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XVIII ENCONTRO NACIONAL DA APAJMaria do Rosário EpifânioLisboa, 5 de dezembro de 2015
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Tema
Processo Especial de Revitalização (PER) e os negócios em curso
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As questões centrais
1. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp (maxime quanto à faculdade de resolução dos negócios em curso)
2. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
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Ordem de sequência1. Natureza jurídica2. Finalidade3. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp
(maxime quanto à faculdade de resolução dos negócios em curso)
4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
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1. Natureza jurídica processo especial (especialíssimo)
processo concursal (arts. 17.º-D n.ºs 1 e 2, 17.º-F, n.º 6)
processo híbrido (simplificação e celeridade) – diferentemente do processo
de insolvência – SIREVE é
procedimento extrajudicial (porém – veja-se o art. 19.º, n.º 2, D.L. n.º 178/2012, de 3 de agosto)
processo urgente (17.º-A, n.º 3) – com o alcance do processo de insolvência? (art. 9.º)
processo declarativo - diferentemente do processo de insolvência (misto)
- tal como o SIREVE
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2. FinalidadePER – “mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente”.(Exposição de motivos da Proposta 39/XII)
processo de insolvência – satisfação dos interesses dos credores (não obstante a letra da lei – arts. 1.º, n.º 1, e 192.º, n.º 3)
SIREVE – recuperação e sustentabilidade da empresa
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3. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp (resolução dos negócios)
O despacho de admissão do requerimento apresentado pelo devedor desencadeia um conjunto de efeitos, processuais e substantivos, com uma ratio em comum - criar o melhor ambiente negocial com vista à obtenção de um acordo (ou à aprovação de acordo obtido extrajudicialmente – art. 17.º-I) que permita a revitalização do devedor.
Porém, não desencadeia muitos dos efeitos do processo de insolvência.
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3. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp (resolução dos negócios)
O despacho não produz os seguintes efeitos:
Vencimento imediato das obrigações (art. 91.º) Suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição (art. 100.º) Apreensão dos bens do devedor (arts. 149.º e ss.) Liquidação dos bens do devedor (arts. 156.º e ss.) Graduação dos créditos (art. 140.º) Fixação de residência (art. 36.º, n.º 1, al. c)) Privação do poder de disposição e de administração (art. 81.º) Resolução em benefício da massa (arts. 120.º e ss.) Efeitos sobre os negócios em curso (arts. 102.º e ss.) Abertura do incidente de qualificação (arts. 185.º e ss.)
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3. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp (resolução dos negócios)
O despacho de admissão do requerimento desencadeia os seguintes efeitos automáticos:
Substantivos (“congelamento dos bens”)proibição de prática de atos de especial relevo (art. 161.º) sem autorização prévia do administrador judicial provisório (art. 17.º-E, 2-5). Os atos praticados são ineficazes (art. 81.º, n.º 6, ex vi art. 34.º, ex vi 17.º-C, n.º 3, al. a)).
Processuais (“paz processual”)proibição de propositura, e suspensão, de ações para cobrança de dívidas (art. 17.º-E, 1)suspensão dos processos de insolvência não propostos pelo devedor, desde que não haja declaração de insolvência (art. 17.º-E, 6).
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3. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp (resolução dos negócios)
O despacho inibe a resolução dos negócios com fundamento em incumprimento (anterior ou posterior) à abertura do PER?
Na pendência das negociações, “o credor que seja locador financeiro incidente sobre imóveis em que o devedor seja locatário financeiro, não pode resolver esse contrato, mesmo que tenha causa legal para o efeito, resolução essa que tornava inviável o plano de recuperação já aprovado, apesar do voto contra do locador financeiro” - Acórdão do STJ, 3-03-2015 (JOÃO CAMILO).
1.º “Durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes” (5.º Princípio orientador das negociações extrajudiciais, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de outubro).
2.º A isso, acrescenta que a suspensão da referida faculdade de resolução é uma restrição de muito curto prazo que a lei impôs com vista ao desiderato de permitir a recuperação de um agente económico que se revele viável (2 meses prorrogável apenas por mais 1 mês – nº 5 do art. 17º-D)
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3. Os efeitos do despacho de nomeação do ajp (resolução dos negócios) A meu ver, e quanto a incumprimentos de créditos
posteriores ao despacho de nomeação do ajp, poderá haver alguma semelhança com o incumprimento dos créditos sobre a massa no processo de insolvência (art. 89.º) - na pendência do PER, a resolução poderá ficar paralisada durante os 2 (máximo, 3 meses) de negociações – não me chocando por isso este segmento da decisão do Acórdão do STJ, 3-03-2015 (JOÃO CAMILO).
No entanto, é preciso também que o período de negociações não ultrapasse os 2 (3 meses) máximo.
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)No processo de insolvência existem duas categorias de créditos, com um regime processual diverso:
1) os créditos atuais (constituídos à data de declaração de insolvência - créditos sobre a insolvência). Pode até tratar-se de créditos que ainda não se tenham vencido, pois a declaração de insolvência importa o vencimento imediato de todas as obrigações do devedor desde que não subordinadas a uma condição suspensiva. 2) os créditos constituídos depois - créditos sobre a massa.
Relevância jurídico-processual: os créditos sobre a massa não são objeto do apenso de verificação e graduação de créditos, nem podem ser modificados pelo plano de insolvência, nem têm direito de voto. Maria do Rosário Epifânio 5-12-2015 (todos os direitos
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
O mesmo raciocínio vale para o PER, com a seguinte particularidade – a lei não qualifica os créditos, não fazendo alusão a qualquer uma das categorias, referindo-se apenas a “qualquer credor” (art. 17.º-D, n.º 2).Muito embora a lei não faça esta distinção conceitual, a concursalidade do processo (a eficácia do plano homologado perante todos os credores, inclusive os que não reclamaram ou participaram no processo) pressupõe que lhes foi dada a oportunidade de reclamarem os créditos e de se pronunciarem sobre o plano.
Ora, naturalmente, só podem reclamar os seus créditos os credores atuais, Por isso, só podem pronunciar-se sobre o plano os credores atuais, Por isso, o plano só pode afetar os credores atuais,Por isso, à semelhança do plano de insolvência, o plano não pode afetar os “novos créditos”.
Este é o 1.º limite inultrapassável ao conteúdo do plano.
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos) 2.º limite - Princípio da igualdade de credores (art. 194.º)
Impõe soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente. Balizado pelo princípio da proporcionalidade.
“Em processo de revitalização, não deve o Tribunal deixar de homologar o Plano de Recuperação – por não violar o princípio da igualdade entre credores, nos termos dos artigos 194.º e 215.º, ex vi do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE – que preveja, embora sem o acordo de todos, o pagamento integral dos contratos de locação financeira, a fim de evitar a sua resolução, com a perda das rendas já pagas e a imediata devolução dos bens objecto da locação, pois que, nesse caso, cumpre ainda o Plano a função de revitalização para que tende” – Ac. Rel. Évora de 9-07-2015 (CANELAS BRÁS)
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
3.º limite - Princípio de que um credor não pode ficar colocado em pior situação do que estaria se o plano não fosse aprovado (art. 216.º) – best creditor’s interest test
Ac. STJ de 3-03-2015 (JOÃO CAMILO)“Assim toda a questão reside, nesta parte, em saber se o credor demonstra, em termos plausíveis, que a sua situação económica ao abrigo do plano é, previsivelmente, menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano. Pressupõe-se um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o credor com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor” (??).
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos) 4.º limite - Princípio da pontualidade – art.
406.º, n,º 1 CCivil:o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode ser modificado por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.A lei insolvencial só permite a imposição de modificações por uma maioria de credores (da insolvência) quando se trate de créditos sobre a insolvência, quando se respeite o princípio da igualdade de credores e os limites estabelecidos no art. 192.º, ou seja,
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
Artigo 192.º Princípio geral
(aplicável ex vi remissão do art. 17.º-F, n.º 5, com as devidas adaptações)
1 - O pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código. 2 - O plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados. (ou nas normas que regulam o PER)(…)
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
5.º limite – Proibição de alteração dos negócios em curso sem o acordo do contraente in bonisOs efeitos da declaração de insolvência sobre os mecanismos gerais de tutela do credor perante o incumprimento do devedor são disciplinados nos arts. 102.º-119.º: a exceção de não cumprimento, o direito de resolução, o direito a uma indemnização pelos danos causados.O CIRE, através de um regime jurídico injuntivo (art. 119.º), confere ao administrador da insolvência e, em certos casos, à contraparte (não insolvente) a faculdade de decidir o destino desses negócios. Mas nunca aos credores.
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
A defender-se que o PER impõe a definição do destino dos negócios em curso (o que não é o meu caso), a mesma solução deverá valer para o PER: estamos no âmbito do Direito privado, de um direito de responsabilidade patrimonial, embora orientado para a recuperação do devedor.
Por isso, a regulação dos negócios em curso em sede de PER pressuporá sempre a atribuição ao ajp das competências que a lei reconhece ao a.i. nos arts. 102.º a 118.º.
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
Foquemo-nos no contrato de locação financeira (insolvência do locatário)O regime insolvencial do contrato de locação financeira consta do disposto nos arts. 104.º, 102.º do CIRE.Competirá ao a.i. definir o destino a dar a este contrato. No entretanto, o cumprimento do contrato fica suspenso (designadamente, as obrigações do comprador não são exigíveis, não vencendo por isso juros durante o tempo de espera). O a.i. só poderá decidir uma vez decorridos 5 dias sobre a data da assembleia de apreciação do relatório (no caso do PER, seriam 5 dias após a contagem dos votos).
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
Esta faculdade do a.i. tem um limite incontornável (art. 102.º, n.º 4):
a opção pelo cumprimento será abusiva se o cumprimento pontual das obrigações for manifestamente improvável (que aliás são qualificadas como créditos sobre a massa (art. 51.º, n.º 1, al. f)). Para além do seu pagamento precípuo, o vendedor goza de todos os mecanismos de tutela do seu crédito (este crédito escapa às regras especiais do processo de insolvência, previstas apenas para os créditos sobre a insolvência)Maria do Rosário Epifânio 5-12-2015 (todos os direitos
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
Como é que, em contexto de plano de insolvência, a lei considera abusiva a opção do a.i. pelo cumprimento se o cumprimento pontual das obrigações for manifestamente improvável (que, aliás, são créditos sobre a massa) e, em contexto de PER, o tribunal (em nome do primado da recuperação!!) pode homologar um plano que, por imposição de uma maioria de credores, e contra a vontade do credor, obriga este a cumprir pontualmente a sua obrigação, mediante uma contraprestação reduzida e com cumprimento (usurariamente) dilatado no tempo.
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4. O conteúdo do plano de recuperação (limites à modificação unilateral de contratos)
Acórdão da Relação de Lisboa de 10-9-2015 (MARIA DE DEUS CORREIA) UNANIMIDADE
“Os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afectados pelo plano de recuperação, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), sem o acordo da contraparte”.
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Conclusão
Mesmo no reinado da falência-saneamento, nunca a lei permitiu que os planos de recuperação de empresa insolvente fossem “planos de caridade evangélica aplicados aos que dela dependem, porque não é nessa vertente da vida social que a caridade encontra o seu lugar próprio”. – Relatório do diploma preambular do CPEREF, ponto 2.