Post on 03-Dec-2018
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS5ª Promotoria de Justiça de Jataí
EXCELETNÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DAS
DAS FAZENDAS PÚBLICAS DA COMARCA DE JATAÍ – GOIÁS.
“Quem quiser governar deve analisar estas duas regras de
Platão: uma, ter em vista apenas o bem público, sem se
preocupar com a sua situação pessoal; outra, estender suas
preocupações do mesmo modo a todo o Estado, não
neglicenciando uma parte para atender à outra. Porque quem
governa a República é tutor que deve zelar pelo bem de seu
pupilo e não o seu; aquele que protege só uma parte dos cidadãos,
sem se preocupar com os outros, introduz no Estado o mais
maléfico dos flagelos, a desavença e a revolta. ” (Cícero in Dos
Deveres, trad. De Alex martins, p. 56)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS,
através de sua representante legal, titular da Curadoria do Patrimônio Público, com
fulcro na Constituição Federal, artigos 37, caput e parágrafo 4.º; 129, inciso III; na Lei
Federal n.º 7.347/85 ( Lei da Ação Civil Pública); na Lei Federal n.º 8.429/92 (Lei de
Improbidade Administrativa); Lei Federal n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público); no Código Civil Brasileiro, artigo 186; na Constituição do
Estado de Goiás, art. 92, caput e parágrafo 4.º; e artigo 117, inciso III; e, ainda, com
base no Inquérito Civil Público n.º 017/07 , em anexo, vem ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DEAÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DE AGENTE PÚBLICO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DE AGENTE PÚBLICO
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS5ª Promotoria de Justiça de Jataí
em desfavor de:
FERNANDO HENRIQUE PERES , brasileiro, casado,
economista, natural de Serranópolis, filho de José
Peres de Assis e de Ildefonsa Peres de Assis,
portador do RG n. 766.950 SSP/GO e do CPF n.
190.982.001-68, residente e domiciliado na Avenida
Goiás – n. 387 – centro – Jataí-GO, pelos fatos e
fundamentos que seguem articulados:
1. DOS FATOS E DAS PROVAS:
Ch Chegou ao conhecimento do Ministério Público do Estado de
Goiás, através de depoimento prestado nesta 5ª Promotoria de Justiça, que o
Município de Jataí, através de seu Prefeito, ora réu, teria cedido parte de um
imóvel público para construção de um quiosque para instalação de um forno para
pizza para fruição de imóvel particular.
Ante essas informações, foi instaurado o Inquérito Civil n.º
017/07 e no curso das investigações foi determinada a retirada de fotos externas da
referida construção – fls. 05, bem como a notificação e posterior oitiva do
proprietário do imóvel contíguo – fls. 23/26.
Juntada de certidão de cumprimento de diligência pelo Oficial
de Promotoria – fls. 15/22.
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Na seqüência da instrução, foi requisitada da empresa
Construtora Hotchfiel toda documentação relativa à negociação entre o Município
de Jataí e a mencionada empresa para construção de um quiosque em imóvel
público situado em frente ao Centro Médico Municipal – fls. 27.
Juntada da documentação a fls. 28/41 .
Requisição ao Município de Jataí de informações e
documentos pertinentes ao tema – fls. 42.
Resposta a fls. 43/76, juntando cópia do termo de permissão
administrativa de uso e cópia do processo administrativo n. 13097/2007 referente à
desocupação e devolução do bem.
Relatório final a fls. 77/78.
É o breve escorço.
2. DOS BENS PÚBLICOS
É cediço que os bens públicos, classificados em bens de uso
comum, de uso especial e dominical, podem ser utilizados pela pessoa jurídica de
direito público que detém a sua titularidade ou por outros entes públicos aos quais
sejam cedidos, ou, ainda, por particulares.
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Os particulares exercem sobre os bens púbicos diferentes
formas de uso, que dão lugar a dupla classificação, segundo Maria Sylvia Zanella
de Pietro, Direito Administrativo - ob. citada – 10ª ed. - Ed. Atlas, p. 450:
a)- pelo critério da conformidade ou não da utilização com o
destino principal a que o bem está afetado, o uso pode ser normal ou anormal;
b)- pelo critério da exclusividade ou não do uso, combinado
com o da necessidade ou não de consentimento expresso da Administração, o uso
pode ser comum ou privativo.
De acordo com o jurista José dos Santos Carvalho Filho, em
sua obra Manual de Direito Administrativo – 17ª ed. - Ed. Lumen Juris – p. 992, “uso
privativo, ou uso especial privativo, é o direito de utilização de bens públicos
conferido pela Administração a pessoas determinadas, mediante instrumento
jurídico específico para tal fim.”
O festejado jurista Hely Lopes Meireles, in Direito Municipal
Brasileiro – 15ª ed. - Ed. Malheiros – p. 309, ensina que “as formas administrativas
para o uso especial de bem público por particulares variam desde as simples e
unilaterais autorização de uso e permissão de uso até os formais contratos de
concessão de uso e de concessão de uso como direito real resolúvel, além da
imprópria e obsoleta adoção dos institutos civis do comodato, da locação e da
enfiteuse.”
2.1. DA PERMISSÃO DE USO
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Segundo a administrativista Maria Sylvia Zanella di Pietro “ é
o ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso,
pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bem público,
para fins de interesse público. “ (grifei).
Constam na doutrina como exemplos comuns desses atos de
consentimento: permissão de uso para feiras de artesanato em praças públicas;
para vestiários públicos; para banheiros públicos; para restaurantes ou sorveteria.1
3 . DA SITUAÇÃO EM EXAME
Conforme foi apurado no ICP n. 017/07, o Município de Jataí,
representado pelo réu, celebrou “Termo de Permissão Administrativa de Uso” com
a empresa Hochtief do Brasil S. A. para que esta construísse uma área de lazer no
imóvel público situado na Quadra 04 – Setor Hermosa – de frente para a Rua
Santos Dumont.
No mencionado termo de permissão administrativa de uso,
consta na cláusula terceira:
“CLÁUSULA TERCEIRA: Como a construção da área de
lazer propiciará melhor qualidade de vida aos integrantes da
PERMISSIONÁRIA, que beneficiará o Município, a
permissão de uso ora conferida será a título gratuito. “
1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17.ª Ed. Rio de Janeiro, Lumem Juris, 2005, p. 995.
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Tem-se pela análise das fotos enviadas pelo Município e pelo
depoimento do proprietário do imóvel contíguo, que na referida área pública foi
construído um “quiosque” com churrasqueira e forno para assar pizza para
comodidade da pessoa de Rodrigo da Silva Worms, funcionário da permissionária,
a qual locava o imóvel contíguo.
Conclui-se, portanto, que a permissão do uso do imóvel
público ocorreu tão somente para beneficiar o funcionário da empresa
multinacional Hochtief, a qual desenvolve negócios neste município, de modo que
pudesse usufruir de um quiosque com churrasqueira e forno para pizza, ainda que
fosse em terreno público.
Assim, da ilação resultante do mencionado fato, tem-se que o
ato administrativo está totalmente despido do interesse público e totalmente
permeado pela pessoalidade e pela satisfação de um interesse particular.
Ora, é cediço que mesma a autorização administrativa de uso,
ato administrativo pelo qual o Poder Público consente que determinado indivíduo
utilize bem público de modo privativo, atendendo primordialmente a seu próprio
interesse, também deve atender ao interesse público, “objetivo inarredável para a
Administração”2.
Destarte, deduz-se que o ato administrativo foi praticado com
ofensa ao princípio da impessoalidade e da supremacia do interesse público,
princípios norteadores da Administração Pública, motivo pelo qual configurada
2 CARVALHO FILHO José dos Santos – ob. citada – p. 993
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está o ato de improbidade administrativa previsto no caput do art. 11 da Lei n.
8429/92..
4- DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Os princípios que regem a Administração Pública estão
previstos na Constituição Federal, no artigo 37, “caput”, que textualmente
preleciona:
“Art. 37. A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:
(omissis)
§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão
a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e graduação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
O Artigo 4.º da lei de Improbidade Administrativa estabelece
o dever dos administradores diante da coisa pública. Vejamos:
“Art 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou
hierarquia são obrigados a velar pela estrita
observância dos princípios de legalidade,
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impessoalidade, moralidade e publicidade no trato de
assuntos que lhe são afetos.”
A referida lei censura a ofensa aos princípios do art. 37 da
Constituição Federal, bem como aos princípios inerentes ao sistema,
exemplificativamente arrolados no art. 11, caput, da Lei n. 8429/92, por entender
que as ações e omissões atentatórias “revelam o desvio ético de conduta, a
inabilitação moral do agente público para o exercício de função pública”, nos
dizeres de Wallace Piva Martins Júnior, in Probidade Administrativa- ed. Saraiva –
3ª ed. - p. 276/277..
O princípio da supremacia do interesse público, também
chamado de princípio da finalidade pública, é definido magistralmente pela ínclita
jurista Maria Sylvia Zanello di Pietro, ob. citada, vejamos:
” Esse princípio está presente tanto no memento da elaboração da lei
como no momento da sua execução em concreto pela Administração
Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa
em toda a sua atuação. (...) pode-se dizer que o direito público somente
começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do
direito civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou
conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substitui-se
a idéia do homem como fim único do direito (própria do
individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para
todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas
decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os
individuais.(...) O direito deixou de ser apenas instrumento de
garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para
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consecução da justiça social, do bem comum, do bem estar coletivo.
(...) Se a lei dá a Administração os poderes de desapropriar, de
requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista
atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse
individual. Em conseqüência, se, ao usar de tais poderes, a autoridade
administrativa objetiva prejudicar um inimigo político, beneficiar um
amigo, conseguir vantagens pessoais para si ou para terceiros, estará
fazendo prevalecer o interesse individual sobre o interesse público, e,
em conseqüência, estará se desviando da finalidade pública prevista
em lei. Daí o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade, que
torna o ato ilegal.
Ligado a esse princípio de supremacia do interesse público – também
chamado de princípio da finalidade pública – está o da
indisponibilidade do interesse público que, segundo Celso Antônio
Bandeira de Mello (1995:31-33 , 'significa que sendo interesses
qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público
– não se encontram à libre disposição de quem quer que seja, por
inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não
tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas
curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que
dispuser a intentio legis . Mais além, diz que 'as pessoas
administrativas não têm portanto disponibilidade sobre os interesses
públicos confiados à sua guarda e realização. Esta disponibilidade está
permanentemente retida nas mãos do Estado (e de outras pessoas
políticas, cada qual na própria esfera) em sua manifestação legislativa.
Por isso, a Administração e a pessoa administrativa, autarquia, têm
caráter instrumental.'” - grifei
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Ressalte-se, por este princípio, que o interesse público é sempre
o desiderato da Administração Pública, objetivo absolutamente olvidado na
permissão de uso em voga.
Questiona-se: qual é o interesse público de se permitir a
construção de uma churrasqueira e um forno para pizza em área fechada para
utilização de um particular? Como os administrados, em geral, fruirão tais
benefícios? Desde quando a construção de uma churrasqueira e um forno para
pizza de um particular propiciará melhor qualidade de vida que beneficiará o
Município, consoante cláusula terceira do termo ? Onde está o interesse público ?
Admitindo-se como correto o ato de permissão, é de se aferir
que estaria permitida, para uso particular, qualquer área pública para construção
de área de lazer, propiciando melhoria de qualidade de vida do usuário, que
beneficiaria o município. Assim, aquele que quisesse utilizar parte de uma praça
pública para construção de piscina particular, por exemplo.
Ora, tais ilações afiguram absurdas em face da coisa pública!
O ofício da lavra da Procuradoria Geral do Município informa
que a negociação se deu de forma legal, sem lesão ao patrimônio público, com
incorporação de benfeitorias no imóvel, sem ônus para a municipalidade.
Pondera-se que o ato administrativo desde o início é eivado de
vício de desvio de finalidade, sendo nulo. Ademais, não são somente os atos com
lesão ao patrimônio público que figuram ato de improbidade administrativa, o
enriquecimento ilícito e a ofensa aos princípios da administração também são atos
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de improbidade, sendo que estes últimos dispensam o prejuízo material, na medida
em que censura o prejuízo moral.
Argumenta-se, ainda em relação à incorporação das
benfeitorias ao imóvel público, para que servirá à coletividade o quiosque com
churrasqueira e forno para pizza em uma pequena parte de um terrreno defronte
ao hospital municipal ? Pretende-se instituir um mini-clube, com acesso regrado ?
Quanto à alegação de ausência de ônus para a municipalidade,
é o mínimo que se esperava diante do ato pessoal e descaracterizado de interesse
público.
Verifica-se, ainda, a ofensa ao princípio da impessoalidade,
definido por Odete Medauar (1991) como “o princípio segundo o qual a
Administração Pública atua representada por seus agentes, situando-se estes
como longa manus. “
Segundo Fábio Medina Osório, em sua obra Teoria da
Improbidade Administrativa – Ed. Revista do Tribunais, p. 158 :
“Não atuam os agentes em nome próprio, mas, impessoalmente,
na representação dos interesses públicos da Administração
Pública. Com certeza, porque não representam, ou não poderiam
representar, seus próprios interesses, os agentes públicos devem
atuar de modo impessoal e imparcial. (...) Note-se que a
impessoalidade exige uma correta atuação do Estado, como
administrador, relativamente á sua finalidade, livre de qualquer
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inclinação, tendência ou simpatia pessoal, como bem aponta Diogo
de Figueiredo Moreira Neto. (...) “ grifei
Ainda sobre o tema, José dos Santos carvalho Filho, ob, citada,
ensina que:
“Esse princípio deve ser concebido em uma dupla perspectiva.
Em um primeiro sentido, estatui que o autor dos atos estatais é
órgão ou a entidade, e não a pessoa do agente (acepção ativa). Sob
outra ótica, torna cogente que a administração dispense igualdade
de tratamento a todos aqueles que se encontrem em posição
similar, o que pressupõe que os atos praticados gerem os mesmos
efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em
idêntica situação fática ou jurídica, caracterizando a
imparcialidade do agente público (acepção passiva) (...) Com isto,
preserva-se o princípio da isonomia entre os administrados e o
princípio da finalidade, segundo o qual a atividade estatal deve
ter sempre por objetivo a satisfação do interesse público, sendo
vedada a atividade discriminatória que busque unicamente a
implementação de um interesse particular.” grifei
De fato, chega-se à conclusão que o benefício só foi concedido
em face do pedido da poderosa empresa, inserto nos autos do Inquérito Civil
público, sendo certo que o administrado comum jamais conseguiria tal bônus (e
nem poderia, tamanho absurdo). Pode-se dizer que ainda que se admitisse tal
possibilidade, há motivos mais nobres para a utilização do imóvel público pelo
particular que não seja construção de churrasqueira e forno para pizza.
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Deste modo, a única finalidade deste ato administrativo foi a
satisfação de um interesse particular, para não dizer, capricho da permissionária,
haja vista que há inúmeros imóveis disponíveis para locação neste Município que já
possuem churrasqueira e forno para pizza.
Não é permitido à Administração tratar diferenciadamente
seus munícipes, sob pena da ocorrência do flagelo previsto por Cícero: a desavença
e a revolta.
Em verdade, a denúncia que originou a abertura do Inquérito
Civil Público descreve a revolta popular causada pelo ato, sendo entendido até
como doação ao particular. Ademais, há informações que a referida área é
destinada à expansão do Centro Médico, contudo, parte da importante área pública
está ocupada por um quiosque com churrasqueira e forno para pizza, cercada por
muro, para quem quiser ver e passar em frente, conforme demonstram as
fotografias inserta na procedimento investigatório.
5. DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Diz o artigo 37, caput, e parágrafo 4º, da Constituição
Federal:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
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...
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública,
a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação
penal cabível”.
Para atender ao comando constitucional, foi erigida a Lei
n.º 8.429, de 02.06.92, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos
nos casos de enriquecimento ilícito, no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras
providências”.
Conferindo na obra de De Plácido e Silva o verbete
Improbidade Administrativa, encontra-se:
“Improbidade. Derivado do latim improbitas ( má qualidade,
imoralidade, malícia), juridicamente, liga-se ao sentido de
desonestidade, má fama, incorreção, má condução, má índole,
mau caráter. Desse modo, improbidade revela a qualidade do
homem que não se procede bem, por não ser honesto, que age
indignamente, por não ter caráter, que não atua com
decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do
ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto, o
transgressor das regras da lei e da moral. Para os romanos, a
improbidade impunha a ausência de existimatio , que atribui
ao bom conceito. E sem a existimatio, os homens se
convertem em homines intestabiles, tornando-se inábeis,
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portanto, sem capacidade ou idoneidade para a prática de
certos atos” (Vocabulário Jurídico, vol. II e III, 12.ª edição,
Editora Forense, págs. 431 e 210”)
A Lei n.º 8.429/92 surgiu para impor sanções aos agentes
ímprobos e desta forma, tutelar o bem jurídico de interesse coletivo que é a
probidade administrativa. Não conceituou o que seria ato de improbidade
administrativa, mas enunciou três categorias de atos administrativos e elencou,
numerus apertus, algumas condutas a fim de facilitar a aplicação da norma.
As categorias dos atos de improbidade administrativa
podem ser visualizadas a partir da leitura das seções do Capítulo II da referida
Lei, que trata dos atos de improbidade administrativa:
a ) Os atos de improbidade administrativa que importem Enriquecimento Ilícito,
conforme caput do artigo 9º, verbis:
“Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa
importando enriquecimento ilícito auferir qualquer
tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, mandato, função, emprego ou
atividade nas entidades mencionadas no art. 1.º desta
Lei, e notadamente: ...”.
b ) Os atos de improbidade administrativa que causam Prejuízo ao Erário,
conforme caput do artigo 10, verbis:
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“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa
que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão,
dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação
dos bens ou haveres das entidades no art. 1º desta Lei,
e notadamente: ...”.
c ) Os atos de improbidade administrativa que atentam contra os Princípios da
Administração Pública, conforme caput do artigo 11, verbis:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa
que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres
de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições, e notadamente: ...”.
No tocante ao ato de improbidade administrativa por
ofensa aos princípios da Administração Pública, Wallace Piava Martins Júnior, ob.
citada, esclarece que:
“A violação de princípio é o mais grave atentado cometido
contra a Administração Pública, porque é a completa e
subversiva maneira frontal de ofender as bases orgânicas do
complexo administrativo. Grande utilidade fornece a
conceituação do atentado contra os princípios da
Administração Pública como espécie de improbidade
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administrativa, na medida em que inaugura a perspectiva de
punição do agente público pela simples violação de um
princípio, para assegurar a primazia dos valores ontológicos
da Administração Pública, que a experiência mostra tantas e
tantas vezes ofendidos à míngua de qualquer sanção. (...) a
preponderância dada aos valores morais da Administração
Pública torna muito mais efetiva e adequada a tutela da
probidade administrativa, de modo que se conforta com a
matriz do art. 11 violação a qualquer dos princípios do art.
37 da constituição federal (repetidos no art. 4º e no próprio
art. 11 como deveres dos agentes públicos), censurando atos
que, embora não necessitem produzir efeito financeiro
negativo no patrimônio público, impliquem ilegalidade,
desonestidade, incompetência, nulidades absolutas,
pessoalidade, falta de publicidade e, é claro, imoralidade. A
enumeração legal dos princípios constantes é mera
exemplificação. “
6- DAS MEDIDAS JUDICIAIS APLICÁVEIS AOS AGENTES
ÍMPROBOS
Também houve a atenção do legislador na Lei n.º
8.429/92 em definir quem seriam os sujeitos passivos das sanções nela
previstas, isto é, quais as pessoas que podem figurar como agentes ímprobos
passíveis de suas sanções:
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“Art. 1º Os atos de improbidade praticados por
qualquer agente público, servidor ou não, contra a
administração direta, indireta ou fundacional de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de
empresa incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta
por cento) do patrimônio ou da receita anual, serão
punidos na forma desta lei.
...
Art. 2.º . Reputa-se agente público, para os efeitos desta
Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente
ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou
função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Art. 3.º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que
couber, àquele que, mesmo não sendo agente público,
induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma
direta ou indireta”.
A referida Lei elencou todas as sanções cabíveis aos
agentes públicos ímprobos, em seu artigo 12, verbis :
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“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis
e administrativas, previstas na legislação específica,
está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações:
I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento
integral do dano, quando houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a
10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três)
vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10
(dez) anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do
dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de 5
(cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até
2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefício ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
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jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5
(cinco) anos;
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do
dano, se houver, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos,
pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor
da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3
(três) anos.”
Não obstante essas previsões, ocorrendo o dano ao erário
público, seja por ação ou omissão, dolo ou culpa, deverá se dar o devido
ressarcimento. É a determinação contida no artigo 5.º dessa Lei. Vejamos:
“Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou
omissão, doloso ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-
á o integral ressarcimento do dano.”
7- DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DA LEI
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO CASO CONCRETO.
A conduta do réu Fernando Henrique Peres ao permitir
o uso de imóvel público para construção por particular de quiosque com
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churrasqueira e forno para pizza, descrita na primeira seção, importou em violação
de princípios da impessoalidade e da finalidade pública da Administração Pública,
encontrando subsunção nas hipóteses de atos de improbidade definidas na Lei n.º
8.429/92.
Apurou-se que o ato de permissão de uso é nulo, haja
vista o desvio de finalidade, qual seja: beneficiar particular às custas do bem
público.
Acerca da ausência de prejuízo para o erário e ausência
de enriquecimento ilícito, a Lei de Improbidade Administrativa é clara:
“Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta Lei
independe:
I- da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;
II- da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de
controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de
Contas.”
Insta frisar que o bem público não pode ser usado com
instrumento de benefícios para particulares em detrimento do interesse público,
por quem tem a obrigação de administrá-lo com eficiência e economicidade,
exigindo-se do administrador uma eficiência mínima.
Oportuno, neste ponto, colacionar a lição de Fábio
Medina Osório que expõe.
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“... a improbidade decorre da quebra do dever de
probidade administrativa, que descende, diretamente, do
princípio da moralidade administrativa, traduzindo
dois deveres fundamentais aos agentes públicos:
honestidade e eficiência funcional mínima. Daí decorre
a idéia de que improbidade revela violação aos deveres
de honestidade “lato sensu” e eficiência profissional em
sentido amplo. Ímprobo é o agente desonesto, tanto que
se fala, de modo pouco técnico, em lei anti-corrupção
(terminologia impregnada de conteúdo do direito penal),
indicando-se que a falta de honestidade é causa de
improbidade; mas também ímprobo o agente
incompetente, aquele que, por culpa, viola comandos
legais, causando lesão ao erário, demonstrando
ineficiência intolerável no desempenho de suas funções.
(grifei) - (Improbidade Administrativa, Observações
sobre a Lei 8.429/92, Editora Síntese, 2ª edição )
Do exposto, deflui que o ato administrativo praticado
pelo réu foi eivado de pessoalidade e despido de interesse público encontrando
perfeita adequação no artigo 11, caput da Lei de Improbidade Administrativa
(Lei n.º 8.492/92). Vejamos.
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa
que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres
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de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições, e notadamente:
(omissis)
Deste modo, configurado o ato de improbidade
administrativa praticado pelo réu Fernando Henrique Peres, consoante
demonstram os documentos integrantes do Inquérito Civil Público n. 017/07,
impõe-se a condenação daquele nas penas pertinentes.
8- DOS PEDIDOS:
Em face do exposto, requer o Ministério Público do
Estado de Goiás:
a) reconhecer a devida forma desta exordial, determinar sua autuação,
juntamente com a do Inquérito Civil Público n. 017/07 e a notificação do
requerido para oferecer manifestação por escrito, no prazo legal ( Art. 17,
§ 7.º, da Lei 8.429/92, com a redação dada pela MP 2.225-45, de 4.9.2001 );
b) após decorrido o prazo para manifestação acima, com ou sem a
apresentação dela, que Vossa Excelência, em decisão fundamentada,
receba a petição inicial3 e determine a citação do requerido para
apresentar contestação, se quiser ( Art. 17, § 8.º e § 9.º da Lei 8.429/92, com
a redação dada pela MP 2.225-45 de 4.9.2001 );
3 Isto é, reconheça a relação jurídico-processual, condições da ação e pressupostos processuais.
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c) a intimação do Município de Jataí, através de seu Vice-Prefeito4, para
facultativamente, intervir para os fins do art. 17, § 3º , da Lei n.º 8.429/92;5
d) que a comunicação pessoal dos atos processuais se proceda, nos termos do
art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do art. 41, inciso IV, da Lei n.º
8.625/93;
e) seja julgado procedente o pedido para reconhecer a existência do ato de
improbidade administrativa e a nulidade do ato de permissão de uso;
f) seja julgado procedente o pedido de condenação do requerido nas sanções
civis, nos termos do artigo 12, III, da Lei 8.429/92;
g) que seja o requerido condenado nos ônus da sucumbência.
O Ministério Público do Estado de Goiás indica e
requer como meio de provar o alegado, além dos documentos anexos,
depoimentos pessoais e perícias, sob pena de confesso, que ficam desde já
requeridos, as demais provas admitidas em direito e que se fizerem necessárias
ao pleno esclarecimento desse Juízo.
4Segundo Emerson Garcia, ob. citada, “no caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no §3º do art. 6º da Lei n. 4717/65.” 5 Para a 1.ª Câm. de Direito Público do TJ-SP, AC 31.194-5/4, Rel. Scarance Fernandes, 9-3-1999, v.u., “ou ingressa pessoa jurídica no pólo ativo, ou não ingressa em nenhum dos pólos, permanecendo inerte.
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Dá-se a presente ação o valor de R$ 1.000,00 (um mil
reais).
Nestes termos, pede DEFERIMENTO.
Jataí, 22 de abril de 2008.
KEILA MARTINS FERREIRA GARCIA
Promotora de Justiça
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