Post on 05-Mar-2018
Rosaura Soligo
https://rosaurasoligo.wordpress.com/
1
Venho por meio desta...*
Brasil, início do Século XXI.
Tenho pena das pessoas que não conseguem escrever cartas.
Mas desconfio também que eu e você adoramos escrever cartas
Porque é como trabalhar sem estar de fato trabalhando. Elizabeth Bishop
Caros colegas,
Tomo a liberdade de iniciar esta carta chamando-os de colegas porque suponho que os leitores deste livro são educadores – o nome que considero mais apropriado para os profissionais da educação.
Na verdade, a carta é um texto privilegiado para nos comunicarmos porque a existência de um interlocutor – ou de interlocutores – com quem pretendemos dialogar nos obriga a ajustar o que temos a dizer e as formas de fazê-lo a partir do que imaginamos que a eles interesse, acrescente, seja relevante.
Assim, o fato de tomá-los como destinatários modaliza o texto que ora escrevo.
Pois bem, meu assunto com vocês é exatamente as cartas. As cartas e sua importância na vida e na formação pessoal e profissional.
E não é à toa essa escolha.
Memórias...
As cartas sempre me encantaram, sempre me arrancaram de outras atividades. Desde a adolescência.
Que eu me lembre, as primeiras cartas que escrevi eram, por assim dizer, obra de ficção. Estudantes de 6ª ou 7ª série, lá nos idos anos 70, eu e um grupo de amigas resolvemos – muito provavelmente por sugestão minha, embora disso eu não esteja certa – escrever umas às outras fazendo de conta que cada qual estava num lugar diferente do país para narrar aventuras que numa cidade do interior do estado de São Paulo com certeza não se poderia viver.
Se não estou sendo traída por minha seletiva memória, se essas foram de fato as primeiras cartas que escrevi, devo admitir que me iniciei nessa arte pela fresta das mentiras consentidas.
Pensando bem... acabo de me dar conta de que talvez eu sinta necessidade de escrever porque minha memória, em certos domínios, não me vale quase nada...
Mas, se foi o desejo de mentir um pouco o que me aproximou das cartas, a mudança não tardou: logo mais elas passaram a ser uma forma de expressão privilegiada para dizer o que, para mim, eram verdades necessárias de compartilhar.
* Texto publicado em Porque escrever é fazer história, livro organizado por Guilherme do Val Toledo Prado e Rosaura Soligo,
publicado em 2005 por Abaporu/GEPEC/Unicamp e, em 2007, pela Editora Alínea.
Rosaura Soligo
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2
Sempre tive amigos a quem amei intensamente e para eles sempre escrevi. Nunca foram muitos, porque o passaporte para a condição de amigo, para mim, é a possibilidade de dialogar sobre intimidades. E nossas intimidades nunca são para muitos...
Também meus amores outros mobilizaram uma vasta correspondência que, involuntariamente, narra a história que com eles construí.
O fato é que me tornei uma dependente – passar muito tempo sem escrever para as pessoas me faz tão mal que, por precaução, isso nunca aconteceu. Nem preciso dizer que a Internet foi um presente dos mais queridos. A facilidade, a rapidez e o custo irrisório representam uma tentação tão forte que me rendo a cada dia.
Mas há quem tenha sido mais dependente ainda. Lendo recentemente o livro Uma Arte – as cartas de Elizabeth Bishop, com quase 800 páginas de cartas suas, descobri que ela chegou a escrever quarenta cartas num único dia! E que, embora esse tenha sido um caso excepcional, ela se queixava com frequência de não estar nunca em dia com sua correspondência. E que ela deu um curso sobre a arte da epistolografia na Universidade de Harvard, chamado Cartas – leitura de correspondências pessoais, famosas e infames, do Século XVI ao Século XX. Ora, se uma das maiores escritoras do Século XX – poeta renomada – escreveu cartas durante cinquenta anos de sua vida e deu aulas em Harvard a esse respeito, as cartas devem merecer atenção.
Também o empenho de Foucault em nos fazer compreender o pensamento de Sêneca e outros autores – e missivistas – da Antiguidade clássica, no texto A escrita de si, capítulo do livro O que é um autor?, publicado em 1992 pela editora Vega, reveste o assunto de um certo charme acadêmico... Não só porque ao mergulhar no pensamento desses autores ele revela o seu próprio, mas porque Foucault não desperdiçou tempo com assuntos irrelevantes.
E há outra circunstância interessante a considerar. Já pensaram que o primeiro documento escrito neste país foi uma carta – a de Caminha ao rei Dom Manuel? Um texto que inaugurou a revelação de nossa intimidade aos descobridores. Não deve ter sido por acaso que começamos assim...
[...] Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande
monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com
grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome, o Monte Pascoal, e à terra, a Terra
da Vera Cruz.
[...] Acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao
chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus,
sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
[...] Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não
pareciam mal.
[...] E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era
tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas
mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como
ela.
[...] Um deles pôs olho no colar do capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e
depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um
castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se
lá também houvesse prata.
[...] Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por
qualquer coisa que lhes davam.
[...] E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos...
Rosaura Soligo
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3
[...] E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com
crucifixos, houveram por bem que se lançasse uma ao pescoço de cada um.
[...] E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que
todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo
de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos
dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram ambos.
[...] Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não
podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa. [...]. Águas são
muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela
tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece
que será salvar esta gente.
[...] E pois que, senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer
coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a ela peço
que, por me fazer graça especial, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu
genro - o que dela receberei em muita mercê.
Flávio Aguiar, organizador da bem cuidada antologia Com palmos medida - terra, trabalho e conflito na literatura brasileira, publicada em 1999 pela Boitempo Editorial, destaca que a carta de Caminha, primeiro texto do livro, “passa por ser a certidão de batismo da literatura feita em terras do futuro Brasil. [...] Lida hoje, a carta apresenta um ar surreal, com a descrição de povos que não se conheciam e que tentam se comunicar pacificamente com danças, músicas e gestos. Mas nela se registra o cobiçoso olhar do conquistador [...] e também a chegada do ´pistolão’ às novas terras, pois Caminha a termina pedindo ao rei favores para seu genro.”
Como se pode ver, parte da nossa história futura já estava contada. Por Caminha... numa simples carta... quem diria...
Energias rituais
Talvez as mensagens escritas com os mais avançados recursos de computador não tenham poder de substituir o encantamento das cartas escritas à mão, passadas a limpo, com letra caprichada, em papel escolhido, dobrado com cuidado, inseridas no envelope subscrito e revisado várias vezes, postas no correio depois da espera em fila etc etc.
Deve haver nesse ritual um tal empenho de energia, que, para o bem ou para o mal, o destinatário sente ao receber. E, se desconsiderarmos essa história de energia, por falta de suficiente validação científica, digamos que o destinatário sente que há mais empenho no ritual da carta que segue pelo correio do que nas facilidades da Internet.
Recentemente li uma matéria na revista Veja, de 10-11-2004, em que a jornalista Lucila Soares divulga o livro Cinco Séculos a Papel e Tinta – organizado por Pedro Corrêa do Lago, colecionador de manuscritos e diretor da Biblioteca Nacional – lançado em 2004 na Europa em inglês, francês e português. A publicação reúne cartas, bilhetes, autógrafos e outros escritos pessoais de famosos.
Eis um trecho interessante do artigo:
‘Ter uma carta entre as mãos é sem dúvida o contato mais próximo que se pode estabelecer
com uma pessoa há muito desaparecida’, diz Corrêa do Lago. Cartas e bilhetes não são
escritos normalmente visando à posteridade. Neles, o autor está completamente desarmado.
Na feliz definição do historiador italiano Carlo Ginzburg, que assina o prefácio do livro, ‘o
choque transmitido pelo autógrafo é que ele não nos deixa esquecer que, por detrás da
imaterialidade do texto, há (ou houve) autênticos corpos de homens e mulheres’.
Rosaura Soligo
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[...] A disputa pelos manuscritos está ficando cada vez mais acirrada porque o manuscrito é
uma espécie em extinção. Na era da informática, escritores e compositores não produzem
mais as inúmeras versões corrigidas à mão que levam os colecionadores ao delírio. A
correspondência entre as pessoas, famosas ou não, reduziu-se a uma volátil troca de e-
mails. E ninguém imagina que, no futuro, poderá haver um mercado para cópias impressas
de mensagens eletrônicas.
Em visita à Mostra A escrita da memória, organizada pelo Instituto Cultural Banco Santos em 2004, tive a emoção de me encontrar com cartas originais de muitos famosos: Einstein, Freud, Villa-Lobos, Carlos Gomes, Mário de Andrade, Machado de Assis, Renoir... E, para além do sentimento diante dos escritos desses e muitos outros velhos conhecidos, a constatação é inevitável: tal como professaram os organizadores da Mostra, “preservar a memória é manter a possibilidade de um mundo plural”.
O fato é que as cartas em sua versão mais tradicional nos atraem. Isso em absoluto significa desqualificar os textos que vão e vêm pela Rede. Até porque, no tempo em que uma carta convencional vai e obtém resposta pelo correio, dezenas de mensagens podem ser trocadas na Internet. E, nesse caso, a quantidade pode revestir de qualidade o processo comunicativo, interativo, que é o que conta, afinal.
O que aqui chamo de carta não é, portanto, o “escrito, fechado em envelope, que se dirige a alguém”, tal como aparece numa das definições do dicionário, mas o texto – aquele que escrevemos uns aos outros, quando queremos falar sobre o que estamos fazendo, o que estamos pensando, o que estamos vivendo. Se chega ao destino por correio, fax ou Internet é apenas uma circunstância do destino.
O que seduz
(...) Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente!
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades,
e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas,
como um corpo ressequido que se estira num banho tépido;
sentia um acréscimo de estima por si mesma,
e parecia que entrava enfim numa existência
superiormente interessante,
onde cada hora tinha o seu encanto diferente,
cada passo conduzia a um êxtase,
e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!1
O que atrai tanto nas cartas?
Já perceberam que mesmo quem não gosta de ler tem uma certa atração por elas?
Já perceberam que mesmo quem não gosta de escrever geralmente acaba entrando no jogo quando a proposta é escrever cartas?
O fato é que as cartas contam coisas que interessam.
O fato é que, pelas cartas, podemos dizer o que nos interessa – qualquer coisa.
A carta é um gênero democrático. Flexível. Generoso. Quando somos nós a escrever, ela nos permite compartilhar, lamentar, aconselhar, informar, orientar, ensinar, relembrar, opinar, esclarecer, perdoar, pensar melhor, pedir ajuda... Quando somos nós os destinatários, recebemos tudo isso substantivamente.
1 Trecho de O Primo Basílio, de Eça de Queiroz em 1878, declamado por Arnaldo Antunes na canção Amor I Love You, cantada por
Marisa Monte.
Rosaura Soligo
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Para além da circunstância de que em geral é localizada, datada, tem indicação de destinatário e remetente, saudações iniciais e finais e que é escrita em primeira pessoa – do singular ou do plural – tudo é possível na carta. Ah! E tem a opção do PS, esse maravilhoso recurso! Todas as minhas cartas – mesmo as mensagens curtas – têm PS, não porque eu tenha esquecido de dizer coisas pelo caminho, mas porque há coisas que merecem ser PS e eu as reservo para esse lugar privilegiado por terem grande importância.
Nas cartas podemos inserir epígrafes, poemas, anedotas, fofocas, trechos de outras cartas, textos outros, de diferentes gêneros. Tudo o que enriqueça, ilustre ou esclareça o que estamos dizendo.
Esta minha para vocês, como podem ver, tem epígrafes, subtítulos, PSs, notas de rodapé, excertos vários.
Intimidades
As cartas pessoais são como janelas. Porque nos permitem alcançar a intimidade dos que através delas se revelam. Elas são autobiográficas. Tal como os diários, as memórias, os memoriais... A esse respeito, não há muito o que dizer – mais relevante mesmo é ler.
Vejam esta como é linda:
Minha mãe2
Quando nasci, a 29 de outubro de 1930, em Paris, o cordão umbilical estava enrolado duas vezes
em meu pescoço. Você me contou que o doutor me salvou deslizando a mão entre o cordão umbilical e meu
pescoço. Senão eu teria nascido estrangulada.
Desde o princípio, o perigo esteve presente. Eu aprenderia a amar o perigo, o risco, a ação. Toda a
vida eu seria torturada pela asma e por problemas respiratórios.
Meu signo é Escorpião, com ascendente em Escorpião. Todo um programa para vencer obstáculos,
para amar os obstáculos.
Você me disse ainda que, em meu nascimento, você perdeu todo o dinheiro no craque da Bolsa de
Nova Iorque. E, enquanto me esperava, descobriu a primeira infidelidade de meu pai. Eu trazia
aborrecimentos.
Eu tinha três meses quando fomos separadas. Você foi para Nova Iorque e me mandou para a casa
de meus avós, em Nièvre. Lá passei meus primeiros três anos. Minha mãe, minha mãe, onde está você? Por
que me deixou? Você nunca vai voltar? Tudo é minha culpa. Cada mulher se transforma em Você, Mamãe,
Mamãe. Eu não preciso de você. Saberei viver sem você.
Sua péssima opinião sobre mim, minha mãe, foi extremamente dolorosa e útil.
[..] O que quer que eu fizesse no futuro, queria que fosse difícil, excitante, grandioso.
Eu não me pareceria com você, minha mãe. Você aceitou o que lhe tinha sido transmitido por seus
pais: a religião, os papéis masculino e feminino, as ideias sobre a sociedade e a segurança.
Eu passaria minha vida questionando. Ficaria apaixonada pelo ponto de interrogação. Por Você
conquistei o mundo. Você era quem me faltava. Sou um lutadora. O que teria feito de uma mãe me afogando
de amor? Quando eu tinha vinte e cinco anos [...], algumas vezes você me visitava em meu atelier. Você
escondia os olhos com as mãos, sobretudo para não ver minhas horríveis pinturas... Deus, como era
estimulante!
[...] Para você, tudo deveria ficar escondido.
2 In: Catálogo da Exposição de Niki de Saint Phalle, Pinacoteca, São Paulo, 1997.
Rosaura Soligo
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6
Quanto a mim, eu me mostraria. Mostraria tudo. Meu coração, minhas emoções. Verde-vermelho-
amarelo-azul-violeta. Ódio, amor, riso, medo, ternura.
Gostaria que você ainda estivesse aqui, minha mãe. Gostaria de tomá-la pelas mãos e lhe mostrar o
Jardim do Tarô. Bem que você poderia não ter mais uma opinião tão negativa sobre mim. Quem sabe?
Minha mãe, obrigada. Que vida tediosa eu teria tido sem você. Sinto saudades.
Niki de Saint Phalle3
A matéria da revista Veja a que me referi anteriormente nos presenteia com algumas preciosidades.
Um bilhete escrito por Freud em 1929, por ocasião do aniversário de sua ‘liebe Mutter’
(querida mãe): ‘Junto aqui 6 dólares para o próximo ano que deves passar conosco numa
alegria sem inquietação. Saúdo-te do fundo do coração pelo (...) mensageiro. Teu Sigm.’ Uma curiosidade sobre a relação de Freud com seus bilhetes e notas é que ele não lhes dava
maior importância: ‘Não perco tempo absolutamente nenhum com os meus (manuscritos) e
só os guardo por ter me convencido de que eles poderão no futuro render alguns trocos a
meus netos.’
E já que o assunto é Freud, há outra referência indireta a ele, destacada no mesmo texto.Vejam que interessante:
Albert Einstein é, juntamente com Freud, o personagem do século XX cujos manuscritos são
mais valorizados e disputados. Felizmente para os colecionadores, ele teve uma produção
intelectual das mais intensas e foi um missivista de mão-cheia por quatro décadas. Na carta
abaixo, o assunto não tem nada de científico. Nela, é um pai atento que se manifesta, em
uma troca de ideias com Mileva Maric, sua primeira mulher. Eduardo, o segundo filho do
casal, sofria de depressão, e a grande preocupação de Einstein era impedir que o
tratamento adotado fosse o psicanalítico. ‘Tenho uma péssima opinião da psicanálise, pois
entre os nossos conhecidos só tenho visto maus resultados. Considero-a uma moda
extremamente perigosa e oponho-me a isso formalmente. Com meu consentimento
ninguém se submeterá a esse gênero de tratamento e não o encorajarei sob nenhuma
condição’, escreveu o cientista nesta carta de 1932.
E por fim sobre o Pessoa, maravilhosa pessoa:
A correspondência de Fernando Pessoa (1888-1935) é escassa. No total, não chegam a 250
as cartas que se conhecem do maior poeta da língua portuguesa do século XX, que morreu
aos 47 anos, quase completamente desconhecido. A mais importante destinou-se a dona
Ofélia Queiroz, a única mulher que parece ter-lhe despertado algum interesse. São 49 cartas
de amor, que Pedro Corrêa do Lago arrematou em leilão no fim de 2002 ‘pelo equivalente a
um carro de luxo’, no maior investimento individual feito pelo colecionador. A carta ao lado
tem uma particularidade que a torna ainda mais rara. É assinada por Álvaro de Campos,
um dos heterônimos do poeta, que se refere ao próprio Fernando Pessoa como ‘um
indivíduo abjeto e miserável’. Na carta, Campos/Pessoa impõe à amada cinco curiosas
proibições: ‘1) pesar menos gramas, (2) comer pouco, (3) não dormir nada, (4) ter febre,
(5) pensar no indivíduo em questão’.
Eu teria muitas cartas de personalidades do nosso tempo a compartilhar com vocês, mas o fato é que essa tentação tornaria por demais extenso o meu texto.
Escolhi alguns fragmentos de quatro delas (apenas): do Tom Zé ao Censor de plantão à época, da Fernanda Montenegro à Clarice Lispector, do Joel Rufino dos Santos para seu filho ainda criança, quando estava preso – não só porque são comoventes, mas porque tratam de um período triste da nossa história – e
3 Niki de Saint Phalle (Marie-Agnès Fal de Saint Phalle) nasceu em Neuilly-sur-Seine, na França, em 29 de outubro de 1930. Viveu
entre a França e os Estados Unidos trabalhando como modelo fotográfico, estudando teatro e música até 1953, quando abandonou
tudo para dedicar-se à pintura.
Rosaura Soligo
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por último uma da Clarice ao Fernando Sabino, que reafirma a importância de ter o outro presente por meio da escrita.
Carta ao Censor4
Ditadura, democracia, parlamentarismo...
Que nome daremos a essa escravidão?
Eu não gosto do tipo de rapazinho insidioso que se esconde na redação de um jornal para
valentias que não teria coragem de dizer ao senhor aí, na sua sala da Censura, na Polícia Federal.
Não pratico essa coragem covarde. Por isto, o que lhe direi é respeitoso e leal, senhor censor.
Não espero, tampouco, que juntos passemos a praticar os papéis de caça e caçador. Talvez
até o seu trabalho, assim, criasse para minha obra uma evidência maior, mas tal e tanto não me
tentam. Não; quero somente levar ao senhor algumas considerações justas e indignadas.
Senhor Censor:
O ar que cada geração respira, em certa idade, é a REBELDIA. Não o digo eu. Veja nas
religiões, veja na Teosofia, veja nas cosmogonias.
O senhor mesmo, por exemplo, para se cristalizar como Ser, precisou dessa rebeldia. E ela
lhe foi concedida, tanto que sua semente cresceu, galgou seu espaço, e agora exerce uma função
importante. Mas, negando a seu filho a graxa com que ele vai metabolizar sua rebeldia arquetípica,
esse filho não chegará nem ao que o senhor chegou. Portanto, o senhor está minando a estrada por
onde ele vai passar.
Mas isto é pouco, isto é uma amostra. A verdadeira calamidade é que sua função de censor
o transforma num Grande-Pai-Público de toda uma geração, cuja estrada fica cheia de mata-
burros, cujas células não podem se oxigenar, cuja eletricidade não encontra fios, cujo edifício não
encontra solo.
[...] Neste mundo moderno que abandonou os contos de fada, nós, os cantores e poetas,
temos que fazer de nossas peças crimes. Uma canção tem que ser um crime. Um crime, no mínimo,
para que a violência congênita do ser humano ‘trabalhe’ no mito; para que esse crime no mito se
elabore sem necessitar o cometimento. O senhor sabe, senhor censor? Aristóteles também pensava
assim, e os gregos davam tanta importância a isso que usavam a Tragédia para ‘aliviar’ as
gerações. Já nós, aqui e agora, precisávamos daquela canção censurada para fazer nossa catarse.
Aquelas canções que o senhor me negou cantar vão faltar ao seu filho. Tanto ao seu filho pessoal e
querido quanto ao seu filho público e multiplicado, seu filho-geração.
O senhor vê o que acontece no país agora, senhor censor?
[...] Por isso lhe peço, senhor censor, que, irmanados nesse desamparo que verga nossas
diferenças pessoais, tentemos soletrar um nome ou um título. Um rótulo que procuraremos nos
dicionários, gírias e neologismos... Ditadura, democracia, parlamentarismo, que nome daremos à
nossa escravidão comum?
Respeitosamente, seu criado,
Tom Zé.
Sobre esses – ou aqueles? – negros tempos, Fernanda Montenegro escreve à Clarice... um grito abafado de aflição, um poético lamento...
4 Texto publicado inicialmente em O Estado de S. Paulo, a 07/II/1987, e reproduzido no livro Tom Zé – tropicalista lenta luta,
Publifolha, 2003.
Rosaura Soligo
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8
Clarice
é com emoção que lhe escrevo pois tudo o que você propõe tem sempre essa explosão
dolorosa. É uma angústia terrivelmente feminina, dolorosa, abafada, educada, desesperada e
guardada.
Ao ler meu nome, escrito por você, recebi um choque não por vaidade mas por comunhão.
Ando muito deprimida, o que não é comum. Atualmente em São Paulo se representa de arma no
bolso. Polícia nas portas dos teatros. Telefonemas ameaçam o terror para cada um de nós em
nossas casas de gente de teatro. É o nosso mundo.
E o nosso mundo, Clarice?
Não este, pelas circunstâncias obrigatoriamente político, polêmico, contundente. Mas
aquele mundo de que nos fala Tchecov: onde repousaremos, onde nos descontrairemos? Ai, Clarice,
a nossa geração não o verá. Quando eu tinha quinze anos pensava alucinadamente que minha
geração desfaria o nó. Nossa geração falhou, numa melancolia de ‘canção sem palavra’, tão comum
no século XIX. O amor no século XXI é a justiça social. E Cristo que nos entenda.
Estamos aprendendo a lição seguinte: amor é ter. Na miséria não está a salvação.
[...] Nossa geração sofre da frustração do repouso. É isso, Clarice? A luta que fizermos, não
o faremos pra nós. E temos uma pena enorme de nós por isso. É assim que explico pra mim estas
frases que você põe no seu artigo: ‘Eu que dei pra mentir. E com isso estou dizendo uma verdade.
Mas mentir já não era sem tempo. Engano a quem devo enganar, e, como sei que estou enganando,
digo por dentro verdades duras.’ A luta, a que me refiro lá no alto, seria aquela luta bíblica, a
grande luta, a que engloba tudo.
[...] Dê-me a calma e a luz de um momento de repouso interior, só um momento.
Com intensa comoção.
Fernanda5
E Joel Rufino, à mesma época, do cárcere, prova que é possível ser pai a distância, que de longe se pode educar, que a esperança se constrói de passado-e-futuro, que só se pode parar de contar-e-cantar ao morrer.
2/agosto/73
Nelson, meu querido.
Sempre estou pensando em você. Isso me torna muito alegre, pois é muito bom a gente
pensar nas pessoas que a gente gosta. Principalmente antes de chegar o sono, e todas as luzes já
estão apagadas. Também quando a gente acorda, e as cigarras estão morrendo de cantar nos galhos
das árvores. (Aliás, você sabia que quando as cigarras começam a cantar elas só param quando
ficam vazias e morrem? Elas cantam, de fato, até morrer.) Há coisas realmente belas e estranhas no
Universo – tanto na nossa Terra como em outros planetas. [...]
Eu acho maravilhoso isto da cigarra só parar de cantar quando morre. Você não acha? A
nossa Terra é maravilhosa – os homens é que precisam ser um pouquinho melhores do que são. Eu
acho que quando você for grande o nosso mundo será um pouquinho melhor: não haverá guerras,
nem haverá pobres, nem prisão.
[...] Você também não gosta de imaginar como será no futuro?
[...] Agora continuarei a nossa história da guerra dos Palmares.
5 Texto publicado em A descoberta do mundo, de Clarice Lispector, Editora Rocco, 1999.
Rosaura Soligo
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9
III Terceiro capítulo
Depois do sensacional roubo das escravas, Palmares cresceu.
[...] Todas as quatro vezes os negros venceram. Palmares não foi destruída. E continuou a
crescer!
Foi aí que o governador tomou uma decisão. ELE MANDOU CHAMAR O CHEFE DOS ESCRAVOS!!!
O chefe dos escravos chamava-se ZUMBI.
[...] Zumbi aceitará a paz? É o que veremos no próximo capítulo.
Mil beijos no Nelsinho querido
Joel
Alguns anos antes, em tempos bem menos obscuros, Clarice Lispector é acometida daquele estado que muitos de nós conhecemos: aquele misto de consciência da nossa dívida com o amigo que nos escreveu e aguarda resposta – no caso dela, Fernando Sabino – com a clareza de que não há razões suficientemente justificadas para isso e mais o empenho aguerrido para sensibilizá-lo a, de forma alguma, não fazer o mesmo conosco, a ser mais ágil na resposta, instantâneo de preferência.
Washington, 7 de fevereiro 1959, sábado
Fernando,
Este é um bilhete apenas, sem outra intenção senão a de dizer alô! Porque passou-se muito
tempo desde o dia em que recebi seu livro, e é quase tarde demais para dizer obrigada!
Não houve nenhum motivo para não lhe escrever então – apenas o de muita confusão de
vida. Mas a amizade é a mesma, talvez mesmo maior. De modo que me faça um favor: escreva-me
um bilhete, menor ainda que este, também só para dizer alô. Dou até a fórmula para você copiar
para não ter o menor trabalho.
Escreva assim:
‘Alô, Clarice!
Fernando’
Um abraço
Clarice
Caso gostem como eu, recomendo a vocês alguns livros de cartas que são particularmente interessantes, além do já comentado, de Elizabeth Bishop.
Um deles é Cartas perto do coração, de Fernando Sabino e Clarice Lispector, da editora Record, que
tem (para mim) um poema como subtítulo: Dois jovens escritores unidos ante o mistério da criação. É onde se encontra o bilhete acima.
Outro é Quando eu voltei, tive uma surpresa, de Joel Rufino dos Santos, da Editora Rocco, que é comentado por Thiago de Mello: “A arte? Um livro de cartas? [...] De amor são essas caras escritas pelo Joel, quando estava no cárcere, precisamente pelo pecado de amar o Brasil e a verdade de sua história; de amar a seu filho nascituro sonhado no ventre de sua linda Tereza”. É desse livro a carta que transcrevi parcialmente.
E outro é Glauber Rocha – cartas ao mundo, organizado por Ivana Bentes e publicado pela Companhia das Letras em 1997. Nesse encontramos esta primorosa caracterização do autor e de seus textos, feita pela organizadora do livro:
Rosaura Soligo
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10
Glauber não foi apenas um correspondente compulsivo, foi um escritor obsessivo, que
passou mais tempo sobre a máquina de escrever que atrás de uma câmara. (...) Sujeito do discurso,
sujeito do desejo, ator no processo político e econômico, Glauber surge nessas cartas como sujeito
plural e personagem conceitual. No período que cobre a correspondência selecionada e que vai de
1953 a 1981, ou seja, dos 13 aos 42 anos, Glauber empreende o que Foucault chama de ‘uma
escrita de si’.
Abre-se ao olhar do outro de forma radical. Essa ‘narração de si’ surge nas cartas não
como algo íntimo ou privado, mas como um experimentar-se que deve ser exteriorizado. É o que se
lê numa carta de Glauber para Cacá Diegues, datada de 1973. Esse sentimento de ‘viver sob o olhar
de outro’ e de ‘nada ter a esconder’ marca seus escritos:
[...] não me sinto feliz nem triste, apenas exaltado, deprimido e absolutamente
desprovido do senso de moral. O que é a liberdade? Poder saber criar? Não tenho
poder, tenho pouco saber... E veja, meu querido Cacá, tudo isso é verdade, não
tenho a menor vergonha de falar publicamente dos meus desejos, como você também
e todos os cineastas que somente eles sabem o que significam esses fantasmas.
A carta, um exercício de ‘introspecção’, no sentido dessa exposição de si ao olhar do
correspondente, é um exemplo dessa relação do artista com a escrita, em que esta funciona ao
mesmo tempo como exercício do pensamento, como transe e exorcismo. É como termina o texto: [...]
‘Muitas saudades. Já tirei os demônios do corpo durante a carta [...] Nesta tensão um dia o coração
ou a alma explode.’
Mas há tantos outros... Uns ainda nem li: Cartas de Jung, Vols. I, II e III, (Editora Vozes, 2004); Correspondência Mario de Andrade Manoel Bandeira, organizado por Marcos Antonio de Moraes (Edusp IL 2001); Cartas - Mário de Andrade e Oneyda Alvarenga – Livraria duas cidades, 1983; Afinado desconserto – contos, cartas, diário de Florbela Espanca, organizado por Maria Lucia Dal Farra (Editora Iluminuras, 2002), Portinari, Amico mio - Cartas de Mário de Andrade a Cândido Portinari (Editora Autores Associados/Mercado das Letras, 1995).
Outras cartas
Vejamos agora alguns fragmentos de cartas outras, pessoais, de autores não-famosos. Não menos importantes e não menos reveladoras.
Pai
Você, eu e muitos de nós sabemos o quanto pais e filhos se fazem mal e bem uns aos outros.
É da relação humana essa circunstância. Contra isso não há nada que se possa fazer. Os
consultórios dos terapeutas estão cheios de gente tentando se acertar com os males-e-bens dessa
complexa relação.
Não posso – nunca pude, na verdade – esconder de você alguns desses prejuízos.
Mas – porque talvez isso eu nunca tenha feito direito – hoje quero te falar das lições, que
são muito maiores, muito superiores, muitas vezes mais importantes. Das boas lições. Das heranças.
Dos presentes. Das conquistas. Dos benefícios.
Acho que posso dizer, sem ser leviana ou inconsequente, que a minha melhor parte eu devo
a você. Por herança direta ou por um esforço de superação – para me diferenciar.
De você herdei boa parte da parte boa do meu caráter e do meu jeito de ser – a
preocupação com os outros, a generosidade (que é a preocupação posta em prática), a compreensão
de que amor e briga não são antônimos, a indisfarçável capacidade de demonstrar os sentimentos, o
prazer de conversar com as pessoas, a indignação com o absurdo, o ímpeto pelo posicionamento
diante dos fatos, a postura ética, a total ausência de oportunismo, a determinação, a capacidade de
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trabalho, o perfeccionismo, o prazer do conhecimento, o gosto pelas questões filosóficas mais sem-
resposta, pela psicologia, pela leitura...
E também algumas características mais sem importância – a crença de que coisas
quebradas quase sempre têm conserto, o talento de acomodar objetos em prateleiras, caixas e porta-
malas, o hábito de não usar carteira, o gosto pelas piadas, o prazer de ganhar livros de presente, a
preferência pelas camisas brancas e sapatos pretos, a fisionomia.
Outras características minhas são uma construção pessoal, às vezes nem tanto original,
muitas delas por tentativa de me diferenciar, superar você, encontrar o meu próprio rumo. A crença
de que tudo vai dar certo, o gosto pelo desafio, o esforço de aceitação das diferenças, o cuidado com
a saúde e a alegria de viver acho que são as principais dessa categoria.
[...] Tenho um profundo orgulho de você.
Só há uma coisa que eu não suporto em você, pai – que você não seja feliz. Meu desejo mais
profundo é que você tivesse mais alegria. Sei que não é razoável pedir isso a ninguém, mas não
posso deixar de te dizer desse meu desejo. Se o gênio da lâmpada me concedesse o direito de mudar
algo em alguém, é o que eu escolheria: te obrigaria a admitir que alguém como você merece ser
feliz e a fazer o impossível para não perder essa chance. [...]
Estou plenamente satisfeita com o pai que tenho. Muito obrigada.
Amo muito você.
Tua filha
O que às vezes é difícil dizer cara-a-cara, olhos-nos-olhos se pode dizer pelas palavras escritas. O imperdoável é nunca dizê-las. Se de um lado as palavras escritas não têm a potência das palavras ditas-ouvidas, elas oferecem uma inegável vantagem: de parte a parte, podem ser acessadas tantas vezes quantas se queira.
Carta de uma mãe à sua filha
Querida filha
Tenho uma preocupação contigo, atualmente maior do que as demais.
Acho você uma pessoa muito sozinha, recolhida em si mesma.
Tudo indica, em aparência, o contrário, é bem verdade.
Porque você é falante, tem sempre assunto e opiniões a dar, domínio sobre muitos temas, é
aparentemente expansiva, extrovertida...
Mas com quem dialoga sobre as suas intimidades? Com quem abre o seu coração? Quem são os
amigos com quem conversa não sobre as coisas da vida (que isso sei que você faz melhor do que ninguém),
mas sobre você? Seus medos, as conquistas que te aquecem o coração, seus planos mais engendrados, suas
coisinhas?
[...] Se de fato você não trata das suas questões mais íntimas com ninguém, como você vai elaborá-
las?
É isso o que hoje me preocupa...
Muitos beijos
E as palavras escritas alcançam os que fogem da presença, ainda que não se compreenda o porquê.
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Carta de uma aluna a um professor, depois de trinta anos
Muito bem, professor...
Escrevi a você no final do ano passado, convidando-o para a minha festa de aniversário e dando
notícias de nossa turma, que ainda se reúne, quase toda, até hoje. Como você não respondeu e também não
compareceu, resolvemos dar um tempo.
Tanto que, para a recente festa de aniversário da EG, comemorada em minha casa (agora,
coincidentemente, na mesma cidade em que você mora), quando foi tirada a foto que enviei com esta carta,
achamos melhor não convidá-lo. Vamos nos reunir novamente no próximo dia 27 e também para esse
encontro não o convidamos.
Mas queremos que saiba que estamos por aqui. [...]
Só falta você querer nos encontrar.
Sabemos o número do seu telefone e, como bem sabe, também o seu endereço. Mas não iremos lhe
assombrar, se você não quiser.
O que queremos é que você sinalize com algum aceno, qualquer que seja...
Poderíamos fazer um encontro em minha casa num dia desses. [...] A você só cabe um único gesto:
dizer sim.
Qualquer que seja a situação, vamos adorar – haverá muita alegria nesse encontro e certamente
muitas lágrimas de emoção, porque continuamos todos tão exagerados, intensos, afetivos, interessantes,
solidários, irreverentes e ainda seus fãs como há trinta anos atrás.
Se quiser, podemos fazer um grande encontro e achar os desgarrados de muito tempo – não tenha a
menor dúvida de que não faltaria ninguém...
Aguardamos seu sim. Ou algum sinal.
Um grande abraço
PS. Vou lhe dar um conselhinho: não perca a chance de nos ver – dê a si esse direito. Depois disso,
sua vida vai se tornar mais leve e você vai querer repetir a dose muitas vezes. Aí, bastará você dizer
‘Marquem outro’ e de novo reuniremos todo mundo. Quantas vezes você quiser. Ainda nos consideramos
seus alunos e, nessa relação, continuamos achando que, no final das contas, quem manda mesmo é o
professor – tanto que estamos respeitando o seu silêncio já não é de hoje...
PS2. Para nós, não tem a menor importância se você estiver muito diferente e não pensar nada do
que pensava antes. Nós não apenas envelhecemos trinta anos, amadurecemos também. Fique tranquilo.
As palavras escritas podem chegar ao poder...
Carta de uma eleitora para o Presidente da República
Caro companheiro Lula6
Em um texto chamado ‘O sermão de Fidel Castro’, de Gabriel Garcia Márquez, recentemente
publicado na Revista Em Dia, que circula em Brasília, está dito que certa vez Fidel chamou a atenção de um
funcionário seu: ‘Para não me inquietar, vocês ocultam verdades de mim, mas quando afinal eu as
6 Carta escrita e enviada em julho de 2003 e respondida algumas semanas depois por um funcionário responsável pela
correspondência do Presidente.
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descobrir vou acabar morrendo por causa do impacto de enfrentar de um só golpe tantas verdades que
vocês deixaram de me contar’.
Quando me perguntam se eu acho que este Governo vai dar certo, minha resposta é sempre a
mesma: ‘só se o Lula souber de fato o que acontece na realidade’.
Já vi de perto, Lula, o tanto que as equipes de assessores filtram as informações, como teria feito o
funcionário de Fidel. E o quanto os cidadãos que ocupam cargos executivos nos governos operam com a
realidade que a eles é revelada e não com a realidade tal como poderiam interpretar com os próprios
recursos, se tivessem todas as informações disponíveis.
Pois bem, companheiro, como não sabia por onde iniciar esta carta, já que é a primeira vez que
escrevo para um Presidente da República, decidi começar pelo principal: a razão de ter resolvido escrevê-
la.
Tenho muito medo que, passando/passados quatro anos, a comunidade educacional que tanto
criticou o Governo FHC, tenha uma opinião consensual de que a administração do Governo Lula no
Ministério da Educação foi pior do que a anterior.
E por que lhe escrevo para dizer isso? [...]
[...] Devo lhe confessar que por umas semanas resolvi que não votaria mais em você, por conta da
aliança com o PL e de algumas declarações que você andou fazendo no ano passado. Fiquei desanimada e
achei que iria anular o meu voto como forma de protesto, depois de anos votando sempre no PT. Aí esse
arroubo juvenil passou – até minhas jovens filhas me aconselharam nessa fase de indignação e amargura.
Então recuperei o gás, fiz autocrítica, mergulhei na campanha, fui nos comícios, votei em você, fui à posse –
um dos momentos mais comoventes de minha vida –, torci muito e continuo torcendo para que tudo dê certo.
Mas minha experiência de vinte e cinco anos na educação e minha razoável capacidade de análise me dizem
que, se as coisas continuarem transcorrendo como estão, dificilmente isso vai acontecer, dificilmente tudo
vai dar certo o quanto os educadores e alunos brasileiros precisam e merecem.
Leonardo Boff diz, lindamente, que todo ponto de vista é a vista de um ponto. Esse é o meu. E o
lugar de onde miro as coisas da educação é o mesmo de onde miram muitos professores como eu.
Desejo profundamente que você consiga fazer algo pela educação deste país.
Um forte abraço para você e toda a sorte do mundo.
R. A.
PS 1. E já que me atrevi a lhe escrever para fazer críticas, vou aproveitar e completar o
atrevimento, dando-lhe dois conselhos de companheira. Não se fie na realidade que lhe contam, crie
mecanismos para conhecê-la por si mesmo. O povo brasileiro votou em você e, portanto, confiou na sua
interpretação desta dura realidade que vivemos, não na interpretação dos seus colaboradores – não delegue
a eles um papel que é seu. E duvide também de tudo isso que lhe digo nesta carta: verifique com os seus
próprios recursos.
PS 2. Segue meu endereço completo, para a eventualidade de uma resposta.
Como se pode ver, as cartas não só revelam: narram a história das expectativas, das inquietações, das intimidades, registram o movimento dos relacionamentos.
Por isso elas são poderosas. Valiosas. Imprescindíveis.
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Cartas que formam
Fazia algum tempo um propósito me inquietava:
escrever umas cartas pedagógicas em estilo leve...
Paulo Freire
Mas o propósito desta carta é, muito mais do que defender a relevância das cartas em nossa vida cotidiana, argumentar em favor da sua importância na formação profissional.
Recentemente, escrevi a esse respeito para um livro publicado pela Secretaria Municipal de São Luís do Maranhão:
A correspondência entre os educadores é um recurso ainda pouco utilizado nos trabalhos de
formação. Entretanto, trata-se de um dispositivo importante, pois, além de todos os
benefícios trazidos pela comunicação por escrito, tem a vantagem adicional de poder
ocorrer a distância, a qualquer distância. Evidentemente a comunicação por escrito não
substitui a relação interpessoal direta, mas quando não é possível contar com a presença
física de parceiros [...], essa é uma alternativa que não se pode desprezar.
A correspondência é uma forma valiosa de incentivar o registro, a reflexão por escrito, a
comunicação e a leitura. Além disso, permite estreitar os vínculos afetivos, sistematizar os
saberes construídos e socializá-los. E, de certa forma, acaba por representar um agrado, um
cuidado com o outro, revelado ‘em atos’. Porque, quando escrevemos, deixamos de lado
todos os demais afazeres e priorizamos o contato com o nosso interlocutor – que, ao receber
o texto, recebe junto a mensagem implícita ‘Ele/ela dedicou seu tempo a me escrever!’.
Quando é possível contar com a Internet, então, esse tipo de comunicação – seja por e-mail
ou on line – ganha ainda mais relevância, por conta não só da rapidez, mas do custo
praticamente irrelevante.
A comunicação por e-mail permite devolutivas rápidas para dúvidas, relatórios, solicitações
e tudo o mais que faça sentido tratar em mensagens que vêm e vão. E se a interlocução é on
line, há ainda uma característica adicional: a combinação de duas das principais
propriedades da linguagem oral e da linguagem escrita, respectivamente – a ‘presença’ do
interlocutor e a possibilidade de ‘voltar ao texto’ para pensar sobre o conteúdo da
mensagem. Essa circunstância possibilita um exercício da escrita que só é possível nesse
contexto.
A facilidade para responder questões, para fazer circular textos e para copiar materiais,
aliada à rapidez com que se faz chegar a informação ao destinatário, representa uma
enorme contribuição para o intercâmbio entre os educadores que não convivem
cotidianamente. (“Formação dos educadores: uma ação estratégica e transversal às políticas
públicas para a educação”, 2004.)
Muito mais do que discorrer longamente sobre o assunto, vale uma referência importante a Paulo Freire, feita por Alípio Casali, na capa do Pedagogia da Indignação (Editora Unesp, 2000), que, tal como outras publicações anteriores, traz uma série de cartas pedagógicas: “As cartas pedagógicas de Paulo Freire recolocam a educação no espaço do coloquial e do afetivo. Toda a sua obra aqui se encurva, e reencontra o essencial da educação – o diálogo que compartilha e provoca.”
As tais chamadas cartas pedagógicas são fundamentais para a nossa formação, porque nelas se pode tratar coloquialmente de quaisquer assuntos que, num dado momento, interessam aos que fazem a educação.
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Carta de uma coordenadora pedagógica à equipe de professoras da escola
Queridas professoras
Li todas as avaliações que vocês fizeram, sintetizei os itens principais, reli meus registros de
reuniões... Fui fazendo, meio sem querer, mas inevitavelmente, uma retrospectiva de tudo que passamos. No
fim das contas concluí que o ano passado foi o mais difícil que vivemos na escola – infelizmente tivemos que
vivê-lo, felizmente ele já passou. E certamente aprendemos muito com tudo que nos aconteceu e teremos
maturidade suficiente (e uma boa dose de sorte!) para – quem sabe? – fazermos deste o melhor ano que
teremos vivido até então: não há dúvidas de que estamos precisando de um ‘refresco’.
[...] A mim parece que são três as lições que se pode tirar de tudo o que vivemos: é preciso melhorar
cada vez mais nossa capacidade de analisar o que temos diante de nós, assumir nossos atos e palavras e
jamais desprezar a importância de um grupo de trabalho sério e solidário.
Como uma de nossas principais metas para o ano era investir na constituição do coletivo de
educadores – ou seja, na nossa constituição enquanto grupo profissional – e como a maioria de vocês
indicou, na avaliação do ano passado, que o pior da escola foi a ‘confusão’ do 2º semestre (e que não
gostaria que esse tipo de problema acontecesse na escola de jeito nenhum), temos que admitir que não
demos a devida atenção àquilo que, na verdade, deveria orientar nossa conduta no cotidiano, que não
cuidamos direito da nossa relação e que devemos, agora, mostrar o quanto temos capacidade de recuperar
o tempo perdido e, de fato, investir na nossa condição de grupo, de equipe, de coletivo.
E, nesse sentido, as três lições que me parecem as principais tornam-se imprescindíveis. Agora,
cuidar das relações do grupo e no grupo é uma prioridade. Para tanto não é preciso consultar nenhum
livro, nenhum especialista, nenhum oráculo... O que fazer já está dito e prescrito por vocês mesmos:
‘Não podemos esquecer que a constituição do coletivo é um processo lento, de construção.’
‘É preciso superar a sensação de não saber para onde e como caminhar. O grupo está
estremecido e isso é uma pena.’
‘O que passou, passou. A modificação e o crescimento se dão quando nos arriscamos e
ousamos fazer coisas novas. O importante é o agora, porque o passado já passou e o amanhã pode
não existir.’
‘Quanto menos se faz comentários a respeito de situações de conflito melhor se resolvem os
problemas.’
‘Em determinadas situações, ser discreto é uma atitude profissional e humana.’
‘É preciso evitar discutir problemas de trabalho fora dos fóruns de discussão. E não ser
representante nem se deixar representar pelo outro.’
‘Se possível, não deixar que as pessoas falem por nós e não falar pelas pessoas.’
‘A questão é não ficar só no particular e nos voltarmos mais para o todo.’
‘Talvez valha a pena levantar o que cada um faz bem para ajudar os demais: todos podem
aprender com todos em diferentes aspectos.’
‘É preciso ter humildade.’
‘Precisamos ainda aprender a ouvir as críticas sem melindres, ser mais objetivos e tratar as
questões com mais profissionalismo.’
‘É preciso continuar tratando as questões como vinha sendo feito antes: sem expor as
pessoas.’
‘No local de trabalho, comunicação distorcida ocasiona situações inevitáveis de conflito.’
‘A comunicação deve se feita a fim de simplificar as coisas e não para acabar em
fofoquinhas’
‘Precisamos ter cuidado com o que falamos, pois, muitas vezes, há interpretações diferentes
do que se pretendeu dizer.’
‘Por mais que se busque constantemente o melhor de todas as pessoas, há circunstâncias que
agem no sentido de despertar o pior adormecido ou escondido nelas, pois há pessoas que são mais
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influenciáveis do que parecem. Por isso é preciso procurar sempre compreender o que está por trás
do aparente. A análise apenas do aparente não leva à solução dos problemas, apenas induz ao
engano.’
‘É melhor levantar da cama acreditando que o dia será bom.’
‘A união faz a força.’
‘Tenho uma imagem morna e acolhedora de que, no fim das contas, estreitamos os laços
neste ano.’
Como vocês podem ver, se não fazemos o que é preciso, não é por falta de saber o que fazer.
Possivelmente pela última vez, e a contragosto de vocês, deixarei registrado – agora por escrito – o
que de fato me decepcionou no contexto da crise toda que vivemos: a incapacidade de muitas de vocês
avaliarem o que estava diante de si, a facilidade de muitas de vocês se influenciarem pelo ‘clima’ que se
estabeleceu e a falta de lealdade por ficarem se envenenando com o diz-que-diz ao invés de virem discutir
comigo suas queixas. Fora o – para mim – pior ainda: a falta de coragem para assumir o dito, o feito, o
pensado. Não me saía da cabeça que eu havia passado anos investindo no melhor de cada um, sendo
compreensiva com as limitações e as dificuldades, enfrentando os pais para defender vocês muitas vezes
incondicionalmente, tendo cuidado para não expor ninguém a situações difíceis, buscando dizer as coisas na
melhor hora e do melhor jeito para’fazer a coisa certa’... E que, de repente, isso tudo não tinha o menor
poder, o menor valor e o menor efeito diante da realidade. Criou-se um contexto tal que muitas de vocês se
alimentaram das infinitas reclamações sobre a coordenação que, apuradas, tornaram-se uma única: o não-
acompanhamento’mais de perto’ do trabalho pedagógico. A impressão que me dava é que havia um certo
sentimento de revanche no ar, mais ou menos assim: você é autoritária e quer nos impedir de trabalhar em
outro lugar (!), então vamos apontar seus defeitos. E aí se ficou procurando motivos para exercitar a
reclamação.
[...] Pois bem, tivemos que passar pelo desgaste provocado pelo’mau lado’ de todos nós. E como eu
já disse várias vezes, vocês têm toda razão em reivindicar maior presença minha no acompanhamento mais
miúdo do trabalho e também têm razão quando dizem que eu deveria ter agido de outra forma’naquela’
reunião. Deveria mesmo. Eu e vocês também. Mas, como vimos, nem sempre tudo sai como deveria.
Comentarei agora algumas outras metas por nós definidas, já que a do investimento de cada um na
constituição do coletivo foi exaustivamente tratada até então. Vejamos quais eram:
. ‘Assumir o desafio de registrar o trabalho em diferentes níveis.
. Melhorar o trabalho educativo com as crianças.
. Aprofundar a questão do trabalho com projetos e o trabalho didático – esse, principalmente em
relação aos alunos com mais dificuldades.
. Planejar melhor o trabalho e produzir melhores materiais, com destaque especial às lições de casa.’
[...] Quero aproveitar para dizer algo que venho falando em vários momentos e de várias maneiras, sem
muito efeito. Acho que vocês não dão praticamente valor nenhum a algo que tem se evidenciado como cada
vez mais relevante: a produção de ‘conhecimento pedagógico’ pelos professores. Esse é um tipo de
conhecimento, de teoria sobre a prática pedagógica, que os professores – principalmente em fóruns de
discussão coletiva –, através do exercício de reflexão sobre a prática, podem produzir melhor do que
ninguém. Vocês, no fundo, têm uma visão tradicional e preconceituosa de que não têm capacidade de
produzir teoria. Prova disso é que estão sempre querendo que alguém venha dizer coisas que supostamente
poderiam ajudar (muito mais do que na realidade ajudariam) e estão sempre achando que estudamos pouco
nos livros (o que é verdade mas não implica que nossos maiores ‘buracos’ se devam a isso). Claro que
assessoria e estudo é fundamental. Mas isso não pode nos fazer desvalorizar o que é muito importante e
temos o privilégio de possuir: a capacidade de produzir conhecimento pedagógico.
[...] Por fim, quero deixar mais uma vez registrado que há mais de um ano espero uma cartinha de
avaliação da maioria de vocês. Só alguns professores me escreveram e suas cartas foram muito importantes
para mim, sob todos os aspectos. Agora, solicito novamente a mesma coisa: escrevam para mim porque eu
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também gosto que me digam o que pensam a meu respeito – e, sendo por escrito, posso voltar ao texto
quantas vezes forem necessárias.
Do fundo do coração
Feliz Ano Novo a todos vocês. A todos nós.
Há de ser o melhor de todos até então!
Como se pode ver, esses textos pedagógicos, formativos, documentais, de certa forma organizam os
elementos da experiência compartilhada e acrescentam ingredientes à reflexão individual.
Carta de uma formadora a seu grupo
Caras professoras
No nosso primeiro encontro, fizemos uma apresentação do grupo e cada uma de vocês falou dos
avanços que têm tido em sala de aula. A intenção foi organizar a prática a partir do reconhecimento e da
socialização dos acertos, uma vez que as dificuldades já tinham sido apontadas no questionário que vocês
responderam individualmente.
É importante considerar que trabalhar com uma proposta que considera o aluno como protagonista
do processo de aprendizagem não é uma tarefa fácil: requer um esforço grande do professor, que nem
sempre é reconhecido do ponto de vista institucional. Mas, se considerarmos o mais importante, que é o
desenvolvimento das crianças – razão de ser da escola e da atuação profissional dos professores –, a
certeza é sempre de que nossos esforços valeram a pena!
Ao investigar nossa prática, a forma pela qual trabalhamos e sequenciamos os conteúdos, nossas
propostas de atividade, a maneira de intervir junto aos alunos, inevitavelmente constatamos que, embora
em muitos aspectos as coisas estejam dando certo, há aspectos que ainda precisam ser reformulados,
transformados. Nesses momentos, nos perguntamos como fazer essas mudanças, quais atividades são mais
adequadas aos nossos objetivos e, às vezes, nos perguntamos também ‘mas qual era mesmo o meu
objetivo?’.
Vem uma sensação de que agora devemos esquecer tudo o que sabemos e mudar radicalmente.
Nessa hora – e sempre – é importante saber que as mudanças não acontecem de uma hora para a
outra, mas sim gradativamente.
Muitas são as questões que vamos nos colocando à medida que entramos em contato com uma
grande quantidade de informações a respeito de possíveis alternativas àquilo que estamos acostumados a
fazer.
Quando tomamos contato com atividades diferentes, que requerem um planejamento criterioso,
muita mão-de-obra e tempo para prepará-las, vêm logo as perguntas: como fazer tudo o que quero se tenho
pouco tempo? Como planejar essas atividades, se os materiais disponíveis são insuficientes?
Temos aí, de fato, um problema.
Mas, como tudo não é absolutamente insolúvel, podemos pensar em algumas saídas necessárias,
como, por exemplo, buscar parceiros com quem se pode contar na escola, pois não é possível fazer sozinho
tudo que é necessário a uma prática pedagógica que promova verdadeiramente a aprendizagem de todas as
crianças – pesquisar todo o material, preparar atividades produtivas, mimeografá-las, corrigi-las etc.
Outra saída consiste em conhecer quais são os recursos disponíveis na escola, os que são imprescindíveis
ao trabalho, e como ter acesso a eles.
Como se não bastassem essas inquietações, ainda há outras com relação às atividades. Uma delas é
que, às vezes, conhecemos uma atividade interessante, mas, como não dá certo da primeira ou da segunda
vez em que a apresentamos aos alunos, acabamos desistindo. Certamente, já experimentamos muitas
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atividades diferentes que nos sugeriram por serem consideradas excelentes e que de nada serviram para a
aprendizagem dos nossos alunos.
A essa altura, é bom respirar fundo, frear um pouco nossas angústias para poder ter melhor
visibilidade do que de fato está acontecendo.
Não é da primeira vez que as atividades propostas darão certo, principalmente quando não são
familiares aos alunos: não adianta tentar uma ou duas vezes e desistir.
É preciso saber que não é a atividade em si que promove a aprendizagem, mas a situação didática
como um todo, desde que seja adequada ao grupo de alunos para o qual se destina. Situação didática, aqui,
entendida como atividade mais intervenção do professor.
E muitas vezes nos pegamos pensando: ‘É muita coisa para eu fazer e não dá para fazer isso tudo
direito. Vou desistir!’.
É bom saber que não dá para fazer tudo absolutamente perfeito – faz-se o que é possível; porém, é
preciso que seja sempre da melhor maneira que pudermos. Se encaramos o Magistério como uma profissão
de fato, não podemos deixar de ser o melhor profissionalmente. Afinal, o resultado de nosso trabalho é a
aprendizagem de muitas crianças – de muitas pessoas! –, não é qualquer coisa sem grande importância.
[...] Quanto à heterogeneidade, é fundamental refletirmos sobre as suas vantagens, não só para os
alunos, mas também para o professor: quando aprendemos a montar grupos heterogêneos e produtivos,
ficamos mais soltos para atender aos alunos que consideramos prioritários – ou seja, o trabalho não fica
todo amarrado à figura do professor. E, nesse sentido, é útil nos perguntarmos se é possível existir, de fato,
uma classe homogênea, se as pessoas são diferentes umas das outras... A ilusão da classe homogênea é
fruto de uma prática na qual não se diagnostica o conhecimento real dos alunos. É bom que façamos uma
séria reflexão a esse respeito.
Há que se considerar, ainda, outros aspectos igualmente fundamentais: qual a expectativa que
temos sobre a aprendizagem dos nossos alunos? Como temos valorizado os alunos tidos como’mais
fracos’?
Os alunos com maiores dificuldades merecem nosso melhor respeito intelectual, não devem ser
superprotegidos – isso, geralmente, acentua a intolerância dos demais alunos com eles, uma vez que, ao
superprotegê-los, o professor lhes dedica atenção diferenciada. Quando possível e adequado, vale a pena
propor, como desafio para a classe, ajudar uma determinada criança – ou várias, dependendo do caso – a
aprender um tal conteúdo num certo prazo.
É importante criar situações em que seja valorizado o conhecimento do aluno sobre outras coisas, e
não só os conteúdos escolares clássicos, para que ele também reconheça suas capacidades e talentos e para
que a turma reconheça, por sua vez, as diferentes contribuições que cada um tem a oferecer. Assim se vai
aprendendo que cada um sabe uma coisa, mas que todos têm capacidade para aprender o que ainda não
sabem.
Esse tipo de procedimento contribui para a aprendizagem de outros conteúdos escolares da maior
relevância: o respeito ao diferente, a solidariedade, a tolerância, o estabelecimento de relações pautadas
pela ética e não pela discriminação e pela opressão dos considerados mais fracos. É pelo exercício
cotidiano, em situações’modelares’, que se ensinam e se aprendem conteúdos como esses: não é pelo
discurso.
É fundamental que nós, como professoras, possamos refletir sobre qual a postura que temos perante
os alunos, pois ela é uma referência poderosa para o grupo de como tratar as diferenças, como se
relacionar com o outro e como se disponibilizar a aprender e a ensinar. [...]
Um grande abraço.
Às vezes, a explicitação dos bastidores de um projeto que envolve muitos atores pode humanizar as relações e estreitar os vínculos, mesmo quando não se tem contato direto com todos eles. É esse um dos propósitos dos dois textos que se seguem, endereçados aos mesmos destinatários.
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Carta coletiva da equipe de coordenação de um programa de formação aos professores envolvidos
Caros professores e professoras
Estamos entrando na terceira parte do nosso curso, com alguns desafios ainda por vencer.
[...] Já temos hoje uma avaliação bastante positiva do trabalho proposto: as primeiras avaliações
indicam que cada vez mais os professores se comprometem a alfabetizar seus alunos de forma adequada e
significativa. O baixo percentual de evasão do curso revela que os alfabetizadores estão procurando formas
de alcançar resultados melhores com o seu trabalho. É também dessa forma que se faz a história da
educação de um país.
Por fim, gostaríamos ainda de destacar duas questões da maior importância.
A primeira é que, assim como houve uma pesquisa de avaliação inicial dos professores cursistas,
haverá também uma pesquisa de avaliação final, para a qual solicitamos o maior empenho de vocês.
Queremos de fato saber o que pensam sobre o curso e sobre as consequências em seu trabalho. Quando
chegar a hora de avaliar, por favor, dêem o melhor de si.
E a outra é que tivemos a ideia de solicitar a escritores e cartunistas brasileiros que escrevessem
especialmente, ou dedicassem um texto já escrito, para vocês. A proposta foi aceita de pronto, e vários
textos que compõem o Módulo 3 foram enviados por eles. Não é o máximo? Adélia Prado, Antônio Prata,
Bartolomeu Campos de Queirós, Carlos Heitor Cony, Frei Betto, João Ubaldo Ribeiro, Heloisa Prieto, o
cartunista Laerte, Mario Prata, Moacyr Scliar, Rubem Alves, Ruy Fabiano, Tatiana Belinky e Thiago de
Melo mandaram textos de presente para vocês, atendendo à seguinte solicitação feita por nós numa carta-
convite:
A razão principal desta carta é convidá-lo a escrever um texto para os professores que
alfabetizam crianças, jovens e adultos nas escolas públicas brasileiras. Caso você não tenha
disponibilidade para fazê-lo, gostaríamos que dedicasse um texto já escrito a esses
profissionais que tentam – e nem sempre conseguem – garantir o direito dos alunos
brasileiros de aprender a ler e escrever (...).
Consideramos a resposta dos escritores um enorme sucesso, e temos certeza de que vocês irão
adorar os textos! Além disso, ao começar a receber as respostas desses autores, tivemos outra ideia:
escrevermos, também nós, um texto dedicado a vocês. E assim foi feito. Cada uma das catorze educadoras
da Equipe Pedagógica do Programa se empenhou nessa tarefa, agora sem a finalidade de informar ou
subsidiar, mas de (principalmente) dar-se um pouco mais a conhecer. É um presente nosso, pessoal, a cada
um(a) de vocês, e estamos torcendo para que gostem!
Boa sorte a todos vocês.
Equipe Pedagógica do PROFA7
Carta aos professores de um programa de formação
A todos os professores que acreditam incondicionalmente
na aprendizagem (e por isso são capazes de ensinar).
Caros professores e caras professoras,
Há alguns meses escrevi, num guardanapo de papel, um pequeno poema que dedico agora a vocês.
7 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, desenvolvido pelo MEC em parceria com Universidades e Secretarias de
Educação de todo o país no período de 2001/2002.
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Velho Chico
Daqui, tu és uma cobra-d´água-cor-de-terra.
Emociona-me profundamente vê-lo, emociona-me vê-lo assim...
E li um grande poema de Leonardo Boff que lhes dedico, em parte, também:
‘Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber
como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o
lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem,
em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças
o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.
Assim, cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque
compreende e interpreta a partir do mundo que habita.’
Pensei muito tempo no que seria melhor escrever para vocês. Tive muitas ideias, planejei o texto
durante vários dias, mudei de opinião sobre o que seria mais interessante... por fim, saiu este, que revisei
muitas vezes, com aquele carinho que temos pelo texto escrito quando é destinado a quem gostamos muito.
De fato, o que mais quero é dizer o que penso sobre a importância do conhecimento para a nossa
qualidade de vida. Quanto mais se sabe, mais se pode saber – o que sabemos nos faz melhores
observadores, melhores intérpretes e, por certo, melhores cidadãos.
Quando, algum tempo depois, li o pequeno poema sobre a emoção que me causara o Velho Chico,
refleti longamente sobre o quanto o conhecimento abre as portas e as possibilidades...
Quantas pessoas, ao lerem esse texto, saberiam do que se trata? A quem ele representaria
verdadeiramente uma mensagem?
Com certeza, aos que conhecem o Velho Chico e assim o chamam. Especialmente se tiveram uma
experiência e uma emoção parecida com a minha.
Então, mais ainda me encantou o trocadilho ‘todo ponto de vista é a vista de um ponto’...
[...] Tudo o que fazemos é o que sabemos e acreditamos... E o que a sabemos e acreditamos (nosso
ponto de vista) é sempre a vista de um ponto.
Nos cabe, como professores, o exercício do próprio direito de aprender e a garantia de igual direito
para as crianças, jovens e adultos que tiverem o privilégio de ser nossos alunos. O conhecimento imprime
maior qualidade à vida: é preciso conquistá-lo todo dia!
Boa sorte a todos
Todo texto enviado carrega consigo a necessidade da resposta, não apenas os escritos pessoais. Também os relatórios de trabalho esperam devolutivas dos interlocutores aos quais se destinam. E quando as devolutivas são cuidadosas, pautadas no que os relatórios – e a prática – pedem e revelam, podem de fato representar complementos importantes de formação.
Mensagem da coordenadora de um projeto a uma formadora iniciante
Cara companheira
Priorizei a leitura do seu relatório nas horas mais vagas nestes últimos dois dias, pois imagino que
você já deve estar às voltas com o próximo…
Rosaura Soligo
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[...] Agora vou lhe dizer algumas coisas sobre o que observei no grupo coordenado por você e
sobre o seu relatório – algumas já ditas anteriormente.
Vejamos sua própria opinião a respeito de um dos aspectos que quero comentar:
‘Na verdade, tive dificuldades para gerenciar o tempo de modo a contemplar toda a demanda de
discussão, pois meu ritmo é um pouco mais lento, acabo falando mais do que pode e do que é preciso … No
próximo encontro devo reorganizar o tempo, elegendo menos atividades e priorizando as questões essenciais
para os formadores.’
Em primeiro lugar, gostaria de saber se você conseguiu cumprir esse desafio a que havia se
proposto para o encontro seguinte. E também como se saiu no encaminhamento das discussões mais
específicas sobre a intervenção pedagógica destinada a favorecer a alfabetização dos alunos. Coloque isso
em seu relatório, que é importante.
Preocupo-me muito com essa parte porque, como já disse algumas vezes, penso que há um conceito
completamente errado, que se construiu sem qualquer ponte com a realidade (e que está bastante
difundido), de que um contexto letrado oferece o código alfabético’de brinde’ para as crianças. Ou seja,
não é preciso intervenção pedagógica específica destinada à compreensão do código, porque essa
aprendizagem vem do uso da língua em situações comunicativas reais, em contextos significativos de leitura
e escrita… Isso é de um grau de espontaneísmo tão grande que me assusta, sem contar que revela total
desconhecimento de como um conhecimento específico se constrói e qual a relação que existe entre esse
conhecimento e os outros, já construídos ou em construção pelo sujeito.
Por que estou dizendo tudo isso? Porque acho que a maior contribuição que podemos oferecer aos
formadores nos encontros é um modelo de formação de fato problematizador (não teórico/expositivo) e um
conhecimento maior sobre como se aprende e se ensina a ler e escrever. Do contrário, os índices de
analfabetismo escolar não vão baixar de forma alguma: em alguns lugares, o fracasso escolar na
alfabetização, da 1ª para a 2ª séries, é superior a 60%.
Mas, voltando às minhas opiniões sobre como você conduziu o trabalho, nos momentos em que pude
observá-la.
Como eu lhe disse (e não sei se isso ocorreu por falta de familiaridade sua com o trabalho ou por
característica pessoal – parece-me que pelas duas razões), percebi que você não conseguiu hierarquizar os
conteúdos a serem trabalhados: deu um tratamento’democrático’ a todos eles. A intenção é boa, mas o
resultado é a eterna sensação de tempo escasso. Infelizmente, nem tudo pode ser tratado com igual cuidado:
há conteúdos que, por serem mais relevantes, devem ocupar mais o nosso tempo, justificam a nossa fala
mais prolongada a respeito deles. Nós temos, no encontro, uma limitação que é a quantidade real de horas
disponíveis: a hierarquização é imprescindível. Há questões pelas quais apenas ‘passaremos’ e pouco
ficará sobre elas, infelizmente…
Como você mesmo avaliou, também achei que você deu muita aula – todos nós temos essa tendência
e o desafio é saber quando dar aulas (pois os conteúdos e as circunstâncias exigem) e quando não. E,
mesmo quando for o caso, a grande sacada será dar aulas dialogadas, e não totalmente expositivas. Se
conseguirmos isso, eis que, de fato, estaremos oferecendo um excelente modelo de formador aos
formadores. [...]
Mas nisso é somente a prática que vai nos ajudar, se estivermos atentos e empenhados em
transformar verdadeiramente nossa tendência a dar aulas nos grupos de formação, nossa tendência a ser
professores dos professores.
Todos nós temos essa tarefa na equipe: planejamos coletivamente atividades problematizadoras,
mas (igualzinho ao professor que dispõe de uma porção de ‘atividades interessantes’) é a intervenção
durante a atividade que vai provar o quanto de fato sabemos problematizar.
Por fim, ainda sobre minhas observações:
Você leu lindamente para os professores. Valorizo muito isso porque, em geral, professor quando lê
para adulto age igualzinho com criança, o que você não faz, mesmo quando lê literatura infantil.
Rosaura Soligo
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Essa capacidade de adequar a leitura ao interlocutor é fundamental. Além do mais, você tem uma
voz agradável, que não enjoa.
Penso que, dependendo do caso, você precisa ter um certo cuidado com a referência a escritores
que são parcialmente ou totalmente desconhecidos do grupo: em alguns momentos, senti que você
falava de alguns autores com um excesso de familiaridade que, se as pessoas os desconhecem, pode
ser meio desconcertante para elas. Acho que, talvez, a saída para quando você quiser citar um
autor provavelmente desconhecido da maioria seja algo do tipo:’Vocês já tiveram oportunidade de
ler algo do …? Pois então…’. Esse tipo de entrada cria a possibilidade de a pessoa achar que é
perfeitamente possível não conhecer aquele determinado autor, do contrário pode ficar se achando
ignorante.
Na discussão sobre a adequação da atividade de leitura ao nível de conhecimento dos alunos ainda
não-alfabetizados, fiquei com a impressão de que você interveio nos grupos mais do que deveria,
não sei… Quanto menos dicas os educadores tiverem, mais vão ‘aparecer’ as suas reais
concepções.
Quanto ao seu relatório, só tenho uma observação a fazer: gostei muito! Ele é de fato reflexivo, e isso
tem de ser a principal razão dos relatórios que fazemos. Além disso, ele revela um exercício importante de
análise do trabalho e da prática de formador.
Não tome minhas observações como críticas no mau sentido: sinceramente, acho você uma formadora
muito competente. Se aponto algumas questões, é porque sei que você pode ficar ainda muito melhor.
Um grande abraço
Textos institucionais não precisam necessariamente ser áridos, formais, herméticos, prescritivos. É possível – e recomendável – pautá-los no diálogo e na argumentação. Assim se pode subverter o modelo clássico das relações assimétricas...
Carta a coordenadores pedagógicos e diretores de uma rede de ensino
Caros educadores da Rede Municipal
Coube a mim a tarefa de escrever um texto com algumas orientações para a elaboração do
memorial de formação que assumimos como uma proposta para o segundo semestre deste ano.
Essa proposta significa a continuidade do que vem acontecendo desde o ano passado com as cartas
trocadas por profissionais que ocupam diferentes funções na Secretaria – uma forma de registro de
experiências e reflexões que tem se mostrado imprescindível, não só para tornar público o que pensam e
sentem os educadores, mas também para difundir o conhecimento pedagógico produzido no cotidiano.
Isso não é pouca coisa.
Principalmente na área da educação.
Porque garantir a voz dos profissionais e incentivar a produção de conhecimento pedagógico é
também uma forma de luta pela profissionalização do Magistério.
[...] Por tomar os educadores como sujeitos e protagonistas do processo de formação, desde o
início, optamos por criar contextos de leitura, de escrita e também de produção de outros registros – como
os depoimentos gravados em vídeo.
Não têm sido poucas as rodas de literatura, as leituras compartilhadas, as cartas, os registros de
pautas, as sínteses de reunião, os depoimentos...
Sabemos todos nós que foram muitas as conquistas nesse sentido. E que há muito por conquistar.
Ainda bem...
Rosaura Soligo
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Pois então. Agora o desafio é escrever o memorial referente ao tempo do programa de formação.
E a mim coube a tarefa de escrever um subsídio.
[...] Por conta do gosto pessoal que tenho pelas cartas e pelo que elas têm representado na rede
municipal, optei por escrever as orientações por meio de uma carta, desta carta. Eis então um exemplo de
memorial, seguido de uma breve análise e, mais adiante, um texto produzido a partir do registro de algumas
discussões sobre esse gênero textual.
As cartas – principalmente estas ‘cartas pedagógicas’ nas quais tratamos dos assuntos que dizem
respeito ao nosso trabalho e ao nosso processo de formação – são boas por isso: em seu interior podemos
inserir outros gêneros e dá tudo sempre certo.
É o que faço agora. [...]
Boa sorte a todos.
Um abraço
O fato é que, neste tempo em que estamos vivendo, quando os momentos de formação são sempre insuficientes, como se verifica, as cartas podem adquirir um papel fundamental - o de recurso complementar ao trabalho e à interlocução entre seus autores. Sem contar que elas não são textos meramente informativos. Trazem a potência dos escritos que acionam não só a reflexão, mas as bem-vindas emoções que atravessam qualquer processo educativo. E, espera-se, as ações que podem tornar esse processo mais humano, mais democrático, mais eficaz.
Se quiserem conhecer outras cartas desse tipo, há alguns livros que valem a pena:
Guia de Orientações Metodológicas Gerais – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (organizado por Rosaura Soligo). MEC/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 2001.
Cartas aos professores Rurais de Ibiúna. Cedac – Centro de Documentação para Ação Comunitária. Fundação Bradesco. São Paulo, 1999.
Cartas sobre leitura e escrita na pré-escola ou a formação de narradores: uma paixão nas entrelinhas. Trabalho apresentado em 1998, por Tereza Cristina Barreiros e Adrianne Guedes, para conclusão do Curso de Especialização em Educação Infantil na PUC-RJ, com orientação de Maria Luiza Oswald. (In: Infância e Educação Infantil, Papirus, 1999).
Adequar a escrita, não? Ou não?
Nas cartas, corremos o risco de dizer coisas que soam estranhas... Não resisti a dizer uma dessas.
Quando entrei no programa de pós-graduação da Unicamp, eu já havia escrito muitos textos, especialmente para professores. O que sempre me incentivou a escrever, mesmo quando as condições não eram as mais favoráveis, foi que inúmeras vezes ouvi a mesma opinião elogiosa dos professores: eles diziam (e dizem) que gostam muito do que escrevo, que entendem o que quero dizer, que consigo de fato me comunicar. Num país em que se afirma que os professores lêem pouco, esse tipo de opinião, além de lisonjeiro, é um convite a escrever sempre mais. Afinal, se a possibilidade de comunicação é tanto maior quanto maior for a aproximação entre o que se pretende dizer, o que de fato se diz e o que é compreendido, esse tipo de avaliação sobre o que escrevemos importa muito.
Mas, como eu dizia, o que mais me intrigou ao retornar à Universidade depois de muitos anos foi que a necessidade de escrever textos acadêmicos parece pasteurizar a produção textual dos estudantes. Todas as referências bibliográficas, notas, citações... têm o formato padrão dos textos acadêmicos convencionais, mesmo quando o que se escreve é de outra natureza, de outro estilo, de outros gêneros. Algumas vezes, me
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sugeriram que eu fizesse um acerto em alguns textos meus, por não estarem de acordo com as normas... mas eram escritos outros, para outros destinatários que não a comunidade acadêmica...
É como se, ao começar a produzir textos na Universidade, tivéssemos que não só conformá-los todos ao modelo predominante, mas, pior, carregar as marcas desse modelo para tudo o que escrevemos.
Um fenômeno intrigante...
Questões do gênero
Essas questões estão hoje na pauta do debate dos educadores e merecem aprofundamento.
“O que é um gênero? Anteriormente (Schneuwly, 1994), desenvolvemos a ideia metafórica do gênero como (mega-)instrumento para agir em situações de linguagem. Uma das particularidades deste tipo de instrumento – como de outros, aliás – é que ele é constitutivo da situação: sem romance, por exemplo, não há leitura e escrita de romance; sem dúvida, esta é uma das particularidades do funcionamento da linguagem em geral (e, logo, um limite da metáfora instrumental...). A mestria de um gênero aparece, portanto, como co-constitutiva da mestria de situações de comunicação. Situando-nos na perspectiva bakhtiniana, consideramos que todo gênero se define por três dimensões essenciais: 1) os conteúdos que são (que se tornam) dizíveis através dele; 2) a estrutura (comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; 3) as configurações específicas das unidades de linguagem, que são sobretudo traços da posição enunciativa do enunciador, e os conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura. (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p.52)”
Assim, tomada a carta como um gênero que pressupõe essas três dimensões e consideradas as categorias descritas no quadro abaixo8, seguem algumas considerações sobre suas características textuais.
Domínios sociais de comunicação ASPECTOS TIPOLÓGICOS Capacidades de Linguagem dominantes
1 Documentação e memorização das ações humanas
RELATAR
Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo
2 Discussão de problemas sociais controversos
ARGUMENTAR Sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição
3 Cultura literária ficcional NARRAR
Mímesis da ação através da criação da intriga
no domínio do verossímil
4 Transmissão e construção de saberes EXPOR Apresentação textual de diferentes formas dos saberes
5 Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES Regulação mútua de comportamentos
Tal como considerada neste texto, a carta se situa predominantemente nas categorias 1 e 2 (as
pessoais, mais na categoria 1 e as formais – carta de leitor, de reclamação, de solicitação, etc. – mais na categoria 2), porém comporta possibilidades relacionadas a todas as demais categorias, como se pode verificar. Tanto porque pode ser eleita intencionalmente como um gênero para dizer o que prevêem as categorias 3 a 5 (por um desejo de transgressão ou por outras razões), como porque pode conter excertos de diferentes gêneros (como é o caso desta carta) que, embora não se convertam exatamente em carta só porque nela foram inseridos ou anexados, por se alojarem em suas páginas, acabam se misturando com ela e, dessa forma, num certo sentido, constituindo-a. Ao que tudo indica, esse fenômeno passa a ser mais
8 Adaptado a partir de: DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. (2004) Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para
reflexões sobre uma experiência suíça (francófona), In: SCHNEUWLY, B., DOLZ, J., et All Gêneros orais e escritos na escola /
tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, pág 41 a 70. Esse texto é a referência
das demais informações, anteriores, sobre gênero.
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recorrente e mais evidente a partir do momento em que se tornam disponíveis os recursos de edição – possíveis a partir da popularização do uso do computador para redigir – que permitem inserir no corpo do texto o que antes, em tempos de cartas manuscritas ou mesmo já quando datilografadas, por certo permaneceria na condição de anexos.
Do ponto de vista linguístico, conforme Kaufman & Rodríguez (1995), a carta é um texto epistolar:
Os textos epistolares procuram estabelecer uma comunicação por escrito com um destinatário ausente, identificado no texto através do cabeçalho. [...] Reconhecem como portador o papel9 que, de forma metonímica, denomina-se carta, convite ou solicitação, dependendo das características que possui. Apresentam uma estrutura que se reflete claramente em sua organização espacial, cujos componentes são os seguintes: cabeçalho, que estabelece o lugar e o tempo da produção, os dados do destinatário e a forma de tratamento empregada para estabelecer o contato; o corpo, parte do texto em que se desenvolve a mensagem; e a despedida, que inclui a saudação e a assinatura, através da qual se introduz o autor no texto. O grau de familiaridade entre emissor e destinatário é o princípio que orienta a escolha do estilo – informal ou formal.
– Carta: [...] As cartas podem ser construídas com diferentes tramas (narrativa ou argumentativa), em torno das diferentes funções da linguagem (informativa, expressiva e apelativa)10.
Referimo-nos aqui, em particular, às cartas familiares e amistosas, isto é, aqueles escritos através dos quais o autor conta, a um familiar ou amigo, eventos particulares de sua vida. Essas cartas contêm acontecimentos, sentimentos, emoções, experimentados por um emissor que percebe o receptor como ‘cúmplice’, ou seja, como um destinatário comprometido afetivamente nessa situação de comunicação e, portanto, capaz de extrair a dimensão expressiva da mensagem.
Uma vez que se trata de um diálogo à distância com um receptor conhecido, opta-se por um estilo espontâneo e informal, que deixa transparecer marcas da oralidade: frases inconclusas, nas quais as reticências habilitam múltiplas interpretações do receptor na tentativa de concluí-las; perguntas que procuram suas respostas nos destinatários; perguntas que encerram em si suas próprias respostas (perguntas retóricas); pontos de exclamação que expressam a ênfase que o emissor dá a determinadas expressões que refletem suas alegrias, suas preocupações, suas dúvidas.
Esses textos reúnem em si as diferentes classes de orações. As enunciativas, que aparecem nos fragmentos narrativos, alternam-se com as dubitativas, desiderativas, interrogativas, exclamativas, para manifestar a subjetividade do autor. Essa subjetividade determina também o uso de diminutivos e aumentativos, a presença frequente de adjetivos qualificativos, a ambiguidade lexical e sintática, as repetições, as interjeições.
Por fim, algumas considerações adicionais sobre o conteúdo e os efeitos das cartas pessoais, tomando como referência a obra de Foucault, anteriormente citada. Quando aborda a escrita de si em O que
é um autor?, explica o pensamento de Sêneca a esse respeito11:
“A carta enviada atua, em virtude do próprio gesto da escrita, sobre aquele que a envia, assim como atua, pela leitura e a releitura, sobre aquele que a recebe.
[...] A carta que é enviada para auxiliar o seu correspondente – aconselhá-lo, exortá-lo, admoestá-lo, consolá-lo – constitui, para o escritor, uma maneira de se treinar: tal como os soldados se exercitam no manejo das armas em tempos de paz, também os conselhos que são dados aos outros na medida da urgência da sua situação constituem uma maneira de se preparar a si próprio para eventualidade semelhante.
9 Talvez pudéssemos dizer hoje que também a tela do computador é um portador de cartas. (Nota da autora desta carta.) 10 Kaufman & Rodríguez (Escola, leitura e produção de textos: Artmed, 1995) utilizam categorias diferentes das de Dolz &
Schneuwly para classificar os textos. As autoras tomam como categorias a função – informativa, expressiva, literária ou apelativa – e
a trama – descritiva, argumentativa, narrativa ou conversacional; os gêneros textuais são o resultado do cruzamento dessas categorias
numa tabela de dupla entrada. 11 Todos os trechos entre aspas são palavras de Foucault, explicando Sêneca.
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[...] A escrita que ajuda o destinatário, arma o escritor e eventualmente os terceiros que a leiam.
[...] A carta faz o escritor ‘presente’ àquele a quem a dirige. E presente não apenas pelas informações que lhe dá acerca de sua vida, das suas atividades, dos seus sucessos e fracassos, das suas venturas e infortúnios; presente de uma espécie de presença imediata e quase física.
Escrever é ‘mostrar-se’, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro. [...] A carta é simultaneamente um olhar que se volta para o destinatário (por meio da carta que recebe ele se sente olhado) e uma maneira de o remetente se oferecer ao seu olhar pelo que de si mesmo lhe diz. De certo modo a carta proporciona um face-a-face. [...] A carta que, na sua qualidade de exercício, trabalha no sentido da subjetivação do discurso verdadeiro, da sua assimilação e da sua elaboração como ‘bem próprio’, constitui também e ao mesmo tempo uma objetivação da alma.”
À guisa de conclusão, vale ressaltar que a carta é notadamente um gênero de muito valor, mas pouco valorizado. É preciso, sem mais demora, superar certos preconceitos que com o tempo se cristalizaram e deram a esse gênero um lugar social inferior ao que de fato merece.
Como se pode ver
Se houvesse essa categoria, talvez pudéssemos dizer que os textos acadêmicos são antônimos das cartas.
Em geral, eles são impessoais. Elas não.
Em geral, eles escondem as intenções. Elas não.
Em geral, eles são difíceis. Elas não.
Em geral, eles são formais. Elas não.
Em geral, eles se fazem passar por outros. Elas não.
Em geral, eles não são produzidos com desejo. Elas sim.
Em geral, eles não são manipulados com prazer. Elas sim.
Em geral, eles não têm emoção. Elas sim.
Em geral, eles não são acessíveis. Elas sim.
Em geral, eles não são sedutores. Elas sim.
Em geral, eles não são procurados. Elas sim.
Em geral, eles são masculinos. Elas são femininas quase sempre.
É proibido proibir
Os gêneros textuais são – talvez não exatamente ao mesmo tempo – regulares e mutantes. Exemplo desse fenômeno é o fato de o uso do computador para produzir textos e o uso da Internet para se comunicar on line terem transformado as fórmulas convencionais de comunicação por escrito e, consequentemente, as cartas.
Quando escrevemos no computador, vamos nos servindo dos recursos de edição, que, entre muitas outras possibilidades, permitem inserir textos durante a escrita, diagramar com maior cuidado, experimentar
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formas alternativas de apresentação – e , no caso das cartas, escrever respostas pontuais ao nosso interlocutor, nos metendo nos parágrafos do seu texto (uma invenção simplesmente maravilhosa).
E, quando nos comunicamos pela Internet, outras possibilidades se colocam. “A Internet reviroga a
escrita, contrastando com a televisão” – diz Maria Thereza Fraga Rocco, que destaca que a língua escrita na Internet assume uma forma peculiar. “Para suprir a falta de contato direto entre os interlocutores, criou-se um código escrito misto, que recorre a sinais capazes de expressar decepção, alegria, tristeza, desconfiança e outros estados de ânimo. Desse modo se recuperam os indicadores fisionômicos e gestuais que pontuam incessantemente a conversação face a face. Esses sinais incrementam a agilidade das conversações e conferem intensidade emocional aos relacionamentos humanos na Rede.”12
Esse exercício de transformação das regras habituais, de transgressão das fórmulas constituídas é, poderíamos dizer, um exercício de cidadania.
Luís Fernando Veríssimo, que se assume confortavelmente como um gigolô das palavras, defende que “a Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”. Talvez não seja necessário chegar a esse ponto, mas o fato é que quem manda na forma é quem dela faz uso para dizer o que deve ser dito.
Ou, dito de outra forma, tal como o faz Bakhtin em Estética da Criação Verbal, “a palavra é expressiva, mas esta expressividade não lhe pertence: nasce no ponto de contato entre a palavra e a realidade efetiva, nas circunstâncias de uma situação real, que se atualiza através do enunciado individual”.
A questão é que, além de fazer tudo o que for preciso para que as cartas estejam a serviço de nossos dizeres, quaisquer que sejam eles, penso que também é preciso valorizá-las, porque, ao que tudo indica, na família dos gêneros textuais, a carta é uma prima-pobre, geralmente desprezada pelos estudiosos.
Ocorre que, se há um gênero que favorece a escrita (e convida à leitura), esse gênero é a carta. E isso é motivo suficiente para tomá-la como um texto relevante. Na nossa vida. Na nossa formação pessoal. Na nossa profissão. Porque tudo talvez já tenha mesmo sido dito, mas certamente tudo está ainda por dizer – se o fizermos com nossas próprias palavras, que não são nossas até que as façamos assim. As cartas são uma das infinitas possibilidades dessa apropriação.
Neste texto, as muitas cartas transcritas, ainda que parcialmente, pretendem convencê-los dessas poucas certezas. Espero ter conseguido. E espero também tê-los animado a ler todas elas – porque minha hipótese, confesso, é que essas vozes tomadas por empréstimo seriam o principal alvo da atenção de vocês durante a leitura...
Sempre em boa companhia
Por fim, devo fazer aqui uma confissão: durante todo o tempo em que estive envolvida com a escrita deste texto, um pensamento por vezes me atravessava. Como fazer a justa referência aos que contribuíram para a minha escrita sem ser por meio de uma bibliografia-padrão no final do texto? Afinal, ainda que as cartas comportem muitas possibilidades inusitadas, essa opção, do ponto de vista estético, me parecia um pecado.
Pois bem, daí, sabe aquela situação inexplicável em que você abre um livro procurando outra coisa e se depara exatamente com a solução do seu problema? Aconteceu.
Encontrei a solução de que eu precisava na página 197 do livro Pedagogia profana – danças, piruetas e mascaradas, de Jorge Larrosa, publicado pela Editora Autêntica em 2002.
12 In: Curso de gramática aplicada aos textos, Ulisses Infante, Editora Scipione, 2001.
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Vejam o que ele diz: “Escrever é, em boa medida, um ir e vir incessante, e em certas ocasiões
agitado, entre o escritório e as estantes da biblioteca. Cito, a seguir, os títulos que ocuparam meu
escritório durante a redação deste capítulo.”
Não é maravilhosa essa forma de escapar da do modelo-padrão? Pois resolvi então usá-la, o que faço agora, com a licença de Jorge (espero!).
Escrever é, em boa medida, um ir e vir incessante, e em certas ocasiões agitado, entre a mesa do computador, a estante de livros e o espaço de conversa com os amigos. Estiveram comigo, generosamente, no tempo em que me ocupei com esta carta: Albert Einstein, Alípio Casali, Ana María Kaufman, Arnaldo Antunes, Bernard Schneuwly, Carlo Ginzburg, Clarice Lispector, Eça de Queiroz, Ednacelí Abreu Damasceno, Eliane Greice Davanço Nogueira, Elisabeth Bishop, Fernanda Montenegro, Fernando Pessoa, Flávio Aguiar, Glauber Rocha, Guilherme do Val Toledo Prado, Ivana Bentes, Joaquim Dolz, Joel Rufino dos Santos, Jorge Larrosa, Laura Noemi Chaluh, Leonardo Boff, Lucila Soares, Luís Fernando Veríssimo, Lula, María Helena Rodríguez, Maria Thereza Fraga Rocco, Marisa Monte, Michaelis, Michel Foucault, Niki de Saint Phalle, Odair de Sá Garcia, Paulo Freire, Pedro Corrêa do Lago, Pero Vaz de Caminha, Renata Barrichelo Cunha, Sêneca, Sigmund Freud, Tereza Cristina Barreiros, Thiago de Mello, Tom Zé, Ulisses Infante, Zumbi dos Palmares e muitos, muitos outros.
Cordiais saudações
Rosaura Soligo* rosaurasoligo@gmail.com
*PS. Educadora, formadora de professores, coordenadora de projetos do Instituto Abaporu de Educação e Cultura, mestre em educação pela Faculdade de Educação da Unicamp e integrante do GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada.