Post on 16-Aug-2020
Uma análise sobre o sistema de ensino superior brasileiro: o modelo de
universidades privadas e públicas e sua relação com o desenvolvimento
Jennifer C. Oliveira1, Jéssica S. Silva2, Vanessa D. de Campos3, Wellen L.F. Santos4, Vera Alves Cepêda5
Resumo: O sistema de ensino superior tem sofrido inúmeras transformações ao
longo da trajetória brasileira, em especial na passagem de sua condição de
sistema de elite ao sistema de massa - situação que ocorre em dois momentos
distintos: na aposta pelo modelo de ensino privado (década de 1970) e ênfase
no modelo de expansão de vagas públicas (últimos doze anos). Neste amplo
contexto, pretende-se apresentar o cenário de evolução das vagas nas
Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, com recorte
graduação/presencial, tanto nas instituições públicas quanto privadas. Como
ponto de partida apresentamos uma breve descrição sobre o papel e função do
ensino superior enquanto política pública complexa e com forte importância para
o desenvolvimento (seção 1), o pêndulo e tensão entre a oferta de ensino
superior público versus ensino superior privado no país (seção 2) e, por fim,
apresentamos os dados sobre a evolução do número de alunos/matrículas, nos
dois tipos de IES (privadas e públicas) em dois períodos distintos - 1968 a 2003
e 2003 a 2014 (seção 3). São fontes utilizadas neste trabalho: um balanço teórico
para compreensão do significado das políticas públicas dirigidas ao sistema de
ensino universitário, e para o mapeamento do perfil das vagas os bancos de
dados do IBGE, INEP, MEC e outros documentos que tratem da expansão do
ensino superior brasileiro.
Palavras-chave: Ensino Superior; vagas setor privado; vagas setor público;
Desenvolvimento.
Introdução
1 Graduanda em Engenharia Civil/UFSCar. jennifer.c.oliveira@gmail.com. 2 Graduanda em Engenharia Química/UFSCar. jessica1996-ss@hotmail.com 3 Graduanda em Engenharia de Produção/UFSCar. vanessadaviddecampos@gmail.com 4 Graduanda em Estatística/UFScar. wellen-15@hotmail.com 5 Docente UFSCar/Tutora do PET Usina de Reflexão.cepeda.vera@gmail.com (orientadora).
As numerosas mudanças que o Sistema de Ensino Superior
(doravante denominado SES) brasileiro vem sofrendo ao longo do século XX
demonstram duas tendências distintas. A primeira, em especial no período
posterior a institucionalização tardia do SES6, refere-se a conformação do
sistema de massa universitário com expansão de vagas privadas no ensino
superior (acentuada no Regime Militar e pelas estratégias fixadas pelo Tratado
Mec-USAID). A Segunda, bem mais recente, refere-se à inflexão do modelo,
marcada tanto pela expansão provocada pelo REUNI, quanto pelo Plano de
Desenvolvimento da Educação (2007) e por outras estratégias combinadas
como a mudança das formas de ingresso ocasionadas pela adoção da
dobradinha ENEM-SiSU, pela Lei de Cotas (2012, mas anteriormente adotada
como "Reserva de Vagas" em várias instituições) e pelo surgimento de ampla
gama de políticas protetivas via PNAES.
Nesta comunicação, partimos da hipótese de um giro no papel
atribuído ao ensino superior brasileiro: de um mercado privado (educação como
mercadoria) para modelo de universidade pública (educação como um bem
público ou direito). Nesta última, ressalte-se a configuração de política pública
com objetivos de inclusão, produção de mudança social e percepção do ensino
como superior enquanto bem público (e distribuído em consonância à justiça
social) e estratégia de mudança sociopolítica ampla (MARQUES; CEPÊDA,
2012).
Para melhor observar as mudanças no SES durante a trajetória
brasileira dividiu-se as análises em dois períodos, o primeiro de 1968 a 2003 e o
segundo de 2003 a 2014, nas duas planeja-se observar a evolução do número
de matrículas e de instituições, em Institutos de Ensino Superior, privado e
público (recorte graduação presencial).
O Sistema de Educação Superior no Brasil
O SES é composto de instituições de naturezas distintas, que
nomeadas como Institutos de Ensino Superior (IES), podem ser privadas ou
públicas. IES privadas podem ser instituições mantidas por ente privado, com
fins lucrativos (particular) ou sem finalidade de lucro (comunitárias, confessionais
ou filantrópicas). As IES públicas são aquelas mantidas pelo poder público
6 Lembrando que as universidades no Brasil surgem entre as décadas de 1920 e 1930.
(federal, estadual ou municipal). Os dados provenientes do MEC/INEP não
desagregam para além das dimensões do SES. Desse modo, esse recorte
também será adotado nesta pesquisa.
A partir do estudo deste sistema de ensino, pode ser observada a
evolução para um sistema de ensino de massa, de caráter, em um primeiro
momento, privado. Trow argumenta que há três tipos de educação superior:
"sistema de elite", "sistema de massa" e "sistema de acesso universal", de modo
que os mesmos constituem fases, havendo um conjunto de dimensões que
caracterizam a transição de uma fase para a outra (TROW, (1973, p. 7). O
sistema de massa é definido por atender mais de 15% do grupo etário relevante
(18 a 24 anos) consolidando-se quando passa a admitir mais de 30% das
matrículas do grupo etário relevante e o autor não se limita a explorar a temática
do tamanho do SES ou o volume de matrículas, considerando também os fatores
qualitativos ligados a essa transição. Exemplo de questão importante no sistema
de massa é o acesso ao ensino superior enquanto um "um direito para aqueles
com certas qualificações" (TROW, 2005, p. 17), em contraste com o sistema de
elite, que constitui um privilégio da classe social de origem e meritocracia.
Alguns estudiosos apontam que entre 1960 e 1980, o número de
matrículas no ensino superior passou de 200 mil para 1,4 milhão, em um
crescimento de quase 500% (SAMPAIO, 2011, p. 2). No setor privado, o
crescimento foi de mais de 800%. Dados do MEC/INEP apresentados nesse
trabalho também corroboram a hipótese de crescimento nos períodos
estudados. Além disso, estudos como o da Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), apontam que o perfil
socioeconômico dos estudantes mudou, sendo aproximadamente 66% de
origem de famílias cuja renda não ultrapassa 1,5 salários mínimos per capita
além de maior presença de estudantes autodeclarados pretos e pardos
(ANDIFES, 2016, p. 244). Deste modo, temos que o ensino superior enquanto
política pública possui papel relevante para o desenvolvimento social e
econômico do país, seja pelo desenvolvimento tecnológico advindo das
inovações tecnológicas e pesquisas realizadas nas universidades, seja pelo
aumento de renda para pessoas com maior escolaridade, seja pela emancipação
sociopolítica advinda do contato com diferentes trajetórias no espaço acadêmico.
Seguindo essa concepção e levando em consideração os
acontecimentos que mais afetaram na estruturação e consolidação do ensino
superior brasileiro, partimos da hipótese de que o SES no período de 1968 a
2003, é construído com base no ensino privado e, em um segundo movimento,
a partir de 2003, começa a formação de um sistema de base de ordem pública,
intensificado por meio da implementação de políticas públicas para a educação
superior e, através dessa sistematização, busca-se detectar a tendências dos
períodos. Consideramos a meta do REUNI, o acordo que organiza e regula o
ensino superior United States Agency for International Development (USAID),
Lei nº 5.540/68, como um marco a ser analisado.
Ensino Superior e Desenvolvimento
Relacionando os trabalhos de Solow7 e Romer8 pode-se concluir
que a mudança tecnológica seria diretamente responsável pelas altas taxas de
crescimento dos países desenvolvidos, através “do número de pessoas
qualificadas e escolarizadas de uma economia, trabalhando no intuito de gerar
novas ideias e aumentar o estoque de conhecimento” (LINS, 2011, p. 5). Assim,
conclui que a saída para economias em desenvolvimento seria o investimento
em educação.
A partir dos anos sessenta, a educação passa a ser entendida
enquanto fator de produção, apoiada na ideia de capital humano. O capital
humano é um investimento que não pode ser vendido, mas adquirido. Assim,
investindo na educação o indivíduo está investindo em si e em seu futuro, e a
educação passa a ser uma mercadoria adquirida, proporcionando melhor acesso
às mercadorias vendidas - como "ativos negociáveis" (CANDIOTTO, 2002). O
autor prossegue pontuando que a teoria do capital humano tornou-se complexa
na medida em que “não se sabe se é a educação que gera mais desenvolvimento
ou se é o desenvolvimento que gera mais educação” (CANDIOTTO, 2002, p.
204). Além disso, há críticas sobre a teoria, dado que o discurso sobre a
necessidade de mão de obra mais qualificada pode contrapor com os limites
produtivos, interesses privados das empresas e na lógica do mercado,
excludente e seletiva (SAURIN, 2006).
7 SOLOW, R. A contribution to the theory of economic growth. The Quartely Journal of Economics, v.70, n. 1, p. 65-94, fevereiro de 1956. 8 ROMER, P. Endogenous technological change. The Journal of Political Economy, v. 98, n. 5, p. 71-102, Part 2: The Problem of Development: A Conference of the Institute of the Study of Free Enterprise System, out. 1990.
O fato é que a relação entre desenvolvimento e educação, não é
linear e pode ser explicada tanto em termos sociais e individuais, visto que no
que tange ao alcance econômico nacional, permite o aumento de produtividade
através da formação para o mercado de trabalho; e no que tange ao
desenvolvimento econômico individual, permite melhores condições de trabalho,
melhores salários, maior renda pessoal e familiar.
A educação assume um duplo papel: de um lado, fortalecer a acumulação do capital, formando, aperfeiçoando e reproduzindo os recursos humanos necessários ao aumento da produção e da produtividade; de outro, e como resultado dessa qualificação e formação, possibilitar aos membros da sociedade, em todos os níveis e de todas as classes, a ascensão social pela promoção pessoal e pelo aumento da renda individual através da progressão salarial, que deve estar estruturada na capacidade individual de subir a melhores condições de trabalho. Mas tal ascensão não se liga a interesses opostos aos do capital, e sim complementares. Na medida em que o indivíduo obtém melhor capacitação e maior qualificação, torna-se mais produtivo e pode, em função disso, disputar salários mais altos. Dessa forma, pela educação é que se adquirem condições ideais para o desenvolvimento tanto social quanto individual. (RODRIGUES apud CANDIOTTO, 2002, p. 204)
Com relação à capacidade de inovação tecnológica e alcance
econômico nacional, temos que a parcela da população com idade entre 25 e 64
anos que concluiu o ensino superior foi de 14% em 2013. Esse nível de
conclusão do ensino superior está bem abaixo da média OCDE de 34%, assim
como abaixo das taxas de outros países latino-americanos, como o Chile (21%),
Colômbia (22%), Costa Rica (18%) e México (19%) (OECD, 2015). A tabela 1
apresenta a Taxa de Escolarização Bruta na Educação Superior de alguns
países selecionados em estudo da Unesco:
Tabela 1 - Taxa de Escolarização Bruta na educação superior de países
selecionados9
País Taxa País Taxa
EUA 72 Colômbia 22
Coréia do Sul 72 África do Sul 15
Argentina 48 México 20
Portugal 47 Brasil 15
Chile 38 Cuba 21
Uruguai 34 Paraguai 14
Bolívia 33
9 Razão entre o total de matrículas na educação superior e a população na faixa etária correspondente.
Fonte: UNESCO (2003).
Os dados apresentados revelam uma posição desfavorável para o
Brasil, que se destaca apenas com relação ao Paraguai e África do Sul, entre os
países selecionados. A inovação tecnológica, feita em um circuito de produção
de conhecimentos, está profundamente atrelada ao processo de
desenvolvimento, sendo este de caráter social e público, ao contrário do
processo do mercado de trabalho de caráter privado. A inovação é dada a partir
das necessidades sociais e do conhecimento produzido, a fim de promover a
maior igualdade social.
Em suma, o acesso crescente e contínuo da população aos graus
mais elevados de ensino torna-se uma medida tanto do potencial econômico
(pela possibilidade de diferenciação competitiva) quanto de
valoração/mensuração da meritocracia e da democracia praticada por uma
nação. A educação agrega valor aos sistemas produtivos ao mesmo tempo em
que se torna um valor superlativo de humanidade e do grau de civilidade e de
desenvolvimento de um país (PORTO; RÉGNIER, 2013, p. 8).
Com relação ao nível de escolaridade, mercado de trabalho e
renda, é fato que o acesso à educação superior proporciona qualificação e
mobilidade individual via mercado de trabalho, com elevação de renda pessoal,
familiar e de segmentos sociais. O acesso ao Ensino Superior capacita atores
que por sua vez produzem conhecimento avançado, o que estimula a inovação
tecnológica em todas as áreas, promovendo o desenvolvimento. Além disso, a
capacitação para a inovação advinda do Ensino Superior possui efeito individual
que permite ao ator ganhar instrumentos para competir no mercado de trabalho
numa posição mais qualificada, causando elevação de sua renda, e consequente
mobilidade social através da qualificação pela educação.
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, OCDE (2015) revelam que a renda relativa dos trabalhadores com
educação superior é maior que aquela para trabalhadores com menor nível de
escolaridade. A diferença para o Brasil chega a ser em média 141% com relação
a indivíduos com idades entre 25 e 64 anos que apenas tem o ensino médio.
Ressalta-se que a média da OCDE é de 57%. A diferença de renda entre
indivíduos que possuem apenas um diploma de ensino médio e indivíduos com
mestrado, doutorado e diplomas equivalentes chega a ser de 350%.
Gráfico 1 - Renda relativa dos trabalhadores com educação superior, por nível
de educação superior (2013)
Fonte: OCDE (2015)
O gráfico 1 apresenta um panorama geral dos dados para os
países membros da OCDE, e os países estão classificados em ordem crescente
de acordo com a renda relativa dos trabalhadores com idade entre 25 e 64 anos
com educação superior. Com relação à capacidade de emancipação
sociopolítica e multiplicação de vertentes de grupos e identidades nacionais,
quanto maior a capacitação através da educação, maiores são as capacidades
políticas, maior a habilidade da população para lutar pela democracia. Aparece,
como fato importante que o acesso ao ensino:
em seus diversos graus (e cada vez mais elevados), não é apenas um imperativo econômico correspondente à sociedade do conhecimento ou da informação. Ele é também um referencial político de expressão de índices de democracia e de justiça. E mais recentemente vêm se tornando, com o avanço do capitalismo, em uma variável cultural que atua na composição das identidades dos indivíduos – é uma aspiração, um objeto de expectativa e de desejo com capacidade de projetar, simbolicamente, as pessoas em direção a um futuro em aberto. (PORTO; RÉGNIER, 2013, p. 6)
O sistema de educação superior no período de 1968 a 2003
O gráfico 2 apresenta dados referentes ao total de matrículas em
instituições privadas e públicas10.
10 É importante destacar que neste artigo, optou-se por analisar a evolução do número de matrículas, e não o número de vagas, uma vez que as vagas podem ser ociosas.
Gráfico 2 – Evolução das Matrículas em IES, rede Privada e Pública - Brasil
1968 a 1980.
Fonte: Gráfico elaborado pelos autores a partir dos dados de SAMPAIO (1991) e INEP.
O gráfico 2 mostra um crescimento de aproximadamente 383% no
número total de matrículas no Ensino Superior, no período de 1968-1980. No
ano de 1968 as matrículas em IES públicas eram de 153.799 representando 55%
do total, em 1970 um pouco mais de 50% já pertenciam ao setor privado. Apesar
das Instituições Públicas não terem deixado de crescer, a tendência observada
continuou crescente ano a ano e, em 1980 as matrículas em IES privadas já
ocupavam um espaço de aproximadamente 63%.
A reforma de 1968 acarretou mudanças no ensino superior,
comparado com o período anterior à ditadura militar, sobretudo o privado,
especialmente no que tange aos seus objetivos. O ensino privado que surge
após a Reforma de 1968:
tende a ser qualitativamente distinto, em termos de natureza e objetivos, do que existia no período precedente. Trata-se de outro sistema, estruturado nos moldes de empresas educacionais voltadas para a obtenção de lucro econômico e para o rápido atendimento de demandas do mercado educacional. Esse novo padrão, enquanto tendência, subverteu a concepção de ensino superior ancorada na busca da articulação entre ensino e pesquisa, na preservação da autonomia acadêmica do docente, no compromisso com o interesse público, convertendo sua clientela em consumidores educacionais (ALTBACH, apud MARTINS, 2009, p. 17).
O Golpe de 1964, deixou a formulação da política educacional
brasileira afetada e, com a instauração do regime militar, medidas de repressão
foram sendo realizadas ao mesmo tempo em que mudanças no SES brasileiro
eram sendo propostas. Segundo Braghini (2014, p. 125) no final dos anos 60 já
se constatava a questão da superlotação universitária a partir da história dos
“excedentes”. Braghini esclarece:
Excedentes eram os candidatos que obtinham a média nos vestibulares, mas não conseguiam se matricular nas escolas de nível superior, pois o número de aprovados extrapolava ao número de vagas disponíveis. Não raro, nos anos 1960, as manifestações juvenis tocavam nesse assunto e parte das reivindicações estudantis daquele período estava diretamente relacionada a esse “ponto de estrangulamento” na trajetória escolar dos estudantes brasileiros: havia jovens buscando o ensino superior, eles atingiam as médias pedidas nos vestibulares e, ao final, por conta da insuficiência de postos universitários, não assumiam a vaga requerida (BRAGHINI, 2014, p. 125).
Tabela 2 – Evolução de Matrículas em IES - rede Privada e Pública - Brasil 1968
a 2003
Ano Total Instituição Privada Instituição Pública
1968 278.295 124.496 153.799 1973 772.800 472.721 300.079 1978 1.262.559 779.592 482.967 1983 576.689 862.303 1.438.992 1988 585.351 918.204 1.503.555 1993 653.516 941.152 1.594.668 1998 804.729 1.321.229 2.125.958 2003 1.136.370 2.750.652 3.887.022
Fonte: Tabela elaborada pelos autores a partir dos dados extraídos de SAMPAIO (1991) e INEP
(2013).
À medida que a situação se tornava insustentável e a insatisfação
crescia o, governo militar viu-se forçado a implantar mudanças políticas para a
reestruturação do Ensino Superior. Em 28 de novembro de 1968 foi aprovada a
Lei n°5540/68, que ficou conhecida como a Reforma Universitária de 1968.
Entrando em vigor no ano de 1969, de certo modo algumas propostas
reivindicadas pelos movimentos foram contempladas pela Reforma, como a
questão das catedras que foram abolidas surgindo à departamentalização,
ampliação de vagas, programas de pós-graduação e a indissociabilidade do
ensino, pesquisa e extensão. Infelizmente, no bojo dela a ditadura também agiu
de maneira repressiva: “diversos professores foram compulsoriamente
aposentados, reitores foram demitidos, o controle policial foi estendido ao
currículo e aos programas das disciplinas” (ANTUNES, et al., 2011, p. 03).
A expansão no ensino superior que teve início na década de 60,
mas, que foi realmente intensificada na década de 70, só teve uma pequena
parcela atendida pelo setor público, boa parte da demanda foi absorvida pelo
setor privado, que estava sendo impulsionado pela legislação. O crescimento
fica evidente quando comparamos os percentuais de matrículas em instituições
privadas nos anos 1968, 1970 e 1980 que correspondiam respectivamente a
44,7%, 50,5% e 63,3%. Por outro lado, ao analisar-se o número total de
matrículas nos anos de 1983 e 1988 vemos um crescimento de apenas 4,5%,
mostrando um período de estagnação. De acordo com Souza (2008) essa
estagnação foi ocasionada por medidas que o Governo Militar implantou para
conter a expansão do sistema, por meio de decretos e proibições, tais como
criação de novos cursos e aberturas de vagas.
O gráfico 3 apresenta dados referentes à evolução das instituições
de ensino superior, com dados tanto da rede privada quanto da rede pública, do
período de 1970 a 2003. No período de 1970 a 2003, observou-se um
crescimento de cerca de 280% no número de instituições privadas e de 12,5%
no número de instituições públicas, ou seja, o setor privado foi o que mais
ampliou no decorrer desse período. Embora na Constituição de 1988 o direito a
educação tenha sido explicitado no artigo 6⁰ “São direitos sociais a educação,
[...] na forma desta Constituição”, observa-se que, no período analisado, o
acesso à educação superior se deu principalmente através do ensino privado.
Martins (2009) afirma que a nova legislação impulsionou a criação de novas
universidades privadas.
Gráfico 3 – Evolução das IES - Rede Privada e Pública, Brasil 1970 a 2003
Fonte: INEP (2013). Gráfico elaborado pelos autores.
Além disso, o recorte de 2002 a 2003 apresenta um crescimento
de 14,56% das instituições privadas, enquanto as instituições públicas obteve
0200400600800
100012001400160018002000
19
70
19
75
19
80
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
20
00
20
01
20
02
20
03
Nú
mer
o d
e IE
S
Ano
Instituições Públicas Instituições Privadas Total
apenas um crescimento de 6,15%. Então, desde os anos 70, o setor privado tem
sido destaque de expansão em relação ao número de instituições. Observa-se
no gráfico que, no recorte de 1980 e 1995 há uma certa estabilidade (sem
expansão significativa do setor público ou privado), devido às diferentes crises
econômicas, durante o governo FHC. Já em 1995 em diante, houve um notável
crescimento das instituições privadas causado pela aprovação da LDB de 1996
e suas respectivas legislações (BARREYRO, 2008, p. 21).
O sistema de Educação Superior no Período de 2003 a 2014
A Tabela 3 apresenta dados referentes à evolução das matrículas
em instituições de ensino superior, com dados tanto da rede pública quanto da
rede privada, do período de 2003 a 2014.
Tabela 3 – Evolução das Matrículas em IES - rede Privada e Pública, Brasil
2003-2014.
Fonte: INEP (2014). Tabela elaborada pelos autores.
O crescimento total das matrículas chega a quase 67%, e nos
setores públicos e privados cresceram respectivamente o aproximado a, 60% e
70%. Alguns fatores, como as políticas de expansão promovidas pelo governo
federal, tiveram influência direta nesses resultados, principalmente no SES
público. Uma das primeiras medidas foi buscar a expansão e interiorização das
universidades, seja pela criação de novas universidades ou por novos campi,
desde que ambos tivessem como destino as cidades interioranas do Brasil, a
segunda medida foi a criação do Programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais brasileiras.
Ano Total Instituições Privadas Instituições Públicas
2003 3.887.022 2.750.652 1.136.370
2004 4.163.733 2.985.405 1.178.328
2005 4.453.156 3.260.967 1.192.189
2006 4.676.646 3.467.342 1.209.304
2007 4.880.381 3.639.413 1.240.968
2008 5.080.056 3.806.091 1.273.965
2009 5.115.896 3.764.728 1.351.168
2010 5.449.120 3.987.424 1.461.696
2011 5.746.762 4.151.371 1.595.391
2012 5.923.838 4.208.086 1.715.752
2013 6.152.405 4.374.431 1.777.974
2014 6.486.171 4.664.542 1.821.629
No ano 2001 foi elaborado o Plano Nacional de Educação – PNE
(2001-2010), que segundo o relatório do MEC (2012, p.9), fixou metas de
ampliação tanto ao número de vagas quanto aos investimentos, todavia, essas
vagas deveriam atender a todos os níveis da educação superior. Além disso, o
relatório do MEC constata que o REUNI:
congregou esforços para a consolidação de uma política nacional de expansão da educação superior pública, em atendimento ao disposto pelo Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), que estabelece o provimento da oferta da educação superior para pelo menos 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, até o final da década. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado pelo Decreto nº 6.096/2007, tinha como objetivo principal criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação presencial, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais. Também havia a possibilidade de criação de novos campus para o interior do país, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) das universidades. É importante ressaltar que o Reuni é resultante da tentativa do governo de atender às reivindicações e anseios de diversas entidades da sociedade civil pela ampliação de oferta de vagas no ensino superior federal (MEC, 2012, p. 10).
Também para proporcionar a permanência de estudantes em
situação de fragilidade social e econômica, e equidade nas universidades
federais criou-se pelo Decreto nº 7.234, de 2007, o Programa Nacional de
Assistência Estudantil (PNES) e, só de 2008 a 2012, o programa já teve um
aumento 300% nos recursos recebidos, de acordo com o relatório do MEC.
Tabela 4 – Número de IES por Categoria Administrativa – Brasil 2003 a 2014
Brasil - Categoria Administrativa
Ano Pública
Privada Federal Estadual Municipal
2003 83 65 59 1652
2004 87 75 62 1789
2005 97 75 59 1934
2006 105 83 60 2022
2007 106 82 61 2032
2008 93 82 61 2016
2009 94 84 67 2069
2010 99 108 71 2100
2011 103 110 71 2081
2012 103 116 85 2112
2013 106 119 76 2090
2014 107 118 73 2070
Fonte: INEP (2014). Gráfico elaborado pelos autores.
De acordo com a tabela 4, referente à evolução das Instituições de
Ensino Superior Brasileiro da Rede Pública e Privada, no período de 2003 a
2014, observou-se um crescimento de cerca de 25,30% no número de
instituições privadas, 28,92% no número de instituições federais, 81,53% no
número de instituições estaduais, 23,73% no número de instituições municipais,
ou seja, o setor público foi o que mais ampliou no decorrer desse período -
especialmente as estaduais. Pode-se afirmar que esses acréscimos referentes
à expansão do número de IES são resultados de políticas públicas, que buscam
expandir e democratizar o acesso ao ensino superior às camadas sociais mais
desfavorecidas - como o Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais), cujo objetivo é o aumento de vagas nas instituições de ensino superior
federais brasileiras - SISU/ENEM, e dentre outras.
Quadro do perfil socioeconômico does estudantes da IFES
O trabalho da ANDIFES em conjunto com o Fórum Nacional de
Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE) qualificou
as características socioeconômicas heterogêneas dos estudantes de graduação
das Universidades Federais a fim de formular e avançar nas políticas de
inclusão, visando a permanência no ensino superior, a diminuição da evasão e
a democratização da universidade. A pesquisa utilizou um questionário aplicado
aos discentes das universidades federais de modo a determinar o perfil básico
do aluno, e questões como moradia, família, trabalho, histórico escolar, vida
acadêmica, informações culturais, saúde e qualidade de vida e dificuldades
acadêmicas. Partiu de comparações históricas, sendo a primeira coleta de dados
realizada em 1996, a segunda em 2003 e a terceira em 2010.
Com estes dados foi possível observar, a partir de uma análise
conjunta, a mudança do perfil discente, principalmente a partir da utilização do
ENEM/SISU como vestibular em 2009 e a Lei de Cotas em 2013. Foi visto que
dois em cada três estudantes se encaixam no perfil de vulnerabilidade social e
econômica, sendo um aumento de 50% do público alvo das ações do PNAES
em comparação com os dados de 2010, com maior crescimento evidenciado nos
estratos de menor renda. Aqueles que ingressaram nas IFES após 2013
corresponderam a 64,53% de estudantes advindos exclusivamente de
instituições públicas. Indicou também o crescimento do número de negros nas
IFES, de 5,9% em 2003, 8,72% em 2010 e 9,82% em 2014/5, além do
crescimento de discentes das faixas de renda mais baixas, sendo 66,19%
vivendo com renda per capita média familiar de até 1,5 salários mínimo e 31,97%
com até 0,5 salário mínimo. Sobre as faixas etárias, em média de 66% dos
graduandos estão na entre 18 a 24 anos, e 33% na faixa de 25 anos ou mais
(ANDIFES, 2016, p. 244).
Conclusão
Ao observarmos os dados, temos que de 1968 a 2003, o número
de matrículas no ensino superior cresceu quase 1300%, passando de 278.295
matrículas em 1968 para 3.887.022 em 2003. Desse número, 2.750.652 (70,8%)
das matrículas em IES privadas. No período de 2003 a 2014, as matrículas nas
IES privadas cresceram apenas 20% contra 60,3% das matrículas em IES
públicas. Com relação à taxa líquida de matrículas, isto é, matrículas de
estudantes do ensino superior na faixa etária de 18 a 24 anos, em relação à
população nesta mesma faixa etária, em 2003 eram de 11,1% e em 2014 foi de
17,7%.
Segundo Trow (2005), o sistema é definido como de massa se
atender entre 16% e 50% do grupo etário de 18 a 24 anos. A taxa líquida de
matrículas alcançada, isto é, matrículas de estudantes do ensino superior na
faixa etária de 18 a 24 anos, em relação à população nesta mesma faixa etária,
em 2003 eram de 11,1% e em 2014 foi de 17,7%, já sendo então caracterizado
como um sistema de massa, no entanto, o autor também define que para o
sistema ser consolidado em relação ao sistema de elite, deve passar a admitir
mais de 30% das matrículas do grupo etário relevante (IBGE; PNAD, 2013).
Tendo em vista os resultados obtidos com as análises de dados,
conclui-se que no Brasil o SES vem se transformando de sistema de elite a um
sistema de massa, inicialmente com forte inclinação privada. No período recente,
a partir de 2003 começam emergir políticas revolucionárias, que trazem como
proposta uma política estatal. Desde então, o SES tem se transformado, agora
com um projeto de massificação via vagas em IES públicas (em especial os
Institutos Federais de Ensino Superior - IFES), as quais tiveram crescimento de
91,1% no período de 2003 a 2014, porém, esse sistema de massa ainda não é
consolidado, já que ainda não admite pelo menos 30% das matrículas do grupo
etário relevante.
Concluídas as análises mostradas nesse trabalho, observou-se
que o ensino superior federal se tornou mais acessível e inclusivo às classes
sociais mais baixas, possibilitando maior mobilidade territorial, além de
evidenciar uma grande mudança no perfil das universidades públicas, migrando
de um sistema de elite para o sistema de massa.
Referências Bibliográficas
ANTUNES, Isa C. B.; SILVA, Rafael O.; BANDEIRA, Tainá S.. A reforma
universitária de 1968 e as transformações nas instituições de ensino superior. In
Anais da Semana de Humanidades. Rio Grande do Norte: UFRN, 2011.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS
DE ENSINO SUPERIOR. ANDIFES apresenta nova pesquisa discente na
Câmara dos Deputados. Disponível em:<http://www.andifes.or.br/andifes-
apresenta-nova-pesquisa-discente-na-camara-dos-deputados/>.
BARREYRO, Gladys B.. Expansão da educação superior no Brasil e avaliação
institucional: um estudo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES). Revista Avaliação.
BARROS, Aparecida da S. X.. Expansão da educação superior no Brasil: limites
e possibilidades. Educação e Sociedade. Campinas, v. 36, n. 131, p. 361-390,
June 2015.
BRAGHINI, Katya M. Z.. A história dos estudantes “excedentes” nos anos 1960:
a superlotação das universidades e um “torvelinho de situações improvisadas”.
Educação. Curitiba, n. 51, p. 123-144, Mar. 2014.
BRASIL. Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização
e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá
outras providências.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Análise sobre a Expansão das
Universidades Federais 2003 a 2012. Relatório da Comissão Constituída pela
Portaria nº 126/2012. Brasília: MEC, 2012.
CANDIOTTO, Cesar. Aproximações entre capital humano e qualidade total na
educação. Educação. Curitiba , n. 19, p. 199-216, jun. 2002.
BRENNAN, J. The social role of the contemporary university: contradictions,
boundaries and change. In Ten years on: changing education in a changing
world. Milton Keynes: The Open University, 2004.
BUFFA, Ester. Anos de Chumbo na Educação. Entrevista com 05 abr. 2016.
Education at a Glance: OECD Indicators. 2015. Disponível em:
https://www.oecd.org/brazil/Education-at-a-glance-2015-Brazil-in-
Portuguese.pdf.
GOMES, Alfredo M.; MORAES, Karine N.. Educação superior no Brasil
contemporâneo: transição para um sistema de massa. Educação e Sociedade.
Campinas, v. 33, n. 118, p. 171-190, março 2012.
IBGE. PNAD. Educação Superior. 2013.
LEVY, D.. 1990 ─ Higher Education and the State in Latin America. The
University of Chicago Press.
LINS, L. M.. Educação, qualificação, produtividade e crescimento econômico: a
harmonia colocada em questão. 2011. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area3/area3-artigo5.pdf .
MARQUES, Antonio C. H.; CEPÊDA, Vera A.. Um perfil sobre a expansão do
ensino superior recente no Brasil: aspectos democráticos e inclusivos.
Perspectivas: Revista de Ciências Sociais (UNESP. Araraquara. Impresso), v.
42, p. 161-192, 2013.
MARTINS, Carlos B.. A reforma universitária de 1968 e a abertura para o ensino
superior privado no Brasil. Educação e Sociedade. Campinas, v. 30, n. 106, p.
15-35, 2009.
MEC/INEP. Censo da Educação Superior 2013: resumo técnico. Brasília: INEP,
2014.
___ Sinopses Estatísticas da Educação Superior - Graduação. Disponível
em:<http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em: 10
jul. 2016.
PORTO, C.; RÉGNIER, K.. O Ensino Superior no Mundo e no Brasil –
Condicionantes, Tendências e Cenários para o Horizonte 2003-2025. Uma
Abordagem Exploratória, 2013.
RELATÓRIO da Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior. Rio
de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1969.
RELATÓRIO do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 50, n. 111, p. 119-175, jul./set. 1969.
RELATÓRIO Meira Matos. Rio de Janeiro: Paz & Terra, v. 4, n. 9. 1969.
RODRIGUES, N. Estado, educação e desenvolvimento econômico. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1987.
SAURIN, G. Educação superior e mercado de trabalho: um estudo dos egressos
do curso de graduação em administração da UNIOESTE de Cascavel-PR.
UNIOESTE: Pós-graduação em Desenvolvimento regional e agronegócio.
SAMPAIO, H. O setor privado de ensino superior no Brasil: continuidades e
transformações. Ensino Superior: Campinas: Unicamp, 2011.
___. Evolução do ensino superior brasileiro 1808-1990, NUPES/USP, São Paulo,
1991.
SAVIANI, Demerval. O legado educacional do regime militar. CEDES. Campinas,
v. 28, n. 76, p. 291-312, dez. 2008.
SOUSA, Paulo R. C.. A reforma universitária de 1968 e a expansão do ensino
superior federal brasileiro: algumas ressonâncias. Cadernos de História da
Educação, 2008.
TANEGUTI, Luiza Y.. Documento técnico - Estudo sobre a atual relação
oferta/demanda de cursos de graduação no Brasil. 2013.
TEIXEIRA, Anísio. O ensino Superior no Brasil ─ Análise e Interpretação de sua
Evolução até 1969. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1969.
TROW, M. Problems in the Transition from Elite to Mass Higher Education, in
Policies for Higher Education.Paris: OECD, 1974.
___ Reflections on the transition from elite to mass to universal access: forms
and phases of higher education in modern societies. Berkeley: University of
California, 2005.