Post on 13-Jul-2015
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NELSON GARRIDO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 8543 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
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FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 3
Na ponta da línguaMiguel Esteves Cardoso
A beterraba
é uma beleza e uma delícia que
ganha muito em ser comida ao
sol. Uma salada de beterraba,
temperada só com cebola, azeite
e vinagre de vinho, é um dos
melhores acompanhamentos que
há para o peixe frito ou grelhado.
Conheci-a graças às mãos
mágicas e doces da dona Ana,
no Restaurante O Sacas, na
Zambujeira do Mar. As minhas
fi lhas cresceram mais uns
centímetros graças a essas saladas
de beterraba, literalmente
irresistíveis.
Não compreendo porque é
tão difícil encontrar saladas de
beterraba nos restaurantes. É
mais uma ausência inexplicável
para acrescentar às outras.
As beterrabas são baratas e
fáceis de cozer (35 minutos).
Nem precisam de ser preparadas.
São fácílimas de descascar:
basta segurá-las enquanto estão
quentes para elas soltarem a pele.
Depois aguentam-se lindamente
uns cinco dias no frigorífi co. Dão
menos trabalho do que as alfaces
e os tomates, rendem mais e
são mais nutritivas. Que velho
preconceito pode haver contra as
pobres das beterrabas?
Comprando um molho de seis
beterrabas por um euro e meio,
aproveita-se tudo. As folhas são
grandes e bonitas. Cozidas são
parecidas com espinafres dos
mais fi nos: melhores ainda. Até
há pouco tempo, igualmente
tiranizados pelo fascismo
anti-beterrábico, também nós
deitávamos fora as folhas. Que
desperdício de fofura verdinha!
Agora não queremos outra coisa.
A Maria João cozeu as
beterrabas, cozeu as folhas e
salteou os caules, depois de um
breve refogado. Almoçámos os
três petiscos, cada um com a sua
personalidade, textura e encanto.
Os caules são estaladiços e
suculentos, com um sabor
diferente da beterraba em si.
Só a pele das beterrabas é
que não marchou — mas fi cou a
desconfi ança que também não
há-de ser má. Tudo na beterraba
é bom: é magnífi ca. Nem valerá
a pena falar da versatilidade da
beterraba: assadas no forno, por
exemplo, tornam-se mais doces.
A beterraba não é bem doce.
Tem um sabor telúrico. Este
sabor a terra desconvence muita
gente a experimentá-la. Mas o
sabor a terra é leve e sensual,
como o sabor umami de míscaros
selvagens, crus ou grelhados.
No Verão, quando saímos para
almoçar, levamos um tupperware
com umas beterrabas lá dentro.
Dispomos a salada numa travessa
emprestada (o restaurante tem
de ser simpático e conivente) e o
efeito, gastronómico e estético, é
deslumbrante.
Convém avisar que a
beterraba pode dar uma cor
avermelhada ao xixi e ao cocó
até 24 horas depois de comida:
se isto acontecer, não é preciso
ir a correr aterrorizado para as
urgências. Prepare-se de antemão
para não se alarmar. Ou vá já
colar um Post-it na parede da sua
casa-de-banho.
No mundo das ramas, as
folhas das beterrabas serão as
mais apetitosas de todas, não
sendo preciso fazer mais do que
cozê-las. São boas mesmo sem
tempero, como acontece com os
melhores grelos: o sabor do azeite
tira-lhes o viço e sobrepôe-se,
alterando a textura.
Segundo consegui apurar,
as folhas tendem a ser usadas
mais em sopas, como a rama
da cenoura e do nabo. Devem
fi car maravilhosas nas sopas que
usam espinafres (temos planeada
uma sopa de grão com rama de
beterraba para o primeiro dia
fresco de Outono) mas, antes
de as atirar para uma sopa, faça
o favor de prová-las singelas,
só cozidas durante sete ou oito
minutos.
Seja como for, não compre
beterrabas ou nabos que não
tenham rama — ou que tenham
uma rama seca e velha. Também
não ligue muito ao tamanho: as
beterrabas pequenas, tal como
os nabos, até podem ser um
bocadinho mais deliciosas do que
as variedades maiores.
A beterraba é um prazer que
dura o ano inteiro. Em Portugal
é raro o mês em que não se
encontra. Antes de começar a
cozinhá-la de todas as maneiras, é
bom conhecê-la primeiro tal qual
ela é.
Nem faço ideia como há quem
consiga passar sem ela.
Passeando pelas feiras é que se percebe o papel que a beterraba tem na alimenta-ção portuguesa. Esgota quase sempre. Já nos restauran-tes é como se não existisse
FICHA TÉCNICA Di rec ção Bárbara Reis Edição Sandra Silva Costa e Luís J. Santos (Online) Edição fotográfica Miguel Madeira e Manuel Roberto (adjunto) Design Mark Porter, Simon Esterson Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro e José Alves Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt . fugas.publico.pt Fugas n.º 693
A bela da beterraba que não tem nada para deitar fora
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Passeando pelas feiras e pelos
mercados é que se percebe o
papel importante que a beterraba
tem na alimentação portuguesa.
Esgota quase sempre. Já nos
restaurantes é como se não
existisse. Quando há, é servida
como se fosse uma novidade,
uma ousadia.
4 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
Chamam-lhes peixe-diabo injustamente. As jamantas são, afi nal, anjos que voam pelo oceano Atlântico, companheiras dos golfi nhos e dos meros curiosos. A Fugas pegou no equipamento de mergulho e foi conhecer estes e outros tesouros escondidos no mar de Santa Maria. Só nos esquecemos dos comprimidos para o enjoo.
CapaAçores
Em voo livre no azul eléctrico do Atlântico
E stivemos
quase a perder a esperança. En-
quanto o barco baloiçava, embalado
por ondas pequeninas, e nos prepa-
rávamos para o terceiro mergulho,
já pensávamos que as jamantas não
iam aparecer. Não é que tivéssemos
encontro marcado — e também não
estávamos ali só para isso — mas ir a
Santa Maria e não ver jamantas era
como ir a Roma e não ver o Papa. Te-
ríamos sorte à terceira tentativa?
Antes de partirmos de Lisboa
rumo a Vila do Porto, o único con-
celho da ilha, fi zemos uma pesqui-
sa rápida na Internet. As notícias
mais recentes eram animadoras:
“Concentração invulgar de jaman-
tas atrai turistas a Santa Maria”. Di-
zem os empresários com centros de
mergulho na ilha que esta espécie
de manta da família das raias tem
aparecido em maior número nos úl-
timos anos. Garantem que aquele é
o melhor sítio da Europa para mer-
gulhar com estes enormes peixes e
parecem ter convencido sobretudo
os turistas estrangeiros, que ali têm
chegado em romaria.
Tínhamos de confi rmar. E para isso
fomos munidos de armas e bagagens.
Na mala da jornalista, 20 quilos de
equipamento de mergulho habitua-
do a estas andanças. Na do fotojor-
nalista, uma caixa estanque para a
máquina fotográfi ca e um curso de
mergulhador tirado mesmo a tempo
da viagem. Tudo a postos para ir co-
nhecer os segredos subaquáticos da
ilha mais continental dos Açores.
Comprimidos para o enjooSomos oito ao todo no barco do cen-
tro Paralelo 37, fora o skipper, que
conduz o semi-rígido carregado de
coletes agarrados às garrafas de ar,
máquinas fotográfi cas e de fi lmar,
barbatanas e mochilas com o lanche.
É sábado, saímos cedo do porto da
vila, cerca das 9h30, e só contamos
regressar a terra por volta das 17h.
Rui, um dos guias, tinha avisado
na noite anterior: levem roupa quen-
te, a viagem é longa. Até ao ilhéu das
Formigas, um aglomerado de oito
pequenos rochedos situado a cer-
ca de 24 milhas náuticas a nordeste
de Santa Maria, demora-se cerca de
duas horas. Isto se não encontrar-
mos golfi nhos ou tubarões-baleia no
Marisa Soares (texto) e Nelson Garrido ( fotos)
caminho, avisou Rui. Se os encon-
trássemos, até podíamos demorar o
dia inteiro, pensámos nós.
Tubarões-baleia não vimos. Um
grupo de mergulhadores avistou um
poucos dias antes de chegarmos à
ilha, mas não tivemos a mesma sor-
te. Tivemos outra. Quando vimos
um bando de cagarros alvoraçado
percebemos que não estavam sozi-
nhos: estas aves, muito caracterís-
ticas dos Açores, caçam em parce-
ria com os golfi nhos. É como uma
coligação que resiste ao passar do
tempo: os golfi nhos atacam os car-
dumes de peixes debaixo de água
e os cagarros aproveitam os peixes
que fogem para a superfície, mer-
gulhando num voo picado para os
apanharem.
À medida que nos aproximamos,
os cagarros afastam-se e os golfi nhos
pulam, calorosos, em volta do semi-
rígido, com as barbatanas dorsais a
rasgar a superfície da água, e não
nos largam durante uns dez minu-
tos. Parecem estar em êxtase, quase
tanto como nós, por os vermos. Pelo
caminho, à ida e à volta, encontra-
mos quase uma dezena de grupos de
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 5
golfi nhos comuns e riscados, com o
mesmo entusiasmo.
Avistamos ao longe o pequeno
farol das Formigas, com a espu-
ma das ondas a rebentar contra
os rochedos. Não é tão mau como
parece. No mergulho que fi zemos
no dia anterior, junto à costa Sul
da ilha, na Baixa da Pedrinha, o
mar estava tranquilo. Mas em mar
aberto o caso muda de fi gura. O se-
gredo é cair logo na água e descer,
para fugir da corrente à superfície,
mas quando o estômago começa
às voltas não há como voltar atrás.
Nota mental para a jornalista: para
a próxima, levar comprimidos para
o enjoo.
Os primeiros mergulhadores caem
na água, que ronda os 21 graus. Nada
mau para quem está habituado a
mergulhar no continente, em Se-
simbra, com temperaturas médias
de 15 graus. Equipados a rigor — fato
de neoprene, cinto de chumbo à cin-
tura, barbatanas, colete com garrafa
às costas, máscara e regulador —,
deixamo-nos cair também.
É como se entrássemos num
aquário gigante, sem paredes, onde
quase não se vê o chão. Cardumes
de encharéus, lírios, bicudas, aqui
e ali um peixe-porco, peixes-rainha
e outros peixes coloridos tropicais,
ou não fosse esta a única ilha dos
Açores que repousa na placa geo-
lógica africana. À entrada de uma
gruta, um enorme ratão, primo
das raias, com a sua grande cauda
apontada para fora. Mas de jaman-
tas, nem sinal.
Encontros imediatosVoltamos a bordo e preparamo-nos
para um segundo mergulho. O semi-
rígido “estaciona” a poucos metros
do ilhéu, sobre a Baixa do Sul. As
baixas, elevações do fundo marinho
que chegam por vezes a escassos
metros da superfície, são frequen-
tes nos Açores. Estendemos o olhar
sobre a água cristalina à procura de
um sinal do peixe-diabo (outro nome
dado à jamanta), que muitas vezes
nada junto à superfície. Nada.
Outra vez a corrente — e outra vez
o enjoo. Descemos o mais rápido que
podemos agarrados ao cabo que se-
gura o barco ao fundo do mar, e se-
guimos atrás dos guias. A visibilidade
de 20 a 30 metros torna tudo mais fá-
cil. Avistamos logo um grande mero,
como que a levitar sobre as algas que
forram o fundo, entre duas rochas.
Aproximamo-nos para o ver de perto
e ele continua ali, quieto, com os seus
grossos “lábios” e os olhos salientes,
que parecem observar-nos, curiosos.
Mais à frente, outro mero sai de um
buraco na rocha e vem pedir atenção.
E enquanto agita as barbatanas num
jeito desalinhado, deixa-se tocar.
Os meros são uma das fortes atrac-
ções dos Açores. Por se manterem
quase sempre no mesmo sítio e te-
rem um comportamento amistoso
com os mergulhadores, são fáceis
de encontrar e deixam qualquer um
enternecido.
À nossa volta, novamente cardu-
mes prateados de lírios, bicudas e
encharéus. Encontramos moreias es-
condidas nas rochas, vejas (peixes de
escamas largas e com um bico que
parece de papagaio) e corais.
As jamantas têm aparecido em maior número nos últimos anos na ilha de Santa Maria
6 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
CapaAçores
De repente, ouvimos o som metá-
lico das maracas que o guia usa para
chamar o grupo. É como música
para os nossos ouvidos. Como que
saídas do nada, surgem ao longe
duas jamantas — as tão esperadas
Mobula tarapacana — que rasgam
o azul num voo livre, uma atrás da
outra, a 20 metros da superfície.
Tentamos nadar até elas mas a
injecção de adrenalina é tanta que,
no meio de uma cãibra, mal saímos
do lugar. Nada do que nos ensinam
no curso de mergulho sobre como ti-
rar uma cãibra resulta quando mais
precisamos...
Desistimos e fi camos ali a pairar,
inebriados. E em menos de nada, as
jamantas, que nadam em círculo à
volta do grupo de mergulhadores,
passam mesmo aos nossos pés, de-
vagar (pelo menos, aquele minuto
parece demorar uma eternidade).
Nunca o ditado “se Maomé não vai
à montanha, a montanha vai a Ma-
omé” fez tanto sentido.
Graciosas, parecem bailarinas
que agitam os braços suavemente,
num enorme palco onde são as úni-
cas estrelas. Isto apesar do mero e
da raia que aparecem a pedinchar
atenção, enquanto elas passam.
Mas os olhos dos mergulhadores
estão todos postos nas jamantas
que, imponentes, batem as “asas”
pontiagudas — têm pelo menos três
metros de envergadura. No dorso
verde dão boleia às rémoras. Estes
pequenos peixes parasitas viajam
junto aos “cornos” que as jamantas
têm nas laterais da cabeça (daí o
nome peixe-diabo) para ajudar a
direccionar o fl uxo de água para a
boca. As jamantas comem plâncton
e as rémoras apanham os restos, en-
quanto desfrutam de uma espécie
de voo de asa delta submarino.
Mergulho no azulO espectáculo dura talvez dez mi-
nutos. Quando deixamos de as ver,
percebemos que o mergulho aca-
bou. Estamos quase há 40 minutos
debaixo de água, o ponteiro do ma-
nómetro do ar marca quase na re-
serva, é tempo de subir. O ideal seria
fazê-lo pelo cabo, mas à medida que
avançamos a corrente é tanta que
nem sequer conseguimos lá chegar.
Deixamo-nos levar. Por sorte, saímos
mesmo junto ao barco e consegui-
mos desequipar-nos sem problemas.
E em poucos minutos o grupo está
pronto para regressar a terra.
Se fomos afortunados à terceira
tentativa, à quarta saiu-nos a sorte
grande. No domingo fi zemos nova
viagem, desta vez mais curta, em di-
recção a um dos principais spots de
mergulho em Santa Maria: a Baixa
do Ambrósio, a três milhas da costa
Norte. O mar está ainda mais picado
do que no sábado, mas mais uma
vez descemos pelo cabo do barco.
Fazemos o verdadeiro mergulho
no azul: é como se caíssemos num
poço sem fundo (o chão está a cerca
de 50 metros de profundidade, não
o conseguimos ver), uma sensação
quase vertiginosa.
Paramos, agarrados ao cabo, en-
tre os dez e os 15 metros. Não pre-
cisamos de descer mais. Ouvimos
novamente as maracas do guia.
Num círculo perfeito à volta do
grupo de mergulhadores, oito pares
de “asas” batem energicamente, a
poucos metros da superfície, como
atletas de natação sincronizada. A
dada altura, algumas desaparecem
no azul, voltam em grupos de duas,
ou de três, em fi la indiana quase per-
feita. De onde estamos, consegui-
mos ver-lhes o ventre branco, em
contra-luz, e as rémoras coladas à
barriga. Ficamos ali quase uma hora
a vê-las passar.
Nem imaginamos o que estará
aos nossos pés, que segredos guar-
da aquele fundo em mar alto. Os
olhos, já habituados ao azul, detec-
tam algures uma espécie de parede
prateada, que parece formada por
bicudas (ou serão anchovas?), às de-
zenas. Não conseguimos distingui-
las a esta distância mas também
não importa. O ar está no fi m e
subimos.
Paramos antes de um último
mergulho numa zona abrigada do
vento, junto à costa, e fi camos ali a
baloiçar devagar, a fazer o intervalo
de superfície. Não voltamos a ver as
jamantas mas é como se fechásse-
mos os olhos e elas passassem, ou-
tra vez, a voar na nossa direcção. A
bordo trocam-se experiências, mais
difícil é descrever as sensações. Da
nossa parte, há uma inesquecível:
pela primeira vez, tivemos vonta-
de de chorar de alegria debaixo de
água. E isso não se explica.
A Fugas viajou a convite do Clube Naval de Santa Maria
Por trás de uma grande
pescadora, há sempre um grande
skipper. Podia ser este o slogan do
corrico feminino de barco, que se
realiza há 11 anos na ilha de Santa
Maria. É que nesta prova as protago-
nistas são elas mas em quase todos
os barcos segue um homem ao leme.
E o segredo para uma boa pescaria
está, em parte, na perícia da condu-
ção. O resto é sorte, dizem. Mas este
ano não houve muita.
Não é fácil juntar tantas mulhe-
res no mar. A maioria das 66 parti-
cipantes no torneio deste ano nem
costuma pescar, ou fá-lo apenas ao
fi m-de-semana para passar o tempo.
Mas o primeiro fi m-de-semana de
Agosto era delas. “É a nossa vez”, di-
zia, fi rme, Isabel Andrade, enquanto
ouvia as regras do concurso, defi ni-
das pelo Clube Naval de Santa Maria
(CNSM). Isabel, que vai a bordo do
Kosmos, nunca falhou uma prova de
corrico feminino — a única do géne-
ro no país. O clube organiza também
o corrico geral, que é para todos,
embora atraia mais homens.
O corrico é uma pescaria lenta,
feita à linha, na ponta da qual se
prende a corrica, uma espécie de
isco em forma de peixe, feito em
materiais como metal ou plástico.
Leva ainda um anzol e uma placa
que brilha e faz atrito na água. Os
peixes predadores sentem-se atraí-
Elas pescam, eles fi cam ao leme
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 7
Helena participa no corrico femi-
nino pela “quinta ou sexta vez”. Tal
como as outras participantes, mora
em Vila do Porto. Segue a bordo do
Zenite. A melhor classifi cação que já
conseguiu foi um quarto lugar, gra-
ças a uma anchova e muitas bicudas.
É pescadora de fi m-de-semana mas
fá-lo com paixão. Gosta de lançar a
linha e “sentir a batida do peixe”. A
ansiedade é tanta que na noite ante-
rior à prova nem consegue dormir.
O torneio decorre no sábado e no
domingo. Os barcos deixam o porto
dos rasto deixado pela corrica.
A corrica é lançada na água de
modo a fi car a 20 a 30 metros do
barco, e este tem de seguir lenta-
mente. Não pode parar, nem quan-
do o peixe pica. É aqui que entra a
perícia do skipper — das 18 embar-
cações a concurso, 16 tinham um
homem ao leme. “Ele tem de levar
o barco devagar, a uma velocidade
constante. E tem de saber voltar ao
sítio onde o peixe picou, para ver
se apanhamos mais”, diz Helena
Cabral, outra concorrente.
À esquerda, a paisagem do lado nordeste da ilha, pontuada por diversas vinhas em socalcos. À direita (em cima), as pescadoras de corrico lançam a cana, à espera que o peixe pique. Em baixo, avista--se o farol do ilhéu das Formigas
às 17h e podem regressar até às 23h.
São seis horas que “passam num
instante”, garante Helena Cabral. É
nesse período que os peixes preda-
dores, maiores, costumam caçar.
Quem sai para o mar previne-se
em terra. No barco, as concorrentes
(três no máximo) levam todos os in-
gredientes para um fi m de tarde de
festa. É que enquanto o peixe pica
e não pica, há tempo para tudo —
beber umas cervejas, comer uns
petiscos, ou dar música aos peixes
tocando uns acordes.
À procura do atumOs barcos podem dar a volta à ilha
e afastar-se até 15 milhas da costa.
Naquele fi m-de-semana o mar não
estava para grandes aventuras —
aliás, o vento forte e o aumento da
vaga levou a organização a cancelar
o segundo dia de prova, por ques-
tões de segurança. Os resultados
fi nais seriam os de sábado, dia de
pouco peixe. “Logo hoje que íamos
apanhar o atum”, lamentava uma
concorrente no domingo. O mar
trocou-lhe as voltas.
As mulheres de Vila do Porto foram para o mar tentar a sorte no corrico. Não tiveram muita, mas nem por isso desistiram
8 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
CapaAçores
O corrico feminino é só mais uma
das muitas festas que animam Santa
Maria durante o Verão — e no Inver-
no os marienses (cerca de 5000 resi-
dentes) também não se aborrecem.
Apesar de na outra ponta da ilha se
festejar o Sagrado Coração de Jesus,
na freguesia de Santa Bárbara, mais
de uma centena de pessoas foi ao
porto ver a chegada das pescadoras,
no sábado à noite.
O primeiro barco chegou às 22h.
“Normalmente os primeiros não
trazem quase nada”, avisara João
Batista, presidente do CNSM. Os
recipientes de plástico entregues
aos concorrentes para depositarem
o peixe foram chegando com bicu-
das. Duas, três, oito. Aqui e ali um
peixe-porco. Peixes-serra. Muitos
chegaram vazios. Algumas caras
pouco animadas, outras enjoadas à
custa dos balanços do barco, outras
ainda em festa. A anchova de Sandra
Tavares era a única.
A pesagem do peixe é feita à vista
de todos. O resultado, que era provi-
sório, passou a fi nal quando foi can-
celada a prova de domingo. Mesmo
assim, não foi mau: no total, as pes-
cadoras de Santa Maria apanharam
53 quilos de peixe. Ficaram longe
do máximo de 197 quilos apanhados
em 2011, mas “este ano há pouco
peixe”, aventava João Batista ainda
antes de a prova começar. Não se
enganou. Seja como for, pelo menos
para a equipa do Swordfi sh valeu a
pena. A anchova, da última vez que
falámos, ainda estava “na friza”, o
termo mariense para congelador,
herdado dos norte-americanos (em
inglês, diz-se freezer) que estiveram
na ilha a construir o aeroporto, na
década de 1940. Entretanto, já deve
ter dado para um bom jantar.
Nem tudo o que vem à rede é pei-
xe. Ou melhor, nem todos os peixes
que picam a corrica contam para o
concurso. Apanhar um peixe-porco,
por exemplo, pode compensar no
prato (no fi m, os concorrentes le-
vam o peixe para comer em casa)
mas não no da balança, onde o
resultado da pescaria é pesado ao
fi nal da noite. Para a prova contam
a bicuda, a anchova, o peixe-serra, o
lírio, o encharéu, o bonito, o wahoo
e o atum. Este último é, na verdade,
o primeiro na lista de desejos das
pescadoras. Mas em 11 anos de pro-
va, nenhum mordeu o isco.
“Apanhar um atum à linha pode
dar duas ou três horas de trabalho,
até conseguir trazê-lo para o barco,
mas compensa”, diz Isabel Andrade,
que este ano chegou a terra sem pei-
xe. O atum pode signifi car o primeiro
prémio — normalmente é o peixe mais
pesado, e quem tiver mais peso ganha
— ou o prémio de melhor exemplar.
O recorde pertence a um atum de
92 quilos, apanhado há uns anos no
corrico que é mais para os homens.
Apesar do mar bravo, quem sabe
da poda arrisca. E para as concor-
rentes do barco Swordfi sh valeu a
pena arriscar. O skipper, Eduardo
Soares, levou-as até à costa Norte
da ilha, mais desabrigada do ven-
to. A seu favor tinha a experiência:
é armador e tem 52 anos de mar,
conhece-o como ninguém. “Andei
dois anos na caça à baleia [a ilha tem
uma forte tradição baleeira, que en-
trou em declínio nos anos de 1960],
cheguei a caçar quatro num só dia.”
Talvez até tenha caçado mais, mas a
memória já não recua tanto. Tinha
15 anos. Hoje tem 66, a pele quei-
mada pelo sol e um jeito sereno que
contagia.
Santa Maria em festaA contrastar com a experiência do
comandante, está o amadorismo da
tripulação. Mas, já o dissemos, uma
boa pescaria também se faz de sorte.
E Sandra Tavares teve muita quan-
do uma anchova de 7,710 quilos (o
segundo maior peixe capturado des-
de sempre na prova) mordeu a sua
corrica. “A cana até se ia partindo”,
conta esta empregada de limpezas
que participa pela segunda vez no
torneio. Demorou “cinco ou dez
minutos” a puxar a anchova para
bordo. Mal sabia que tinha acabado
de ganhar a prova.
Guia prático
COMO IR
A companhia aérea Sata (www.sata.pt) voa para Santa Maria durante todo o ano, a partir do continente ou de outras ilhas do arquipélago. A partir de São Miguel, pode-se chegar à ilha também de barco entre Maio e Outubro, usando os barcos da Atlânticoline, onde pode transportar veículo próprio.
ONDE FICAR
A ilha é pequena (menos de cem quilómetros quadrados) e a oferta hoteleira é proporcional. Ficámos alojados no Hotel Santa Maria, a um quilómetro do aeroporto e a cerca de dez minutos do centro da vila, de carro. Para quem quiser ficar mais perto da povoação, a mesma cadeia tem o Hotel Praia de Lobos. Ou então pode optar pelo Hotel Colombo, situado na zona das Pedras de São Pedro, a cinco minutos do centro de Vila do Porto, bom para famílias com filhos, por exemplo, já que tem apartamentos onde é possível cozinhar. Para mergulhadores, o Hotel Colombo é uma boa opção, uma vez que tem dois centros de mergulho “residentes”, o Paralelo 37 e o Haliotis. A Pousada de Juventude de Santa Maria, mais perto do porto, é outra opção a considerar, mais em conta. Em Junho do próximo ano deverá abrir o hotel Charming Blue, com centro de mergulho, a dois minutos do porto. Não faltam também casas de turismo rural.
ONDE COMER
Durante a nossa estadia comemos quase sempre no restaurante do Clube Naval de Santa Maria, que tem um bom polvo frito com batatas e um excelente naco de atum. Também provámos as deliciosas lapas. Incontornável é o caldo de nabos que comemos na Festa do Sagrado Coração
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 9
de Jesus, na freguesia de Santa Bárbara, e a carne de vaca assada em panela de ferro — e no Verão não faltam festas como esta um pouco por toda a ilha. Com sorte (que nós não tivemos), quem visitar a ilha entre Junho e Setembro pode participar nas Festas do Divino Espírito Santo e comer o pão embebido numa sopa de carne distribuída de forma gratuita a quem quiser, nos vários impérios espalhados pela ilha. A lasanha de albacora que comemos ao almoço no Restaurante Garrouchada, aberto das 9h à meia-noite na rua principal de Vila do Porto, também não desiludiu. Ficámos curiosos com as pizzas do Central
Pub (na mesma rua) que não conseguimos provar, embora nos tenham garantido que são “as melhores do mundo e arredores”. Para petiscar com vista para o pôr do sol, a esplanada do Bar dos Anjos, na freguesia dos Anjos, que fica no Norte da ilha, é tentadora. O bar O Paquete, mesmo junto à praia Formosa, também merece uma visita ao fim da tarde.
seis centros de mergulho (no próximo ano serão sete), com dez embarcações no total. Além do Paralelo 37, há o Haliotis, o Manta Maria, o Wahoo, o Dollabarat Sub e o CNSM. É só escolher. Quem não mergulha, tem outras opções. A ilha tem pelo menos dois trilhos pedestres assinalados, um na costa Norte e outro na costa Sul, muito procurados por quem aprecia birdwatching. Existe informação disponível em www.trails-azores.com. Existe ainda Rota dos Corsários, que se estende um pouco por toda a ilha com paragens obrigatórias em sete locais, onde painéis contam a história de Santa Maria, recheada de saques e invasões.
O QUE FAZER
Entre Junho e Setembro, o mergulho é uma das principais atracções da ilha de Santa Maria. A ilha é pequena mas tem
Outra rota, mas dos fósseis, é imperdível para quem se interessa por paleontologia, e não só. Existem cerca de 20 jazidas de fósseis marinhos visitáveis, a maioria por terra. Apenas o trilho que inclui a Pedra-que-Pica é feito integralmente por mar, e para isso pode dirigir-se ao Clube Naval de Santa Maria. O Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo, no centro da vila, também disponibiliza informações aos visitantes. Além disso, há as festas tradicionais que animam o Verão, e em Agosto realiza-se o mais antigo e mais importante festival da região, o Maré de Agosto, na praia Formosa.
Este concurso é uma iniciativa de: Organização:
Depois dos Chefs Brás, Zé do Pipo e Gomes de Sá, chegou a hora
de juntar o seu nome à história da gastronomia nacional.
Manifeste-se com uma receita original de bacalhau seco da Noruega
e uma boa dose de criatividade. Participe na 9ª edição da Revolta
do Bacalhau e mostre toda a indignação perante os paladares
mais conservadores.
Os resultados desta Revolta serão avaliados pelo conceituado júri presidido
pelo Chef Hélio Loureiro. O vencedor ganha um Curso Intensivo
no Gastronomic Institute na Noruega.
Inscreva-se até dia 15 de Setembro.
Saiba mais em revoltadobacalhau.com ou facebook.com/revoltadobacalhau
INSCRIÇÕES
ABERTAS
AGORA TAMBÉM PARA ESTUDANTES*
*O jo
vem
tal
ento
mai
s re
volt
oso,
gan
ha u
ma
mas
ter
clas
s na
sua
esc
ola
com
um
che
f no
rueg
uês.
10 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
CapaAçores
T ínhamos ruma-
do a sul naquela manhã de sexta-fei-
ra ensolarada, encoberta a espaços
por nuvens cor de algodão, para um
primeiro mergulho. Saídos do fun-
do do mar, seguimos na direcção
da Ponta do Castelo, no extremo
sudeste da ilha. Vemos ao fundo o
farol de Gonçalo Velho (herdou o
nome do navegador que descobriu
a ilha) mas o semi-rígido do Clube
Naval de Santa Maria (CNSM) come-
ça a abrandar o passo. Chegamos
ao destino.
A cerca de 500 metros do farol,
aos pés de uma enorme falésia que
se precipita sobre as águas cristali-
nas do Atlântico, parece uma língua
de areia branca vista de longe. Mas
não é. Se dúvidas houver, atentem
no nome: Pedra-que-Pica. O barco
aproxima-se e percebemos que ali
não há areia macia, que o chão que
pisamos é pontiagudo e que as bo-
tas de mergulho não são o calçado
ideal. Fica o aviso.
Para onde quer que olhemos
num raio de cerca de 20 metros,
só vemos fósseis. E mais fósseis. E
um rasto da actividade vulcânica
na ilha, com rochas rugosas de cor
negra. Temos os pés sobre milhões
de conchas desarticuladas de bival-
ves marinhos, algumas com mais
de 20 centímetros de diâmetro,
restos fossilizados de ouriços-de-
areia, e sabe-se lá mais o quê. Diz-
nos o guia, Paulo Ramalho, vice-
presidente do CNSM e antropólogo,
que aquela jazida fóssil tem cerca
de cinco milhões de anos. É uma
das mais antigas de Santa Maria, a
única ilha dos Açores com fósseis
marinhos.
Procuramos a explicação científi -
ca para o que parece ser um aciden-
te geológico feliz. Depois de muito
tempo sem actividade vulcânica, a
ilha — que é a mais antiga do arqui-
pélago, com sete a oito milhões de
anos — fi cou submersa, formando
um gigantesco monte submarino.
“Terá sido nesta altura, há cerca de
cinco a seis milhões de anos, que os
animais marinhos que nessa altura
existiam se depositaram em gran-
A pedra-que-pica (mesmo)
des quantidades nos sedimentos
marinhos”, no topo daquele mon-
te, explica Sérgio Ávila, biólogo e
paleontólogo da Universidade dos
Açores, um dos vários investiga-
dores que têm estudado as jazidas
fósseis de Santa Maria.
Muitos daqueles animais fossi-
lizaram. Com o ressurgimento da
actividade vulcânica, há cerca de
dois milhões de anos, a ilha emer-
giu novamente e elevou-se pelo
menos 200 metros. “Talvez ainda
o esteja a fazer.” Isto fez com que
muitas jazidas estejam agora fora
de água, sobretudo quando a maré
baixa.
A Pedra-que-Pica formou-se a
cerca de 50 metros de profun-
didade e terá resultado de uma
grande tempestade, que fez acu-
mular numa cova natural milhões
de conchas, arrastadas para aquele
local pela força das ondas. Além de
conchas, os investigadores encon-
traram invertebrados de pequenas
dimensões, dentes de peixes e de
tubarões (não detectámos nenhum
naquele puzzle desordenado).
Mas o que vemos agora pode
ser apenas a ponta do icebergue.
Segundo Sérgio Ávila, a jazida tem
2000 metros quadrados, “seis ve-
zes menos do que a sua provável
extensão inicial que rondaria, pelo
menos, os 12 mil metros quadra-
dos”. Não é fácil de imaginar. Mas
uma coisa parece certa: se houver
um paraíso na terra para os pale-
ontólogos, deve ser algo parecido
com a Pedra-que-Pica.
Na jazida repousam milhões de fósseis de conchas, ouriços-do--mar e outros invertebrados, que se depositaram ali há cinco a seis milhões de anos. Na ilha há cerca de 20 locais do género, que integram a Rota dos Fósseis
12 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
PasseioSérie Fugas em Portugal IX: Estremadura
O mar e as serras
São territórios de agricultores e de aristocratas, de religiosos e poetas. Balançando entre o oceano e montes, quintas nobres e barcos de pescadores, praias e campos de cultivo, retiros religiosos e centros profanos, fomos de Setúbal a Sintra para acabarmos surpreendidos pela natureza — que é, afi nal, quem mais ordena nestas paragens.
“Sintra é um
belo lugar para morrer”. Glauber Ro-
cha, cineasta brasileiro, acabou por
não morrer em Sintra, mas lá viveu
os seus últimos dias. “Aqui é bonito.
Escrevo diante de uma panavisão so-
bre o Atlântico camoniano e sebastia-
nista do alto de uma montanha antes
habitada por Byron numa linda casa
onde viveu Ferreira de Castro...”.
Se num dia de Verão um viajante
chega a Sintra com estas ideias ro-
mânticas na cabeça, a realidade pode
encarregar-se de as desfazer (depara-
mo-nos com uma espécie de parque
de diversões com lotação esgotada)
se não acreditarmos que, mais cedo
ou mais tarde, Sintra vai fazer o que
sempre faz: surpreender-nos irreme-
diavelmente. Nós insistimos, para
desvendar o mistério que horas an-
tes víamos encoberto pelas famosas
brumas, que, insidiosas, jogam às es-
condidas revelando apenas pequenas
porções do glorious eden de Byron.
A vila adivinha-se, então, entre as
neblinas, enquanto percorremos os
caminhos em volta — aldeias, cam-
pos, aldeias, o outro rosto desta zona
que foi refúgio da nobreza; aproxi-
mamo-nos da costa e novamente um
manto de nevoeiro “aqui onde a ter-
ra acaba e o mar começa”, escreveu
Camões. Estamos no Cabo da Roca,
o ponto mais ocidental da Europa
continental e de repente voltámos
ao primeiro dia da viagem. Pode
ser uma coincidência notável ou
uma banalidade — para nós foi uma
surpresa: dois cabos, duas sessões
fotográfi cas de noivos.
Do marMas comecemos por aquele dia
inicial, em que as cegonhas descan-
sam nos postes de electricidade. A
Comporta está deserta — vive-se nas
praias para lá das dunas. Na Carras-
queira o sol derrama inclemente so-
bre o cais palafítico, um dédalo de
passadiços periclitantes que, sobre
estacas, conquista os sapais do Sado.
Para trás fi caram alguns palheiros e o
largo com relva com o nicho da Nossa
Senhora dos Navegantes, inaugurado
este ano. “Fui eu e a minha cunhada
que o fi zemos”, conta Maria de Lur-
des Carvalho, a pintar o Carvalhinho,
o barco que é o ganha-pão dela e do
marido — quando o tempo o permi-
Andreia Marques Pereira (texto) e Bruno Simões Castanheira ( fotos)
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 13
te; quando não, é a batata-doce que
os ocupa. Sempre ela e o marido:
“Aqui na aldeia anda tudo atrás do
marido”, diz entre risos. Conhece
a rotina, ou não fosse ela fi lha de
pescador — “apenas de amêijoas e
ostras”; “eu sou tuti-frutti”.
Maria de Lurdes está habituada às
camionetas que despejam visitantes
nos meses de Verão. Vêm percorrer
as centenas de metros de estrados
que partem de um “tronco” principal
e seguem por “ramos”, onde anco-
ram os barcos. “Vai até lá ao fundo”,
aponta com as mãos pintada de azul.
Lá ao fundo passa para uma ilhota,
entre barcos, redes cujas bóias pare-
cem cogumelos na água e casinhas
de madeira que são arrecadações. “Já
fomos 60 barcos. Agora talvez 20. Os
antigos estão a reformar-se, a mor-
rer… Os novos não estão para isto…”.
Que o diga Cesário Matias, que aca-
ba por sair aos caranguejos sem o
fi lho, depois de discussão. Já teve
mais barcos, dois semi-rígidos que
faziam passeios para ver golfi nhos no
Sado — ainda não desistiu de voltar.
Há uma pequena baía aqui ao lado,
onde uns poucos fazem praia. Mas o
habitual é descer a costa, até Sines,
diz Maria de Lurdes. Ela, de rosto
tisnado, não gosta de praia: “A mi-
nha vida é sempre dentro de água.”
Em Sesimbra, as praias e a pesca
andam lado a lado, mas não dão as
mãos. Encontram-se nas mesas dos
restaurantes que povoam as ruelas
íngremes da vila e a avenida que se
estende junto ao mar, dividida pela
Fortaleza de Santiago — à porta, ar-
cas mostram o peixe à espera de ser
cozinhado, nas brasas, sobretudo. O
castelo está escondido quando visto
cá de baixo, das praias da Califórnia
e do Ouro, que partilham a mesma
faixa de areia e estão a abarrotar. Pa-
rece-nos impossível circular entre to-
alhas e guarda-sóis com vista para os
insufl áveis no mar. O movimento só
abranda na altura do jantar, para de-
pois as ruas começarem novamente
a encher-se, no típico ritmo balnear.
No porto de pesca o ritmo é outro
e invariável. Sérgio Pinto explica-nos
o seu, o do barco onde trabalha. Está
na esplanada do café da doca à espe-
ra das 20h, altura em que sai para o
mar. É assim de segunda a quinta-
feira; ao domingo sai às dez da noite;
sexta e sábado é fi m-de-semana. “Só
temos hora certa para sair, para vol-
tar…”. Voltar é quando o mar deseja
— pode ser às dez, ao meio-dia ou
às 15h, como hoje. Nem conseguiu
dormir e por isso toma umas cerve-
jas enquanto nos explica as artes da
pesca que sobrevivem em Sesimbra
(como a do cerco ou emalhar), nos
fala dos barcos típicos (aiolas) e nos
conta como chegou ao mar. Fez um
curso profi ssional entre os 14 e os 17
anos — fi cou com equivalência ao 9.º
ano e um apego inabalável às lides
marítimas. Desde os 16 anos, este-
ve longe delas apenas os dois anos
em que trabalhou na restauração.
Experimentou o trabalho do avô e o
trabalho do pai — o do avô ganhou.
“Era uma vida presa [na restaura-
ção], não nasci para aquilo. Gosto
muito desta vida.”
A maior parte do peixe pescado
em Sesimbra tem direcção certa: Lis-
boa. Em alternativa, vai para Setú-
bal, onde o Mercado do Livramento
é incontornável. Às primeiras horas
da manhã, muitos disparam má-
À esquerda, o Cabo Espichel, de onde se tem uma vista assombrosa sobre a costa recortada; à direita, a praia do Portinho da Arrábida, um dos cartões-de-visita da região
Esta série tem o patrocínio
14 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
quinas no espaço recentemente res-
taurado; muitos mais os que andam
às compras. António “da Glória” (o
nome da mulher e sócia) é conheci-
do pela enguia, que está a 20€. Só
ele e um colega as vendem: “Se não
tenho num dia, arranjo no seguinte.”
Alice Manete tem fartura de peixe e
uma banca em frente do painel de
azulejos azuis e brancos, um dos ex-
líbris do mercado. “Já não é igual”,
diz-nos, “era a parede toda, não tinha
estes recortes de puzzle”. “Quando
a parede ruiu, parte foi destruída.”
Continua, contudo, a retratar o modo
de vida dos setubalenses há algumas
décadas: a pesca, a agricultura, o co-
mércio.
Da serraÉ um deslumbramento percorrer a
serra da Arrábida, que acompanha
a costa de Setúbal até Sesimbra, na
estrada desenhada sobre o seu relevo
sinuoso — e algumas rectas: estamos
no topo, entre vegetação rasteira e
afl oramentos rochosos. As brumas
omnipresentes neste nosso périplo
pregam-nos partidas, mas quando se
abrem somos recompensados pelo
mar verde a encontrar o mar azul:
serra e oceano inseparáveis. Nos mi-
radouros à beira da estrada, há en-
garrafamentos, carros invadem a es-
trada estreita, pessoas acotovelam-se
pela melhor fotografi a. O Convento
da Arrábida vemo-lo aninhado, bran-
co em moldura esmeralda, edifícios
em cascata — em Agosto encerra para
visitas; para cima, restos do convento
velho: capelas, guaritas, cruzes con-
tra o horizonte e, por momentos, o
cenário é místico.
Descemos ao encontro do mar
com o verde a ganhar altura em
carvalhos, medronheiros e murta;
e novamente engarrafamento para
chegar ao Portinho da Arrábida, o
cartão-de-visita desta costa que se
recorta em praias e baías serenas.
Os carros acumulam-se na beira da
estrada estreita e íngreme, que passa
o Museu Oceanográfi co e já come-
çamos a ver a serra a entrar no mar
(ou vice-versa). Pedro e Iva acabam
de chegar de Palmela, vieram mais
tarde com esperança de encontrar
estacionamento perto. “Tivemos
azar. Mas vale bem a caminhada.”
Há algumas casas (com quartos
para alugar) e restaurantes, dois de-
les sobre a água: observamos o mo-
vimento do barco de um dos restau-
rantes, que traz e leva clientes até às
embarcações ancoradas na enseada.
No centro — praça minúscula apinha-
da de carros — um grupo de franceses
pesca no muro de cimento: a água é
transparente, os peixes presa fácil.
Deste núcleo ao areal são alguns
minutos de terra batida, seguindo a
linha da costa feita seixos e recan-
tos rochosos. A praia é uma meia-
lua pequena, a areia em contraste
com o verde atrás e o azul à frente.
“Depois do início pedregoso é muito
boa”, diz Carlos Melo, que veio de
Camarate com a família. “Disseram-
nos que era giro e viemos conhecer.”
André, o fi lho mais velho, é o mais
entusiasmado: “Quem está na água
olha e parece que está no Rio de Ja-
neiro”, diz, mostrando as fotos. A sua
única pena foi não ter ido até à ilhota
rochosa que se avista. “Tem grutas
muito bonitas. E há um barco a re-
mos que leva muita gente.”
Estamos no Parque Natural da Ar-
rábida, onde as paisagens e a ocu-
pação humana se unem em área
protegida. Passamos aldeias, quin-
tas, herdades; avistamos ofi cinas de
azulejos, produções de queijo (de
Azeitão) e as placas castanhas da
Rota dos Vinhos surgem a recordar
que este é território dos vinhos da Pe-
nínsula de Setúbal. É o vinho que nos
conduz à sede da Bacalhôa, em Vila
Nogueira de Azeitão – mas não só:
aqui, este caminha lado a lado com
a arte. E tal é mais evidente na cave
onde as barricas dos vinhos premium
(Palácio e Quintas) repousam entre a
colecção de azulejos do século XVI ao
XX — a experiência é quase religiosa
quando entramos na sala de luz rare-
feita e música clássica a soar.
Este espaço é o núcleo, diríamos,
de um grande edifício onde a arte e
o vinho convivem, nem sempre tão
directamente. Duas salas pertencem
à arte: a exposição Out of Africa, em
homenagem a Nelson Mandela, um
mergulho (sobretudo) na escultura
africana; What a wonderful world,
um passeio por Paris à boleia da Art
Noveau e Art Deco, aqui exibidas em
mobiliário e ao som de Edith Piaf —
com um salto ao portuguesíssimo
Rafael Bordalo Pinheiro. Nas tra-
seiras, é o Moscatel de Setúbal que
envelhece.
“As pessoas ou vêm pela parte víni-
ca ou pela arte”, explica-nos Ricardo
Gomes, director de enoturismo do
grupo, enquanto nos vai mostran-
PasseioSérie Fugas em Portugal IX: Estremadura
do os cantos à casa. A adega está à
espera das vindimas, as vinhas estão
na “fase de pintor” (o verde que ve-
mos em breve será preto), os jardins
pontuam-se de mais obras de arte —
incluindo naturais, como as oliveiras
milenares trazidas do Alqueva (entre
as quais se avistam arcos de pedra:
restos de uma antiga cervejaria vin-
dos de Lisboa) ou a Kaki, descen-
dente da única árvore sobrevivente
ao bombardeamento de Nagasaki.
Não natural é a Wall of Sound, obra
de William Furlong: duas paredes de
aço que se atravessam como se fora
uma selva — os sons estão todos lá. “É
muito assustador”, ouviremos a uma
miúda de um grupo escolar. “Tem
um som estranho”, completa outro.
Uma visita à Bacalhôa nesta região
não fi ca completa sem uma passa-
gem pela quinta homónima, em Vila
Fresca de Azeitão. Foi propriedade
da família real no século XV e talvez
tenha sido essa ligação que atraiu a
nobreza, que aqui instalou casas de
recreio, escondidas por detrás de
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 15
muros altos, algumas degradadas
(como o Paço dos Duques de Aveiro).
No interior do palácio, mais peças da
colecção de arte de Joe Berardo (pro-
prietário da Bacalhôa), incluindo um
raro piano contraforte; no exterior,
os jardins franceses contrastam com
o edifício de traça italiana, destacan-
do-se a loggia, onde o olhar vagueia
até ao tanque e junto ao qual se ergue
a “casa dos prazeres”, a casa do lago,
onde se encontram os azulejos mais
antigos da propriedade. As vinhas ro-
deiam o palácio — Cabernet e Merlot.
Na sede, a loja organiza provas de vi-
nho, com vista para o jardim japonês.
De cabo a caboDe Azeitão para a praia da Foz (Meco)
veio Pedro Martins e a família. A tar-
de já vai bem alta quando se prepara
para entrar na água, para duas ho-
ras de caça submarina. “Normal-
mente fi co três, quatro horas”, diz,
enquanto veste o fato de mergulho
na enorme plataforma rochosa que
antecede o areal, numa reentrância
entre arribas altas. “Eu e o meu ir-
mão fomos os primeiros a fazer surf
na praia das Bicas, aqui ao lado. Te-
mos fi lmes dos anos 1980. Descobri-
mos isto, tem vento sul, ondas boas.
Agora vem muita gente.” Estas são
as duas praias mais “escondidas” da
zona, onde o Meco e Alfarim atraem
as grandes multidões. Também por
isso gosta de caçar aqui, “há menos
gente” atrás dos “sargos, robalos,
safi o, um ou outro polvo”.
Mais a sul, o Cabo Espichel. Antes
dele, fazemos um desvio na estrada
solitária da serra da Azóia para se-
guirmos o percurso pedestre “Ma-
ravilhas do Cabo”. Damos por nós
num promontório a norte do cabo
num cenário primordial e belo: os
recortes da costa, a silhueta do san-
tuário, das hospedarias, da ermida
mesmo no topo da falésia (Pedra da
Mua) — e o trilho de dinossauros (que
não temos a certeza de descortinar)
na arriba, no fundo da qual se escon-
de uma praia de seixos e o esquele-
to queimado de um carro. Em volta
do santuário, mistura de línguas em
busca de fotografi as de cortar a res-
piração — excepto Ivo Pólvora e Cátia
Mestra, que posam calmamente nas
galerias da hospedaria (entaipada)
com o traje do casamento, que foi
um mês antes. “É um sítio fora do
normal”, dizem simplesmente, e
eles são de perto, do Barreiro. O fa-
rol está noutro promontório a sul e
está deserto.
Regressamos ao Cabo da Roca.
“Está sempre tanto frio”, comenta-
se com o vento a soprar de todos os
lados. O farol é secundário face aos
precipícios que rodeiam o cenário
onde a serra de Sintra encontra o
fi m do território europeu. As fotos
em torno do padrão exigem espera,
o que não sucede no penhasco que
parece possivelmente estreito, mas
onde um casal de noivos tira fotos
— são ingleses, vivem na Holanda e
casaram-se dias antes em Portugal.
“No fear”, afi rma o noivo. E se a noiva
nos parece hesitante, do alto das suas
sandálias brancas, vê-la-emos mais
tarde a tomar as vezes do fotógrafo,
saltando desempoeiradamente as
protecções de madeira. Todos con-
templam a cena e, por momentos,
as máquinas afastam-se da paisagem
para pousarem sobre o casal.
Menos radical é Rita Teixeira, que
encontramos na piscina oceânica das
Azenhas do Mar calmamente a ler
Esta série tem o patrocínio
No sentido dos ponteiros do relógio: a praia da Califórnia, em Sesimbra; o Cabo da Roca; os jardins da Bacalhôa; e o Palácio de Monserrate, em Sintra. Na página seguinte, o Castelo dos Mouros, também em Sintra
Estar no Alentejo com conforto e requinte.Lugar para descansar e fazer umas férias.Usufrua de uma boa gastronomia.
Casa dos CastelejosCASA DE CAMPO
www.casadoscastelejos.ptgeral@casadoscastelejos.pt
São Marcos da Atabueira. +351 969 489 844
gps 37º 40’ 22.43º N - 7º 53’ 15.75ª W
16 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
PasseioSérie Fugas em Portugal IX: Estremadura
Guia prático
ONDE DORMIR
Hotel do Sado Rua Irene Lisboa, 1Setúbal Tel.: 265 542 800Email: geral@hoteldosado.comwww.facebook.com/hoteldosado
Hotel dos Zimbros Facho de Azóia, Cabo Espichel SesimbraTel.: 210 405 470Email: hoteldoszimbros@gmail.comwww.hotelzimbros.com
Pestana Sintra Quinta da BelouraRua Mato da Mina, 19Sintra Tel.: 210 424 300 Email: guest@pestana.comwww.pestana.com
Lisboa
10 km
Rio Tejo
OCEANO ATLÂNTICO
Cabo da Roca
Sintra
Cabo Espichel
Sesimbra
SetúbalAzeitão
ONDE COMERDaisy Miller, de Henry James. Antes
de descermos a garganta até à beira-
mar, o miradouro dá-nos a melhor
vista sobre a aldeia que se desenvolve
em crescendo para terminar mesmo
em cima da falésia, povoada de casas
brancas (“impressionante” e “espec-
tacular”, repete um grupo de espa-
nhóis). O mar está bravo, o tempo
fechado — no mar, um body-boarder;
na piscina são mais os que fi cam nas
beiras. Uma família do Magoito que
sai para almoçar diz que “infelizmen-
te é muitas vezes assim [o tempo]”
; Rita é “do Norte”, está habituada.
Veio conhecer Sintra e já percorreu
a vila; agora são as praias.
Na estrada do sonhoEntre a vila e a costa, uma região que
já foi eminentemente agrícola, saloia.
Sucedem-se aldeias, pinheiros, moi-
nhos de vento, campos abandonados
entre muros de pedras arruinados.
Mas já quase ninguém trabalha na
agricultura, dizem-nos por todo o
lado. Susana Vicente, no Café Ma-
tias, em São João das Lampas, explica
como o pai, que foi cabouqueiro e
agora está reformado, passou a de-
dicar-se à terra. “Aprendeu com os
pais, viviam disso.” Como ele, muitos
com quem nos cruzamos em busca
da ponte romana da Catribana — o
último, José Tafulo, que vive em As-
safora, a algumas centenas de metros
dela. Não trabalha nos campos por-
que a saúde não permite, mas passou
muitos anos a trabalhar nas pedreiras
em volta, antes de arranjar trabalho
na câmara. Reformado, está sempre
disponível para conversas. “Quando
vim para cá, há 45 anos, a ponte es-
tava melhor. A terra começou a cres-
cer e os resguardos vieram abaixo.”
Quando, fi nalmente, encontramos
a ponte, é uma ruína que vemos.
“Monumento de interesse público,
em risco de colapso; projecto de
conservação e valorização”, lemos
numa placa.
Fechamos o círculo em Sintra. Na
vila velha abrimos caminho entre
hordas de turistas que ocupam as
ruelas principais, se sentam à som-
bra do Palácio da Vila (em obras), fa-
zem fi la em restaurantes e lojas, de
artesanato, de doces (a Periquita I e II
não pára), de vinhos. “Nestes dias, de
muita gente, não corre bem. Só vêm
passear”, nota Adriano, no umbral
da sua Porta 12, galeria e loja. Está no
átrio a pintar a Tina Turner — “Não
está a correr muito bem”, diz, entre
sorrisos. São os desenhos dos músi-
cos que têm mais saída — “o que tam-
bém é a minha praia, sou músico” —,
mas é a iconografi a portuguesa que
nos atrai a atenção, como Camões a
indagar “Has anyone seen my nymph”.Nas ruas passam coches a caminho
da serra, as bicicletas continuam dis-
poníveis para alugar. Pelas estradas
que abrem caminho sobre o manto
luxuriante de verde, são muitos os
caminhantes à conquista da serra
da Lua — mas são os carros que lhe
dominam as entranhas, despejando
visitantes para o Palácio da Pena e
Castelo dos Mouros. Há quem faça
desportos radicais e de slide dê a vol-
ta ao parque, mas as multidões cami-
nham compactas pelos dois monu-
mentos emblemáticos. Encontramos
um pouco de paz em Monserrate;
porém, há que confessá-lo, só con-
seguimos chegar quando o palácio
estava quase a fechar (os jardins fe-
cham mais tarde). Conseguimos visi-
tá-lo calmamente, percorrendo salas
preservadas e outras desgastadas,
fotografando os corredores em ar-
cos até à exaustão mas foi no parque
que nos demorámos, espreitando as
falsas ruínas da capela, desiludindo-
nos com a pouca água na cascata.
Mas, deitados no fundo do relvado,
entre árvores gigantescas e olhando
o lago de nenúfares, percebemos que
Sintra já nos havia surpreendido. “Na
estrada de Sintra, ou na estrada do
sonho, ou na estrada da vida...”, es-
creveu Pessoa — nós nem precisamos
do Chevrolet para o perceber.
Poço das FontainhasRua das Fontainhas, 98SetúbalTel.: 265 534 807www.pocodasfontainhas.com
O RodinhasRua Marques de Pombal 25SesimbraTel.: 212 231 557http://marisqueiraorodinhas.pt.vu
Colares Velho Largo Doutor Carlos França, 1/4 Colares, SintraTel.: 219 292 727Email: colaresvelho@mail.telepac.ptwww.facebook.com/RestauranteColaresVelho
O QUE FAZER
Ver roazes no SadoNão se sabe há quanto tempo esta espécie de golfinhos vive no Sado, mas estão para ficar e são uma das fontes da atracção da cidade de Setúbal e arredores — podem ser vistos também na costa da Arrábida e Tróia. Há empresas que organizam passeios.
Quinta do LapidárioEm Vila Nogueira de Azeitão, é fábrica de azulejos e casa de chá em parque luxuriante — para desfrutar da doçaria local, desde do queijo às tortas de Azeitão, sem esquecer o moscatel de Setúbal.
Rota dos Vinhos de SetúbalDas Caves José Maria da Fonseca à Quinta de Catralvos, o enoturismo oferece-se na órbita de Azeitão.
SintraA Quinta da Regaleira, o Palácio de Seteais e o Convento dos Capuchos fazem parte do roteiro obrigatório.
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18 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
ViagemSingapura
A cabeça do leão que pensa como um tigre O microestado, com os seus 700 km2 e a segunda maior densidade populacional do mundo, celebra hoje 50 anos de independência do Império Britânico, um período de prosperidade que conduziu esta ilha na senda do progresso económico e para um patamar de excelência de fazer inveja a muitos dos vizinhos do sudeste asiático.
Sabe o que signifi ca Singapura?
Eu conhecia a resposta mas, adi-
vinhando a fome de conversa do
homem que, sentado ao meu lado,
no confortável Airbus da Singapore
Airlines, sorvia com prazer o seu se-
gundo whisky, deixei passar a men-
sagem de ignorância e fi tei-o interro-
gativo na esperança de, ainda assim,
ampliar os meus conhecimentos
sobre a cidade que é uma ilha e, ao
mesmo tempo, um estado.
- Singapura quer dizer…
As palavras foram entrecortadas
pela voz do comandante que anun-
ciava, para daí a 40 minutos, a ater-
ragem no aeroporto internacional
de Chanji. O homem bebeu mais
um gole, lançou um olhar através
da moldura da janela e, fi nalmente,
retomou a explicação:
- Quer dizer… cidade do leão.
Ele observou a minha expressão
admirativa em silêncio e, pensava
já eu que a conversa se fi caria por
ali, quando, subitamente, come-
çou a dissertar sobre a etimologia
da palavra:
- Singapura deriva do sânscrito,
não se sabe ao certo se de Simhapu-
ra ou Singhapura. Mas não o abor-
reço mais. Desfrute o seu tempo e
não se deixe infl uenciar pela ideia
generalizada de que Singapura não
é mais do que um paraíso para com-
pras. Vai fi car por muito tempo?
Respondi, com um sorriso, que
planeava permanecer três dias e,
depois de viajar pela Malásia e o
Brunei, outros três.
- É o ideal. Terá oportunidade de
conhecer numerosos recantos que
escapam ao turista apressado. Cami-
nhe serenamente pela Little India,
pela China Town e por Kampong
Glam. São os lugares mais genuínos,
mais coloridos, mais ricos em histó-
ria, lugares que conheceram poucas
alterações ao longo dos anos e que
são o espelho de uma cidade que
abriga distintas culturas e etnias.
De uma forma suave, o avião faz-se
à pista e, à minha esquerda, pers-
cruto um trecho do céu azul, como
o prenúncio de um dia radioso. Des-
peço-me com um aperto de mão e,
uns minutos depois, bem desperto,
caminho sobre alcatifa, dando por
mim a pensar que, se a primeira ima-
gem de um país, por mais errónea
que possa ser, é a do aeroporto, o
de Chanji, por onde passam, anual-
mente, mais de 40 milhões de pas-
sageiros, foi construído à medida da
importância de Singapura. A organi-
zação raia a perfeição, a celeridade
de processos, desde a recolha de ba-
gagens às burocracias alfandegárias,
conduz-me rapidamente para uma
porta que se abre deixando entrar o
ar impregnado de calor e humidade,
como uma bofetada violenta a dar as
boas-vindas ao viajante. De autocar-
ro, cruzo as ruas limpas da cidade,
vejo passar árvores e jardins viçosos,
casas coloniais que se encolhem pe-
rante arranha-céus e, à distância, o
mar que rebrilha e cujas águas são
sulcadas por cargueiros e pequenas
embarcações sobre as quais incidem
os primeiros e pálidos raios matinais.
Selva e pesca“É impossível conceber um lugar
que combine mais vantagens… É o
Sousa Ribeiro
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 19
mentais em redor de Forbidden
Hill (hoje designada Fort Canning
Hill). Para dar corpo à visão futura
de “um lugar de considerável mag-
nitude e importância”, Raffl es foi o
mentor de um projecto urbanístico
que englobava ruas largas bordeja-
das de lojas de comércio e passeios
cobertos, estaleiros navais, igrejas
e até um jardim botânico, obras
que transformaram radicalmente
a paisagem de Singapura.
O diagrama de Raffl es abrangia
igualmente a prática colonialista de
administrar a população de acordo
com a categoria racial, com euro-
peus, indianos, chineses e malaios
a viver e a trabalhar nos seus dife-
rentes bairros, um ordenamento
que foi posto em causa na sequên-
cia dos graves acontecimentos que
mancharam de sangue o território
em 1964, um ano antes de aban-
donar a Federação da Malásia. Os
tumultos mortais que opuseram
chineses a malaios, em parte pro-
vocados pela recusa de Singapura
em alargar privilégios constitucio-
nais aos malaios residentes na ilha,
marcaram profundamente o tecido
social e tiveram eco nos vinte anos
que se seguiram, com manifesta-
ções esporádicas de um certo his-
terismo colectivo.
centro dos países malaios”, escre-
veu, maravilhado, Sir Thomas Sta-
mford Raffl es em 1819, poucos dias
após ter posto pela primeira vez os
pés na lama, obcecado com a ideia
de transformar a ilha num dos bas-
tiões do Império Britânico. Com a
morte, por esses dias, do sultão de
Johor, cujo império integrava o ter-
ritório de Singapura, foi o fi lho mais
novo que, aproveitando a ausência
do irmão mais velho, assumiu o po-
der, estabelecendo um pacto com
os holandeses. Raffl es, desejoso
de garantir direitos de exploração
aos ingleses, transformando a ilha
num entreposto avançado de co-
mércio, apoiou o regresso do fi lho
mais velho do sultão, elevando-o
a esse estatuto e obtendo, em tro-
ca, a assinatura de um tratado que
conferia ao Império Britânico total
soberania sobre os negócios que já
se perspectivam no horizonte dos
colonizadores.
Nesses primeiros anos do século
XIX, Singapura, com um enorme
potencial devido à sua posição
geográfi ca, no extremo sul do es-
treito de Malaca, não era mais do
que um pântano inóspito rodeado
de selva densa e habitado apenas
por 150 pescadores e um ainda
mais reduzido número de agricul-
tores chineses. De regresso ao seu
entreposto, em Bencoolen, na ilha
de Sumatra (Indonésia), Raffles
deixou instruções precisas para
transformar Singapura em porto
livre, tarefa da qual se encarregou
com sucesso o novo Residente Bri-
tânico, Coronel William Farquhar.
Três anos mais tarde, em 1822, Ra-
ffl es estava de volta a Singapura,
assumindo a governação da ilha e
traçando um plano da cidade que
compreendia o nivelamento de
uma colina de modo a criar um
distrito comercial (presentemen-
te conhecido por Raffl es Place) e
a construção de edifícios governa-
Marina Bay (foto à esquerda) é uma das zonas mais procuradas pelos turistas; à direita, Little India, espaço privilegiado de negócios da comunidade indiana e um mundo à parte em Singapura
AVANTIKA GANJOO / REUTERSEDGAR SU / REUTERS
20 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
A vida em blocosHoje, os ânimos estão apaziguados
num país que se pode considerar,
sem qualquer ponta de exagero,
um paraíso do conformismo e onde
reina uma democracia autoritária
(a título de exemplo, a tentativa de
suicídio implica o cumprimento de
uma pena de prisão). Ainda assim, no
meio desta serenidade, as clivagens
permanecem intactas: a população
da ilha, aproximadamente cinco mi-
lhões, divide-se entre chineses (77%),
malaios (14%), indianos (8%) e expa-
triados e mão-de-obra proveniente
do sudeste asiático (1%). No sentido
de garantir a paz social, o Estado,
que controla em grande escala o
liberalismo económico, ordenou a
construção de imóveis (é importan-
te não esquecer a difi culdade que
consiste em abrigar cinco milhões
em 700 km2 e que Singapura tem a
segunda maior densidade populacio-
nal do mundo, apenas superada pelo
Mónaco), os famosos HDB, acrónimo
de Housing & Development Board, e
cujos residentes são divididos atra-
vés de um sistema de quotas étnicas
tendo em conta a média nacional,
uma medida que fomenta a interac-
ção social e atenua a possibilidade
de segregação racial ou de criação
de enclaves ou guetos, tão comum
noutros países.
Cada bloco funciona de forma in-
dependente, com um espaço para
a prática do desporto, jardim-de-
infância, ginásio, supermercado,
restaurante, um conjunto de facili-
dades (em contraste com os inestéti-
cos prédios construídos na década de
1960) que serve de base para o epí-
teto de “Cidade Radiosa”. Se o con-
vívio social é uma regra importante,
exaltando valores como respeito mú-
tuo, afecto, piedade, solidariedade
e responsabilidade, a mistura do
ponto de vista cultural é, aos olhos
do Estado, uma situação a evitar – e
não é por acaso que os lugares de
culto são proibidos (tal como o véu
muçulmano nas escolas públicas)
e os cemitérios comuns a todas as
religiões nestes grupos de imóveis
onde nem sequer falta um espaço
para a celebração de matrimónios e
organizações de caridade que assis-
tem os desfavorecidos e substituem
o Estado em matéria de protecção so-
cial. Dentro de casa – tanto pode ser
um estúdio como um apartamento
de cinco assoalhadas, comprado ou
arrendado – cada um tem o direito
de expressar livremente a sua fé e
de viver como bem entender; uma
vez transposta a porta, as inúmeras
câmaras de vigilância nos extensos
corredores (e até nos elevadores)
estão ali para confi rmar que a lista
de proibições é religiosamente cum-
prida (e dela constam fumar, comer,
atirar lixo para o chão, cães, gatos,
bicicletas, skates, etc).
Contendo este modo de vida aspec-
tos positivos e negativos, a verdade é
que mais de 80% da população recor-
re a este serviço público e, por para-
doxal que possa parecer, são muito
poucos, mesmo muito poucos, os que
vivem abaixo do limiar da pobreza.
Grande Little IndiaPerante uma tal febre de constru-
ção, poucos foram os bairros que re-
sistiram à megalomania dos agentes
imobiliários. As excepções, como
oásis em desertos, com as suas ca-
sas baixas, são China Town, Raffl es,
Kampong Glam e Little India. A meio
da manhã, já sob um sol inclemente
ávido de incendiar a Terra, vagueio
pelas ruas desta última, tão cheias de
alma e de tonalidades, deliciando-
me com os aromas que remetem a
minha memória para lugares menos
cosmopolitas mas mais exóticos. O
espaço privilegiado de negócios da
comunidade indiana, originalmente
um enclave europeu, é um mundo
aparte de Singapura, o lugar para
onde converge a mão-de-obra barata
vinda não só da Índia como do Ban-
gladesh e do Sri Lanka para executar
trabalhos de construção que os ci-
dadãos locais se recusam a aceitar.
Little India, com os seus templos
multicoloridos – como o Sri Veera-
makaliamman, dedicado a Kali, o Sri
Srinivasa Perumal, de onde parte o
desfi le para o Chettiar Hindu Tem-
ple durante o festival Thaipusam, e
o Sakaya Muni Buddha Gaya, mais
conhecido como o templo das mil
luzes e onde pontifi ca um buda com
15 metros de altura e o impressionan-
te peso de 300 toneladas –, os seus
restaurantes, o incessante formiguei-
ro humano e as suas lojas cheias de
identidade é o lugar, em toda a ci-
dade, onde a vida dá ares de correr
mais devagar, o lugar que mais des-
perta os sentidos do viandante, como
se, de repente, deixando para trás
os prédios que se erguem nos céus,
um passado intangível o envolves-
ViagemSingapura
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 21
rista pode sempre fl anquear as por-
tas de templos, igrejas e mesquitas –
e por ali permanecer, contemplando,
meditando. É o que faço a meio da
tarde na Mesquita do Sultão, erran-
do por este espaço onde cabem três
mil fi éis e cuja construção remonta a
1825 (cem anos mais tarde haveria de
ser substituída por uma outra) antes
de sair para a rua e, sentado num
café, olhar a cúpula dourada con-
tra o céu azul. A Arab Street, com as
suas palmeiras e casas de cores gar-
ridas, estendendo-se de um lado e
se, matizando-o de uma melancolia
nostálgica.
Um raio de luz é fi ltrado pela ja-
nela e incide sobre o homem que,
totalmente compenetrado, deixa os
olhos correr pelas páginas do Corão.
Se Little India é o coração dos hin-
dus e dos sikhs, Kampong Glam é
terreno fértil para os muçulmanos
nesta ilha onde as diferentes religi-
ões (budismo, hinduísmo, islamismo
e cristianismo) convivem em perfeita
harmonia. Desde que essa seja a sua
vontade e o faça com respeito, o tu-
do outro, é uma das zonas que mais
singularidade expressa em toda a ci-
dade; se, durante o dia, nos invade
com a sua paz apaziguadora, à noite,
mal o crepúsculo se anuncia, pulsa
plena de vibração, com os seus bares
e restaurantes turcos e egípcios, as
suas lojas e as suas gentes tão distin-
tas, caminhando para cá e para lá.
A cidade da arteA manhã desperta sob um céu plúm-
beo e as águas do rio Singapura, que
divide o Distrito Colonial do Central
Business District e é, ainda hoje, mais
de um século depois, a principal via
de comércio da cidade-estado, reve-
lam um brilho triste que os barcos
coloridos atenuam, conferindo ao
Boat Quay uma puerilidade que re-
sulta da comparação com as torres
assustadoramente gigantes que se
erguem como pano de fundo. Até
1960 o principal centro de comércio
de Singapura, vinte anos mais tarde
pouco mais restava do que as ruínas
de uma época de esplendor, levando
o governo a avançar com um plano
de restauração e a declarar o Boat
Quay como área protegida. Bares e
restaurantes, com fachadas de cores
fortes, atraem actualmente, mal os
escritórios da CBD encerram as suas
portas, sequiosos homens de negó-
cios em busca de um momento de
descontracção, escutando o suave
murmúrio da corrente na antecâma-
ra de uma paz crepuscular.
As nuvens são varridas e, mal po-
nho o pé em Clarke Quay, já os raios
de sol fustigam tudo à sua volta. As-
sim designado em homenagem a Sir
Andrew Clarke, o segundo gover-
nador colonial de Singapura, este
cais tem sofrido várias mudanças
nos últimos 50 anos, ora como meca
de compras, ora como, de há sete
anos a esta parte, área de entreteni-
mento, onde a sede de beber é mais
forte do que a sede de comprar. Mas
Clarke Quay distingue-se ainda por
ser o espaço onde excêntricos de-
signers têm carta branca para dar
corpo aos seus projectos mais ex-
travagantes. Famosa por ser uma
cidade que apela ao consumo (ao
turista que chega ao aeroporto não é
imposto qualquer limite de dinheiro
para entrar no país) Singapura tem-
se destacado, nos últimos anos, no
âmbito das artes. O governo incen-
tiva a criatividade e multiplica os lo-
cais de difusão cultural, recorrendo
às enormes infraestruturas públicas
para proporcionar exposições, fi l-
mes, espectáculos de dança, desfi les
de moda e peças de teatro, todos
eles com entrada gratuita.
Inaugurada em 2002 e com um
custo total de 350 milhões de euros,
a Esplanade-Theatres on the Bay é o
melhor exemplo da Singapura con-
temporânea, embora concorrendo
com o recentemente inaugurado
Marina Bay Sands SkyPark, com os
seus duzentos metros de altura em
forma de barco. No início alvo de
Se Little India é o coração dos hindus e dos sikhs, Kampong Glam é terreno fértil para os muçulmanos nesta ilha onde as diferentes religiões convivem em perfeita harmonia
No sentido dos ponteiros do relógio: a ponte sobre o rio, aqui palco da celebração do Ano Novo chinês; a piscina panorâmica do Sands Skypark; um dos edifícios construídos ao abrigo do programa HDB; e Boat Quay, que até aos anos 1960 foi o principal centro de comércio de Singapura
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REUTERS/RINA OTA
VIVEK PRAKASH / REUTERS
22 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
forte controvérsia, o edifício que pri-
vilegia a maximização de luz natural
e se assemelha a um enorme durian,
considerado o rei dos frutos tropi-
cais no sudeste asiático, abriga sob
as suas cúpulas um teatro italiano
com capacidade para duas mil pes-
soas, um auditório com 1600 lugares
e outras duas salas onde cabem 500
espectadores, espaços com perfor-mances nacionais e internacionais
permanentes (algumas no exterior)
e vizinhos de alguns dos melhores
restaurantes de Singapura.
Na verdade, foram necessários al-
guns anos para os locais aceitarem
o gigante durian como parte da pai-
sagem da cidade e hoje, mais de dez
anos decorridos sobre a abertura
ofi cial, é o palco por onde uma gran-
de maioria, especialmente casais de
namorados, gosta de se passear, des-
frutando dos amplos terraços para
deitar um olhar ao Mar da China,
onde agora o sol mergulha e acelera
a minha vontade de me sentar tran-
quilamente no bar do Raffl es Hotel
com uma ideia na mente:
- A Singapore Sling, please!
A força do tigreSe recuarmos menos de 70 anos,
quando a bandeira inglesa ainda
drapejava ao vento, Singapura, com
uma população que não ultrapas-
sava os 700 mil habitantes, não era
mais do que uma pequena metrópo-
le portuária, com as suas sampanas,
mercados ambulantes e uma vasta
área insalubre. Colónia inglesa até
1959, tornou-se autónoma nesse
mesmo ano, cabendo ao Partido de
Acção Popular (PAP) – partido úni-
co e ainda hoje no poder – dotar o
território de uma nova constituição.
Conquistada a independência de In-
glaterra, faz hoje, dia 31 de Agosto,
precisamente 50 anos, deu início,
pela mão do Grande Timoneiro, Lee
Kwan Yew, primeiro-ministro até
1990 que foi substituído pelo fi lho,
Lee Hsien Loon, ao milagre socioe-
conómico que faz da cidade-estado
uma referência na Ásia e no mundo.
Exceptuando alguns altos e bai-
xos, como a invasão japonesa du-
rante a II Guerra Mundial, a ilha tem
prosperado como o mais importante
eixo do comércio livre no sudeste
asiático (nenhum porto se equipa-
ra ao de Singapura). Embora tenha
sentido os efeitos da crise económi-
ca mundial, em 2009, o forte estí-
mulo proporcionado pelo governo
relançou de novo a economia e,
actualmente, Singapura ostenta o
estatuto de um dos PIB per capita
mais elevados do mundo, o país é
sinónimo de riqueza e de progresso,
de ausência de corrupção e de emi-
ViagemSingapura
Guia prático
TAILÂNDIA
OCEANOÍNDICO
INDONÉSIA
CAMBOJA
LAOS
MALÁSIA
VIETNAME
SINGAPURA
QUANDO IR
O calor e a humidade dominam o dia-a-dia de Singapura, situado a apenas 90 quilómetros da linha do Equador. Ao longo do ano, a temperatura nunca se situa abaixo dos 20 graus e são poucos os dias em que não atinge os 30. Tão rapidamente o turista é envolvido por uma chuva torrencial, como, poucos minutos depois, por um sol radioso. Durante a época das chuvas, entre Novembro e Janeiro, a precipitação ocorre diariamente e a temporada mais seca vai de Maio a Julho.
COMO IR
A melhor tarifa entre Lisboa e Singapura, tendo como referência a segunda quinzena de Setembro, é oferecida pela Lufthansa. A companhia aérea alemã liga as duas cidades, com uma curta escala em Frankfurt, por 778 euros, valor idêntico ao que é proporcionado pela KLM, com a agravante de obrigar a uma escala de nove horas em Amesterdão e seis em Paris (o voo de regresso é operado pela Air France). É também possível utilizar, partindo da capital portuguesa, os serviços da Emirates ou da Qatar Airways, se bem que esta última tem o inconveniente de efectuar duas escalas antes de atingir o destino (em Madrid ou Barcelona e em Doha), enquanto a primeira permite ligar Lisboa ao Dubai e, após uma breve paragem de duas horas, cumprir a última etapa do percurso. A Emirates cobra pouco mais de 820 euros, ao passo que a Qatar Airways não ultrapassa os 790.
O QUE FAZER
Singapura é uma cidade que, não obstante a sua reduzida área, oferece ao turista múltiplas opções. Tornar-se-ia exaustivo fazer referência a todos os lugares de interesse mas alguns são absolutamente imperdíveis. É o caso, por exemplo, do Museu das Civilizações Asiáticas (1 Empress Place), uma viagem ao longo de dez galerias temáticas que focam aspectos tradicionais da cultura pan-asiática, religião e civilização, com delicados artefactos do sudeste asiático, do Sri Lanka, da China, da Índia e até da Turquia, bem como uma mostra do Islamismo e da sua influência na região.
Se tiver roupa apropriada (não pense em ir de calções e havaianas), recomenda-se uma visita ao Raff les Hotel, uma instituição e um ícone da arquitectura colonial que, graças aos irmãos Sarkies, oriundos da Arménia, abriu as suas portas em 1887. Nesses anos longínquos resumia-se a um modesto bungalow com dez quartos; doze anos mais tarde era já sinónimo de opulência oriental, atraindo a elite inglesa e figuras da literatura como Somerset Maugham. No Raff les nasceu o famoso Singapore Sling, cocktail inventado pelo empregado de bar Ngiam Tong Boon; sob a sala
gração selectiva, de um desenvolvi-
mento sustentável. Caminhando pe-
las ruas, conversando aqui e acolá,
percebe-se facilmente que os cida-
dãos locais sentem orgulho por tudo
o que foi conseguido em tão poucos
anos de existência. Trabalhadores
laboriosos, os singapurenses pro-
jectam uma imagem de afabilidade
e de educação, uma das prioridades
do estado, e ao mesmo tempo uma
vontade enorme de participar no
desenvolvimento do país, com a
criação de indústrias pioneiras em
áreas como a biologia, a medicina
e o estudo do genoma humano (na
Biopolis, centro de pesquisa e desen-
volvimento, trabalham mais de dois
mil investigadores), mas também no
campo das telecomunicações.
A tarde, como o país, avança ra-
pidamente. Sento-me à espera que
o sol se ponha e as luzes se acen-
dam, espalhando o seu refl exo pe-
las águas. E, em voz baixa, divago,
tentando encontrar ainda mais ex-
plicações para a pujança económica
deste microestado que se conver-
teu num dos cinco tigres da Ásia.
Ao meu lado, está o Merlion, uma
estátua híbrida, com cauda de sereia
e uma cabeça de leão que jorra água
pela boca.
Em que fi camos? É a cidade do
leão ou a cidade do tigre?
REU
TERS
/JO
NAT
HA
N D
RAKE
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 23
Mais viagens emfugas.publico.pt/
de bilhar foi abatido, em 1902, o último tigre de Singapura. Após um período de decadência, entre 1970 e 1990, reabriu as suas portas de cara lavada – o que quer dizer após obras com um custo global de aproximadamente cem milhões de euros. Antes ou depois de um copo, vale a pena dar uma espreitadela no Raff les Museum, aberto das 10h às 22h e com entrada livre.
Mais recente (inaugurado em 2008), e não menos interessante, é o Museu Peranakan (39 Armenian Street), um testamento da cultura Peranakan (chineses nascidos no estreito), mescla de objectos e de exibições interactivas, incluindo um diorama de uma casa tradicional suportado por uma montagem de vídeo em que dois idosos discutem até que ponto os seus descendentes irão ou não preservar cultura e tradições. Para uma visão mais próxima e real do modo de vida desta comunidade ligada à história das origens de Singapura, o melhor mesmo é perder-se pelo Katong District, admirando as suas casas com terraços, decoradas com requintados colunas em estuque, dragões, pássaros e soberbos ladrilhos vítreos. Esta área permite também ao viajante provar alguma da gastronomia típica e ver de perto como se fazem as bonitas blusas ao estilo Nonya.
Crianças – mas também adultos – ficarão deleitados com uma experiência em Sentosa Island, a apenas 500 metros da costa sul de Singapura, um resort de luxo (Parque Temático da Universal Studios, Underwater World, cujo preço de entrada inclui a admissão à baía dos golfinhos, e uma extraordinária panorâmica desde o Merlion, uma estátua com quase 40 metros de altura) utilizado pelos ingleses como fortaleza militar no final do século XIX; para os admiradores de pássaros, recomenda-se o Jurong Bird Park (2 Jurong Hill), com mais de 600 espécies, 30 das quais em vias de extinção; para os amantes da natureza, os Jardins Botânicos (que acolhe também o Jardim Nacional das Orquídeas, planta
Road Food Centre, entre outros), onde a qualidade do que se come vale bem a pena o preço (muito em conta) que paga. Em Kampong Glam, é impensável não visitar o Zam Zam (699 North Bridge Road), uma verdadeira instituição aqui instalada desde 1908 e onde os martabaks (pão achatado com carneiro, frango ou legumes) são uma permanente tentação. Na Little India, perante a enorme oferta, a dificuldade reside na escolha mas o viajante não se irá arrepender quando, depois de ser recebido calorosamente, provar as delícias do Spice Queen (caril de cabeça de peixe, entre tantas outras), com a assinatura da chef Devagi Sammugam, a cozinhar há mais de 30 anos. O restaurante fica situado na 24/26 Race Course Road e é possível adquirir um livro de receitas ou participar, mediante inscrição, num curso
simbólica da cidade-estado, com mais de 60 mil exemplares) e o Jardim Zoológico, com 26 hectares e sem uma única jaula (há mais de dois mil animais e todos parecem felizes), um exemplo para muitas cidades do mundo. Para quem gosta de aventura, um dos pontos altos em Singapura é um safari nocturno. Se apostar numa panorâmica de 360 graus, o Marina Bay Sands SkyPark ou o Singapore Flyer são as opções a ter conta. A visita não ficará completa sem uma subida ao Monte Faber e, para quem não resiste ao consumismo, à Orchard Road, com os seus megalómanos centros comerciais. Se esse não é um dos seus desportos preferidos, interne-se pela encantadora Emerald Hill, com as suas casas majestosas, e sinta o pulsar sereno desta artéria.
fernloft.com), em China Town e na Little India, oferece camas em dormitórios por apenas 12 euros ou um duplo por menos de 40 euros. Situado a apenas 50 metros do Bugis MRT (1628 Rochor Road), o Bugis Backpackers Hostel também pratica preços acessíveis (entre 15 e 40 euros) e um conjunto de facilidades, a começar pela localização. O Bugis, a funcionar desde 2006, aceita reserva exclusivamente através do site oficial (www.bugisbackpackers.com).
ONDE COMER
de culinária. Em China Town, os apreciadores da gastronomia de Sichuan não se sentirão defraudados com o banquete que lhes é oferecido no Chuan Jiang Hao Zi (12 Smith Street), especializado em comida a vapor (na prática dois recipientes com um caldo, um deles picante, onde deverá colocar o que mais lhe agradar, carne, peixe, marisco e legumes.
Singapura é uma das melhores cidades do mundo para saciar o apetite e não é por acaso que comer (a par das compras) é um dos desportos preferidos dos locais. Do mais barato ao mais caro, do mais básico ao mais sofisticado, são poucas as gastronomias mundiais que não estão representadas nesta ilha. Ainda assim, a melhor e mais deliciosa experiência passa por uma visita a um centro de vendedores ambulantes (China Town Complex, Chomp Chomp, Lavender Food Center e Adam
ONDE DORMIR
O Raff les Hotel (www.raff leshotel.com, em baixo, na foto), um grande palácio em estilo colonial, é a primeira opção para quem procura viver uma experiência única num espaço repleto de história – e talvez o preço pago por uma noite (entre 580 e 4650 euros) também fique para a história do turista.
Mas, a despeito de encontrar um quarto vago ser, por vezes, uma tarefa complicada, Singapura tem alternativas para todas as carteiras e uma das mais credíveis, pela relação preço-qualidade (entre 90 e 120 euros), passa pelo antigo Perak Lodge, agora pomposamente designado Perak Hotel (www.perakhotelsingapore.com), situado no coração da Little India. Também por cerca de 120 euros pode instalar-se no cómodo Duxton (www.theduxton.sg), localizado em Tanjong Pagar, próximo do CBD. Entre as opções mais em conta, o Fern Loft (www.
INFORMAÇÕES
Para visitar Singapura é necessário apenas um passaporte com validade de seis meses. O visto, sem qualquer encargo, pode ser obtido no aeroporto, à chegada, ou em qualquer fronteira, garantindo uma permanência de 30 dias na ilha (em alguns casos, mas somente nas fronteiras terrestres, pode não exceder as duas semanas, uma situação facilmente contornável com uma breve visita à vizinha Malásia e o posterior regresso a Singapura).
É importante notar que a lei é extremamente dura e que a posse de droga é punida com uma longa pena de prisão. Num país com fracos índices de corrupção, o tráfico de estupefacientes equivale à pena de morte. Fumar em locais públicos é expressamente proibido (a multa pode ascender a 300 euros), bem como atravessar a menos de 50 metros da passadeira (30 euros) ou atirar lixo para o chão (600 euros). Estas e outras regras, por norma respeitadas por turistas e locais, fazem de Singapura um dos países mais seguros e mais limpos do mundo.
Um dólar de Singapura equivale a aproximadamente 60 cêntimos e é preferível recorrer às casas de câmbio, uma vez que a maior parte dos bancos cobra uma taxa de três euros por cada operação efectuada. A diferença horária entre Portugal e Singapura é de sete horas no Verão e de oito no Inverno.
REUTERS/VIVEK PRAKASH
REUTERS/TIM CHONG
24 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
DormirQuinta do Cão
Com os pés no Douro,
a gozar o silêncioNão é fácil chegar à Quinta do
Cão, mas depois de lá estar não vai querer sair. O silêncio, a piscina, o rio, os terraços ou
os campos de jogos ajudam--no a gastar energias ou a
prolongar a preguiça. Dormir, então, é um sossego.
Chegamos ao fi nal da
tarde, quando o sol ainda não se es-
condeu por trás das encostas (mas es-
tá quase, quase a fazê-lo) e os barcos
já não passam pelo Douro, rio acima,
rio abaixo. Mas é ele que nos atrai,
de imediato. Deixamos a casa para
depois e descemos até ao rio, para
molhar os pés. A água é escura, pro-
funda e está morna, morninha. Respi-
ramos fundo e escutamos o silêncio.
Aqui é possível esquecer o mundo.
Chegar à Quinta do Cão dá algum
trabalho. A página da Internet do es-
paço dá instruções precisas para não
nos perdermos, no caminho do Porto
até à freguesia de São Lourenço do
Douro, no Marco de Canaveses, mas,
mesmo depois da última placa azul
que indica a presença da quinta, se-
guimos com algumas dúvidas. A es-
trada é estreita (não se cruzam dois
carros, apesar de ter dois sentidos) e
parece estar sempre a terminar logo
ali à frente, deixando-nos num ca-
minho sem saída. Assim que o carro
avança mais um pouco, percebemos
que afi nal o caminho continua, sem-
pre a descer, até ao portão largo que
indica que, agora sim, chegamos.
Pedro Pinto e a esposa compraram
a Quinta do Cão em 1995, para uso
familiar. Na altura, a quinta era “só
quase um terreno, com algumas me-
mórias de casas”, recorda o empre-
sário. Tudo foi, por isso, construído
de novo, reutilizando a pedra local,
organizando os socalcos para que al-
bergassem, em cada um dos seus pa-
tamares, mais um espaço dedicado
ao lazer, abrindo caminho à piscina
com vista sobre o rio. Pedro, a mu-
lher e os dois fi lhos gozavam da casa
quando podiam, mas perceberam
rapidamente que “não fazia sentido
não a partilhar com outros”. Foram
convidados amigos e familiares e o
projecto de criar uma unidade de Tu-
rismo em Espaço Rural ganhou força
com a proximidade do Euro 2004.
“Percebemos que havia alguma es-
cassez de alojamento e desafi aram-
nos a abrir as portas. As primeiras
pessoas que recebemos acabaram
por ser pessoas que andavam pelo
Porto, Aveiro e Guimarães, a ver os
Patrícia Carvalho
FOTOS DR
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 25
jogos dos seus países”, diz.
À quinta chega-se pela estrada,
mas também pelo rio. Lá em baixo,
há um pequeno ancoradouro em
frente ao qual desfi lam, ao longo do
dia, os cruzeiros do Douro, em direc-
ção à Régua, pequenas embarcações
de recreio, algumas canoas e até um
barco rabelo. Exceptuando o ruído
dos motores desses barcos, parece
que não há som que chegue ali para
perturbar quem procura o descanso.
E ele pode ser gozado de diferentes
maneiras. Nos quartos, sem televi-
são (embora isto seja um desperdí-
cio, porque lá fora é muito melhor).
Nas espreguiçadeiras junto à piscina.
Na piscina, a olhar o Douro. Na sala
de estar, a ver televisão, a jogar xa-
drez, ler uma revista ou a jogar às
cartas. No terraço amplo, sentados
num pouff , a ler um livro. Nos bancos
junto à gaiola gigante, com pássaros
esvoaçantes e coloridos por perto e
uma fonte por companhia. A subtrair
uns morangos doces e vermelhos dos
vasos gigantes junto à esplanada da
sala de refeições. A ver se as maçãs
já estão boas para comer ou a pen-
sar que no Outono também há-de ser
bom vir até aqui e poder apanhar as
castanhas que já se desenham dentro
dos ouriços ainda verdes.
Mas se tanto descanso já o cansa,
não faz mal. Pode descer ao último
piso da casa principal — que, graças
aos socalcos, também tem diferentes
andares e saídas — e jogar snooker.
Ou procurar, perto da piscina, o re-
canto abrigado com mesa de matra-
quilhos ou pingue-pongue. Ou im-
provisar uma partida de bowling com
os pinos de madeira arrumados a um
canto. Ou subir a encosta e utilizar o
court de ténis, que também tem um
cesto de basquetebol e balizas para
improvisar outros jogos. Ou, fi nal-
mente, subir um pouco mais e deixar
as crianças gastarem as energias no
parque infantil da quinta.
Chegar ali pode não ser demasiado
fácil, mas a verdade é que também
não terá muitas razões para querer
sair. As refeições são confeccionadas
no local, mediante marcação, ou, se
preferir, há um churrasco à dispo-
sição, perto da piscina. Ao almoço,
sugerem-se refeições leves (para que
se possa regressar à piscina o mais
depressa possível) e Cristina, que
toma conta da casa, pergunta-nos o
que preferimos, porque vai sair para
as compras e pode assim “orientar-
se”. Uma salada e uma baguete de
atum, com tomate vermelhinho, ovo
e alface, deixam-nos satisfeitos. O ba-
calhau com puré e salada, à noite,
seguidos de fi gos, mousse de man-
ga ou gelado com bolacha pedia um
passeio nocturno, que acabamos por
não dar, prolongando a conversa à
volta da mesa de madeira.
Não foi difícil adormecer. O silên-
cio foi, quase sempre, total. É certo
que um galo cantou cedo, cumprindo
a tradição de anunciar que o dia es-
tava a nascer, mas não fez mal. Cães
a ladrar também não havia. Aliás,
na Quinta do Cão, o que mais vimos
foram gatos, pachorrentos e silen-
ciosos, estendidos à sombra. Acor-
damos devagar, preguiçosamente. Se
tivéssemos uma semana e livros por
companhia, não custaria nada deixar
que o mundo se esquecesse de nós,
neste recanto do Douro. Nós de cer-
teza que nos esqueceríamos dele.
A Fugas esteve alojada a convite da Quinta do Cão
COMO IR
QUINTA DO CÃO
Rua da Foz, 648São Lourenço do Douro4624-531 Marco de CanavesesTel.: 255 582 703Email: info@quintadocao.comwww.quintadocao.comGPS: 41.09402; -8.188505
A Quinta do Cão tem três quartos duplos e dois quartos familiares. Estes últimos ficam fora da casa principal e podem albergar quatro pessoas cada. O preço, com pequeno-almoço, é de 110 euros por quarto duplo e 160 por
quarto familiar. Uma cama extra custa 25 euros. A Quinta do Cão fecha as portas de Novembro a Janeiro, mas abre, para os interessados, para o Natal e Ano Novo. Os preços, nestes casos, são sob consulta.
Siga pela A4 e abandone a auto-estrada na saída que indica Penafiel Sul/Entre-os-Rios. O caminho segue depois pela EN106, sempre em direcção a Entre-os-Rios e, depois, Alpendurada. A seguir, há-de aparecer uma indicação para a Régua (EN 198) e é por aí que quer aí. Ao quilómetro 51, depois da freguesia de Magrelos, encontra as placas azuis que indicam a quinta. Siga-as, é sempre a descer, até ao portão largo que indica o fim da viagem.
Construída para ser uma casa de família, a Quinta do Cão está decorada para o mesmo efeito. Nenhum espaço é igual ao outro, há peças de arte espalhadas por toda a casa, que os donos trouxeram, em parte, de uma galeria a que estiveram associados; se quiser, pode levar para casa a tampa da lata de conserva que acompanha a chave do seu quarto. Ficámos no quarto Barco Rabelo e ele lá estava, minúsculo mas carregado, na lata de conserva colada junto à porta, criada por Isabel Ribeiro (hobbyir.blogspot.pt). A tampa tinha todas as explicações sobre a embarcação. No quarto, a roupa de cama e de casa-de-banho é Ralph Lauren e, em breve, entrará em vigor uma parceria com a Ach Brito, que permitirá à quinta ter os famosos sabonetes nacionais espalhados pela casa. “As pessoas podem pegar e levar para casa, para experimentar”, garante Pedro Pinto, que gostaria ainda de ter uma parceria, assente na troca de serviços, com produtores da região de vinhos, azeites e compotas. “A ideia era deixar o euro de fora. Nós servíamos de montra para os produtos deles e eles podiam usar a quinta para receber convidados ou eventos.” Esta parceria não passa, para já, de uma ideia, assim como a vontade de Pedro de ter instalado na quinta, em permanência, um casal que assuma todo o serviço e acompanhamento aos turistas. “Gostávamos de ter caseiros que pudessem tratar das limpezas e da cozinha, mas também do jardim, criar uma horta biológica, prestar informações, ensinar a pescar… Mas não é fácil, ainda não encontramos ninguém”, diz.
PARCERIAS
26 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
RestauranteVinum
Paisagem fabulosa e uma cozinha a condizerProdutos regionais e pratos da melhor cozinha tradicional em contexto elegante e descontraído. No restaurante das Caves Graham’s é das coisas simples e puras que resulta a diferença da experiência gastronómica. É claro que há mais barato, só que não é tão bom!
A ideia original
terá sido a de criar um palco para
a história e os vinhos da casa mas
o recital está longe de se fi car por
aqui. Além da parte museológica e
dos armazéns onde estagiam pre-
ciosos vinhos do Porto, as Caves
Graham’s oferecem agora também
o serviço de um atraente restauran-
te e bar vínico propondo “uma ex-
periência gastronómica singular”.
Associada ao vinho, claro, mas
também com o propósito de “tra-
zer para a mesa a cozinha tradicio-
nal do Douro, de Trás-os-Montes,
do Minho e do Oceano Atlântico”.
Uma gastronomia que se anuncia
como assente nos produtos locais,
com “pratos tradicionais confeccio-
nados de forma simples e franca”
e enriquecida com “um toque de
inovação inspirado nas mais im-
portantes referências da cozinha
internacional”, tal como se apre-
senta o Vinum – Restaurante & Wi-
ne bar, na sua designação ofi cial.
Propósito que, diga-se desde já, se
vê efi cazmente correspondido sobre
a mesa, com base numa carta con-
cisa, mas criteriosa, e um serviço
que parece ainda à procura do ritmo
adequado.
Para lá da qualidade e critério
gastronómico, o recital completa-se
com um ambiente de refi nado bom
gosto e simplicidade e um cenário
absolutamente único, com vistas
fabulosas sobre o Douro e a zona
histórica do Porto e de Gaia.
Apetece mesmo dizer que só para
poder desfrutar do cenário já a visita
estaria mais que justifi cada, o que
seria extremamente redutor face
à importância e interesse da parte
museológica, a qualidade das caves
e dos vinhos e o excelente trabalho
de restauro conjunto. Tudo é de vi-
sita obrigatória e nada obriga a que
seja feita em conjunto. Há que des-
frutar, portanto.
Por agora, o que nos interessa é o
restaurante, que experimentámos
em dois momentos distintos num
dos últimos fi ns-de-semana, sem-
pre ao almoço. Também o espaço
se desdobra em duas áreas comple-
mentares: uma interior e com o ali-
ciante do “convívio” com a cozinha
e com as caves de barricas, que se
insinuam através de transparentes
paredes de vidro; outra exterior e
com as deslumbrantes vistas para o
Douro, que parece atrair a preferên-
cia generalizada. Trata-se de uma
espécie de jardim de Inverno mon-
tado no enorme pátio exterior das
caves e debaixo da ramada aí exis-
tente. Madeiras brancas, telhados e
fachadas em vidro e uma decoração
minimalista que destaca pormeno-
res de elegância e bom gosto e a pro-
porcionar um confortável ambien-
te, informal e descontraído.
Sobre as mesas, em folha de ma-
deira de carvalho, apenas os toalhe-
tes de linho e os copos. E ao centro
três lascas de xisto lembrando as
quintas do Douro e os solos donde
são extraídos os preciosos vinhos.
Aqueles que são produzidos pela
Graham’s e a outras companhias
do grupo Symington (que lidera o
sector do vinho do Porto) e que inte-
gram a carta do restaurante, à qual
se juntam os de “outros produtores
amigos” espalhados pelo país. A car-
ta é larga e abrangente oferecendo
as melhores opções
À colher e na brasaJá no que respeita a sólidos, a car-
ta oferece mais de uma dezena de
“entradas”, pratos “para comer à
colher”, “peixes” e “carnes”, com
opções para a “brasa” em ambas as
secções, e ainda uma lista de onze
sobremesas, com a particularidade
de para cada uma delas ser sugerido
José Augusto Moreira (texto) e Adriano Miranda ( fotos)
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 27
um específi co vinho do Porto.
Das entradas provaram-se a “sa-
lada de alface e cebolinha tenra”
(8€), fresca, macia, quase a cheirar
a horta e a justifi car em pleno a ad-
jectivação; a “salada de bacalhau,
tomate e azeitonas” (15€); e o “ros-
bife e parmesano com vinagreta de
mostarda” (16€). E se o bacalhau,
elegantemente cortado em cubos e
com cebola, cebolinho e as azeitonas
em harmonioso picadinho, pareceu
demasiado marcado pelo vinagre, já
as lâminas de robisfe, escondendo
alfaces, escarolas, cebolinho, nozes
e pinhões sobre uma base de tosta
com cebola confi tada, estavam de-
liciosas na combinação com queijo
e o molho de mostarda. Diga-se que
em ambos os casos as doses são mais
do que generosas e só por si já bas-
tam como refeição.
Da lista constam também pre-
sunto e lombo de porco, de origem
espanhola, salada de queijo de ca-
bra, foie-gras mi-cuit de pato, amê-
ijoas com molho verde, chamuças
de moura e maçã, alheira na grelha
com pimentos, ovos mexidos com
alheira, e uma torta de sardinhas e
pimento verde assado, que solicitá-
mos mas não estava disponível.
Para comer à colher, optou-se
pela “sopa de peixe, à moda dos
pescadores da Póvoa de Varzim”
(16€). Uma generosa terrina com um
caldo de peixe, rico e saboroso, e
igualmente sufi ciente para saciar os
estômagos mais exigentes. Sabores
fortes resultantes da base apurada
do lento refogado de cebola que
fornece a calda acastanhada onde
amaciam os peixes e mariscos que
compõem o atraente bouquet fi nal.
Um belo exemplo do tal propósito
de pratos tradicionais com elegância
e inovação.
Para a colher são também propos-
tos milhos de vieira, arroz de pol-
vo, arroz cremoso de camarões do
Atlântico e um guisado de orelha e
chispe de porco com feijão branco.
No capítulo dos peixes há uma
“raia recheada de ratatouille”, da
qual ouvimos já entusiasmados
comentários, o “bife tártaro de
atum com tomate confi tado” (17€)
e a “pescada de anzol com pencas”
(17€), que saboreámos. Correcto e
previsível o tártaro, enquanto a pes-
cada se apresentou quase sublime
na sua simplicidade. Posta genero-
sa (mais uma vez) do alvo lombo
espécime. Fresca, a saber a mar e
a desmanchar-se em lascas ao sim-
ples toque. Confeccionado de forma
“simples e franca”, tal como anun-
ciado, na companhia das pencas e
duas rodelas de batata cozida.
Para a “brasa”, são duas as pro-
postas da lista: “lombo de bacalhau
premium com molho de pimentos
secos”; e “peixe do mercado de Ma-
tosinhos”, em dose para duas pesso-
as e consoante o mercado.
Vaca velha e frango do campoNas carnes, há apelativas propos-
tas, como “vaca velha de Trás-os-
Montes”, que se decompõe nas
versões de bife tártaro e costeletão
ou fi let mignon na brasa. Da grelha
do carvão, que se insinua à vista do
cliente na sala interior, saem ainda
o coelho do campo com pimentão
“La Vera”, e entrecosto ou presas
de porco, mas a nossa preferência
foi para o “frango do campo com
tabaco culinário e chalotas” (22€).
Dose generosa com coxa e sobreco-
xa de galináceo de boa envergadura
e origem garantidamente rural, de
qualidade culinária e sabor irre-
preensíveis. “Mesmo bom”, como
comentou um dos convencidos co-
mensais. A oferta cárnica estende-se
ainda ao “rabo de boi estufado” e ao
“leitão confi tado e estaladiço com
puré de almofariz”.
Com doses sempre generosas, a
escolha das sobremesas apresentou-
se já como uma espécie de “sacrifí-
cio” extra, tendo as opções recaído
sobre a “tarte fi na de maçã” e a “pê-
ra e vinho e gelado de nata fresca”
(7€ cada), ambos de fi no sabor e
confecção apurada. Para a primei-
ra é proposto o Graham’s 20 anos,
enquanto o Graham’s The Tawny é
sugerido para acompanhar a pêra,
se bem que tenhamos optado antes
pelo complemento do café, dado o
avanço da hora.
E a questão do tempo acabou por
ser mesmo a parte mais complica-
da de uma experiência, ou melhor,
duas, em que o apuro e satisfação
gastronómicas acabaram perturba-
das pela questão do ritmo. O serviço
parece também vaguear ainda entre
o formalismo dos movimentos e a
informalidade do discurso. Da mes-
ma forma, ambígua parece a opção
pela generosidade das porções em
que são servidas as entradas que,
assim, acabam por funcionar como
pratos de substância. Ou restringem
a experiência, se fi camos por aí, ou
são excessivos e tornam a refeição
demasiado cara, e avançamos na
carta. Despropositado mesmo pare-
ce o facto de os acompanhamentos
(batatas, puré de batata, legumes ou
arroz de legumes) serem pedidos (e
pagos) à parte.
Pormenores que em nada fazem
sobra à satisfação resultante da
qualidade do trato culinário, a que
se junta também a evidente mais-
valia da genuinidade dos produtos.
Apenas acabam por ter o efeito de
encarecer uma refeição que, não
sendo barata, acaba por ter o cus-
to plenamente justifi cado. É claro
que há mais barato, só que não é
tão bom!
VINUM - RESTAURANT & WINE BAR
Rua do Agro, 141 ou Rua Rei Ramiro, 5144440-281 GaiaTel.: 220 930 417www.vinumatgrahams.comEstacionamento: simCartões: sim (crédito e débito)Aberto todos os dias
O azeite sabe e
faz melhor comido cru, mas pode
ser ainda mais saboroso se for aro-
matizado com produtos naturais do
nosso agrado. Com umas poucas go-
tas, podemos levar a natureza para
a mesa e dar um toque especial a
sopas, saladas, carnes, peixes e até
sobremesas.
Aromatizar azeites não é uma
excentricidade gourmet. Os povos
do Mediterrâneo sempre o fi zeram
e muitos chefs consagrados não os
dispensam nas suas cozinhas. Há so-
luções requintadas e caras, como o
azeite com sabor (e cheiro) a trufas,
mas é possível obter combinações
mais simples, baratas e igualmente
saborosas. Pimenta, orégãos, alho,
alecrim, anis, hortelã, laranja, manje-
ricão, cogumelos, canela, gengibre…
A lista de ingredientes que podem
ser utilizados na aromatização de
azeites é interminável. O essencial
é que os produtos sejam naturais e
frescos e os azeites de qualidade, de
preferência virgem extra.
É possível aromatizar azeites
em casa. Basta colocar o produ-
to pretendido num recipiente
bem lavado e submergi-lo total-
mente de azeite. Ao fi m de três
a quatro semanas, retiram-se
as folhas do ingrediente usado
e muda-se o azeite para uma
garrafa limpa. E está pronto a
ser consumido.
Mas estas são soluções
básicas. Se procurarmos
requinte e sofi sticação, o
melhor é recorrer a azeites
preparados por empresas
especializadas.
Uma das empresas que
comercializa azeites aroma-
tizados é a 9º Sentido, se-
diada no Bombarral (www.
nonosentido.com). Criada
em 2010, dedica-se ao desen-
volvimento e comercialização
de produtos alimentares des-
tinados ao mercado gourmet.
Além de aromatizados, alguns
dos seus azeites são também
enriquecidos com antioxidan-
tes de origem marinha. Todos
AzeiteProva
A deliciosa alquimia dos azeites aromatizados
estão classifi cados como produtos
100% naturais.
Os azeites 9º Sentido provêm de
olivais de Vila Flor, um dos concelhos
transmontanos com mais tradição
oleícola, e são virgem extra – os me-
lhores. Provámos quatro amostras:
um virgem extra “especial reserva”
sem adição de qualquer aroma ex-
terno, combinação das variedades
Madural e Cobrançosa; um “especial
peixe”, aromatizado com endro e
gengibre e enriquecido com chon-drus crispus, um antioxidante natural
de origem marinha proveniente da
costa portuguesa; um “especial sala-
das”, aromatizado com manjericão
e limão e enriquecido com o antioxi-
dante marinho unnaria pinnatifi da;
e um “especial al funghi”, aromati-
zado com boletus edulis, importado
da Umbria, Itália (este cogumelo
também existe em Portugal).
Com as suas diferenças, são quatro
azeites magnífi cos. O primeiro é um
virgem extra típico de Trás-os-Mon-
tes, “gordo”, intenso e estruturado.
Ressuma a verde e a algum vegetal
seco e termina com um picante de
grande categoria (9,95 euros cada
garrafa de 500ml). O “especial pei-
xe” (9,95 euros) é muito saboroso
e ainda fresco, por infl uência do
gengibre. Serve não só para tem-
perar peixe cozido e grelhado
mas também sopas, massadas
de peixe e até algumas carnes
mais delicadas. O “especial sa-
ladas” (9,95 euros) e o “especial
al funghi” (12,45 euros) são dois
clássicos. O primeiro é indicado
para temperar saladas e pratos
frios. Experimentámos numa
salada de tomate coração
de boi e fi cámos adeptos.
O segundo vai bem com
massas e risotos. A presen-
ça do cogumelo não é tão
óbvia como a dos outros
produtos, mas é um azeite
mais delicado e igualmente
muito saboroso.
A 9º Sentido comercializa
também um paté de azeito-
nas com ervas aromáticas
e enriquecido com algas
marinhas (6,50). Um feliz
encontro entre o campo
mediterrânico e o Atlântico.
De sabor intenso, é perfeito
como entrada de refeição.
Pedro Garcias
28 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
Vinhos que contam históriasRui Falcão
Num passado já
muito distante, antes do advento
e popularização da produção de
vidro, o vinho era comercializado
em barricas, tonéis, ânforas,
jarros de cerâmica, garrafões ou
quaisquer outros recipientes que
se adaptassem às culturas locais
e aos materiais mais abundantes
no país ou região. Só com a
industrialização da produção,
quando o segredo e técnica
da produção de vidro foram
roubados à preponderância de
Veneza e quando se iniciou a
revolução industrial inglesa, o
vidro passou a ser um material
disponível e relativamente
barato, um bem acessível e
prático e, portanto, idóneo
para preencher o espaço de
comercialização dos vinhos ditos
“fi nos”.
Uma pequena evolução técnica
que consagrou uma revolução
extraordinária na vivência do
vinho e sua comercialização,
uma convulsão que transformou
o mundo do vinho para sempre.
De uma só assentada mudou-se
para sempre, ou pelo menos
até ao presente, o paradigma
em que assenta todo o sistema
de comercialização do vinho.
Por um lado, o vinho passou
a poder ser engarrafado
directamente pelo produtor,
sem intermediários, permitindo
que as vendas a granel se
transformassem paulatinamente
em circunstância do passado
e que a confi ança na marca e a
segurança na origem do vinho
aumentassem.
Por outro, passou a poder
ser guardado directamente na
garrafa, revolucionando o papel
do consumidor. A restauração
ganhou uma nova dimensão,
aumentando de forma generosa
a diversidade de oferta aos seus
clientes, e o consumidor passou
a poder eleger em casa os seus
vinhos de eleição, optando por
os beber ou guardar, passando
a poder consumir os vinhos da
sua garrafeira quando bem lhe
aprouvesse. O vinho passou a
poder ser guardado por estar
num recipiente fechado de
pequena capacidade.
Por outro lado, o transporte
do vinho passou a ser muito mais
fácil graças ao formato cilíndrico
da garrafa, que permitia o seu
empilhamento e acomodação
em pequenas ou grandes
caixas, contentores e/ou pilhas
artesanais. Foi também graças à
aparição da garrafa de vidro que
a indústria da cortiça cresceu e
se desenvolveu, acrescentando
riqueza a Portugal e sustentando
a manutenção da fl oresta de
montado, com a consequente
conservação da biodiversidade
que o montado salvaguarda.
Sabe-se muito sobre as
garrafas, sobre os volumes
permitidos e os nomes assumidos
por cada uma destas capacidades
padronizadas, sobre os
diferentes formatos que algumas
regiões popularizaram, sobre
as cores do vidro que mantêm
tradições locais e que zelam
pela conservação do precioso
vinho. Persiste, no entanto, uma
particularidade nas garrafas de
vinho que continuamos a ignorar
e a desprezar — a pequena ou
por vezes grande depressão
existente no fundo da garrafa —
que muitos continuam a ignorar
a utilidade ou razão de ser. Na
verdade, ninguém tem certezas
sólidas sobre a razão de ser para
a presença dessa depressão
no fundo da garrafa, aquela
concavidade que está patente no
fundo da quase totalidade das
garrafas de vinho produzidas e
que é especialmente perceptível
nas garrafas de espumante.
As estimativas e presunções
dividem-se entre numerosas
e aparentemente fundadas
teorias mas no fundo, no fundo,
ninguém parece saber com
exactidão a utilidade desta
depressão no vidro. A maioria
argumenta que esta concavidade
é uma reminiscência do passado,
da época em que as garrafas
de vidro eram produzidas à
mão por métodos artesanais,
fabricadas a partir de uma massa
incandescente soprada através
numa superfície lisa. Segundo
a mesma teoria, a técnica
continuaria a fazer sentido por
esta depressão permitir corrigir
ou atenuar qualquer imperfeição
da superfície onde a garrafa seja
poisada.
Uma teoria mais convincente,
embora ajustada unicamente
às necessidades dos vinhos
espumantes, garante que essa
depressão existe para aumentar
a resistência natural da garrafa,
reforçando um dos pontos mais
fracos de qualquer garrafa, a
junção do fundo com os lados.
Uma teoria aparentemente lógica
tendo em conta a pressão elevada
a que os vinhos espumantes
sujeitam a garrafa e que é
evidenciada pelas depressões
muito profundas das garrafas de
espumante. Outros defendem
que a principal fi nalidade desta
concavidade é concentrar os
sedimentos no fundo da garrafa,
juntar o depósito natural dos
vinhos tintos no fundo da
garrafa, separando-os do vinho.
Há ainda quem garanta que a
maior vantagem está no serviço
galante, permitindo que o vinho
seja servido segurando a garrafa
pela base.
Outros, menos emocionais e
talvez mais desassombrados,
garantem que esta concavidade
se mantém pela imagem, pela
convicção que a garrafa se
apresenta mais impressionante e,
consequentemente, o vinho pode
ser vendido a preços superiores.
Um expediente técnico que
permite criar a ilusão de uma
garrafa mais alta, com uma
volumetria superior, um truque
de marketing a que muitos
produtores recorrem nos vinhos
mais exclusivos. O preceito é
tão utilizado no mundo que um
cientista inglês da universidade
de Cambridge desenvolveu
uma fórmula matemática bem-
humorada para defi nir o preço
de qualquer vinho em função
da depressão no fundo da
garrafa. Segundo a sua fórmula,
basta medir em milímetros
a concavidade, somar 3,49 e
dividir por 4,3144 para obter uma
estimativa do preço do vinho.
Nada como o humor inglês!
Garrafas e rótulos
de um longo tubo oco. Ora, essa
massa de vidro soprada fi cava
apoiada num molde saliente
que produzia essa mesma
concavidade no fundo da garrafa
de forma natural, criando assim
a famosa depressão presente na
quase totalidade das primeiras
garrafas de vidro ainda manuais
mas produzidas em escalas
consideráveis. Um resquício do
passado que deixou de fazer
sentido a partir do momento em
que a produção foi mecanizada
mas que se terá mantido em
homenagem ao passado.
Outras refl exões apontam
para razões menos poéticas,
apostando em deliberações
mais práticas. Uma das teorias
mais interessantes sustenta que
esta depressão se mantém por
permitir um melhor equilíbrio
da garrafa, tornando-a mais
estável quando colocada de
pé em cima de uma mesa. No
passado, na época em que o
vidro ainda era soprado, seria
impossível fabricar garrafas
absolutamente lisas e que
permanecessem bem assentes
PAU
LO P
IMEN
TA
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 29
VinhosProvas
ADEGAMÃE VILARINHO 2012
Adegamãe, Torres VedrasCastas: AlvarinhoGraduação: 13,5% volRegião: LisboaPreço: 7€
mmmmm
Um Alvarinho de Lisboa com a mesma frescura atlântica do Minho
A Adegamãe, pro-
dutor neófi to mas de grande dimen-
são da zona de Torres Vedras, come-
çou a vender vinho em 2011 e desde
então não tem parado de crescer e
de acrescentar novas referências ao
seu portefólio, sob a orientação eno-
lógica de Anselmo Mendes e Diogo
Lopes. Este ano lançou meia-dúzia
de novos vinhos, quatro dos quais
são brancos monovarietais: dois
de castas francesas (Chardonnay
e Viognier) e dois de castas nacio-
nais (Alvarinho e Viosinho). Todos
têm origem na mesma propriedade,
uma quinta com cerca de 40 hec-
tares de vinha dominada por solos
argilo-calcários.
Se há zona do país onde a aposta
em castas internacionais tem sido
prolixa e, diga-se, bem-sucedida é
a de Lisboa, cujos vinhos têm vindo
a ganhar notoriedade (e qualidade)
nos últimos anos. As novas referên-
cias da Adegamãe são um bom tes-
temunho do dinamismo da região
e do acerto da aposta em castas de
outras latitudes que podem benefi -
ciar muito com a proximidade do
Atlântico.
A tinta Syrah e as brancas Viog-
nier e Chardonnay são algumas
das variedades que têm mostrado
bons resultados. No entanto, e sem
qualquer chauvinismo, no caso dos
quatro brancos monovarietais da
Adegamãe, os que mais prazer nos
proporcionaram foram os dois bran-
cos de variedades nacionais. O Viog-
nier ainda está muito marcado pela
madeira e o Chardonnay mostra-se
demasiado maduro, apesar da sucu-
lência da fruta e da excelente acidez
que possui. O Viosinho também tem
um pouco de álcool a mais, mas a
sua magnífi ca mineralidade e acidez
equilibram-no melhor, tornando a
prova mais viva e rica. Ainda assim,
não consegue superar o Alvarinho,
que parece benefi ciar na zona de
Torres Vedras da mesma frescura
atlântica que tem na zona de Monção
e Melgaço. Branco de bom volume e
complexidade, seduz pela sua imen-
sa frescura e pureza de sabor.
Proposta da semana
a Mau mmmmm Razoável
mmmmm Bom mmmmm Bom Mais
mmmmm Muito Bom mmmmm Excelente
BURMESTER BRANCO 2012
mmmmm
Sogevinus, Vila Nova de GaiaCastas: Malvasia Fina, Gouveio, RabigatoGraduação: 13,5% volRegião: DouroPreço: 4,50€ (na domvinho.com)
Aroma cítrico, boa intensidade, sugestivo e apelativo. Boa presença no palato, com um conjunto bem balanceado entre a fruta e alguma secura no final de prova, que lhe conferem frescura e boa aptidão para a mesa. Um branco fácil, directo e competente, como aliás o são os brancos da Sogevinus. M.C.
COLECÇÃO PRIVADA DSF SYRAH E TOURIGA FRANCESA 2011
mmmmm
José Maria da Fonseca, AzeitãoCastas: Syrah e Touriga FrancaGraduação: 13,2% volRegião: SetúbalPreço: 12,49€
Domingos Soares Franco não pára de fazer experiências, testando associações de castas portugueses com outras estrangeiras. Alguns vinhos chegam a ser extravagantes, mas este é muito bem conseguido. Surge como um tinto de duas castas, mas, na verdade, podia ser declarado como um varietal de Syrah, uma vez que o contributo da Touriga Franca é de apenas 5%. Se há vinhos de Verão, este é um deles. Não tem o peso da madeira e apresenta uma jovialidade de aroma admirável, a remeter para os frutos do bosque e as violetas, embora também sobressaiam algumas sensações achocolatadas. Na boca mostra-se igualmente muito saboroso e polido, revelando grande nervo final. P.G.
OLHO DE MOCHO ROSÉ 2012
mmmmm
Herdade do Rocim, VidigueiraCastas: Touriga Nacional, Syrah e AragonezGraduação: 13% volRegião: AlentejoPreço: 8€
Um dos bons rosés portugueses, embora não atinja a excelência do 2011 — mas anda lá perto. Mais próximo de um tinto na estrutura que apresenta, é um rosado que alia músculo à delicadeza própria de um vinho deste tipo. Ou seja, tem um bom volume, mas é muito elegante e viçoso de aroma e sabor. Seco como deve ser, termina de forma muito fresca e vibrante. Um rosé mais gastronómico do que social. P.G.
DUAS QUINTAS BRANCO 2012
mmmmm
Ramos Pinto, Vila Nova de Foz CôaCastas: Viosinho, Rabigato e ArintoGraduação: 13,5% volRegião: DouroPreço: 8,85€
Um branco feito com as três castas que melhores resultados dão no Douro Superior. Muito bom na harmonia que revela, aliando madureza de fruta (de polpa no aroma e mais cítrica na boca), volume e grande frescura. Da quinta de Ervamoira vem o calor e a doçura da fruta. A quinta dos Bons Ares contribui com a pureza e a frescura do granito e da altitude. Uma combinação perfeita que faz do Duas Quintas um dos melhores brancos do Douro. P.G.
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada: Fugas - Vinhos em Prova, Praça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º 4050-453 PortoPedro Garcias
30 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
Vinhos
O vinho do Porto já tem um dicionário ilustrado mas só existe no BrasilEm 2005, o brasileiro Carlos Cabral e o português Manuel Poças Pintão lançaram-se na tarefa de escrever um dicionário do vinho do Porto, um livro que resumisse e sistematizasse a história do mais famoso vinho português. Seis anos depois, o dicionário foi publicado no Brasil. Em Portugal, nenhuma editora se mostrou interessada.
O vinho do Por-
to possui uma espessura histórica e
cultural tão grande e arrebatadora
que o tornam objecto permanente
de estudo e de divulgação. Poucos
vinhos no mundo, ou talvez ne-
nhum, têm despertado tanto inte-
resse junto de prosadores, poetas,
historiadores, ensaístas, economis-
tas, pintores, jornalistas, críticos e
muita outra gente da escrita. Há mi-
lhares de livros publicados sobre o
assunto e, no entanto, continuava
a faltar um dicionário que pudesse
sistematizar toda a informação rele-
vante relacionada com o intrincado
e fascinante universo em que se mo-
ve o mais famoso vinho português
desde há quase 400 anos. Continu-
ava: em 2011, foi lançado o primei-
ro dicionário ilustrado do Vinho do
Porto, obra de duas relevantíssimas
personalidades do sector, o brasilei-
ro Carlos Cabral, autor de dois livros
sobre o vinho do Porto, de que é o
maior embaixador no Brasil há mais
de três décadas; e o português Ma-
nuel Poças Pintão, uma das mais es-
timáveis fi guras do vinho do Porto,
responsável comercial na empresa
do, juntaram mais de 3 mil verbetes
e 600 imagens.
Um dicionário, seja ele do que for,
é um livro sempre inacabado. Ver-
sando sobre o vinho do Porto, ainda
o é mais. “O vinho do Porto é um as-
sunto muito sério e vivo”, sublinha
Manuel Poças Pintão. Há sempre
empresas a mudar de mãos, mer-
cados que perdem fulgor e outros
que ganham protagonismo, esta-
tísticas em constante mudança
e, acima de tudo, muitas histó-
rias que vão sendo resgatadas
do esquecimento.
A construção do Douro vi-
nhateiro e do vinho que ga-
nhou nome no Porto é uma
obra colossal, cujos “ver-
dadeiros heróis” não têm
nome. São “os Lusíadas
sem Camões”, dizia Guer-
ra Junqueiro. “A grande
lição deste trabalho foi
perceber melhor a ri-
queza fantástica de um
vinho que se deve so-
bretudo a gente anóni-
ma”, realça Poças Pin-
tão. É também desses
heróis anónimos que
trata este dicionário, em-
bora a sua principal função
seja resumir a história do
vinho do Porto e abrir pistas pa-
ra novas pesquisas e novos livros.
O dicionário é muito rico em de-
talhes e histórias que demonstram
bem a dimensão universal do vinho
do Porto. Uma das mais curiosas é
relacionada com o “Clube do último
homem”, criado na cidade belga de
Gent no século passado. A história foi
contada na edição de 3 de Dezembro
de 1962 do Diário do Norte. Sessenta
belgas criaram um clube fúnebre e
fechado cujas vagas não podiam ser
preenchidas pela morte de algum
dos associados. Em lugar de desta-
que do clube foi colocada uma garra-
fa de vinho do Porto que só podia ser
bebida pelo associado sobrevivente
a todos os outros e no mesmo dia
em que tivesse participado do fune-
ral do último companheiro. Quando
só restavam dois sobreviventes, um
deles atirou: “E se a bebêssemos ago-
ra?”. Estavam a infringir os estatutos,
mas os dois puseram-se de acordo e
beberam a garrafa com sofreguidão,
brindando à “felicidade dos seus de-
funtos amigos”.
A FILOXERA CHEGOU A PORTUGAL HÁ 150 ANOS
Poças Júnior durante 51 anos. O livro
foi editado apenas no Brasil, pela
editora Cultura, e contou com o pa-
trocínio do Governo Federal e de
empresas como o Pão de Açúcar.
Em Portugal, onde a sua publicação
seria obrigatória, nenhuma editora
se mostrou interessada, por falta de
patrocinadores, e nem sequer uma
edição institucional foi feita. Quem
quiser ter acesso ao dicionário, ou
o manda vir do Brasil ou passa pelo
Porto Wine Fest, que irá decorrer na
zona ribeirinha de Gaia e onde, no
próximo dia 5 de Setembro, a Poças
Júnior vai apresentar publicamente
o livro e colocar alguns exemplares
à venda. A apresentação estará a
cargo do historiador Gaspar Mar-
tins Pereira.
A ideia de fazer um dicionário
de vinho do Porto partiu de Car-
los Cabral, ele que possui uma das
maiores colecções de livros sobre o
tema. Em 2005, o brasileiro lançou
o desafi o a Manuel Poças Pintão,
que tinha acabado de se reformar
da Poças Júnior. Poças Pintão ainda
hesitou, mas acabou por aceitar o
repto e passar os seis anos seguin-
tes embrenhado em bibliotecas e
arquivos. Embora separados pelo
Atlântico — Carlos Cabral vive em
São Paulo e Poças Pintão no Porto
—, os dois foram dividindo tarefas e
conciliando a escrita do livro. Ao to-
O Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto dedica, como não podia deixar de ser, uma entrada à filoxera, a praga que quase arrasou os vinhedos do Douro. Foi há precisamente 150 anos que se detectou o primeiro foco da doença, na Quinta dos Montes, na freguesia de Gouvinhas, concelho de Sabrosa. A devastação que se seguiu levou milhares de famílias à miséria e mergulhou a
região duriense numa gravíssima crise social. Em 1883, vinte anos depois de a doença ter chegado ao Douro, tinham sido destruídos cerca de 15 mil hectares de vinha. Por se tratar de um dos acontecimentos mais marcantes da história do Douro e do vinho do Porto, Manuel Poças Pintão lamenta que a efeméride não esteja a ser recordada. No mínimo, defende que seja colocada uma placa evocativa na Quinta dos Montes, em homenagem “aos que sofreram com a tragédia e também aos que persistiram em continuar”.
Pedro Garcias
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 31
Bar abertoHidden Xiringuito
Descubra o novo Xiringuito, o velho esconderijo da Galé
O Xiringuito, na
Galé, Albufeira, é uma incógnita todos
os verões. Nunca se sabe bem como
estará decorado, sequer se vai abrir.
Depois de dois anos fechado, o bar
de praia voltou às falésias e está total-
mente renovado. Deixou para trás o
encantamento dos brancos e das ve-
las, o estilo lounge e os almofadões e
assumiu-se como um sítio não óbvio,
camufl ado, escondido e à espera de
ser descoberto.
O bar existe há nove anos, com três
de interregno. Em verões mais anti-
gos, cobria-se de almofadas e velas,
mas agora, quando inúmeros bares
de praia adoptaram o mesmo estilo
lounge, informal e cool, o Xiringuito,
que gosta de espanto e transforma-
ção, tinha de se pôr diferente. Este
ano chama-se Xiringuito Escondido
(Hidden Xiringuito) e está decorado
com objectos quotidianos camufl ados.
Para além de sofás, cadeiras e me-
sas, há, entre outros, um carro, tábu-
as de passar a ferro, uma banheira,
molduras para enquadrar o cenário
de diversas formas. E há a Floresta dos
Pensamentos Escondidos: pequenas
tábuas de madeira nas quais as pes-
soas desenham ou escrevem mensa-
gens que são depois penduradas nas
árvores: “Foi inspirado nos templos
japoneses onde as pessoas põem os
desejos nas árvores”, diz a responsá-
vel pelo espaço, Joy Jung.
Quando se chega, a primeira im-
pressão é de estranheza: o camufl ado
remete-nos para uma temática militar,
algo bélico, mas depois achamos que
num sítio tão sossegado essa leitura
não bate certo. Este é o primeiro des-
conforto que se quer provocar nos vi-
sitantes: incitar a ler o espaço de outra
forma, a olhar duas ou mais vezes, a
descobrir novos signifi cados no que
nos rodeia. “Temos de dar à mente
um pouco de tempo para ver além do
óbvio. O camufl ado não precisa de ser
a guerra, aqui é para estar de acordo
com a natureza”, diz Joy Jung. Ao co-
locar objectos quotidianos no meio da
natureza, a percepção que temos de-
les muda e a ideia é precisamente essa:
explorar a relação entre o ser humano,
a natureza e os objectos do dia-a-dia. Maria João Lopes
Mais bares emfugas.publico.pt
formações, há elementos que se
mantêm, são aqueles que fazem do
cenário natural: “Este lugar tem uma
energia própria”, reconhece Joy Jung.
Ainda que este ano se chame mesmo
Xiringuito Escondido, o sítio sempre
foi um esconderijo. O acesso continua
a ser feito pelas arribas, num caminho
que por si só já alimenta a ideia da
descoberta de um refúgio.
Beber um mojito, com o barulho das
ondas e o som das cigarras, continua
a ser um bom programa. Com sorte,
ainda é convidado a ver o pôr do sol:
“Ao fi m da tarde, o Xiringuito fecha 10
a 15 minutos. Desafi amos os clientes a
ver o pôr do sol numa rocha. Alguns
vão, outros não, mas não há serviço
de bar”, explica Joy Jung, que gosta
da ideia de ciclos, um dia que acaba,
outro que começa.
Por isso também há as festas da lua
nova e as da lua cheia — naquela em
que estivemos, havia pequenas luzes
azuis nas arribas, no areal e no mar,
parecia que o céu tinha trocado de lu-
gar com a praia. A última celebração
deste ano será a 20 de Outubro. No
dia seguinte, a instalação camufl ada é
removida e, depois, só lá para Maio de
2014 é que haverá outra vez novo Xirin-
guito, o velho esconderijo da Galé. Co-
mo estará nessa altura, é um mistério.
HIDDEN XIRINGUITO - CAMOUFLAGE GASTRO-ARTISTIC BEACH INSTALLATIONAtrás do hotel Vila Joya, na Galé, Albufeira, Algarve (acesso pelas arribas)Reservas: 919888816https://www.facebook.com/HiddenXiringuito | www.facebook.com/groups/xiringuitoAberto de Maio a Outubro das 11h à 1h (nas festas fica aberto até mais tarde)Preços: um mojito, por exemplo, custa 7 euros, uma cerveja 2,5; quanto à comida, um prato de sashimi pode custar 13 euros, uma sobremesa 4.Próximas festas5 de Setembro (lua nova); 19 de Setembro (lua cheia); 4 de Outubro (lua nova); 20 de Outubro (lua cheia)
STILLS
O Xiringuito não é, assim, só um
bar, onde se bebe e come (embora
também recomendemos esta parte),
mas uma instalação gastro-artística,
concebida pela empresa portuguesa
Ivity brand corp de Carlos Coelho e
por Joy Jung, do Vila Joya. Joy Jung,
alemã, 36 anos, vive e trabalha no Vila
Joya, hotel conhecido pela exclusivi-
dade e requinte e também pelo res-
taurante do chef Dieter Koschina com
duas estrelas no Guia Michelin. A casa
onde hoje fi ca o Vila Joya (situada ao
lado do Xiringuito) foi comprada pelo
pai de Joy Jung, na altura apenas para
uso familiar. Mas a mãe achou o espa-
ço demasiado grande e, aproveitando
a formação em decorações de interio-
res, resolveu criar o hotel. A fi lha gos-
tava de ter seguido artes, mas depois
da morte da mãe optou por hotelaria
para dar continuidade ao projecto.
Nos últimos dois anos, porém,
Joy Jung andou pela Índia, país que
a fascina, pelo Japão… “Precisava de
descansar a cabeça e com 34 anos
ainda podes ter esta liberdade”, diz.
No regresso dessas andanças, deitou
mãos à obra e reabriu o Xiringuito,
“o bebé dos seus olhos”: “Este ano,
a frase com a qual tudo começou foi
‘ver o que está escondido atrás do
óbvio’. Não queria fazer uma coisa
como tinha feito antes. Queria algo
novo. Não queria mais velas na praia,
queria leds [pequenas luzes que são
espalhadas pela praia nas festas de
lua cheia]”, explica. Com a ajuda da
Ivity, criou um espaço que está um
passo à frente da moda e que é um sta-tement: “Antilounge e anticool”, diz.
O menu foi especialmente criado
pelo chef Stefan Langmann — era sub-
chef no Vila Joya, mas agora está dedi-
cado apenas ao Xiringuito — e inclui
petiscos leves, mas criativos, confec-
cionados à base de sashimi, pargo, sal-
mão, entre outros peixes. Também
há carne, pregos, pratos com salsicha
alemã, queijos, pimentos padrón, co-
mida vegetariana, doces, tudo servido
com o toque da escola do Vila Joya.
Apesar, porém, de todas as trans-
VASCO CELIO/STILLS
VASC
O C
ELIO
/STI
LLS
32 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
Zoom
“Óscares” do turismo europeu são revelados hoje na Turquia
A cidade de An-
talya, um dos grandes destinos me-
diterrânicos da Turquia, é esta noite
cenário da cerimónia de atribuição
dos World Travel Awards para os
melhores do turismo europeu. Já
falta pouco para saber se Portugal
consegue repetir (ou aumentar…) o
leque de galardões conquistados na
edição de 2012, cuja gala decorreu
no Algarve (no então recém-inaugu-
rado Conrad) e deixou no país seis
grandes prémios (mais um extra a
nível mediterrânico).
Agora, a Antalya, o turismo por-
tuguês chega com 36 nomeações
em dezenas de categorias. Em des-
taque: Portugal concorre a melhor
destino de golfe, o Turismo de Por-
tugal a melhor organismo ofi cial e o
Algarve a melhor destino de praia.
Lisboa volta a marcar pontos: con-
corre a melhor destino global da
Europa, de escapadas urbanas e de
cruzeiros, para além de melhores
aeroporto e porto de cruzeiros. Na
hotelaria, Algarve e Madeira são
quem mais ordena, com unidades
destas regiões a congregarem a
quase totalidade das restantes no-
meações. A TAP bisa: está nomea-
da para melhor companhia e para
melhor classe económica.
Em 2012, os “turióscares” euro-
peus celebraram a sua gala no Al-
garve e a sorte sorriu ao anfi trião,
declarado o melhor destino de praia
da Europa. Já Portugal venceu como
melhor destino de golfe e quatro ho-
téis algarvios foram também distin-
guidos nas suas categorias (o “im-
batível” boutique resort Vila Joya,
Martinhal Beach de Sagres, Dunas
Douradas Beach Club e o então an-
fi trião da gala, o Conrad Algarve).
Além de prémios a nível exclusi-
vamente nacional, o turismo por-
tuguês celebrou ainda um “óscar”
extra para o Hotel Quinta do Lago,
distinguido como o melhor da área
(geocultural) do Mediterrâneo.
Os WTA, organizados desde
1993, dividem-se por dez regiões
mundiais com as galas de cada
O Algarve venceu o “óscar” em 2012 para melhor destino de praia da Europa
Soares Franco e Vítor Matos, estrelas do Douro Film Harvest
O “palácio árabe” abre como bazar deluxe
O Douro Film Harvest 2013 volta a cobrir de cinema as paisagens durienses (de 14 a 21 de Setembro) mas, além da 7.ª, há mais artes nesta 5.ª edição do certame, entre “o melhor do cinema, da gastronomia e do vinho”. O festival homenageia o enólogo José Maria Soares Franco, “arquitecto de vinhos do Douro’”, e o chef Vítor Matos (Casa da Calçada, Amarante). A sessão de abertura, dia 14, além de episódio especial de Mondovino, inclui tertúlia sobre “O vinho na Dieta Mediterrânica no Douro” com a presença do realizador, Jonathan Nossiter, da realizadora de Vinho de Chinelos (sobre produção de vinho na Serra Gaúcha brasileira) e o nutricionista Pedro Graça; na mesma noite, Vítor Matos faz o jantar e é homenageado no “Chef’s Table”, na Quinta do Portal. Já dia 19, numa “Cinema
Portugal conquistou o prémio “Outstanding International Showcase for Art & Culture”, atribuído por uma das mais relevantes publicações de viagens da Índia, a Today’s Traveller. “Esta distinção reconhece o trabalho de projecção do destino desenvolvido pelo Turismo de Portugal nos últimos meses na Índia”, lê-se no comunicado sobre esta atribuição. A contribuir para a promoção do país, também terá contado, e muito, que Lisboa e o Algarve tenham sido usados como cenários para o filme Balupu, megaprodução com estrelas indianas que contou com “o apoio logístico do Turismo de Portugal”. www.todaystraveller.com
É conhecido como “o palácio árabe” e vai voltar a encher o olho a lisboetas e visitantes: dia 6, abre portas como Embaixada, centro comercial exclusivo anunciado como “projecto de lifestyle” e promete, segundo a promotora, a Eastbanc, “dinamizar o Príncipe Real”. O Palacete Ribeiro da Cunha foi construído em 1877, em estilo neo-árabe – obra do arquitecto Henrique Carlos Afonso, também autor da Casa Estúdio do Fotógrafo Carlos Relvas na Golegã — e é envolvido por um hectare de jardim com vista sobre o Jardim Botânico. Abre com 14 lojas (incluindo Moleskine ou Storytailors ) das 12h às 20h e também um restaurante, o Le Jardin (aberto até 2h), além de espaço para artes e expos. www.eastbanc.pt
Esta semana na Fugas onlineAs férias a nuUns dias sem roupas à vista no Centre Helio-Marin, campo de férias para naturistas em França com muita experiência no tema: em 1950, tornou-se o primeiro campo do género a abrir na Europa.
Mosela, um rio de vinhosUm novo episódio de uma série de viagens de André Ribeirinho sob o mote Comer e beber na Alemanha, entre vinhas, enólogos e boas mesas. Vamos pela região do Mosela.
Experience”, assiste-se a Red Obsession (o vinho “red” de Bordéus é o mote) e há jantar no restaurante Clérigos, seguindo-se tertúlia com o realizador, Warwick Ross, David Eley (“curador dos wine and food films e autor do mais recente mapa do Douro”) e Soares Franco. Pelo meio, outra “Cinema Experience”, dia 17, com o filme Jiro Dreams of Sushi (sobre o sushi master Jiro Ono) e jantar no Clérigos, com tertúlia participada pela Associação Portuguesa de Nutricionistas e Ricardo Campos Costa, proprietário do restaurante anfitrião e do Shis. www.dourofilmharvest.co
Índia premeia Portugal como melhor destino de arte
divisão a decorrerem ao longo do
ano. Os prémios são votados online
e toda a gente pode votar, sendo
que os votos dos profi ssionais de
turismo valem por dois. Após a
gala europeia de hoje, seguem-se
as rondas das Caraíbas e América
do Norte, Ásia e Australásia e, por
fi m, África. Depois, contagem de-
crescente para a grande batalha:
a dos melhores do mundo, com
cerimónia marcada para Novem-
bro em local ainda por anunciar.
www.worldtravelawards.com
Siga a actualização dos WTA na Fugas online
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Mais notícias emfugas.publico.pt/
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 33
As fugas dos leitores
Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para fugas@publico.pt. Os relatos devem ter cerca de 2500 caracteres e as dicas de viagem cerca de 1000. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publicados nesta página, são premiados. Esta semana com um exemplar da colecção Lucky Luke. Mais informações em fugas.publico.pt
Mata Nacional dos Medos, o prazer da viagem
Pode uma simples caminhada
pela natureza ser algo divertido
e apaixonante? Acredito
sinceramente que sim.
1 de Maio de 2009. 8h40m de
uma bela e clara manhã de um dia
soalheiro. De olhos bem abertos,
entramos no carro e fazemo-nos
à estrada. Vinte minutos depois,
chegamos à Fonte da Telha. A
minha irmã Tina e o meu cunhado
Zé, companheiros do mesmo
destino, recebem-nos jovialmente.
Descemos em busca do único bar
aberto àquela hora para a “bica da
manhã”.
Entramos nos carros e um par de
minutos depois chegamos ao ponto
de partida da nossa caminhada,
situado num parque no meio do
pinhal junto ao portão da Apostiça.
Mochilas às costas, cantis à cintura,
máquinas fotográfi cas a tiracolo,
roupa adequada e aí vamos nós
para uma caminhada através do
grande pulmão do concelho de
Almada: a Mata dos Medos.
Conta a História que El-Rey
D. João V mandou plantar este
imenso pinhal na actual Paisagem
Protegida da Arriba Fóssil da
Costa de Caparica, com o intuito
de fi xar as areias provenientes
das dunas da orla marítima que
invadiam os terrenos agrícolas do
interior existentes na altura. Daí
que a zona também seja conhecida
como Pinhal do Rei. Transposto o
portão da Apostiça, em fi la indiana
começamos a nossa caminhada
mata adentro pelo meio de três
centenas de hectares de arvoredo
composto maioritariamente por
pinheiros mansos. Borboletas
amarelas e castanhas dão as boas-
vindas. Damos os primeiros passos
por entre clareiras planas, relvadas
de diferentes tons de verde, e
nalguns casos protegidas por
zonas densamente arborizadas.
Chega-nos o perfume de pinheiros
mansos que abrigam, aqui e ali,
pequenos arbustos, como as
sabinas das praias.
Raios de luz rompem entre as
sombras dos altos pinheiros, cuja
voz silenciosa nos transmite calma
e serenidade. Peneireiros grasnam
árias em clave de sol. Ao longe o
piar de um mocho solta-nos um
sorriso. Abruptamente, o roncar
dos motores de algumas motos
que passam por nós e teimam
em estragar esta beleza natural.
Depois, no fi m, surge apenas o
apaziguador sussurro do vento lá
bem no alto da copa das árvores.
Para diante deparamos com
pequenas dunas de areia fi na e
branca da praia, com tufos de
alecrim ou rosmaninho. Por vezes
o olfacto traz às nossas narinas
o cheiro de salva misturada com
hortelã-pimenta brava. Nos médios
arbustos de tojo que orlam as
ladeiras aparecem nos seus braços
grandes cachos de pequeninas
bolinhas de sabão entrançadas
umas nas outras. O Zé diz que estas
bolinhas sinalizam os locais onde
os cucos cantaram ontem à noite.
Deixo-me levar pela lírica
melodia do Atlântico, que entoa
à minha direita. Fecho os olhos
e, como que por magia, sinto
deslocar-se por todo o bosque
uma espécie de mantra. Dando
uma paz e tranquilidade ímpar ao
momento. Um besouro voa por
cima das nossas cabeças. Faz-se
sentir o suave abraço da canícula.
O terreno vai fi cando mais
macio a cada passo que damos
em virtude da enorme quantidade
agulhas de pinheiro misturadas
no chão. Paisagem Protegida da
Arriba Fóssil, lembra um cartaz,
indicando o valor de coimas para
quem infringir a lei. Damos mais
meia dúzia de alegres passos, até
depararmos com aquilo que resta
de uma nocturna fogueira. Moscas
voam sobre restos de comida e
bebida. Piquenique? Ou o que
restava de algum culto secreto,
como contam algumas lendas?
10h45m. Prosseguimos em
estado hipnótico rodeando aquilo
que nos parece ser a toca de um
texugo. Eis a lagoa de Albufeira. E
a seguir a ela, e por uma acentuada
descida, entre pinheiros altos
que se cruzam entre si, aparece
o mar. Até lá chegar o chão está
polvilhado de cactos. Ao perto e
ao longe avistam-se pescadores.
À beira-mar, milhentas conchas
vazias espalham-se pelo areal.
Meio-dia. A fome aperta. É
tempo de degustar sem pressas
as “sandochas”. O silêncio faz-
nos companhia. Aos nossos pés
apenas se ouve o testemunho do
borbulhar das águas na lagoa,
onde o tempo passa devagar.
Deito-me de barriga para cima
até o meu olhar se perder pela
janela que se destapa sobre o céu.
Hoje aprendi que todos queremos
viver no topo mais alto de uma
montanha — mas toda a felicidade
está durante a subida.
José Alberto Santos
As 5 coisas
São Paulo
1A Avenida PaulistaÉ o cartão-de-visita de São Paulo. É indiscutível. Prédios enormes, sem que consigamos perceber quando terminam. O fluxo de helicópteros é tão grande como o fluxo de carros nas ruas. Milhões de pessoas, a qualquer hora do dia, sempre com pressa. Há ainda teatros, cinemas, livrarias para perder a cabeça.
3
Rita Dantas Ferreira, jornalista, vive e trabalha há 11 meses em São Paulo.
de que eu mais gosto...
...em
2O Parque IbirapueraÉ dos poucos espaços verdes perdido na cidade de betão. Ideal para passar uma manhã ou uma tarde tranquila, andar de bicicleta e ler um livro. É melhor durante a semana porque aos fins-de semana transforma-se numa cidade, com milhares de pessoas. Lá dentro, há o Museu de Arte Moderna, o Museu Afro Brasil, o prédio que abriga a Bienal de Arte, o Pavilhão Japonês, o Planetário e o auditório Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer.
LiberdadeA seguir ao Japão, São Paulo tem a maior comunidade de japoneses. Fixaram-se na capital paulista e tornaram o bairro da Liberdade, no centro da cidade, o seu endereço. Todos os fins-de semana há barraquinhas de comida japonesa, artesanato e bonsais à venda. Gosto especialmente da hiperloja Ikesaki (quatro pisos de produtos cosméticos ao preço da chuva).
4Restaurante Dona FlorindaQuando as saudades de casa apertam, recorro à Rua António Pereira Souza, 227, no bairro Santana. No restaurante Dona Florinda, encontro bacalhau à Zé do Pipo, polvo à lagareiro, leitão assado... A boa-disposição do senhor Bernardo Tavares, natural de Espinho, e da família torna a refeição ainda mais saborosa. É como voltar a casa por umas horas. É tipicamente português, tipicamente delicioso. Com direito a broa, vinho verde tinto em tigela e o carinho da terrinha.
5O VelosoDizem os especialistas que a melhor coxinha de frango com catupiry é feita no Veloso. Eu acredito. Já comi várias, mas aqui é divinal.A s caipirinhas do barman Souza também são imperdíveis. Aconselho a de pimenta dedo-de-moça ou a de maracujá. Acompanhar com uma, duas, três coxinhas... Também adoro o restaurante/bar Skye na cobertura do Hotel Unique. Tem uma vista incrível. O ideal é ao chegar ao fim do dia, pedir um mojito à beira da piscina e ver o pôr do sol.
34 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
Motores
damente no dia-a-dia, essa diferença
não se nota. O que se poderá notar
será talvez um ligeiro aumento nos
consumos face às outras carroçarias
da gama, mas ainda assim, apesar
de o veículo que conduzimos vir
equipado com jantes de 19’’ em vez
das de 17’’ de série (o que penaliza os
consumos), obtivemos uma média de
6,2 l/100km – muito aceitável para
um carro com quase 5 metros e 1,6
toneladas de peso.
O maior problema deste 320d GT
é sofrer de “opcionismo”, a “doença
infantil” dos veículos premium, que,
com maior ou menor intensidade,
ataca todos os modelos do grupo
BMW (Mini incluídos): o veículo que
conduzimos tinha um preço-base de
46.800€; no entanto, o equipamento
opcional que trazia aumentava-lhe
Uma berlina em formato de coupé mais espaçosa que a carrinha da mesma gama? Sim: o série 3 GT supera a série 3 Touring em espaço interior e mala. Face ao série 5 GT, o 3 GT tem argumentos para ter o sucesso que o irmão maior não teve.
As opiniões va-
lem o que valem, mas, para quem
escreveu estas linhas, o 320d GT,
com motor 2.0 a gasóleo de 184cv
acoplado a uma excelente caixa au-
tomática Steptronic de 8 relações, é
talvez o melhor modelo da BMW que
já conduziu. Este veículo conjuga o
visual elegante de um coupé com a
funcionalidade de uma carrinha, tem
mais espaço interior para cinco pes-
soas que a carrinha série 3 Touring e
uma mala que supera em 25 litros a
da carrinha. A cereja no topo do bolo
é a economia de consumos.
É claro que não há milagres, e este
3 GT tem mais 200mm de compri-
mento, 79mm de altura e 17mm de
largura que a carrinha. Mas se não
há milagres, há soluções engenhosas
e as maiores dimensões estão muito
bem aproveitadas. Acresce que a dis-
tância entre eixos também aumenta
de 2810mm para 2920mm, o que, a
somar à primeira asa retráctil em
modelos da BMW (ver pormeno-
res), confere maior estabilidade e
compensa a maior altura do série 3
Gran Turismo.
Para um condutor experimenta-
do, o aumento de peso e as maiores
dimensões do GT face aos outros
série 3 podem originar um compor-
tamento menos dinâmico em curva
se se conduzir nos limites, mas para
a grande maioria de nós, e nomea-
Uma carrinha em formato de coupé. O melhor dos BMW?
Teste BMW 320d Gran Turismo
João Palma (texto)e Vítor Cid ( fotos)
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 35
s Design, espaço interior, qualidade percebida,
conforto na condução, economia de consumos
t Preço inflacionado pelo equipamento que é
importante mas é pago à parte
BARÓMETRO
FICHA TÉCNICA
MecânicaCilindrada: 1995ccPotência: 184cv às 4000rpmBinário: 380 Nm às 1500-2750rpmCilindros: 4 em linhaVálvulas: 4 por cilindroCombustível: GasóleoAlimentação: Injecção directa por rampa comum. Turbo de geometria variável. IntercoolerTracção: TraseiraCaixa: Automática de 8 velocidadesSuspensão: Tipo McPherson com braços inferiores, molas helicoidais e barra estabilizadora, à frente; independente multibraços, com molas helicoidais e barra estabilizadora, atrásDirecção: Pinhão e cremalheira, com assistência eléctricaDiâmetro de viragem: 11,8mPneus: 225/45 R19 à frente; 255/40 R19 atrás (opção, 1002€; 225/50 R17 de série). RunflatTravões: Discos ventilados à frente e atrásDimensõesComprimento: 4824mmLargura: 1828mmAltura: 1508mmPeso: 1575kgCapac. depósito: 57 litrosCapac. mala: 520 litros (1600 litros com bancos traseiros rebatidos)Prestações*Velocidade máxima: 226 km/hAceleração 0 a 100 km/h: 7,9sConsumo misto: 4,9 litros/100 km (com jantes de 17’’)Emissões de CO2: 129 g/km* Dados do construtorPreço46.800€ (viatura ensaiada, 64.157€)
Aviso de colocação dos cintos de segurança: SimControlo electrónico de estabilidade (ESP): Sim Assistência ao arranque em subida: SimIndicador pressão dos pneus: SimTravão de estacionamento eléctrico: NãoVida a bordoVidros eléctricos: SimVidros escurecidos com protecção solar: Opção (369€) Fecho central: SimComando à distância: SimRetrovisores rebatíveis electricamente: NãoAr condicionado: Sim, automático (opção, bizona, incluída no pack Conforto Interior, 908€)Abertura depósito no interior: NãoAbertura da mala no interior: Sim, com o comandoBancos e estofos em pele: Opção (1276€)Bancos dianteiros desportivos: Opção (579€)Função Start/Stop: SimFixações Isofix: SimJantes em liga leve: Sim, 17’’ (opção, 19’’, 1002€)Rádio/CD com MP3: Sim (em opção, hi-fi, 622€)Conexão Bluetooth: Opção (incluída no pack Conforto Condução, 1346€)Conexões iPod/iPhone: Opção (incluída no pack Conforto Condução)Comandos no volante: SimVolante em pele: SimVolante regulável em altura: Sim Volante regulável em profundidade: SimComputador de bordo: Sim Alarme: Opção (507€) Navegação GPS: Opção (2520€)Regulador/limitador de velocidade: Sim, com função de travagem, opção (incluída no pack Conforto de Condução)Sensores de luz e de chuva: Opção (incluída no pack Conforto)Sensores de estacionamento traseiros: Opção (incluída no pack Conforto Condução)Câmara de visão traseira: Opção, incluída no pack Parqueamento, Faróis de nevoeiro dianteiros: SimFaróis de bixénon: Opção (incluída no pack Iluminação, 1306€)Tecto de abrir eléctrico: Opção (1160€)
EQUIPAMENTO
SegurançaABS: SimAirbags dianteiros: SimAirbags laterais: Sim, à frenteAirbags de cortina: SimAirbag de joelhos para o condutor: Não
o valor fi nal para 64.157€! Mais de
17.000€, o sufi ciente para comprar
outro carro… É certo que algum des-
te equipamento opcional é mesmo
não essencial, como a Modern Line,
uma das três linhas de design para
embelezar o carro, sendo as outras
Luxury e Sport e qualquer delas cus-
tando 1887€. Mas serem opção a de-
sactivação do airbag do passageiro ou
sensores de estacionamento traseiro,
que muitos utilitários baratinhos tra-
zem de série, é esticar a corda. Por
isso, quem quiser adquirir um 320
GT pode contar com uns dez mil eu-
ros a somar ao preço-base para ter
um carro minimamente equipado.
E há mesmo equipamento opcio-
nal que é essencial, como o pack Parqueamento (1479€), que engloba
sensores de estacionamento diantei-
ros e traseiros, assistente de estacio-
namento e câmara de visão traseira,
indispensável para manobrar este
“porta-aviões” por ruelas estreitas,
na medida em que, mesmo em mar-
cha para a frente a velocidades redu-
zidas, avisa da proximidade de obstá-
culos, por sinais sonoros e indicação
gráfi ca, no ecrã central da consola.
Não tão fundamental mas muito
útil é a excelente caixa automática
de 8 relações, um item que, neste
caso, é justifi cável ser opção, cus-
tando 2478€, que contribui para o
conforto na condução. Para além
da suavidade de funcionamento e
rapidez de resposta, é um descanso
em situações de pára-arranca — pre-
mindo-se o travão, pára o motor, que
volta a arrancar se se solta o travão
(o Start/Stop é um pouco sensível
demais, basta levantar ligeiramente
o pé do travão para o motor recome-
çar a trabalhar) e, mesmo em subi-
das íngremes, o carro nunca descai.
Quanto a economia de consumos,
eles são idênticos aos obtidos com a
caixa manual.
Bonito, espaçoso, confortável
(notoriamente em longas viagens,
graças a uma boa suspensão), com
estabilidade tanto em recta como em
curva e boas performances mesmo no
modo Eco Pro (o ideal para uma con-
dução económica e racional), o 320d
GT, como todos os modelos da BMW,
benefi cia de série do BMW Service
Inclusive por 5 anos ou 100.000km,
que compreende inspecção da viatu-
ra mudanças de óleo, fi ltros, velas e
líquido dos travões.
MAIOR QUE A CARRINHA
Para quem prefere as carrinhas, sob pretexto de serem mais práticas, a outros tipos de carroçaria, este GT desfaz esse argumento: é mais espaçoso por dentro que qualquer dos outros série 3, com mais 25 litros de mala que a carrinha. Sob o fundo da bagageira com formato regular, proporcionando boa arrumação dos volumes, não há pneu sobresselente mas um espaço para arrumar objectos. Traz pneus run flat, que, mesmo com pressão nula (por furo ou perda de ar), possibilitam a circulação do carro a uma velocidade máxima de 80 km/h durante 80 quilómetros. E apesar de os run flat serem mais rígidos e desconfortáveis que os pneus normais e originarem consumos superiores, a marca conseguiu contornar esses problemas, sendo o 320d GT confortável e comedido nos consumos.
ESTÉTICA ALIADA A FUNCIONALIDADE…Para que a traseira tivesse a linha descente dos coupés e o carro tivesse estabilidade direcional acrescida, estreia-se a primeira asa traseira activa em modelos da BMW. A 110 km/h eleva-se automaticamente, descendo abaixo dos 70 km/h. Também é possível elevá-la e baixá-la mesmo com o carro parado por meio de um comando na porta do lado do condutor. Outros elementos que aliam estética à funcionalidade são os Air Curtains, entradas de ar nos spoilers dianteiros complementadas com saídas atrás das rodas para diminuir a turbulência nas cavas das rodas.
… MAS NÃO HÁ CARROS PERFEITOS Pois é… embora este série 3 GT consiga um feliz casamento entre a elegância e a harmonia de linhas interiores e exteriores com a facilidade e comodidade de utilização, há, no meio deste paraíso, uma pequena serpente: o pequeno visor rectangular entre o velocímetro e o conta-quilómetros, com várias indicações (odómetro, orientações de navegação, temperatura, etc.), fica tapado em certas posições do volante. A sua consulta seria muito mais fácil se estivesse colocado em cima em vez de na parte inferior do painel de instrumentos.
O MODO IDEAL DE CONDUÇÃOEste 320d GT tem quatro modos de condução: Comfort (o modo standard sempre que se põe o carro a trabalhar), Eco Pro (para economia de consumos, com conselhos para uma condução mais racional), Sport e Sport + (condução mais desportiva). Se com os modos desportivos se nota uma resposta mais rápida e nervosa do motor, as diferenças entre os modos Comfort e Eco Pro, em termos de condução, não são tão evidentes. Já para economia de consumos, o modo Eco Pro é o mais aconselhável — aliás, este deveria ser o modo standard. Mesmo neste modo, em caso de necessidade em recuperações e ultrapassagens, a resposta é rápida e eficiente.
36 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
MotoresTeste Peugeot 508 RXH 2.0 HDi Hybrid4
Uma jóia tecnológica da marca do leãoO emblema no capot não diz tudo: o topo de gama da Peugeot alia potência e economia de consumos a um equipamento bastante completo de nível superior. Nesta versão carrinha, a 508 RXH equipara-se a modelos premium do mesmo segmento.
A Peugeot 508
RXH é a versão mais sofi sticada da
carrinha topo de gama da Peugeot,
ombreando com veículos de outras
marcas do subsegmento D premium.
A motorização é a Full Hybrid Die-
sel do grupo PSA, estreada no SUV
(sport utility vehicle) Peugeot 3008:
um propulsor 2.0 de 163cv a gasó-
leo impulsiona as rodas dianteiras e
um motor eléctrico de 37cv acoplado
ao trem traseiro, o que lhe confere
tracção integral. Há ainda um tercei-
ro motor, de 11cv, para o arranque,
que é sempre efectuado em modo
eléctrico.
A maior altura ao solo face às ou-
tras variantes do Peugeot 508 e a
tracção 4x4 confere-lhe em teoria
aptidões para circular fora de estra-
da. Mas a colocação das baterias do
sistema híbrido sob o fundo da mala
não só reduziu a capacidade desta
de 518 para 400 litros, como levou
a Peugeot, para ganhar volume de
bagageira, a optar por equipar esta
carrinha com um kit de “reparação”
(ou melhor, de “estragação”) de
pneus em vez de um pneu sobresse-
lente – uma solução muito discutível
no caso de se querer sair do asfalto
para terrenos irregulares, onde au-
menta o risco de danos maiores nos
pneus que um pequeno furo. Aliás,
os pneus de alta performance que
equipavam o veículo que conduzi-
mos, Michelin Pilot Sport 3 245/45
R18 V, são de asfalto. A vantagem da
maior altura ao solo é a redução do
risco de se raspar o fundo do carro
em pisos mais degradados.
A Peugeot não segue a política de
alguns fabricantes de modelos de
luxo, cujo custo real, sobrecarregado
por equipamento opcional que deve-
ria ser de série, é bastante superior
ao preço-base anunciado – as mar-
cas argumentam que assim o cliente
pode personalizar o seu veículo, mas,
na realidade, o que se torna “perso-
nalizável” é o preço fi nal. Custando
perto de 44.000€, a carrinha Peugeot
508 RXH não é nem pretende ser um
meio de transporte acessível – nessa
área, a marca do leão propõe vários
modelos. Porém, em comparação
com veículos premium equivalentes,
não só o preço-base é inferior, como
o equipamento de série é muito mais
completo, podendo-se dispensar as
opções e ter à mesma um carro bem
equipado.
No veículo que conduzimos, os
extras totalizavam 2000€: pintura
metalizada (520€), abertura eléctri-
ca do portão traseiro (490€), faróis
bixénon com assistente de máximos
(900€) e pinças de travões em preto
(90€). Entre o equipamento de série,
referência para os sensores de chu-
va, luminosidade e de estacionamen-
to (com apresentação gráfi ca no ecrã
central da proximidade de obstácu-
los), o head-up display (projecção de
informações sobre uma pequena lâ-
mina transparente sobre o tablier em
frente ao posto de condução), o sis-
tema de auxílio ao estacionamento,
o climatizador quadrizona, a entrada
sem chave e arranque por botão, o
travão de estacionamento automá-
tico, o alarme, os bancos dianteiros
eléctricos e aquecidos, o sistema de
info-entretenimento e de navegação,
os vidros escurecidos, o cruise con-
trol ou o tecto panorâmico eléctrico.
Em muitos veículos premium, muito
disto seria considerado opção com
a consequente sobrecarga no custo
inicial…
Quanto à segurança, a Peugeot 508
foi testada em 2011 pelo Euro NCAP,
tendo então obtido o máximo de 5
estrelas, com 90% na protecção dos
ocupantes, 87% nas crianças, 41% nos
peões (com este valor, abaixo do ac-
tual mínimo de 60%, a Peugeot 508
já não obteria as 5 estrelas) e 97% nos
dispositivos auxiliares de segurança.
No interior, com espaço sufi ciente
para alojar cinco pessoas e uma boa
posição de condução, ressalta pela
positiva a qualidade dos materiais
usados e o cuidado nos acabamentos
e pela negativa a inexistência de com-
partimentos abertos na consola para
guardar pequenos objectos (carteira,
telemóvel, etc.). Em termos de con-
dução, nota-se o peso do veículo no
arranque, mas, uma vez em marcha,
a potência da motorização está pre-
sente e para este veículo não há su-
bidas íngremes – é sempre a acelerar.
O sistema HYBrid4 tem quatro mo-
dos de condução: Auto (escolha do
próprio sistema por defeito), Sport,
4WD e ZEV (modo eléctrico). Os dois
motores podem funcionar de forma
complementar, com o propulsor
diesel como principal e o eléctrico
a apoiar, por exemplo, nas acelera-
ções a fundo), conjunta (modos 4WD
e Sport, com ambos a funcionarem
ao mesmo tempo) ou no modo ZEV,
em que apenas funciona o motor
eléctrico, por um máximo de 4km e
João Palma
FICHA TÉCNICA*
Motor de combustão 4 cil., 16v, 1997cc, gasóleo Potência 163cv às 3850 rpmBinário máximo 300 Nm às 1750 rpmMotor eléctr. de arranque Síncrono de magneto permanentePotência 11cv às 6000 rpmBinário máximo 150 NmMotor eléctrico traseiro Síncrono de magneto permanentePotência 27cv (regime normal) ou 37cv (em pico) Binário máximo 200 Nm às 1290 rpm Bateria Hidretos metálicos de níquelCapac. útil da bateria 1,1 kWhPotência total combinada 200cvBinário máx. combinado 450 NmVeloc. máxima 213 km/hAceleração 0/100 km/h 8,8s Consumo médio 4,1 l/100 km (urbano, 4,0 l/100km)Emissões de CO2 107 g/km Preço 43.930€ (veículo ensaiado, 45.930€)*Dados do construtor
FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 37
a velocidades até 60 km/h. No modo
Auto, a velocidades reduzidas e em
percursos relativamente planos,
pode entrar em funcionamento auto-
maticamente o modo eléctrico desde
que haja carga na bateria.
Muito silenciosa e com uma sus-
pensão confortável na boa tradição
francesa (por vezes, demasiado, o
que pode originar uma certa adorna-
gem em curva), os consumos podem
ser vistos de forma negativa ou posi-
tiva: negativa, porque os 6,2 l/100km
que obtivemos estão longe dos 4,1
l/100km anunciados pela marca;
positiva, porque este é um veículo
que pesa 1,9 toneladas. Mesmo as-
sim, para se conseguir essa média
houve que fazer uma boa gestão do
pedal do acelerador e ter atenção
para evitar ao máximo ultrapassar
a zona verde do conta-rotações.
Ainda um reparo para a caixa
manual robotizada de seis relações:
apesar de o “poço” nas mudanças de
velocidade estar parcialmente suavi-
zado pelo auxílio do motor eléctrico,
o funcionamento desta caixa está
longe de se equipar a, por exemplo,
caixas de dupla embraiagem usadas
por outros fabricantes. Já o compor-
tamento do sistema de Start & Stop
é irrepreensível.
O regresso do minimonstro do todo-o-terreno
Trinta aninhos (fei-
tos em Junho) é razão mais do que
sufi ciente para celebrar. E não há
melhor maneira de festejar um mo-
delo do que o lançamento do mes-
mo, mas renascido. A versão 4x4 do
Fiat Panda chegou no fi m de 2012,
quase um ano após a chegada da
nova e terceira geração do Fiat Pan-
da, no início desse ano. E veio para
confi rmar o espírito todo-o-terreno
do pequeno modelo da marca ita-
liana, que continua a surpreender
pela versatilidade e capacidade de
enfrentar um grande número de
adversidades.
Mas tirem-se desde já as dúvidas:
não é por ser um 4x4 que se torna
menos apto para palmilhar a cida-
de. O Panda, seja em que versão
for, é sempre um citadino simpá-
tico de se conduzir (e de estacio-
nar: pelo espaço, com 3686mm de
comprimento, mas também pela
opção City, que torna o carro muito
fácil de manusear). Além de diver-
tido, tem um bom nível de equi-
pamento, em que se incluem um
efi ciente ar condicionado manual
ou o rádio com leitor de CD/MP3.
Como opção, pode ter o sistema
de info-entretenimento Blue&Me
TomTom2 Live ou o sistema City
Brake Control, que, até 30 km/h,
reconhece obstáculos à frente da
viatura e trava caso o condutor não
o faça em tempo útil.
Mas é quando se sai da cidade,
quer por asfalto quer por caminhos
menos direitinhos, que ele mostra
bem do que é capaz, tirando pro-
veito da tracção integral mas tam-
bém dos ângulos de ataque, saída
e ventral, de, respectivamente, 21º,
36º e 20º. É certo que não é um
grande monstro do todo-o-terreno
(nem o seu preço é tão assustador
como o daqueles), nem sequer tem
altura ao solo para isso, por isso o
melhor é poupá-lo a incursões mais
árduas. Mas este monstrinho tam-
bém não se acanha em brincadeiras
off -road muito por causa do sistema
de transmissão Torque On Demand
(binário a pedido, numa tradução
literal). Isto é, quando necessário o
Panda transforma-se para ultrapas-
sar os obstáculos.
Com o renovado esquema de sus-
pensões, assim como com pneus
175/65 R15 84T M+S, o Panda 4x4
consegue adaptar-se a vários tipos
de piso: neve ou gelo, lama ou terra
batida. O sistema de controlo elec-
trónico de estabilidade com diferen-
cial autoblocante electromecânico
apoia o arranque em pisos com fra-
ca aderência e, abaixo de 50 km/h,
bloqueia as rodas sem aderência,
transferindo a força destas para as
que continuam “agarradas”.
Dessa forma, não é pelo seu pe-
queno tamanho que se pode calcu-
lar o obstáculo a enfrentar. Sobe,
FIAT PANDA 1.3 MULTIJET 16V 75CV S&S 4X4
Motor: 1248cc, 4 cil., turbodieselPotência: 75cv às 4000 rpmBinário: 190 Nm às 1500 rpmTransmissão: caixa manual de cinco velocidadesVeloc. máxima: 159 km/hAceleração 0 a 100 km/h: 14,5sConsumo médio (100 km): 4,7 litrosEmissões de CO2: 125 g/kmÂngulos (ataque/saída/ventral): 21/36/20Preço: 19.500€
desce, afunda-se e desafunda-se
sem que em nenhum momento
provoque qualquer tipo de ânsia a
quem segue lá dentro. Até porque,
para lá das pequenas alterações no
desenho exterior face à versão 4x2,
mais evidentes nas protecções late-
rais (lamentavelmente em plástico),
o Panda 4x4 mostra-se bem prote-
gido: sob a carroçaria, protecções
rígidas em alumínio dão confi ança
q.b. para se enveredar por empe-
drados e caminhos tortuosos.
Como motorização diesel (tão
apreciada no mercado português),
1.3 Multijet de 75cv, a Fiat conse-
gue aliar diversão off -road a baixos
consumos – embora superiores
aos da versão normal do Panda,
até porque para se conseguir um
binário capaz de enfrentar certos
terrenos o ideal é desligar o sistema
Start&Stop (que, diga-se, nem sem-
pre cumpre os requisitos na cidade;
não são poucas as vezes que no sinal
vermelho o carro se “esquece” de
desligar). Por isso, aos 5,0 l/100km
calculados pela Fiat para os percur-
sos urbanos o melhor é somar mais
um ou dois de cada vez que se sai
do alcatrão.
O pequenino Fiat Panda 4x4 revela mais aptidões para circular fora de estrada que veículos maiores e teoricamente mais credenciados.
Teste Fiat Panda 4x4
Carla B. Ribeiro
NUNO FERREIRA SANTOS
38 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013
Plano de viagem
Viagem de 10 dias por dois países de grande beleza e com um rico passado histórico-monumental. Bulgária, espelho de várias civilizações, e Roménia, país dos Cárpatos, da Transilvânia, dos mosteiros de Bucovina e do conde Drácula. Preço: desde 1395€, com avião, taxas, circuito em autocarro, estadia com pensão completa e visitas com guia. Partida a 27 Setembro. www.pintolopesviagens.com
Ar livre
Cá dentro
Lá fora
Festa das bruxas em Montalegre
Passeio de barco às Berlengas
Cruzeiro pelo rio Volga
Preço: 125€/pessoa. A Festa das Bruxas de Montalegre, que se realiza há 10 anos, proporciona oportunidades particulares para fotografar. Quando o dia 13 coincide com uma sexta-feira, a vila transforma-se para esconjurar o mau-olhado, as bruxas e seus bruxedos. A Fotoadrenalina sugere para o fim-de-semana de 13 de Setembro uma experiência fotográfica que inclui duas noites em hotel com pequeno-almoço, acompanhamento de fotógrafo profissional, material de apoio sobre os percursos e “Jantar das Bruxas Encantadas”. www.fotoadrenalina.com
Durante meio-dia desfrute, num passeio em barco semi-rígido, da paisagem do arquipélago das Berlengas (Berlenga, Estrela e Farilhões), onde a abundância de peixes, o rendilhado das falésias e as inúmeras grutas constituem as maiores atracções. Preço: 50€/adulto e 35€/crianças até aos 12 anos. A experiência é acompanhada por profissionais. www.adventurebyyou.pt
Preço: desde 1480€/pessoa em cabine dupla. De Moscovo a São Petersburgo, a bordo de um cruzeiro, navegando por canais, rios e lagos. Inclui passagem aérea, taxas, 10 noites de alojamento com pensão completa, visitas e excursões em autocarro de turismo com guia. Partida a 18 de Setembro. www.jadetravel/
Leiria
Preço: desde 75€ em quarto duplo. Construída há mais de 500 anos e agora cuidadosamente restaurada, a Casa da Quinta Alves de Matos fica situada na aldeia de Conqueiros, a cerca de 12 quilómetros de Leiria, excelente localização para visitar as praias de Vieira de Leiria, as termas de Monte Real, Pedrógão, São Pedro de Moel, Figueira da Foz e Nazaré. Este empreendimento de turismo rural dispõe de spa, banheira de hidromassagem, solário natural, piscina exterior e jardim. http://quintaalvesmatos.pt
Escalada desportiva
O Clube de Actividades de Ar Livre (CAAL) organiza uma acção de formação em escalada desportiva, nível 1, composta por várias sessões teóricas e práticas nos dias 7, no Penedo da Amizade (Sintra); 14 em Cascais; 22 na Costa da Caparica e 28 e 29 de Setembro em Salir. Preço: 120€. Tel.: 217788372. www.clubearlivre.org
Buenos Aires
Preço: a partir de 1299€ por pessoa em quarto duplo. Viagem de cinco dias para conhecer a rica história de Buenos Aires e os seus principais atractivos: tango, gastronomia, vinhos, Museu de Eva Perón, Caminito (colorido de casas de lata e madeira), Palácio Barolo, Teatro Colon e Café Tortoni. Inclui passagem aérea, taxas, estadia e city tour. www.clubeviajar.pt
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NUNO FERREIRA SANTOS
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