadapor34=36luxLF2:lusTT:luzVisc3;40peisLF2:peesTT:pésVisc3;69paxLF2:paesTT:pazVisc314.

Justificação da família M2.–Nadifracçãodov.8,osmss.LF1eC15coincidemnatransformaçãotomara→tomaria,comvistaadesfazerohiato;ooriginaltomara | eu conserva--seemRh,enquantoosuplementosilábicosópassoudeRiparaFSeVisc1.

Inversamente,osimpressosRh,Ri,FS,Visc1reagemdemaneiraconcordanteaohiatonov.12,recorrendoàtrans-formaçãoque eu escrevo→de qu(e) escrevo.Outroscasosdeinovaçõescomunsaostestemunhosdestegrupo:25em fios d’ouro→os fios d’ouro; 42 tocavam→pisavam; 64 o fino pensamento→o fim do pensamento;67onde cuidava→quando

13 Nov.3 com o presuposto, a convergência comRhnãoé, comcerteza,significativa.Avarianteconserto,que,nov.71,TTpartilhacomC,situa-senolimiteentreformalesubstantiva(cf.45assentos TTemlugardeaccentos).

14 Neste caso e doravante, renunciamos propor a listagem completa dasvariantesformaisegráficasprópriasdecadaumtestemunho.

15 Nov.52deLF1,de si está,comcerteza,errado.Cfaltaapartirdov.73. ‘Singulares’provavelmenteerróneasdeC:omiteaconj.e nov.17,oart.o nov.24,ospronomestudonov.43,eu nov.45.Tambémerróneos51me(emvezdemo);58nenhum(hipermétrico,emvezdenum).

Page 24: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

46 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 47

a via.Em53Que me mudava,osimpressosomitemopro-nomeporhaplografia16.

AsolidariedadeentreRheRificaalémdissoconfirmadapelaausência,nov.36,dopron.eu,oqueocasionouapas-sagemdecomo em meu desejo Rhparacomo no meu desejo Ri.Juntocoms(e) encendiam,avariante no meu desejoatestaqueFS,Visc1remontamaRi,tendo,porém,recuperadoeunasequênciadumaprovávelcontaminação17.

FSeVisc1coincidemem7Este excelente modo d(e) enganar-me;19Um amor;32admirável;34ali;35não ordinárias;38d(e) inflamadas na linda vista e pura;41=43se ba(i)xava(m) (comVisc2);51para ver;55por troco;58por o qu(e) em um juízo18.

A lição esquivo e suas variantes.–1.Comcerteza,oproblemaecdóticomaissériodointeiropoemasitua-senosvv.24-28:

1) M1=TT,LF2,Visc3

soltava por linda arteos cabelos em que fui enredado19

16 Aoregimedasvariantesadiáforaspertencem29o riso : com risoRh,co risoRi,co’o risoFS,Visc1;36se a(s)cendiam : s(e) encendiam;57d(e) um monte : do monte;65cousa : causa;69em mansa : e em mansa.Abifurcaçãoprincipalconfirma-se,noplanográfico,em22tauro:touro;65dizia:dezia(porém,diziaVisc1);67asi(m) :assi;69pax/pas :paz.Nov.15,os impressosexplicitamporem meu defeito agrafiae meu defeito dosmss.Finalmente,dopontodevistagráficoeformal,atríadaRh,Ri,FSdefine-secombaseem3prosuposto.

17 édifíciljulgarse42Tendo inveja éinovaçãodeRh;casocontrário,RiteriarecuperadoOu d’inveja porcontaminação.

18 Visc1concordacomLF1,Cnavariante‘facilior’cantá-lo(v.6).19 Este motivo remonta a Rvf 181,1-2 “Amor fra l’erbe una leggiadra

rete/d’oroetdiperletesesott’un ramo”(cf.vv.9-10“E’lchiarolumechesparirfa’lsole/folgoravad’intorno”).Ametáfora,quedesapareceemM2nasequênciadamudançaderima,tambémseencontraemGarcilaso de la Vega, Obra poética y textos en prosa, Ed.deBenvenidoMorros,EstudiopreliminardeRafaelLapesa,Barcelona,Crítica,1995,canciónIV,p.81,vv.101-3“Delos

ao doce vento esquivoos olhos rotilando em lume vivo20

o rostro airoso e gosto delicado(cf.e o gosto Visc3)

2a) (M2)LF1,Cquando o Amor soltavaem fios d’ouro as tranças encrespadasao doce vento estivoc(om)’uns olhos rutilando em lume vivoe as rosas entre a neve semeadas (cf.Os olhosVisc1;As rosasDF2)

2b) (M2)RhQuando o amor soltavaOs fios d’ouro, as tranças encrespadas,Ao doce vento esquivas,Dos olhos rutilando o lume vivasE as rosas antre a neve semeadas

cabellosdeoro fue tejida/la redque fabricómi sentimiento,/domi razón,revueltayenredada(...)”,combaseemRvf59,4-5“Tralechiomedel’òrnascoseil laccio,/alqualmistrinse,Amore”:cf.Lus.III,56“SintraondeasNaiades escondidas/Nas fontes, vão fugindo ao doce laço/Onde Amor asenredabrandamente”.

20 vivolumeésintagmapetrarquiano,cf.Rvf154,3;162,11;270,16;321,7.Tantonapoesia stilnovistacomonadePetrarca,o retrato físicodoobjectoamadotendealimitar-seaosolhoseaoscabelos,ostraçosquesempreseapre-sentamcomouma irradiação luminosa;osolhos, aliás,“sãoassociados à luzeaofogonumdosdiálogosdePlatãomais lidoduranteoperíodo,Timeo”:cf.VandaAnastácio,Visões de glória (Uma introdução à poesia de Pêro de Andrade Caminha), Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de InvestigaçãoCientíficaeTecnológica,1998,I,p.474n.126.Umpenetranteestudosobreoidealdebelezapetrarquistaencontra-seemRitaMarnoto,O petrarquismo por-tuguês do Renascimento e do Maneirismo,Coimbra,porordemdaUniversidade,1997,pp.109ss.

Page 25: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

48 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 49

ã

ã

Ri,FS,Visc1

Quand’o amor soltavaOs fios d’ouro, as tranças encrespadas,Ao doce vent(o) esquivas,Os olhos rutilando chamas vivasE as rosas entr(e)’a neve semeadas(cf.Os olhosVisc1;as nevesVisc1)

3a) M3=MJ+DF2,Visc2

quando amor me mostravaem fios d’ouro as tranças desatadasao doce vento estivo (esquivo MJ) os olhos rutilando em lume vivoas rosas entre a neve semeadas(cf.o AmorVisc2;De fiosVisc2;uas trançasDF2;emom.Visc2)

AversãodeM1,quejulgamosseramaisantiga,propõeodísticoao doce vento esquivo/os olhos rutilando em lume vivo.Aestritarelação,dentrodocódigopetrarquiano,entreca-belos/tranças21edoce ventopodeserexemplificadacombaseemmuitospassos,p.ex.159,6“Qualnimphainfonti,inselvemaiqualdea,/chiomed’orosìfinoal’aurasciolse?”ou246,1-2“L’aurache’lverdelauroetl’aureocrine/soa-vementesospirandomove”.Entretanto,comoovb.soltavatambémsugere,omodelomaispróximocorrespondeaocelebérrimo‘incipit’deRvf90,1-3:

Eranoicapeid’oroal’aurasparsiche’nmilledolcinodigliavolgea,22

e’lvagolumeoltramisuraardea

21 Ouseja,“biondetreccie”,“trecciebionde”,“treccied’òr”,“trecciesparte”.22 Sabe-sequeosarquétiposdestaimagemremontamàpoesialatina,cf.Virg.

Aen.I,319“dederatquecomamdiffundereventis”(opasso,queserefereaVénus,écitadoporPetrarcaduasvezesnasepístolaslatinas,cf.Fam.I,11,4eSen.IV5),bemcomoOv.Met.I,529“etlevisimpulsosretrodabatauracapillos”(Dafne).

ondedoce vento estivo (=aura),sparsi(=soltava)edolci nodi(=fios d’ouro)23vêmassociadosaovago lume(=lume vivo),oqualoltra misura ardea(=rutilando)24.

Aversãomaisantigarevela-se,aliás,comoamaiscon-formeao‘usus’camoniano.Ossintagmaslume vivo evento esquivoencontram-seemriman’OsLus.V,18:“Vi,clara-mentevisto,olumevivo/Queamarítimagentetemporsanto,/Emtempodetormentaeventoesquivo,/Detem-pestadeescuraetristepranto”.Claroqueesquivotemaquiaacepçãomedieval,comumaoespanhol,de‘siniestro,hor-rible,malo,dañoso’25;enãoaquelade‘variável,incerto’,que lheatribuioDicionáriodeManueldosSantosAlves.

Nopassodanossacançãoéoolhardamulherque,comoseubrilhoexcessivo,iluminaorostodumaluzvivíssima,atravessada,decertaforma,porrelâmpagosfulgurantes,ou“relampadosqueoaremfogoacendem”(Lus.V,16):comefeito,lume vivonãosótraduzovivo lumedePetrarca,comotambémremeteparaofogo-de-santelmo,oucorposanto,isto é, o fenómeno descrito em Lus. V,18 e, antes, por

23 AlémdeLus.IX,71“Deuaoscabelosdeorooventoleva,/Correndo”,cf.outracançãocamoniana,VII19-21“eosdouradoscabelos/emtrançasd’ourofinas/aquemosolseusraiosabaixou”(variantedeMJ:“osondadoscabelos/louroslongosfermosos/agoraaoventosoltosoraatados”).NãoédeautoriacamonianacertaaodaNaquele tempo brando (n.ºXInaed.CostaPimpão),onde“soltandoastrançasd’ouro”serefereFebo;estetexto,aliás,apresentaoutrossintagmascomunsaonosso(“Opeitodiamantino”,“osfiosespalhados/d’Amor”,“ondeAmorenredados/oscoraçõeshumanostrazeatiça”,emesmo“comadorqueoseupeiton’almasente”,presenteno‘incipit’deM3).

24 Entretanto,rutilaréaquitr.,tendoporobjectoo rostro airoso e g[e]sto delicado.25 AlémdeDCECHs.v.,veja-seDECLCs.v.:“d’origengermànic,provi-

nentd’unaformaemparentadaambl’ags.scêoh(angl.shy),il’a.-al.mj.schiech(al.scheu)‘tímid’,‘espantadís,ques’esporugueix’,‘desbocat’”;“Encastellà(...)hadesermoltantigal’acc.‘sinistre,horrible,dolent,nociu’quetrobementantsautorsmedievalscomBerceo,l’Arx.deHitaolaDança de la muerte”.Acrescente--seDCVBs.v.queregista,entreoutrosexs.,estedeSerra,Gèn.56:“Ventmoltfortemoltesquiu”.

Page 26: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

50 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 51

ã

D.JoãodeCastro,comreferênciaànoitede12para13deJulhode154526:

EstaaparenciaaquechamãoCorpoSantoerahuaclaridadetamanhacomoaquecostumafazerumacandeaouvella,masasualuznãoeravermelhacomofogo,masprateadaaseme-lhançadaquesevênalua;equandodavaalgumrelampagonãoapareciaestesinal.

Evidentemente,aalusãoaeste“misterioesegredodana-tureza”pareceuaCamõesadequadaparaevocarabelezamisteriosaeperturbadoradoolharfeminino,tantomaisqueaoaparecimentodofogo-de-santelmo,tambémconhecidopeladesignaçãoclássicadeCastorePollux,irmãosdeHe-lena27,eraatribuídonoséc.XVIumfortesignificadosim-bólicodeportadordebonançanomeiodatempestade28.Maisemgeral,recorde-seatendênciacamonianaparatecermetáforasacercadosolhosdamulheramada:“todasessasfigurastêmmarcadamenteacaracterísticadehipérbole,porenfatizaremobrilhodosolhos,relacionando-oscombrilhosmaisintensos”29.

Oadj.aindaapareceemLus.IX,48Porque mais que ne-nhuma lhe era esquiva(alude-seàninfaThétis),destaveznosentidomaiscomum(‘rebelde,arisco,fugidio’),omesmo,aliás,previstopelasocorrênciasnalíricacamoniana30.Opatri-

26 Cf.VascoGraçaMoura,“Vi claramente visto”, ou Camões e D. João de Castro,“Prelo”,n°1,Outubro/Dezembro1983,pp.35-50,naspp.37-38.

27 Cf.asrelativasdescriçõesdePlínio,Horácio,Ovídio.28 GraçaMoura,art.cit.,p.44.29 MauríliaGalatiGottlob,Os olhos nos sonetos de Camões,“Alfa”[Faculdade

deFilosofia,CiênciaseLetrasdeMarília,EstadodeSãoPaulo–DepartamentodeLetras],15(1969),pp.219-240,nap.222.

30 Cf.ManueldosSantosAlves,Dicionário de Camões,Lisboa,EditorialImpé-rio,1994,pp.111e255.

mónio semântico moderno, substancialmente unitário31,remontaaesteempregoconsagradonalinguagemdapoesialírica,ondeabundamsintagmascomomulher esquiva, istoé, ‘arisca,arredia,áspera;querejeitaafectosecarinhos’32;ouamor esquivonumpassodeDiogoBernardes(O Lima,Écl. II, p.20, v.12) que, aliás, apresenta, com respeito aonosso,umanotávelsemelhança:

Porquequandodeixeideverosverdesolhos,porquemmouro,rosasemvivaneve,trançasd’ouro,logometransformouamoresquivoempedranão,nemlouro,emfonted’agoapura,emfogovivo.

Camõeschamacondição cruel e esquiva àqueladoamornãocorrespondido(son.IX)33;cf.Écl.VII,p.170:“Ah!Ninfasfugitivas,/que,sópornãousarhumanidade,/paraquesoisesquivas?”34.

31 OdicionárioHouaiss,quedataaprimeiraabonaçãodeesquivodoséc.XIII(combasenosdadosrecolhidosporA.G.Cunha),prevêosseguintesmatizesdesignificação:1)‘queevitaocontactoeaconvivênciadeoutrem;arredio,exquisitão’;2)‘queseintimidanafrentedeestranhos;arisco,chucro’;3)‘quedemonstradesdémoufaltadeinteresseporoutrem;insociável’;4)‘cujocon-vívioéárido,difícil,áspero,ruide;intratável’.

32 Cf.MoraisSilva,comosexs.modernos“Omeioerafazer-seardentementedesejada,tornar-sedifícileesquiva”(JosédeAlencar,A Pata da Gazela);“posessàbiamentedescuidadas, a fazerempensar emesquivasdivindadesmarinhas” (BritoCamacho,Por Cerros e Vales).

33 Cf.cruéis males esquivos,v.23daodepseudo-camonianaSe de meu pen-samento, além de Garcilaso, canción I,14 “Vuestra soberbia y condiciónesquiva”.

34 ODicionário deManueldosSantosAlvestambémregistaMas esta bela fera, tão esquiva,/que o prazer me roubou,vv.15-16dopoemapseudo-camonianoem‘coblasunissonans’Tão crua ninfa, nem tam fugitiva.

Page 27: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

52 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 53

Sagazmenteilustradapelolemaesquivo‘fastidiosus’dodicio-nário de Bluteau (“moça esquiva ‘Puella amantis blanditiadedignans,officiarespuens’.Tambémsepodedizer, ‘Puellaamatorisuofera’”)35,estasignificaçãoremonta,claroestá,aPetrarca. Laura parece só gostar do seu próprio belo rosto,tendo desdém por tudo omais (et di tutt’altro è schiva,Rvf125,48).Alhures,opoetaexplicaamortedeLaurapelodesdémquesempremostrara(ella è sì schiva,Rvf184,7)emrelaçãoàscoisasmortais36.Finalmente,conformeoautorimaginanoutropoema,orochedoquedominaorioSorga,aoqualatribuiumsentimentonãomenosdelicadodoquealtivo(natura schiva,Rvf117,3),teriadevoltarascostasaAvinhão,sededopapadocorrupto.

Ora bem, nem o sentido de ‘sinistro’, nem aquele de‘arisco’parecemcondizercomosintagmadoce vento,como,aliás,demonstramasreacçõesdasdiferentesfamíliasdetes-temunhos.Acorrecçãomais‘económica’,dopontodevistatransformacional,éamudançadeesquivoparaestivo,cultismobastanteraroemportuguês37,realizadanãosóporLF1eC,mss.dafamíliaM2,mastambémpelafamíliaM3,comaim-portanteexcepçãodoms.Juromenha,queconservaesquivo.Note-sequeestamudançaandaassociadaaoutra,ouseja,

35 Alémdisso,Bluteaucitaesquiva dôr‘Aquenãoadmittealivio,nemcon-solaçãoalguma.Inconsolabile vulnus’,ex.tiradodaUlyssea, ou Lisboa edificadaIV,6(poema heróico de Gabriel Pereira de Castro, dedicado ao Príncipe DomTheodosio,1571-1632).Cf.‘desagradável,aborrecido’emMoraisSilva,comumex.deHerculano:À sua esquiva sorte não poderão fugir(Poesias,II,250).

36 Avarianteschifoencontra,comoadj.,umaúnicaabonaçãoemRvf225,10-11Laurëa mia con suoi santi atti schifi/sedersi in parte (a esquivezdeLauraaparecenasuaatitudedesentar-seàparte),sóaparecendo,alémdisso,nalocuçãoaver a schifo,‘mostrardesdémporalgo’.

37 Cf.Rvf212,2=279,2“l’auraestiva”.UmsóexemploemBluteau,deGalhegos,Templo da Memória,III,117:“Enãoquizera,/Queosolasluzesescon-desseestivas”(“Emoutrolugardiz,Rayo estivo,porRayodoEstio”).ODicio-nárioHouaissdata-ojustamenteapartirdalíricacamoniana.

à introduçãodapartícula com, que tanto se refere aolhoscomoarosas,fazendocomquerutilando setorne,detransi-tivo,intransitivo38.

Acorrecçãomaiscomplexaencontra-senafamíliaM2,combasenadivaricação sintáctica dos olhos...o lume vivas(donde,sucessivamente,chamas vivas)39,numquadrotrans-formacionalgovernadopelamudançaderimasenredado: deli-cado→encrespadas40:semeadas.Nasequênciadatransformação,osemantismoexpressoporenredadopassaparaoutrametá-fora:osfios d’ouro41.

NaliçãodeRh:ao doce vento esquivas,/dos olhos rutilando o lume vivas,oduploepítetonarimarefere-seàstranças encres-padas do v.25, enquanto rutilando passa a desempenhar afunçãodegerúndioabsoluto:emsuma,astrançasaparecemvivasgraçasaobrilhointensíssimodoolhar.Relativamenteaos testemunhos damesma família, esta liçãonão apenaspareceseramaisdifícil,mastambémamaisadequadaparaexplicar as soluções adoptadas pelos demais testemunhosimpressos.Comefeito,atransformaçãoatestadaporRh,pormuitohábilquesejulgueser,nãoconseguiuresolvertodasasdificuldades,dandolugaraumaconstruçãoalgoilógica,ondenãosóas tranças,mastambémasrosas42 seriamobjectodesoltava.Porisso,apartirdeRi,orestodatradiçãoim-pressaprocurousimplificarasintaxe,comvistaatorná-la

38 Emperfeitaconformidade,aliás,comosdoisexemplosatestadosn’Os Lus. (I,58eVI,61).

39 Cf.Rvf258,1-2“Vivefavilleusciande’duobeilumi/ver’me”;habitual-mente,PetrarcachamaoolhardeLauravivo soleou,comodissemos,vivo lume.

40 Cf.Rvf160,14“l’orotersoetcrespo”;197,9-11“e’lcrespolaccio,/chesìsoavementelegaetstringe/l’alma”;292,5“lecrespechiomed’òrpurolucente”;270,56-57“ituoilaccinascondi/fraicapeicrespietbiondi”.

41 Cf.Rvf198,2“l’auroch’Amordisuamanfilaettesse”.42 Cf.146,6-7“ofiamma,orosesparseindolcefalda/divivaneve”;e,ainda

maissignificativo,131,9“etlerosevermiglieinfralaneve”(sonetoIo canterei d’amor sì novamente).

Page 28: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

54 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 55

maisinteligível(os olhos rutilando chamas vivasRi,FS,Visc1,ondeovb.tomaaterceirasignificaçãoquelhepertence,ade‘lançardesi;emitir,despedir’)43.

Seanossaanáliseécorrecta,ogrupoformadoporLF1,C+DF2,Visc1representa,nointeriordafamíliaM2,umafasemaisarcaica,conformeatestaaconservaçãodarimaem–ivo.Outraconclusãoderelevoéocarácter‘difficilior’doadj.es-quivo,quefuncionacomofactordinâmiconainteiratradição.

Qualseria,exactamente,osentidoatribuídopeloautoraosintagmavento esquivo?Efectivamente,nopassodeM1asignificaçãomaisnatural44seriaprecisamenteaquela,regis-tadaporMoraisSilva,de‘fugidio,rápido,passageiro’,muitoemboraesteempregosóencontreabonaçãonapoesiamo-derna45.Comrespeitoaosintagmaestereótipovento esquivo(Lus.V,18)46,Camões teriacriadoumavariantepositiva,maisadequadaaozéfiro,ouvento estivo emváriosmss.,que

43 Deresto,jáRhdesfizeraarelaçãosintácticaem fios d’ouro...encrespadas,obj.desoltava,optandopelahendíadisos fios d’ouro, as tranças encrespadas.Queestarelaçãofuncionecomoumfactordinâmico,ficaconfirmadopelafamíliaM3,queoptouporconservarosintagmaem fios d’ouro àcustadasubstituiçãodeencrespadascomdesatadas.Amudançaaditíciadesoltavaparamostrava,emrelaçãoevidentecomonovoparticípionarima,temavantagemderesolver,damesmafeita,oproblemarelativoàconstruçãode rutilando:comefeito,agoratemosumasimplesenumeração,as tranças...os olhos...as rosas, todosdependentesdemostrava.

44 Nãosendorazoávelpensarnumzéfiro‘arisco’peranteamulheramada.45 MoraisSilva tiraos seusdoisexemplosdasPoesiasdeGonçalvesDias,

I,199:“umolharhonesto,esquivo”,edaAldeiadeAquilinoRibeiro,cap.12,256:“gotas iriadas e esquivas”.Acrescente-seCastilho,Amor e Melancolia, p.140:“Tornariaaacharainfância,/quadraalegre,masesquiva”;e,p.ex.,CarlosdeOliveira,Vento:“ágileesquivo/comoovento”.

46 Que, graças àoitava camoniana, conseguiu sobreviver atéhoje: “OurcommitmenttotheUnitedNationsandtomultilateralismwillnotwaver‘intimesofstormandblusterywinds’(‘emtempodetormentaeventoesquivo’),toquoteCamões,thegreatpoetofthePortugueselanguage”,comoselênumaalocução à assembleia dasNaçõesUnidas, feita peloDr.CelsoLafer, entãoministrobrasileirodosnegóciosestrangeiros(N.Y.,12deSetembrode2002).

pornaturezaédoce(=lat.levis aura)47.éprovávelquevento esquivoseja,nestecaso,umdecalquedoit.vago vento,expres-sãohojefamiliarnapoesiadelínguaportuguesa48,masentãotípicadalinguagempoéticaemusical49.

Ocarácter‘difficilior’doadj.esquivoocasiona,comovimos,duasrecodificaçõesimportantes,dasquaisamaissimpleséamudançaparaestivo,correcçãoatribuível,porventura,aopró-prioautor50:este,naversãodefinitiva,acabariaporresolveroproblemalexicalrecorrendoaumamudançadegénero,istoé,referindoesquivasàstranças encrespadas,sintagmaque,aliás,encontraabonaçãon’Os Lus. V,11,istoé,seteoitavasantesdamençãoaovento esquivo.Aatribuiçãodumcarácteresquivoaocabeloloiro,eportanto,porsinédoque,àprópriamulher,

47 Recorde-seque,emPetrarca,aauraédevezemvezsoave, dolce, dolce et pura, amorosa, gentil(e), serena, celeste, anticha, sacra.Enote-seque,emrelaçãoaesquivo, uma polarização semântica análoga caracteriza, emPetrarca, as duasocorrênciasdoadj.estivo:cf.BarbaraSpaggiari,Le origini di ‘estivo’ e un luogo del Petrarca,“Linguanostra”,52(1991),pp.44-52.

48 ébematestada,p.ex.,emFernandoPessoa.Cf.tambémvento fugitivo,numpoemadeVicentedeCarvalho(Santos1866–SãoPaulo1924),bemcomooleve sopro de aura,querecordao‘incipit’deummadrigaldorenascentistaGiovanBattistaStrozzi:“Orlieveapefoss’io,/Senontrepid’aurettafuggitiva”.

49 Cf.Michelangelo,Il Velo (Rappresentazione),v.3193“ecolvagoscherzard’un lievevento”;PietroAretino,Orlandino, 36“mille ferite alvagoventodando”;alémdeumacelebérrimapassagemdaÉcl.VIIIdeSannazaro:“e’lvagovento spera in rete accogliere” (as citações resultamdumapesquisa feitano‘site’<www.nuovorinascimento.org>).Acrescente-seummadrigaldeGiraldiCintio:“Qualunqueuomsperaforseessercontento/inquestavitabreve,/fermalaspemesuasulvagovento”.Umavariantedevagoépellegrino,cf.BernardoTasso,II,7,105-110“Talorviveggioiltersoecrespocrine/Spiegaralvento(...)/E l’aure lievi fresche e pellegrine,/Vaghe d’accor la bionda treccia ingrembo,/Venirconunspirarsoaveegrato”;ibid.I,140“Uditemi,auredolciepellegrine”.

50 Como já opinou Jorge de Sena (op. cit., p.400: “Parece, pois, queopoeta,nosseustextosautógrafosouapógrafos,teráosciladoentreumeoutrodosadjectivos”),sem,aliás,discutirosentidodovocábulo,tantoelecomoosdemaiscomentadores.

Page 29: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

56 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 57

condizperfeitamente,comosesabe,comacaracterizaçãoeste-rereótipadamulherpetrarquiana51,aqual,nestecaso,ésus-ceptíveldeseintimidaratéfaceaumaleverajadadozéfiro.

Outrahipóteseanãodescartar,seriavermosnamudançadarimapara-iva umainovaçãoestranhaàresponsabilidadeautoral.Preocupadocomanecessidadedeeliminaradificul-dade semântica ocasionada por esquivo, o editor teria, aomesmo tempo, aproveitado aocasiãopara introduzir umametáforaextremamenterequintadanoplanosintáctico.Comefeito,seasubstituiçãocomestivointroduzumlemararo,desaborclássico,apassagemde-ivopara-ivassabeaexercícioescolástico,resultando,aomesmotempo,algoalambicada52.

Justificação da família M3.–Conformeosresultadosdanossaanálisedosvv.24-28,afamíliaM3descendedeummodelopróximodosmss.deM253.Emparticular,aoposi-ção,nov.26,entreesquivodomanuscritoJuromenhaeestivocett.,apontaparaaexistênciadumaglosamarginalouinter-linear,queremontariaaosníveismaisaltosdoestema:comefeito,aintroduçãodeesquivoporiniciativadoresponsáveldeMJparecebastanteimprovável;quantoaestivo,osdemais

51 Cf.emparticularRvf227,1-3“Aurachequellechiomebiondeetcrespe/cercondietmovi,etse’mossadaloro,/soavemente,etspargiqueldolceoro”.

52 Claroque, seonossomodelonão fossegenético,mas simpuramenteecdótico,oacordodeM1comoscomponentesmanuscritosdeM2seriaargu-mentodecisivoafavordaautenticidadedarima–ivo,oqueautomaticamentelevaria a considerar –ivas como uma inovação inautêntica. Outro exemploflagrantedeacordoentreosmss.dasduasfamílias,emoposiçãoaosimpressos(incluindoVisc.3),encontra-senov.54 rudeza : dureza.De formaanáloga,aconcordâncianov.6deM1+Rh,Ri,FSdemonstraria,emregra,aautenticidadedecontá-lo faceàvariantecantá-lodeLF1,C,Visc1.

53 ComojáficaevidenteapartirdasrimastiradasdeM2:alémdaduplarimaem-ura,aecoaroquiasmorimáticoverdura:pura:/pura:verduraemM2,vejam-se-inha(IV),-ado(IV),esobretudo-ela(VI),sendohonesta e bela:...:nelaumaclarareminiscênciadebela:...:delaebela:...:vê-la,parelhasqueseencontramnasduasprimeirasestânciasdeM2.

mss.puderam,empurateoria,operarasubstituição,queratítulopróprio,querporcontaminação.Tomandoemlinhadeconta,contudo,aelevadacompactidadedatradição,estahipóteseapresenta-se-noscomomenoseconómica.

NointeriordeM3,oconjuntodosimpressos(=cett.)54distingue-sedeMJporumnúmerobastanteelevadodeino-vações,confirmandoabifurcaçãoestemáticaquejáfoire-conhecidaporJorgedeSena55.Estaspodem-seagruparemduascategorias,conformedependamderazõeslinguísticas,ouresultemdacensuramoraloureligiosa.

Aprimeiralistagemabrangeospassosseguintes:

1-2 docemente56/um caso nunque em verso celebradoMJ57 →o que a alma sente,/caso que nunca em verso foicantadocett.58

54 Deixaremosde ladooserrosespecíficosdecadaumdos testemunhos,limitando-nosaassinalarasubstituição,notextodeDF2,v.95,decontinoadivino(s);e,notextodeVisc2,v.58,deconheceramaconhecerem,talvez‘difficilior’.

55 Cf.ocotejodeSena,op.cit.,pp.398-403,entreotextode1616easvariantesdeMJpublicadasporCarolinaMichaëlis,“zeitschriftfürromanischePhilologie”,VIII(1884),p.21;nestalistahá,porém,cincovariantesqueterãodesersuprimidas,poisreferem-seaotextodaediçãoJuromenhaqueStorckusara(“umtãomauexemplo,tãodevotamenteseguidopelosseusdiscípulos”).Nofimdoseucotejo,Senaconclui (p.403)que“emrelaçãoaumpossívelautógrafotranscritocomerrosevariantesnoCancioneiroJuromenha,otextoimpressoem1616nãoémelhor,emboratenhasido‘melhorado’emalgunspassos;eque,porvezes,sesenteainfluência,nasvariantesqueconstituíramotextoimpresso,dostextosquejáanteriormenteohaviamsido”.

56 SegundoJorgedeSena,docementeécontaminaçãocomo que alma sente,liçãodivergentedeDF2.Diferentes,emaiscorrectas,asconclusõesdeLAF:“ComoDF2descendedomesmotextoqueseencontranoMs.Jur.,ficapatenteaalteraçãodo‘incipit’dacanção,certamenteparadistinguirotextoinéditodaversãojáimpressaemRheemRi”.

57 Versodemarcacamoniana,cf.Lus.I,4“Sesempreemversohumilde,celebrado”;quantoaov.6,cf.Lus.IV,53“quemaisaliberdadeverperdida”.

58 Tambéminovaçãodeestilocamoniano,cf.Lus.VI,6“MasomaodeTioneo,quenaalmasente”(e,peloversoseguinte,Lus.I,32;X,155):cf.Pero

Page 30: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

58 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 59

22tornavaoanodesuaprimaidade/arevestir-seMJ:tornavadoanojá(a)primeiraidade:/arevestidaterrasealegravacett.34emseucantoMJ:entretantocett.59

49viquemedesatouahumanaleiMJ]daminhaleicett.51etransformadanoutraavidaminhaMJ:enoutras(→emoutra)transformandoavidaminhacett.56asárvoresemontesMJ:asárvores,aosmontescett.59fiqueieusótorvado/ecomoumrudetronco,deadmiradoMJ:fiqueieusótornado/quasinumrudotronco,deadmiradocett.64mebradavaMJ:mebradaraDF2:m’afirmavaVisc2

67perdidoavia[=aavia]MJ:perdidaaviacett.71-72poraltocertamenteegrandeoprovo/ascausasMJ:poraltacertamente,egrandeaprovo/acausacett.60

74 fazem um coração/e um desejo sem freio e sem rezãoMJ:quefaznumcoração/queumdesejosemser,sejarazãocett.76DipoisdejáenguanadomeudesejoMJ:Depoisdejáentre-gueameudesejocett.78silváticoinumanoMJ:silvestre,|einumanocett.(silváticoseria,aliás,estranhoao‘usus’camoniano)88-90eporquebemnãocabedentronela/(...)/pelabocamesaiu[corr.sai]emrudecantoMJ:eporquenãocabiadentronela/(...)/saipolabocaconvertidoemcantocett.92quandoMJ:quantocett.

deAndradeCaminha,ed.cit.,son.I,40(‘incipit’:Eu cantarei d’Amor tão nova-mente),v.8“doqu’est’Almasente”;vilanceteI,32“Emtudooqueest’Almasente/A dor me manda que fale”, podendo-se remontar até ao son.115 deBoscán,cujo‘incipit’“Antesternéquecanteblandamente”rimacom“sólo’scriviraquelquedolorsiente”.

59 “Seráumerrotipográficooudeleituradooriginalmanuscrito”(Sena,op.cit.,p.401).

60 ParecedesnecessáriaahipótesedeLAFqueDF2teriacontaminadootextocomaleituraencontradaemRi.

93peloqueemtiseescondeMJ:poloqueemsilheesconde/poroqueselheescondecett.94queosMJ:oscett.96senãosóopensamentoMJ:senãoumpensamentocett.

Asegundalistagemnãoémenosabundante61:

21aescuramocidadeMJ:ainsanamocidadecett.30quejuntamentemoveamoremedoMJ:quejuntosmoveemmimdesejo,emedocett.38castaepuraMJ:claraepuracett.45debenignosspritosenchiaMJ:d’espíritoscontinosinfluíacett.53dosentidoMJ:dossentidoscett.89dovivoraiotantoMJ62:debenstamanhostanto(s)cett.

MJtambémapresentaumasériedeerrosouinovações,acomeçar pelo erro na rima dos vv. 42-43 com inveja das (h)ervas que pisava/porque todos[anteeles,riscado:cf.ant’eles Visc2]à terra se abaixavamMJ63,aoqualcabeacrescentaras‘lectionessingulares’dosvv.46,48,97,bemcomooerrodov.5064.

61 ComoJorgedeSenaotinhaapontado(op.cit.,p.403),“umaououtradasvariantesparecedenunciarodedodeumcensorempenhadoemeliminartranscendênciasousubtilezasimprópriasdafrivolidadeemque–malmenor–deviacontinuar-seapoesia...”.

62 Cf.Rvf176,4“’l solch’àd’amorvivoiraggi”; 227,12“colbelvivoraggio”.

63 EstácompletamenteequivocadoLAF,p.320:“DF,forçadopelaconta-minaçãodoversoanterior,restabeleceuoerrodomanuscrito”.Comefeito,otextodeLAFreproduzerroneamenteatrocaderimasporMJfeita.Maisemgeral,LAFtendearespeitar,aqualquerpreço,oms.emcadacasoescolhidocomo base da sua edição, reproduzindo mesmo, por vezes, as incorrecçõesmétricasesintácticas.

64 Pelo contrário, na difracção do v.4 em parte satisfas-me meu cuidadoMJ :paga-me assi | em parte o meu cuidadoDF2 :assi me paga em parte o meu

Page 31: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

60 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 61

Entreasvariantesgráficas,JorgedeSenachamouaaten-çãoparaov.36se acendiam LF1,se ascendiamC,se asendiamMJ,se ascendiamDF2,s’encendiamVisc1+265.

A relação entre as três versões: breve história da crítica.–“EstacançãoduasvezesfezoAutorcomosmes-mosconceitos,mastermostãodiferentesquetotalmenteéoutra(...);estaétãoboaquenãosedeixaverqualéaqueeleaceitou,eassimambassãomerecedorasdeseimprimir”(DomingosFernandes).

FariaeSousa,queteveocuidadodetransmitirM3emanexoaotextodeM2,tambéméoprimeirocamonistaquesoubelevantaroproblemagenético,julgandoM3aversão,aseuver,maisantiga:“FinalmenteesadmirableestePoema;ybienparecequeleobróelP.contantocuydado,comefueeldeescrivirledosvezes,porquenolesatisfizolapri-mera,siendoellabastanteadarfamaaunhombre”.Comefeito,“diziendoumamismacosaestasdosCanciones,ysiendoestamuybuena66,eslaotramuysoberana”.

OViscondedeJuromenha,queteve,em1861,oméritoderevelarotextodeM1(“TrêsvezestentouCamõesestacanção”),consideroutantoM2comoM3variantesdeM167,contandocomaaprovaçãodeHernaniCidade.Aindamaisflutuanteéa terminologiaempregadaporCostaPimpão,que,daterceiraversão,apenasdizser“umtextodiferente”daquelequeseencontraemRh.RodriguesLapa,aoselec-cionaraterceiraversão,limita-seaecoar,muitodiscreta-

cuidadoVisc2,épossívelqueDF2tenhaguardado,comadialefa,aboalição.65 Sena,op.cit.,p.401,observandoqueencender(pelomenos20vezes)e

acender(trêsvezes)coexistememCamões.66 “EnotromanuscritohalloestamismaCanciónconvariedaddeleciones;

mascomonoeslaelegidadelP.,noayparaquecansarenello”.67 “Oqueé,porcerto,levarmuitolongeaelasticidadedanoçãodevariante”

(Jorge de Sena, Uma Canção de Camões, Lisboa, Edições 70, 1966, 19842,p.367).

mente,aspalavrasde Juromenha (Camões“retocoupelomenostrêsvezesacanção”).

OcotejoentreasvariantesdeM1eM2levadoacaboporJorgedeSena68estáirremediavelmenteviciado(como,aliás,écostumenesteautor)pelaradicalinadequaçãodosinstru-mentosdeanálise69.Alémdisso,adificuldadedaquestãogenética70fazcomqueaformaexpressivaseja,maisquedecostume,sumamenteobscura,sendoárduodestrinçarentreoquerelevadainsuficiênciametodológicadaabordagemeoque,pelocontrario,sedeveaumacompreensívelcautelanomomentodasconclusões71.Dequalquerforma,oleitoracabaporvislumbrarummodelodotadodealgumaclareza,consistindooresultadomaisconcretonoreconhecimentodaautonomiadaterceiraversão72:“Poderíamosmesmo,aestepropósito,sublinharqueapurificaçãosedáprogressi-vamentedaversãode1616[=M3]paraotextoJuromenha(quelheéartisticamenteinferior[=M1])”,e“dotextoJuro-

68 Op.cit.,pp.382-4.OPrólogodeste livro levaadatadeAbrilde1962(Araraquara,S.Paulo,Brasil).Trata-se,comoésabido,dateseapresentadapeloautoremAbrilde1962,paraconcursodelivre-docência,naFaculdadedeFilo-sofiadaUniversidadedeMinasGerais.

69 Paraumacríticadesteensaio,veja-seVítorAguiareSilva,Jorge de Sena camonista,“Colóquio/Letras”,67(1982),pp.45-52.

70 JorgedeSenaabordaoproblemagenéticoaodiscutir,nestacanção,apresençaeimportânciadaherançabembiana. Nasuaopinião,ascançõesdolivroIIIdosAsolaniseriamoesquemaidealdequeCamõespartiuparaumasuperação audaciosa do “pseudo-misticismo” neoplatonista. A evolução dasversõesdeManda-me Amor,ou,sequisermos,asuadiversidade,mostrariaqueessasuperaçãofoiexpressamentebuscada,atécomumrefinamentoargutoemvirtudedoqualapoesiaexcede,demuitolonge,amissãoilustrativaqueBembolheatribuiu(p.216).

71 “Seria,porém,concluirprecipitadamentedizermosqueCamõesanotavaumprimeiroborrãoque,depois,usandoalimadeHoráciorecomendadapelapoética,afeiçoaracuidadosamente...”.

72 Veja-seocotejodasvariantesàspp.382-386.

Page 32: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

62 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 63

menhaparaamajestadequeFariaeSousamuitojustamentevianaversãodefinitiva[=M2]”73.

Estasconclusões,aliás,jáseencontramexpostas,deformaalgomaislúcida,noapanhadodotrabalhodeinvestigaçãoqueoautortinha,entretanto,publicado74:otextodeRh[=M2]“éaampliaçãoefixaçãoadmirável”dotextoreve-lado por Juromenha, no volume de 1861 [= M1]”. “Ascoincidênciassãotantas,e(...)aexpressãoétãotentativaeincipiente,quepodemosterotextoJuromenhacomopri-meiraversãodotextode1595”.

Emépocamaisrecente,MariadoCéuAmaralconsagrouaestacançãoumcapítulodasuatesededoutoramento75,ondeseconcluique“asduasversõesmaisimportantesdestepoema[M2eM3](...)progridememsentidosdiferentes,manifestandotambéminfluênciadepoetasepoemasdife-rentes”76;e“adiferençadeatitudespatentelogonapri-meiraestânciaparececonfirmaraanterioridadedotextode1616[=M3]”77.

73 Sena,op.cit.,pp.386-8.74 Ouseja,Trinta anos de Camões, 1948-1978 (Estudos camonianos e correlatos),

Lisboa,Edições70,1980,t.II,pp.222,234-5.Estecapítulo,intituladoCamões e um método crítico,defactoreúneseteartigossucessivamentepublicados,em1963,noSuplementod’O Estado de São Paulo (cf.aadvertênciarelativa,p.265).

75 MariadoCéuAmaralFortesdeFraga,Os géneros maiores na poesia lírica de Camões,DissertaçãoapresentadaàUniversidadedosAçoresparaobtençãodograudedoutoremLiteraturaPortuguesaClássica,PontaDelgada,Univer-sidadedosAçores,1997,pp.121-147(depoispublicadaemCoimbra,Univer-sidade,2003).

76 SendoM2maispróximadopoemadeBoscánYo voy siguiendo mis procesos largos,aopassoqueM3estámaisligadaaomodelopetrarquianoNel dolce tempo(Amaral,op.cit.,p.129).“Alémdestasduas,éconhecidaumaterceiraversão,dadaaconhecerpeloViscondedeJuromenha”(ib.,p.129,n.102),aqual“pareceserumprimeiroesboço,menosartificiosomastambémmenoshábil,daversãoda1595”(ib.,p.145,remetendoparaaediçãodeLAF).

77 Amaral,op.cit.,p.145,combaseemobservaçõesbastantegenéricas,oudecaráctereminentementeestético.

Emconclusão,quatrosãooscríticosqueousaramtomarposiçãofaceaodelicadoproblemagenético.EnquantoMariadoCéuAmaralretomaopontodevistadeFariaeSousa(passagemdeM3paraM2),tambémnadecisãodedeixardeladoaversãoM1,JorgedeSenapropõeaseguintecadeia:deM3,viaM1,atéM2.Àdiferençadestescríticos,quecon-cordam,todoseles,emconsiderarM3aversãoprimitiva78,asoluçãoapresentadaporLAFparece-nos,comojáfoidito,seramaisplausível.

Os factores dinâmicos em M1 e M2.–Omodelogené-ticopressentidoporLAFé,aliás,susceptíveldedemonstra-çãocombasenateoriadosfactoresdinâmicos.Apresentamosdeseguidaumlevantamento,tãocompletocomopossível,dosversosespecíficosdeM1queapresentam,querfigurasdehiatointer-ouintravocabularoudecrase,querfigurasmétricasarcaicasou,dequalquerforma,anómalasdopontodevistadaescansão.Eisaquiaprimeiradasduaslistagens:

v.6contá-lo abastarïa contentar-me,diéreseaparentementeresol-vidaemM2mediantediesinalefa(bastaria a contentar-me)79;v.17torna |aos campos;v.31Do |aspeito süave80 e |excelente;

78 JoséV.dePinaMartins,Camões et la pensée platonicienne de la Renaissance,ExtraitdeVisages de Luís de Camões,Sériehistóricae literária,vol.X,Paris,Gulbenkian,1972,pp.55-94,consideraigualmentequeemM3“lepoèteréus-situnchef-d’oeuvreexemplaire,enunissantàl’inquiétudepétrarquiennetouslesingrédientsrhétoriquesduDolce stil nuovo,etriennemanqueàlaperfectionformelledel’ensemble:l’Amourn’estpluscetenfantterrible‘aveuglearcheretnu’d’unsonnetfameuxdeL’Olive,maisuneprésencehumaniséequicom-mandeàl’âmedupoèteetàlaquelleilobéit”(p.85).

79 Outroexemplodediesinalefaencontra-seemM28tomaria eu d’Amor por interesse (LF1,C),emfacedavariantedeRhtomara | eu susceptívelderepre-sentaraliçãooriginal,namedidaemquetambémpermiteexplicarainovaçãocomumaRi,FS,Jur(tomara eu só).

80 AdiéresepermaneceemM2,vejam-seaindavv.33,45.

Page 33: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

64 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 65

v.36é esta,comcrase,conformev.2jáempresenteemambasversões81;v.38süa |ágoa;v.46Quando, |ao |insensível, sentimento;v.58 que em mi quietamente repousava (hiato ou, mais antes,diérese)82.

Comosevê,amaioriadestesfactoresprosódicosdesa-pareceuemM2,que,porsuaconta,sóintroduzumhiatoapóse (v.34e |as gárrulas)83,sendo,emoutroscasos,acrasesoluçãocaracterísticadeM284.Estaversãoapresenta,aliás,outrosexemplosdehiatoapósoartigomasculino(vv.19=24o |Amor,o |engenho escurecendo)85ouapóscom(v.10com a pena)86.Todosestesexemplosvêmjuntar-seaosdov.71concerto | esteedov.77o |insensível,quejáseencontramnaprimeiraversão.

Emgeral,versoscomo13E se é mais o que canto do que entendo,ou 43ou porque tudo ante ela se abaixava, ilustramcommuitaclarezaanovatendênciaparaumritmosinalé-fico,característicadasegundaversão,queatéprevêexem-

81 Este tipode fusão entre tónica e átona (p.ex.Está o) remonta à líricatrovadoresca.Noentanto,ambasasversõesoferecemumhiatosó | o nov.50.

82 Aestasériedeexemplos,cabeacrescentarocasoduvidosodov.45ao som dos süaves seus acentos.

83 Respeitadonatradiçãoimpressa,estehiatofoicorrigidotantoemJur.(porque as garrulas aves)comoemFS(Ali as gárrulas aves).

84 Cf.vv.7,28,54,etambém,porventura,ov.45.85 A autonomia prosódica do artigo, tanto masculino como feminino,

encontracopiosaabonaçãono‘corpus’camoniano,cf.p.ex.acançãoIV36o | orvalho(queemFSsetornaplural),ouentão,o‘incipit’dacançãoA ins-tabilidade da fortuna,ondeLFeasediçõesimpressasestãodeacordoemres-peitarohiato,enquantoPR+Jur.odesfazemaointroduziremoplural(As instabilidades).

86 NãoobstanteoavisodeLAF,teremosquereconheceroutrohiatoapóspena:veja-seaindav.63vê-la | a um appetite sometida,alémdov.12que eu escrevo, tambémambíguo.

plosdecrasemúltipla,comonov.32causaria um admirado e novo espanto.

AsegundalistagemabrangeosdecassílabosespecíficosdeM1,cujaescansãoseafastadopadrãoheróico:

degaitagalega:16Era no tempo que a fresca verdura;34os passa-rinhos, com a luz presente (hiatoapós com)87;57 trocar por dura aspereza o sentido;sáfico:18Zéfiro vem, com a primavera bela;‘aminori’:33que o ar enchiam de süavidade (apresentandooca-sionalrimainternacomoversoprecedenteem-iam);‘de artemaior’88 combaseno subst. spírito, emausênciadee-prostético:32uns divinos spíritos saíam;51meus spíritos serem de mi saídos;acentossobre3ae7asílabas:25os cabelos, en que fui enredado;acentossobre3ae8asílabas:8porque vejo, se a escrever o venho89.

87 Encontra-se,noentanto,acraseemcontextosparecidosnosvv.12,18,40,bemcomoapósnasal-amnosvv.19,53(umexemploemM2nov.47).Pelocontrário,julgamosprovávelacraseapósa nov.90não a escrevo,comumàsduasversões (mesmocontandocomessapossibilidade,LAF,p.375, resolveu-seaaceitar,combaseemLus.VII,38,a“contagem,numasílabamétricaapenas,denão+a”).Dumpontodevistameramentegráfico,note-senov.70oarranjoem um →num.Nogeral,M1empreganormalmenteohiatoapósvogalnasal,cf.vv.7não ouso, 10tão alto, 68e93-ão a(oprimeiromantém-seemM2,quetambémapresenta44Não houve).M2introduz,aliás,novosexemplosdecrase,asaber,com uns, v.27ecom as, v.85 (cf.v.96),permanecendo,noentanto,ohiatoquem o nov.21.

88 Cf.osoneto,deautoriacamonianacerta,VIII3-4Mas foi por fazer de Amor experiência,/por ver se podia tirar-me a vida(textodoms.únicoCrB,modi-ficadopelatradiçãoimpressa),sendoambososversosjustificadosporLAFcombaseemLus. V,77Dizem que, por naus, que em grandeza igualam.

89 éprovávelqueohiatoapósse,emboranãoatestadon’OsLus.,seja,no‘corpus’lírico,muitomaisfrequentedoqueresultacombasenaediçãodeLAF.Comefeito,oeditorseguealiçãodosmss.tantonosonetoX14se a Roma,“porreminiscênciadamétricaarcaica”,comonacançãoIII36porque se emfim resisto:noentanto,nesteúltimocasoaliçãoque sedeRh,Riparecepreferível,tambémàluzdeFS,quemodificaoversoemPorém como resisto.

Page 34: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

66 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 67

Estestiposdedecassílabotornam-seextremamenterarosemM2onde,pelocontrário,dominaumaestruturabaseadanodecassílaboheróico,oresíduodeversosanómaloscomumàs duas versões ficando limitado aos exemplos seguintes:3com pressuposto de desabafar-me, decassílabo‘aminori’;66que era rezão ser a Rezão vencida,87-88com o lindo gesto jun-tamente impresso,/que foi a causa de tão longa história, decassí-labossáficos;78e ver-me a mi, de mi mesmo, perder-me, decas-sílabodegaitagalega.

Finalmente,M1apresentaumcertonúmerodeencaval-gamentosoutransportesbemevidentes,cf.vv.20-21,24-25,34-35,46-47.Todosforameliminadosnaversãodefinitiva,ondesócabeassinalarotransportedosvv.54-55.

Os esquemas rímicos. –OutrotraçocaracterísticodeM1

éaabundânciaderimasidênticas90,queatéaparecememestrofesconsecutivas:vv.10da vista bela e18com a primavera bela;57trocar por dura aspereza o sentido e64Mas o mudado atónito sentido;62e83perdia.Emparticular,arepetiçãodesentidodaquartaestânciaparaaquintaassocia-se,nestaúl-tima,aopolíptotoperdido:...:perdida(realçado,ademais,porperdia), no quadro da importante sequência formada por-idos e-idonaquartaestrofe,epor-idoe-idanaquinta.

Naversãodefinitiva,tantosentido comoperdiasóapare-cemumavez,aopassoquenãorestaqualquervestígiodaduplaocorrênciadebela.

MaisumindíciodatendênciadeM1paraarimarepetidaconsistenoparderimasverdura:...:pura,utilizadonafrontedasegundaestância(vv.16e19),eretomadoemquiasmopura:verdura, nosvv.38-39daestânciaseguinte,comfunçãodeversodeenlace(‘chiavedivolta’).Orabem,sóestaúltima

90 SobreapresençaderimasidênticasemDanteePetrarca,cf.GugliemoGorni,Rime ripetute in canzoni di Dante e in uno stesso canto della “Commedia”,“Filologiaecritica”,20(1995),pp.191-200.

parelhapermanecenaestânciacorrespondentedeM2.Emparticular,ov.19manam as fontes ágoa clara e puraeov.38detinham sua ágoa, doce e purapodem,naversãomaisantiga,serconsideradoscomovariantescombinatóriascombasenomesmoestereótipolexical:nãoadmira,portanto,ofactodeasegundadestasvariantesdesapareceremM2,ondesóresta,nov.38,acláusulana linda vista pura.

Noâmbitodomesmoprocessodetransformação,ase-quênciaorigináriaderimaspisava:abaixar-se:tornar-se:abalava,situadanocentrodasirima(M1,vv.40-43),muda-se,nosversoscorrespondentesdeM2,paratocava:abaixavam:tocavam:abaixava,figuraaomesmotempoquiástica(pelasrimas)ealternada(pelasbasesverbais).

Conformeresultadoconjuntodestasduastransformações,nãosóparalelas,mascomplementares,oautor,napassagemdeM1paraM2,nãoquisdetodoabdicardarimaidêntica,queconstituiumdostraçosdistintivosdaversãooriginária.Comefeito,arimaidênticanaturezapermaneceemambasasversões,nosvv.53e79,respectivamente.Alémdisso,asequên-ciacomplexa-ava:-avam:-avam:-avafuncionacomocentrodeirradiaçãomorfo-estilísticaparaasestânciaslimítrofes,con-formeatestaarima–ava,inovaçãodeM2nasegundaestância,comfunçãodeversodeenlace(vv.23-24),assimcomoaduplapresençadeestava nosvv.58e69daquartaestância.

Comrespeitoàsduassequênciasem-avapresentesemM1(apartirdeestavanov.69),-avaresulta,naversãodefinitiva,aúnicarimaque, retomadadaversãoantecedente, tambéméobjectodeduplicação.M2caracteriza-se,deresto,pelaelimina-çãosistemáticadumnúmeroimportantederimasidênticas(seisnototal,dasquais,repetimo-lo,sórestamtrês,asaber,estava, sentimento enatureza,resíduo,todaselas,daversãoprimitiva91.

91 Parece-nosprovávelque,paraalémdasuafunçãodemarcaestilística,aduplicaçãodeestavadependaemúltimaanálisedaintroduçãodosintagmajuízo humanonov.58.

Page 35: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

68 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 69

Tantoaspalavras-rima,comoasprópriasrimasseen-quadram num esquema bastante complexo de relaçõesfono-simbólicas: também foram submetidas a um con-juntode transformaçõesmúltiplasnapassagemdeumaparaaoutraversão.Paraalémdasrimas idênticas senti-mento (queproduzanáforaentre as estâncias IVeV)enatureza (presentenasestânciasIVeVI),aestruturari-máticacomumàsduasversõesapresentaosseguintestra-çosdistintivos:

1) ligaçãoentreaprimeiraestância(-e(s)so e-arme92)easexta(-ermee-esso);2) váriasrimascomunsaestânciasdiferentes,asaber:-avanasirimadaterceiraedaquinta;-ezana‘chiavedivolta’daquartaenasirimadasexta;-iacomumàquarta,quintaesexta.M2,porsuavez,estabeleceumanovaligaçãoentreaspartesfinais,respectivamente,dasextaestância(-esso:...:-ei)edaprimeira(-eo:...:-osso);3) -ent-adesempenharoduplopapeldemarcaanafórica(-enteno começo das estâncias primeira e terceira em M1, -entonocomeçodasestânciasquartaequintaemM2)edenúcleogeradordeassonânciase/ouconsonâncias:-ente [est.IeIII], -entos [est. III], -ento [est. IV] em M1; -ente [est. I], -ante [est.II], -anto[est.III], -ento[est.IVeV]emM2.

Conformevimosacima,oimportantenúmeroderimasrepetidascomporta,emM1,umtriploesquemaderelaçõesestróficasentreIeII(-ela),IIeIII(-ura),IVeV(-ido),aoqual se juntamoutras ligaçõesmeramente consonânticas:alémdasestânciasIVeV,cf.-ado:-ade(IIeIII),-ente (IeIII),-entos(III),-ento(IV).

92 Note-sequeasextaeúltimaestrofecontêmduasrimasproparoxítonas,asaber,-ível e-ória.

Nasuamaioria,estasrelaçõesdesaparecememM2,sendo,porém,substituídasporoutrasequivalentes.Emparticularaperda,na sequência -id-, do terceiro elemento, resultacompensada pela criação, graças à presença de -ento nosvv.61e64,dumaligaçãoanafóricaentreoscomeçosdasestrofesIVeV(encabeçadas,aliás,pelamesmapalavra-rimasentimento).

Jávimosque,naversãodefinitiva,arima-ava seencon-tranasegundametadedecadaestrofe,comexcepçãodaprimeiraedaúltima.Análogacapacidadedeirradiação,comrespeitoàversãooriginária,caracterizaarima-ia,que,alémdeseencontrarnasestânciasquarta,quintaesextadeam-basasversões, tambémsepropaganasegundaestrofedaversãodefinitiva,ondeimportanotar,alémdisso,adifu-sãodoelemento-nt-(-ente[I], -ante [II], -anto[III], -ento[IVeV]).

Outrasnovasligaçõesdizemrespeito,naversãodefini-tiva,a-ando,rimacomumàfrontedeIIedeIII(jáante-cipada,emI,por–endo);-evodeI,aantecipar-ivodaes-tânciaseguinte;-eitodeI,desdobramentodarimajápresenteemV.

Alémdemultiplicarasligaçõesinterestróficas,querpro-longandoasquejáexistiam,querintroduzindonovas,oautorprocura,naversãodefinitiva,incrementaroíndicedecompactidadeespecíficodecadaestrofe:a-ido(s)deIVe-ida deV,jápresentesemM1,acrescentam-seagora-esso e-esse(I),-iam e -im(III).Demaneiraproporcional,oín-dicedevariaçãorimáticadecrescedeM1paraM2,fazendocomqueasestrofesprimeiraesextaacabemporresultar,nasduasversões,asmaisricasnotocanteaonúmeroderimasutilizadas.

Os principais modelos métricos.–Conformeindica-çãodeFariaeSousa,oesquemautilizadoporCamõesemManda-me Amor foi tomado directamente da canção de

Page 36: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

70 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 71

BemboPerché ’l piacere a ragionar m’invoglia,que,comove-remos,constituiomodeloprincipaldeM1limitadamenteàsestânciasII-III93:

ABC,ABC,CDdeEFFgG

Este esquema pode, aliás, ser considerado como umavariante algo reduzida da canção petrarquiana das meta-morfoses(Rvf23),cujoesquemaéoseguinte:ABC,BAC,CDEeDFGHHGFFII,comcomiatode9versos94.

EstacançãopetrarquianainfluenciapraticamenteotextointeirodeCamões, a partir donúcleo comumaM1 eM2, cf. v.3eRvf23,4“perchécantando ilduol sidisacerba”95;v.82eRvf23,116“com’iosentì’metuttovenirmeno”;vv.84-85eRvf23,92“ondepiùcosenelamentescritte”.Alusõeses-pecíficasdeM2sãov.17eRvf23,6“mentreAmornelmioalbergoasdegnos’ebbe”;v.30eRvf23,25“factoaveanquasiadamantinosmalto”;v.21eRvf23,28-29“etquelcheinmenonera,/miparevaunmiracoloinaltrui”;v.82eRvf23,116“com’iosentì’metuttovenirmeno”.

93 ConformeobservaSena,pp.209-210,háemCamõesumaconexãofirmeentreoiníciodecassilábicoeaextensãodascanções:asmaisextensasnãosóseiniciamcomversode10sílabas,comosãoasdemaisbaixapercentagemdohexassílabo.Cf.agoraasobservaçõesdeVandaAnastácio,op.cit., I,p.309.

94 Acançãodasmetamorfoses, citada emLasso me (=Rvf70), apresenta8estâncias(medidaapenasrepetidaemRvf29)denadamenosde20versoscadauma, tendoapenasumheptassílabonodécimoverso:aextensãodaestância,únicaemRvf,correspondeàdeLe dolci rime deDante(cf.Doglia mi reca,com21versos).AdesproporçãoentrefronteesirimarelevadoestilodeGuittone.

95 Mesmotendoemlinhadecontaofiltrobembiano(“Tantoch’iodicaetpossacontentarme”,v.6,cf.infra).Cf.tambémacançãoIII56-58Que maior bem deseja quem vos ama/que estar desabafando seus tormentos,/chorando, imaginando docemente? (:descontente);alémdisso,Boscán,ed.cit.,pp.226-7,son.115(‘incipit’:Antes terné que cante blandamente),v.5“Desabáfasequienestádoliente”.

Entretanto, alguns dos passos mais marcados da canção dasmetamorfosesecoamexclusivamenteemM3,cf.1-5“Neldolcetempodelaprimaetade:(...):canteròcom’iovissiinlibertade” evv.22-23Tornava o ano de sua prima idade96/a revestir-se+v.18que me dava desgosto a liberdade;42“delatrasfiguratamiaper-sona”ev.51e transformada noutra a vida minha;80“d’unquasivivoetsbigottitosasso” evv.59-60Fiquei eu só torvado/e como um rudo tronco, de admirado!97

Depoisdechamarrepetidamenteaatençãoparaotemaparadoxalqueconstituiocentrodacanção,istoé,animar--setodaanaturezagraçasàpresençamilagrosadamulheramada98,FariaeSousanotaque,comrespeitoaotextodeCamões, “dos differencias ay: una, que la Canción deBemboesdecincoestancias;yestadeseys:otra,queelremateaquiesdesieteversos99,yalládetres”.Defacto,ocomiatonasegundaredacção,quecabeconsiderarcomoadefinitiva,acaba,quantoàextensão,porseconformaraomodelobembiano100.

96 Patente marca lexical petrarquiana (a origem do sintagma, conformenotouCastelvetro,remontaaPropércio,II8,17“Sicigiturprimamoriereaetate,Properti?”;II10,7“AetasprimacanatVeneres”).

97 ébomrecordarmaisdoisversosdesteimportantíssimotextopetrarquiano,queforamutilizadosporCamõesnoutrospoemas:69“deladolceetacerbamianemica”;100“Nonsonmio,no.S’iomoro,ildannoèvostro”.

98 “AquelmilagroquesuQueridasaliendoalcampohizoenlascosasdél,comefuedarnuevamúsica,ovozalasaves,hazerpararlosrios,produzirflores,ymoverselosárboles;yaéldehombrequeera,dexarlehechoinsensiblecomoalgúnárbol”.

99 EsquemaaBcCBdD,acompararcomaBCcBDD,esquemadocomiatodacançãopetrarquianaDi pensier in pensier (Rvf129).

100 Deformaanáloga,acançãodeCamõesVão as serenas águas,apesardeadoptaroesquemadeChiare, fresche e dolci acque (Rvf126),distingue-sedestapelaorganizaçãodocomiato,queapresentaoitoversosemvezdostrêsoriginais,alémdeumafórmulaestróficavinculadaaummodelocriadoporGarcilaso(cf.V.Anastácio,op.cit.,I,pp.306-7).

Page 37: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

72 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 73

Nesteesquema,afrontesimétricaABC,ABCafasta-sedotipométricomaiscomumdacançãorenascentista,cujafronte,mesmoemCamões,énormalmenteABC,BAC;easirimaresultadeumprocessodeextensão(acrescentando--se,nofim,a‘combinatio’gG)comrespeitoaotipoABC,BAC,cDdEeFF,esquemadeRvf207.Noresto,hácoin-cidênciatotalentreasirimadeManda-me Amor(CDdeEFF)eadeRvf360101.Ressalvandoamodificaçãodafronte,re-alizadanointuitodeseconformaraomodelomaiscomum,o esquemadeManda-me Amor foi retomado (na fórmulaABC,BAC,CddEeFfGG)porJorgedeMontemoreGasparGilPolo102.

NaopiniãodeSena,acançãoManda-me Amor éaquemaisclaramenterepresentaotipoidealemédiodeformaexternarelativoàcançãocamoniana103.Jáfalámosdainflu-ência,nestecelebérrimotexto,deNel dolce tempo de la prima etade,primeiracançãodeRvf,cujov.102“d’indegnofarcosìdimercédegno”podeconsiderar-seexemplardaten-dência,notextodaCamões,paraodesenvolvimentodeantítesesoximóricaseparonomásticas,amais importantedas quais está no v.66 que era rezão ser a Rezão vencida,comumaM1eM2,enquantoM3levacom rezão, a rezão se me perdia.

101 Esquema:ABbC,BAaC,CDdeEFF.102 JorgedeMontemor,Obras de Amores, canciónFuerça de sentimiento,e

Cancionero de Montemayor,zaragoza1562,canciónYa no faltaba;GasparGilPolo,La Diana enamorada,canciónMadruga un poco (estânciasI-III).Cf.E.SeguraCovarsi,La canción petrarquista en la lírica española del siglo de oro,Madrid,ConsejoSuperiordeInvestigacionesCientíficas,1949,pp.255-6,258.

103 é“acançãoquecontémamaisrefinadadescriçãodetransmutaçãodia-lécticaquejamaissefezempoesia”;“éacançãoporexcelência,eencerraadefiniçãomaiscompleta,maisdensa,emaisimportante,dopensamentocamo-niano(...).Sabemosjácomoessacentralidade,queobjectivamentedemonstra-mos,correspondeàfixaçãoestéticadadialécticaessencialdoespíritohumano”(Uma Canção de Camões cit.,p.222ep.234).

Rvf23nãoé,porém,omodeloúnicodonossotexto.Paraadescriçãodavitóriadoapetitesobrearazão,enleadanumarededecabelosdeouro104,Camõesinspirou-sesemdúvidanacançãoIVdeGarcilaso,daqualtambémimportamosvv.38“pensareneldolordeservencida”e45-46“estavadeseando/queallíquedasemirazónvencida”105,tantomaisque nos vv.60-64 temos uma alusão à metamorfose doamante:Los ojos(...)/me convirtieron luego en otra cosa106.Veja--setambémacorrespondênciaentrev.105“sujetaalapetidoysometida”eM2,v.63“vê-laaumappetitesometida”107.Maisemgeral,estacançãodeGarcilasotambémpôdeserviraCamõesdemodelopelacomplexatexturaderimas-chave,cadaumadasquaisaparecerepetidaacurtadistância108.

Deixandodeladoosarquétiposqueacabamosdemen-cionar,écertoquea segundaestânciadeM1 repousanacorrespondenteestância(vv.16-30)dePerché ’l piacer a ragio-nar m’invoglia dePietroBembo (Asolani III,8) conforme,aliás,apontualindicaçãodeFariaeSousa109:

104 Cf.supra,nota19.105 OesquemamétricodestacançãodeGarcilasotambémédecalcado,o

quenãosurpreende,deRvf23(cf.V.Anastácio,op.cit.,I,p.293).ECamõesretomouoesquemadacançãodasmetamorfosesnaoutracançãoVinde cá, meu tão certo secretário.

106 Cf.Rvf23,38“eiduomitrasformaroinquelch’i’sono”.107 Veja-se adistinçãoentre entendimiento, razón, apetito emFernandode

Herrera,Anotaciones a la poesía de Garcilaso,EdicióndeInoriaPepeyJoséMaríaReyes,Madrid,Cátedra,2001,pp.515-6.A identificaçãoalegóricada razãocoma senhora, edo apetite como servo, remonta aCic.Tusc. II,21, logosetendotornadolugar-comumnaliteraturapeninsular(cf.Garcilaso de la Vega, ed.cit.,p.78,notaaosvv.44-52,ep.4239).

108 Entreasnumerosascorrespondências,valeapenaassinalararepetiçãoemrima,apartirdaantepenúltimaestância,de“tormento”(vv.127,141,164)e“perdido”(vv.134,152,158;cf.tambémv.118“perdida”).

109 Cf.PietroBembo,Gli Asolani,ed.criticaacuradiGiorgioDilemmi,Firenze, Accademia della Crusca, 1991, pp.190-1 (primeira edição), 323-5(segundaedição).Variantesdeformanaprimeiraedição:23trezza,27peregrin.

Page 38: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

74 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 75

Eranelastagionche’lghiaccioperdeDaleviole,e’lsolcangiandostileLafacciaoscuraalecampagnehatolta,Quandotra’lbelcristalloe’ldolceverdeMicorsealcorlamiadonnagentile,Checorrervidoveasolunavolta.MiaventurainquelpuntohaveadiscioltaLatrecciad’or,etquelsoavesguardo,Lieto,cortese,etardo,Armavansìfelicietcarilumi,Chequant’iovidipoi,Vagoamorosoetpellegrinfranoi,Rimembrandodilor,tenniombreetfumi;Etdiceaframestesso:‘Amorsenz’alcundubbioèquidapresso’.

Vejam-se,emparticular,ascorrespondênciasentreEra ne la stagion eEra no tempo,edeseguidaentrela ventura eminha ventura.

Aomodelobembianosedeve,maisumavez,aimagemque, sempre em M1, ocupa o centro da terceira estrofe(vv.37-45)110:

Correadaparteunabellafontana,Chevidel’acquesuequeldìpiùviveAvanzarperlerive,E’ncontroiraggidellelucisanteOgniramoinchinarsiDelboscointornoetpiùfrondosofarsi,Etfiorirl’herbesottolesuepiante,EtquetartuttiiventiAlsuonde’primisuoibeatiaccenti.111

110 Variantesnaprimeiraedição, substantivas:37 chiara; formais:40de le.111 Observe-se,porém,queCamõesnesteversoremontaaRvf5,4“ilsuon

de’primidolciaccentisuoi”; 283,6-7“post’àisilentioa’piùsoaviaccenti/chemais’udiro”.

Nadescriçãobembianadomilagrequeocorreunanaturezaemvirtudedapresençadamulher112,primeiroosramosincli-nam-se,depoisaservasflorescem,finalmenteosventossosse-gam.Emborainvertendoaordemdosdoisprimeiroselemen-tos,Camõesproduz,deresto,menosumaimitação,doqueumaautênticatradução,cadafrasereflectindofielmenteaquenomodeloitalianolhecorresponde113.Alémdisso,Camõesantecipa,comrespeitoaBembo,osversos“Scesequagiusointerra,/Perdaralmondopaceettorliguerra”,queemM1acabamporocupara‘combinatio’finaldasegundaestância(que Deos só fez na terra/por dar paz aos nacidos, e a mi guerra).

Àinfluênciadominantedomodelobembianojunta-seofiltrodeGarcilaso,Écl.I,199-201:“Losárbolespareceques’inclinan;/lasavesquemeescuchan,quandocantan,/condiferentevozsecondolecen”,versosemquesereconhecemalguns ecos do canto deOrfeo emVirg.,Ecl.VI,27-30.

PoresmagadoraquepareçaainfluênciadeBemboeGar-cilasonestapartedacançãocamoniana,teremosnorestoquesalientar,maisumavez,aconstantepresençadePe-trarca.Assim,asentençaqueencerraaquartaestrofefunda--seemRvf118,5“L’amarm’èdolce,etutililmiodanno”114.

112 Oprodígiodanaturezaqueseinclinaperanteabelezadamulheramadaencontra-se,decertaforma,antecipadoemRvf165,1-4:“Come’lcandidopie’perl’erbafresca/idolcipassihonestamentemove,/vertùche’ntornoifioriapraetrinove,/deletenerepiantesueparch’esca”(omotivoremontaaPérsioII,38eClaudiano,Carm. min. 30,89-91).

113 Cf.“ogniramoinchinarsi/delboscointorno,epiùfrondosofarsi”etodo ramo abaixar-se/senti no bosque, e mais verde tornar-se;“etfiorirl’erbesottolesuepiante”eflorecia a verdura/que, andando, com os divinos péis pisava;“etquetartuttiiventi/alsuonde’primisuoibeatiaccenti”eamansavam-se os ventos/ao som dos suaves seus acentos.

114 “TrasladóloFrayLuísdeLeónenlaOdaintitulada,al mundo, y su vani-dad,afolio37feneciendotambiénunaestancia,assí:Porque, si no me engaño,/naciera gran provecho de mi daño”(FariaeSousa).Entreospetrarquismosespecí-ficosdeM1,cabeaindaassinalarv.45,cf.Rvf283,6“post’àisilentioa’piùsoaviaccenti”;v.48,cf.Rvf37,120“ospirtoignudooduomdicarneetd’ossa”.

Page 39: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

76 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 77

Outra imagem fundamental desta canção encontra-senaúltimaestância:cf.v.87(jápresente,aliás,apartirdapri-meiraversão) com o claro gesto juntamente impresso115.Maisumavez,omodeloremontaaRvf93,1-2“PiùvolteAmorm’aveagiàdetto:Scrivi,/scriviquelchevedesti in lettred’oro”116, lugar que pontualmente ecoa nos textos deBemboedeGarcilasoqueacabamosdemencionar.EisaquiopassorelativonacançãodeBembo(vv.67-75):

Cosìpensava,e’nquantoocchiosigira,Vidiunche’ldolcevoltodipingeaParte,etpartescriveaNel’almadentroleparole,e’lsuono

(......).TallamiadonnabellaM’eranelpettoinvisoetinfavella.EmM2,estemotivoresultapresentejánaprimeiraestân-

cia,nomeadamentenov.12em vertude do gesto que eu escrevo,àmargemdoqualFariaeSousaapontaparaoutrosonetoatribuídoaCamões,Amor, que o gesto humano n’alma escreve,claraimitação,porsuavez,dosonetodeGarcilasoEscrito está en mi alma vuestro gesto117.Aexortaçãoovidianaepetrar-quianaencontra-se,aliás,noprópriocomeçodumacanção

115 “Jáem1948relevámosabelezadestetraslado. Comoo‘DitadodoAmor’,ésemdúvidatambémumvelhotópico(...). JánaelegiaAquela que de amor descometido (...),presumivelmenteescritamuitoantes,Camõesdissera:a saudade escreve, e eu traslado.édenotarcomo,daelegiaparaacanção,otrasladosesubti-lizou”;“équeametamorfosedescritanaversãode1595(...)assumiuumataltranscendênciaqueoescritonofundodaalmanãoéapenasesubjectivamentepelasaudade,masalgoqueopróprioactodeconhecerescrevenãoseconhe-cendo”(Sena,Uma Canção de Camões cit.,p.390).

116 PorsuavezdecalcadoemOv.Her.IV,13-14Ille [Amor] mihi primo dubi-tanti scribere dixit:/Scribe.

117 Apartirdosvv.2e12:“LoqueelAmorteníaimpressoensualmaeralahermosuradesuQuerida,ylaspenasqueporellapadecía”(FariaeSousa).

deBoscán:“Grantiempohaqueamormedize‘scrive,/es-criveloque’ntiyotengo’scrito/deletraquejamásseráborrada”118.

A tendência para a compactidade.–Como muitosindícios,pertencentes ao âmbitoestilístico, confirmam, aanterioridadedeM1constitui,nareconstruçãodasvicissi-tudesgenéticasdeManda-me Amor,ahipótesedelongemaiseconómica.Eis aquiumresumodasprincipaisdiferençasentreasduasversões:nasuamaioria,situam-senastrêspri-meirasestâncias.

Naprimeiraestância,oautorestimanãoseraprópriaartepoéticaadequadaadescreverasublimidadedamulheramada.Estelugar-comum,queconstituioassuntoprincipaldacan-ção,exprime-se,emM1,numafórmulaestereótipa,emqueseapontaparaomitodeOrfeu(mais dina de outro Orfeo,v.11)119.Emseulugar,aversãodefinitivaapresentanume-rosostraçoscomunsaoutrotextocamoniano,osonetoXV(Em quanto quis Fortuna que tivesse)120.

Amaisimportantecorrespondênciatextualprende-secomov.10dacanção,com a pena o engenho escurecendo,comrespeitoaov.7dosoneto, escureceo-me o engenho.Emtornodestemotivo

118 Juan Boscán, Obra completa,edicióndeCarlosClavería,Madrid,Cátedra,1999,n°103,pp.210-4.Cf. tambémo ‘incipit’dumaCarta en redondillas deDiegoHurtadodeMendoza(Poesía,EdicióndeLuisF.DíazLariosyOlgaGeteCarpio,Madrid,Cátedra,1990,n.º77,pp.351-3):“Amormemandaescribir,/temormefuerzaacallar”.

119 Pela“preferênciaquaseobsessiva”queCamõespareceternutridopelomitodeOrfeu,cf.MariaHelenadaRochaPereira,O mito de Orfeu e Eurídice em Camões[1984],in:Ead.,Novos ensaios sobre temas clássicos na poesia portuguesa,Lisboa,IN-CM,1988,pp.69-81.

120 Estesoneto,comoésabido(cf.The Cancioneiro de Cristovão Borges,EditionandNotesbyArthurLee-FrancisAskins,Paris,JeanTouzotlibraire-éditeur,1979,p.23), teria provavelmente desempenhadoumpapel introdutivo, no quadrodaquele‘Canzoniere’queCamões,aliás,talveznuncativessechegadoareunir.

Page 40: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

78 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 79

épossívelidentificarumconjuntodeoutrostraçoscomunsaambostextos,asaber:1) a rima emparelhada do soneto contentamento:pensamento reflecte-senasrimascontente:...:contentar-me,presentesnapri-meiraestânciadeambasasversões,enquantopensamentosóseencontranov.64deM2121;2) arimaremotasujeitos:...:defeitosdomesmosoneto,alémdecorresponderasogeitonov.70deambasasversões,reflecte-seemparticularemdefeito,palavra-rimanov.15deM2122;3) finalmente, o motivo dos enganos de Amor encontra-seamplamentedesenvolvidoemM2:alémdeenganar-me narimado v.7, veja-se a repetição enganos...enganoso...enganando nafrontedasegundaestância,ondeaexpressãomil vontades alheias(v.20)remeteemparticularparaasdiversas vontadesmencionadasnosoneto.

Outrainovaçãoimportante,introduzidaemM2,dizres-peito,comovimos,aov.12em vertude do gesto que eu escrevo.Finalmente,cabeassinalarasubstituiçãoemM2,noúltimoversodaprimeiraestância,dovocativoestereótipoSenhoracomamençãodeAmor,deformaacriarumaligação(‘coblascapfinidas’)comoversoinicialdaestrofeseguinte123,ondeAmorsetornaprotagonista,substituindo-seàminha ventura deorigembembiana.

Os dois motivos de maior relevo nas estâncias II-IIIcorrespondemàimagemdoscabelos(emM2,tranças encres-padas) soltos ao vento, traço característico do arquétipofeminino tantopetrarquianocomobembiano,eaoexórdioprimaveril, que anda regularmente associado, desdePe-

121 Acrescente-se-esse,segundarimanasquadrasdosonetoXV,quesófiguranaestânciainicialdeM2.

122 Atradiçãoimpressalêem meu defeito,emdependênciadepode.123 Noplanolexical,oautorreduzemM2asocorrênciasdoadj.belo,presente,

naredacçãooriginária,comumafrequênciaquepôdeparecerexcessiva,cf.vv.5belos olhos, 10vista bela, 18primavera bela.

trarca,aodiadoenamoramento.Alémdisso,nomodelobembianoCamõesquisenxertarasquadrasdosonetopetrar-quianoZephiro torna.

Apassagemdaprimeiraparaasegundaversãocomporta,portanto,umnotávelafastamentodotextobembiano,de-calcadoquaseàletraemM1,enquantonaversãodefinitivaCamõesseaproximamaisdosmodelosoferecidospelosclás-sicos.Destaforma,oexórdio,alémdemaisintegradonocódigolinguísticodoautor,ganhatantoemdensidade,comrespeitoàtexturamitológica(graçasàevocaçãodafábulaovidianadeAqueloo),comoemprecisãocronológica,tendo,aliás,emcontaqueoquadroastronómicoNo Tauro entrava Febocorrespondeaumvenerávelchavãoliterário124.

Aimitaçãodeoutrosonetocamoniano,Eu cantarei do Amor tão docemente (XIX)125,evidentenopróprio‘incipit’dacanção,continua,emM1,nov.28o rostro airoso e g[e]sto delicado, ecobastantefieldeairoso gesto, e olhos graciosos, v.13dosonetonasuaredacçãomaisantiga(oquepropor-ciona um indício muito interessante no que respeita àcronologiarelativa).AinfluênciadestemodelodesapareceemM2126emproldeoutrosonetopetrarquiano,que,além

124 Cf. Rvf 9,1-2 “Quando ’l pianeta che distingue l’ore/ad albergarcolTaurosiritorna”(=Virg.Georg.I217-8,cf.tambémRvf135,88“quandocolTauroilsols’aduna”);Lus.II,72“Eranotempoalegrequandoentrava,/NoroubadordeEuropaa luzFebeia,/Quandoumeooutrocorno lheaquen-tava/EFloraderramavaodeAmalteia”.Sobreo‘topos’petrarquistadadataedolugardoenamoramento,cf.VítorManueldeAguiareSilva,Aspectos petrar-quistas da lírica de Camões, in:AlonsozamoraVicenteetalii,Cuatro lecciones sobre Camoens, Fundación Juan March, Madrid, Cátedra, 1981, pp.99-116.

125 Cf.Rvf112,9Qui cantò dolcemente, et qui s’assise;143,1Quand’io v’odo parlar sì dolcemente; 225,11sedersi in parte, et cantar dolcemente.

126 Umecodov.4deste soneto (ao peito que não sente) talvez sepudessereconhecernaexpressãopeito...de diamantedov.30,exclusivodeM2:defacto,esteversoremonta,comoveremos,aRvf171,10(enquantoaversãoprimi-tiva, aindanoquadrodaprodigiosa irradiaçãodosolhosdadama, reproduzRvf220,13“l’almalucealtera/dique’belliocchiond’ioòguerraetpace”).

Page 41: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

80 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 81

dedesenvolveracorrelaçãoentrerosaseneve127,começajustamentecomoversoIo canterei d’amor sì novamente,noqualteremosquereconheceropróprionegativododuplo‘incipit’camoniano.

Ojogodos‘incipit’similarescontinuanaterceiraes-tânciadaredacçãodefinitiva,ondecomo eu em meu desejo, se acendiam (v.36) remonta a “l’acceso mio desir tuttosfavilla”,v.3dosonetoRvf143Quand’io v’odo parlar sì dolcemente.

Finalmente,ocomiatodaredacçãodefinitivafoiclara-menteinspiradoemRvf119,106-9:

Canzon,chituaragionchiamasseobscura,di’:Nonòcura,–perchétostosperoch’altromessaggioilverofaràinpiùchiaravocemanifesto.128

Em conclusão, pode-se afirmar que a passagem dumaredacçãoparaoutraandaassociadaaumaprogressivarecupe-raçãodasraízespetrarquianas,retomadasnasualiçãoautên-tica,paraalémdoprocessodeesclerosequenormalmentecaracteriza,nalinguagemdalírica,oaparatodosestereótiposmaiscorrentes.

Arecuperaçãodaherançapetrarquianaacaba,defacto,porincrementarataxadecompactidadeintrínsecaaoque,nocasodeCamões,poderiachamar-se‘Canzoniere’vir-tual.Comefeito,oprimeiro‘incipit’destaestrofe,Era no

127 Cf.Rvf131,9-10“et le rosevermiglie infra laneve/moverda l’òra” (FSacrescenta“porentrevivasrosasealvaneve”,v.4dosonetoAmor, que o gesto humano na alma escreve).

128 Acresceque,nestesversos,àpresençadePetrarcaseajuntaadeBoscán,ed.cit.,n°3(Coplas),pp.47-49,vv.79-80“sobrarme lavoluntad,/dofaltaelentendimiento”.ParaamediaçãodeBoscáneGarcilasonaformaçãodopetrar-quismoportuguês,veja-seAníbalPintodeCastro,Boscán e Garcilaso no lirismo português do Renascimento e do Maneirismo,“Península”,1(2004),65-95.

tempo que a fresca verdura,comasuaaparênciaabsolutamentegenérica,cedelogoopassoaSem conhecer Amor viver soía,cujamatrizécomumao‘incipit’dosonetoVII:No tempo que de Amor viver soía.Eamultiplicaçãodeligaçõesinternasconfirma-senosversosseguintes,queresultambempró-ximosdacançãoI81-83“Devontadesalheias,querou-bava,/equeenganosamenterecolhia,/emmeufingidopeitomemantinha”.

Cotejo entre M2 e M3.–Conformeoprocessoacimaadoptado, apontamos as oposições principais relativas aonúcleocomumàsduasversões (estânciasII-IV,limitando--nosaosvv.24-45,50):

1) resolução de factores dinâmicos: 24 quando | o Amor soltava → quando Amor me mostrava;2) introduçãodeoutrasfigurasmétricasdeacordocomumgostomaismoderno,comoacrase(com uns olhos, v.27),asina-lefa(vv.28,32),otransporte(vv.34-35);3) substituições sinonímicas: 25 encrespadas → desatadas; 32admirado → desusado; 42 tocavam → pisavam (a desfazer a se-quênciasimétricaemrima,quecaracterizaaversãoprecedente);71Assi, que indo perdendo o sentimento → privandome do todo o sentimento;4) inversãodaspalavras-rimanosvv.34-35,decanto:levantando paralevantando:canto.

Dopontodevistaprosódico,estaversãoparecemuitomaisregulardoqueasprecedentes:LAFrelevaapenasumhiatoapósque (v.14),outroapósoartigoo (v.44),umversoacentuadona4ae8a(v.22,comsua sinerético).Pelocon-trário,comrespeitoaM1,umhiatoapóseinicial(v.34)foidesfeito:(e → porque) as gárrulas aves.

AnovidadeprincipaldeM3consistenumcertonúmerode mudanças lexicais, manifestamente devidas à censura

Page 42: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

82 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 83

religiosa129.Jánotámoscomo,napassagemdaprimeiraparaasegundaversão,desapareceramostermosdoutrinaisda-nado; o mais da vida; divina130; eatésentidosetransformouemalmaefino pensamento131.Estatendênciatorna-semaismarcadaemM3,ondedivinospésfoicorrigidoemditosos pés (v.40),eaténa linda vista purasemudouparana vista casta e pura (v.38),acentuando-seapudicíciadamulher,etornando-se,aomesmotempo,menoshiperbólicoopoderdasuabeleza:ascoisas,agora,jánãoseabaixamanteela,massim,edeformamuitomaisnatural,anteseuspés(v.43).Emparticular,todaaquintaestânciafoiremodeladacon-formeesseintuitocensório:veja-seemparticularasirima,onde importaaeliminaçãodeappetite, e, aindamais,doepítetoceleste.

AlgumasdasmaisimportantesinovaçõesdeM3situam-senosdísticosqueencerram(‘combinatio’)asestânciasIIeIII:assim,nosvv.29-30,o riso tão galante,/que um peito desfizera de diamante mudou-separao gesto grave e ledo,/que juntamente move amor e medo;deformaanáloga,nosvv.44-45,Não houve coisa, emfim,/que não pasmasse dela, e eu de mim mudou-separao ar, o vento, o dia/de benignos espíritos enchia.Estasalte-raçõestambémpoderãoencontrarexplicaçãonoquadrodamudançaestrutural acimadelineada:em lugardeo riso...galante, e do hiperbólico peito...de diamante (vv.29-30)132,

129 Apropósito,na terceiraversão,LAF“pressupõea clara existênciadevariantesdetradição,enãodevariantesdopróprioAutor”(p.290).

130 Quetinhapermanecido,comocasoexcepcional,nov.32daprimeiraversão.

131 Namesmasequênciademodificaçõesterá,talvez,queseincluirapassa-gemvi → crinov.80.é,portanto,possívelqueosmss.conservem,dasegundaversão,umaredacçãojáparcialmentepurgada.

132 Cf.Rvf171,10“delbeldiamante,ond’ell’àilcorsìduro”,queremontaaumalongatradição(cf.Il Mare Amoroso,acuradiEmilioVuolo,UniversitàdiRoma,IstitutodiFilologiamoderna,1962,pp.202-3).FariaeSousareúneoutraspassagensemqueCamõesfaladumpeito de diamante.

tantoo gesto grave e ledo133,comoobinómioamor e medo, acabampordarmaiorênfaseaorecatodadama.NotocanteaoutrodísticoqueremontaaM1,combasenaimagem,tambémalgoparadoxal,detodasascoisaspasmando-se nela,é provável que a nova cláusula de benignos espíritos enchia (vv.44-45),introduzidaemM3,resulte,emúltimaanálise,damanipulaçãodosvv.32-33daprimeiraversão:uns divinos spíritos saíam,/que o ar enchiam de suavidade.Oresponsáveldaoperaçãocensória,sejaeleopróprioautorou,menospro-vavelmente,oeditor,noactodelevaracabootrabalhoderevisão, teriaportantoaproveitado,devezemquando,epor via de contaminação, algumas passagens da redacçãomaisantiga134.

Cabe,aliás,observarqueanovaparelhaderimasdia:en-chiatemoefeitodeincrementartantoacompactidadedaterceiraestância(onde-iam:...:-iasubstitui,claroestá,are-laçãoprecedente-iam:...-im),comotambémaextensãodarima-ia;trata-se,nãoporacaso,damesmarimaqueesta-belece,naestruturacomum,umaforteligaçãoentreaquintaestânciaeasexta:

M1 M2 M3

V perdia entristecia perdia dizia dizia avia

VI perdia perdia perdia escrevia escrevia esculpia

Note-sequearimaidênticaperdiafoirecuperada,outravez,daversãomais antiga,enquantonaversão sucessiva,

133 ProvavelmenteretomadoapartirdadescriçãodeBembo(“lieto,corteseetardo”).

134 Natransformação,nov.42,detocavam para pisavam,esteúltimoprovémdepisava,v.40deM1.Recorde-seque26esquivotambémrecuperaumaliçãodaversãomaisantiga.

Page 43: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

84 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 85

queéprovavelmenteamaisautorizada,oautortinhaelimi-nadoestamácularetórica.

Outrotraçoimportante,quepassadaprimeiraparaater-ceiraversão,dizrespeitoàrimaem-ura:

M1II Eranotempoqueafrescaverdura:ágoaclaraepura III ágoadoceepura:floreciaaverdura

M2III inflamadasnalindavistapura:floreciaaverdura

M3 III inflamadasnavistacastaepura:floreciaaverdura IV Natura:avistapura

Tomandoaprimeiraversãocomopontodepartida,apre-sentam-senoprocessogenéticoduastransformaçõessuces-sivas:comoexplicámosacima,M2neutralizounumaestrofeúnicaarepetiçãoquerdeverdura,querdepura,assimcon-firmandoatendênciadestaversãoparaumempregomaiscastiçodasinstituiçõesmétrico-retóricas;emM3,pelocon-trário, a duplicaçãomanteve-se em ambos casos, porémcomduasmodificaçõesimportantes.Porumlado,Natura,substituindo-seà humana naturezapresentenasduasversõesprecedentes,anulaarimaidênticaverdura.Poroutrolado,apóssimplificação,emM2,daduplacláusulaágoa (doce/clara) e puranosintagmaúnicona linda vista pura, recupera-se,maisumavez,oprocessodedesdobramento,pormuitoquesemantenha(aocontráriodoqueacontecenocasodeverdura)aidentidadedosintagmaedarima:comefeitooprocesso,nasuaetapafinal,produzumasequênciadeduascláusulassimilares,asaber,a vista casta e puraea vista pura;orestabelecimentodumasituaçãoparecidaàdeM1associa--se,contudo,àintegraçãopréviadeumelementocaracte-rísticodaversãointermédia,istoé,vistaemlugardeágoa,cujarepetiçãopretendereforçarosintagmacentraldater-ceiraversão.

Arima-avacontinuaacaracterizarassirimasdetodasasestrofes,menosaprimeiraeaúltima;emM3-avarepercute--se,ademais,nafrontedaquintaestância:

II alegrava:mostrava III tocava:(...):abaixava IV tirava:dava V ficava:(...):bradava+ganhava:estava

Outraligaçãoentreastrêsversõeséarima-arme, compassagem de desabafar-me:contentar-me:alçar-me (enganar-me M1),na frontedaestânciainicialdeM1eM2,paralouvar-me:manifestar-me,nasirimadaestânciainicialdeM3.

Jáchamámosaatençãopara,naquintaestância,asequên-cia-ava:-eito:...:-ão,quepermanececomumàstrêsversões (rimasconstantes:sogeito:efeito ecoração:rezão).

Cingindo-nosàanálisedeM3,cabeassinalarasdemaisrimasrepetidasàdistância:-idodaestânciaIparaaVI(rimaidêntica:serperdido);-antodeI(canto:espanto)paraIII(espanto:canto,comfiguradequiasmo)atéVI(tanto:canto),ocasio-nandoduplaetriplarimaidêntica;-ento,comligaçãoana-fóricadasestânciasIIeIV-V135.Alémdisso,amesmarima-ento enquadra-senumatexturadeelementosretomadosdaestrofeprecedente,apartirdeI-II-ento(‘capfinida’),III-IV-ura (nasirima)136.EstatendênciadeM3paraamultiplicaçãodeligaçõesinterestróficasé,decertaforma,simbolizadapelapalavra-chavedesejoque,introduzidanaestânciaV,v.62137,

135 DerivadeM2asérierimáticaentendimento:...:conhecimento, sentimento:...:pensamento,emcujamodificação(entendimento:...:sentimento, sentimento:...:pen-samento) transpareceointuitodeatenuarosentidopagãodametamorfose;M1sóapresentasentimento:conhecimento.

136 Aosquais cabe acrescentar -ente, -anto (I) : -ento (II): -anto (III): -ento(IV-V):-anto(VI);-ado(I):-ade, -adas(II);-ido(I):-edo(II);-oso(I):-eso(II).

137 “DosmaisrecentesestudiososdeCamões,H.Cidade,CostaPimpãoeRodriguesLapa,todosescrevem:Depois de ter perdido o sentimento,/De humano

Page 44: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

86 Maurizio Perugi As três versões da canção camoniana “Manda-me Amor” 87

produzumarelaçãode‘coblascapfinidas’entreasestânciasV(v.75)eVI(v.76).

Ataxadecompactidadeinternaacadaumadasestânciasresultadasrelaçõesseguintes(teremos,nestecálculo,deex-cluirasestânciasIVeaVI):I-ente(fronte),-ento:-anto(si-rima),-ado:-ido(fronte);II-ade(fronte),-adas, -edo(sirima),-ava, -ivo(sirima);III-iam(fronte),-ia(sirima),-ava:-avam(sirima, cf. a variante pisava com respeito a M1); V -ava (fronte),-ava, -ovo(sirima).

Emconclusão:nestaversãonãoapenaspermanecem,mastambémse reforçamasestruturas rimáticas comuns,bemcomoasrimastoanteseconsoantes,confirmandoumaten-dência já evidentenas etapasprecedentes; releva-se,pelocontrário,umadesvalorizaçãodaúltimaestâncianoquesereferequeràs rimasmarcadas (ausênciadequalquer rimaproparoxítona),queràsligaçõescomaestânciaincipitária.

Deformamaisgeral,amaiorpartedestaterceiraversão138funda-senoequívocodumadamaque,apesardenuncaserespecificamente mencionada, acaba por se confundir, noplanogramatical,comumavisãoceleste,conforme,aliás,sugereousodotermomilagre (v.48).Observe-se,alémdisso,asupressãodapalavraconhecimento;asuavizaçãodoparadoxoalicerçadonoconceitoderezão(v.66);aprofusão,maisevi-dentedoquenasversões anteriores,de sintagmasque seinspiramnumvocabuláriogenericamentepetrarquiano,quaisperegrino, suave e deleitoso(v.13),suave e doce engano(v.82),

só um desejo me ficava...Atransposiçãodavírgulanãoéesclarecimentogramati-calelógico;implicaumaalteraçãodosentidodotexto.Porque,muitologica-mente,oqueédito(enumbeloenjambement)em1616équeaopoeta,depoisdeterperdidoo sentimento de humano,sóficavaumdesejo,etc.”(Sena,op.cit.,p.390).NoaparatodeLAF,p.339,sóaparecevírgulaapóssentimentoemVisc2,eapóshumanoemDF2;quantoaotextocrítico,opassocarecedequalquerpontuação.

138 Ondepredomina,apartirdaprimeiraestância,umaatitudeentrecausí-dicaesilogística.

enfimarimaidênticade algum ditoso e doce pensamento (v.20)=que por tão alto e doce pensamento(v.65)139,numquadroqueainda apresenta os petrarquismos particulares ditosos pés(v.40),a rudeza das ervas e das fontes (v.57), um rudo tronco (v.60), em rude canto (v.90).

Tambémparecesignificativaadeslocaçãodoestereótiponão sei quê(quem)dasestânciasIII (v.31)eVI(v.84)emM2,paraasestânciasIII(v.31)eV(v.64)emM3,enquantoov.84ficareservadoàmençãodopróprioAmor.140

Apesardapresençamaciçadeinovaçõesclaramenteatri-buíveisaumintuitocensório,estaterceiraversãotambémmanifestaindíciosinconfundíveisqueremetemparaaauto-riacamoniana.Aestritaconformidadecomo‘usus’camo-nianoseria,sim,compatívelcomaintervençãodocensor;omesmo,porém,nãosepoderádizerapropósitodeoutrascaracterísticas,quaisaimitaçãopetrarquiana,queapresenta,comrespeitoàsoutrasversões,algunstraçosdeoriginalidade;etantoamultiplicaçãodeligaçõesinterestróficas,comooacréscimoda taxade compactidade interna revelamumacoerentevontadedelevaratéaofim,emboradentrodeumespíritodiferente,asgrandeslinhasdumprojectojáconce-bidonaalturadaversãomaisantiga.

139 Conformeumatendênciaquejáapontámosváriasvezes,ofenómenoderimaidênticanãoexistenasegundaversão,comaúnicaexcepção,nov.64,deo fino pensamento;quantoàprimeiraversão,sóencontramosumaparelhadequadrissílabosem–ento,todos,porém,entresidiferenciados.

140 Apropósito,eisaquiatábuadasocorrênciasdapalavraAmorpornúmerodeestrofeemcadaumadastrêsversões:M1:I(1),VI(1);M2:I(3),II(2),IV(2),VI(1);M3:I(1),II(2),IV(1),VI(1).

Page 45: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

POEMAS

Page 46: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:91-93

LUÍSQUINTAISLAURA

Nome,tão-só.

Singularidademaiorquelhearrebatariaamemóriametrificadanoofíciodeumaesperaconsagradaàimprováveleternidade.

Oamoréumapatologiadalinguagemoualinguagemumarederota,leitoemqueaexperiênciasegueoseucursoferoz?

Oqueardenanegraintensidadedosséculosardeemversos,dominacorposparamelhordominarmedidasdeváriatradiçãoeforma.

Serásporventuraonomedelaquandotereencontroencapsuladanaminhamorte.

Oteusanguefluinessenomequedevoroagora.

Page 47: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

92 Estudos Italianos em Portugal Poemas 93

VERA LúCiA DE OLiVEiRA Há UNS QUE SãO ENGENHEIROS

háunsquesãoengenheirosecalculamtempoedimensãodoarcabouçoháunsquesãocarpinteirosemedemângulosexatosinterjeiçõesdamatériaháunsquevagamnoarcanosãomedidosetocadosatéperceberemaproporçãocorretadecadasignoquerevelaomistério

VASCO GRAçA MOuRA EXERCíCIO EM VAUCLUSE

souenãosou,seescrevoounãoescrevo,semefaçooudesfaçopelaescrita.talvezmeatrevaassim(enãomeatrevoamaisdoqueescreverditaedesdita

destaerráticavida)averquedevoqualquercoisaapetrarca.eressuscitaentãoalgodemimporessetrevodequatrofolhasquecoleicomfita

gomadaetransparentenospapéis,demodoaver-seatintaeacitaçãodosséculosXIVeXVI.

sim,há-deperguntar-secomonãomepetrarquizeimaissobessasleisdogeloaarderemalmaecoração.

Page 48: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

DIÁRIOS

Page 49: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

DAViD MOuRãO-FERREiRA EM AREZZO A 25 DE ABRIL*

5ª feira, 25 de Abril de 197413h. AREzzO. Chegámos há meia-hora, em “pul-

mann”,oqueequivaleuasairdeRomaàs9h.,alevantar--meàs7h.30m.

14.45m. AcabodetelefonarparaaCarmo,emBolonha.VemoFrancoaotelefone–edá-mevivaseparabénsemaltosgritos.Sódepoisanotícia:quehouveestamadrugadaumgolpedeEstadoemPortugal.Aoqueparece,SpínolaeCostaGomessenhoresdasituação;MarceloeTomazrefu-giadosemMonsanto;vinteenoveregimentosrevoltados;ocupadososestúdiosdoRádioClubedaTelevisão.

15h.50m. JátelefoneiparaLisboa.EfaleicomomeuPaique,exultante,meconfirmou,noessencial,asnotíciasdaCarmo.

Vimdepoisapé,desdeoHotel;estouagoranoDuomo–masincapaz,absolutamenteincapaz,deapreciaristocomodeveser.

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:97-100

* Vd.infra,pp.363-383.

Page 50: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

98 Estudos Italianos em Portugal Diários 99

16h. 15m. Na casa ondenasceuPetrarca.Oparaleloimpõe-se…:eleestava longedeRomaquando sedeuomovimentodeColadiRienzo.Enãofoiprecipitadamentequeoapoiou?Deresto“comesichiamaveramenteilColadiRienzodiPortogallo?”

Mastornemosaolocalpresente:diantedavarandaondemeencontroerguem-seas árvoresdoPrato, lindíssimoterreiro com uma estátua de Petrarca e praticamenteaberto,emtrêsdosseuslados,sobreopanoramadascoli-nas toscanas. Pela varanda ciranda agora uma rapariga,bonitinhaecomarsentimental:aLaura?Eacabadeche-garobispo,echegamentidadesoficiais(tãosemelhantesàsdelá!)paraassistiràsessãodoConvegnoquevaiagoraaquirealizar-se.

A(des)propósito:hojeédiadeferiadoemItália.Come-mora-seoDiadaLibertação.Podereicomemorá-lo?

16h.35m. Jáestoudentrodasala,quelentamentesevaienchendo.Entreassenhoraspresentes,háumaquepa-receaHelenaTrigueiros,outraaTita,outraaOlgaGon-çalves.OuentãosoueuqueestouconstantementeapensaremLisboa.

19h.20m. NoHotelMinerva(ondealmocei,jantareiedormireiestanoite).Sóassistiapartedasessão.Às18h10m.abandoneiacasadePetrarcaeandeiaoacasopelasruas.Aoacasoentreinumabelíssimaegrandeigrejadeaspecto“déla-brée”:eraaBasilicadiSanFrancesco;e,dentro,portrásdoaltar-mor,amaravilhadosfrescosdePierodellaFrancesca(“LeStoriedellaCroce”).DepoisdosGiottodePadova,dosSimoneMartinideSiena,dosdacapeladegliSpagnoliemFirenze,depoisdetantosoutros.–faltava-me,semdú-vida,maisestarevelação.

22h. NaChiesadiSantaMariadellaPieve,assistindoaumconcertodemúsicadaépocadePetrarcaedemúsicasobreaspoesiasdePetrarca.Às20h.vi(ouvi)natelevisãoasnotíciasreferentesaPortugal.Segundoparece,MarceloCaetanoter-se-árendidoaoGeneralSpínola–easforçasarmadas, assegurandomanterocontroloem todoopaís,prometemeleiçõeslivresparabreve.

22h.50m. AcaboderetornaraquiàChiesadiS.MariadellaPieve(queé,aliás,umaigrejaabsolutamentemaravi-lhosaeatéfantasmagórica),depoisdeumarápidadeambu-laçãopelasruasdeArezzo.Oh!Quantomeapeteciaencon-traruma“aretina”complacente!Mastudoistoparecemuitocastoporfora.Pelomenosporfora.TalcomooPetrarca.

QuantoaoqueseestáapassaremPortugal:serácasoparadizer,utilizandoumversodePetrarca,“benedettosia‘lgiornoe‘lmeseel’anno”?Entretanto–outroversodePetrarca–aHistóriapodeseguramenteirdizendo:“Passalanavemiacolmad’oblio”…

23h.50m. JánoquartodoHotel.PedioutrachamadaparaLisboa–destavezparaaPilar–masdizem-mequeestámuitodemorada.Dequalquermodomantiveopedido;evenhaotelefonemaaquehorasfor!

Verificonesteinstantequefoiem1347(tinhaoPetrarcaquarentaetrêsanos, jáidadeparaterjuízo)queoColadiRienzoseapoderoudopoderemRoma;eoPetrarca,queestavaemVaucluse,tratoulogodesepôracaminho.Maspa-rouameiodopercursoaoreceberanotíciadaquedadode-magogo.(Masagoraperguntoamimmesmo:eraoColadiRienzorealmenteumdemagogo?Confessoquenãotenhomuitopresenteahistóriadesteindivíduo.AssimquechegaraLisboa–quando?como?–tratareiderefrescaramemória).

Page 51: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

100 Estudos Italianos em Portugal

QuesepassaefectivamenteemPortugal?Comoéqueascoisasseencontramnestemomento?Será,terásido,aquedadoregime?Seassimé,seassimfor,longeestavaeudepre-verqueaItália,ArezzoePetrarcameficassemtãointima-menteligadosaesteacontecimentohistórico.

éclaroquemetenholembrado,constantemente,deoutro“acontecimento”(anotíciadamortedeSalazar,emSetem-brode1968)quetambémmecolheuaquiemItáliadessavezemRoma;enãopossodeixardepensar,comumpoucodeironiaecadavezmaiordescrença,nas“grandesesperan-ças”quedaíderivaram.Masnãovaleapenafalaragoranisso.Oquepareceéqueestoucondenado,comooFabricedelDongo,apassarinvariavelmenteaoladodeWaterloo…Oumelhor: longeesempreimersoemsugestõesdenaturezacultural.

00h.40m. Tocouagoraotelefone.Avozdoporteiro“…Lisbonastainterroto.Nonsipuoparlare”.

Aliásadmiradofiqueieudeterpodidofalaraseguiraoalmoço.Mascustabastanteirassimdeitar-mesemaomenosaesperançadetermaisnotíciasaindaestanoite.

NOTAS

Page 52: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

PETRARCANAVOzPORTUGUESADEVASCOGRAçAMOURA*

Xosé Manuel Dasilva

No passado ano de 2004, as comemorações do sétimocentenário do nascimento de Petrarca serviram, alémdomais, para preencher uma lacuna no património culturalportuguês.Comefeito,alínguadeCamõesnãotinhaatéagoraumaediçãocompletadaobrapetrarquescaescritaemitaliano,composta,designadamente,peloCanzoniereepelosTriumphi.Emplena fasederecuperaçãode textos funda-mentaisdasletrasclássicas,atravésdediversastraduçõesparaportuguês,VascoGraçaMouraachouporbemacabarcomessasituaçãodepenúrianoatinenteaopoetatoscano,enobreveprazodeapenasunsmesesdeuaopreloduasversõesdasmencionadasobras1.

Primeiroquetudo,éinteressantechamaraatenção,demodoespecial,paraadedicaçãodeGraçaMouraaoexer-cíciodevertertextosdeoutraslínguas,jáquenãorepresenta,noconjuntodasuaproduçãotãoplural,umaactividadedecategoria inferioroude transcendênciaacessória.HáquelembrarqueumdosreconhecimentosmaisimportantesqueoautordeA Sombra das Figurasrecebeu,oPrémioPessoa,foiatribuídoaoseuesforçocomotradutordeDante.Este

* AgradeçoarevisãodotextoaRúbenC.NunesDuarte.1 VascoGraçaMoura,As Rimas de Petrarca,Lisboa,Bertrand,2003;Vasco

GraçaMoura,Os Triunfos de Petrarca,Lisboa,Bertrand,2004.

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:103-111

Page 53: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

104 Xosé Manuel Dasilva Petrarca na Voz Portuguesa de Vasco Graça Moura 105

factonãodevedeixardeserfrisado,poispodeexistiraten-taçãodepensarnanaturezasecundáriadafacetadeGraçaMouracomotradutor,sobretudotendoemvistaasuavas-tíssimaprodutividadenestecampo,bemilustrada,aliás,nocasodePetrarca.émerecedoradeelogio,realmente,umatarefacomoaqueconsistiuemtrasladar,combonsresulta-dos,aobradoescritordeArezzo,tendoemcontaoperíodocronológicomuitoreduzidonecessárioparataltarefa.

Achavedosucessofoi,noinício,aquiloqueopróprioGraçaMouraqualificoucomoumaquestãodemétodo,istoé,dedestrezaparaseorganizar.QuantoàsRimas,essacapa-cidaderesumiu-se,porexemplo,natraduçãooudecincosonetos,oudeumacançãopornoite,e,paraosTriunfos,adiligênciaterásidosensivelmenteamesma.Nulla dies sine linea,portanto,foiumprincípiobasilarnolabortranslatóriodeGraçaMoura.Apenasaconstância,todavia,nãoexplicaadecisãodeteradoptadoumritmodetrabalhotãodiscipli-nadoe,alémdisso,tãovertiginoso.Houve,comcerteza,umaoutramotivaçãomaispoderosaemenostrivialnapre-ferênciaporumtalmétodo.Otradutorcompreendeuqueovalordométodoseapoiava,mormente,emmanterumlequedemecanismosemtensãoquelhepermitissemtrans-portar,semdissonâncias–numaentrega,porconseguinte,dotadadeunidade–,ocantooriginaldePetrarca,defeitiomagnificenteemtantosplanosdaexpressãoverbal2.Fixadodeantemãooprogramadetradução,edeacordocomométododescrito,GraçaMourapôsemportuguêsoCan-zoniere.Emseguida,sobomesmo“impulso”3–oucom a mão na massa,segundooutraspalavrasmaiscoloquiaisdoprópriotradutor–viu-se culminado o empreendimento com osTriumphi.

2 MárioSantos,“PetrarcasegundoGraçaMoura”,Público,1-11-2003.3 VascoGraçaMoura,“OsTriunfidePetrarca”,emOs Triunfos de Petrarca,

Lisboa,Bertrand,2004,p.11.

ParaconfirmarmosopesodapráticatradutoraemGraçaMoura,cumprerepararqueforamobjectodoseuapreço,comointuitodeosverterparaalínguaportuguesa,Ron-sard,Villon,Rilke,ShakespeareeDante,entreoutrosmais.MasporquêagoraPetrarca,quandoatrajectória literáriadoautordeAntologia dos Sessenta Anoséjámaiscompridadoquecurta?Houvequemopinasse,edeformacriteriosa,quePetrarcaconstitui,atécertoponto,umaagradávelno-vidadenomosaicocanónicoqueGraçaMouratemcons-truído comos autores que traduziu, levando em conta,nomeadamente,umaalusãodisplicenteaocantordeLauracomoaqueaparecenopoema“ODesgastedasImagens”,deA Furiosa Paixão pelo Tangível (1987)4.Esclareça-se,apropósitodisso,queastraduçõespetrarquescasdeGraçaMouranão tiveramorigememqualquerencomendadetipo editorial, demodoque a influência da data come-moradaporocasiãodocentenáriodograndeescritorterásido,nestaescolha,derealcelimitado.Qual,então,amo-tivaçãoparaasversõesdoCanzoniereedosTriumphi?Por-venturaaaceitaçãodefinitiva,porpartedeGraçaMoura,dainfluênciamarcantequePetrarcafoicapazdeexerceremtodaaculturaocidentale,emparticular,nahistórialiteráriaportuguesa.

épertinenterecordarqueGraçaMouracostumaconce-beroactodetransporumdadoautorcomoumaoportuni-dadefavorávelparaaprofundaraobradessemesmocriador.Poder-se-iadizerqueatraduçãoécontempladacomoviade percepção intelectual, e, assim sendo, também comoacçãodedimensõesmetaliterárias.IstoevidenciaquePe-trarcaé,hojeemdia,comdireitonatural,maisumapeça

4 FernandoJ.B.Martinho,“PetrarcanaPoesiaPortuguesaContemporâ-nea”,Petrarca 700 anos,coordenaçãodeRitaMarnoto,Coimbra, InstitutodeEstudos Italianos da Faculdade deLetras daUniversidade deCoimbra,2005,p.77.

Page 54: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

106 Xosé Manuel Dasilva Petrarca na Voz Portuguesa de Vasco Graça Moura 107

nomosaicodenomespredilectosdeGraçaMoura.Comadecisãodeotraduzir,oescritorportuguêsestariamostrando,aomesmotempo,umaresolutavontadedeconheceropoetaitalianodemaneiramaisarraigada.ésabidoque,atravésdaobradeGraçaMoura,apresençadoalheioadquire,nãoraro,carácteressencialnaqualidadederecursoartístico,maisaindaquandoestãoem jogoreferênciasde teorclássico5.

ParaládessemotivoqueteriaconduzidoGraçaMouraatraduzirPetrarca,háumaoutracausanãomenosimportante,porém,queestánabasedassuasversões.Comoantesficoudito,PortugalcareciadeumatraduçãointegraldoCanzo-niereedosTriumphi,oqueeraumaanomaliasósurpreen-denteemalgumamedida.Deumpercursosuperficialatra-vésdarecepçãoibéricadaobraemvulgardePetrarcalogoresultaaemergênciadetalideia6.

Emlínguaespanhola,aprimeiratraduçãoconhecidadosTriumphi,feitaporAntoniodeObregón,foipublicadaem1512,eéumaadaptaçãoemquintilhasheptassilábicas,deacordocomosmodelosentãoimperantesemsolopenin-sular7.Emmetroidênticosurgiriaatraduçãoseguinte,deÁlvarGómezdeCiudadReal8,asituaremdataanteriora

5 IsabelPiresdeLima,“Entredoismundos:referênciasclássicasnapoesiadeGraçaMoura”,Camões,2,1998,pp.109-116.

6 Vd.JoséMaríaMicó,“LaépocadelRenacimientoydelBarroco”,emFranciscoLafarga&LuisPegenaute,eds.,Historia de la Traducción en España,Salamanca,EditorialAmbosMundos,2004,pp.175-208;JoséFranciscoRuizCasanova,Aproximación a una historia de la traducción en España,Madrid,Cátedra,2000,pp.173-175;EsperanzaSeco,“HistoriadelastraduccionesliterariasdelitalianoalespañolduranteelSiglodeOro(Influencias)”,Cuadernos para la Inves-tigación de la Literatura Hispánica,13,1990,pp.41-97.

7 Vd.A.J.Cruz,“LosTrionfienEspaña:lapoéticapetrarquista,lateoríadelatraducciónylalenguavernáculaenelsigloXVI”,Anuario de Estudios Medie-vales, 25, 1995,pp.307-324;RoxanaRecio, “Traductor y traducción:LosTriunfos de la MuertedeObregónyColoma”,Livius,3,1993,pp.229-240.

8 El “Triunpho de amor” de Petrarca traduzido por álvar Gómez de Ciudad Real,Barcelona,PPU,1998.Edición crítica, introducción y notas de Roxana Recio.Vd.

1538.ParaalémdeumaoutraversãodeJuandeColoma9,somenteatraduçãodeHernandodeHozes,emmeadosdoséculo,respeitariaaformamétricaoriginal,utilizandooversodacassilábico.EstetradutorestavajáconscientedarevoluçãoqueasnovidadesintroduzidasporBoscáneGarcilasotinhamsignificadoparaapoesiaibérica,comosepodeverificarcomclarezanoprólogodestaversão.

RitaMarnotoindicou,commuitapertinência,queoele-vadonúmerode exemplaresde traduções espanholas embibliotecaslusasrevelaque,naaltura,muitosleitorespor-tuguesesasutilizavamparaseaproximaremdosTriumphi10.Contudo,ecomindependênciadealgumasnotíciasavulsassobreoutraspossíveis traduções, torna-se factível registar,comoamesmaestudiosaaponta11,aexistênciadeumaver-sãoemlínguaportuguesadestaobrapetrarquesca.Elaapa-rece num manuscrito guardado na Biblioteca e Arquivo

CarlosAlvar,“ÁlvarGómezdeGuadalajaraylatraduccióndelTrionfo d’amore”,emJuanParedes,ed.,Medioevo y literatura. Actas del IV Congreso de la Asociación Hispánica de Literatura Medieval, Granada, Universidad de Granada, 1995,pp.261-267;J.MaríaAzaceta,“PetrarcatraducidoporÁlvarGómez.Nuevosdatosparaelestudiodelinflujodelpoetaitalianoennuestralíricarenacentista”,emEl Cancionero de Gallardo,Madrid,CSIC,1962,pp.42-48;RoxanaRecio,La traducción del “Triunfo de amor” de Petrarca por Alvar Gómez de Ciudad Real: un estudio sobre la poesía de cancionero y sobre las teorías medievales y renacentistas de la traducción,AnnArbor,1993;RoxanaRecio,Petrarca y Alvar Gómez: la traducción del “Triunfo de amor”,NewYork,PeterLang,1996;RoxanaRecio,“Lascan-cionesintercaladasenlatraduccióndelTriunfo de AmordePetrarcaporÁlvarGómezdeCiudadReal”,Hispanic Journal,12,1991,pp.247-265;GiuseppeCarloRossi,“UnatraduzionecinquecentaspagnoladelTrionfo d’Amore”,Con-vivium,V,1959,pp.40-50.

9 MaríadelPilarManeroSorolla,“Triunfo de la muertedePetrarcatraducidoporJuandeColoma”,Anuario de Estudios Medievales,23,1993,pp.563-578.

10 RitaMarnoto,O Petrarquismo Português do Renascimento e do Maneirismo,Coimbra,UniversidadedeCoimbra,1997,p.27.

11 Marnoto,O Petrarquismo Português,pp.345-347.

Page 55: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

108 Xosé Manuel Dasilva Petrarca na Voz Portuguesa de Vasco Graça Moura 109

Distritaldeévora12,etrata-sedeumatraduçãoincompletarecuperadanoséculoXIXpeloViscondede Juromenha,queaincluiu,semfundamentológico,nasuaediçãodaobralíricadeCamões.

QuantoaoCanzoniere,asversõespeninsularesmaispri-mitivasforamfeitasemespanhol,tambémnoséculoXVI,porElBrocense,quetrasladou11sonetos,eporSalomónUsque,hebreudeorigemportuguesa,quepublicou,noanode1567,emVeneza,atraduçãodaPrimeira Parte13.Apri-meira tradução completa do Canzoniere para uma línguaibéricapertenceaHenriqueGarcês,nascido tambémemPortugal, terceiro tradutor espanhol de Os Lusíadas apósBentoCaldeiraeLuisGómezdeTapia,quedáàluzemMadrid,no anode1591,Los sonetos y canciones del Poeta Francisco Petrarcha14.Naverdade,nãosetemnotíciadequal-quertraduçãodoCanzoniererealizadaemPortugal.

12 Vd.GiacintoManupella,Uma anónima versão quinhentista dos Triunfos de Petrarca e o seu comentário,Coimbra,1974.

13 Vd.MaríadelPilarManeroSorolla,“LaprimeratraduccióndelasRimedePetrarcaenlenguacastellana:Los sonetos, canciones, mandriales y sextinas del gran poeta y orador Francisco Petrarca de SalomonUsque”, emAdolfo Sotelo,coord.,&MaríaCristinaCarbonell,ed.,Homenaje al profesor Antonio Vilanova,I,Barcelona,UniversidaddeBarcelona,1989,pp.377-391;FrancoMeregalli,“SulleprimetraduzionispagnoledisonettidelPetrarca”,emTraduzione e tra-dizione europea del Petrarca. Atti del III Convegno sui problemi della traduzione lette-raria,Padova,Antenore,1975,pp.55-63;VíctorEduardoKrebsBermúdez,“LastraduccionesdeunsonetodePetrarcaenelRenacimientoespañol”,emRoxanaRecio,ed.,La traducción en España. Siglos XIV-XVI,León,UniversidaddeLeón,1995,pp.191-220.

14 Vd.DámasoAlonso,“LarecepcióndeOs LusíadasenEspaña”,Obras Completas,vol. III,Madrid,EditorialGredos,1974,pp.9-40;umaprimeiraversão,sobomesmotítulo,foipublicadaemBoletín de la Real Academia Española,LIII,1973,pp.33-61;EugenioAsensio,La fortuna de OsLusíadas en España (1572-1672),Madrid,FundaciónUniversitariaEspañola,1973;depoispublicadoemEstudios portugueses,Paris,FundaçãoCalousteGulbenkian,CentroCulturalPortuguês,1973,pp.303-324;SousaViterbo,“HenriqueGarcês,tradutord’Os LusíadasemEspanhol”,Círculo Camoniano,1,1891,pp.316-323.

EstepanoramadasversõesibéricasdaobraitalianadePe-trarca,desenhadoaquisóatraçoslargos,levaaconfirmarqueatentativadeGraçaMourapossui,mesmonoséculoXXI,umasignificaçãohistóricaincontestável.Foinecessá-rioesperarsetecentosanos,oquenãoépoucotempo,paratermosemidiomaportuguêsumatraduçãototaldoCanzo-niereedosTriumphi.

édeinteresseanalisar,ainda,oscritériosquenortearamastraduçõespetrarquescasdeGraçaMoura.Emborafrag-mentárias,háalgumasreflexõessuasquantoaofenómenotradutorquepodemserúteis.Porexemplo,GraçaMouraopinouqueatranslaçãodetextospoéticosé,maisdoqueumaoperaçãomaquinal,umreptoalicianteemqueprevaleceanecessidadedetransplantaraquiloquedeterminaadiferençaestética–osemelhantedependesempredoóbvio–entreotextooriginaleotextotraduzido.Oobjectivonãoéobterumareproduçãosemsubstânciaprópria,masumprodutoquesejaefectivo,emtermosestéticos,paraonovoreceptor.Torna-se oportuno trazer à baila aquela consideração deGraçaMouraarespeitodeainfidelidadeser,amiúde,ome-lhorcaminhoparaatingir,natransferênciadogéneropoé-tico,afidelidademaisrigorosa15.

EstapercepçãodoqueéatraduçãopoéticalembraoqueOctávioPaz, para quem, por sinal, traduzir e criar eramoperações gémeas, expunha a propósito das composiçõesadmiráveis–etãoalheiasquantopróprias–doseuvolumeVersiones y diversiones.Opoetamexicanodiziaque,apartirdepoemasnoutraslínguas,tinhaprocuradofazerpoemasnasualíngua.Nãoéomomentodenosinternarmosnocon-flituosodebatesobreaconveniênciadeestarnacondiçãodemestredaescritaparatrasladarpoesia.Semespaçoparaargumentaçõeseréplicasacercadeumassuntotãoespinhoso,

15 VascoGraçaMoura,“JoãoBarrentoeopoçodeBabel”,Os Meus Livros,9,2003,pp.66-67.

Page 56: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

110 Xosé Manuel Dasilva Petrarca na Voz Portuguesa de Vasco Graça Moura 111

diga-seaquiapenasqueéaconselhável,aotraduzirliteraturapoética,exibirofícioartístico.Equemcostuma,demaneiraconsensual,estarnapossedaartedeescreveré–aomenospordefinição–oescritor.

NoqueconcerneàestratégiaquepresidiuaestasversõespetrarquescasdeGraçaMoura,háquefazersobressair,prin-cipalmente, a supremaciada formados textosdepartida.Preponderou,comefeito,aconservaçãodascaracterísticasmétricasdospoemas, comoamedida, a rimaeo ritmo.éumaopçãobemlegítimaafimdealcançar,nalínguaparaquesetraduz,umfielreflexodooriginalcorrespondente,sem incorrer,por isso,namera literalidade.Talpremissacumpriu-senocasodetodososgénerosquefazempartedoCanzoniere,dosonetoàsextina,incluindoascanções,asbala-daseosmadrigais,eestátambémpatentenocasodaterza rimadosTriumphi.

Ouseja,pode-sedizerque,tantoquantopossível,GraçaMouradecalcou–naacepçãomaisconscienciosadovocá-bulo–aaparênciadascomposiçõesdePetrarca,oqueim-plicaumaaltadosedehabilidadeartesanalporpartedotra-dutor.Umatalatitudenãotevecomocontrapartida,porém,amarginalizaçãodosingredientesconceptuaisqueoapri-moradodiscursodosversospetrarquescosdesvenda,oquedenota,porsuavez,umaelevadacapacidadecriadora.

Oméritoprimordialfoiatingirumpontodeequilíbrioentreconfiguraçãoexternaeelementossignificativos,semqueumdessesdoisaspectosfosseprivilegiadomaisdoqueoutro.Esseméritosóseconseguegraçasaumtrabalhopa-cientedenegociaçãopoética,renunciandocáeganhandolá, umas vezes sacrificando matizes e outras vezes com-pensandoessasperdas.Háqueevitaroriscodeconverteropoematraduzidoapenasnumaglosavulgardopoemaori-ginal, comoresultadodeaversão se submeter,demodoabsoluto,à tiraniadosconstituintesmétricosemprejuízodoscomponentessemânticos.

Emconclusão,aobradePetrarcaemitalianofica,apar-tir destas versõesdoCanzoniere edosTriumphi deGraçaMoura, aodispordos leitoresportuguesesna suapróprialíngua.Obalançoédignodeserdestacadoe,falandoemtextospetrarquescos,talveznadahajamaisadequadodoqueevocaraquelelouvorquedizrespeitoadoisilustrespetrar-quistas,GarcilasodelaVegaeJuandeBoscán.Nadedica-tóriado tratado aD.GerónimaPalovadeAlmogávar,oprimeiroexaltavaassimomerecimentodosegundo,comotradutordeIl CortigianodeBaltasardeCastiglione:

Y supovuestramercedmuybienescogerpersonaporcuyomediohiciésedesestebienatodos,quesiendoamiparecer tan dificultosa cosa traducir bien un libro comohacerledenuevo,dióseBoscánenestotanbuenamaña,quecadavezquemepongoaleerestesulibroo(pormejorde-cir)vuestro,nomeparecequelehayescritoenotralengua.Ysialgunavezmeacuerdadelquehevistoyleído,luegoelpensamientosemevuelvealquetengoentrelasmanos.

Page 57: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

PERSPECTIVASESUCESSOSDOSESTUDOSSOBREOPETRARQUISMO*

Roberto Gigliucci

Em torno da ocasião oferecidapelosétimocentenáriodonascimentodeFrancescoPetrarca,multiplicaram-seasreflexões sobre o fenómeno do petrarquismo: simpósios,ensaios, seminários, encontroseuropeuseextra-europeusfizeramopontodasituação.EmItália,umgrupodetraba-lho coordenado por Amedeo Quondam organizou umasériedecolóquios,começandopelodedicadoaPetrarca nel Novecento italiano1,que,cronologicamente,pelasuamatériasepoderiaconsiderarumaúltimaetapa.Oséculoqueaca-boudeseconcluirfoidefinidocomo“omaisdantescodahistória”,omaisplurilinguista e“infernal”, “catabático”,corpóreoepurulento,dizimadoporguerrasnuncavistase,maisdoqueisso,porumaviolênciasistematicamenteexal-tada.Contudo,avozdePetrarca,asualinguagememble-máticaeabsoluta,depoisdaexperiênciadeMallarméedeValéry,desfrutaramumrelevoessencialnaItáliadoherme-tismoquesepropagouatéaocomplexopetrarquismodezanzotto.Sabe-se,pois,queopetrarquismodoséculoXXéumpetrarquismohíbrido,embutidonumamatériaoutra,apontodepoderconvivercomheresiashistóricasquelhesãointernas,quandonãocomformasdeantipetrarquismo.

* TraduçãodeRitaMarnoto.1 Un’altra storia. Petrarca nel Novecento italiano,acuradiAndreaCortellessa,

Roma,Bulzoni,2005.

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:113-127

Page 58: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

114 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 115

Significativa,nessesentido,éaposiçãodoMontaleque,pelomenosemalgumassequênciasdasuaobra(emFinisterre,masjáanteriormentenosMottetti)declarateractivadoumseu‘petrarquismo’2.EmMontale,podemosreconhecerumdan-tismodepalavraseumpetrarquismodeemblemas.ComonaquelatradiçãometafísicaquedoManeirismo-BarrocovaiatéBaudelaireedaíatéElioteRilke,arecuperaçãodoreal,domatério-objectualeatédoprosaico‘moderno’,éfeitaàcusta da reintegração daqueles dados empíricos e opacosnuma dimensão de lampejo metafísico com significaçãometa-empírica.Oregressoaoplanofísicocomporta,pois,umaassunçãometafísicaa posteriori.Assimseidentificaumaheresiamaisoumenos interna aopetrarquismode longaduração.énoséculoXXqueessasquestõesvêmàliça.Porumlado,opetrarquismodapureza,daspalavrassemcorpode referentes,dosemblemaspuros (flores, frondes,ervas,sombras,antros,ondas,etc.),linguagemdeeleiçãonãosóporviadeumseumonolinguismo,como,esobretudo,porviadeumaabstracçãoideal.Esseéomodopoéticopetrar-quistaquelevaaMallarméedaíatéValéryeGuillénede-poisatéumcertohermetismoitaliano.Poroutrolado,omodopoéticodo“petrarquismometafísico”,oupoesiameta-físicatout court,apesardeterorigemnumacosteladoCan-zoniere,talvezmarginal,comoaprópriacelebraçãometafísicadedadosobjectuaismenores,por exemplo,uma luvadeLaura.Poderiamesmodizerque,daluvadeLauradescen-dem,quemsabe,osamuletosdeClizia,mastambémosle-quesdeMallarmé.éassimquedoscabelosdeLauradecor-remascheveluresdeBaudelaireedeMallarmé,doismodelosantitéticosdapoesiamoderna.Emsuma,noparadigmapetrar-quescoestá tudo, comono livrooriginário, comonuma

2 RobertoGigliucci,Petrarchismo metafisico e Montale,“Sincronie”,8,2004,15,pp.77-92,posteriormentedesenvolvidonovolume,Realismo metafisico e Montale,Roma,NuovaCultura,2005.

bíblia.Comoseopetrarquismo,sobretudoodoséculoXX,fossetãoforte(edesfigurado),apontodepoderconteremsitambémodantismo.E,contudo,estamosafalardeumpetrarquismoquepassou através dametamorfosebarroca(nasorigensdomoderno).AssiméparaUngaretti,apaixo-nadoleitordePetrarca,aquemconsagramagníficosensaios,massobretudoextraordinárioprotagonistadeumacomplexasimbiosecomaspoéticasbarrocas.Opetrarquismoungare-tianovaidapurezadassuasorigensàsmaisdeslumbrantesincrustaçõesgongóricasemetafísicas,atravessandoalíricadeShakespeare,paracomelascomporumopusverdadeira-mentealquímiconoqualvive,maisdoqueohistoriadordasformas,opoeta.Tudoistonosdevelevar,comoéóbvio,aprecavermo-nosdadivisão,talhadacomdemasiadasecuramilitar,deduasfacçõesnãocomunicantes,umapura,outrafísico-metafísica.Trata-sededoismodospoéticos,jáodis-semos,quecomotalpodemconhecerinfinitosconluioseinfinitoscambiantes.

Falou-sedoBarroco.Asegundaetapadoscongressosidea-dos por Quondam intitulou-se, precisamente, Petrarca in Barocco3.Oprefácioaovolumedasactas,poreleassinado,contémumaricaintroduçãoàsmaisrecentespesquisassobreopetrarquismo,consideradocomofenómenopenetrantedelongue duréequeacompanhatodaaculturadoclassicismonoAntigoRegime,continuandoamodelar a línguapoéticapelomenosatéLeopardi.Opetrarquismoé,sobretudonoséculoXVI,formadecomunicaçãodasclasseselevadas,lín-guadogentil-homemquetemdemostrarqueadominaparaparticiparnaculturacomum.Resumindo,éumpe-trarquismodekoine,destinadonãosóasancionaratãone-cessáriareformalinguística,naidadedaimprensa,mastam-bémaproporcionara fruiçãoda sua langueporpartedas

3 Petrarca in Barocco. Cantieri petrarchistici. Due seminari romani,acuradiAme-deoQuondam,Roma,Bulzoni,2004.

Page 59: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

116 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 117

pessoas‘civilizadas’,porpartedohomemedamulherdecorte,porpartedequemnãorenunciaàcivil conversazione.Nãoporacasosofreutãosignificativoincremento,nosúlti-mostempos,oestudodopanoramadasantologiaspoéticaspetrarquistasdoséculoXVI4,umverdadeiroboomeditorialiniciadocomaexperiênciapioneiradasRime diverseorga-nizadasporLodovicoDomenichiem1545paraoeditorGiolito.Essasantologiaseramautênticosespelhosdasocie-dademundano-literária do tempo, verdadeiros jardins daconversaçãodenível elevado entrepoetas deprofissão epoetasdiletantes.Todavia, sãoprecisamenteospoetasdeocasiãoquerepresentam,sociologicamente,afatiamaisinte-ressante,documentodanecessidadedodever estar lá,do‘pre-sencialismo’, por assim dizer, da sociedade renascentista.Além disso, também poetas ultraprofissionais, como umBemboouumDellaCasa,eramprotagonistasdavidasócio--literáriadotempo.

Aterceiraetapadopercursodoscongressosfoiassinaladapelaindagaçãoacercadopetrarquismoaquémdosespaçosdalírica,nosoutrosgénerosliterários.UmaexploraçãopelosTerritori del petrarchismo5,dacomédiaàtragédia,daépicaàfábulapastoril, etc.Reflexosdeummomentocrucialdahistóriadapoesiadeamoreuropeiaencontram-se,empar-ticular,napastoralquinhentista6.Aoembutirnumafabulaa

4 Rime diverse di molti eccellentissimi autori (Giolito 1545), acuradiFrancoTomasiePaolozaja,Torino,RES,2001;“I più vaghi e i più soavi fiori”. Studi sulle antologie di lirica del Cinquecento,acuradiMonicaBiancoedElenaStrada,Alessandria,dell’Orso,2001;M.L.CerrónPuga,Materiales para la construcción del canon petrarquista: las antologías de “Rime” (libri I-IX),“Criticadeltesto”,2,1999, 1 (n. monogr. L’Antologia poetica), pp. 249-290; Amedeo Quondam,Il naso di Laura. Lingua e poesia lirica nella tradizione del Classicismo,Ferrara-Mo-dena,ISR-Panini,1991,etc.

5 I territori del petrarchismo. Frontiere e sconfinamenti,acuradiCristinaMon-tagnani,Roma,Bulzoni,2005.

6 Remetoparaomeu,Giù verso l’alto. Luoghi e dintorni tassiani,Manziana,Vecchiarelli,2004.

‘cena’lírica,queapartirdePetrarcaédolorosa,trágica,desas-trosa,apastoralinverte-lheosentido,alterandooseudes-fecho,oqual,detriste,sefazalegre(excepçãofeitaaGiraldiCinzio),aomesmotempoquelevaacaboumacríticacor-rosivaaomodelodoamorinfeliz.Essa‘cenaprimária’dapoesiadeamor,quesedesenrolanosconfinsdoteatropsí-quicodopoeta,quandosefazcenateatralnaArcádiacon-firmaocaráctertrágicodafaltadecorrespondênciaamorosa,condenandoaqueladispersãoautodestrutivaqueparadoxal-mente se auto-exalta através da dor. Verdadeiro amor éaquelequerevertesobreumaalteridadequeretribui,nãooqueficaconfinadoàvoluptas dolendi infinitaecirculardosujeito.Emsuma,afábulapastorilrespondeaopetrarquismoreforçandooseucarácterinsubstituívelnoplanolinguístico,masdestruindo,comohappy ending,odesesperoqueonutredemortificaçãoerevivificação,ocircuitodenevrose de cortedondequersair.Eiscomoessafundamental‘descoberta’dotragicómicoassinala,apartirdeGuarini,umoutropassoemdirecçãoàmodernidadeatravésdaintersecçãodegéneroseestilos,ouseja,aumnívelmaisprofundo,atravésdeumaaproximaçãoàsubstancialambiguidadedoreal,numper-cursoqueconduz,viaBarroco,porMetastasio,DaPonte,Mozart,pelaóperasemi-séria,peloromance,pelodramaburguêse,finalmente,porPirandelloepelacomplexidadedohumorismo.

UmulteriorencontrofoiodedicadoaoPetrarchismo nel Settecento e nell’Ottocento,cujasactasaindaseencontramnoprelo7.Opetrarquismoarcádicoerige-seemfenómenoderegressoaopassado,ultrapassandoopretéritomaisrecente,ouseja,oséculoXVII.Todavia,aexperiêncialíricadosé-culoXVIIInãopodedeixardesercompreendidaàluzdasnovidadesedasinvençõesdoséculoprecedente.Encontrar

7 TambémeditadoemRoma,Bulzoni,acuradiSandroGentilieLuigiTrenti.

Page 60: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

118 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 119

oBarroconaArcádia,seguindoaspisadasdeCalcaterra,signi-ficatambémdescobrirnopetrarquismoarcádicoasformasda‘modernidade’quearticulameactualizamumprocessojásecular.AexperiênciacomplexaquevaideRolliaParini,comtodasassuasarticulaçõesinternas,continuaaterporpressupostofundadoroestetismodomoderno,abelezadorealnasuatransfiguraçãomítico-simbólica.Aassunçãodedadosda realidade (umcoche,umapaisagemurbana,umteatro,oritualdocafé,dogeladooudochocolate,aquedadocavalodeumasenhoranobre,etc.),nocosmosmíticoemetafísicodabelezasignificante,éummododeconceberapoesia,eportantoopetrarquismo,comassuascodificaçõeseassuasheresiasinternas,queaproximadosmaisvariadosmodosumPariniaumFoscoloeassimpordiante,atéCar-duccieD’Annunzio.Verdadeiranovadescontinuidade,nessesentido,éarepresentadaporumPascolimasodiscursosobreoseupetrarquismoétãosubtiledelicadoquemereciaserverdadeiramenteaprofundadoemestudoespecífico.

AsériedecongressoscoordenadaporQuondamculmi-noucomograndecongressode2004,emBolonha,Il petrar-chismo: un modello di poesia per l’Europa,cujasactasseencon-tramempreparação8.Umagrande empresa, dividida emsessõesplenáriaseparalelas,emcujoâmbitoamultiplicaçãodehorizontesdepesquisa foi,programaticamente,riquís-sima.Algumaslinhasdeinvestigaçãomantiveram-seinaba-láveis.Umadelaséaperspectivaeuropeia,frutodaqualsósepodelerahistóriadopetrarquismoanalisandoasuacom-plexidadeeassuascapacidadesdeinclusão,comtransplan-tesemterrasfrancesas,ibéricas,inglesas,etc.Aimagemfal-samentehomogéneadonossopetrarquismodoséculoXVIficarámelhorilustrada,nasuaefectivapluralidade,comoconhecimento,alémdomais,dadiversidadedasuarecepção

8 AcuradiAmedeoQuondam,GianMarioAnselmi,FlorianaCalitti,Lo-redanaChines,RobertoGigliucci,PaolaVecchiGalli,Roma,Bulzoni.

no estrangeiro, com a complexidade do classicismo, dosdiversosmaneirismos,dahibridaçãodosmodelos,dasde-clinaçõesmetafísicas,conceptistas,erótico-canoras,madri-galescas,etc.Umaoutralinhademétodoquedominouocongressofoiainterdisciplinaridadee,sobretudo,opropó-sitodeestabelecerrelaçõesdecolaboraçãoeconfrontoen-treliteratosemusicólogos.AdifusãodomadrigaledapoesiaparamúsicaentreosséculosXVIeXVII,atéaoboomedi-torialdetipologiasantológicasespecíficas,comooGareggia-mento poeticode16119,deveserperscrutadoporliteratosquenãorenunciemasinergiascommusicólogos.Opetrarquismomusicaléumdadosócio-antropológicoperfeitamentecom-plementardopuramenteliterário.

Naturalmente que, por ocasião do centenário, toda aEuropafoiteatrodesimpósiossobrePetrarcaeopetrar-quismo,desdeoseuextremoocidente,onde,emCoimbra,tevelugarumrequintadoencontrodeestudocoordenadopor Rita Marnoto10, até à oriental Varsóvia, onde PiotrSalwadirigiuumfervilhantecongressomultilingue11.Comefeito,aEuropa,aolongodasuahistória,sempreencon-trounopetrarquismoumalinguagempoéticacomum,umacepaidentitáriaapartirdaqualforamgerminandoindivi-dualidadesnacionais,cujosprodutos,aocircularem,reno-varamehibridaramtambémaprópriapoesiaitaliana.Aliás,aforçadopetrarquismonãofoitirânica,seseconfiguroucomoumsistemalinguístico-ideológicotãotoleranteque

9 Acercadoqual,AlessandroMartini,Ritratto del madrigale poetico fra Cinque e Seicento,“Lettereitaliane”,4,1981,pp.529-548.

10 Cujas actas foram publicadas: Petrarca 700 anos, coordenação de RitaMarnoto,Coimbra, InstitutodeEstudosItalianosdaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbra,2005.Nãosedeixedever,tambémdeRitaMarnoto,O petrarquismo português do Renascimento e do Maneirismo,UniversidadedeCoim-bra,1997.

11 La tradizione del Petrarca e l’unità della cultura europea,Varsóvia,27-30deMaiode2004,comactasnoprelo.

Page 61: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

120 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 121

conseguiuincluirasmaisproblemáticasdiferenças.OêxitodoséculoXX,comodissemos,érepresentativodessahis-tória:nocaldeirãooficinaldoNovecento,opetrarquismomanteveumaidentidadepluralque,porquantodesfigurada,sefazaindamaislancinante.Apontodesepoderdizerqueapoesia,naEuropa,éopetrarquismo.

Tambémaactividadeeditorial,peloquedizrespeitoatextospetrarquistas,assinalounotáveisincrementosnosanosmaisrecentes.Limitando-nosaodomíniodacasa-mãedaitalianística,eisumelenco(obviamentenãoexaustivo!)dealguns títulosde relevopublicadosnosúltimosdezanos:

–Bernardo Tasso, Rime, 2 vol., a cura di DomenicoChiodoeVercingetorigeMartignone,Torino,Res,1995.

–DragonettoBonifacio,Rime,acuradiRaffaeleGirardi,Fasano,Schena,1995.

–VeronicaGambara,Le rime,acuradiAlanBullock,Fi-renze,Olschki,1995.

–Rime de gli Academici Eterei, acuradiGinettaAuzzaseManlioPastoreStocchi, introduz. diAntonioDaniele,Padova,CEDAM,1995.

–Veronica Franco, Rime, a cura di Stefano Bianchi,Milano,Mursia,1995.

–Rimatori politici ed erotici del Cinquecento genovese,acuradiStefanoVerdino,Genova,Costa&Nolan,1996.

–Versi et regole della nuova poesia toscana. In Roma per Anto-nio Blado d’Asola. 1539, acuradiMassimilianoMancini,Roma,Vecchiarelli,1996.

–Luigi Tansillo, Canzoniere edito ed inedito, a cura diErasmoPèrcopo,[1926],n.ed.,acuradiTobiaR.Toscano,Napoli,Liguori,1996(comrecursoamanuscritosautógra-fospertençadoeditor).

–BaldassarreOlimpoda Sassoferrato, Gloria, a cura diClitoBruschi,Sassoferrato,CentroCulturale“BaldassarreOlimpo”,1996(omesmoeditoreomesmocríticopubli-caram,em1993,oLinguaccio).

–AscanioPignatelli,Rime,acuradiMaurizioSlawinski,Torino,Res,1996.

–Diego Sandoval Di Castro, Rime, a cura di TobiaR.Toscano,Roma,Salerno,1997.

–RemigioNannini,Rime,acuradiDomenicoChiodo,Torino,Res,1997.

–Giacomozane, Rime,acuradiGiovannaRabitti,Pa-dova,Antenore,1997.

–VittoriaColonna,Sonetti. In morte di Francesco Ferrante d’Avalos Marchese di Pescara (Edizione del ms. XIII,G,43 della Biblioteca Nazionale di Napoli),acuradiTobiaToscano,Mi-lano,EditorialeGiorgioMondadori,1998.

–OrsattoGiustinian,Rime,acuradiRanieriMercatanti,Firenze,Olschki1998.

–MichelangeloBuonarroti,Rime,acuradiM.Residori,Milano,Mondadori,1998.

–GiuseppinaLaFaceBianconi,AntonioRossi,Le rime di Serafino Aquilano in musica,Firenze,Olschki,1999.

–BerardinoRota,Rime,acuradiLucaMilite,Parma,Guanda,2000.

–La lirica rinascimentale,acuradiRobertoGigliucci,In-troduz. di Jacqueline Risset, Roma, Poligrafico e zeccadelloStato,2000.

–Isabella diMorra,Rime, a cura diMariaAntoniettaGrignani,Roma,Salerno,2000(ampliaereelaboraoseuprecedente contributo, Per Isabella di Morra, “Rivista diletteraturaitaliana”,2,1984,3,pp.519-554).

–Laura Battiferri Ammannati, Il primo libro delle opere toscane,acuradiEnricoMariaGuidi,Urbino,AccademiaRaffaello,2000.

–Benvenuto Cellini, Rime, a cura di Vittorio Gatto,Roma,ArchivioGuidoIzzi,2001.

–Rime diverse (Giolito 1545),acuradiFrancoTomasiePaolozaja,Torino,Res,2001.

–GiovanniDellaCasa,Rime,acuradiGiulianoTanturli,Parma,Guanda(Fondaz.Bembo),2001.

Page 62: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

122 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 123

–Poeti del Cinquecento,acuradiGuglielmoGorni,SilviaLonghi,MassimoDanzi,Milano,Napoli,Ricciardi,2001.

–SerafinoAquilano,Strambotti,acuradiAntonioRossi,Parma,Guanda,2002.

–LuigiCassola,Il canzoniere del codice Vaticano Capponiano 74,acuradiGiulianoBellorini,Piacenza,Tip.Le.Co.,2002(“Bibliotecastoricapiacentina”14).

–GiovanniDellaCasa,Rime,acuradiStefanoCarrai,Torino,Einaudi,2003.

–PietroBembo,Stanze,acuradiAlessandroGnocchi,Firenze,SocietàEditriceFiorentina,2003.

–Poetesse italiane del Cinquecento,acuradiStefanoBian-chi,Milano,Mondadori,2003.

–Il “canzoniere” inedito del Domenichi ‘mantovanizzatosi’. British Library, Add. 16557,acuradiFilippoMinetti,Pisa,ETS,2003.

–Lodovico Domenichi, Rime, a cura di Roberto Gi-gliucci,Torino,Res,2004.

–AntonFrancescoRaineri,Cento sonetti,Torino,Res,2004.

–ParideCeresara,Rime,acuradiAndreaComboni,Fi-renze,Olschki,2004.

–Lirici europei del Cinquecento. Ripensando la poesia del Pe-trarca,acuradiGianMarioAnselmi,KeirElam,GiorgioForni,DavideMonda,Milano,Rizzoli,2004.

–Fausto Sozzini, Rime, a cura di Emanuela Scribano,Roma,EdizionidiStoriaeLetteratura,2004.

–Torquato Tasso, Rime. Prima parte – Tomo I. Rime d’amore (secondo il codice Chigiano L VIII 302),acuradiFrancoGavazzenieVercingetorigeMartignone,Alessandria,Edi-zionidell’Orso,2004.

–Ludovico Martelli, Rime, a cura di Laura Amaddeo,Torino,Res,2005.

–Berardino Rota, Egloghe pescatorie, a cura di StefanoBianchi,Roma,Carocci,2005.

Note-se,emparticular,queforamtrêsasantologiasdelíricadoséculoXVIasucederem-seumasàsoutras,emquatroanos,desdeade2000,organizadaporquemescreve(La lirica rinascimentale);passandopelapublicaçãodopri-meirovolume,quecontinuaaseroúnico,daantologiadaRicciardiem2001(Poeti del Cinquecento);atéàágilcolec-tânea,masrica,daRizzoli(Lirici europei del Cinquecento),editadaporocasiãodocongressodeBolonha.Umanotá-velfibrilhação,sesepensarque,anteriormente,aúltimaoperação antológica tinha sido a deGiulioFerroni, em1978,sendonecessárioremontar,retrocedendonotempo,a1958paraadeDanielePonchiroli;a1957paraarecolhabásicadeLuigiBaldacci;ea1941paraadeCarloBo12.Ovolumedo ‘PoligraficodelloStato’dedicado àLirica rinascimentale éoúnicodostrêsorganizadosobaégidedeumúnicocrítico,queédizer,decorrentedepropósitosdeselecçãoeconstruçãohistoriográficaarquitectonicamenteestabelecidos,nãoseicomqueresultados,esperoprofícuos.Alémdisso,ocritériodeordenaçãonãoégeo-histórico,baseando-seantesemgerações.Pelocontrário,omonu-mentaltomodaRicciardi,quesaiuexactamenteumanodepois,frutodotrabalhoquehádécadaseralevadoacaboporváriosestudiosos,possuiindubitáveisqualidadesfilo-lógicas, que dele fazem um texto indispensável (peloBembodeGorniepeloBernideSilviaLonghi,masnãosó),apesardemostrar,porvezes,limitesdeactualização

12 Vd.,Lirici del Cinquecento,acuradiCarloBo,Milano,Garzanti,1941;Lirici del Cinquecento,acuradiLuigiBaldacci,Milano-Napoli,Ricciardi,1957,posteriormente,Milano,Longanesi,1975;Lirici del Cinquecento,acuradiDanielePonchiroli,Torino,UTET,1958,n.ed.acuradiGuidoDavicoBonino,1968;Poesia italiana del Cinquecento,acuradiGiulioFerroni,Milano,Garzanti,1978.(evd.tambémaAntologia della poesia italiana,dir.daCesareSegreeCarloOssola,2,Quattrocento-Settecento,Torino,Einaudi,1998,organizadacomacolaboraçãodevárioscríticos;especificamente,asecção,“Petrarchistiemanieristi”,éfrutodotrabalhodeMarcoAriani).

Page 63: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

124 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 125

bem patentes, sem que possa aspirar a uma interpreta-çãoglobaldofenómeno-petrarquismo.Objectivoessevi-sado,noutraperspectiva,pelosorganizadoresdovolumedaRizzolide2004,emcujaspáginasospoetasescolhidosse encontramdispostos segundoumadistribuiçãoqueétantogeográfica, como formal,demodoa criar,na suaorganização, um inquestionável efeito de riqueza, mas,alémdisso,umecletismoqueporvezesdesorienta.Emtodoocaso,trata-sedeuminstrumentomuitointeligenteeactualizado.

Emconclusão,faceatãosignificativaproliferaçãodeedi-ções,antologiaseestudossobreopetrarquismo,nestesúlti-mosanos,opanoramageo-históricoehistórico-formalmo-dificou-se?Tentemosproporumasintéticapontualização:

1. Omodelobembianodoclassicismovulgarmono-imi-tativodesfrutoudepredominanteimportâncianaformaçãodalínguacomumqueéoitalianoliterário,numaépocaemque a imprensa como medium ganhava crescente relevo.

2. Omodelobembianonãotransformou,porém,alíricadoséculoXVInumanoiteemquetodososgatossãopre-tos.Opetrarquismoéplural13,compósito,porvezesfeitodecontrastes,sendo-ojánocorpusdasrimasdeBembo.

3. Entreosnumerososcomponenteseasnumerosasins-tânciasquediversificamopetrarquismoapartirdedentro,háumaqueémuitosignificativaequeestáaserobjectodenovosestudos:ahibridaçãoentreimitaçãopetrarquescaeimitaçãodosclássicos.

4. Nessalinha,háqueinserirumrenovadointeressepelaformaepigramática14,comassuasrecaídasconceptuais,oso-

13 Háalgunsanosquetenhovindoainsistirsobreoassunto.éamesmaaposiçãodeStefanoJossanolúcidoensaiocontidoem,Nel libro di Laura,acuradiLuigiCollarileeDanieleMaira,Basel,Schwabe,2004,pp.91ss.

14 GiorgioForni,Forme brevi della poesia. Tra Umanesimo e Rinascimento,Pisa,Pacini,2001.

netoeomadrigal,e,portanto,pelodeterminantepapelquedesempenhaenquantopontonodalconducenteaoconcep-tismomaneirístico-barroco.

5. AcategoriadeManeirismolírico,cujadiscussãotam-bémfoiretomadanocongressode2004emBolonha(comintervençõesdeEzioRaimondi,AmedeoQuondam,GiulioFerroni,AndreaGareffieoutros),nãoperdeupréstimo,nomínimopeloquedizrespeitoàpoesiadasegundametadedoséculoXVI.Trata-sedecompreenderofenómenonasua significaçãohistórica,enquantochavegenealógicadomoderno,perspectivando-oàluzdaforterelaçãoqueman-témcomoBarroco,noquadrodagrandecharneiraeuropeiaconstituídapelosséculosXVIeXVII.

6. Asmaisrecentespesquisasemtornodagravitas15con-sentemumadescriçãohistoriográficacadavezmaisdefinidaeanalíticadavertentelíricaquevaidapoesia‘cortesã’aomarinismo:ofenómenodeelevaçãodonívelestilísticoqueseverificaemmeadosdoséculoXVIenasegundametadedacentúria(doúltimoBemboaDellaCasaeTasso)mis-tura-secomarecuperaçãodemotivoseimagensqueeramprópriosdalíricadotempodeSerafinoAquilano,mascomumnovoníveldesublimaçãoeelatio,factonãosóformal,comoideológico,tambémporsesituarapósoaristocráticoarranjolinguísticobembiano.

7. Opetrarquismoseráigualmente,ecadavezmais,mo-tivodeobservância,enquantofenómenosócio-antropoló-gicodelinguagem-espelhodacomunidadedoscultosedoscivilizados.Aíresideaimportânciadosestudossobreope-trarquismodecorrespondência,queédizer,sobreorelevodequedesfrutacomocircuitocomunicativo,emsentidoquerencomiástico,querderelaçãointer pares.

15 Vd.,porexemplo,AndreaAfribo,Teoria e prassi della “gravitas” nel Cin-quecento,Firenze,FrancoCesati,2001.

Page 64: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

126 Roberto Gigliucci Perspectivas e sucessos dos estudos sobre o petrarquismo 127

8. Opetrarquismofeminino,quedesdesemprefoiobjectodepesquisasespecíficas16,comportaumainteressantefoca-lizaçãonãosósobreosujeitodaescrita,comotambémsobreoobjectodedesejolírico-amoroso,quesão,pois,variantesinternasnoâmbitodosistemapetrarquístico.Quenãoseesqueça,nessaeconomia,alíricadeamorhomófilo,mas-culinaefeminina,comassuasimplicaçõesclassicísticas(mode-losovidianos,virgilianos,epigramáticos,etc.)ecomocunhotransgressivoquelheépróprio.

9. Adistribuiçãogeográficadopetrarquismocomocri-térioordenadoreclassificatórioésempreimportante,masdevesertemperadaporelementosdecompensaçãodesinalcontrário, tais como:a ‘comunhão’ linguísticadopetrar-quismo,sancionada,emtermosgerais,pelasantologiascoe-vas;anaturezanómadeou,pelomenos,asdeslocaçõesdealguns dos protagonistas (DellaCasa veneziano, romano,toscano; Bernardo Tasso modelo para meridionais, tantoquantoparaopúblicodaplaníciedoPó,etc.).

10. Daquidecorrequeopetrarquismoéfenómenoaserestudado,cadavezmais,numquadroeuropeu:asinvestiga-çõesemtornodasmodalidadesderecepçãoetransformaçãodosmodelositalianosnoestrangeiroensinam-nostambémmuitoacercadasdiversaspotencialidadesedosdiferentesânimosquefazempartedonossopetrarquismo.

Naturalmentequeestessãoapenasalgunspontosderefe-rênciaqueseencontramnaordemdodia,porentreasnovasrotasdosestudossobreopetrarquismo.Aaberturadehori-zontes,comoemparteseviu,progrediumuitonosúltimosanos.Nosventuros,mesmoquenosafastemosdoocasionalumbigodocentenário,outrashipótesesnãodeixarãodeserconfirmadaserenovadase,sobretudo,ostextos,emedições

16 Vd.,recentemente,“L’una et l’altra chiave”. Figure e movimenti del petrarchismo femminile europeo,acuradiTatianaCrivelli,GiovanniNicoli,MaraSanti,Roma,Salerno,2005.

críticas,emediçõescomentadas,continuarãoaserpublica-dos.Faltamàchamada,naverdade,muitosbig:faltamedi-çõesdeDomenicoVenier, deGiovanniGuidiccioni, deIacopoMarmitta,deLodovicoPaterno,deCelioMagno,deLuigiGroto,etc.Algunsdestesautoreseoutrosaindaestãoaseralvodepesquisasfilológicasquepassarãoaoprelodentrodetempossupostamentebreves.Otrabalhointer-pretativoemtornodacomplexidadedopetrarquismo,quedeixoudeserredutívelaumaetiquetasimplificadorausadanosmanuais,serácadavezmaisrobusto.17

17 Paraumabibliografiaentre1989e2000,vd.:GiorgioForni,Rassegna di studi sulla lirica del Cinquecento (1989-1999). Dal Bembo al Casa,“Lettereitaliane”,52,2000,pp.100-140;Rassegna di studi sulla lirica del Cinquecento (1989-2000). II. Dal Tansillo al Tasso,“Lettereitaliane”,52,2000,pp.422-461.

Page 65: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

OSéTIMOCENTENÁRIODEPETRARCAENTREPORTUGALEAITÁLIA

Rita Marnoto

Petrarca é um marco miliárionahistóriadacultura:“Nãoé,demodoalgum,umaformaritualizada,aquefazdePe-trarcaumautênticomestredosabereuropeu,paidaqueleHumanismoquetemnocruzamentoentresaberes,humanae litteraeeempenhamentocívicodefundoético,umadassuasmaisoriginaisparticularidades”,sublinhaGianMarioAn-selmiao iniciar aconferênciaqueproferiuaoCongressoInternacional, Petrarca 700 anos. O petrarquismo português,organizadopeloInstitutoInternacionaldaCasadeMateus1.Naverdade,remontaaoseumagistériooimpulsoàrefun-daçãodeumaRoma,deumaItáliaedeummundoàluzdeumaperspectivadegrandealcance,pedrabasilardaqueleprojectoinclusivoquehojedizemoseuropeu.

NascidoemArezzo,mantém,atémeadosdoséculo,umacasaemVaucluse,naProvença.Aíseretiraparasededicaràescrita.Contudo,assuasrelaçõescomacúriadeAvinhãoecomapoderosafamíliadosColonnasãomuitopróximas.VisitaoNortedaEuropaeaEuropacentral.MasaviagemquemaisoimpressionaéaquefazaRoma,em1336.AsruínasdoImpério,queentãoseencontravamaoabandono,

1 Petrarca 700 anos,coordenaçãodeRitaMarnoto,Coimbra,InstitutodeEstudosItalianosdaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbra,2005,p.103.

Est.Ital.Port.,n.s.,1,2006:129-138

Page 66: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

130 Rita Marnoto O sétimo centenário de Petrarca entre Portugal e a Itália 131

comovem-noprofundamente.Quatroanosdepois,láhá-deregressarparasercoroadocomlouros,comoospoetasdaAntiguidade.TinharecusadooconvitequelheforafeitopelaUniversidadedeParisparareceberessadistinção.équeaUniversidadedePariseraograndebaluartedaescolástica,essemesmométodoquePetrarcacombatia.Apartirde1352,eatéàsuamorte,em1374,deambularáporváriascidadesdoNortedaItália.Bocácio,maisnovodoqueelecercadedezanos,censura-oporaceitaraprotecçãodosVisconti,queeramconsideradostiranos.Responde-lhecomumacartaondelhedizqueaúnicaliberdadeéadoespíritoequeoseuespíritoéverdadeiramentelivre.Comoautordeculto,nãotardoutambématerosseuslugaresdeculto.Vaucluselogosetornoumetadeperegrinação.FranciscodeHolanda,quandoregressadeItália,em1540,fazumdesvionarotadosAlpesparairaVaucluse.Fixouasuaimagemnumdese-nhoaguareladoqueconstituiaprimeirarepresentaçãopaisa-gísticadolugar.

Aamigos,funcionáriosdaschancelarias,ou,até,apessoasquesómuitovagamenteconhecia,solicitavacominsistên-cianotíciasdemanuscritosdaAntiguidadequeeventual-menteseencontrassemadormecidospelasprateleirasdassuasbibliotecas.Nãosetratava,demodoalgum,defazeruma mera colagem de um passado sobre um presente.éfascinante,consideradoàluzdateoriahermenêuticacon-temporânea,osentidoquePetrarcaconfereàtemporali-dade.Lerosclássicos,lerosautoresmedievais,temsentidoemfunçãodeumaactualizaçãoqueseofereceaofuturo,atravésdoprojectohumanista.OsobjectivoscivilizacionaisdaAntigaRomasãotranspostosparaacerimóniadoCapi-tólio,ondeécoroadoporumSenador romano,mas sódepoisdetersidoexaminadopeloreiRobertodeNápo-les,queconsideravaafiguramaiscultadoseutempo.OsideaispolíticosdaurbssãotraduzidosatravésdoapoioquedáaColadiRienzo,oquelhecustaodistanciamentoda

famíliadosColonna,seusprotectores.Damesmaforma,eacadamomento,sujeitaessepassadoaumaeloquenteanálisecrítica,particularmenteseveraparacomaescolás-tica.Afórmulaquefazdeleoprimeiromodernotemumvaloremblemático.

Emlatim,escreveutratados,cartas,umguiadeviagematéàTerraSanta,comentáriosàmargemdoslivrosquelia,eatéasapostilhasàssuasduasúnicasobrasemvulgar.Fez--noscrerqueasualínguaeraadosautoresáureosdoImpé-rioromano.Escreveuduasobrasemvulgaritaliano,oCan-cioneiro e os Triunfos, às quais, mesmo assim, deu títuloslatinos,TriumphieRerum vulgarium fragmenta.OsTriumphinão foramacabados.Por suavez, trabalhouno livrodosFragmentaatéaofimdosseusdiasedeixouaindapáginasembrancointercaladasparacopiarmaispoemas.Quandolheschamanugae,deixa-nosperplexos.Sinceridadepura?Gostodeerudito,aorepetiromesmoqueCatulodiziadosseusversos?Atitudedeumhumanistadivididoentreodeverprogramáticodeusarsóolatim,easemoçõesdalínguaquecriou?Ocertoéque,paraosensocomum,PetrarcaficoucélebrecomoamantedeLaura.Asuapoesiatemtamanhaexcelênciaefoi-lheconcedidaumatalautoridadeliteráriaqueficouconsagradaporumatradiçãoqueseestendeatéaosnossosdias.

OCancioneiro,porantonomásia,foiopilarsobreoqualsefirmoua líricamoderna.Resultadeuma intersecção,extremamenterefinada,entreapoesiadaAntiguidade,dolce stil novoeherançatrovadoresca.Ocruzamentodecomponen-testãováriossóépossívelemfunçãodeumaplataformacomummuitoforte:aintimidadecomqueoamanteousadesdobrartodososacordesdeumaalmaquevivedivididaentre o anseio de alcançar a felicidade à face da Terra,amandoLauracomomulher,eaconsciênciapecaminosadequemsabequeLauraéumanjo,ecomotalsópodeseradoradaàdistância.Poressavia,Petrarcarasgaaqueledes-

Page 67: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

132 Rita Marnoto O sétimo centenário de Petrarca entre Portugal e a Itália 133

centramentoqueécondiçãodoserquesepensa.Foiumcriadordeficções.Selhechamamoprimeiromoderno,étambémporquecriouinterrogando,descentrando,tirandopartidodaambiguidade.Colocouaosseusleitoresdúvidasqueaindahojecontinuamasuscitarvivascontrovérsias,ehão-de continuar a suscitá-las. Reinventou o seu nomequandofoialunodaUniversidadedeMontpellier.Nãotinhanomedefamília.Oseupaichamava-sePetracco,diminu-tivodePetro,e,apartirdaí,construiuonomedePetrarca,maissoante.Dedicouoseuamoraumacriaturacujaexis-tênciadeixouenvoltanumhalodeambiguidades.GiovanniColonnater-lhe-iaescritoumacartaadizerqueesseamorerafingimento.Responde-lhedeformaenfática,queixando--sedequantosofreporLaura.MasatalcartadeGiovanniColonnanuncafoiencontrada.Expedienteparacriarumefeitoderealidade?Noseumaisqueridomanuscrito,Vir-gílio,anotaamortedeLaura,napestede1348.Mascon-tinuaadedicar-lheversoscomoseestivesseviva.Aperso-nagemdeAugustinus,nodiálogoSecretum,dizqueLauraeraumamulhercasadaquetevemuitosfilhos.AdverteFran-ciscusporamaronomedeumamulher,umnomecujosomésemelhanteaodapalavraquedesignaolourocomquesãocoroadosospoetaslaureados.Nosseusversos,tudovolteiaemtornodeumcentro,o“eu”dopoeta.Océlebresenti-mentodanatureza,omaisraramentereferidosentimentodotempo,afigurafeminina,tudoissoganhaformaliteráriaemfunçãodasuasubjectividade.Lauraéocentroaparentedapoesia,oobjectodapalavra,dodesejodapalavra.Over-dadeirocentroéopoeta.Porestavia,Petrarcaconsagraolirismocomoespaçodedescentramento.Dopoeta,fazumeternoperegrinoporentreasfendasdalinguagem.Dafigurafeminina,fazcentroaparenteedescentrado.Falardealguémqueéobjectodedesejoeobjectodepalavra,peregrinandopeloeternovazioda linguagem.NolimiardoModerno,paraládoModerno,éaessênciadolirismo.

édessanesgadeinquietudequebrotamosfundamentosdeumcódigopoéticodeincidênciasecularqueserviude“auto-estrada”atodoolirismo,parausarumafelizexpres-sãodeAmedeoQuondam,atéaoadventodoRomantismo2.Naliteraturaportuguesa,aimitaçãodePetrarcaficoutra-duzidaatravésdeumfenómenoextraordinariamenterico,o petrarquismo português. A distância, no espaço e notempo,quecorriaentreapontaocidentaldaEuropa,eessecentroirradiadordemodelosdotadosdeumaenormecapa-cidadepropulsora,queeraaItália,favoreceufenómenosdehibridismoquesómuitoparcelarmenteencontraramcor-respondentenoutras literaturaseuropeias.Avitalidadedopetrarquismoportuguêsdecorre,emboaparte,dafacilidadecomqueoantigoeonovoentramemdiálogofranco,numpanoramaabertomas,aomesmotempo,caracterizadoporpermanências de substratomuito activas.Essa articulaçãoencontrouemCamões,semdúvida,oseugenialintérprete,pelomodocomosouberepresentarodissídioentreaTerraeoCéu,entreobichotãopequenoeadesmesuradosseusanseios.Masestábempatentenaactualidade,quernoplanodacriaçãoliterária,queremâmbitocrítico,esemserestrin-giràculturaerudita.Laura:foionomeescolhidoparaare-vistadearquitecturadaUniversidadedoMinho.

AvastidãodosterritóriospostosemmovimentopelafiguradeFrancescoPetrarcaepelatradiçãoquedoseumagistérioirradiaerigiu-se,pois,comascelebraçõesdosétimocentená-riodoseunascimento,emmotivoparticularmentepropíciopara a dinamização do intercâmbio cultural luso-italiano.

Recorde-se,antesdemais,queparaprepararascomemora-çõesoGovernoitalianocriouumaComissãoNacional,pre-sididaporMicheleFeo.Napágina<http://www.franciscus.unifi.it/>, encontram-se disponíveis muitas informações

2 Il naso di Laura. Lingua e poesia lirica nella tradizione del Classicismo,Ferrara,Modena,IstitutodiStudiRinascimentali,Panini,1991.

Page 68: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

134 Rita Marnoto O sétimo centenário de Petrarca entre Portugal e a Itália 135

acercadeeventos,projectosepublicaçõesassociadosàefe-méride.Opontodasituação,comrespeitoàediçãonacionaldaobradopoetaeaoutrosprojectosdeinvestigaçãoemcurso,ficacontidononutridocatálogodaexposiçãoqueemfinaisde2003foiinauguradaemArezzo,paradepoisservistaemoutrascidadesitalianas3.Actualmente,estáemcursoarealizaçãodeumdicionáriotemáticoedeumaoutraexposi-ção,destafeitadedicadaàbibliotecadePetrarca.Subjaz-lhe,tambémnestecaso,umtrabalhodeinvestigaçãocujascon-clusõesirãosersintetizadas,damesmaforma,nocatálogodamostra.Sobaégidedessa comissão, forampublicadosalgunstextosdoPetrarcalatino4.

PeloquedizrespeitoaoPetrarcaemvulgar,temopúblico--leitoràsuadisposiçãoguiasindispensáveisparaumaabor-dagememprofundidadedosRerum vulgarium fragmentaedosTriumphi.Em1996,nacolecçãoIMeridiani,forameditadosdoisportentososcomentários,umaoCancioneiro,feitoporMarcoSantagata,outroaosTriumphi,comasrimasextrava-ganteseocodice degli abbozzi,porVinicioPaccaeLauraPao-lino5.Docomentárioàprimeiradessasobras,foifeitauma

3 Petrarca nel Tempo. Tradizione, lettori e immagini delle opere, a cura diMichele Feo,ComitatoNazionale per ilVIICentenario dellaNascita diF.Petrarca,2003.

4 ForameditadospelaComissãodoCentenáriooucomoseuapoio:F.Pe-trarca,Senile V 2,acuradiM.Berté,Firenze,LeLettere,1998;E.Rauner,Petrarca-Handschriften in Tscechien und in der slowakischen Republik,Padova,Ante-nore,1999;FedericaSantirosi,Le postille del Petrarca ad Ambrogio (codice parigino Lat. 1757),Firenze,LeLettere,2004;LauraRefe,Le postille del Petrarca a Giu-seppe Flavio (codice parigino Lat. 5054), Firenze, Le Lettere, 2004; FrancescoPetrarca,Contra eum qui maledixit Italie,acuradiMonicaBerté,Firenze,LeLettere,2005;FrancescoPetrarca,Invective contra medicum. Invectiva contra quen-dam magni status hominem sed nullius scientie aut virtutis,acuradiFrancescoBausi,Firenze,LeLettere,2005.

5 FrancescoPetrarca,Trionfi, rime estravaganti, codice degli abbozzi,acuradiVinicio Pacca e Laura Paolino, introduzione di Marco Santagata, Milano,Mondadori,1996,comsucessivasreimpressões.

novaediçãoactualizadaem20046.Entretanto,aumpano-rama jápor si tãorico,veio-seaacrescentar,mais recen-temente, omonumental comentário aoCancioneiro queRosanna Bettarini há longos anos tinha em preparação7.

Noquadrodointercâmbioluso-italiano,econtinuandoafixaranossaatençãosobreoquesetemvindoafazeremItália,nãoescassearamfocosdedinamização.ApresençadePetrarcaemPortugalfoiobjectodeensaiosespecializados,deintervençõesemcongressos8edeapresentaçõespanorâ-micas.Osestudiososdopetrarquismoforampresenteadoscom anotícia da posse, por parte daFundaçãoCalousteGulbenkian,deumimportantemanuscritocomoCancio-neiroeosTriumphi,decoradocomdelicadasiluminuras,quefoiexecutadopelabottegaflorentinadeFrancescod’AntoniodelChierico.AdquiridopelopróprioGulbenkian,sofreudepoisdanosqueimplicaramumaturadoedelicadotraba-lhoderestauro,peloquepermaneceuinacessívelduranteumcertoperíodode tempo.Oseuestudoespecífico foilevadoacaboporAiresA.Nascimento,numensaioque

6 Francesco Petrarca, Canzoniere, edizione commentata a cura di MarcoSantagata, nuova edizione aggiornata, Milano, Mondadori, 2004. A mesmaeditoraprojectalançá-lo,brevemente,numamodalidadeeconómicadegrandetiragem.Foitambémeditado,nopresenteanode2006,emtraduçãopolaca.

7 Canzoniere. Rerum vulgarium fragmenta,acuradiRosannaBettarini,Torino,Einaudi,2005,2v.

8 A saber, “Petrarca inPortogallo. ‘Ad eorum littus irem’ ”, conferênciaapresentadaaoConvegno Internazionale di Studi Petrarca nel Mondo,realizadoemIncisainVald’ArnoemJulhode2004;e“Laurabianca,Bárboranera.LeletturediCamõescomericonversionealcanone”,conferênciaapresentadaaocongressorealizadonaUniversidadedeBolonha,Il Petrarchismo: un Modello di Poesia per l’Europa. Convegno Internazionale di Studi,emOutubrodomesmoano.Asactasdessescongressosencontram-seempreparação.Recorde-setambém“RiscoprirePetrarca.Petrarca,Camões,ManuelAlegre,AlexandreO’Neill”,conferênciarealizadanoDepartamentodeLínguaseCulturasNeolatinasdaUniversidadedeFlorença.ProferidasporRitaMarnoto.

Page 69: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

136 Rita Marnoto O sétimo centenário de Petrarca entre Portugal e a Itália 137

publicouemItália,narevistaCultura Neolatina9.Essaspági-naserigem-seemoportunidade,alémdomais,paraarevi-sãodequestõesqueseprendemcomapresençademanus-critosdePetrarcanasbibliotecasportuguesas.Porsuavez,numartigoeditadonarevistaCritica del Testo,RitaMarnotodesenhaopercursodopetrarquismoportuguêsquinhentista,acompanhandoomodocomoéelaboradaatranslaçãore-criativadosonetodeaberturadoCancioneiro10.Noquadrodas visões de conjuntodo fenómenodopetrarquismo, aespecificidadeda situaçãoportuguesa é contempladapelaantologiaLirici europei del Cinquecento. Ripensando la poesia del Petrarca,organizadaporGianMarioAnselmi,KeirElam,GiorgioFornieDavideMonda,bemcomopelosnúmerostemáticoscomqueasrevistasIn Forma di ParoleeL’Erasmorecordaramaefeméride.NaantologiadeAnselmi,anotade apresentação do petrarquismoportuguês, assinada porRobertoMulinacci,éacompanhadaporumaantologiapoé-tica bilingue11. Também a introdução crítica de ValeriaToccopublicadaemIn Forma di Paroletemporsequênciaumflorilégiobilingue12.Por suavez, emL’Erasmo,RitaMarnotofazumainterpretaçãodopetrarquismoportuguês,focandoassuasrelocaçõesaLesteeaOeste13.

Se,deItália,passarmosparaPortugaleparaasactividadespromovidasnomesmoâmbito,destacam-sedoiscongressos,

9 “ManuscritoquatrocentistadePetrarcanaColecçãoCalousteGulbenkian,emLisboa:CanzoniereeTriumphi”:Cultura Neolatina,64,3-4,2004,pp.325-410.

10 “Spero trovar pietà, nonché perdono.TraduçãoeimitaçãonolirismoportuguêsdoséculoXVI”:Critica del Testo,6,2,2003,pp.837-851.

11 “Un’immagine del petrarchismo portoghese”, de Roberto Mulinacci,pp.1073-1129dacitadaantologia,Milano,Rizzoli,2004.

12 “PetrarcainPortogallo”,acuradiValeriaTocco:In Forma di Parole,2,1[Petrarca in Europa],4ªs.,24,4,1,2004,pp.110-196.

13 RitaMarnoto,“Dove Petrarca scrisi. Loco beato.Petrarchismotransculturale:il Portogallo del Cinquecento nelle rotte oceaniche”: L’Erasmo, 22, 2004,pp.54-60.

oSegundo Encontro de Italianística. Petrarca 700 Anos. Instituto de Estudos Italianos 75 anos,organizadoa4e5deMaiode2004pelo InstitutodeEstudos ItalianosdaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbra,eoCongressoInter-nacional,Petrarca 700 anos. O Petrarquismo Português,orga-nizadopeloInstitutoInternacionaldaCasadeMateusde11a13deJunhoemMateus,ecujasconclusõesforamapre-sentadasàUniversidadedeCoimbraa14deJunho.Asactasdosdois simpósios forampublicadas conjuntamentenumvolumequesereparteporquatrosecções14:Petrarca na actua-lidade(LucianaStegagnoPicchio,JoãoR.Figueiredo,XoséManuelDasilva,VascoGraçaMoura,FernandoJ.B.Mar-tinhoeGiulioFerroni);A afirmação do cânone na Itália do “Cinquecento” (Gian Mario Anselmi, Roberto Gigliucci,ManuelCadafazdeMatoseAmedeoQuondam);Percursos do petrarquismo na Península Ibérica (Rita Marnoto, MariaManuelaToscano,SylvieDeswarte-Rosa,SoledadPérez--AbadínBarro,MariaManuelBaptista,HélioJ.AlveseGiu-liaPoggi); eO tempo de Petrarca (LeonelRibeirodosSantoseGionaTuccini).Porsuavez,naFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeLisboa,ErnestoRodrigueseIsabelAlmeidaintegraramnocicloDo Renascimento ao Barrocoaconferência“Petrarca,entrePortugal,aItáliaeasrotasoceânicas”,pro-feridaporRitaMarnotoa22deMarçode2004.

Quantoàactividadeeditoriallevadaacaboporrevistaspor-tuguesasespecializadas,dedicaramnúmerosmonográficosaPetrarcaeaopetrarquismoaRevista Portuguesa de História do Livro,com umconjuntodeestudos,repartidopordoisnúme-ros,quehomenageiaEugenioGarin15,eEuphrosyne. Revista de Filologia Clássica16.NaprimeiracolaboramJoséV.dePina

14 Petrarca 700 anos,coordenaçãodeRitaMarnoto,Coimbra,InstitutodeEstudosItalianosdaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbra,2005.

15 Ano8,n.15e16de2004.16 N.s.,33,2005.

Page 70: estudogeral.sib.uc.pt · ÍNDICE Editorial 5-8 Dossiê – Francesco Petrarca, 1304-2004 9-138 Ensaios Marco Santagata, Nascer duas vezes. Vicissitudes da lírica italiana dos primeiros

138 Rita Marnoto

Martins,RitaMarnoto,JeanLacroix,EnricTormoBallester,ManuelCadafazdeMatos,VandaAnastácio,FrancescoSoave,LuísAndréNepomucenoeMariaValentinaMendes.Ase-gundapublicaumasériedeestudosqueprivilegiaavertentelatina,deAlainMichel,FrancescoTateo,SilviaRizzo,RodneyLokaj,AlejandroCoroleu,FabioStok,GuillermoSerés,Ma-riaElisaLageCotos,IdaMastrorosa,CarloSantini,JandenBoefteAnaMaríaSánchezTarrío.Nasecçãoderecensões,éincluídaumanota,redigidaporAiresA.Nascimento,sobreasediçõesdaobradeFrancescoPetrarcaquetêmvindoaserdadasaopreloemFrança17.TambémemPortugalseespe-ramavançosnosentidodadisponibilizaçãodasuaobralatinaem tradução portuguesa. O texto das epístolas FamiliaresestáasertraduzidoparaImprensaNacional-CasadaMoeda.

PeloquedizrespeitoaoPetrarcaemvulgar,ocentenáriodonascimentocoincidiucomaediçãodaprimeiratraduçãocompleta18,publicadaemPortugal,doCancioneiroedosTriumphi,elaboradaporVascoGraçaMoura.Emambososvolumes,originalitalianoeversãoportuguesasãocolocadosfaceaface,precedidosporumaintroduçãoeacompanhadosporalgumasnotasexplicativas.OCancioneirofoigalardoadocomoprémiointernacionalDiegoValeri2004,noâmbitodoprémioMonseliceparaatradução.Aatribuiçãoàmesmaobra,pelaUniversidadedeCoimbra,nopresenteanode2006,doprémiodetraduçãoparapoesiaPauloQuintela,mostracomooscaminhosquepassamporPetrarcaepeladifusão e recriaçãodo seumagistério, entrePortugal e aItália,corremporviasconvergentes.

17 Pp.484-486.18 Acercada identidadedoprimeirotradutordoCancioneiroparacaste-

lhano,ojudeudeorigemportuguesaSalomãoUsque,escreveuAntónioAndrade,“AfiguradeSalomãoUsque:afaceocultadohumanismojudaico-português”:Gramática e Humanismo. Actas do Colóquio de homenagem a Amadeu Torres,MiguelGonçalvesetalii(org.),Braga,FaculdadedeFilosofia,UniversidadeCatólicaPortuguesa,2005,vol.2,pp.15-25.