Era Natal no reino da Princesa Eraser.(Ela não gosta de ser chamada de Princesa Borracha.)
Ela · Havia cães, tantos, ela já não gosta de cães, não gosta mesmo, desde o dia em que foi...
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Ela Estava um lindo dia de verão. Aquela hora, o sol já aquecia, e no ar límpido
respirava-se o cheiro da terra quente.
Era dia de semana, mas as férias traziam muita gente ao parque. As famílias
chegavam, escolhiam um lugar ao fresco e por ali ficavam com as crianças a
cirandar por todo o lado.
Raio dos putos que tem tanta energia, pensava ela, quando forem da minha
idade e tiverem que ir trabalhar quero ver para onde vai essa energia toda?
Os mais velhos logo preparavam as suas trouxas para iniciar a merecida
soneca.
Porque raio vem eles para cá? Só para dormir e comer? isso faziam em casa...
Havia cães, tantos, ela já não gosta de cães, não gosta mesmo, desde o dia em
que foi atacada por um cão vadio enquanto trabalhava. Foi um susto muito
grande e guarda como recordação um grande cicatriz na perna.
Ela tudo observava através da vedação de arame que envolvia o parque.
Era uma grande mancha verde que se estendia por toda a colina, tinha
diversões para os mais pequenos, sombras para os mais preguiçosos e relvados
enormes para quem quisesse disfrutar do sol. Juntavam-se ali milhares de
pessoas aos fins de semana. Quer dizer ela não via o parque todo, mas pelos
carros que passavam conseguia fazer as contas.
Um dia também gostaria de trazer cá os filho para merendar. Talvez até a Justa
com os filhos e a Cacilda viessem com ela...
Sim , iria combinar com as amigas.
Só tinham que arranjar transporte mas podia falar com o Carlos das vendas
ambulantes, ele passa muito por aqui, ela já o tinha visto. Ele podia trazê-los a
todos na parte de trás da carrinha. Ela logo pensaria em alguma forma de lhe
retribuir o favor...
Sim, falaria com o Carlos.
Traria o seu vestido de algodão azul, fresco e que lhe dava um ar de senhora.
Escolheria aquela toalha de mesa que lhe tinham oferecido há uns anos e nunca
tinha usado, lá porque era para comer no chão não quer dizer que não pudesse
usar uma boa toalha.
Pensava no que traria de comida. De certeza rissóis, são a comida preferida do
seu mais novo, batatas fritas claro, sumos, omeleta para a filha e até gelatina
para a sobremesa.
Sim, faria isso.
A Justa tinha boa mão para bolos, iria pedir-lhe para fazer o seu bolo de laranja,
que tanta fama tinha lá na rua.
A Cacilda traria uma salada russa de certeza, andava sempre a gabar-se da sua
salada russa. O que ela desconfiava, na verdade, era que a rapariga não sabia
fazer outra coisa.
Não sei como vai arranjar marido? Será que o namorado quando vai lá a casa
come salada russa todas as vezes?
Com a colaboração das três para a merenda, com os filhos dela e da Justa para
brincarem juntos, com a Cacilda e o namorado ( A Cacilda não vai a lado
nenhum sem o namorado...), tinha a certeza que a tarde seria bem passada.
Sim, tinha a certeza.
Os gritos aumentaram e desviaram a atenção dos seus pensamentos, estava a
iniciar-se uma partida de futebol logo ali no relvado à sua frente. Não havia dia
em que ela ali estivesse que não houvesse uma partida de futebol.
Como ainda era cedo e os clientes só começariam a chegar um pouco mais
tarde deixou entreter os olhos com o jogo. Ajudava a passar o tempo e a distrair
a cabeça.
A partida terminou com muitos golos para os dois lados, não prestou atenção a
quantos ao certo mas parece que todos ficaram contentes com o resultado.
A tarde já ia a meio, o calor estava agora insuportável. Precisava de se refrescar
mas tinha se esquecido de trazer água. Lá teria que aguentar.
Podia trazer o baralho de cartas, se o encontrasse, não iria dormir nessa tarde,
não senhora. Para vir passar aqui o dia seria para aproveitar.
Era boa a jogar sueca e queria a desforra do último jogo, que na altura, estava a
ganhar mas não tinha terminado, porque à Justa deu-lhe para os copos nessa
noite.
Traria uma bola para o filho, umas revistas para a filha e para a Cacilda.
Sim, tinha tudo planeado.
Entretanto chegou o primeiro cliente, e depois de acertarem o preço do serviço
( cada vez regateavam mais... é a crise dizem eles...), atravessou a estrada e
seguiu atrás dele para a mata. E enquanto o fazia olhou de relance para o
parque e vislumbrou de novo toda aquela gente a divertir-se e lembrou-se:
A bêbeda da Justa não poderia vir partiu a anca num dos seus tombos e agora
mal saia da cama, a filha mais velha, essa filha da puta, quase não lhe fala e o
mais novo anda sempre com as más companhias dos amigos e quase não sabe
dele. E está bom de ver, o namorado da sonsa da Cacilda não a deixa ir a lado
nenhum.
Resignada, seguiu o homem, que talvez amanhã estivesse do outro lado, no
parque, com a família a merendar. Sacudiu a cabeça para espantar o resto dos
pensamentos e foi em frente. Tinha que trabalhar.
Sim, mas teria sido bom...
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