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RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta ISSN 2594-6129 (Impresso) ISSN 2594-6137 (Online) Periodicidade: Semestral Editorial Presidente de Honra: Profª. MSc. Edilaine Batista Rodrigues – Faculdade Anchieta do Recife – FAR Editor da Revista: Prof. Dr. Washington Martins – Faculdade Anchieta do Recife – FAR Comitê Editorial Prof. MSc. Alexandre Rodrigues Santos – Universidade Federal do Piauí – UFPI, Brasil Profª. MSc. Ana Cláudia O. da Silva – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil Profª. Drª. Iáglice Maria Maranhão – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Profª. Drª. Magna Sales Barreto – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Profª. Esp. Lisandra Mendonça de Carvalho – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Prof. MSc. Renato Barros Leite – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cabo de Santo Agostinho – FACHUCA, Brasil Prof. MSc. Severino Miguel dos Santos Filho – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Comitê Científico Prof. Dr. Andrew Grau Arau – Universidad de Barcelona – UB, Espanha Prof. Dr. André Felipe de Albuquerque Fell – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil Prof. MSc. Daniel Felipe Victor Martins – Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Brasil Profª. Drª. Isabel Meneses – Universidade do Porto – UP, Portugal Prof. Dr. Ivan Bim Requena – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Prof. Dr. Ciro Bezerra – Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Brasil Prof. Dr. Ramón Alcoberro – Universidad de Girona – UG, Espanha Profª. Drª. Roseane Nascimento da Silva – Secretaria da Educação de Pernambuco e Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Institucional Direção Geral – Prof. Dr. Ivan Bim Requena Direção Acadêmica – Prof. Dr. Washington Martins Leitores de Prova Profª. Esp. Danielle Maria Gardoni Rodrigues Editoração Eletrônica e Diagramação Duílio Matos Everton Vieira Assessoria Técnica Secretaria Acadêmica – Maria Edna Saturnino Porto Secretaria Geral – Sybelle Tavares da Silva Biblioteca – Silvani Bernardo Lucena Ouvidoria Institucional – Prof. Edward José de Melo Comissão Própria de Avaliação (CPA) – Profª. Drª. Iáglice Maranhão Autor Corporativo Faculdade Anchieta do Recife Av. Engenheiro Domingos Ferreira, 2050 – Boa Viagem, Recife – PE – Brasil. CEP 51.111-020. E-mail: contato@faculdadea.com.br
R5454 RIFA — Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta — Vol. 1, n. 1, (ago./dez. 2017)— .[S.1.: s.n.], 2017-
Semestral ISSN: 2594-6129
1. Abordagem do Ciclo de Políticas — Método analítico para políticas educacionais — Periódicos. 2. Tecnologia da informação — História da Técnica — Periódicos. 3. Educação Inclusiva — Currículo — Periódicos. 4. Docente — Formação — Periódicos. 5. Pedagogia dialógica freireana — Periódicos. 6. Avaliação Educacional — Periódicos. 7. Democracia Participativa — Periódicos. I. Faculdade Anchieta do Recife.
CDU (05) 37+65
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017
SUMÁRIO
RIFA – REVISTA INTERDISCIPLINAR DA FACULDADE ANCHIETA DO RECIFE
PALAVRAS DA PRESIDÊNCIA...........................................................................................05
Edilaine Batista
PALAVRAS DO DIRETOR GERAL......................................................................................07
Ivan Bim Requena
EDITORIAL.............................................................................................................................09
Washington Martins
ARTIGOS.................................................................................................................................11
A POLICY CYCLE APPROACH OU ABORDAGEM DO CICLO DAS POLÍTICAS E A
PESQUISA EM EDUCAÇÃO: UM MÉTODO ANALÍTICO EM POLÍTICAS
EDUCACIONAIS...................................................................................... ..............................13
Ana Cláudia Oliveira da Silva
MEMÓRIA HISTÓRICA DA TÉCNICA: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E
TRANSFORMAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL OCIDENTAL..................................27
André Felipe de Albuquerque Fell
Daniel Felipe Victor Martins
O CURRÍCULO: O DESAFIO PARA A INCLUSÃO DOS SURDOS..................................41
Daisy Autran
A PROFISSÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DA DOCÊNCIA: DIÁLOGO E
CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES.................................................53
Magna Sales Barreto
Clarissa Martins de Araújo
PERSPECTIVA FREIRIANA SOBRE DIÁLOGO: CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA
AVALIATIVA................................................................................. ........................................69
Roseline Nascimento de Ardiles
Roseane Nascimento da Silva
A DEMOCRACIA INQUIETA. CAMINHOS DE PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA PARA
OS DESCAMINHOS DA SOCIEDADE LIBERAL E REPRESENTATIVA.......................83
Washington Luiz Martins da Silva
DIRETRIZES.........................................................................................................................125
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 5
PALAVRAS DA PRESIDÊNCIA
A revista que apresentamos à comunidade acadêmica e científica
brasileira nos proporciona para o ganho de uma intimidade com diversas áreas dos
nossos cursos de graduação e pós-graduação e áreas afins, em consonância às novas
tendências da educação do ensino superior para o século XXI, discutidas desde 1997
em Paris e que teve como produto um Relatório publicado pela UNESCO e, aqui no
Brasil, logo no ano seguinte, pelo Conselho Federal de Educação, no qual consta a
defesa do exercício da interdisciplinaridade em todo terceiro ciclo.
O aparecimento da Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do
Recife – RIFA nos permite requisitar para a Instituição a implantação futura de um
primeiro mestrado como resposta aos esforços de uma busca incessante de uma
qualidade no ensino, na pesquisa e na extensão.
Como gestora da Faculdade Anchieta do Recife nos norteamos em alguns
paradigmas para a gestão da educação tanto pelas vias econômica (eficiência),
pedagógica (eficácia), política (efetividade)e, finalmente, antropológica
(relevância).Tais aspectos sustentam a nossa satisfação em tornar a Instituição rumo
à qualidade. E no caso do primeiro número da nossa revista RIFA, reflete-se nisso,
haja vista porque lançamos também mais uma ferramenta para os nossos alunos em
prol de suas formações e conquistas profissionais.
O que se busca é na verdade a eliminação de qualquer diferença superficial
do conhecimento. Com isso, se está objetivando, de toda forma, minimizar a
exclusão intelectual, na qual pessoas inteligentes e sensíveis, em especial aquelas
que resistem a ideia de um conhecimento plural; que ainda não se convenceram que
será da inclusão que se poderá chegar a uma sociedade que minimize a
desigualdade que ela mesma produz.
A Faculdade Anchieta do Recife honra a sua tradição mais uma vez em
chegar aos leitores de todo campo do conhecimento, uma faceta da atividade de
pesquisa do nosso ethos e do nosso tempo. Sendo uma revista desenvolvida no
nordeste que - embora não possua mecanismos sócio-econômicos tão eficazes para
fazer valer uma divulgação mais abrangente de sua inteligência - ao menos tem uma
determinação de entusiasmo.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 6
E é no entusiasmo do nosso ambiente acadêmico que parabenizamos os
autores que contribuíram para a feitura desse primeiro número, bem como toda
equipe editorial que materializou esse empreendimento.
Que tenham todos uma boa leitura!
Edilaine Batista Rodrigues
Presidente
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PALAVRAS DO DIRETOR GERAL
Aqui no Brasil, a integração academia/administração é atenuada em
meados dos anos 80 em função das contínuas crises econômicas ocorridas naquele
período, acarretando pouco incremento financeiro nas Instituições, as quais
procuraram por mecanismos empreendedores incorporar recursos extra-
orçamentários para a sua sobrevivência. No dizer de Petter Drucker o objetivo da
administração é levar as pessoas a atuarem juntas, tornarem as suas forças eficientes
e as suas fraquezas irrelevantes como quem quer afirmar que todo educador deve
ser um gestor.
Esse é o nosso papel como dirigente na Faculdade Anchieta do Recife,
buscando solidez no ensino, na pesquisa e na extensão. E a instalação da nossa
Revista Acadêmica de amplitude internacional demonstra esse propósito. A Revista
surge também em bom momento quando a sociedade vem exigindo respostas aos
problemas atuais.
A revista da Faculdade Anchieta do Recife retrata a sua caminhada
institucional primando pela qualidade de seus cursos e com um quadro docente
composto por pesquisadores e com um patamar diferenciador entre as demais de
ensino privado quando metade de deles são mestres e doutores.
A nossa Faculdade inicia uma nova fase de sua vida institucional. Após
mais de duas décadas servindo ao ensino de graduação e pós-graduação, ademais da
extensão universitária, ela já conta desde o início de 2017, se consolidando no
terceiro pilar próprio e uma academia de ensino superior: a pesquisa.
Com um Conselho Científico de dimensão internacional, a revista será o
veículo de divulgação das investigações científicas sem fronteiras. Com aceitação de
textos em três línguas além do português: inglês, francês e espanhol. Uma revista
que sempre terá como constante a busca dos altos padrões de qualidade com a
colaboração, harmonia e boa vontade de todos.
Ivan Bim Requena
Diretor Geral
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EDITORIAL
A tarefa fundamental de uma revista acadêmica não é apenas a de
transmitir um determinado conhecimento, mas aventurá-lo. Esse tipo de missão,
porém, próximo ao niilismo, tem sido pouca vezes destacado, porque ele abrange
uma missão crítica. E essa crítica não como sancionadora das ideias dos outros, mas
como o que ataca o que tem de alarmante nas ideias vigentes sugerindo novas
perspectivas em prol do aprimoramento do homem e da sociedade. A missão da
crítica ao conhecimento deve ser de “incomodar” o estabelecido e lutar contra o
discurso imposto e fechado. Não é lutar contra o que está superado, mas que a
crítica se adapte aos tempos e que saiba para onde dirigir o seu questionamento.
Neste primeiro número a RIFA oferece ao leitor contribuições que falam de
educação, gestão, tecnologia e democracia, a saber:
Questões referentes à prática avaliativa e à prática pedagógica são tratadas
pelas pesquisadoras Roseane Nascimento da Silva e Roseline Nascimento da Silva
em um diálogo numa perspectiva freireana na ótica da contemporaneidade.
A questão do conhecimento é analisada pela professora Ana Claudia
Oliveira da Silva quando discute uma certa epistemologia pedagógica pondo em
confronto com os modelos da ciências as políticas pedagógicas no seio de um
mundo pluralista e pós-estruturalista.
O debate do pessimismo e otimismo tecnológico é refletido pelos
professores André Felipe de Albuquerque Fell e Daniel Felipe Victor Martins
realizando um balanço histórico da técnica nas sociedades tratando finalmente dos
alicerces atuais da tecnologia da informação e da comunicação.
A professora Dayse Autran nos gratifica trazendo à luz do seu pensamento
quanto ao debate da inclusão, destacando a importância de políticas públicas para
uma estruturação definidora de implantação do ensino da Língua dos Surdos.
Num olhar sobre o mundo do trabalho e do emprego , o processo de
construção da profissão docente, é discutido pelas pesquisadoras Magna Barreto e,
quando destacam sobre a diferenciação entre ofício e profissão, justamente quando
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as estatísticas mundiais cada vez mais revelam a primazia de um olhar da educação
como ferramenta da inclusão.
Finalmente, como pesquisador, realizo uma análise sob as democracias
modernas e contemporâneas de forma a mostrar suas deficiências na sociedade
plural e de massas, além de insinuar futuros caminhos para uma convivência mais
justa e menos desigual.
Os textos procuram assim, de forma crítica e original, traduzirem - desde
um olhar científico e social - temas tão oportunos ao nosso tempo, na aurora desse
novo milênio, os quais apontam a vida humana como prioridade a partir da educação
e as suas interfaces sociais. É mais um esforço do Núcleo de Pesquisa da FAR e do
Grupo de Pesquisa A Polissemia da Ação Humana(CNPq) - do qual sou fundador e
líder - de fazerem contribuir com seriedade assuntos que se direcionam para
interpretações que possam ser utilizadas como configuração que permitam implicar
na necessidade de uma forma comum de interação intelectual.
A Faculdade Anchieta do Recife com sua Revista está iniciando mais um
caminho acadêmico de atuação. Esperamos que nossos leitores sejam um estímulo
para outros caminharem conosco a fim de que a academia continue contribuindo no
aperfeiçoamento da nossa realidade.
Washington Martins
Editor
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ARTIGOS
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A POLICY CYCLE APPROACH OU ABORDAGEM DO
CICLO DAS POLÍTICAS E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
UM MÉTODO ANALÍTICO EM POLÍTICAS
EDUCACIONAIS
Ana Cláudia Oliveira da Silva
RESUMO: O artigo apresenta as principais contribuições da policy cycle approach
para a análise de políticas educacionais. Apresenta um breve histórico dos métodos
analíticos das políticas e seus principais referenciais teóricos. Demonstra como a
concepção de uma política cíclica passa a se constituir como modelo analítico,
afastando-se das estruturas positivistas e aproximando-se do pós-estruturalismo e do
pluralismo. Dentre os referenciais analíticos pós-estruturalistas, encontram-se os
referenciais teórico-metodológicos da policy cycle approach, ou abordagem do ciclo
das políticas, de Stephen Ball e Richard Bowe. A referida abordagem, que analisa
como um ciclo o processo de formulação e implementação das políticas, no qual são
continuamente recriadas por meios dos contextos, é considerada um método de
pesquisa em políticas educacionais.
Palavras-chave: Pesquisa. Método. Análise de Política Educacional. Abordagem do
Ciclo das Políticas.
ABSTRACT: The article shows an essential input of the cycle policy approach to
analysis of the educational policies. Show a little description of the analytics
methods of the politics and your essentials theories references. Proves how
conceptions of the politics cyclic pass to consoling like a analytic model, apart by
positives structure pushing of the post – structuralism and pluralism. Among the
references analytics poststructuralist, are the methodological theoretical, or cycle
approach to policy, Stephen ball and Richard Bowe. This approach, which looks like
a cycle the formulation and implementation of politics, in which they are
continuously recreated about the context, this is considerate a method of the
research on educational policies.
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Keywords: Research. Method. Educational Policy Analysis. Policy Cycle Approach.
Recebido em: 14/03/2017
Aprovado em: 03/07/2017
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva
1. INTRODUÇÃO
Todas as vezes que temos pela frente a tarefa de escrever um texto
acadêmico, seja um artigo ou uma tese, mobilizamos nossas imagens a respeito do
que é ciência e o que é produção de conhecimento científico (MATTOS, 2011).
Assim, podemos refletir acerca das concepções que cercam a produção do
conhecimento, pensando a ciência como um modo de produzir narrativas e de
conceber argumentos.
A construção do conhecimento é um processo dinâmico e incompleto.
Segundo Tartuce (2006), o conhecimento serve tanto de referencial para as
pesquisas qualitativas e quantitativas das relações sociais, como um meio de
descobrir dados próprios das ciências exatas e experimentais. Por conseguinte, “o
conhecimento e o saber são essenciais e existenciais no homem, ocorrem entre todos
os povos, independentemente de raça, crença, porquanto no homem o desejo de
saber é inato” (TARTUCE, 2006, p. 5).
O conhecimento humano é construído, assim, pela relação que se
desenvolve entre quem se propõe a conhecer algo e o aspecto da realidade a ser
conhecido, na qual o primeiro se apropria do segundo. Ou seja, para que a
construção do conhecimento ocorra de fato, é preciso que se constitua uma relação
entre o sujeito e o objeto de conhecimento.
O homem, por natureza, um ser curioso, apodera-se do conhecimento por
meio das sensações que lhe são comunicadas pelos seres e os fenômenos e, partindo
destas, pode elaborar suas representações. Tais representações, por sua vez, não
compõem o objeto real, uma vez que este não depende do conhecimento humano
para existir. Fonseca (2002) adverte que o conhecimento humano se constitui em um
esforço para a resolução das contradições existentes entre as representações do
objeto e sua realidade.
Minayo (2006) ressalta que as religiões, a filosofia, os mitos e a arte
representam poderosos mecanismos de conhecimento que revelam lógicas do
inconsciente coletivo, da vida e do destino dos seres humanos desde a antiguidade.
A ciência ou conhecimento científico não são absolutos de sentido e valor, mas
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apenas uma das formas que o homem explorou para conhecer o mundo e torná-lo
inteligível.
Conforme Tartuce (2006), captar a realidade cotidiana, um conhecimento
popular ou empírico, e aprofundá-la com estudos e determinado rigor metodológico,
é transformá-la em conhecimento científico. Este é um conhecimento cujas
hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida não apenas por meio da
razão, como ocorre no conhecimento filosófico, mas pela experimentação. Em
outras palavras, o conhecimento científico é uma forma de conhecimento não-
imediata, e, sendo assim, demanda um método mais sofisticado do que as
observações e inferências que são empregadas no cotidiano.
Embora os gregos já assinalassem diferenças entre conhecimento mítico
(inspirado pelos deuses) e o conhecimento racional (científico) desde o Século VII
a. C., foi com Galileu Galilei (1564-1642), no século XVII, que a separação entre os
conhecimentos se estabelece de fato. Com a constituição histórica da modernidade
no ocidente, a ciência se apresenta como “a forma hegemônica de construção do
conhecimento, embora seja considerada por muitos críticos como um novo mito da
atualidade por causa de sua pretensão de ser único motor e critério de verdade”
(MINAYO, 2007, p. 35). Na realidade, os campos do conhecimento acabam por se
interpenetrar, uma vez que questionam a realidade de forma a estar sempre
discutindo as possibilidades.
De acordo com Carvalho (2000), o conhecimento científico na sociedade
ocidental procura explicar a realidade e apresentar os elementos que definem a
existência de um determinado evento. Quando o conhecimento é obtido, sua
generalidade precisa ser garantida. Outro ponto importante da ciência na atualidade
é a publicação dos resultados alcançados para que o conhecimento seja colocado em
discussão e fique acessível aos demais cientistas. Além dos resultados, o
pesquisador preocupa-se em apresentar também os caminhos para obtê-los, ou seja,
o “método científico” (CARVALHO, 2000, p. 13).
Destarte, desvendar verdades ou se pretender uma compreensão plena da
realidade não é o princípio fundamental da ciência. Antes, deseja oferecer um
conhecimento temporário que permita, de forma minimamente confiável,
prognosticar acontecimentos que poderão ocorrer no futuro e recomendar
mecanismos que possam interferir nesse processo. Podemos dizer, de outro modo,
que o conhecimento científico é sistemático, contingente, geral, verificável e falível
e que, para se constituir, necessita: a) da definição de um objeto de investigação; b)
de um método para essa investigação.
Bourdieu (2010) assegura que não se podem separar as opções técnicas
empíricas das opções teóricas na construção do objeto de pesquisa. Afinal, é em
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virtude da construção do objeto que os métodos e as técnicas de coleta e análise dos
dados são estabelecidos, “somente em função de um corpo de hipóteses derivado de
um conjunto de pressuposições teóricas que um dado empírico qualquer pode
funcionar como prova (...)” (p. 24). Devido à complexidade na sua construção,
entende-se que o objeto não se apresenta de forma simples e espontânea. Antes, se
constrói ao longo do tempo, de pouco a pouco, por meio de uma série de
retificações.
Ao pesquisador cabe também o pensar relacionalmente, ou seja, observar
que o objeto de pesquisa sobre o qual se inclina não está isolado, mas interliga-se a
uma série de relações que contribuem de forma essencial para caracterizá-lo. Do
mesmo modo, devem ser utilizados todos os preceitos teóricos possíveis para pensar
o objeto – levando em conta, obviamente, a necessidade de uma extrema vigilância
das condições de utilização - afim de livrar-se dos “cães de guarda metodológicos”,
no dizer de Bourdieu (2010).
Bourdieu (2010), ao tratar da sociologia reflexiva, alerta para a necessidade
da constante vigilância do cientista em relação ao campo científico e ao objeto de
estudo, que deve ser trabalhado em todos os aspectos até o esgotamento. E o
pesquisador não deve recusar nenhuma formulação teórica ou metodológica que
possa lhe servir para entender seu objeto neste trabalho tão meticuloso. Dessa forma,
não cabe dissociar método e prática, uma vez que é equivocado falar em algum
método separado do objeto de pesquisa, algum método que se encaixe a priori neste
objeto e que não precise ser complementado por outras correntes metodológicas.
Assim, “é preciso desconfiar das recusas sectárias que se escondem e tentar, em
cada caso, mobilizar todas as técnicas que, dada a definição do objeto, possam
parecer pertinentes e que, as condições práticas de recolha dos dados, são
praticamente utilizáveis” (BOURDIEU, 2010, p. 26).
Contudo, é preciso perceber que esta liberdade em relação à metodologia
não deve ser caracterizada como um algo sem rumo ou desregrado. O objeto deve se
construir rigorosamente, incorporando nesta construção uma gama mais aberta de
influências, desde que cabíveis. Dessa maneira, a situação de vigilância que
Bourdieu (2010) propõe sobre a liberdade teórica e metodológica é basilar. Esta
vigilância quer dizer identificar no cientista e no campo de pesquisa características
próprias que possam vir influenciar nos resultados da investigação científica.
Significa, do mesmo modo, uma disposição para as novas descobertas que quebrem
paradigma e esta situação de ruptura vai exigir certa disponibilidade de se
enriquecer com cada falta cometida, compreendendo que, ao evitar esses erros de
forma sistemática, afastamos também a possibilidade de novas contribuições à
pesquisa realizada.
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Consideramos aqui que pesquisa científica pode ser conduzida mediante o
emprego de diferentes tipos de métodos e que a investigação de diferentes tipos de
objetos de estudo e a adequada capacidade de oferecer respostas à imparcialidade
certamente podem requerer a escolha de tipos de estratégias essencialmente
diferentes. Todavia, ao longo da tradição científica moderna, este pluralismo
metodológico frequentemente não foi tratado com seriedade. Entretanto não apenas
os procedimentos científicos são compatíveis com o pluralismo metodológico, como
também o cultivo de uma pluralidade de estratégias tende a enriquecer o processo de
pesquisa. Como afirmam Bauer e Gaskell (2010, p. 26), se faz necessário, então,
“uma visão mais holística do processo de pesquisa social, para que ele possa incluir
a definição e a revisão de um problema, sua teorização, a coleta de dados, a análise
dos dados e a apresentação dos resultados”. Assim, diferentes metodologias
contribuem das formas mais diversas para o estudo.
Por conseguinte, o método científico não se reduz a uma apresentação das
etapas de uma pesquisa. Não apenas descreve os procedimentos e o passo a passo do
investigador na busca pelos resultados esperados. Conforme Carvalho (2000), ao se
falar em método, trata-se também de especificar os motivos pelos quais aqueles
caminhos foram escolhidos pelo pesquisador e não outros, e são estes motivos que
determinam a forma mais adequada de produzir ciência. Uma vez que a questão do
método se refere aos pressupostos que fundamentam o modo de pesquisar, ela é
teórica e precede à coleta de informações na realidade. Assim, pressupostos
diferentes originam procedimentos diferentes para alcançar o conhecimento.
Isto posto, lembramos que Minayo (2007), ao discorrer sobre a
indissociabilidade de teoria e método, afirma que ambos devem “ser tratados de
maneira integrada e apropriada quando se escolhe um tema, um objeto, ou um
problema de investigação” (MINAYO, 2007, p. 44). Dessa forma, a metodologia
aponta a escolha teórica realizada pelo investigador para tratar o objeto de estudo,
indo além da mera descrição dos procedimentos e técnicas utilizados na pesquisa.
O desenho de uma investigação acadêmica exige, então, que o pesquisador
adote uma série de decisões durante a elaboração do projeto, bem como durante o
processo de investigação e também na conclusão do estudo. Uma vez apresentadas
estas considerações iniciais, cumpre aqui destacar alguns pressupostos
metodológicos que amparam a pesquisa da política no campo educacional.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. A Pesquisa em política educacional
É sabido que há quase um consenso no entendimento, especialmente dos
atores que se encontram no processo de materialização nas escolas, de que as
políticas educacionais são formuladas e implementadas pelo Estado de forma
autoritária, num movimento vertical, de cima para baixo. O enorme distanciamento
entre os objetivos das políticas e aquilo que é implementado, de fato, nas escolas
acaba por gerar questionamentos que vão desde a ineficácia do poder público até a
resistência na concretização de determinada política por parte dos docentes, por
exemplo.
Cientes de que a pesquisa científica não objetiva alcançar verdades
absolutas, entendemos que existem outras formas de compreender esse fenômeno. E
é com base em Muller e Surel (2002), quando afirmam que é inevitável a distância
entre os objetivos de uma política como foi definida pelos tomadores de decisão e os
resultados que podem ser observados no momento da implementação, que
questionamos o entendimento do determinismo na política, colocando em xeque seu
caráter de processo simplista e não-conflituoso.
Desse modo, buscamos discorrer sobre o referencial teórico da policy cycle
approach ou "abordagem do ciclo de políticas", formulada pelo sociólogo inglês
Stephen Ball e colaboradores. Entretanto, antes de iniciarmos a discussão dessa
abordagem, é proeminente lembrar o que se compreende como política e análise de
política, especificamente no setor educacional.
Como mencionado anteriormente, as políticas públicas não se definem
abruptamente, nem se desenvolvem por meio de um processo linear. Ao contrário,
esse processo envolve negociações, barganhas e luta política, abarcando atores e
instituições as mais diversas. E a justificação vai acontecer em diferentes campos de
debate público: legislativo, jurídico, acadêmico etc. Nesse sentido, estamos
considerando que toda política pública contém uma dimensão normativa que reflete
concepções e valores comuns a cada sociedade em específico e podem expressar a
existência de consensos, ainda que, também indiretamente, expressem ausência de
interesses daqueles que foram perdedores nos embates. Essa dimensão normativa
vai refletir o resultado de debates em prol ou contra uma política pública,
conferindo-lhe legitimidade, mesmo perante a diversidade de argumentos e modos
de expressão característicos de cada especialidade.
De acordo com Azevedo (2004), as políticas públicas, como qualquer ação
humana, são definidas, implementadas, reformuladas ou desativadas com base nas
representações sociais que toda sociedade desenvolve a respeito de si própria, ou
seja, sobre sua realidade social, cultural e simbólica. Segue afirmando que em cada
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momento histórico e/ou conjuntural arrisca- se por em ação um determinado projeto
de sociedade “o referencial normativo global das políticas públicas”. A autora
afiança que uma política pública para um determinado setor surge a partir de uma
questão que é “socialmente problematizada”, isto é, a partir de um problema que
discutido amplamente pela sociedade, demandando a atuação do Estado (Azevedo,
2004, p. 61).
Nesse sentido, as políticas públicas não são dádivas do Estado, mas partem
de uma questão socialmente problematizada, exigindo a atuação desta Instituição.
São as forças sociais, que têm poder de voz e decisão, que fazem chegar seus
interesses até o Estado e à máquina governamental (AZEVEDO, 2004). E são essas
forças sociais dos movimentos que ressignificam e repolitizam as políticas sociais e
educacionais, questionando os princípios e valores que legitimam as políticas. Desse
modo, questionando as relações sociais nas suas formas políticas, pedagógicas, etc.,
ressignificam também o Estado, suas políticas e instituições, afirmando sujeitos
políticos e sujeitos de políticas (ARROYO, 2013).
Pesquisar políticas públicas em educação requer do investigador o
conhecimento dos determinantes culturais, sociais, políticos e econômicos que as
envolvem e de como estruturam “a contextura fundamental das disputas sociais que
exprimem a distribuição do poder social na sociedade” (GOMES, 2011, p. 19).
Conforme Gomes (2011), em todas as sociedades, o poder social se encontra
distribuído segundo as divisões e alianças de classes, o que também se reflete na
configuração do Estado. Entretanto, essa distribuição também é passível de mudança
por meio de políticas públicas. E assim como qualquer política pública, as políticas
do setor educacional não são fenômenos monocausais, antes, possuem natureza
múltipla e complexa, assevera o autor.
Mainardes (2006; 2011) esclarece que tanto no cenário nacional quanto
internacional a pesquisa sobre políticas educacionais é um campo de
investigação que vem se consolidando e que ainda são poucos os autores que
levantam discussões acerca de referenciais analíticos mais específicos para a
pesquisa de políticas públicas educacionais. Azevedo e Aguiar (1999), tratando das
produções recentes que investigam as políticas de educação do país, consideram que
é um campo relativamente novo e que ainda necessita de referenciais analíticos
consistentes, sendo atingido também pela contemporânea crise de paradigmas que
afeta as Ciências Sociais e as Ciências Humanas. (AZEVEDO; AGUIAR, 1999, p.
43).
Como exemplo, Ball e Mainardes (2011) citam os Estados Unidos, onde os
estudos de políticas educacionais encontram-se bastante alinhados ao campo da
administração educacional. Já no Reino Unido, as pesquisas estão mais alinhadas no
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 20
campo da Sociologia da Educação, enquanto na América Latina o campo das
políticas educacionais surgiu com o status epistemológico oferecido pela ciência
política, na segunda metade do Século XX, e começou a ser incorporada nos cursos
de formação de professores como Política e Administração da Educação. Se faz
necessário, sob o ponto de vista histórico, compreender como essa discussão se
constitui.
O período posterior às duas grandes Guerras Mundiais foi marcado pela
ascensão de pesquisas na área das ciências sociais que se interessavam pelos
processos de resoluções de problemas sociais decorrentes dos conflitos armados ou
das próprias políticas do Estado à época. Nesse contexto, o termo policy sciences
passou a ser utilizado referindo-se às pesquisas e iniciativas que objetivassem
analisar criticamente as políticas sociais e propusessem modificações nos
textos oficiais, minimizando assim os impactos negativos que tais políticas
ocasionavam (MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011). Uma vez que o objetivo
central era avaliar o sucesso ou insucesso das políticas, sem levar em conta outros
aspectos, essas análises apresentavam um perfil mais tecnicista e positivista na
segunda metade do Século XX e expressamente preocupavam-se com a relação
custo- benefício.
Em meados de 1970, se fortalece a ideia de que os referenciais de análise
deveriam considerar o contexto mais amplo de construção de uma política. Os
trabalhos de Lindblom passam a questionar o foco no racionalismo proposto por
Lasswell e Simon e propõem novas variáveis nas análises, incluindo os discursos
que influenciaram a escrita do texto e os embates ideológicos, por exemplo. A
influência de diferentes agentes na constituição da política, como a escola, os
professores e as instâncias legislativas, foi o grande diferencial desse novo
paradigma de análise de políticas. A partir daí os referenciais de análise passam a
compreendê-las tanto como o processo quanto como o produto das articulações de
textos e relações de poder, principalmente entre o Estado, elaborador das políticas, e
os que as executam. A concepção de uma política cíclica passa a se constituir nesse
momento e os modelos analíticos começam pouco a pouco a afastar-se das
estruturas positivistas, aproximando-se do pós-estruturalismo e do pluralismo
(MAINARDES; BALL, 2011).
Os modelos de análise pluralistas tendem a analisar as políticas de acordo
com as relações de poder e influência estabelecidas pelos sujeitos que apresentam
interesse direto por ela e que estão envolvidos no processo de sua construção.
Nas perspectivas pós-estruturalistas, é bastante relevante a fluidez do poder
entre esses agentes para que se entenda o percurso de formação das políticas,
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apresentando uma preocupação com os discursos subjacentes (MAINARDES;
FERREIRA; TELLO, 2011).
Dentre os referenciais analíticos pós-estruturalistas, encontram-se os
referenciais teórico-metodológicos que estamos apresentando para a análise das
políticas educacionais, qual seja, a policy cycle approach ou abordagem do ciclo das
políticas.
2.2. Abordagem do ciclo das políticas
Autores de diferentes países vêm utilizando a policy cycle approach ou
abordagem do ciclo das políticas como referencial para analisar a trajetória das
políticas sociais e educacionais, uma vez que o ciclo das políticas permite a análise
crítica da trajetória dos programas e das políticas educacionais do momento de sua
formulação até a sua implementação e resultados (MAINARDES, 2006). A
abordagem do ciclo das políticas é bastante útil no contexto brasileiro, pois, como
vimos, o campo de pesquisa em políticas educacionais ainda é bastante novo no
país.
Adotando uma orientação pós-moderna, os trabalhos de Stephen Ball e
Richard Bowe destacam a complexidade da natureza da política educacional. A
formulação inicial foi publicada em um texto, em 1992, no qual Ball e Bowe
discutem os frutos de uma pesquisa sobre a implementação do Currículo Nacional
na Inglaterra e País de Gales, a partir de 1982, e objetivava entender a ligação
entre propostas curriculares e o modelo de produção econômica adotado pelo
governo Thatcher na década dos 80. Os autores defendem o modelo analítico
alicerçado na compreensão de que as políticas curriculares: (a) são um conjunto de
textos (representações) e de discursos (práticas); (b) encontram-se imersas numa
rede de discursos; (c) não são autônomas, mas dependem da história, poderes e
interesses e; (d) têm seus sentidos alterados de acordo com a migração de textos e
discursos de um contexto a outro, por processos que produzem híbridos culturais
(OLIVEIRA; LOPES, 2011).
A referida abordagem pode ser considerada como um método de pesquisa
de políticas educacionais. O processo de formulação e implementação de tais
políticas é considerado como um ciclo, no qual as políticas são continuamente
recriadas. Na formulação inicial, introduziram a noção de um ciclo contínuo
constituído por três facetas ou arenas políticas, a saber: a política proposta, a política
de fato e a política em uso. Porém Ball e Bowe rejeitaram logo após essa formulação
inicial, pois avaliaram que os modelos de política educacional separados em fases de
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 22
formulação e implementação desconsideravam os processos de disputa e os embates
inerentes a política.
O ciclo de políticas destaca “os processos micropolíticos e a ação dos
profissionais que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de
articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais”
(MAINARDES, 2006, p. 49). Desse modo, trata-se de um referencial teórico-
analítico dinâmico e flexível. Ball e Bowe apontam que a ênfase da análise de
políticas deveria recair “sobre a formação do discurso da política e sobre a
interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para
relacionar os textos da política à prática” (MAINARDES, 2006, p. 50). Nessa
perspectiva, levam-se em conta os processos de resistência e conformismo, os
conflitos e as convergências nos discursos.
Assim, os autores propuseram inicialmente um ciclo constituído por três
contextos principais que se inter-relacionam: context of influence, contexto da
influência, context of policy text production, contexto da produção e, context of
practice, contexto da prática. Em 1994, expandiram o ciclo de políticas
acrescentando dois contextos ao referencial original: context of results, contexto dos
resultados (efeitos) e context of strategic policy, contexto da estratégia política. Uma
vez que pesquisadores de políticas educacionais podem interpretar esses contextos
como independentes, é importante destacar que não se tratam de etapas lineares,
portanto, não são sequenciais ou temporais e que toda etapa envolve disputas e
apresenta arenas, lugares e grupos de interesse, sendo interligados (BALL;
MAINARDES, 2011).
O contexto de influência refere-se à fase inicial, na qual as políticas
públicas nascem e onde os discursos políticos são arquitetados. É neste contexto que
os grupos de interesse e as redes sociais atuam, dentro e em torno de partidos, do
governo e do processo legislativo. Procura-se, nessa fase, obter apoio para os
argumentos e a legitimidade para suas propostas que visam resolver às questões
postas, formando o discurso base para a política. Esse discurso ora é amparado, ora
é reptado, por outros discursos mais amplos que já exercem influência nas arenas
públicas de ação.
Ball tem observado em seus trabalhos mais recentes a influência, também,
globais e internacionais, considerando que podem ser entendidas de duas formas: a)
o fluxo de ideias por meio de redes políticas e sociais que envolvem; b) o
patrocínio ou imposição de algumas soluções oferecidas por organismos
multilaterais, como o Banco Mundial, OCDE, Unesco e FMI. Contudo, o autor
considera que tais influências são sempre recontextualizadas pelos Estados- nação,
causando uma ressignificação de tais políticas em cada contexto específico, o que
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demonstra a existência de uma relação dialética ente o local e global
(MAINARDES, 2006). O contexto de influência guarda estreita relação com o
contexto de produção, como veremos.
O contexto de produção, por sua vez, é aquele onde os textos políticos são
criados. Tais textos se articulados com a linguagem do interesse público mais geral e
podem apresentar-se sob formas variadas, como os textos da legislação,
pronunciamentos oficiais e comentários sobre os textos, entre outras. Resultam das
disputas e acordos gerados por grupos que atuam nos diferentes lugares da produção
de textos e que concorrem pelo controle das representações da política. Os textos
políticos, então, representam a política em si. Mas é importante ressaltar, como
adverte Mainardes (2006), que a política não é concebida, nem finalizada, no
momento do legislativo, e sua leitura relaciona-se temporal e localmente com o
contexto.
Desse modo, os textos políticos não mantêm, necessariamente, clareza e
coerência interna e podem ser contraditórios, utilizando até mesmo os termos-chave
da política de modo diverso. A política, assim, pode ser lida como intervenções
textuais, que encerram limitações e possibilidades e tem consequências reais. E são
essas consequências que se podem observar no contexto da prática.
É no contexto da prática, como é apontado por Ball e Bowe (1992, apud
Mainardes, 2006), que a política fica sujeita a interpretação e recriação e é também
onde são produzidos os efeitos que podem gerar as mudanças na política original.
Na arena de conflitos onde ocorre a interpretação dos textos para a realidade, tal
como ela é vista pelos sujeitos, são colocados os diversos valores, as histórias, as
experiências dos leitores. Dessa forma, há protagonismo dos sujeitos no processo de
implementação das políticas, o que remete ao modo singular como a política é
estruturada em cada instituição.
Alguns aspectos podem ser levados em conta, nesse sentido. Por exemplo,
a necessidade de interação de uma nova política com aquelas que existem
anteriormente no contexto da prática, uma vez que políticas diferentes podem
demandar que ações diferentes sejam realizadas simultaneamente, e a base material
de tradução da política, como o recurso governamentais destinados, interferem na
interpretação das políticas e nas relações que se estabelecem, além de as políticas
serem produzidas para situações ideais que acabam por requerer maiores esforços
para relacionar teoria e prática.
O contexto dos resultados, ou efeitos, preocupa-se com os reflexos das
políticas, principalmente no que se refere aos processos de criação e manutenção de
desigualdades. Por sua vez, o contexto da estratégia política atua exatamente nessa
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lacuna, identificando as atividades e ações políticas necessárias para lidar com tais
questões. Ball (apud Mainardes; Ferreira; Tello, 2011) considera o contexto de
resultados pode ser entendido como uma extensão do contexto da prática, enquanto
o contexto de estratégia seria uma extensão do contexto de influência. A
questão fundamental de ambos os contextos aqui é a reflexão sobre questões
conjunturais e sobre as desigualdades produzidas ou reproduzidas por determinada
política e que só podem ser desveladas pela pesquisa criteriosa do contexto da
prática.
Mainardes (2006, p. 58) afiança que os próprios autores explanam
brevemente sobre cada um dos contextos, chamando a atenção para a necessidade
dos pesquisadores, que tomam tal abordagem para investigação de políticas,
refletirem sobre questões que poderiam ser incluídas na análise.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa em políticas educacionais que utiliza como método de análise a
policy cycle approach não se limita à perspectiva do controle do Estado. Antes,
busca compreender a articulação existente entre o macro poder e o micro poder,
entre o global e o local, considerando os diversos atores sociais presentes nas
sociedades complexas.
A policy cycle approach contesta a análise tradicional das políticas
públicas, investigando a trajetória peculiar que traçam cada uma das políticas a
serem examinadas. A referida abordagem permite que o pesquisador lance para a
política estudada um olhar mais abrangente, que supere a linearidade e a
fragmentação presentes neste campo. Certamente, por intermédio dos contextos -
cujas etapas se entrelaçam -, é possível a realização da análise dos dados de modo
exponencialmente mais amplo e multilateral. Desse modo, leva em conta os
elementos que formam tais políticas, bem como a influência mútua entre estes.
Isto posto, espera-se que o presente artigo tenha contribuído para a
compreensão das contribuições da abordagem do ciclo de políticas para o campo da
educação e sua utilização como método de análise de políticas educacionais.
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SOBRE O AUTOR
Ana Cláudia Oliveira da Silva
Pedagoga, mestra e doutoranda em educação pela Universidade Federal de
Pernambuco, onde desenvolve pesquisas no campo das políticas públicas, gestão e
planejamento educacional. É docente e pesquisadora na Faculdade Anchieta do
Recife, com foco de atuação nas relações entre educação, gêneros e desigualdades
sociais dentro dos processos sócio históricos mais amplos no Brasil.
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MEMÓRIA HISTÓRICA DA TÉCNICA: O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
SOCIAL OCIDENTAL
André Felipe de Albuquerque Fell
Daniel Felipe Victor Martins
RESUMO: O artigo tem como objetivo contribuir para uma compreensão da
memória histórica da técnica no processo de construção e transformação da
organização social ocidental, desde o período dos gregos até a Revolução Industrial
do século XVIII. Para tal, fez-se uma pesquisa bibliográfica de natureza
predominantemente qualitativa. Como resultado, constatou-se a contribuição trazida
pela técnica na diversidade de contingências advindas das necessidades práticas da
existência, constituindo um esforço humano coletivo em busca de melhores
condições de vida.
Palavras-chave: Técnica. Memória Técnica. Transformação da organização social
occidental.
ABSTRACT: The article has the main purpose to bring some comprehension to the
historical memory of technics in the building and change of the ocidental social
organization from the greeks to the 18th century industrial revolution. To achieve the
main purpose a mainly qualitative literary research has been made. As result of the
research, it has been noticed that technics has brought contributions to variety of
contingencial demands that come from practical existence and therefore it can be
considered as a collective human struggle in search for better living conditions.
Keywords: Technics. Technic’s memory. Ocidental social organization change.
Recebido em: 10/04/2017
Aprovado em: 30/06/2017
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 28
1. INTRODUÇÃO
A atividade técnica possivelmente representa a primeira atividade do
Homem. Todavia, não se sabe ao certo explicar o que há na origem dessa atividade.
O que levou à ideia de domesticar o animal, escolher as plantas comestíveis a serem
cultivadas? Como deve ter ocorrido a ideia de afinar os metais e fazer o bronze? Ao
que tudo indica, essas questões parecem aumentar o enigma acerca da primeira
atividade do Homem.
Ellul (1968) defende que as técnicas iriam se desenvolver por dois
caminhos bastante diferentes. Um deles conhecido, o caminho concreto do “homo
faber” (a técnica material) e o outro, a técnica de ordem mais ou menos espiritual
denominada técnica mágica. O autor defende que a magia é rigorosamente uma
técnica que se desenvolveu de forma simultânea com as outras técnicas porque por
meio de ritos, formalismos (idênticas técnicas de oração, as mesmas máscaras,
ingredientes de drogas místicas, etc.), de fórmulas, de processos com características,
que quando fixas não mais variariam; o homem procurava obter resultados
suficientemente precisos de ordem espiritual. Ademais, a fixidez de uma invocação
constituir-se-ia em uma manifestação de ordem técnica porque ao se subordinar o
poder dos deuses ao homem para a obtenção de um resultado desejado, não haveria
motivos que justificassem a sua mudança. Dessa forma, enquanto a magia
representaria a técnica mediadora entre “as potências extra-humanas” e o homem; a
técnica material é a intermediária entre a matéria e o homem (a imposição à natureza
de obediência), sendo a sua escolha relativamente simples porque como ela está
subordinada ao seu resultado imediato, a melhor técnica é aquela que produz o
resultado mais satisfatório.
A técnica material poderia ser considerada o resultado da capacidade
intelectual primitiva do ser humano de compreender as relações fundamentais
existentes no meio e desenvolver a capacidade de transformá-lo (transformando a si
mesmo) com o auxílio de instrumentos ainda que rudimentares. Daí parece ser
coerente afirmar que o Homem sem técnica constitui uma abstração tão grande
como técnica sem Homem uma vez que constituem entidades que se auto-
completam, ou seja, eliminando-se uma, a outra desaparece por completo
(VARGAS, 2001; VERASZTO, 2004). Desse modo, o presente trabalho tem como
objetivo contribuir para uma compreensão da memória histórica da técnica no
processo de construção e transformação da organização social ocidental, desde o
período dos gregos até a Revolução Industrial do século XVIII.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. A técnica na Grécia
Sabe-se que a técnica se desenvolveu no Oriente-Próximo e que não
comportava fundamento científico, ou seja, ela era toda voltada para a aplicação; por
conseguinte, desconhecia teorias gerais – a base para os movimentos científicos.
Contudo, foram os gregos que iniciaram uma atividade científica coerente e
impulsionaram o pensamento científico de forma atípica até hoje na história:
separaram quase completamente a ciência da técnica. Em outros termos, para os
gregos há o desprezo pelas necessidades materiais; a pesquisa técnica é percebida
como algo indigno da inteligência e que a finalidade última da ciência é a
contemplação e não a aplicação; o exercício da razão abstrata deve ser o único a ser
conservado, justificando a recusa de Platão a qualquer compromisso de aplicação e
não sendo por acaso em sua obra Protágoras haver o relato que Prometeu roubou de
Hefaístos as técnicas manuais, bem como o seu conhecimento (a sabedoria das
artes) de Atenas, para distribuí-las de forma desigual entre os homens: as primeiras
(as técnicas manuais) iriam para aqueles que por natureza tentam levar uma vida
bem sucedida e, o segundo (o conhecimento) seria distribuído entre aqueles que
além de buscarem uma vida bem sucedida, desejam viver com mais ou menos
consciência e sabedoria (CAMBIANO, 1970, p.13). Qual é a razão para essa atitude
dos gregos? Algumas razões podem ser citadas, quase todas elas de natureza
filosófica:
• Sua concepção de vida, na qual há desprezo pelas necessidades materiais, como
pelos melhoramentos da vida prática, além da descrença pelo trabalho manual que
era realizado pelos escravos.
• O objetivo da atividade intelectual é a contemplação. Tal perspectiva, segundo
Rüdiger (2003, p. 31), reflete a visão do grupo social ao qual pertence o pensador,
legitimando uma hierarquia do seu tempo, na qual as técnicas manuais (poiésis,
sobretudo) era inferior às técnicas políticas (práxis, sobretudo) e ambas, sob a ótica
dos pensadores, inferiores aos exercícios filosóficos, bem como à atividade
epistêmica. Daí Arendt (1993, p. 171) afirmar:
Platão sabia perfeitamente que as possibilidades de
produzir objetos de uso são tão ilimitadas quanto as
necessidades e os talentos do ser humano. Se os
critérios do homo faber passassem a governar o
mundo depois de construído, como devem
necessariamente presidir o nascimento desse mundo,
então o homo faber, mais cedo ou mais tarde, servir-
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 30
se-á de tudo e considerará tudo o que existe como
simples meios à sua disposição.
• A atividade técnica é vista sob suspeita uma vez que sempre apresenta um aspecto
de dominação bruta e poder de desmesura incluso.
• Os gregos tinham uma concepção de vida voltada para o autodomínio, a
moderação, a sabedoria, o equilíbrio e a harmonia. Daí o uso da técnica mais
modesta que pudesse garantir diretamente às necessidades materiais, sem estas
necessidades serem a preocupação predominante.
2.2. A técnica na Roma Antiga
Nesse momento, a técnica social se encontra em estágio inicial; ainda que
seja possível encontrar tentativas, não desprezíveis, de organização em certos Faraós
e no Império persa. Reconhece-se, entretanto, que essas organizações demonstravam
a ausência de técnica política, administrativa e jurídica uma vez que eram mantidas
fundamentalmente pela força policial.
É em Roma, contudo, que há um determinado aperfeiçoamento da técnica
social, quer na esfera civil ou militar, tudo se prendendo ao direito romano nas suas
múltiplas formas, públicas e privadas. Quatro são as possibilidades para caracterizar
a técnica desse direito:
• No seu período de florescimento, que vai do século II antes de Cristo ao século II
depois de Cristo, há nos romanos um fenômeno muito presente e que é uma visão
exata da situação concreta que se busca utilizar com um mínimo de meios possíveis.
É a partir dessa determinação concreta e não do pensamento abstrato que acontecem
o desenvolvimento da técnica administrativa e da judiciária. Esse desenvolvimento
provavelmente apresenta fundamentos religiosos: uma vez que se deve responder à
necessidade, não é autorizado grande luxo; é preciso aprimorar cada meio em busca
da perfeição, utilizando-o de todos os modos possíveis, de forma livre e não criando
exceções e entraves ao seu processo.
• A procura de um equilíbrio entre o fator humano e o fator puramente técnico, pode
ser considerada como um segundo elemento do desenvolvimento da organização
social romana. A técnica jurídica não seria um meio de substituição do homem, uma
vez que não se tratava de procurar eliminar a iniciativa e a responsabilidade, mas
sim, de permitir que pudessem funcionar e se afirmar. Somente a partir do século III
depois de Cristo é que se percebe a técnica jurídica procurando penetrar nos
pormenores, de forma a tudo prever e regulamentar, imobilizando o homem.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 31
• O terceiro aspecto da técnica jurídica romana é que ela está ordenada no sentido de
uma finalidade precisa; isto é, a busca pela coerência interna da sociedade. Ela não é
uma técnica que se justifica por si mesma, nem que sua razão de ser está no próprio
desenvolvimento, nem muito menos é imposta do exterior. Seu fundamento está na
organização de uma sociedade que dispense a polícia, uma vez que está não é
econômica;
• O quarto elemento é a continuidade, ou seja, a técnica jurídica é algo em constante
readaptação, segundo um plano a ser perseguido. Espera-se até que as circunstâncias
estejam favoráveis, preparando todos os instrumentos para a expectativa da
oportunidade; chegando a oportunidade, faz-se sem vacilar aquilo que ficou
decidido.
Do IV ao I século antes de Cristo e após o I século depois de Cristo,
observa-se nos romanos uma estagnação quase completa no que diz respeito às
técnicas materiais, uma vez que os utensílios e os armamentos não evoluem.
Entretanto, entre os períodos do I século antes e o I século depois de Cristo, há uma
fase de renovação técnica devido às necessidades econômicas, militares e de
transporte: as máquinas de manejo (as forjas, as noras, as bombas), o arado, a prensa
em parafuso, a artilharia “nevrobalística”, etc. (ELLUL, 1968, p. 33). Além disso, o
contato com o Oriente que já apresenta técnicas industriais, dá condições a Roma, a
partir do século I, de também se engajar no caminho da indústria: polimento do ouro
e da prata, cerâmica, vidraria, têmpera das armas, construção de navios, etc.
2.3 A técnica e o Cristianismo
Do ponto de vista técnico, o que aconteceu ao mundo Ocidental cristão que
vai do século IV ao XIV? Com o triunfo do Cristianismo em Roma, em princípio,
aconteceu o desmoronamento da técnica romana, quer no que diz respeito ao plano
da organização, quanto ao processo de construção das cidades, o desenvolvimento
da indústria e o transporte. Há historiadores que afirmam que do século IV ao século
X houve o desaparecimento da atividade técnica e jurídica porque o centro de
interesse dos cristãos estava em outro lugar que não no Estado e na atividade
prática. O desinteresse por tais atividades seria o argumento extensamente
desenvolvido por Santo Agostinho em sua Civita Dei a fim de contra argumentar a
ideia criada em torno da influência dissolvente dos cristãos diante das coisas
públicas. “São bons cidadãos”, afirma Santo Agostinho. Todavia, perceber-se-á,
historicamente falando, que o estado de espírito técnico é uma das principais causas
do progresso técnico.
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Sob a influência cristã, do século X ao século XIV, observa-se uma
sociedade que pode ser precisamente caracterizada como uma na qual há completa
ausência de vontade técnica: há um direito costumeiro, ou seja, rigorosamente não
técnico; uma organização social e policial não fundamentada em regras racionais,
elaboradas; uma quase completa ausência de técnica também no exército, na
agricultura e na indústria. Ao que parece, somente a técnica arquitetônica apresenta
algum desenvolvimento, chegando a se firmar; todavia, movida mais por um espírito
religioso do que por um técnico.
Em síntese, na civilização cristã há uma ausência de esforço de criação
utilitária e pouco esforço no processo de melhoria das práticas agrícolas ou
industriais. Quando no começo do século XII, há um esboço inicial de movimento
técnico frouxo e pouco intenso, isso será sob a influência da relação com o Oriente,
intermediada inicialmente pelos venezianos e judeus; em seguida, pelas Cruzadas.
Nesse contexto, o que acontece é a mera imitação de técnicas vistas, ainda que
venham a acontecer algumas descobertas autônomas (para as necessidades
comerciais), a partir daquelas que são importadas.
Poder-se-ia afirmar, em realidade, que na Idade Média houve a criação de
uma técnica intelectual, um modo de pensar e raciocinar o mundo: a escolástica. É a
partir dela que se tem uma posição doutrinária em relação à atividade prática:
• No plano moral, há a condenação do luxo, do dinheiro e tudo que está relacionado
à cidade terrestre voltada à perdição dos homens e oposta à Cidade de Deus. Daí a
grande época de tendência à restrição econômica por meio da renúncia à vida
urbana, a eremitagem, o cenobitismo.
• No plano teológico, a presença da convicção do fim deste mundo em breve, de que
é inútil qualquer esforço por desenvolvê-lo ou cultivá-lo e que o melhor é ocupar-se
com os fins últimos do que com o período intermediário. Em outras palavras, é
melhor obedecer à ordem estabelecida, atendo-se às coisas do alto (de ordem
espiritual) do que às coisas deste mundo (de ordem material).
• O juízo moral sobre todas as atividades humanas, o qual atingirá também a
atividade técnica. O que isso significa? Significa que algo só será declarado justo
para o homem como, por exemplo, mudar os modos de produção ou de organização;
caso venha a corresponder à determinada concepção precisa da justiça diante de
Deus. Desse modo, quando um determinado elemento técnico aparece como justo
ou uma invenção é julgada digna de aplicação e difusão é porque se revelam justo
de todos os pontos de vista. E essa medida de juízo moral, não por acaso, é exercida
por aqueles que conhecem os manuscritos gregos e latinos nos quais as técnicas
estão descritas; isto é, os monges que passam a propagar e aperfeiçoar instrumentos
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 33
técnicos. Como exemplo, é possível citar a invenção do relógio mecânico nos
mosteiros beneditinos dos séculos XII e XIII. Com ele, esperava-se proporcionar
uma determinada regularidade, mais ou menos precisa, nas rotinas dos mosteiros de
forma a permitir, entre outras coisas, a possibilidade de haver sete períodos de
devoção ao longo do dia, bem como os sinos anunciarem (com constância e
previsibilidade) as horas canônicas. Em outros termos, era preciso uma tecnologia
que permitisse a definição clara de momentos precisos de rotinas para os rituais de
devoção. O que os monges não previram é que em meados do século XIV, o relógio
mecânico se expandiria para além das paredes dos mosteiros, vindo a ser um meio
não de mero acompanhamento das horas, mas também de organização,
sincronização e controle das ações dos homens. Em sua obra Technics and
Civilization (1963), Lewis Mumford afirma que “o relógio mecânico tornou possível
a idéia da produção regular, das horas de trabalho regular e de um produto
padronizado”. Para o autor, dificilmente o capitalismo teria se desenvolvido sem o
relógio. Curiosamente e de forma paradoxal, o relógio que inicialmente havia sido
criado por homens que queriam se dedicar mais rigorosamente a Deus acabou sendo
a tecnologia de maior uso para os homens que desejavam se dedicar à acumulação
de dinheiro e bens materiais.
Com razão, um grande obstáculo oposto pelo Cristianismo ao progresso
técnico foi a atividade de medir a técnica com critérios completamente diferentes
dos da própria técnica, como o critério da justiça diante de Deus. Será sob a
influência do Renascimento, do humanismo, da Reforma e do Estado autoritário que
barreiras serão eliminadas de forma a permitir que a técnica receba, com algum
atraso histórico, o seu decisivo impulso.
2.4 A técnica no século XVI
É possível verificar em pequenos manuais de história da técnica um salto
da idade média ao fim do século XVIII. Alguns poderiam afirmar que no período
que vai do século XVI ao século XVIII o que efetivamente aconteceu foi um
completo domínio da técnica mecânica (canhões, manufaturas, etc.) inexistindo
qualquer preocupação de raciocínio sobre a ação, de racionalização ou de eficácia.
Afirma-se que a partir do século XV, um século muito rico em descobertas
de toda ordem; o impulso técnico sofreu uma espécie de desaceleração, continuando
precário no século XVII e começo do século XVIII. Talvez, como uma das
justificativas, poder-se-ia argumentar da falta de coordenação e racionalização das
diversas técnicas, quer científicas, administrativas ou financeiras. Quando, por
exemplo, tem-se acesso a um livro científico (medicina, economia, história,
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 34
direito...) da época (século XVI ao XVIII) o que possivelmente irá chamar a atenção
do leitor será a total ausência de uma ordem lógica; a construção das reflexões
serem fundamentadas em reflexões puramente pessoais e individualistas do autor,
inexistindo qualquer esboço de organização de informações exatas para possíveis
consultas futuras; a ausência de uma especialização intelectual (técnica intelectual)
refletida nos livros porque ainda predomina o ideal intelectual universalista
(universalidade dos conhecimentos), isto é, em um só livro de direito era possível
encontrar extensas considerações sobre psicologia, teologia, arqueologia, literatura,
etc. Ainda com relação aos livros, não havia qualquer tentativa de comodidade:
nenhum índice alfabético completo, nenhuma cronologia, raramente divisões,
ausência de referências e, em alguns, nem mesmo paginação. Não se buscava um
conhecimento eficaz, mas sim uma explicação global dos fenômenos com o
predomínio do profundo humanismo e universalismo oriundos do Renascimento e
que influenciariam bastante o século XVII; impossibilitando a eclosão das técnicas
porque há uma recusa presente em toda a sociedade do homem vir a se submeter a
uma lei uniforme, mesmo que seja em seu benefício.
2.5 A técnica na Revolução Industrial
Por que durante séculos, há um lento progresso técnico, e em um século e
meio (a partir do século XVIII) há tremendo florescimento? Por que as invenções
técnicas proliferaram bruscamente, em toda parte, na segunda metade do século
XVIII e não antes? Por que a mudança de toda uma civilização quanto às técnicas?
Como explicar que os prodigiosos aparelhos práticos de Leonardo da Vinci (o
despertador, a máquina de pentear tecidos, etc.) ou ainda aperfeiçoamentos técnicos
feitos por ele (a junta universal, navios de casco duplo, as engrenagens cônicas, etc.)
não entraram no domínio da aplicação prática? Por que é apenas desse período que
se configura a união entre a pesquisa científica e a invenção técnica de aplicação
utilitária, levando a submissão da ciência à técnica? A seguir, uma tentativa de
esclarecimento a esses questionamentos.
Na segunda metade do século XVIII, o contexto social de apaziguamento
do estado de guerra, o progresso dos costumes, melhoria das condições de vida em
quase todas as classes, a construção de casas mais confortáveis; tudo isso em geral,
contribuiu para gerar expectativas nos europeus de que muitos benefícios poderiam
ser obtidos com a exploração dos recursos naturais e com a aplicação das
descobertas. É desse estado de ânimo que os cientistas desenvolvem uma
consciência para as pesquisas com objetivos práticos porque acreditam que com elas
estariam contribuindo tanto para a felicidade quanto para a justiça - daí o ponto de
partida para o mito do progresso.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 35
Contudo, tal clima favorável para o desenvolvimento técnico é insuficiente
para explicar a mudança transformacional da civilização. Tal transformação
aconteceu pela provável conjugação de cinco fenômenos (ELLUL, 1968, p. 49):
1º) O desenlace de uma longa experiência técnica. Em outros termos, a formação
de um “complexo tecnológico” é resultado de uma soma de trabalho muito lento, de
longa preparação, durante os séculos de sono (como o século XVII) e sem imediatas
consequências; mas que permitiu o acúmulo de experiências, de aparelhos, de
pesquisas e que foi inesperadamente utilizada de forma contínua em todos os
domínios da técnica.
2º) A expansão demográfica. Sabe-se que com o crescimento da população há um
acréscimo de necessidades que podem ser atendidas pelo desenvolvimento técnico.
3º) A aptidão do meio econômico. Os estudos de economia da segunda metade do
século XVIII apresentam duas características contraditórias que incentivam o
progresso econômico: um meio econômico estável, mas ao mesmo tempo, em
mudança. A estabilidade diz respeito às bases da vida econômica, de forma a
permitir à pesquisa primária técnica se concentrar em objetos e situações bem
estabelecidos. Todavia, esse meio econômico deve estar pronto para grandes
mudanças, permitindo que as invenções técnicas possam se inserir no concreto,
estimulando a pesquisa.
4º) A plasticidade do meio social interior. Como possivelmente a condição mais
decisiva, essa plasticidade implica em dois fatos: o desaparecimento dos tabus
sociais e o desaparecimento dos grupos sociais naturais. Os tabus sociais, na
civilização ocidental do século XVIII, podiam ser agrupados em duas grandes
categorias:
• Os tabus oriundos do Cristianismo. Aqui, todas as ideias religiosas e morais, bem
como os julgamentos sobre a concepção do homem, da atividade; influenciavam o
desenvolvimento da técnica. A questão que se coloca é no que diz respeito à
mentalidade popular determinada pelo Cristianismo, especificamente no século
XVII; ou seja, a institucionalização da fé em preconceito e ideologia produzindo
verdadeiros tabus: é expressamente inadequado questionar a ordem natural e tudo o
que é novo deve ser submetido a um rigoroso julgamento de ordem moral, o que em
última instância, caracteriza um preconceito desfavorável ao novo.
• Os tabus sociológicos. Aqui, existe a convicção de uma hierarquia natural que
nada pode chegar a modificá-la: a condição quer da nobreza, do clero e do rei,
principalmente, não pode ser colocado em questionamento sob o risco de ser
considerado um sacrilégio. Essa constituição social reconhecida por todos, ainda que
de forma inconsciente, como a única possível (hierarquia natural e sagrada) é um
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 36
obstáculo ao desenvolvimento da técnica porque às classes desfavorecidas só resta a
comodidade da submissão e da passividade e inação; naturalmente impedindo o
interesse pelas artes mecânicas. Ademais, um outro obstáculo a ser considerado é a
forma individualizada e autônoma como a sociedade está estruturada em grupos
naturais, como as famílias, as corporações e os grupos de interesses coletivos
(Parlamento, Universidade, Hospitais, etc.). Nesse contexto, as coletividades
suficientemente fortes oferecem aos indivíduos meios de proteção, vida, segurança,
satisfações morais ou intelectuais; permitindo-lhe viver em um meio bastante
equilibrado e estável, ainda que materialmente pobre; daí ele se mostrar
completamente resistente às inovações. Portanto, a existência desses grupos naturais
fortemente constituídos pode ser considerada também um obstáculo à propagação da
invenção técnica, quer pelo seu caráter regulador ou pela dificuldade de seu
fracionamento.
A partir da revolução de 1789, percebe-se o brutal e simultâneo
desaparecimento dos tabus religiosos e sociológicos. Há a elaboração de novas
religiões a partir da luta contra o clero; a supressão das hierarquias e os regicídios; a
afirmação do materialismo filosófico. Tais fatos exercem uma poderosa influência
na consciência popular no sentido de contribuir para a definitiva destruição da
crença nos antigos tabus. Em paralelo, assiste-se à luta sistemática pela liberdade do
indivíduo contra todos os grupos naturais; luta contra as liberdades hospitalares,
parlamentares e universitárias: busca-se apenas a liberdade do indivíduo isolado e
não mais a dos grupos. Dessa forma, a pouco e pouco, vai tomando forma uma
sociedade atomizada, na qual o indivíduo passa a ser o único valor sociológico. Essa
atomização possibilita uma maior plasticidade social porque com a ruptura dos
grupos sociais e a perda de um estilo de vida, o homem é agora apenas um elemento
inteiramente isolado (do meio, da família e das relações), impossibilitado de resistir
à pressão econômica e forçado, no começo do século XIX, a se deslocar e a se
amontoar nas cidades para trabalhar; assumindo uma nova condição humana criada
pelo maquinismo industrial: a condição proletária. Afirma Teixeira (2002, p. 20):
O despovoamento dos campos e a reestruturação das
classes sociais acarretaram condições
verdadeiramente desumanas de vida, em termos de
habitação, alimentação, vestuário e condições de
trabalho, nas quais jornadas de 16 a 18 horas diárias,
em locais infectos e mal iluminados, contra salários
baixíssimos, era a norma. E, junto com isso, a
precarização das situações familiares, com o
ingresso de mulheres e crianças no mercado de
trabalho que, em algumas fábricas, chegava a 2/3 do
total de empregados.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 37
5º) O aparecimento de uma clara intenção técnica. Nessa sociedade atomizada,
cuja plasticidade social favorece o progresso técnico, há o fortalecimento do Estado
que passa à autoridade suprema e todo-poderosa, formando “(...) uma sociedade
perfeitamente maleável e de notável ductilidade quer do ponto de vista intelectual
quer do ponto de vista material. O fenômeno técnico nela encontra seu meio mais
favorável, desde o começo da história humana” (ELLUL, 1968, p. 53). É um
período marcado pela característica de uma visão precisa dos potenciais técnicos
aplicados em todos os domínios e que despertou a intenção das massas orientando a
sociedade deliberadamente no sentido da técnica. O que parece ter desencadeado
esse movimento geral em favor da técnica, entre um grande conjunto de causas
combinadas, foi o interesse – grande móvel da consciência técnica. Quando o
interesse industrial, em nome da eficiência, exigiu a procura pelo “one best way to
work”, a pesquisa entrou no domínio técnico, gerando os conhecidos resultados
surpreendentes. Além disso, é o interesse do Estado que vai desenvolver a técnica
industrial e política; a técnica militar e jurídica, na busca por fortalecer o seu poder
frente aos inimigos internos e externos. Já o interesse da burguesia frente à técnica
conscientemente desenvolvida é ampliado ainda mais a partir do esmorecimento da
“moral e da religião” porque os burgueses se encontram livres e sem remorsos para
explorar o homem e ganhar dinheiro; tornando a técnica um dos seus objetivos. A
aliança entre burguesia e técnica vai permitir o avanço da ciência, uma vez que os
burgueses compreendem o quanto o seu êxito econômico está bem associado às
necessidades científicas. Ademais, com a acumulação de capitais vindos do
comércio (capitalismo comercial) é possível a preparação para o impulso industrial
(capitalismo industrial).
É correto afirmar que o progresso técnico acontece em função do dinheiro
da burguesia, porém, o seu interesse na técnica não pode ser considerado o único
elemento a ganhar a adesão das massas porque as reações populares contra o
progresso são frequentes no século XIX já que para os trabalhadores não houve, de
imediato, melhora no nível médio de vida. Se de um lado o poder do Estado e o
dinheiro da burguesia são a favor da técnica; as massas são contra. Teixeira afirma
(2002, p. 26):
(...) o mundo do século XIX, visto em seu
conjunto, foi marcado por agudos afastamentos
entre a fantástica e nova capacidade de gerar
riquezas através do desenvolvimento industrial,
tecnológico e comercial, por um lado, e os
sistemas políticos e o desenvolvimento social, por
outro.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 38
Como reconciliar a técnica às massas? Poder-se-ia considerar dois fatos que
certamente vão contribuir para transformar essa situação:
• Karl Marx reabilita a técnica diante dos operários. Ele procurou tornar suas ideias
claras para a classe operária, afirmando que a libertação dos operários aconteceria
não lutando contra a técnica, considerada libertadora e elemento de progresso; mas
sim, lutando contra os proprietários privados dos meios de produção. Em síntese, os
operários não seriam vítimas da técnica, mas de seus senhores. “Essa reconciliação
da técnica e das massas, obras de K. Marx, é decisiva na história do mundo”
(ELLUL, 1968, p. 56).
• De forma muito lenta, mas a pouco e pouco, os benefícios da técnica vão sendo
difundidos junto ao povo: diminuição progressiva da jornada de trabalho,
comodidade da vida, facilidade para a medicina e os transportes, melhoramento do
habitat, etc. De 1850 a 1914 há uma prodigiosa transformação que, pela excelência
do movimento técnico, vem trazer maravilhas para a vida dos homens. Essa
convergência entre fato e ideal de melhoria (conforto, qualidade de vida, etc.),
conforme vislumbrara Marx, acaba por desfazer a resistência das massas. Nesse
momento, as massas se reúnem ao Estado e à burguesia para exaltar os milagres da
técnica. “Milagres”, que no século XX, seriam questionados pelos seus efeitos nada
abençoados: aquecimento global, poluição, instrumentalização e coisificação do
homem, etc.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível notar a contribuição trazida pela técnica na diversidade de
contingências advindas das necessidades práticas da existência, constituindo um
esforço humano em busca de melhores condições de vida e de proteção do coletivo:
entre os egípcios, o desenvolvimento da trigonometria; entre os romanos, a
hidráulica; entre os indianos e muçulmanos, a matemática e a astronomia; entre os
gregos, a geometria, a mecânica, a lógica, a astronomia e acústica e entre todos foi
consolidado o esforço de conhecimento aplicado e ligado à fabricação de artefatos a
serem utilizados nas guerras (MATALLO JR., 1989).
Mais recentemente, a tecnologia, herdeira natural da técnica acrescida da
forte presença do conhecimento científico imbricado nela, tem desencadeado uma
extrema racionalização instrumental do meio social, caracterizando uma sociedade
de intenso controle, produto da interação homem-tecnologia e que, paradoxalmente,
tem levado a um irracionalismo por desencadear certa frouxidão no processo de
diferenciação do que é ser humano e o que é ser não-humano devido à convergência
científica e tecnológica da cibernética; a informática e a biologia nos artefatos
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 39
tecnológicos usados em corpos somáticos humanos para aumentar a força física ou a
inteligência. São essas inovações biotecnológicas que parecem sinalizar para formas
pós-humanas de existência, supondo que:
(...) as fronteiras entre os sujeitos, seus corpos e o
mundo exterior, estão sendo radicalmente
reconfiguradas (...) Categorias analíticas centrais que
temos amplamente utilizado para estruturar nosso
mundo, que deriva da divisão fundamental entre
cultura e natureza, estão em perigosa dissolução;
categorias como ‘o biológico’, ‘o tecnológico’, ‘o
natural’ e ‘o humano’ estão agora começando a
borrar (FEATHERSTONE; BURROWS, 1995, p. 3).
REFERÊNCIAS
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CAMBIANO, G. Platone e le tecniche. Turim: Einaudi, 1970.
ELLUL, J. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
FEATHERSTONE, M., BURROWS, R. Cultures of technological embodiment: an
introduction. In: _______; _______ (Eds.). Cyberspace/Cyberbodies/Cyberpunk:
cultures of technological embodiment. London: Sage Publications, 1995.
MATTALO JR., H. A problemática do conhecimento. In: CARVALHO, Maria
Cecília Maringoni de (org). Construindo o saber – metodologia científica:
fundamentos e técnicas. 2 ed. Campinas, SP: Papirus, 1989.
MUMFORD, L. Technics and civilization. Nova York, Harcourt Brace Jovanovich,
1963.
RÜDIGER, F. R. Introdução às teorias da cibercultura: perspectivas do
pensamento tecnológico contemporâneo. Porto Alegre: Sulinas, 2003.
TEIXEIRA, A. (org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do
pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record, 2002.
VARGAS, M. Prefácio. In: GRINSPUN, M.P.S.Z. (org.). Educação tecnológica –
desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2001. p.7-23.
VERASZTO, E. Projeto Teckids: educação tecnológica no Ensino Fundamental.
Dissertação de Mestrado. Campinas. Faculdade de Educação. UNICAMP, 2004.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 40
SOBRE OS AUTORES
André Felipe de Albuquerque Fell
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor do
Departamento de Ciência da Informação – DCI/UFPE.
Daniel Felipe Victor Martins
Doutorando em Administração pela Universidade de Fortaleza. Professor do
Departamento de Administração da Universidade Federal Rural de Pernambuco
UFRPE/CODAI.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 41
O CURRÍCULO: DESAFIO PARA INCLUSÃO DOS SURDOS
Daisy Autran
RESUMO: Para que possamos compreender os inúmeros desafios presentes na base
educacional, dos estudantes com deficiência, especificamente, os surdos, trouxemos
para refletirmos o currículo como legitimador do acesso e permanência dos
educandos ou mediador da exclusão. Optamos por analisar nas entrelinhas as
possibilidades de inclusão dos sujeitos surdos colocando-nos em seu lugar, como
um cidadão de direitos, como a educação. Contudo é preciso entender que o
currículo se respalda nas abordagens política, histórica e epistemológica em
consonância as rupturas, paradigmas do mundo pós-moderno quando se enfrenta a
inclusão dos surdos junto as instituições de ensino. Um aspecto de suma importância
sobre as questões curriculares relacionadas com a educação de surdos estão
ancoradas em cima de três pilares: a cultura, o poder, e a construção de identidades,
como tentativas de justificar os efeitos do fracasso escolar massivo na ideologia
escolar dominante.
Palavra-Chave: Currículo; Inclusão dos Surdos, Educação Especial.
ABSTRACT: So we can understand the many challenges present in the educational
base of students with disabilities, specifically, the deaf, brought to reflect the
curriculum as a legitimizer of access and residence of students or mediator of
exclusion. We chose to analyze in-between the possibilities for inclusion of deaf
subjects we are in your place, as a citizen, rights to education. However one must
understand that the curriculum if respaldas in the political, historical and
epistemological approaches in consonance breaks, paradigms of the post-modern
world when is faced with the inclusion of the deaf near educational institutions. An
aspect of paramount importance on curricular issues related to education of so we
can deaf are anchored upon three pillars of culture, power, and the construction of
identities, as attempts to justify the purpose of school failure in school dominant
ideology massively.
Keywords: Curriculum; Inclusion of the Deaf; Especial Education.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 42
Recebido em: 14/06/2017
Aprovado em: 16/07/2017
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva
INTRODUÇÃO
As discussões sobre o currículo no âmbito educacional de mundo pós-
moderno vêm sendo efetivas nos diferentes contextos das práticas educativas. È
neste cenário de inquietações e reflexões que origina, um problema desafiador sobre
as questões curriculares relacionadas a educação de surdos, respaldadas nos três
pilares: cultura, poder, e construção de identidades. Essa última mais complexa,
quanto nos debruçamos com a história dos surdos no mundo e no nosso pais.
Em tese há uma cumplicidade entre a teoria crítica do currículo e os
estudos surdos para melhor elucidar a compreensão e relação entre eles. Na ótica
dessa teoria, o currículo é um instrumento de construção social e histórica, onde
argumenta que não pode preocupar-se apenas com a estrutura formal do
conhecimento escolar, nem reflexionar ingenuamente sobre uma suposta
neutralidade do conhecimento no conteúdo. Essa teoria, define o currículo como um
espaço de lutas sociais, constituindo de conflitos e relações de poder presentes nos
movimentos surdos no Brasil, ainda hoje.
Nas contribuições de Skliar(1998), tal teoria exerce uma forte influência
para a configuração dos elementos que interagem em diferentes planos, como
indicadores na reforma curricular , nas propositivas das abordagens bilíngue para a
implantação, a princípio, nas escolas que existam os estudantes surdos.
O currículo escolar deixou de ser visto como um elemento neutro e
inocente de transmissão desinteressada do conhecimento, não sendo, portanto, um
artefato técnico se não um dispositivo cultural e social, um território político, um
objeto de permanentes manipulações e moldado de acordo com os interesses
específicos, pedagógicos ou não.
Nesse sentido, o currículo é um território privilegiado onde se manifesta o
conflito cultural em que se reflete as desigualdades sociais existentes nas
abordagens de Freire(1996), critica o currículo tradicional centrado em disciplinas,
vai além, ressalta a importância do disocultar a ideologia subjacente ao currículo
oficial e propõe que se busquem formas de resistências às imposições autoritárias.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 43
Sugere que construamos uma crítica em cima do currículo tradicional,
repensarmos numa nova elaboração de currículo a partir do levantamento do
universo vocabular situado que diferencia a cultura popular erudita onde referência
culturas de classes populares. Nesta intenção, o currículo passa a ser organizado a
partir de seleção de temas geradores em função da relevância social em que estes
venham assumir para um determinado grupo de pessoas.
Na teorização crítica do currículo, o poder é a ideia central e um elo que
nos permite relacionar com os estudos surdos, princípios que norteiam a
reestruturação curricular na educação de surdos, inclusive desmascarar as relações
de poder presentes nos discursos sobre surdez e os surdos.
Os estudos surdos ainda apontam que o currículo presente nas escolas de
surdos, está estruturado na ideologia ouvitista, produzindo mecanismos de
colonização curricular, quando, o currículo corporifica um conhecimento oficial que
expressa um ponto de vista de grupos dominantes, no caso dos surdos-ouvintes.
Outro aspecto, agravante é como o currículo está sendo discutido nas instituições de
ensino para surdos, caracterizando-as como assistemáticas, onde falta um referencial
teórico(embasamento),que fortalece uma réplica fotográfica, uma legitimação
incondicional do currículo tradicional, presente nos programas das escolas regulares
e legitima um discurso hegemônico que produz identidades surdas para os seus
modelos.
Assim se verifica que as escolas de surdos absorvem a mesma prática de
perfil do currículo tradicional das dos ouvintes, a angústia curricular amplia-se e
ramifica ainda mais presente neste currículo, além de ser homem branco, europeu,
letrado, profissional, etc., é sobretudo, o homem que ao escutar e ao falar, informar,
opinar, teorizar, cria exclusões de outros falantes/ouvintes e de todos surdos, bem
pontuado por Skliar, que nos leva a repensar e refletir sobre a égide das salas de aula
que exerce a teoria da homogeneidade em que os docentes assumem uma curiosa
sensação de serem transmissores desse currículo aplicando aos estudantes surdos
numa pedagogia centrada no imperativo de ser como outros, quer, dizer, de “ não ser
eles mesmos”( traduz-se ,Onde está sua identidade?, Por que não me represento?
Marcados por estigma social, excludente no que tange o currículo tradicional,
respaldado numa ideologia oralista.
Portanto, não devemos esperar que o ensino oficial mude ou exerça sua
intenção nas diretrizes para efetivação de uma inclusão que repense para uma
proposta curricular que esteja centrada na diferença ou deságue no rio da exclusão.
Nossa realidade política, econômica estamos sob o efeito ideológico do
neoliberalismo, muito bem exposto por Skliar(1997,p.243):
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 44
Resulta mais difícil ainda propor uma nova reflexão,
se esta sugere uma saída do limitado contexto de
análise atual - vale dizer, o das reestruturações
curriculares, culturais e ideológicas já esteriotipadas _
e supõe uma apropriação de referências, de discursos e
de conteúdos que talvez falem de sujeitos diferentes
dos surdos. Outros sujeitos que por certo, também
foram excluídos de um processo de educação em virtude de suas diferenças.
A ideologia da inclusão, não acredita, primeiramente nos rótulos e
etiquetagens sinalizados pela ideologia as segregação, da mesma forma que, não
acredita também que o sujeito necessite de um ambiente educativo adequado,
diferente ou de formas prévias de procedimentos educativos. Os militantes da
inclusão, afirmam, acreditam que o estudante com deficiência em sua aprendizagem
deve ser potencializado no ensino regular da mesma maneira que qualquer criança.
Pensar numa sociedade inclusiva, é antes de tudo, refletir sobre a
diversidade humana através dos aspectos:
1. Utilizar a diversidade humana ou deficiência, como estratégia catalizadora
de avanço e justiça social com todos os segmentos sociais na universalização
de direitos( organizações governamentais , não governamentais, sociedade
civil;
2. Provar que as pessoas com deficiências são geradoras de capital social;
3. Reivindicar para as instituições brasileiras de ensino, o direito de ser um
bem público priorizando parcerias éticas;
4. Provocar o entendimento de que a inclusão é devidamente uma forma
generosa de resolver problemas da segregação social (estudantes com
deficiência na escola, especial); fato que ainda se perpetuam no universo
educacional.
Nesse sentido, o conceito de sociedade inclusiva é caracterizado como
revolucionário e está ancorada na única certeza, ninguém descansa de suas
deficiências nem de seus talentos, mais uma vez prova que a sociedade não pode a
descansar também. A inclusão é uma ação política e opção ética, que exige uma
práxis de justiça social, seja ela individual ou coletiva de um cidadão legitimando
seus direitos e deveres.
O movimento pela inclusão da pessoa com deficiência traz implicações e
polêmicas no universo de profissionais que atuam junto ao atendimento desse
segmento. Para Aranha (2000), inclusão social é: “um processo bidirecional, de
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garantia de acesso imediato da pessoa com deficiência ao espaço comum da vida em
sociedade, independentemente do tipo de deficiência e do grau de
comprometimento. ”
As abordagens oriundas das discussões atuais se distanciam cada vez mais
das concepções tradicionais de individualização da deficiência, que a definiam como
tributo e responsabilidade do sujeito. Sob esse ângulo é preciso pontuar dois grandes
desafios no que tange as minorias sociais, as pessoas com deficiência- o primeiro,
relacionado as políticas educacionais (quantidade/qualidade da oferta educativa),
ainda há municípios que não dispõem de um atendimento educacional especializado
que contemple as diferenças e suas especificidades, no caso as pessoas com
deficiência, muito precário esses serviços no cenário educacional longe de um
atendimento com equidade e de qualidade.
Um dos grandes entraves no processo inclusivo, direciona para uma
ideologia do modelo neoliberal em que as políticas educacionais estão atreladas ao
mercado regulador e distribuidor da riqueza e renda cujo os princípios de liberdade e
do individualismo justificam tal sistema.
Nesse caso, a ofensiva neoliberal pode caracterizar-se bivalente, visto que
tanto pode ser uma nova pedagogia de exclusão e de inclusão, que instala a
perversão da ideia de fronteira, separando hipotéticos excluídos dos incluídos, de
acordo com sua capacidade ou dificuldade de permanecer dentro ou fora das
instituições, de seu saber, poder, ter,ser, etc. Poderíamos refletir numa Pedagogia da
Alteridade, respeitando todos como direito na efetivação legal Política Nacional dos
Direitos Humanos, pertinentes as pessoas com deficiência.
Traduzindo a educação escolar, “competem” às redes públicas e
governamentais assegurem o acesso e permanência nas escolas das pessoa com
deficiência principalmente à proposta pedagógica que não está fundamentada nos
princípios inclusivos. Assim, então o sentido da inclusão, é compreendido apenas
como um processo que sirva de socialização da diferença que é suposta como
excluída, presentes na escola comum, formação de guetos com estudantes surdos.
Por outro prisma os discursos da escola inclusiva parece operar, pelo menos
sob dois níveis diferenciados: um progressista, onde se diferenciam as formas
terríveis e sórdidas de discriminação/ exclusão das escolas especiais; o outro o
totalitário, pertencente as práticas pedagógicas, que reforça e reproduz o sujeito
especial de forma segregada.
É óbvio que essa realidade se estenda na inclusão dos estudantes surdos na
rede de ensino regular comum que revivemos mais uma vez com o problema de
significados políticos e de representações.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 46
Para tanto ampliam-se questionamentos do tipo: como fazem os surdos para
desenvolver sua aprendizagem, sua identidade, sua língua de sinais? Quem vai
interagir com o surdo? O professor tem formação na língua de sinais? O surdo
mesmo com intérprete, consegue se alfabetizar, já que sua função é traduzir os
conteúdos curriculares das disciplinas?
A realidade da prática e o discurso da inclusão, se transformam numa
pseudo-inclusão, ou mesmo exclusão. Uma inclusão excludente, exemplificando
alguns professores ouvintes de estudantes surdos inseridos em sala comum e que
tendem simplificar um percentual dos conteúdos escolares embora não dominem a
língua de sinais, nem convivem nas comunidades surdas.
Tenor (2008, p.38), dentro do paradigma da educação inclusiva, assinala
que as escolas precisam ser reestruturadas para acolherem todos quer sejam ou não
com necessidades especiais ou de outras características atípicas. É, pois, o sistema
que deve adaptar-se às necessidades dos seus alunos e não ao contrário.
É preocupante a forma como está se processando à inclusão nas instituições
de ensino, principalmente quem está dando as cartas na exterioridade da escola,
onde o perfil é integracionista. O processo de inclusão do surdo para se efetivar é
necessário compreender sua identidade, sua língua de sinais com uma elaboração da
proposta educacional numa abordagem bilíngue.
Uma proposta educacional na vertente do bilinguismo, fortalece práticas
inclusivas quando efetivamos a identidade dos surdos em sua língua de sinais, e
assim se materializa os pressupostos num reconhecimento mais geral do
bilinguismos. Importante esclarecer nos discursos que nos debruçamos, em que há
equívocos quanto a concepção, compreensão do bilinguismo e do ser bilíngue. São
processos distintos e interdependentes. Exemplificando-os, imaginemos dois
conjuntos universos: um duas línguas: outro estudantes. O ponto de interseção, seria
a teoria, a aprendizagem, os estudantes surdos, as escolas). Atribui-se bilinguismos
as fundamentações teóricas, aos princípios filosóficos estudados nas academias
focados na educação inclusiva e áreas afins. Já ser bilíngue, significa o
conhecimento, aprendizagem de duas línguas, sua língua nativa, e outra adquirida,
pro- eficiência nas línguas, conhecimento linguístico, pedagógico, social e cultural.
Na corrente bilíngue na educação dos surdos devemos compreender que os
objetivos deverão seguir os aspectos apresentados por Skliar( 1998 ):
• Criar um ambiente linguístico apropriado às forma particulares de
processamento cognitivo, linguístico das crianças surdas;
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 47
• Assegurar/ respeitar o desenvolvimento sócio- emocional íntegro das
crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos;
• Garantir a possibilidade da criança construir uma teoria de mundo:
• Oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural.
Não, podemos desconsiderar que a preocupação atual é respeitar a autonomia
das línguas de sinais e estruturar um plano educacional que não afete a experiência
psicossocial e linguística da criança surda. A proposta bilíngue busca captar e
fortalecer esse direito, segundo QUADROS(1997)..
Nessa perspectiva, uma proposta puramente bilíngue, não é viável, porque
além de bilíngue deve ser biocultural para favorecer o acesso rápido e natural da
criança surda à comunidade ouvinte e para fazer com que ela se reconheça como
parte integrante de sua comunidade surda. Isso será possível, se a criança tiver uma
identificação sólida com seu grupo, caso contrário, terá dificuldades de pertencer as
comunidades sejam ouvintes ou surdas. Um contingente real que verifica-se nas
esperas municipais quanto se matriculam nas instituições de ensino, não sabem sua
língua natural- A Língua de Sinais Brasileira, especificamente nos municípios que
não efetivam as políticas inclusivas como é para serem direcionadas.
Podemos caracterizar um currículo escolar numa perspectiva bilíngue,
sugerido por Quadros, referindo-se aos conteúdos aplicados nas escolas
comuns(desenvolvidos). A escola deverá trabalhá-los nas duas línguas, no nosso
caso em Língua Portuguesa e em Libras em momentos específicos na sala de aula.
DAVIES(1994, pp.111-112) , descreve três características básicas para o
perfil do professor:
• Deve ter habilidade para levar cada criança a identificar-se como adulto
bilíngue; um desafios junto aos familiares;
• Deve conhecer profundamente as duas línguas, ou seja, deve conhecer
aspectos das línguas requeridos para o ensino da escrita, além de ter bom
desempenho- escassez de investimento na formação docente
• Deve respeitar as duas línguas- isso não significa tolerar a existência de
outra língua- reconhecendo o estranho linguístico comum a elas e atentando
às diferentes funções que cada língua apresenta para criança.
Para SKLIAR(1998) , o fracasso dos alunos surdos nas escolas regulares se
dá muitas vezes, pelo fato de tentar uma espécie de disciplinamento do aluno surdo,
levando-o para o mais próximo possível da realidade dos ouvintes tanto em nível de
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 48
aproximação espacial quanto a semelhança no desempenho. Dessa forma, a escola
inclusiva - que deveria resguardar o respeito ás diferenças - acaba de fazer do surdo
uma espécie de caricatura do ouvinte, negando sua identidade, sua língua materna,
sua cultura.
Será que nossas instituições de ensino estão refletindo e abrindo espaços
discursivos nesse sentido? Ou ainda estão resistentes sob a égide da diferença?. Não
dá mais para esperar ou sermos omissos, diante do processo de inclusão do surdo
frente ao sistema de ensino proposto, instituicionalmente. Entretanto é oportuno
lembrar que a proposta de educação bilíngue pode ser interpretada por discursos
que reforcem práticas clínicas hegemônicas ou ainda se transformar numa
metodologia colonialista, positivista, a histórica e despolitizada,(Skliar,1997.a,b).
isto significa que a educação bilíngue para os surdos deve se deslocar dos espaços
escolares, das descrições formais e metodológicas, para localizar-se nos mecanismos
e relações de poder, conhecimento, situadas dentro e fora da proposta pedagógica.
A proposta de educação bilíngüe, "busca respeitar o direito do sujeito surdo,
no que se refere ao acesso aos conhecimentos sociais e culturais em uma língua que
tenha domínio" (SKLIAR, 1998 apud VICTOR et al, 2010).
Por recomendação do MEC, o ensino de surdos no Brasil precisa ser:
"(...) efetivada em língua de sinais, independente dos
espaços em que o processo se desenvolva. Assim,
paralelamente às disciplinas curriculares, faz-se
necessário o ensino de língua portuguesa como
segunda língua, com a utilização de materiais e
métodos específicos no atendimento às necessidades
educacionais.”(SALLES,et,AL,2004p.47)
Ainda nesta direção está a recomendação da UNESCO quanto ao direito de
toda criança a aprender, na educação básica, em sua língua materna.
Para que a formação bilíngue ocorra, é indicado que haja um instrutor
surdo responsável por ensinar e transmitir a cultura surda juntamente com a
LIBRAS, trabalhando em conjunto com o professor bilíngüe, ouvinte.
A educação do surdo pela proposta bilíngue apresenta como primordial o
acesso da criança, com deficiência auditiva, à sua Língua materna, sendo de
preferência a vivência e aprendizagem desta estimulada pelo contato com
comunidade surda, na qual estará inserida quando maior. Seu desenvolvimento na
Língua materna é considerado primordial para o aprendizado da segunda Língua
(língua oral), em sua forma escrita a ser aprendida na escola.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 49
Nesta proposta entende-se a Língua sinalizada como materna para o sujeito
surdo, devido suas características, por primazia visual, que compensam eficazmente
a falta de comunicação, situação imposta pela deficiência auditiva. A Língua
sinalizada é reconhecida como L1, ou primeira Língua. Por serem as principais
características das Línguas oficiais, que são utilizadas pela grande maioria nas
comunidades, orais e auditivas, são entendidas nesta proposta como segunda língua
para o sujeito surdo, ou L2.
A educação bilíngue de surdos no Brasil, esta amparada pela Lei e é
recomendada pelo Ministério Nacional da Educação (MEC), como sendo uma
proposta válida e eficaz para o ensino das duas Línguas reconhecidas pelo país,
Língua Portuguesa e LIBRAS, necessárias para a inclusão social efetiva destes
sujeitos.
O Decreto n° 5.626 de 22/12/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002,
em seu capítulo VI, artigo 22 determina que se organize, para a inclusão escolar:
"I – escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com
professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do
ensinofundamental;
II – escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos
surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou
educação profissional, com docentes de diferentes áreas do conhecimento, cientes da
singularidade linguística dos alunos surdos, bem como a presença de tradutores e
intérpretes de Libras – Língua Portuguesa." (NOVAES, 2010 p.73)
Ainda no artigo 22, parágrafo 1º, este Decreto descreve como escola ou
classe de ensino bilíngüe “aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua
Portuguesa sejam língua de instrução utilizada no desenvolvimento de todo o
processo educativo”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar em educação de surdos, não é tão fácil assim. As diretrizes
educacionais deverão maximizar o acesso e permanência dos surdos em seu
processo de aprendizagem em consonância com ações inclusivas registradas no
Projeto Político Pedagógico em que o eixo central é o ensino e conhecimento da
Libras que deverá estar contextualizado na proposta curricular analisando os
pressupostos ideológicos que subsidiam em sua construção, enfatizando sua
identidade e cultura surda.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 50
Pensar na proposta bilíngue para surdos nos remete fazermos reflexões
pautadas em: compromisso; obrigação do Estado; amordaçamento da cultura
surda(negação das múltiplas identidades surdas) numa sociedade ouvinte; políticas
públicas efetivas quanto a inclusão dos surdos;a ouvitinização do currículo escolar,
burocratização da língua de sinais dentro do espaço escolar, investimento na
formação do professor, a separação da escola de surdos da comunidade surda.
Precisamos ter clareza e compreender que educação bilíngue, não é o
mesmo que educação especial. São inúmeros equívocos nos dicursos oriundos nos
espaços escolares. Educação bilíngue, não pode ser definida como um novo
paradigma na educação especial, mas como um paradigma oposicional.
Sabemos que os surdos foram reféns de um sistema educacional
excludente, impõe, segrega uma condição de permanecerem no ensino especial,
ainda hoje visto.
Portanto, a proposta educacional bilíngue vem revolucionar para um novo
olhar nas diretrizes educacionais quanto a inclusão dos surdos muito bem
regulamentada pelo Decreto nº 5.626/22/12/2005.
De acordo com Felipe(1992), o bilinguismo(abordagem) almeja
proporcionar ao surdo a condição de utilizar bem as duas línguas: as de sinais e da
comunidade ouvinte, posteriormente escolhendo que língua utilizar para sua
comunicação de acordo com a situação em que se encontra.
Mesmo com os avanços, vitórias de pessoas surdas com os espaços para
divulgação, reflexão, discussão ainda são escassos quanto ao processo de
transformação, experiências em suas ações de fortalecer seus direitos de cidadania.
Contudo a educação dos surdos junto ao bilinguismo é legal, garantida na
Lei nº 10.346/2002 e regulamentada pelo decreto nº5626/2005, que no capítulo IV,
art. 14, § 1º - prevê a necessidade de ofertar, obrigatoriamente, dedes a educação
infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como 2ª língua para os
alunos surdos e ainda prover as escolas com professor para o ensino da língua
Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas.
A educação bilíngue para surdos segue como uma proposta inclusiva
desafiadora para um sistema educacional de uma cultura pedagógica ouvitista cuja
complexidade existente está na proposta curricular vigente. Como garantir o direito
do surdo um currículo que favoreça o desenvolvimento na Libras e facilite o ensino
/aprendizagem?
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 51
Assim, para que se possa de fato compreender o paradigma da inclusão é
oportuno refletir sob a reforma curricular, a formação docente e processo avaliativo
do sistema educacional para os surdos.
REFERÊNCIAS
ARANHA,M.S.F. Inclusão social e municipalização. In: MANZINI, E.S. Educação
especial: temas atuais. Marília, SP:UNESP,2000,p.p .01-09;
_______. Educação inclusiva.A escola v.3 25p. Brasília-DF.,MEC/SEESP,2004.
Disponível em ; <<http:/portal.mec.gov.br/seesp/arquivos:/txt.>>. acesso em
23,março,2011.
DAVIES Atualidades da educação bilíngue para surdos.Porto Alegre:Mediação,
1994
FELIPE, Tayna Amara. Por uma proposta de educação bilíngue. Rio de Janeiro:
Setembro,1992.
NOVAES,M.H. Psicologia para criança entender. Rio de janeiro:PUC,1991.
TENOR, Ana Claúdia. A inclusão do aluno surdo no ensino regular na
perspectiva de professores da rede municipal de ensino em Botucatu.
Dissertação. USP, São Paulo,2008,117p.
QUADROS,Ronice Muller de. Inclusão dos Surdos.In: ensaios pedagógicos
construindo escolas inclusivas. Brasília: Mec/SEESP,2005.Ministério da
Educação. Lei n]10.436/2002. Decreto nº 5.626/2005. Disponível
em:,<httpIIwww.dicionariolibras.com.br/website/artigo>acesso em 31 jan 2012.
SKLIAR,Carlos. Educação e exclusão. Abordagem sócio – antropológica em
educação especial. Porto Alegre:Mediação,1997
.__________________, Atualidade da educação bilíngue para surdos. Vol. I.
Porto Alegre: Mediação,1998
SOBRE A AUTORA
Daisy Autran
Graduada em Fonoaudiologia pela Universidade Católica de Pernambuco e
Pedagogia pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda. É Pós-graduada em
Educação Especial pela Faculdade Francinete do Recife, e Educação
Inclusiva/Libras pela Instituição APHA. É professora da Faculdade Anchieta do
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 52
Recife e Professora da Prefeitura Municipal de Jaboatão dos Guararapes exercendo
a função de Coordenadora Educacional.
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A PROFISSÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DA DOCÊNCIA:
DIÁLOGO E CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DAS
PROFISSÕES
Magna Sales Barreto
Clarissa Martins de Araújo
RESUMO: O presente artigo, situa-se no campo de estudo da formação de
professores buscando tratar do processo de construção da profissão docente,
trazemos as discussões perpassando sobre diferenciação entre ofício e profissão,
evidenciando a necessidade de observar e constituir a docência enquanto
enveredando pela discussão do processo de profissionalização da docência. O aporte
teórico fundamentado em VEIGA; ARAUJO; KAPUNZINIAK, (2005),
(RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER, 2004). que visa discutir o processo histórico
de construção da docência, o surgimento da escola, e a luta pelo processo de
profissionalização docente além dos teóricos da literatura brasileira que vem
dedicando esforços ao debate, dialogamos também com as contribuições do campo
da sociologia das profissões discussões com teóricos como Parsons (1972)
Chapoulie (1973) Freidson (1973) e a partir dessas reflexões com um olhar
específico para a docência podemos refletir sobre a constituição da profissão
docente e seu processo de profissionalização.
Palavras-chave: Profissão docente, profissionalização, sociologia das profissões
ABSTRACT: This article focuses on the training of teachers in order to deal with
the process of construction of the teaching profession. We bring the discussions
through the differentiation between the profession and the profession, evidencing
the need to observe and constitute teaching while undertaking the discussion of
Professionalization of teaching. The theoretical contribution based on VEIGA;
ARAUJO; KAPUNZINIAK, (2005), (RAMALHO, NÚÑEZ and GAUTHIER, 2004).
Which aims to discuss the historical process of teaching construction, the
emergence of the school, and the struggle for teacher professionalization process
beyond the Brazilian literature theorists who are dedicating efforts to the debate, we
also dialogue with the contributions of the field of sociology of professions
discussions with Theorists such as Parsons (1972) Chapoulie (1973) Freidson
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 54
(1973) and from these reflections with a specific look at teaching we can reflect on
the constitution of the teaching profession and its professionalization process
Keywords: Teaching profession, professionalization, sociology of professions
Recebido em: 22/04/2017
Aprovado em: 05/07/2017
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho se propõe discutir o processo de construção da profissão
docente, as discussões perpassam sobre diferenciação entre ofício e profissão
enveredando pela discussão do processo de profissionalização da docência.
Trazemos ao debate o seu processo histórico, o surgimento da escola, os teóricos da
literatura brasileira que estão dedicando esforços ao debate e dialogamos também
com as contribuições do campo da sociologia das profissões travando discussões
com teóricos como Parsons (1972) Chapoulie (1973) Freidson (1973) e a partir
dessas reflexões com um olhar específico para a docência podemos refletir sobre a
constituição da profissão docente e seu processo de profissionalização. Nesses
termos levantamos a seguintes pergunta: A profissão docente é um ofício ou uma
profissão?
Buscando entender a discussão sobre o termo “Profissão” relacionado à
docência, encontramos o estudo de Espíndola (2009) que nos traz definições sobre a
palavra “professor”. Essas definições, extraídas de dicionário, revelam a variedade
de sua utilização no nosso contexto social, conforme a seguinte observação:
Professor: aquele que professa uma crença, uma religião. 2. Aquele cuja profissão é
dar aulas em escola, colégio ou universidade, docente, mestre. 2.1. Aquele que dá
aulas sobre algum assunto. 2.2. Derivação por extensão de sentido: aquele que
transmite algum ensinamento a outra pessoa. 3. Aquele que tem diploma de algum
curso que formam professores (como o normal, alguns cursos universitários, o curso
de licenciatura, etc.). Derivação de sentido figurado: Indivíduo muito versado ou
perito em (alguma coisa) (HOUAISS; VILLAR; FRANCO 2007).
A palavra profissão, conforme Popkewitz (1992), não sugere a existência
de uma definição fixa ou universal, que seja independente do tempo e do lugar,
“bem pelo contrário, profissão é uma palavra de construção social, cujo conceito
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 55
muda em função das contradições sociais em que as pessoas a utilizam” (idem,
p.38).
O seu conceito vem do latim professio (declaração, profissão, exercício,
emprego). Esse termo evolui socialmente e está caracterizado por mudanças sociais
e econômicas ocorridas ao longo da história. Portanto, não é uma palavra neutra,
diferenciando-se do que o senso comum entende por ofício ou ocupação. “A
profissão é um ato específico e complexo, e diz respeito a um grupo especializado,
competente” (VEIGA; ARAUJO; KAPUNZINIAK, 2005, p. 25).
Os estudos da Sociologia Clássica, desde o início do século passado, nos
mostram que vem sendo realizada uma reflexão sobre as profissões e sua
profissionalização, ou seja, sobre o processo percorrido pelas ocupações para que
estas evoluam e atinjam o status de profissão, sendo a profissionalização
considerada como processo linear, baseado em normas e modelos de profissões
liberais já estabelecidas (RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER, 2004).
O estudo das profissões não foi um campo respeitável e de destaque nas
ciências sociais. Com efeito, até pouco tempo, os estudiosos europeus o
consideravam um vício peculiarmente anglo-saxão. Mas isso tem mudado. Nos
últimos dez anos, mais ou menos, historiadores de uma série de nações têm
elaborado histórias de uma variedade de profissões, não apenas de profissões
liberais reconhecidas convencionalmente, como advogados, médicos e engenheiros,
como também da profissão docente praticada no âmbito da universidade
(FREIDSON, 1996).
De acordo com Hoyle (1980, p.47), profissão é uma categoria descritiva,
que a partir de critérios estabelecidos pode ser categorizada da seguinte maneira:
1. Uma profissão é uma ocupação que efetua uma função social crucial;
2. O exercício dessa função requer um nível considerável de competência;
3. Essa competência é usada em situações que não são sempre rotineiras, mas nas
quais novos problemas e situações serão tratados;
4. Assim, embora o conhecimento adquirido através da experiência seja importante,
essa receita-padrão de conhecimento é insuficiente para satisfazer as exigências
profissionais e o prático deve recorrer a um corpo de conhecimento sistemático;
5. A aquisição deste corpo de conhecimento e o desenvolvimento de competências
específicas requer um longo período de instrução superior;
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6. Esse período de educação e formação envolve também o processo de socialização
dentro de valores profissionais;
7. Esses valores têm tendência em se inclinar para a preeminência dos interesses do
cliente e, até a um certo nível, eles são explícitos dentro de um código de ética;
8. Visto o fato que o conhecimento de base e as competências são aplicados em
situações não rotineiras, é indispensável que o profissional possa ter a liberdade de
fazer os suas próprias apreciações tendo em conta a prática apropriada;
9. Tendo em conta que o profissional é assim tão especializado, a profissão
organizada deve ter uma voz forte na implementação de políticas públicas
importantes, um grande nível de controle sobre o exercício das responsabilidades
profissionais, e um grande nível de autonomia em relação com o estado;
10. Uma formação longa, responsabilidade e convergência nos interesses do cliente
são necessariamente recompensados por um grande prestígio e um grande nível de
remuneração.
Nesse contexto, as profissões, enquanto ocupações reconhecidas
oficialmente, distinguem-se em virtude da posição relativamente elevada que
ocupam nas classificações da força de trabalho. Em parte, isso se deve às aspirações
ou origens de classe de seus membros, porém ainda mais importante é o tipo de
conhecimento e de habilidade vistos como requisitos para seu trabalho. Assim, de
acordo com Freidson (1996), como qualquer ofício e ocupação, uma profissão é uma
especialização, um conjunto de tarefas desempenhadas por membros da mesma
ocupação, ou donos do mesmo ofício.
Quanto à diferença entre profissão e ofício, Braem (2000) traz a seguinte
explicação: a autora destaca que, o dicionário Robert dá indicações sobre Ofício e
Profissão e que mostra zonas semânticas comuns e divergentes. A zona comum é
especificada pelo fato que, em ambos os casos, trata-se duma ocupação determinada
a partir da qual uma pessoa pode tirar os seus meios de subsistência. Quanto às
diferenças, exprimem-se também. Ofício: tipo de ocupação manual ou mecânica que
tem sua utilidade na sociedade; profissão: ofício que tem certo prestígio por causa
do seu caráter intelectual ou artístico, por causa da noção social daqueles que a
exercem. Além disso, a etimologia de ofício remete para serviço e a de profissão à
declaração pública (grifo nosso).
Em seus estudos, Arroyo (2000) nos chama atenção ao termo “ofício”,
ressaltando que o mesmo está atrelado a um saber qualificado, profissional. Para o
autor, “os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres
de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam seus
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segredos, seus saberes e suas artes. Uma identidade respeitada, reconhecida
socialmente” (p. 18). A partir desse entendimento do que seja um ofício ou uma
profissão começamos a direcionar nosso olhar para a profissão docente e inquieta-
nos o fato de que apesar de considerarmos a docência como profissão é necessário
atentarmos para o fato de que ela pode não estar constituindo-se de fato como uma
profissão nesse sentido, Enguita (2002) situa os docentes em lugar intermediário e
contraditório entre a organização e a oposição de trabalhadores, caracterizando a
docência como semi-profissão, uma vez que os docentes não estão determinando os
fins de seu trabalho.
Destacamos, contudo, que a docência é o trabalho que o professor
desempenha a partir de um conjunto de funções que vão além do ministrar das aulas.
São funções formativas que demandam um conhecimento abrangente sobre a
disciplina e sobre como explicá-la, mas que foram tornando-se mais complexas com
o tempo, provocando novas condições de trabalho e o surgimento de outras funções
na profissão docente. Conforme nos aponta Tardif e Lessard (2008, p.277), que uma
profissão, no fundo, não é outra coisa senão um grupo de trabalhadores que
conseguiu controlar (mais ou menos completamente, mas nunca totalmente) seu
próprio campo de trabalho e o acesso a ele através de uma formação superior, e que
possui certa autoridade sobre a execução de suas tarefas e os conhecimentos
necessários à sua realização.
Desse modo considerando que para atuar como um docente exige-se do
sujeito que domine os conhecimentos necessários, como conteúdos e saberes
pedagógicos e que, para isso, torna-se fundamental e necessária uma formação a
nível superior e necessita desenvolver habilidades e saberes especificamente
docente; conclui-se que podemos considerar a docência uma profissão, mas
evidentemente que em constante transformação com efetiva autoafirmação, diante
da desvalorização ao qual ainda está remetida o labor docente.
Percebemos em nossas leituras que a função docente não se deu
inicialmente de forma especializada, pois ela não era tida como ocupação principal,
mas sim secundária, sendo realizada por padres e leigos. Vale ressaltar que o início
da profissão de professor ocorreu sobretudo nas instituições religiosas. Também já
existiam outros grupos que lecionavam em tempo integral. Mas buscando entender
essa constituição da profissionalização da docência discutiremos adiante seu
processo histórico.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Profissionalização da docência: processo histórico e o
surgimento da escola
Sabe-se que a atividade de ensino é tão antiga quanto à humanidade, porém
o início da profissão docente é identificado há pouco mais de 300 anos, por volta do
século XVII, no contexto de desenvolvimento da urbanização, fortalecimento das
cidades e a decadência da aristocracia, decorrente do surgimento da burguesia. O
cenário era, portanto, de luta pela democratização, onde a reivindicação do ensino
sistematizado das primeiras letras, para todos, possuía papel de destaque (PENIN,
2009). É no âmbito da difusão da escola moderna que é possível entender o
desenvolvimento da história da profissão docente que foi se tornando cada vez mais
diversificada e complexa e as transformações pelas quais ela tem passado desde a
origem, no que concerne à sua composição, às exigências de formação, as condições
de trabalho, às formas de organização profissional e as representações da categoria
acerca do próprio trabalho (VICENTINI; LUGLI, 2009).
Conforme Nóvoa (1991) A escola entre os séculos XV e XVIII, se incube
do trabalho de reprodução das normas de transmissão cultural, denominadas Petit
écoles “Sob o domínio da Igreja, as redes de Petit écoles e de colégios não vão parar
de se desenvolver até o século XVIII” Nóvoa (1991 p.115). O autor também
identifica duas fases na história da escola, a primeira fase é da dominação da escola
pela Igreja, que persiste até o início do século XVIII, e a segunda fase é a
dominação da escola pelo Estado, sendo que esta última fase estende-se, aos dias
atuais, essas fases apresentadas caracterizam o processo de escolarização das
crianças. Esse processo assegurou o deslocamento do papel educativo das
comunidades e das famílias para a instituição escolar. A escolarização servia ainda
aos interesses de uma burguesia em ascensão social, porém no final do século
XVIII, o modelo educativo sobre o domínio da Igreja não responde mais às
exigências econômicas dos aparelhos de produção, e também não atende às
demandas sociais de formação da população (NÓVOA, 1991). “O Estado toma o
lugar da Igreja e assiste-se a um processo de institucionalização e estatização de
sistemas escolares que tendem a tornar-se o instrumento privilegiado da formação,
em todos os níveis, para todas as categorias de ensino para todas as categorias
sociais” (NÓVOA, 1991 p.116). Houve, portanto, uma preocupação maior com o
professor, de como seria seu perfil ideal, o que culminou com a estatização do
ensino, quando o Estado passou a ter um controle maior sobre os processos
educativos, antes de responsabilidade da Igreja. O professor, agora sob a tutela do
Estado, é por este pago e recrutado. Essa intervenção do Estado provoca uma
unificação entre religiosos e leigos, que fazendo um enquadramento estatal, define a
função de educar a docência, estruturando-a como profissão. A partir de então,
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 59
progressivamente, foi-se configurando um corpo de saberes e de técnicas, bem como
um conjunto de normas e valores específicos da profissão docente (NÓVOA, 1995).
O Estado passa a implementar medidas de regulamentação da profissão
docente, como a licença para ensinar, concedida ao sujeito que dispusesse de alguns
requisitos, como habilitações literárias, idade, bom comportamento moral, entre
outros, e fizesse um exame ou concurso para a área. Dessa forma, intensifica-se a
atuação do professor havendo, portanto, o aperfeiçoamento de instrumentos e
técnicas pedagógicas, a introdução de novos métodos de ensino e o alargamento dos
currículos escolares. Devido às dificuldades que se apresentaram no processo de
ensino e aprendizagem, o trabalho do professor torna-se inquietação de especialistas,
que passam a dedicar seu tempo a entender como esse trabalho se constitui e se
desenvolve no contexto educacional (NÓVOA, 1995).
Sendo assim, como nos aponta Brzezinski (2002, p.11), o Estado passa “a
homogeneizar, hierarquizar e dar uma unificação, em escala nacional à profissão,
passando a promover um enquadramento ao padrão estabelecido oficialmente”. Isso
não significa, entretanto, que o Estado tivesse nesse momento a intenção de
profissionalizar a docência, de forma a valorizar os profissionais da educação,
percebendo-os como parte de um conjunto. A regulação dava-se a partir de
características mais funcionais do que profissionais.
As mudanças que ocorreram na atividade docente no decorrer dos séculos
ocasionaram a criação de associações profissionais. Conforme Nóvoa, "a
emergência deste ato corporativo constitui a última etapa do processo de
profissionalização da atividade docente, na medida em que corresponde à tomada de
consciência do corpo docente de seus próprios interesses enquanto grupo
profissional" (NÓVOA, 1992, p. 125). Ainda de acordo com o autor, entre o final do
século XIX e início do XX, a categoria dos professores reivindicava “a melhoria do
estatuto, o controle da profissão e a definição de uma carreira.” (NÓVOA, 1992,
p.128). Na sua compreensão existem quatro grandes categorias: 1) docentes que se
assumem como funcionários públicos; 2) docentes que têm por objetivo construírem
uma identidade de atores através da recusa do papel de servidores do estado; 3)
docentes que tentam definir sua identidade profissional em torno do ato educativo e
de sua originalidade; 4) docentes que se distinguem das outras categorias propostas
apresentando-se como militantes (NÓVOA, 1992, p.129).
Cabe salientar que a discussão do processo de profissionalização
classificando uma ocupação como profissão, associando as expectativas, o processo
histórico e o processo de reconhecimento social de uma atividade, tem sido objeto
de debate no âmbito das produções sociológicas que discutem as sociedades
contemporâneas. Desse modo, discutiremos adiante as contribuições e debates que a
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 60
sociologia das profissões veem estabelecendo em relação ao processo de
profissionalização.
2.2. A sociologia das profissões e o diálogo sobre as profissões e sua
profissionalização: um olhar para a docência
Percebe-se que os estudos sociológicos sobre as profissões vêm
prosseguindo no entendimento da profissão como uma construção que não é apenas
histórica, mas também social. Sendo, portanto, um fenômeno social, a profissão se
transforma de acordo com as mudanças sociais, não podendo se resumir aos
atributos definidos inicialmente, pois uma profissão revela um movimento de luta e
de disputa política, de contradições e conflitos que se inserem no processo de
construção de uma profissão.
Parsons (1972) afirma que profissão seria um sistema de solidariedade no
qual se constrói a identidade baseada na competência técnica dos membros em torno
do ideal de serviços. Essa visão parsoniana contribui a percepção de docência
enquanto vocação, o que dificulta a profissionalização da docência. Segundo
Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004), essa percepção da profissão docente, é
classificada como Modelo Fásico, conhecido como modelo estrutural ou
funcionalista que está vinculado a uma ideia de vocação e a um serviço social que se
presta de forma desinteressada.
De acordo com Tardif (2002) historicamente, os professores foram durante
muito tempo, associados a um corpo eclesial que agia com base nas virtudes da
obediência e da vocação. Essas percepções contribuíram para certa indefinição da
profissão, contribuindo de certo modo com a desvalorização docente, tal como
afirma Nóvoa (1995, p. 16):
Ao longo do século XIX consolida-se uma
imagem do professor, que cruza as referências ao
magistério docente, ao apostolado e ao sacerdócio,
com a humildade e a obediência devidas aos
funcionários públicos, tudo isto envolto numa
auréola algo mística de valorização das qualidades
de relação e de compreensão da pessoa humana.
Simultaneamente, a profissão docente impregna-se
de uma espécie de entre-dois, que tem
estigmatizado a história contemporânea dos
professores: não devem saber de mais, nem de
menos; não se devem misturar com o povo, nem
com a burguesia; não devem ser pobres, nem
ricos; não são (bem) funcionários públicos, nem profissionais liberais”.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 61
Chamamos a atenção que há ainda hoje, inegavelmente a concepção de que
a docência se equipara ao sacerdócio, a uma missão, conforme pautava o
entendimento tanto popular quanto docente do início do século XX. Essa
persistência em perceber o professor semelhante a um sacerdote contribui para que
não haja um avanço na busca por profissionalização e contribui para a continuidade
de desvalorização pois:
(...) ao professor, ainda, associa-se as
representações acerca da idealização de ser
considerado sob uma condição heróica, de agir
através de uma doação, transformadora, lutadora,
destituído do merecimento de condições mais
justas salariais, carregando símbolos, imagens ou
metáforas que lhe denotam possuir um caráter de
abnegação, missão, vocação, dedicação,
sacerdócio, idealismo, otimismo e criatividade.
(MARUJO, 2004, p.)
Chapoulie (1973) critica essa compreensão de Parsons, definindo a
profissão com a necessidade de uma formação profissional extensa, promovida em
instituições especializadas, detentora de um controle técnico e ético das atividades
exercidas entre os profissionais e reconhecidas pelos pares que foram considerados
como os únicos com competência para tanto. O autor ainda destaca que a profissão
também seria definida por meio de um controle reconhecido legalmente e
organizado com o acordo das autoridades legais. Além de estabelecer uma pertença
através dos rendimentos de prestígio e poder, expressa, pela partilha, “identidades” e
“interesses” entre os membros de uma comunidade profissional.
Freidson (1970; 1998), tomando como análise a profissão médica, destaca
que uma profissão é uma ocupação que controla seu trabalho e está organizada por
um conjunto especial de instituições que se movem parcialmente por uma ideologia
de serviço e qualificação especializada, destacando também sobre o que evidencia
uma profissão e o que qualifica seu status é o controle sobre seu exercício
profissional. O que podemos considerar como autonomia, o autor acentua ainda a
necessidade de relação de interdependência do profissional com os que fazem uso de
seu serviço.
Cabe registrar que o movimento de profissionalização docente, teve início
nos Estados Unidos, buscando defender a melhoria da qualidade da formação
docente norte-americana, na década dos 80, as questões que envolvem a
profissionalização docente bem como a desprofissionalização vêm tomando corpo e
estão atualmente no foco das discussões sobre formação de professores. Como
ilustração pode-se destacar o Seminário Internacional da Association for Teacher
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 62
Education in Europe (ATEE) no ano de 1993, em Barcelona, que expressa à luta
pela valorização da docência quando se tem como foco de discussão bases
específicas e critérios satisfatórios para a profissão docente através do
desenvolvimento da profissionalização. Como percebe-se internacionalmente, a
profissionalização docente ganha força e incita debates acerca da formação de
professores e da elevação do nível da docência como profissão, tornando-se dessa
maneira, uma prioridade nas Reformas Educativas de vários países não apenas nos
Estados Unidos e Brasil, mas também em toda a América Latina bem como em
outros países como a exemplo de Portugal. Weber (2003) afirma que no Brasil
existem poucos estudos realizados sobre o professor como profissional numa
perspectiva das sociologias das profissões, afirma também que esse debate vem se
estabelecendo a partir da década de 80, devido a democratização e a necessidade da
escola contribuir na construção da democracia.
Contudo, em relação às publicações no campo da educação, os estudos vêm
se ampliando. Entender como se tem moldado a profissão docente, tem sido um
empreendimento de autores como Nóvoa (1995) e Accàcio (2005) tendo como
ponto de partida os aspectos sócio-históricos da profissionalização do professorado,
trazendo contribuições para a compreensão dos problemas atuais da profissão
docente. Existem na literatura outros teóricos que caracterizam a docência enquanto
profissão, que apresentaremos em linhas gerais nesse momento, mas que poderão
possibilitar aos leitores estudos mais aprofundados posteriormente. Destacamos
Schön (1992) e o de Perrenoud (2002), que defendem como “modelo de professor
profissional” o professor competente e reflexivo; Zeichnner (1993) e Contreras
(2002), que partindo deste “modelo de professor”, discutem uma nova autonomia
para o professor profissional; os estudos de Carr e Kemmis (1988), que chamam
atenção à formação do professor pesquisador, reflexivo e crítico; Giroux (1997), que
atribui ao professor o caráter de intelectual crítico; Enguita (2002), quando reflete
sobre a natureza da docência como atividade profissional e caracteriza o professor
como um profissional democrático e por fim Gauthier (2006), para quem o professor
exerce um trabalho profissional “que, munido de saberes e confrontado a uma
situação complexa que resiste à simples aplicação de saberes para resolver a
situação, deve liberar, julgar e decidir com relação à postura a ser adotada, ao gesto
a ser feito ou palavra a ser pronunciada antes, durante e após o pedagógico.”
(GUAUTHIER, 2006 p.331). Os autores trazem esta discussão de se considerar o
professor enquanto profissional; subentendendo que estes devam atuar nas situações
de emergência com competência enquanto capacidade de mobilizar saberes para
promover a resolução de problemas em seu contexto. Assim:
(...) o processo de profissionalização da docência
representa uma mudança de paradigma no que se
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 63
refere à formação, o que implica sair do “paradigma
dominante” baseado na racionalidade técnica, no qual
o professor é um técnico executor de tarefas
planejadas por especialista para se procurar “um
paradigma emergente” ou da profissionalização no
qual o professor é construtor da sua identidade
profissional (GUAUTHIER, 2006 p.331).
Maçaneiro (2006) nos aponta que no Brasil o que intensificou as discussões
sobre a profissionalização da docência, foi a fase anterior a promulgação da LDB
9394/96 onde nos seus artigos 61 e 67 denomina os professores e pedagogos como
“Profissionais da Educação”. Porque nesse período dos anos 90 buscava-se uma
proposta de qualificação para os professores como podemos constatar nos estudos
de Evangelista e Shirimona (2003) que fizeram um estudo sobre o termo
profissionalização, nos trabalhos apresentados na ANPEd , bem como em alguns
documentos da UNICEF e UNESCO onde constataram que as discussões a cerca da
temática “profissionalizar o professor” vem se delineando desde 1990 pela busca de
qualificação da categoria do Magistério, por um requalificação profissional e por
uma proposta de mudança do perfil do professor.
O debate da profissionalização docente abrange diversos aspectos que
incluem a natureza do trabalho do professor; os saberes dos docentes sobre a
profissão; os saberes necessários para o exercício da docência; a participação efetiva
do professor na produção de conhecimentos; a organização do espaço de trabalho e
os requisitos necessários para o exercício da profissão. (NÓVOA, 1992),
(RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2003), (ENGUITA, 2002), (IMBERNÓN,
2002).
Cabe afirmar que em relação à profissionalização da docência um dos
maiores dilemas que o professor tem enfrentado, é a necessidade de saber
claramente o que é a profissão docente, qual é a função do professor na atual
sociedade, conhecer as características e especificidades dessa função, pois,
conforme nos afirma Sacristán (1995), sabemos que a profissão se define por suas
próprias práticas, regras e conhecimentos sobre a atividade que realiza.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho se propôs a discutir o processo de construção da profissão
docente, inicialmente a discussão perpassa a diferenciação entre ofício e profissão
podemos em síntese dizer que ambos são uma ocupação e que, portanto, uma
profissão requer critérios estabelecidos como competência, formação, aquisição de
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 64
conhecimentos e um ofício limita-se apenas a uma ocupação manual e mecânica. A
partir dessa compreensão dos conceitos apresentados buscamos resgatar o processo
histórico da profissionalização da docência e o momento do surgimento da escola,
destacando o início da docência como atividade desenvolvida por religiosos
católicos e estando sob o domínio da igreja católica, dando destaque também a
estatização e institucionalização dos sistemas escolares.
Enveredamos em seguida pela sociologia das profissões, pois uma análise
sociológica de uma determinada profissão (neste caso específico a docência)
apresenta-se como um instrumento importante para o entendimento da constituição
da profissão no momento presente diante dos conflitos que enfrenta a profissão
professor na sociedade atual. Desse modo, dialogamos com teóricos do campo da
sociologia das profissões e, a partir deles, percebe-se que a compreensão da
profissão como uma construção social permeia o debate, revelando-nos que uma
profissão se transforma a medida que a sociedade evolui e modifica-se.
Podemos em síntese considerar que o debate sobre a profissão docente vem
se ampliando pois como afirma Sacristán: “O debate em torno do professorado é um
dos polos de referência do pensamento sobre a educação, objeto obrigatório da
investigação educativa e pedra angular dos processos de reforma dos sistemas
educativos” (SACRISTÁN, 1995, p.112 ).
Conforme observamos na realidade educacional, o professor precisa
construir uma identidade que seja sua e não imposta pelo Estado. Ele precisa refletir
sobre a sua profissão e sobre o sentido e necessidade de ser professor, que vá além
de uma percepção como semi-profissão, ressaltando a importância e a necessidade
da profissionalização docente numa perspectiva de "(...) esforço da categoria para
efetivar uma mudança tanto no trabalho pedagógico que desenvolve, quanto na sua
posição na sociedade" (VEIGA, 1998, p. 76).
Para que isto ocorra de forma efetiva, é necessário repensar a “formação
profissional para seu exercício: conhecimentos específicos para exercê-la
adequadamente ou, no mínimo, a aquisição das habilidades e dos conhecimentos
vinculados à atividade docente para melhorar sua qualidade” (VEIGA, 2008, p.14).
Em síntese, compreendemos que perceber a docência enquanto profissão
requer reconhecimento social do profissional professor, exige-se competência e
conhecimento de quem leciona, bem como mobilização de saberes; fatores estes que
demandam tempo de atuação e instrução em nível superior. Em outras palavras, não
basta apenas o professor gostar de ensinar, pois, como bem sabemos o profissional
docente não tem como atribuição apenas ensinar, pois existem outras atribuições que
são cobradas no seu exercício docente.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 65
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SOBRE OS AUTORES
Magna Sales Barreto
Doutora em Educação pelo programa de pós-graduação em Educação, do
núcleo de Formação de Professores e Prática Pedagógica na Universidade Federal
de Pernambuco-UFPE. magna.rebeca@yahoo.com.br, Professor da Faculdade
Anchieta- Recife PE.
Clarissa Martins de Araújo
Doutora em Educação, Professora adjunto do Departamento de Psicologia e
Orientação Educacionais e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do Núcleo de Formação de
Professores e Prática Pedagógica.
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RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 69
PERSPECTIVA FREIRIANA SOBRE DIÁLOGO:
CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA AVALIATIVA
Roseline Nascimento de Ardiles
Roseane Nascimento da Silva
RESUMO: Realizou-se um estudo sobre a categoria Diálogo em alguns dos escritos
e principais obras de Paulo Freire cujo propósito fora compreender o significado,
extensão e possíveis contribuições ao processo de avaliação da aprendizagem e a
prática pedagógica. Por meio de uma análise qualitativa, de cunho fenomenológico,
constatou-se que o Diálogo na perspectiva Freriana está vinculado a diferentes
contextos de ação pedagógica: ideia; método; prática educativa; mediação das
relações. O espaço escolar, constitui-se enquanto princípio basilar das mediações
necessárias para efetivação de um projeto político-pedagógico que seja parâmetro
para a avaliação da aprendizagem. A avaliação da aprendizagem, por sua vez,
compreendida como uma prática contínua, um recurso construtivo, a partir da
existência de um projeto em ação. Deve se configurar enquanto um ato claramente
planejado e em execução para o alcance das metas a fim de lograr uma prática
avaliativa bem-sucedida. Para tanto, é necessário considerar o papel e as
especificidades dos diferentes elementos de mediação dessa prática.
Palavras-chave: Paulo Freire. Diálogo. Prática Avaliativa. Prática Pedagógica.
ABSTRACT: A study was carried out on the category Dialogue in some Writings
and main works of Paulo Freire whose purpose was to understand The meaning,
extent and possible contributions to the evaluation process Learning and
pedagogical practice. Through an analysis Qualitative, phenomenological, it was
verified that the Dialogue in the Freriana's perspective is linked to different contexts
of action Pedagogical: idea; method; educational practice; relationship mediation.
O education as a basic principle of necessary to carry out a political-pedagogical
project that is learning assessment. The evaluation of learning, in turn, understood
as a continuous practice, a resource gonstructive, from the existence of a project in
action. Must be configured while a clearly planned and executing act to reach the
goals in order to achieve a successful evaluation practice. Therefore, it is necessary
to consider the role and specificities of the different elements of this practice.
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Keywords: Paulo Freire. Dialogue. Evaluation Practice. Pedagogical Practice.
Recebido em: 09/03/2017
Aprovado em: 28/06/2017
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva
1. INTRODUÇÃO
Freire (1982a) em suas considerações sobre o processo de alfabetização de
jovens e adultos refere-se à aquisição da leitura e escrita não como simples forma de
decodificação ou leiturização de símbolos gráficos, mas de uma leitura crítica, não
só da palavra, mas, e principalmente, leitura do mundo. Esta deve ser o ponto de
partida e processo contínuo de busca para, tal como afirmado por Freire e Campos
(1991a, p.04) um “deciframento mais profundo, uma ‘releitura’ do mundo tal como
foi descoberto pela primeira vez”. Freire (1982a, p.97), como educador, enfatizou e
se preocupou com o método enquanto “caminho do conhecimento”. Destarte, a
concepção de educação evidenciada por ele é concebida como elemento
essencialmente político e emancipatório. Para tanto, destacou a necessidade
constante de estabelecer entre os atores desse processo educativo relações de
Diálogo, pois Freire (1982b, p. 51) destacou que alfabetizar “(...) implica na
existência de dois contextos dialeticamente relacionados. Um é o contexto do
autêntico diálogo entre educadores e educandos (...). O outro é o contexto concreto,
em que os fatos se dão”. Ressalta-se que este processo apresenta como característica
áurea, a comunicação efetiva entre pessoas, possibilitando aos sujeitos reflexões
sobre suas próprias práticas, condições de vida e atuações sobre ela, ademais de
propiciar a desvinculação alienante do indivíduo sobre a sua realidade. Isto só seria
possível numa ação pedagógica emancipatória, possível apenas numa educação
dialógica que vise à libertação.
Esse educador preocupou-se com uma educação do indivíduo e não com
uma educação individualista. Com uma educação para além do instrucional, pois
esta se volta como instrumento de controle social e preservação da sociedade. Por
isso tomar a educação por si mesma como alavanca da libertação do sujeito é,
para esse autor, uma concepção ingênua e inversão de papeis que reforça a alienação
(FREIRE, 1978a). Outrossim, considerou o sujeito em sua completude à medida que
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destacou a necessidade de entender o ser humano na sua relação com o mundo, na
sua historicidade ligada a sua vida real e social. De acordo com Freire e Macedo
(1990, p.63), para além dos métodos e técnicas deve-se ter como “fundamental é a
clareza com a opção política do educador ou educadora que envolve princípios e
valores que ele ou ela devem assumir”. Dito de outra forma, Freire (1978a p.69 e
70) traçou sua teoria numa perspectiva de educação para a liberdade, para a escolha,
por meio do pensamento consciente. Desta maneira o professor denodadamente será
de fato um educador e de ação revolucionária, pois propiciará aos seus educandos a
“descoberta que o importante mesmo não é ler estórias alienadas e alienantes. Mas
fazer histórias e por elas ser feitos”. Esta educação emancipatória e libertadora seria
passível de ser concretizada através do Diálogo. Deste modo, o educando poderia se
relacionar com a circunstância (realidade). E a partir do conhecimento desta
circunstância, poderia entender a vida, transpor obstáculos e solucionar problemas.
A partir das considerações supra escritas compreende-se sobremodo a
complexidade da prática educativa e o quanto sua proposta pode influir
significativamente na ação pedagógica e propiciar entender o processo avaliativo de
maneira qualitativamente distinta do qual instigue o professor, no seu quer-fazer
diário, a buscar compreender, estabelecer e operacionalizar a avaliação como prática
coerente não como ato alheio e esporádico à sua ação. Tal acepção remete-nos à
reflexão que a avaliação da aprendizagem não é um processo ensimesmado, com
aplicação de instrumentos quantitativos externos para medir desempenho de alunos
num período específico. Vivenciar a categoria “diálogo” na prática pedagógica é
ressignificar as relações de ensino, de aprendizagem, concepção de conhecimento e,
por conseguinte, da avaliação. Por isso buscamos compreender o conceito de
Diálogo e analisar as contribuições que uma prática pautada nesse princípio pode
reverberar positivamente na prática avaliativa.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. O Diálogo nas obras de Paulo Freire
No livro de Freire (1997a, p.52) intitulado “Pedagogia da Autonomia”, o
Diálogo é abordado como possibilidade de afirmação pessoal e “permanente
disposição a favor da justiça, da liberdade do direito de ser”, tanto individual como
coletiva. O ensino para autonomia exigirá, neste sentido, reconhecimento e assunção
de identidade cultural, pois Freire (1996b, p. 16) pontuou que “a questão da
identidade cultural, de quem faz parte a dimensão individual e de classe dos
educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa
progressista, é problema que não pode ser desprezado”. A forma de expressar a
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autonomia seria nas exposições de ideias e conhecimentos ao outro participante. O
Diálogo efetivado pelo educador seria mais que o falar. Seria o próprio testemunho
do professor. Este, segundo Freire (1997a, p.51), concebido como discurso coerente
do que se diz e do que se faz, pois, a “prática educativa que inexiste a relação
coerente entre o que a educadora diz e o que ela faz é, enquanto prática educativa,
um desastre”. Freire (1998b, p.16) já afirmava “às vezes, mal se imagina o que pode
passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode
um gesto aparentemente insignificante vale como força formadora ou como
contribuição à do educando por si mesmo”.
Este autor pontuou a necessidade de refletir sobre os diversos tipos de
comunicação existentes em sala de aula, em especial, destacou a importância dos
gestos realizados pelos professores, pois além destes se multiplicarem diariamente
nas tramas do espaço escolar, ressalta-se o fato que o espaço socializante da escola
tende a desqualificar e a desconsiderar o que não seja conteúdo formal, em outras
palavras, Freire (1998b, p.17) destacou que o sistema educacional de ensino
despreza “o que há de informal na experiência que se vive nela”. Ele pontuou
também a necessidade de o sujeito desvencilhar-se de qualquer sentimento ou
pensamento desfavorável que o qualifique como um ser menor, inferior a outrem,
àquele que escuta. O Diálogo, neste sentido, deve ser iniciado e desencadeado em
detrimento da ausência de informação sobre determinado assunto evidenciado por
uma das partes, pois para o autor (1994a, p.6 e 7) a ausência de informação sobre
algo não deve ser motivo para que o sujeito se sinta menosprezado, pois “o processo
de ensinar é parte do processo de aprender e o processo de aprender é parte do
processo de ensinar (...) então não há ensinar sem aprender e os dois são um
momento de um processo maior - o conhecimento”, “pois ensinar para mim é
conhecer com” (FREIRE, 1986b, p. 50).
Nesta perspectiva, o Diálogo é tomado para Freire (1994a, p.07) como
cumplicidade entre educador e educando, “pois, sem essa cumplicidade não há
educação. Cabe ao educador provocar essa cumplicidade (que não é convivência
mais aceitação do legítimo) para fazer melhor a prática”. Assim, o professor e aluno
se descobririam e se reconheceriam como pessoas, como possibilidade, como
sujeitos cognoscentes, abertos a novos conhecimentos, com liberdade interior do
qual resultaria na exteriorização de posições pessoais. Ademais de saberem que não
conhecer determinado assunto e reconhecer isto é ser humilde, pois conforme Freire
(1994a, p.09) “humildade não é humilhação, é ampliação da gente mesmo”. Este
contexto se torna fidedigno quando, além de não ferir algum valor pessoal, moral ou
educacional, propiciaria a abertura do diálogo franco a novos desafios pessoais e
profissionais: “o educador não deve sentir-se envergonhado por não conhecer
determinado assunto. “(...) sendo estas coisas necessárias à prática educativa. Esta
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 73
abertura deve ser objeto de reflexão crítica como uma aventura do docente,
garantindo uma viabilidade do diálogo” (FREIRE, 1996b, p152). Ainda conforme
Freire (1994a p.08) “se estimulássemos mais o processo comum do saber, não
individualizando em demasia o processo do conhecimento estaríamos favorecendo
uma contribuição maior à humildade”, pois “viver com a humildade de quem sabe
que pouco sabe, mas porque sabe que pouco sabe, sabe também que pode saber
mais” (ibid).
Desta maneira compreenderíamos que não conhecer algo faz parte da
lógica educativa e, portanto, necessária às práticas pedagógicas do quefazer diário
tanto para o docente como discente, pois instiga ao sujeito ir a busca desse “novo” e
estar constantemente nessa ação de construir novos saberes. Pois, como afirmou
Freire (1994a, p.9) “todo mundo está sendo, ninguém é, e ninguém era. E isso é uma
das coisas que nos faz continuar aprendendo”. Para tanto, faz-se mister que o
conhecimento deva ser concebido não na esfera da mera necessidade, pois o sujeito
tende a findar com a caminhada ao conhecimento por já ter logrado tal objetivo. São
as famosas frases ainda muito utilizadas: “Você precisa estudar para trabalhar (...)
para ter emprego” ou “O que estou aprendendo vai ser útil para mim depois?”, e até
mesmo perguntas como: “Para que serve isto que estou ensinando/aprendendo?”.
Tais perguntas inserem-se no discurso dominante que o saber necessário deve ter o
caráter da instrumentalidade, do saber meramente profissional e técnico para a
manutenção da vida cotidiana do indivíduo.
No entanto, na perspectiva da educação libertadora e emancipatória do
sujeito, Freire (1994c, p.80) contestou tal ideologia liberal. O autor afirmou que “o
saber fundamental continua a ser a capacidade de desvelar a razão do ser no mundo
e esse é um saber que não é superior nem inferior aos outros saberes, é um saber que
elucida, é um saber que desoculta (...)”. No entanto e, em contrapartida, se
inserirmos a busca do conhecimento na esfera do desejo, essa caminhada não se
findará. O conhecimento a ser construído não se limitará ao uso e funções, mas a
possibilidades de pensamentos sensivelmente qualitativos que possam fazer a
diferença na sua condição existencial. Com esta liberdade de espírito, o indivíduo se
orientaria pela razão e buscaria a verdade não acabada, na comunicação com outro.
Em “Educação na Cidade”, o Diálogo é concebido como eixo para a prática
pedagógica, tomando como prioridade, na transposição didática do professor, a
relação dialógica. Nesta haveria o respeito ao alunado por meio de atitudes
coerentes sobre o que se diz e o que se faz. Outrossim, considerar o educando como
um ser em sua completude, com sentimentos, desejos, expectativas, pensamentos e,
principalmente, com histórias de vida determinadas historicamente, relevantes para
o pensar pedagógico. A intervenção do educador neste sentido seria uma prática de
escuta, observação e análise, requer competência para lidar com os diferentes e
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 74
conflitos e lutar contra os antagônicos: “o papel do educador (...) é sua capacidade
de conviver com os diferentes para lutar com os antagônicos. É estimular a dúvida, a
crítica, a curiosidades, a pergunta, o gosto do risco, autonomia de criar” (FREIRE,
1995, p. 95). Priorizar a relação “dialógica” no ensino permite, para este teórico,
respeitar à cultura do aluno, valorizar o conhecimento que cada educando traz suas
construções de conhecimentos já experienciados. Esta consideração é, sem dúvida,
para Freire um dos eixos fundamentais sobre os quais deve se apropriar a prática
pedagógica dos profissionais da educação, especificamente os professores.
Em “Conscientização: Teoria e Prática da Libertação” o Diálogo só seria
possível se houvesse o amor pelo mundo e pelos homens, pois o amor para Freire já
se constituiria em si mesmo em Diálogo. Para ele sem amor não haveria diálogo. Da
mesma forma que não haveria amor sem comunicação. Para este autor, o amor e
comunicação avançariam e retrocederiam juntos “O diálogo não pode existir sem o
profundo amor pelo o mundo e pelos homens (...) o amor é ao mesmo tempo
fundamento do diálogo e o próprio diálogo” (FREIRE, 1980, p. 83). Amor pelos
homens que deve ser desvelado por parte dos atores do processo educativo não se
constitui apenas no que é necessário ao ensino instrucional, mas na inserção do
aprendente em sua completude nesse processo. Para tanto Freire (1997b p.09)
destacou a importância de o educador compreender que tipo de concepção de
homem e de mundo possui, pois, a maneira que lidarmos com este “homem” revela
a visão que temos deste, “pois não há, nesse sentido, uma educação neutra”. O amor
ao mundo se revela pela possibilidade de o sujeito não estar simplesmente dentro do
mundo, mas de estar com ele, de captá-lo e compreende-lo a fim de responder a
desafios e transformá-lo por meio da ação e reflexão. O homem como ser
incompleto e em permanente busca, não poderia ir de encontro a este objetivo sem a
existência do mundo. Freire (1997b, p.10) declarou que “homem e mundo: mundo e
homem, corpo consciente estão em constante interação, implicando-se mutuamente.
Tão somente assim podem-se ver ambos, pode- se compreender o homem e o
mundo sem destorcê-los”. A conscientização não pode estar tão somente ao nível do
discurso, “não pode ser um bla-bla-bla alienante” (FREIRE, 1982b p.88).
O autor ressaltou a necessidade do esforço crítico para tornar clara a
realidade, desvelando-se, nesta práxis, o compromisso essencialmente político desse
conceito. Se a prática leva aos oprimidos uma ação consciente como classe social
explorada na luta pela sua libertação, para o autor, há de fato a consciencialização.
Há de haver, conforme Freire (1978b p.17), o “movimento dialético entre a reflexão
crítica da ação anterior e a ação que se segue no processo dessa luta”. Nesta
perspectiva a educação libertadora não é “um mero problema metodológico,
entendendo-se por método algo neutro, assexuado” (Ibdi). Diálogo na Obra
“Pedagogia do Oprimido” é abordado como fenômeno humano, revelador da
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palavra. A antítese do diálogo, neste contexto, seria tomada como autossuficiência,
ceticidade nos homens e desesperança. Assim, para este autor, os fundamentos para
que o Diálogo se constitua enquanto diálogo são: fé nos homens; humildade; amor;
segurança; esperança e o pensar verdadeiro, pois “ não há também diálogo, se não
há uma intensa fé nos homens. Fé no poder de fazer e de refazer. De criar e recriar.
Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns leitos, mas direito dos
homens” (FREIRE, 1987b, p.81).
Citando o Biólogo François Jacob, Freire (1994c, p 80) afirmou que o
sujeito por ser programado e não determinado para saber poderia ser ativo na
condução de sua própria história sendo isto significativamente importante para o
processo de sua existência humana, pois “porque somos programados, somos
capazes de nos por diante da programação e pensar sobre ela e indagar e até desviá-
la”. A partir destas considerações emerge a reflexão que “a vocação humana é a de
saber o mundo através da necessidade e do gosto de mudar o mundo” (Ibidi) e esta
vocação é possível por meio da linguagem inventada socialmente. Destaca-se,
portanto, que o sujeito só pode falar ao mundo porque este muda o mundo.
Neste sentido, a linguagem teria um papel fundamental, “não apenas para veicular o
saber, mas de ser saber. Pois ela seria a própria produção do saber” (FREIRE,
1994c, p.80).
O poder da palavra seria tomado como possibilidade real de saída de uma
condição oprimida e alienante de ser e estar no mundo possível quando o sujeito está
inserido politicamente no mundo, pois é sabido conforme pontuado por Freire
(1994b p.17, tradução nossa) que muitos “há vivido uma história onde se percebe a
negação da palavra”. O autor ainda destacou que o oprimido: “não é uma figura
idiota (...). Em certos momentos, sabe que é oprimido, começa a saber, as razões
dessa opressão e do silêncio. E no momento preciso em que começa a saber mais do
que pensamos que sabe, começa também a assumir o dever da luta” (FREIRE,
1994b p.17, tradução nossa). Desta maneira poderá “compreender o mundo de outra
forma, através de tipos de saberes não preestabelecidos, não permitindo, portanto, a
repetição do processo hegemônico das classes dominantes” (FREIRE, 1994c, p.80).
Em “Educação como Prática da Liberdade” Freire (1967), o diálogo é
evidenciado como uma forma de “trânsito”. Para Freire (1986a, s.p.) este conceito
não se configura como simples mudança, pois “toda a sociedade que transita se
nutre de mudança, mas nem toda mudança é transito”. Ainda conforme o autor,
trânsito é descida de certos valores “que não há fronteiras rigidamente geográficas
de tempos históricos” (FREIRE, 1986a, s.p.). Além de um alongamento de ontem
“que em outro momento é um adentramento do amanhã. Por isso, o transito é muito
mais do Amanhã do que do Ontem” (FREIRE, 1986a, s.p.). Neste sentido, a
educação teria que estar dentro da realidade do país para poder constatar de fato as
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 76
realidades existentes. Não para se adaptar a elas, mas para levar à mudança por
meio da conscientização efetivada através do diálogo, abrindo portas para
mobilização e não para a estagnação, pois “nutrindo-se de mudanças, o tempo de
trânsito é mais do que simples mudança. Ela implica realmente nesta marcha
acelerada que a sociedade à procura de novos temas e de novas tarefas” (FREIRE,
1996a p.54).
Apesar de não fazer referência a natureza política da educação no livro
“Educação como Prática da Liberdade”, Freire foi eminentemente político tal como
expresso por ele (1982a p. 97): “é interessante, porque na verdade eu sabia que
estava fazendo uma prática política, mas só que eu não a assumia. Ao nível crítico,
eu não assumi então uma prática que fosse eminentemente política”. Nessa Obra
Freire não acredita que a educação institucionalizada possa ser usada para a
liberdade do sujeito. Sublinhou que pensar a relação entre educação e política seria
uma condição sinequanon para a emancipação da pessoa, principalmente se o sujeito
pensa sobre a mudança do tipo de política estabelecida, e a busca por uma percepção
clara da dinâmica entre a sociedade e educação. Nestas acepções, Freire (1994b p.
17, tradução nossa) afirmou que educação para liberdade não é poder fazer tudo,
mas “reconhecer suas limitações e aceitá-las com humildade sem ser paralisado pelo
pessimismo ou buscar manipular as pessoas pelo oportunismo cínico”. A prática
educativa para emancipação do sujeito para Freire é entendida como um sonho
possível e destacou que este não é um pensamento ingênuo. Alertou que “ai de nós,
educadores, se deixamos de sonhar sonhos possíveis” (FREIRE, 1982a p.99-100). O
autor ainda frisou que, se há sonhos possíveis é porque há sonhos impossíveis e a
profundidade deste seu pensamento está ao afirmar que “o critério da possibilidade
ou impossibilidade dos sonhos é um critério histórico-social e não individual. [...]
tem que ver exatamente com a educação libertadora, não com a educação
domesticadora” (Ibid).
3. RESULTADOS
A categoria Diálogo, nas acepções de Freire, desmiuça em primazia os
condicionantes a serem considerados na relação pedagógica e, por conseguinte,
avaliativa. A avaliação em consonância com essa perspectiva, e conforme expressa
Luckesi (2011), investiga a qualidade daquilo que constitui seu objeto de estudo - a
própria qualidade. Em se tratando da avaliação no âmbito escolar, o foco volta- se
para a qualidade do ensino e das aprendizagens efetivadas. Por isso que pensar neste
processo é fazer menção as relações interpessoais logradas e subjetividades
estabelecidas, pois para dentro dos muros da escola não se efetivam planos
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 77
curriculares de maneira mecânica, dissociada dos fatores afetivos e emocionais
trazidos, construídos e externados pelos sujeitos.
A avaliação deve se configurar como um ato claramente planejado e em
execução para o alcance das metas a fim de lograr uma política avaliativa bem-
sucedida. Luckesi (2011) destaca que sem ações pedagógicas planificadas não há
avaliação, sendo necessário considerar o papel e as especificidades dos diferentes
elementos de mediação dessa prática: teoria pedagógica; conteúdos escolares;
didática e educador. Nesses termos, a presente produção entende a categoria
Diálogo como princípio e fundamento de toda ação educativa. O Diálogo em Freire
é estruturado em ações e isto ajuda a pensar na efetivação adequada das relações
interpessoais dentro da escola, pois o Diálogo é uma ação dialógica intencional entre
os sujeitos. Assim, da mesma forma que o Diálogo não é, para Freire, algo
espontâneo no sentido de não se pensar organizacionalmente sobre a viabilização
deste conceito, a avaliação também não deverá ser espontânea, pois se assim o for
ficará a mercê de seus resultados: satisfatórios ou frustrantes.
Como bem afirma Luckesi (2011) quando se estabelecem metas e se
planeja, a operacionalização de tais objetivos torna- se possível, pois os desejos
tornaram-se claros e definidos e, assim, a possibilidade de sucesso é mais viável.
Nesse sentido, princípios norteadores da prática avaliativa a partir de ações
pedagógicas planificadas podem ser encontrados no substrato do material literário
de Paulo Freire analisado, adicionado à constatação de que a categoria Diálogo está
classificada sob perspectivas variadas: a) Diálogo como Ideia (concepção); b)
Diálogo como Mediação das Relações; c) Diálogo como Método; e) Diálogo como
Prática.
Diálogo como ideia é uma posição epistemológica. Concebê-lo desta
maneira é propiciar ao educando uma possibilidade de releitura sobre sua posição no
mundo, de ir às raízes do entendimento de sua relação com o mundo, para a
compreensão de seu pensar existencial. Esta base epistemológica do Diálogo na
relação pedagógica não retira a diretividade e necessidade do papel do professor,
mas enfatiza a necessidade de juntos, professor e aluno, refletirem o que pode e o
que não pode conhecer, pois somente nessas configurações que, para o autor, poder-
se agir criticamente e transformar a realidade (FREIRE, 1987). O diálogo como
ideia é tomado como o encontro áureo, “no qual a reflexão e a ação são inseparáveis
daqueles que dialogam, orienta-se para o mundo que é preciso transformar e
humanizar, este diálogo não pode reduzir-se a depositar ideias em outros” (FREIRE,
1980, p. 82- 83). Este entendimento corrobora para que a luz da teoria pedagógica
que orienta os passos da instituição esteja em consonância com a realidade vivida no
espaço escolar da qual a prática da avaliação faz parte. A efetivação do diálogo
nesse âmbito se desvela como uma fonte de influência para reflexão, comunicação
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 78
entre os partícipes desta instituição de ensino, permitindo que o Projeto Político-
Pedagógico - PPP seja elaborado a partir das necessidades e desejos de seus
sujeitos, permitindo atribuir significância a esse documento e o mesmo se revele
como um recurso vívido e ativo. Somente desta forma este documento, segundo
Luckesi (2011) se configurará como um dos elementos mediadores e de parâmetro
efetivo para concretização da avaliação da aprendizagem e prática avaliativa na
escola.
A troca e construção de conhecimentos na relação do ensino- aprendizagem
seria coroada no Diálogo concebido como Mediação das Relações, tomado como elo
de ligação tanto das situações e realidades como das pessoas. Até se constituir numa
prática efetiva e coerente, o diálogo concebido como ideia teria que se tornar
mediatizador desta ideia entre os homens para que, de fato, o diálogo possa se
constituir como mediador de relações. Não concebido de maneira instrumental e
metodologicamente ensimesmada, mas se desvelando em ferramenta social para
intervenção crítica da realidade. Desta forma possibilitaria a união do homem com
seu pensamento, seu contexto e sua concreticidade no mundo, visando-o levar para o
confronto direto de suas dificuldades, limites e possíveis transformações e mudanças
que, ao mediar diferentes circunstancias, instigaria para a ação consciente. O
Educador seria o agente que problematiza possíveis elos das situações e realidades
dos educandos para que estes construam um pensamento crítico, tal como afirmado
por Freire (1996, p. 19) “que o papel do educador seja fundamentalmente dialogar
com o analfabeto, sobre situações concretas, não lhes oferecendo simplesmente os
instrumentos com que ele alfabetiza”. O educador neste contexto é compreendido
como mediador da prática avaliativa, da avaliação da aprendizagem, pois se
revelaria como mediador entre o saber sistematizado e estabelecido na cultura e o
educando (LUCKESI, 2011). O mesmo deve compreender que uma de suas ações é
possibilitar ao aluno a organização de sua vida-presente e futura e restaurar o que
não foi realizado ou feito de forma insatisfatória. Por isso deve ter consciência das
suas atribuições e onde se pretende chegar, estabelecendo metas-princípio da
avaliação. Pois a intervenção é uma ação pedagógica fundamental para chegar à
participação ativa do processo do ensino- aprendizagem tanto e si mesmo como do
aluno. E isto só será possível se o educador e educando tomarem consciência da
realidade e de sua própria capacidade de transformá-la. Para tanto é fundamental
saber o que pode e não pode, pois, conhecer suas limitações é pronunciar a
libertação de si mesmo.
“O Diálogo como método não pode ser compreendido como um tipo de
tática, recurso, um fazer de caráter meramente instrumental” (FREIRE, 1982a,
p.97), pois enfatizou que sua compreensão do diálogo como método estaria
relacionado ao processo rigoroso do conhecer e não como técnica de manipulação:
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 79
“[...] é aí que eu falo em método, eu só falo em método para me referir a isto e não
aos chamados métodos pedagógicos, didáticos, etc. A minha grande preocupação é o
método enquanto caminho do conhecimento” (Ibid). Falar em método implica
pensar nos conteúdos a serem selecionados e escolhidos e, por conseguinte, em
recursos necessários para realização do currículo. Em outros termos, planejar e
pensar a prática. Conteúdo é um aspecto que deve ser compreendido também como
elemento mediador para a prática avaliativa. Ressalta-se que pensar na formação do
educando de forma pessoal e integral requer competência para selecionar o saber
cultural sistematizado e viabilizar aprendizagens. Pensar em aprendizagens é pensar
em pré-requisitos e isto denota em conhecer o aluno, em que fase de
desenvolvimento se encontra para viabilizar a aplicação conteudinal de forma
coerente e adequada à sua estrutura cognitiva. Esta prática avaliativa é contínua e
permite realizar esse processo rigoroso do conhecer do qual pontou Freire, pois o
Diálogo enquanto Método instiga no sujeito a possibilidade que o mesmo construa o
conhecimento inteligível necessário para estar no mundo e compreende-lo,
modificá-lo e transformá-lo, elaborando compreensões e intervindo de forma crítica
e não pela via do conhecimento do senso comum (LUCKESI, 2011).
Diálogo como Prática seria constituído a partir dos temas e palavras
geradoras, carregadas de sentido existencial que são pontos de partida para o seu
método alfabetizador, colocando em debate a discussão da existência empírica, por
meio de um método ativo, promovendo o reconhecimento por eles mesmos e pelos
demais, do deu valor como pessoa, resgatando e construindo sua autoestima, como
fator de bastante relevância para seu aprendizado. Nesse sentido, e conforme
expressa Luckesi (2011), a aprendizagem dos educandos deve ser significativa,
inteligível e ativa, não mecânica e não memorística, pois a primeira requer
consciência do que se sabe e do que se faz. Desse modo, Diálogo como Prática seria
compreender a didática do educador. Esta define o meio prático e como ensinar para
que o educando aprenda e isto requer pensar no tipo de aprendizagem que se quer
operar e os passos (exposição de conteúdos, assimilação de conteúdos, exercitar tais
conteúdos, aplicação dos conteúdos, recriação e construção) para viabilizar o
processo do ensino-aprendizagem.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aos que se propõem trabalhar sob a luz do pensamento Freiriano a
compreensão e a práxis de tal categoria diálogo é elemento indispensável, não só
para educação de Jovens e Adultos (EJA) como para qualquer modalidade de
ensino. A qualidade da relação entre professor e aluno só se efetiva de fato com e
pela práxis do diálogo do qual impulsiona pensar e repensar a prática de forma
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 80
continua, favorecendo a construção e reconstrução do ensino-aprendizagem -
aspectos da prática avaliativa. Para tanto o planejamento é essencial. Deve-se
planejar estabelecer metas e operacionaliza-las para lograr a construção do
conhecimento inteligível por parte do educando - objetivo qualitativo de avaliação
da aprendizagem. Embora muitas outras obras precisem ser analisadas, acreditamos
na relevância deste trabalho para uma dinâmica de inquietações em torno do tema,
bem como propiciar elementos para uma problematização na avaliação da
aprendizagem sob a perspectiva Freriana.
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LUCKESI, C., C. A avaliação da aprendizagem componente do ato pedagógico.
1 ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
SOBRE OS AUTORES
Roseline Nascimento de Ardiles
Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela
Universidade de São Paulo (USP) com Bolsa de Doutorado Sanduíche pela CAPES
na Universidade do Algarve – UALg-Portugal. Mestra em Educação na área de
Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo
Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP– EC). Graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro dos Grupos
de Pesquisas em: Neurociências Cognitivas da UALg/ Portugal e Humanização dos
Cuidados em Saúde do Instituto de Psicologia da USP/Brasil (IPUSP). Professora
conteudista, autora de material didático para Educação a Distância (EAD) pelo
Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) da Universidade Federal de
Pernambuco (UFRPE). Atua na área da Psicologia Escolar e Educacional com
ênfase no processo cognitivo do desenvolvimento humano e didático avaliativo do
ensino e da aprendizagem. Experiência em Formação de Professores, Coordenação
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 82
Pedagógica, Orientação Pedagógica e Ensino em cursos de Graduação e Pós-
graduação.
Roseane Nascimento da Silva
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
núcleo de Política Planejamento e Gestão Educacional. Mestra em Educação e
Pedagoga, títulos conferidos pela mesma universidade (UFPE). Membro dos grupos
de pesquisas: “Sociologia do trabalho pedagógico, currículo e formação humana”/
Grupo de estudo Milton Santos da Universidade Federal de Alagoas (CNPQ/UFAL)
e “A polissemia da ação humana – uma abordagem filosófica das múltiplas relações
constitutivas da condição humana (CNPQ/ FAR). Exerce a função de professora e
coordenadora pedagógica da Faculdade Anchieta do Recife (FAR) e de analista em
gestão educacional da Secretaria Executiva de Educação Profissional de
Pernambuco (SEEP-PE), coordena comissões de especialistas para processos de
credenciamento institucional e de autorização de funcionamento de cursos técnicos.
Atua enquanto consultora e formadora em Programas de Aperfeiçoamento
Pedagógico destinados aos gestores, coordenadores e professores das Escolas
Técnicas Estaduais do estado de Pernambuco. Enquanto professora convidada da
Universidade Federal de Pernambuco (UFRPE), publicou materiais didáticos
diversos de sua autoria destinados a Educação a Distância (EAD) e desenvolveu a
coordenação pedagógica do curso de Pedagogia, mediante o Programa Universidade
Aberta do Brasil (UAB). Possui ampla experiência em assessoria pedagógica,
formação de professores, elaboração de materiais didáticos, processos de avaliação,
gestão, coordenação, ensino na educação básica, na graduação e pós-graduação, na
modalidade presencial e a distância.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 83
A DEMOCRACIA INQUIETA: CAMINHOS DE
PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA PARA OS DESCAMINHOS
DA SOCIEDADE LIBERAL E REPRESENTATIVA.
Washington Luiz Martins da Silva
RESUMO: Neste ensaio oferecemos pistas para o aprimoramento do discurso
contemporâneo sobre a democracia participativa e a cidadania. Partimos de um
enfoque histórico-político da trajetória da democracia com suas derivações na
sociedade liberal pela democracia representativa, analisando, em sequência, os
diversos impedimentos até então latentes para uma cidadania comum e participativa
com vistas a uma democracia plural e da diversidade.
Palavras-chave: Cidadania. Democracia Representativa. Democracia Participativa.
Cidadania.
ABSTRACT: In this essay we offer hints for the contemporary discourse of
participatory democracy and citizenship. Your start from a historical-political focus
of the trajectory of democracy with its derivations in the liberal society through
representative democracy. I analyze, the various hitherto latent obstacles for a
common and participatory citizenship with regards to a plural and diverse
democracy.
Keywords: Citizenship; representative democracy; participatory democracy;
Recebido em: 12/04/2017
Aprovado em: 02/07/2017
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 84
INTRODUÇÃO
Há certas questões que os filósofos têm mais
preparo para resolver do que os demais intelectuais,
sejam eles escritores, artistas, profissionais liberais
ou cientistas. Os filósofos podem, em primeiro
lugar, contribuir para o discurso sobre a
modernidade, à luz do qual as sociedades complexas
alcançam uma compreensão melhor de sua situação
no passado e no presente. Em segundo lugar, dado
que a filosofia tem estreita relação tanto com a
ciência quanto com o senso comum, os filósofos têm
condições de efetuar uma crítica das patologias
sociais,que sejam, por exemplo, os sofrimentos mais
ou menos ocultos que advém dos processos de
comercialização, burocratização, legalização e
cientificação. Por fim, os filósofos podem
reivindicar para si uma especial competência para
analisar as questões de injustiça política e, em
particular, dessas ‘chagas ocultas’ que são a
marginalização social e a exclusão cultural. A
filosofia e a democracia não só partilham as mesmas
origens históricas como também, de certo modo, dependem uma da outra.(Habermas,1990,p.61-62)
O texto que apresentamos apenas sugere uma cenografia da discussão sobre
a democracia participativa e a cidadania nas suas implicações históricas, políticas e,
principalmente, sociais. O objetivo é apresentar caminhos à proposta democrática
contemporânea, que necessitam de reflexão para o avanço de uma política
participativa e cidadã concreta no limiar desse segundo decênio. Por que ampliar a
participação? Por que temos de insistir em uma cidadania plena? Quais as
contradições que a democracia liberal apresenta? A democracia representativa
cumpre o seu papel de desempenhar decisões em favor da maioria e das minorias?
São questões das quais procuramos, ao longo do texto, tecer comentários. A
abrangência é ampla porque carrega consigo um quadro teórico que vem desde os
gregos até nós, destacando as obras , à medida do possível, dos principais teóricos
que elegeram o tema da participação e da cidadania como um dos debates
principais.(2)
São lições que, acreditamos, sejam edificantes para ofertar ao homem
contemporâneo parâmetros que o conduzam a uma maior responsabilidade conjunta
entre indivíduos.
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1. A DIFÍCIL MARCHA PELA DEMOCRACIA
Pese o que pese, ninguém em sã consciência pode negar que a democracia
continuará sendo o melhor caminho de todas as sociedades, posto que é um método
que oportuniza chances de maior segurança por uma política mais justa. As
dificuldades inerentes a toda democracia são comumente oriundas de nosso
equívoco em percebê-la, ainda, como uma doutrina e não, verdadeiramente, como
um procedimento. Continuamos desconhecendo que a sua função tem como único
foco a ação de se tomar decisões justas sobre o que deve ser feito ou evitado em
uma comunidade. Mas, não há como garantir que o sistema democrático sempre
predetermine bons resultados, embora as condições de seu bom funcionamento para
cada conquista de seus atores sociais assinalem uma grande probabilidade para tal,
dando mais condições de evitar resultados medíocres ou malévolos. Assim, a
democracia é simplesmente um mecanismo formal para a busca de um respeito
mútuo entre indivíduos pelo princípio de que todos nós somos iguais e livres. É, no
dizer de Bobbio (2006, p.22), em sua mínima episteme, “um conjunto de regras de
procedimentos para formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada
a participação mais ampla possível dos interessados”.
Assim, pensar a democracia é hoje um postulado da Filosofia Política que,
em certo sentido, pode ser reconstruída também como a história dos esforços do
homem em empreender o aprimoramento democrático, muito próximo àquilo que
Carl Schmitt (1996,p.23) chamou de “marcha vitoriosa da democracia”.
A democracia necessita de indivíduos ativos e responsáveis. Assumir e
interiorizar os valores democráticos é condição da cidadania. Do contrário, o
indivíduo torna-se um ser passivo; e, para ser cidadão ativo, terá que pensar e se
conduzir como tal, como insistiam já os gregos, que fundaram a democracia e a
identificaram, desde o primeiro momento, com uma espécie de “boas maneiras”
públicas. O cidadão deve poder, pois, responder a esses valores ante seus
semelhantes, não somente porque deve à sociedade, mas porque se os conservar está
ajudando a preservar e a melhorar a cidade do futuro.
Os valores do cidadão democrático são os que servem à construção do
interesse comum. Esse é o interesse que deveras legitima a ação política e que força
o indivíduo a não viver somente apegado aos seus interesses mais próximos e
imediatos. Possuir alguns direitos inalienáveis impõe certos deveres de
solidariedade e altruísmo, de compromisso com o interesse comum da sociedade.
O dever cívico da participação política derivada do pertencimento a uma
comunidade é um exercício de responsabilidade que vai mais além do que o
cumprimento ritual ou rotineiro do voto. Mesmo com a sua nítida importância nas
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 86
formações ética e social do indivíduo, o aprender a responder ao que um faz ou
deixa de fazer, a chamada à responsabilidade tem estado um pouco ausente dos
discursos éticos e políticos dos últimos tempos. A ética, nos relembra Moore (1989),
há tempo, está mais centrada nos direitos do que nos deveres. As políticas mais
progressistas, de sua parte, não têm sabido entender em seus justos termos, essa
“ética da responsabilidade” – a que atende às consequências previsíveis – que é
complemento imprescindível da “ética dos princípios”.
Como destaca Camps(1992) ,os princípios são muito abstratos e a única
forma de interpretá-los é aplicá-los na prática. Grandes princípios, embora abstratos,
são, sem dúvida, indiscutíveis, tais como são o valor teórico da paz, as liberdades
individuais e a não discriminação a qualquer diferença. Nenhum deles, no entanto,
pode ser defendido independentemente de quaisquer consequências. A máxima fiat
iustitia pereat mundus – “faça-se justiça mesmo que o mundo se acabe” - é uma
mostra de irresponsabilidade. Todo político sério e responsável que se encontra em
um mundo terrivelmente complexo, com a obrigação de servir a interesses de
diversas ordens, tem que evitar posições fundamentalistas e a democracia é o farol
para isso. Se os princípios são insuficientes, também são as normas e as leis, porque
nem tudo se resolve legislando, nem as leis são as melhores maneiras de fazer com
que funcione adequadamente uma comunidade de cidadãos maduros e autônomos.
Uma das deficiências de nossa democracia deriva, assim, seguramente, de
uma falsa crença: a de que bastava que mudassem as instituições para que,
automaticamente, mudassem também os costumes sociais. Começamos a comprovar
que não é assim. Quando vemos o uso autoritário da máquina pública por quem
ostenta o poder, quando nos deparamos com a existência de políticos corruptos,
quando contemplamos a depreciação do bem público que pertence a todos,
entendemos que o que falta é um sentido mais arraigado da responsabilidade.
Como, porém, se dá a responsabilidade? Como a relacionar com a
democracia? Há responsabilidades sem participação e cidadania? A ação de repensar
a democracia sustenta-se propriamente no sentido de combater seus vícios muitas
vezes compreendidos como virtudes. São questões emergentes no limiar do segundo
decênio que ainda são de difíceis resoluções por diversos impasses, porém é
necessário refletir sobre elas e propor caminhos que nos levem à superação de
diversos percalços que poderão inibir o prosseguimento da participação democrática
daqui para adiante.
O desconhecimento e o tempo são os mais determinantes limites para a boa
eficácia da democracia, que já nasceu na polis grega com a plena consciência das
suas fragilidades, defeitos e erros. Os gregos optaram por ela porque fizeram de sua
necessidade uma virtude sobre o ideal de uma república aristocrática, governada
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 87
pelos “melhores” – os aristoi ou eupátridas –, tidos como os sábios conhecedores
do que é bom ou não, ainda que tardassem em constatar que não havia melhores. A
polis grega assentava-se sobre diferenças hierárquicas: os gregos seriam superiores
aos não gregos; o guardião ao artesão; o homem à mulher; o cidadão ao meteco; o
pai ao filho; o amo ao escravo. A república platônica, governada por filósofos, foi
pura utopia, sem qualquer possibilidade de eficácia e, quem ainda pensa que ela seja
possível, contribui lamentavelmente para o desmantelo do que já se construiu bem
até hoje. Aristóteles, advertiu oportunamente que o conhecimento do politicamente
correto e justo era um saber de difícil conquista, que requeria muito tempo de
aprendizagem, experiências, tentativas e erros durante o seu percurso. A assembléia,
o diálogo, a liberdade que permitiam aos cidadãos falar de condições de igualdade,
constituíam o único método, o mais adequado, para se governar bem.
A democracia nascia, assim, como um sistema em si mesmo defeituoso, até
pela limitação de cidadania, pelos riscos e inclusive perigos que não previa, tivesse
como meta a democracia plena, o autogoverno ou autonomia plena. Ocultava-se
assim, o verdadeiro problema do tipo de regime, que somente foi compreendido a
partir da estrutura social e econômica do estado. Nesse sentido, Aristóteles (1991,
p.87) soube ver e apreciar a questão e inclusive a fundamentou com clareza e
exatidão. Assim, nos diz que “isto parece fazer evidente que o que sejam poucos ou
muitos os que exercem a soberania é algo acidental, no primeiro caso das
oligarquias, no segundo das democracias, porque o fato é que em todas as partes
ricos são poucos e os pobres muitos”3 . As diferenças, portanto, entre oligarquia e
democracia não vêm, propriamente, do número de governantes que detêm a
soberania: “o que diferencia a democracia e a oligarquia entre si é a pobreza e a
riqueza”4. Essa é a verdadeira questão e é Aristóteles, também com muita prudência,
quem a formula. Não o faz de forma aleatória, mas com contundência, como mostra
sua conclusão: “E necessariamente quando exercem o poder em virtude da riqueza,
já sejam poucos ou muitos, é uma oligarquia, e quando exercem os pobres, é uma
democracia”5. Não deixa espaço para qualquer dúvida: a oligarquia é o regime dos
ricos e a democracia dos pobres; o do número é puramente ocasional, embora pela
natureza das coisas sempre ocorra que ricos podem ser poucos e sempre livres. E
mais pelo que disse mesmo que um partido atue numa democracia, há sempre o
risco de seus dirigentes fazerem, como expressou Dahl ( 1997), uma oligarquia ou
uma espécie de “partidocracia”.
A democracia grega é de fato o precedente mais distante das democracias
modernas. O modelo dessas últimas, porém, afastou-se das antigas assembléias
participativas daquela época, primeiramente em razão do aumento da população e
das instituições que se ampliaram no estado moderno, secundariamente a economia
de mercado, decisiva para o desenvolvimento das democracias liberais, que são
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nosso modelo atual. Recordemos que na Europa, as teorias do contrato social e o
pensamento ilustrado lutavam por assentar as bases teóricas da democracia
moderna, quando, ao mesmo tempo, na América do Norte, a incipiente experiência
democrática despertava a curiosidade e admiração de muitos europeus, do mesmo
modo como a instalação da União Europeia, mais ou menos 200 anos depois,
despertou a curiosidade por parte dos Estados Unidos da América. Foi talvez a
democracia inicial norte-americana, mesmo contando com as condições e o terreno
mais propício para a sua implantação exitosa, que se tornou a primeira a deixar
transparecer seus defeitos.
Assim, em 1831, Alexis Tocqueville realizava uma célebre viagem, da qual
resultou a obra A democracia na América, que deve ser vista como ponto de partida
obrigatório para a reflexão sobre os vícios e as virtudes desse modelo na
modernidade seja onde for o lugar que a democracia se produza. Tocqueville (1980)
denuncia com veemência o que, em seu entendimento, é o primeiro descaminho da
democracia: a tirania da maioria, muito próxima à crítica que faz John Stuart Mill (
1990, p.14) quando não vê, de fato, “a vontade do povo”, mas “a vontade mais
numerosa ou ativa do povo”. Tocqueville (1980, p. 236), por outro lado, reconhece a
expressão dita por Mill, como “o império moral da maioria”, tão útil quanto
necessária, porque se baseia no pressuposto de que “há mais conhecimento e saber
em muitos homens reunidos que em um só, mais no número de legisladores do que
aquele que se escolhe”.
Sem dúvida, aceitar o critério da maioria significa ignorar a todos os
demais que, por alguma razão, tiveram opiniões ou interesses diferentes em relação
à parte que congrega o maior número de indivíduos, como destaca Camps(1992). A
maioria, nas palavras de Tocqueville, não é mais do que indivíduos que têm
opiniões e, a princípio, interesses contrários a outros indivíduos chamados
“minoria”. Se a democracia se baseia na vontade da maioria como origem de todos
os poderes, resulta ilógico se falar de direitos iguais, à medida que descarta as
opiniões de alguns porque é a parte menor. Como ainda afirma Tocqueville (2009,
p.363):
Considero ímpia e detestável a máxima de que em
matéria de governo a maioria de um país tenha
direito a fazer tudo, e embora situe na vontade da
maioria a origem de todos os poderes. Estou em contradição comigo mesmo?
A contradição da aceitação de validez do critério da maioria significa, de
fato, que a democracia realmente não garante os interesses de todos os cidadãos,
mas da maior parte deles. Isso ocorre em função dos interesses das minorias serem
facilmente ignorados ou sufocados, levando-as à marginalidade social haja vista ser
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menor o poder de participação direta em tomada de decisões. Levemos em conta,
entretanto, que nas democracias liberais os indivíduos continuam com uma
significativa simpatia pelos imperativos ditados pela economia e pelos costumes de
consumo e que os dissidentes sempre estarão em minoria e dificilmente serão
ouvidos. Suas propostas e opiniões estarão praticamente condenadas ou, quanto
muito, serão consideradas a médio ou a longo prazos. Não sendo fácil abandonar o
princípio da maioria como regra do funcionamento democrático, então que outra
forma mais justa poderia sustentar acordos? Até porque não se deve descartar a
hipótese de que também as escolhas da maioria podem estar erradas. Por isso que, o
que Rousseau (1999) chamou de volonté générale, essa vontade que não é a de
ninguém em si nem a soma de todas as vontades as quais, por serem diferentes não
são somáveis, deve projetar-se sempre como ideia reguladora das decisões
acordadas pela maioria. Nesse caso, o objetivo da democracia deveria ser o
descobrimento dos interesses comuns da sociedade e não a satisfação deste ou
aquele interesse corporativo. São estes interesses corporativos, portanto, e não o
interesse comum, os que parecem ganhar a adesão da maioria.
A democracia parece, então, necessária porque os indivíduos e grupos não
estão de acordo sobre o que deveria ser prioritário ou de máxima urgência para
todos. Não apenas discordamos, mas não sabemos discernir quem tem razão, pois,
muito possivelmente, ninguém tem razão total. Sendo assim, é necessário ter a
prudência de se tomar decisões e de executá-las com a eficácia a que John Rawls
(1997) identificou como ações afirmativas.6 É nessa execução que surgem pessoas
interessadas em realizar os assuntos públicos. Os partidos políticos, as corporações
empresariais, os sindicatos, as organizações coletivas de caráter profissional ou
social, se encarregam de definir e classificar os problemas em seus juízos mais
graves e que indicam posicionamentos e soluções mais imediatas. Quem é a maioria,
então, senão a conjugação de todos esses interesses realmente em jogo? A suposta
maioria, em contrapartida, a que sugere estar ocupada em seus assuntos privados e
não sentir especial afeição pela política, é facilmente persuadida do que convém
fazer, e se presta a passar uma procuração ao político por meio do voto, sem
observar que esse substabelecimento é para todos os fins. Para isso, aparecem os
meios de comunicação como verdadeiros aparatos de estado exercendo, às vezes, o
que há tempo já se chamou de um quarto poder, para dar publicidade aos interesses
políticos e não verdadeiramente a todos. A Operação Lava Jato – em plena atuação
no Brasil nesses tempos – tem cada vez mais descoberto envolvimentos de
organizações de publicidade nos escândalos dos políticos processados. A impressão
que tem o cidadão – parte potencial da suposta maioria – é a de ser um simples
receptor, descartado quase que imediatamente, a disposição de ver, escutar e fazer o
que lhe pedem. Embora saibamos que, no mundo competitivo e informacional de
hoje, nem sequer são previsíveis os problemas que poderão se converter em
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 90
dificuldades de convívio, como os que testemunhamos, por exemplo, na União
Europeia atualmente. O que parecia extremamente delicado se resolve, logo, em
poucas horas. O que começa como algo insignificante acaba adquirindo dimensões e
complexidades desproporcionais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Os limites contemporâneos de cidadania
Todo pais de terceiro mundo tem uma clara estrutura de classe, com um
enorme abismo existente entre elas, a partir de uma concentração de renda entre
poucos. Isso porque nestes países, várias coisas se assemelham, como um alto índice
de desemprego, subemprego e marginalidade, tanto nas zonas rurais como urbanas.
O status da mulher é deploravelmente baixo. Neles, o objetivo econômico vem
sendo mais para uma política de industrialização e de desenvolvimento dirigido para
a exportação, o que conduz a princípio, ao desleixo com a agricultura que tem
causado efeitos ecológicos adversos, denotando a incapacidade dos sujeitos de
encontrarem uma saída para um desenvolvimento sustentável comum entre os
estados, a exemplo do fracasso da Conferência COP-15 de Compenhague. Depois
do Protocolo de Kioto, o Encontro de Copenhague demonstrou a falta de unidade,
como por exemplo, evitar o imperialismo econômico das ciências como disse
Kenneth E., Boulding (1999, p.356). Os dirigentes mundiais têm escolhido um
caminho frente à mudança climática a partir de uma estratégia apelidada por solução
Gore que advoga a redução de emissões de CO2 a partir da taxação de um imposto,
reduzindo o problema a um imperativo moral. Essa solução propõe gastar mais ou
menos 600.000 milhões de euros nos próximos 90 anos com o objetivo de frear as
emissões de carbono. Deste modo, teríamos o aumento da temperatura para fins de
século mais ou menos 0.3 graus. Ora, essa estimativa economicista não poderia ser
substituída por investimentos em fontes alternativas? Nesse caso, a tirania está na
objeção a tudo o que os mais fortes podem arriscar-se a perder, razão pela qual,
ninguém quer ceder. E agora as coisas parecem se agravar mais ainda quando os
EUA se excluem de todos os compromissos de preservação do meio ambiente com a
recente decisão malévola do seu presidente Donald Trump.
Por outro lado, a violência também vai se convertendo em uma espécie de
repressão que se transforma, por sua vez, em uma ferramenta indispensável para a
concentração do poder político. E, para uma inversão de valores instituídos, a
influência dos cidadãos depende da educação em seu grau de compromisso:
educação democrática para, quem sabe, uma cidadania global.
O interessante, porém, é que tais deficiências sociais também têm ocorrido
em países não periféricos, o que nos alerta para uma tomada de reflexões para
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 91
entender em que medida a democracia adotada pelos países ocidentais tem
fracassado, sobretudo quando a questão envolve o êxodo de uma massa
populacional para a Europa, por exemplo, em sua maior parte dos países cuja
economia, a inibe de permanecer em seu lugar de origem. Esperanças na busca de
uma vida de melhor qualidade têm sido a tônica dos que procuram atravessar as
fronteiras continentais, porém esses sonhos são, por vezes, inibidos quando o
direito de ir e vir onde bem quiser é substituído pelo direito dos outros de você não
poder ir e nem voltar quando bem quiser. Tudo em função dos limites de uma
política de imigração de caráter internacional. Muitas vezes são noticiados pela
imprensa episódios humilhantes de deportações de indivíduos quando “a cara” pode
representar aleatoriamente uma ameaça à “ordem” do pseudo estado receptor,
mesmo que ele se rotule como democrático e participativo.
A experiência da União Europeia é sem dúvida, nos últimos tempos e hoje
tende a se agravar, um dos principais exemplos de descaminho presente no discurso
contemporâneo de democracia participativa. A prova de fogo da Europa unida
democraticamente, é a cidadania, pois seus desafios maiores não foram a moeda
única, nem uma política de defesa comum, nem a busca de uma superação
emergencial da crise financeira que abalou e ainda abala o mundo desde os meses
finais de 2008. O problema central é a possibilidade de se implantar uma cidadania
comum, pois não haverá uma política européia sem uma cidadania europeia, porque,
repito, não haverá uma política que pretenda ser humanista e global sem uma
cidadania global.
Ocorre que o Tratado da União Europeia é, em sua origem, um estado de
direito econômico sobre o princípio do mercado livre e não se pode aspirar a ser
membro de uma nacionalidade europeia, porque a Europa não é uma nação. A
Europa, porém, sempre teve vocação de unidade. Assim foi segundo Bilbeny (1996,
p.115):
A Europa dos soberanos entre Napoleão III e Bismark. Foi a Europa das
nações de tendência quase que republicana com os ecos do emblemático discurso
de Vitor Hugo em 1849 ao se referir aos Estados Unidos da Europa; a Europa do
trabalhador desde Proudhon até a democracia pacifista dividida por ocasião da
Segunda Grande Guerra; e a Europa comunitária da segunda metade do século XX,
fundamentalmente econômica, desde o discurso em 1946, de Wilson Churchill em
Zurique até a entrada em vigor da União Européia, que marcará um novo modelo
dos países europeus, pouco antes da queda do muro de Berlim em 1989.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 92
Assinala ainda o autor – o qual nos inspiramos nesse texto - que o tratado
da União Europeia reconhece essencialmente cinco classes de liberdades: livre
estabelecimento de empresas, livre circulação de mercadorias; livre integração de
serviços; livre tráfego de operações financeiras; e livre movimento dos
trabalhadores, sendo que essas cinco liberdades se resumem em duas, ou seja, livre
circulação do capital e da força de trabalho que, por sua vez, reduzem-se a uma só:
liberdade de circulação, que deveria evitar que se proliferasse a desigualdade a
partir do impedimento de se limitar a cidadania à condição de nacionalidade. Se por
um lado, tem-se estabelecido pela primeira vez uma cidadania meta-nacional, o que
se lamenta é que ela continua dependendo, paradoxalmente, do critério que
identifica a cidadania com uma nacionalidade particular.
Se a cidadania na União Europeia continua dependendo da nacionalidade
de um país membro, todos os europeus serão iguais, mas alguns mais iguais que
outros. Isso desemboca em uma distinção entre nacionais e estrangeiros, ou seja,
duas categorias de europeus: os que são e os que não o são. Assim, como advoga
Paramio (2009), todos os habitantes da União, mas não nacionalizados nos paises
em que vivem, passam a adquirir imediatamente a condição de metecos. Isso nos
leva a concluir que qualquer imigrante de um país terceiro sentir-se-á discriminado
diante de qualquer outro procedente de um país da comunidade, o que faz ressurgir
nas cidades da Europa a distância que havia entre o citoyen e o meramente
“homem”. Instalou-se assim, algo que relaciona a democracia à ideia de patriotismo
e não a um plano de coesão social.
Do mesmo modo em que, no Gênesis (Êxodo, 21/24) é lembrado o repúdio
de Abraão ao seu filho, embora sendo parte da mesma família, o povo e a nação
continuam a ser identificados com o sangue, o que tristemente faz perdurar o mais
perigoso dos mitos humanos, que é a raça. Mito proveniente da ignorância porque
homo compreende uma única espécie sapiens e, dela, os grupos raciais são
simplesmente variedades sub-específicas e nunca isoladas.
Destaca Bilbeny(1998),que a cidadania democrática exige como condição
de regulamentação a existência de uma “cultura constitucional” integrada à
diversidade cultural. Há o direito de ser de alguma parte seja uma tribo (Phylé), um
povo ( éthnos), uma cidade (polis). O demos é a subdivisão de tribo que se
assemelha a bairro e daí a demokratía como vínculo de pertinência. O mais razoável
não seria que cada país europeu devesse ser uma sociedade de cidadãos com
nacionalidades diferentes? A etnia refere-se, portanto, a identidades culturais e
nação, à forma política desta identidade. A história contemporânea, entretanto, tem
revelado que, em qualquer caso, no qual se tem pretendido substituir o éthnos pelo
demos, ou vice-versa, resultou em tragédia. Se todos os integrantes de uma
comunidade se mantivessem na reivindicação de suas origens e aspirações
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 93
particulares, seria impossível manter-se nessa comunidade. A Ilustração usa a
expressão cidadania no significado de liberação do yugo, e não eram então cidadãos
por formarem parte do mundo dos vivos, mas por serem livres e iguais. Assim, a
cidadania foi se tornando um título jurídico e um vínculo político somente
acessíveis a quem reunisse determinados requisitos como nascimento e laços
consanguíneos.
Cidadania, nação e território, desde fins do século XVIII, são a trindade na
qual se baseia o mais ou menos peremptório estado nacional, e, consequentemente, a
organização política. Temos, portanto, que distinguir conceitualmente cidadania e
nacionalidade, embora já tenhamos afirmado que não há demos sem ethos e também
nacionalidade sem território (tópos). A nação é também identidade, mas não uma
identidade nova, de fusão ou mestiçagem entre seus diferentes grupos. Não há
nacionalismo sem que haja previamente nação, não é incorreto que esta também
exista na medida em que haja a ação de se reinventar o passado na forma de história
nacional. Tal ficção de um passado nacional e um nacionalismo inteiro é uma
invenção puramente ideológica.
Aqui reside a grande controvérsia intelectual que separa os pensadores
contemporâneos sobre o tema, que creio ser Martha Nussbaum (1998) a que produz
estudos mais polêmicos sobre o assunto, até porque ela escreve com base na própria
crítica que outros teóricos fazem à sua defesa pelo cosmopolitismo. Isso porque ela
segue pela linguagem do patriotismo fundamentando uma dicotomia excludente
entre este e o cosmopolitismo, quando apresenta três valorações que considero
importantes: a comunidade moral de seres humanos, a cidadania mundial, e a
educação cosmopolita.
Em seu livro, For Love of Country (1998), Nussbaum 7 ressalta na íntegra
quatro argumentos em favor ou contra a educação cosmopolita: o de Appiah
quando se refere a “Patriotas cosmopolitas” por advogar um cosmopolitismo
como uma utopia irrealizável; o de Glazer quando acredita que exista limites para a
lealdade cívica; o de Gutmann, quando aborda sobre a “cidadania democrática” por
considerá-la necessária na defesa do compromisso moral da justiça transnacional
como instrumento de eficácia; e, finalmente, o de Himmelfarb, que compreende o
cosmopolitismo como uma ilusão, tomando como defesa a variedade cultural, para
criticar a moralidade da comunidade universal e rejeitando, assim, o ‘cidadão do
mundo’ por considerar que não possui Estado.
Nussbaum (1999) ainda não está de acordo com Putnam quando este
menciona o argumento da relatividade cultural, e que por isso temos que escolher
entre comunidade local e internacional; corroborando com Searle, apresentada no
decorrer do texto, quando alerta pela dificuldade que sempre as sociedades terão
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 94
em conviver com a cultura de outros povos e, assim, sempre será necessária a
demarcação de um desenho constitucional entre elas. Nesse caso, o pensador opta
pela estratégia de independências culturais a que ele chama de “igualdade de
irrelevância”.
Procurando esgotar todo debate contra a cidadania global, Nussbaum
também apresenta a concepção solidária de Almathya Sen que, levando o tema à
esfera da relação entre “humanidade e cidadania”, utiliza também uma distinção
entre lealdades, e insiste na defesa que todas as pessoas sejam de nossa
incumbência moral que, para Michel Walzer defende como círculos de afeto para
uma amplificação paulatina entre as culturas. Esse é o argumento do qual Charles
Taylor, parte para a defesa de que democracia necessita de patriotismo, de uma
participação cidadã que se baseie em uma identidade comum.
As maiores discordâncias sobre a cidadania cosmopolita se encontra em
Wallerstein (2002, p. 67) que parte de uma posição agnóstica defendendo que nem
cosmopolitismo nem patriotismo dão conta da complexidade do mundo globalizado
ideologicamente estruturado em um liberalismo como “geocultura da
modernidade”.
Como se vê, o debate, que é levado para a primeira década desse milênio
sobre a cidadania cosmopolita, move-se numa espécie de Guerra Fria de “jogos de
linguagens” (Wittgenstein) entre os indivíduos num mundo de “amigos” e
“inimigos’ (Carl Schmitt). No jogo da expressão “maioria” e “ minoria”,
encontramos portanto, diversas interpretações e sentidos, embora todos os filósofos
políticos a interprete, na política de imigração, no sentido de “incluídos” e “
excluídos” em diversas perspectivas, por exemplo, Will Kilmycka (2001) e Michel
Walzer (1983), sinalizando para a questão étnica e Rawls (1997) para a tendência
sócio-econômica.
Lembremos que a palavra “cidadania”, na sua origem etimológica, é apenas
um estado civil (status civitatis) e implica elementos jurídicos, políticos e morais,
que servem, em geral, para identificar aqueles membros de uma comunidade política
ou um estado que têm de estar protegidos pelas instituições e, ao mesmo tempo,
dispostos a contribuir com elas. Assim, desde o ponto de vista jurídico, a cidadania é
um título mediante o qual se reconhece a pertinência de uma pessoa a um estado e
a sua capacidade individual para ser dele um membro ativo. Ser cidadão, então,
equivale a ser titular dos direitos e deveres fundamentais de participação da vida
pública de um estado e estar em condições de igualdade com o resto de seus
membros. Como diz Gurtof ( 1990, p.67):
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 95
A cidadania é para o indivíduo a condição natural: os indivíduos nascem no
estado e, ao fazê-lo, nascem cidadãos. Habitam um território politicamente definido
pela lei existente; existem naturalmente de acordo com a lei existente; existem de
acordo com a política vigente. A antiga definição do homem como animal político é,
portanto, verdadeira. Porque se para os antigos o indivíduo podia nascer livre ou
escravo por natureza, isso não é assim entre os modernos. No mundo de hoje, os
indivíduos nascem cidadãos, ou seja, o sujeito da lei política, submetidos ao Uno.
Ao ser a cidadania a condição natal dos homens, não há mais escravos nem homens
livres por natureza, mas cidadãos iguais perante a lei e por ela. O fato dos indivíduos
serem desiguais em condição, conhecimentos, riqueza, talento [...] não faz mais que
registrar diferenças de cultura, educação, sociedade, ou simplesmente de herança, o
que vem a ser o mesmo. Formalmente o rico é igual ao pobre, pois ambos são
justiciáveis, com a aplicação, a princípio, da mesma pena para a mesma
transgressão. Portanto, o indivíduo é cidadão por natureza. O legalismo de sua
condição constitui para ele um estado natural. O nascimento é a entrada na lei. A lei
natural é constitutiva de minha cidadania. Portanto, não há “lei natural” fora da lei
política positiva.
Lembremos ainda que na Europa do século XVIII, com Pufendorf e depois
Rousseau, se incrementa a oposição entre o ativo citoyen e o passivo sujeito
submisso na medida em que avança a ideia do Estado como um pacto social que
obriga a reformular direitos e deveres em um sentido mais participativo. A cidadania
como vínculo político mostra que o status do cidadão não somente expressa uma
relação jurídica, a de ser titular de direitos e deveres de participação pública, mas,
paralelamente um vínculo político. A cidadania postulada por Rousseau pertence a
um platonismo reformulado sobre sua pessoal recordação juvenil da cidade de
Genebra. Os conselhos do filósofo sobre como governar Polônia ou Córsega
expressam esse anacronismo da cidade. Montesquieu, com todo o seu realismo, não
nos diz nada mais que o cidadão é aquele que tem o direito de votar em segredo e o
dever de contribuir com o seu trabalho para o bem estar geral.
Toda nação, todavia, reconhece as categorias de seus habitantes: refugiados
políticos, parias, apatriados, trabalhadores emigrantes. A política de estrangeiridade,
que hoje testemunhamos nos países mais ricos, muito se assemelha ao asilum do
Império Romano que era o nome de um recinto instalado na ladeira do Monte
Capitolino e, segundo a lenda, no qual o primeiro rei de Roma alojou os excluídos
de suas cidades. Ali estava inserida a plebs que era o mesmo que povo sem pátria.
Na Grécia, eram os hostes, os estrangeiros, fossem bárbaros vindos de fora do
território, ou peregrinos, procedentes do interior, em especial quando estes resistiam
ao governante.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 96
Assim, a democracia contemporânea é contraditória quando concede, de
início, que pode ser cidadão todo aquele que o queria ser, mas na prática faz uso da
burocracia para não os fazer cidadãos, tornando-os “aliens”.
Qualquer aversão às diferenças é decorrente também da ignorância, mas é,
antes de tudo, um sentimento que se deixa alimentar pelo medo e pelo pânico
calculados. A crise econômica e não o racismo é o pano de fundo que agita o
fenômeno da xenofobia. O conflito com o paria é menor que um pretenso conflito
étnico. É um conflito social em seu nível mais baixo: o menosprezo da pobreza.
Então, relembrando a Aristóteles, é o menosprezo da democracia em defesa da
oligarquia. Assim, a xenofobia chega a ser, no final, um sentimento administrado
pelo interesse utilitarista. Este lado perverso da xenofobia, vinculado ao interesse
político e econômico, é o mais difícil de controlar, porque implicitamente o cidadão
de um continente abastado sabe que da parte dos imigrantes, não existe qualquer
vontade de colonização. Muito pelo contrário, como destaca Scocpol (1985, p.112),
pois “se eles chegam é porque já estão colonizados”. Mas, o que ocorre no dito
primeiro mundo não é propriamente nem racismo nem xenofobia, porque o primeiro
se caracteriza pela defesa da superioridade de uma raça sobre as outras, o que não é
o caso. O segundo é caracterizado por sentir ódio pelo estrangeiro, o que também
não ocorre.
O problema atual é sobre a indefinição de políticas que se podem fazer para
um controle eficiente da emigração e de políticas de naturalização, que não
contradigam a base democrática. Portanto, o grande problema da democracia de
hoje é a de como se derrubar uma autêntica muralha da China que se ergueu entre
direitos civis e direitos sociais por um lado e de direitos políticos e de cidadania
por outro, de forma a se encontrar soluções imediatas para que alguns não
continuem a serem discriminados pelo que são e não pelo que fazem. Se o Ocidente
põe a democracia como procedimento político, por que um estado democrático não
deve admitir esses últimos também como cidadãos, já que a economia cada vez mais
pede quantitativos de imigrantes? Por isso, na globalização prometida, forma-se um
grande paradoxo de inclusão de quem pensa uma sociedade de direitos humanos
sem uma extensão efetiva da cidadania supranacional.
Nesse caso, concordamos com Schmitt (1992) ao se referir que o conceito
de Estado pressupõe o conceito de Política. Toda sociedade, com ou sem Estado (
fenômeno histórico), implica o político. Assim, o autor de O Conceito do Político
separa rigorosamente política de economia, de direito, do social e da moral. O
critério da política é a discriminação entre “amigo” (A) e “inimigo” (I). A política
não pode ser reduzida à relação A/I, mas a uma identificação existencial. Nesse
caso, o inimigo político é sempre público (hostis) e não privado (inimicus). A
política é, assim, uma comunidade de interesse e de ação que se enfrenta com o
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 97
outro grupo e, na economia não existem amigos nem inimigos e sim competidores
que, no caso das dificuldades de cessão da cidadania ao estrangeiro, o liberalismo
vai compreender como uma competição também de mercado.
Essa resistência contra a cessão da cidadania na Europa é semelhante à
política de imigrantes dos EUA que, segundo Agaben (2004, p.102):
[...] o USA Patriot Act, promulgado pelo Senado no
dia 26 de outubro de 2001, permitia manter preso o
estrangeiro suspeito de atividades que ponham em
perigo ‘a segurança nacional dos Estados Unidos’;
mas, no prazo de sete dias, o estrangeiro (alien) deve
ser expulso ou acusado de violação da lei sobre
imigração ou de algum outro delito. A novidade da
“ordem” do presidente Bush está em anular
radicalmente todo o estatuto jurídico do indivíduo,
produzindo, dessa forma, um ser juridicamente
inominável e inclassificável.
A mundialização não tem promovido uma redistribuição equitativa nem da
riqueza nem dos recursos. Ao contrário, têm aumentado as diferenças entre países
ricos e pobres do mesmo modo que tem-se ampliado em muitos casos a distância
entre as classes ricas e as pobres dentro dos países em desenvolvimento. Em alguns
países os enfrentamentos étnicos e ideológicos contra políticas governamentais tem
tristemente causado as inumeráveis vítimas. O século XX, de acordo com Burke
(2005, p.67) encerrou-se com fragmentações parecidas e igualmente sangrentas em
várias regiões do leste europeu, assim como os confrontos de barbárie em países
africanos. Todos eles foram precedidos por conflitos ideológicos, por exemplo, em
Cambodja, na década dos 70, onde ocorreu um extermínio indiscriminado acima de
dois milhões de vítimas.
De semelhantes extensões civis, os países ricos também não estiveram
isentos de tais situações, desde a Guerra Civil norte-americana, na metade do
século XIX, até as duas guerras mundiais, que eclodiram em 1914 e 1939. E em
muitos casos, como nos Estados Unidos, cidadãos não acharam sentido na
participação ativa de políticas eleitorais, porque, como afirmou Rorty (1998, p.22)
em Achieving our Country, que
[...] muitos associam o patriotismo estadunidense com
um respaldo a atrocidades como a importação de
escravos africanos, a matança de nativos americanos,
a devastação de bosques centenários e a guerra do
Vietnam. Para muitos deles, o orgulho nacional
somente é próprio dos chovinistas: desse tipo de
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 98
estadunidense que se alegram de que Estados Unidos
ainda possa orquestrar algo como a guerra do Golfo,
ou seja, de que ainda possa exercer seu poder
mortífero onde e quando queira.
Sem dúvida, Rorty acerta em cheio quando percebemos que na primeira
década do século XXI esse poder volta a ser exercido pelos EUA quando da invasão
no Afeganistão presa a uma falsa justificativa, é carimbada pela ONU, como a
participação legítima na guerra declarada em nome da segurança mundial e da
expansão da democracia. De fato, esse foi o tipo de falácia pseudo -“participativa”
visto que não representava o eco da vontade majoritária, enquanto no mundo
inteiro gritava o “não à guerra”, sendo como uma das primeiras formas de
manifestação de “civismo” mundial. Nesse caso, inverteu-se a tese de Tocqueville
quando a minoria (indivíduos representantes dos Estados em seus devidos assentos)
faz prevalecer o interesse particular de apenas um, vedando seus ouvidos ao que a
população mundial (maioria) desejaria que fosse.
Eis aí um grande exemplo da limitação da linguagem para quem acredita
que ela resolva tudo e que a filosofia deva calar-se. Os defensores dessa corrente,
de dupla face Wittgensteiniana – entre os quais destaco Quine, Davidson, Strawson,
Austin, Grice e Searle – que defendem o confinamento da filosofia ao inefável e ao
indizível, fora do mundo e dos fatos, reduzido os limites de participação, deveriam
explicar em quanto tempo a linguagem resolveria rapidamente o salvamento das
vítimas presas aos escombros do terremoto do Haiti e do soterramento das casas
nos tristes episódios recentes das cidades de Angra dos Reis e Niterói? Imaginemos
como estaria a democracia hoje se pensadores como Adorno, Horkheimer, Schmitt,
Arent, Sartre, Ricoeur, Deleuze, Bobbio, Foucault, MacIntyre, Ralws, Habermas –
por exemplo - tivessem calado?
Nesse caso, é de bom gosto as afirmações a esse respeito de Bloom (1994,
p.18), em sua obra The Western Cânon: The Book and School of the Ages:
A filosofia não tem absolutamente nada que ver com
a eternidade, o conhecimento ou a permanência,
mas sim tem muito que ver com o futuro e a
esperança, com a decisão de agarrar o mundo pelo
pescoço e repetir uma vez mais que nesta vida sempre
haverá algo mais do que jamais havíamos imaginado.
No Tractatus, Wittgenstein provoca uma equiparação da lógica à ética sob
uma insinuação de que ambas são transcendentais. No seu modo de compreensão, a
lógica é ao mesmo tempo condição de possibilidade do mundo concreto, como da
linguagem que fala do que há no mundo. Nesse caso assinala Camps (1999, p. 118):
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A lógica não está no mundo e nem é uma parte da
linguagem: é o suposto da relação entre ambos,
mundo e linguagem. Podemos dizer, pois, que a
lógica é essa “crença” sem a qual tudo se desvanece
porque fica sem fundamento a relação entre
linguagem e realidade. É difícil crer na lógica para
explicar que a linguagem nos fala do mundo e o
descreve. Do mesmo modo que Kant nos pediu que
acreditássemos no espaço e no tempo como formas da
sensibilidade. Sem as quais não era possível explicar
a universalidade da ciência.
A ética é igualmente um transcendental, mas diferente da lógica. Por uma
simples razão. A ética é a condição de possibilidade de um mundo ético, como a
lógica é condição de possibilidade de um mundo lógico. Mas, se o mundo é, de fato,
lógico – pelo menos, Wittgenstein assim o pensava, ou a isso o reduzia, quando
escreveu o Tractadus -, e é lógica a linguagem da ciência que descreve o mundo e
suas leis, embora, não se pode afirmar com a mesma lógica que o mundo seja, de
fato, ético nem mesmo que se governe pelas normas da ética. Ambas, a lógica e a
ética, constituem a gramática – as razões básicas e estruturais – de um mundo, real,
em um caso, e irreal, no outro. A lógica é inefável, mas se mostra no mundo. A
ética, também é inefável, mas, ao contrário, não se mostra nele porque a realização
da ética depende da vontade humana, enquanto o mundo é independente da minha
vontade.
Recordemos do episódio que traduz essa vontade humana, como no boicote
de Montgomery, no Alabama, por consequência do incidente provocado nos finais
de 1955, pela costureira Rosa Parks quando se negou a ceder seu assento a um
homem branco em um ônibus com segregação racial de lugares. No dia seguinte à
sua detenção, os seus vizinhos negros começaram a boicotar o serviço de condução
até que um ano depois, quando a empresa já estava quase em fase de falência pelas
parcas arrecadações no transporte, o tribunal declarou ilegal a segregação de
lugares. Como afirmou Howe (1987, p.23): “a verdadeira tragédia surge quando a
idéia de ‘justiça’ parece conduzir à destruição dos valores supremos”.
Assim, o conceito de cidadania continua sendo um dos mais indefinidos da
política democrática. Cidadania implica virtudes cívicas ou apenas status legal? E,
mais uma vez nos lembremos das palavras de Aristóteles quando já alertava que
“não estão todos de acordo em chamar cidadão a mesma pessoa” 8. Pode continuar a
predominar uma política comum à divisão entre cidadão e estrangeiros em sua base?
Portanto, torna-se necessário defender o direito universal para a cidadania, pois, do
contrário, a democracia se contradiz em si mesma, desde quando não está instalada
em todos os ordenamentos do poder. Contradiz-se, porque nega a cidadania a uma
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parte de seus membros e na democracia não se pode negar o direito à cidadania sem
negar concomitantemente os direitos fundamentais de liberdade e de igualdade,
afastando-se da legitimação de seu próprio nome, isso é de um território de uma
ética e de uma cidadania comum para a diversidade cultural e para as instituições
comunitárias que são o maior construto de uma verdadeira sociedade participativa
que possa levar a democracia mais adiante, a partir do revisionismo da democracia
liberal que passarei a comentar a seguir.
2.2 Os paradoxos da sociedade liberal e representativa brasileira
A Filosofia Política liberal dos séculos XVII e XVIII não pressupõe um ser
humano generoso, bom e solidário, tampouco contribui para formá-lo. Isso porque a
democracia liberal é muito mais liberal do que democrática. Libera a alguns, mas
age para evitar liberdade para todos. Nada tem feito para dar igualdade para todos.
Que não se negue que as sociedades liberais são, por definição, tolerantes,
embora logo entendam essa tolerância à medida de suas conveniências. Isso porque
a democracia, como procedimento que legitima a distribuição de poder, não
contempla a vida dos indivíduos, submetendo-se apenas ao acatamento dos
resultados do sufrágio universal. Em suma: coesão social, solidariedade, alteridade
não vêm das mãos nem da democracia nem do liberalismo. A democracia dá
comumente uma pseudo-solidariedade, pois nem propicia e nem educa e o
liberalismo já é, por definição, não solidário. No caso da democracia, o melhor
exemplo dessa suposição seria o da guerra entre os partidos desde a natureza
conhecida por todos de arquivarem ou criarem “cascas de bananas” em suas
campanhas de marketing para as eleições seguintes, objetivando a conquista do voto
dos eleitores até as vésperas do sufrágio.
Por isso, é que se tem que tomar decisões e executá-las eficazmente.
Tampouco é fácil separar o privado do público, o político do que não tem porque se
mesclar com a política. Entretanto, apesar da confusão, se forma uma “opinião
pública” sobre qualquer propósito. A que se deve tal unidade? Como destaca
Maffesoli ( 1992, p.65 ):
É possível que o indivíduo seja mais atuado que ator,
seja mais submisso que mestre e possuidor, de si
mesmo, primeiro,e, logo, da natureza, Como o
político se banaliza na política? Como o Estado
torna-se um assunto de mafiosos?
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O que foi pensado como um bem coletivo tem acabado sendo o assunto de
poucos.
A tirania da maioria, a que nos referimos anteriormente, camufla, pois, um
duplo engano: a minoria não tem nada que fazer em uma democracia e a maioria é
ao que parece, vítimas da capacidade de manipulação de quem realmente move os
elos da política. Tudo isso reverte em um grande descaminho da democracia: a
indiferença e o desinteresse pela política, tornando a democracia deficitária. Se a
democracia tem que conservar algo de seu significado etimológico como “governo
do povo”, a implicação de todos nesse governo, não deveria se reduzir unicamente a
votar, considerando que a participação democrática – da qual trataremos mais
adiante – é um direito dos cidadãos, e não um dever. Ninguém poderia estar
obrigado legalmente a votar, como ninguém tem a obrigação de se inteirar do que
ocorre na vida pública, porque, mesmo com tal obrigação explícita, incorre a
desintegração da política e a concomitante profissionalização da mesma. Mesmo
assim, de maneira alguma seria lícito concluir que a participação democrática
deveria ser uma obrigação. É uma contradição obrigar os indivíduos a cooperarem
no jogo de ser autônomos ou de se auto-governarem. Uma das liberdades de que
goza o cidadão democrata é, precisamente, a liberdade diante da política, embora
não deixe de ser, de certa forma, paradoxal para a democracia que os cidadãos usem
a liberdade para eximir-se diante dela.
Alguma medida tem que ser tomada para vencer a negligência e a
indolência ou a insatisfação e o descontentamento dos cidadãos. E sempre há um
pouco de tudo isso. Alguma medida para que a política chegue a todos nós mais
“interessante” e motivadora julgando-se o interesse coletivo e não o particular é o
que realmente Rawls (1997) chama de sociedade bem ordenada quando cresce
naturalmente no cidadão o sentido da justiça, de forma que fique favorecido quem
menos está. Talvez, se isso fosse cumprido, o procedimento democrático chegasse a
superar seus próprios problemas, pois, o que a indiferença e o desinteresse põem de
imediato é que a igualdade dos cidadãos continua sendo uma liberdade básica. Por
que empregar essa liberdade para dar maior aparência de legitimidade a um sistema
que não satisfaz nem convence? A indiferença para a política explica-se por um
excesso de individualismo que, em minha percepção, não tem nenhuma justificativa
teórica ou prática. Mas, a política não chega a convencer da necessidade dos
eleitores ficarem a par das coisas e ela contribui para isso ao fechar-se por si mesma
e evitar as intromissões dos cidadãos. Para que participar de um jogo em que se sabe
de antemão quem vai ganhar? No debate da democracia participativa e da cidadania
também não podemos deixar de destacar a menção que Galbraith (1992, cap.3) nos
deixou, quando denuncia a exclusão entre os próprios incluídos. Ou seja: ele divide
a sociedade em duas classes: a dos profissionais satisfeitos e a subclasse a que, para
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o economista, chamou de como “menos afortunados” que existe e se reproduz
escandalosamente nas sociedades mais desenvolvidas porque é funcional para o
sistema. A classe dos satisfeitos necessita de uma subclasse que ocupem os
trabalhos que ela não quer, pois são trabalhos tediosos, cansativos, rotineiros e,
muitas vezes degradantes e estressantes. Segundo o ex-professor da Havard, entre
essas atividades estão os serviços domésticos, telemarketing, linhas de montagens,
zeladores e outros. Como afirma:
Não há maior fraude de inclusão na atualidade que o
uso do termo trabalho para igualmente expressar
atividades dolorosas e socialmente degradante e, para
outros prazeroso, socialmente prestigiadas e
economicamente proveitosa [...] são necessários os
pobres em nossa economia para fazer os trabalhos
que os mais afortunados não fazem e que lhes
resultariam manifestadamente desagradáveis e
inclusive dolorosos ( GALBRAITH,1992,cap.3).
Aí está mais uma contradição nos limites da cidadania aos estrangeiros dos
países ricos: os países mais avançados da Europa ocidental vêm contando
principalmente, desde o pós-guerra, com os imigrantes para os serviços que os
satisfeitos não querem fazer, por não acharem tão elegantes. Isso significa que, no
estado da atual divisão do trabalho, a racionalidade da vida cada vez mais não
coincide com a economia. As organizações transnacionais cada vez mais fortemente
globalizadas pelas estratégias de fusões de grupos que monopolizam o trabalho em
dimensão planetária, ampliam cada vez mais o abismo existente entre vida
individual e vida profissional. Disso é que vejo a importância da tecnologia para que
se possa produzir novos equipamentos que possibilitem diminuir o esforço humano
a fim de verdadeiramente promover uma cultura da satisfação do trabalhador
sobretudo os de atividades “pesadas, que lhe proporcione menos esforço.
Porém, vale destacar que dentro da classe dos satisfeitos, Galbraith faz
distinção entre os felizes satisfeitos e os felizes insatisfeitos: o primeiro, corresponde
àqueles que não trabalham e vivem do esforço dos outros arrecadando à distância,
no final de cada mês, o seu percentual de participação: ele se refere ao rico, por
acumular tanto, e que, portanto, nem sequer necessitam de estarem no escritório da
indústria ou da empresa, como ponderou Przeworski (1994), vivendo em seus
paraísos tropicais, preferindo pagar bem a um profissional qualificado para assumir
as atividades tediosas como, por exemplo, de demitir uma massa de trabalhadores.
Ou aqueles profissionais também qualificados que no caso do médico e do técnico
em enfermagem de hospitais públicos brasileiros, que gostam do que fazem, mas
não gostam de como fazem, quando, muitas vezes têm que improvisar meios de
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 103
salvação, ou decidirem como ética da responsabilidade, a quem se destina o único
leito que fora deixado vazio.
Porém Galbraith apenas faz um estudo apropriado ao contexto norte-
americano que, aqui e acolá, pode assemelhar-se a algumas facetas de uma minoria
que tem o poder da maioria, por exemplo, em nosso país. Nesse caso, ao meu modo
de perceber a exclusão no Brasil, eu complemento com os oportunistas do sistema
representativo que se ancoram em uma função comissionada doada por poderes ou
favores políticos; ou, com aqueles que não são ricos, nem médios, mas varões
pobres que sempre se fazem de vítimas do desemprego e da exclusão, quando
exploram a companheira que trabalha fora do lar para não faltar o ínfimo aos seus
filhos, em nome de uma falsa emancipação feminina; ou dos programas sociais mal
gerenciados ou instituídos de modo patrimonialista; que fazem os quem têm
oportunidade de trabalhar não mais fazê-lo porque sabem que mensalmente possuem
aquele soldo na porta de cada mês e sem qualquer exigência comprobatória que
garantam o direito por algum impedimento justo seja físico, biológico, mental ou
verdadeiramente social.
A violência contra a mulher no Brasil – claro que também nos países
totalmente pobres ou nos pobres em que a mídia política precipitadamente os fazem
quase como ricos - não se dá apenas pelo físico ( a que praticamente a Lei Maria da
Penha se refere) mas radicalmente pelo psíquico. É o que exponho em uma das
partes do meu artigo apud Gomes (1992) e observo que essa violência de gênero
leva a mulher a uma dupla exclusão - dentro e fora de casa – o que é uma pseudo-
participação e um descaminho da democracia. Como lembra Paternam (1989, p.
170):
Segundo a velha e radical idéia de democracia, nela
todos os cidadãos são espertos em sua própria vida
política, ao nível de seu conhecimento e habilidades
em outras áreas. Mas esta idéia tem sido abandonada.
Agora, “democracia” significa um sistema no que os
cidadãos alienam o seu direito a decidir sobre suas
vidas políticas em espertos não políticos ( no geral, e
hoje, juristas e outros profissionais qualificados).
Segundo tal concepção do político e da cidadania,
dificilmente surpreende que a classe trabalhadora e
as mulheres sintam que não vale a pena estar atento;
suas capacidades e conhecimento não se consideram
politicamente relevantes, nem na política do estado,
nem na do lugar de trabalho
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 104
Isso quer significar que a cultura liberal é individualista pela condição de
não enxergar a estrutura social como uma conjunção de indivíduos e sim como um
aglomerado de desiguais. Tanto Paternam e, como veremos mais adiante, Barber,
ambos pedem a recuperação do comunitarismo rousseauniano onde o espírito da
sociedade inclina-se a se integrar representantes que possam servir ao povo e não
aproveitar-se dele. Além do mais, ambos são realistas suficientes para declarar que
se não houver verdadeiramente igualdade política, nunca haverá a autêntica
participação.
Os vícios privados, presos à satisfação sistemática do interesse privado,
produzem, em todo caso, o equilíbrio dos que pertencem ao sistema e estão
integrados a ele; deixa fora ao resto, aos marginalizados e excluídos porque suas
existências molestam aos poderosos “felizes satisfeitos”, relembrando a expressão
de Galbraith. O que ocorre quando nos deparamos com os menores de ruas e os sem
teto muitas vezes expostos às drogas e à violência? Como isso pode ser bom para
planejar uma sociedade melhor?
É por exemplos como esses que tanto a tirania da maioria como a
manipulação dessa maioria ou a indiferença para o jogo político são descaminhos da
democracia que podem e devem ser atacados diretamente, com políticas públicas e
atuações dirigidas a escutar as minorias – a detectá-las, primeiro – e fazer interessar
o povo sobre os assuntos políticos. A razão de peso em favor dessa indiferença é,
portanto, de que a democracia é o sistema de governo mais justo, embora não
garanta resultados justos. E uma das causas disso para não ocorrer com maior
eficácia é porque não aprimoramos a metodologia representativa da democracia.
O diagnóstico da contradição entre a racionalidade econômica e a
racionalidade humana leva à conclusão evidente de que nossa civilização degradou
o valor da vida durante todo o Século XX, e com poucos sinais de mudanças nessa
primeira década, há pouco encerrada. Como disse André Gorz (1988, p.140),
“ampliou-se a desintegração social, degradação da vida individual e desigualdade”.
Na verdade, existe um horizonte ético construído sobre a base de grandes
ideias de valor universal, mas a linguagem que a escreve tem sido confusa. A falsa
precisão dos conceitos valorativos esconde uma realidade cheia de contradições.
Assim, o discurso ético é rejeitado a princípio como um discurso hipócrita,
construído com palavras cujo sentido teórico fica muito distante do significado real.
Pensemos ainda na expressão “democracia liberal”, atribuída à maioria de nossos
sistemas políticos. Nenhum dos dois termos é rejeitável por si mesmo, mas, de fato,
a união “democracia” e “liberal” leva a uma contradição. “Liberal” não vem
significar a defesa de pôr em prática os valores liberais das liberdades individuais
ratificadas pelas declarações de direitos ou as constituições, mas os valores liberais
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 105
que degeneraram em “liberalismo”. E o liberalismo, fundamentalmente o
econômico – que é o que finalmente nos serve de modelo -, dizemos que é
“selvagem”: não se preocupa que um seja mais livre que outros, parece que não se
dá conta de que o uso da liberdade não pode ser o mesmo para todos os indivíduos
quando, entre eles, ocorrem desigualdade radicais.
O mercado em si não é mau: simplesmente, não distribui bem, com
justiça, os bens que produz. E quando muito, as taxações tributárias que deveriam
em parte servir para uma justiça distributiva de bens, são, em geral, impostas ao
sacrifício da classe média e não da que verdadeiramente acumula, como os
banqueiros, altos empresários e altos especuladores. Ao menos, é isso que ainda é
posto em prática no Brasil. A defesa teórica dos valores liberais se assentava,
principalmente, na igualdade e, sendo realizada, seria a única base sólida da
democracia. O que significa a soberania do povo? O que pode ser compreendido por
“representação democrática”? Podemos dizer que todos votam em igualdade de
condições? A expressão “democracia liberal” já carrega consigo uma contradição:
enquanto a igualdade for insuficiente não se poderá falar de liberdade generalizada.
Barber (1984, p.15) defende a tese de que um excesso de liberalismo tem
se acumulado nas instituições democráticas e que “a representação destrói a
participação”. Contra essas tendências que põem em perigo a sobrevivência da
verdadeira democracia, Barber (1984, p.16) aposta em uma “democracia forte”,
participativa – no sentido literal do termo –, “que alimente à comunidade sem
destruir a autonomia” e que “supere a passividade e o vazio do liberalismo”. Nesse
caso, deparamo-nos com ideias próprias das teorias comunitaristas segundo as quais
reconstruir a comunidade de base – nesse caso a democracia – e fazer que o
indivíduo se sinta parte dela não somente resolveria a crise de participação, mas da
responsabilidade moral, que é a condição necessária para que o sujeito seja
realmente autônomo. Ou seja, é o ambiente democrático que deve criar a liberdade,
a justiça, a igualdade e a autonomia como o produto de um pensamento comum e de
uma vida em comum. Sem dúvida, o indivíduo não chega a sê-lo se permanece
isolado, vivendo apenas para si e para os seus mais próximos: nem chega a ser ele
mesmo, nem chega a se gerar qualquer valor coletivo em função do isolamento ou
da privacidade exclusiva.
Mais uma vez isso consolida o entendimento de que a prioridade que
damos ao privado vai de encontro ao público, à democracia, e à apropriação dos
valores que a constitui. O individualismo – próprio das sociedades liberais, como
disse Tocqueville ( 1984,p.246) valora o egoísmo que, por si só, já é um perigo real
para a democracia bem entendida, para essa democracia que ainda não conhecemos,
mas que intuímos. Por isso, vale dizer, com Barber (1984, p.63,86), que “a
democracia é a condição da autonomia, assim como “a autonomia é a condição da
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democracia”. Ambas as coisas, indivíduo e vida democrática, devem ser construídos
simultaneamente e isso é prontamente um dos desafios que temos que ter como
meta nesse segundo decênio que acaba de começar.
Mais discussão merece a tese segundo a qual “a representação destrói a
participação”. A democracia representativa é um modelo de democracia e, sem
nenhuma dúvida, o único possível em nosso tempo, ao menos enquanto não
tivermos um sofisticado avanço isonômico de tecnologia de nível global que
possibilite à distância a participação decisória de todos como uma virtual assembleia
grega com um inteligente sistema de rede, claro, resistente a qualquer atitude
hacker. Quem sabe? Portanto, a democracia, mesmo representativa, não implica
necessariamente que não possa haver participação. Pode haver, mesmo que por
outros meios que os de assembleias, na consulta direta ou ad referendum a qualquer
fim. Não esqueçamos que a democracia é um procedimento político, uma forma de
governo que não se esgota em si mesma e nem se justifica apenas como
procedimento: se justifica se as coisas são bem feitas, se é eficaz, se resulta em boas
decisões e que elas realmente, como já afirmado, sejam executadas, evitando-se
autogovernos e aumento da desconfiança da democracia representativa. Mesmo com
as falhas da representação não há argumento suficiente para negar a sua validez, mas
o há para transformá-la em representação mais autêntica.
Frente à tese comunitarista – que teria como seu antecedente mais remoto
Aristóteles e, logo depois, Rousseau – que quer ver o indivíduo exclusivamente
como parte do todo político, e que somente vê, como única saída, a nossa inserção
em uma situação de “paraíso perdido”, em qualquer caso, irrecuperável –, convém
ter claro que é preciso aceitar a tese liberal segundo a qual o indivíduo é algo
externo ao Estado. Não pode ser correto, mesmo que seja bom e desejável, que o
indivíduo queira a si mesmo ignorando a existência dos outros. Por isso, que não
podemos deixar de falar de justiça, pois, mais participação supõe mais igualdade e
a igualdade política não é certa, se mantém as desigualdades social e econômica.
Certamente existem relevantes pensadores, de Habermas a Rawls, que
resistem em renunciar à razão como instância autorizada de fundação da ordem
política, mas suas propostas de comunidade política, cada vez mais escoradas para
um liberalismo com consciência social, estão mais distantes dos referentes kantianos
dos que se declaram herdeiros. O comunitarismo que recupera com certa nostalgia a
comunidade política, é mais um refúgio que uma opção substantiva.
Participação tem que haver, pois é uma condição sine qua non da
democracia, mas da participação tem-se que admitir também que se diz de muitas
maneiras. Cada qual deve participar e considerar-se obrigado de acordo com suas
possibilidades, com suas necessidades e com suas funções no sistema. É errôneo
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entender a participação na tomada de decisões coletivas como participação direta de
todos os cidadãos em cada decisão de governo. Tampouco deve-se concebê-la como
uma mítica adesão – conforme já destacamos – à “vontade geral” rousseauniana. O
problema da falta de participação na democracia de hoje não poderá ser resolvido
adequadamente enquanto não fique claro como pode e deve ser posta em prática a
democracia hoje para que todos, da forma que seja, se vejam envolvidos nas
decisões. E esta é a pergunta que temos que abordar imediatamente.
A participação é em si mesma um dever. Não se entende a democracia sem
a colaboração dos cidadãos, seja esta de qualquer tipo. Antes de tudo, assim, deve
ser aceita a democracia real, com suas imperfeições. Essa é uma condição óbvia,
principalmente contra os que não aceitam, de cara, nada que não seja perfeito,
aqueles que desqualificam a democracia porque , segundo dizem, nada do que
conhecem é autêntica democracia. Como bem afirmou Camps ( 1999, p.118):
Rebater aos utópicos que vivem fora da realidade ou
aos que ainda possuem resíduos de tendências
totalitaristas é imprescindível, porque,
invariavelmente, são teóricos ou práticos de tudo ou
nada, que não entendem que a realidade é
transformável, não do nada, mas a partir de alguma
posição concreta. Aceitando essa “posição” de
democracia que temos, devemos levar em conta duas
outras condições importantes para poder estruturar o
tipo de participação de que necessitamos e que nos
convém.
A primeira, que a democracia, enquanto sistema de governo, tem , como já
afirmado anteriormente, de ser eficaz, tomando decisões e fazendo com que elas
sejam executadas. Mesmo que a eficácia não seja um valor prioritário, é, sem
dúvida, índice de um bom governo ou de um bom sistema. Eficácia não significa
fazer leis indistintamente; a eficácia é compatível com a preocupação e a atenção
aos acordos duvidosos até chegar a um melhor conhecimento da questão. A eficácia
também requer tempo, mas não um tempo que demore propositadamente pela
burocracia. A eficácia não é a arte de resolver rapidamente um problema como
insinuam os discursos de comportamento organizacional, a exemplo do que
defenderam os teóricos capitalistas da qualidade total, mas sim, é eficaz a decisão
que quer resolver um conflito mesmo quando tenha de se investir mais tempo.
A segunda condição é a de que não deve ignorar ou depreciar as
capacidades psicológicas do indivíduo como a experiência, das quais nos fala a
psicologia. Não é correto, como acreditou piamente Kant, que o dever implique
poder. É possível conceber deveres que resultem logo em atrocidades imperdoáveis,
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sob o ponto de vista da psicologia humana. Nesse ponto, Freud muito contribuiu.
Assim sendo, algo disso poderia ocorrer com a ideia utópica de participação
segundo a qual todos os cidadãos deveriam intervir no acordo sobre as decisões que
lhes concernem. A ideia de consulta a todo propósito nem é viável nem é
conveniente nem o indivíduo poderia cumpri-la no caso em que se lhe impusesse
como um dever. A tendência a que um referendum se transforme em plebiscito ou
em voto de protesto não faz mais do que confirmá-lo.
Há certo consenso entre os teóricos da política – excluindo, talvez, os
comunitaristas – de que a participação assim entendida não é boa para a
governabilidade. Inclusive pensadores como Macpherson (1986, p.207) advogam
por uma “democracia participativa” que proponha modelos que adaptem à
complexidade de nossas sociedades a exigência de uma participação sem exclusões.
E esses modelos são, na realidade, sínteses do sistema representativo e participativo.
Sendo verdade que alguém deve ser o responsável último para que haja tomada de
decisões, algum mecanismo terá que ser possível para que exista uma mediação – a
que teoricamente deveria realizar os partidos – entre os cidadãos e a apreciação dos
grandes problemas. Os desafios da realidade política, uma realidade que ultrapassa o
âmbito de um só país e que nem sempre é possível, exigem decisões contínuas e
rápidas. A decisão democrática requer tempo, mas não é esse tempo consumido em
debates de assembleias ou de comissões parlamentares em sua maior parte estéreis.
Esses sim, são puro desperdício de tempo porque nem conduzem nem ajudam a
nortear nada.
Representação e participação nem sempre são antagônicas. A participação
tem de ser vista sob o referencial de uma democracia representativa, mais como um
processo de correção do que há, do que como de construção de um modelo
alternativo. Correção de tudo o que expressa a chamada “teoria elitista”, segundo a
qual o povo elegeria os mais hábeis politicamente para que o governasse e se
afastaria imediatamente das tarefas políticas. Essa teoria, que se aproxima da
realidade brasileira, embora criticada pela maioria, prescinde realmente da
autonomia da pessoa ou do ponto de vista segundo o qual a autonomia plena não é a
que se consegue com o exercício da liberdade negativa, mas com o da liberdade
positiva. Ao indivíduo temos que deixá-lo, evidentemente, com a liberdade de
desenhar sua vida privada a seu gosto e sem mais restrições que as necessárias;
temos que pedir a ele e dar espaço para que coopere livremente na construção de
uma vida pública a cujas leis deverá se submeter. Esses princípios, entretanto, são
imprescindíveis para a sobrevivência da democracia e sua otimização não pode ser
deixada somente nas mãos de alguns políticos “de carteirinha”.
Em uma democracia, a princípio, todos os desvios são possíveis. Nesse
caso, o problema maior está em não se acreditar na democracia pela desconfiança
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nos políticos, não aproveitando da liberdade e não se buscando canais de
participação porque se consideram supérfluos. Isso ocorre porque a democracia é
“desgastada” e mal-aproveitada, de tal sorte que é nessa circunstância que acaba por
desmotivar os mais entusiasmados. A democracia deveria exibir permanentemente
seu objetivo, que não é outro senão o empenho na concretização dos valores
fundamentais: não permitir que se continue cometendo injustiças e que permaneçam
ultrajando as pessoas sob a aparência de outra coisa. A ideia de justiça é, nada mais
nada menos, que uma criação histórica nossa à qual se deve dar continuidade
fazendo realizá-la. A democracia está cheia de imperfeições, evidentemente, e por
isso temos que participar, para tratar de corrigi-las. Se a democracia fosse perfeita,
que necessidade haveria de alguém opinar sobre ela e suas implicações?
Embora, também deva ser considerado que os sistemas não capitalistas têm
seus globalistas corporativos, para Friedman (1999, p.33, 36), por exemplo, trata-se
de figuras chave nos partidos socialistas e comunistas, companhias comerciais
estatais, e outras burocracias igualmente poderosas, que agem de uma forma
transnacional e centralizada, como uma rede geográfica de poder político resultando
em micropolíticas e microfísica de poder e poderes, como interpretaram Deleuze e
Guatarri(1996, p.92,107) e Foucault (1979, p. 186,189). A globalização tem suas
próprias tecnologias definidoras que, por contraste, converte tanto amigos e
inimigos em competidores, segundo advoga Todorov (2003, p.54). Se a ansiedade,
característica da Guerra Fria, era o temor a ser aniquilado por um inimigo que se
conhecia muito bem em uma luta mundial fixa e estável, na globalização a
ansiedade característica tornou-se o temor à mudança rápida proveniente de um
inimigo que não se vê, não se toca nem se sente. Assim, o determinante do poder
na Guerra Fria passou da potência do armamento bélico, que o Estado possuía, para
a potência de mega bites que o Estado dispõe. Do mesmo modo, como meio de
mudança e transformação social, participar é ao mesmo tempo dispor e possuir
condições de cidadania.
Quando falamos de participação ou de abstenção, porém, devemos olhar o
cidadão que não vive da política. Dele se exige que viva para ela porque se supõe
que os políticos já não o fazem. Pois bem, não há deveres unilaterais e muito menos
para os que têm a ver com a ação pública. A participação cidadã na política tem que
vir impulsionada e motivada por aqueles que não fazem da participação um
problema porque já estão na política, pois já são políticos. Os convocados a corrigir
diretamente os defeitos da democracia elitista não são os cidadãos que não têm
feito da política sua profissão, mas o bom político que se abre às opiniões dos
cidadãos, assumindo suas críticas, não as recebendo com a prepotência de quem se
basta a si mesmo e sem qualquer autossuficiência para agir à sua maneira. A
argumentação pública tornou a democracia de massa uma simples formalidade
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vazia. Para Habermas (1996, p.92), o processo de despolitização da população,
legitimado pela tecnocracia, projeta os homens em categorias na ação instrumental,
nas quais “os modelos coisificados das ciências transmigram para um mundo
sociocultural da vida e obtêm ali um poder objetivo sobre autocomposição”.
Em matéria de política não há verdades. Tudo é opinável, mais ainda
quanto mais importante for a decisão a tomar. A eficácia não pode ser transformada
– como já frisei anteriormente – em uma “procuração” feita do cidadão aos
governantes, para todos os fins e de caráter irrevogável! Dessa forma reincidiríamos
mais ainda na teoria elitista da democracia. A eficácia que se tem de defender é,
repito, a que resolve conflitos e não problemas, pois um conflito é solucionado
somente com o envolvimento de todas as partes envolvidas nele, e, em uma
democracia, não é correto resolver nenhum conflito com as costas voltadas às partes
envolvidas. O bom político, assim, é o que verdadeiramente aceita e inclusive exige
a participação, quando o conflito aparece, pára no momento de tomar decisões e
nunca quando já tomadas. Ser bom político é, portanto se interessar que os cidadãos
opinem.
É nessa perspectiva que a participação eleitoral não é mais que uma
consequência de outra participação mais completa, vivida intensamente. A
abstenção, pelo contrário, é sintoma de desinteresse e desafeto pela política. Um
sintoma, haja vista que a baixa participação eleitoral indica que a participação
propriamente dita é inexistente. Revela, mesmo assim, que a política carece de
credibilidade pela ausência de bons políticos. O cidadão não deixa de participar
somente por comodidade ou protesto, mas porque não se sente ouvido nem mesmo
se lhe derem a oportunidade para que fale. E se a política não merece o desprezo que
recebe – como não deixam de repetir os políticos comuns –, temos que nos jogar de
cara para pensar, para encontrar caminhos que corrijam a razão desse estranhamento
ou alienação que talvez seja o mais grave impasse da democracia de nosso tempo
em qualquer das instâncias sociais.
Ocorre com a democracia representativa o que se deu com o capitalismo.
Temos chegado ao acordo, expresso ou tácito, de que a economia capitalista é a
única que funciona bem, pese o que pese, mesmo quando demonstrou uma
derrocada global nos mercados. Apesar de tudo continuamos a admitir que seja a
única que funciona razoavelmente melhor do que outra imaginável, que não deve
ser rejeitada, mas corrigida em seus excessos e em sua atuação selvagem. Do
mesmo modo tem sido o reconhecimento da democracia representativa, mas com
muitas correções; correções que precisam de múltiplos fatores: da fé do cidadão na
bondade do sistema, da educação de hábitos participativos, da vontade política de
admitir mais participação, da imaginação para idealizar novas formas de
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compromisso, da bondade e humildade do governante para reconhecer seus
equívocos e de sua paciência para realizar decisões.
É um erro pensar que a democratização da vida política virá sem
democratizar outras realidades e sem entender que essa democratização, na família,
na escola, na universidade, nos partidos, nas instituições, no trabalho, tem que
revisar também sua ideia de participação. No Brasil, mais do que em qualquer outro
lugar do que estamos mais próximos, a confusão sobre o assunto é muito grande. A
saída do autoritarismo lançou-nos ao extremo oposto: o das permanentes comissões
parlamentares, de ética, de justiça e cidadania, dentre outras. Da mesma forma que a
crítica indiferenciada e a qualquer propósito resulta ineficaz porque ninguém a leva
a sério, da mesma forma que a maturidade democrática se mostra pelo saber
distinguir o que deve ser criticado do que não merece a pena criticar, também na boa
participação democrática tem-se de saber discernir a medida da participação.
Encontrá-la é ascender a essa sabedoria que nem as teorias nem os livros
proporcionam, mas apenas a experiência e o bom senso como atitudes de
permanente aperfeiçoamento. Procuraremos, agora, por uma via prática, apresentar
esses caminhos.
2.3 O caminho para uma maior participação
No início desse ensaio, afirmamos que a democracia é apenas um
procedimento, o menos mal que teve a humanidade, o mais respeitoso com os
indivíduos e o que com mais probabilidade produzirá decisões justas. Sabemos
também que consultas e deliberações democráticas não se dão em um espaço
parecido como o que Habermas (1992) chama “comunidade ideal de diálogo”, mas
na comunidade real, onde o diálogo não existe ou então é um diálogo de surdos ou
um diálogo em que sempre falam os mesmos. Um diálogo, precisamente, de seres
humanos, com suas paixões, parcialidades e interesses, de seres cuja “razoabilidade”
fica oculta por uma “racionalidade” que somente vislumbra seus fins particulares ou
corporativos e empenha-se em não ver os fins públicos. Se o critério das maiorias é
tirânico é porque é dominador e escuta somente o mesmo. Nesse sentido, o
procedimento pela maioria é imperfeito, porque quem vence não mais está
interessado no diálogo com os que perdem. Essa fragilidade da democracia é
reconhecida por teóricos como Rawls (1997, p.115) na medida em que ele a assinala
como uma “justiça procedimental imperfeita” e não uma “justiça procedimental
pura”, pois, mesmo que um procedimento tente ser justo, nunca assegura a justiça
de seus resultados. Somente pode-se adquirir certa imparcialidade na “posição
original”, onde os indivíduos se encontram cobertos pelo “véu da
ignorância”(RALWS,1997,p.116). Não se enganam, uma vez que, sendo todos
iguais, não há paixões nem interesses que determinem a vontade em um ou outro
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 112
sentido. O único determinante é o medo do risco que todos sentem da mesma
maneira.
Essa situação imaginaria que possibilita um procedimento com resultados
justos é devedora das teorias clássicas do contrato social e de seus “estados de
natureza”. É uma hipótese, a meu entender, prescindível, pois que valor há em um
acordo tão fácil: um acordo a partir da igualdade absoluta, em que não há diferenças
nem pluralidade? Os acordos problemáticos são os que surgem depois, quando já
não estão na “posição original”, mas, na realidade, tem que decidir o que se entende
por “igualdade de oportunidades” ou a quem tem de se explicar o “princípio da
diferença”.
É o desenvolvimento das normas fundamentais, o desenvolvimento de uma
Constituição, a interpretação e a aplicação de uma lei, o que gera conflitos éticos
cuja solução tem que confiar na aplicação do procedimento democrático. Aí são
muitos os elementos imprevistos e perversos que podem aparecer no processo
democrático e destorcê-lo para resultados totalitaristas não mais imaginados nem
queridos por nós, que podem pôr em perigo a democracia de nosso tempo e
poderiam acabar resultando vencedores de um sufrágio, com imperfeições,
certamente, mas democrático embora levando a democracia a uma autodestruição.
O problema é que não temos ainda clareza como deve reagir a própria democracia
diante de um perigo como esse. Frente a tal ameaça, não há antídoto melhor que
relembrar que o fim não justifica os meios, mas o contrário: os meios prefiguram o
fim. É lícito abortar um processo democrático e impedir violentamente que as forças
não democráticas ascendam ao poder? É lícito agir antidemocraticamente para
salvar a democracia? Como se pode intervir contra comportamentos, internos e
externos ao próprio país, contrários à democracia? Sem dúvida, a resposta tem de
ser: nunca antidemocraticamente, nunca de tal forma que o como se perverta no
que. Como diz Torres( 2003, p.101):
Sem uma exploração séria das intersecções entre
diversidade cultural, a ação afirmativa e a cidadania,
as bases da democracia e do discurso democrático per
se estão em risco. Sem uma teoria e prática da
cidadania multicultural e democrática tecnicamente
competente, eticamente definida, espiritualmente
engajada e politicamente factível, o povo perecerá.
As políticas democráticas podem configurar-se de acordo com ideologias
diversas, mas, em qualquer caso, a gestão de um governo democrático deveria
procurar ser impecável. Ser impecável, nesse caso, não é sinônimo de êxito – já que
depende, sem dúvida, de uma boa gestão, e não apenas dela -, mas de transparência
e pluralidades de ideias. Uma democracia carente de discussões e ideias é uma
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 113
democracia corrupta, que engana ao cidadão, ou seja, não o considera como tal, mas
como um súdito cuja obrigação é acatar as leis e ocupar-se de seus assuntos que não
são os da política. Por outro lado, se a democracia não é o cenário mais apto para
que formem indivíduos com “vontade própria”, como defendia Mill, a democracia é
um procedimento falido.
Daí foi que Dewey, para muitos último grande pedagogo do século XX,
criticou pertinazmente a forma de vida americana e o isolamento de seu sistema
democrático, em virtude de seus caracteres reduzidos e residuais; herança de um
liberalismo econômico direcionado a um individualismo competitivo. O
diagnóstico que aparece no exame deweyano da democracia, particularmente da
democracia dos EUA, indica que esta se manifesta comum à moral segmentada e
reticente nascida de dualismos entrincheirados no hábito da vida cotidiana. Como
Durkheim, Dewey segue uma mesma intenção: insistir nos horizontes de realização
ética e procedimental da democracia.
Por isso, não há outra forma de combater qualquer desvio a não ser
mediante a democracia do procedimento, controlando o processo de tomada de
decisões de forma que se possam prever possíveis desvios, muito dos quais são,
efetivamente, previsíveis, haja vista que contam com razões artificialmente
fundadas para se produzir. Aprimorar o procedimento significa, creio, duas coisas:
em primeiro lugar, ter fixados os critérios fundamentais da justiça distributiva, já
que a chave do bom governo democrático consiste na distribuição dos bens básicos
– o poder entre eles – de forma que ninguém se sinta excluído da divisão. A esse
respeito, uma democracia liberal – em relação a uma democracia social - não pode
ser vista a não ser como uma contradição. Se não há outra concepção da justiça que
prioriza a liberdade, como ficará garantida a justiça do procedimento? Como ficará
garantida a igualdade? Em segundo lugar, afora os dois critérios básicos de justiça
distributiva, deve haver políticas consistentes que indiquem seu desenvolvimento,
políticas dirigidas a igualar o mais desigual, a evitar discriminações, a beneficiar aos
menos favorecidos. Uma justiça distributiva que se detenha na declaração de
princípios e não trate de resolver também as dificuldades da prática, não serve de
nada.
Há, entretanto, uma eficácia de resultado já implícito na democracia
participativa que é a atitude favorável frente à política. De forma que não favorece a
política mercantil, profissionalizada quando estas somente obtêm respostas apáticas
e desmoralizadas porque é uma política que não se envolve com o que é de todos.
Essa é justamente a política de natureza liberal, sem atenção ao público por seus
assuntos de interesses comuns, tendo em vista a classe política, quando se faz livre e
independente aos assuntos de interesse comuns, gerando, como já salientei, uma
aristocracia de partidos, quando estes são poucos transparentes.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 114
Um bom democrata tem que ser humilde e se atrever a retificar; tem que
ser paciente e aceitar que outros recolham os frutos que um começou a semear. A
democracia consiste em aprender a viver com as suas debilidades, porém
dinamicamente, experimentando soluções tal como fazem as ciências, pondo em
marcha projetos que somente talvez se verifiquem mais tarde como adequados e
justos. É indispensável realizar o máximo de consulta e de diálogo, fazer o
impossível para desenterrar essa impressão generalizada de que a política não é
necessária para todos. O que não equivale a cair no erro mais frequente que é de
pensar que qualquer decisão é competência de qualquer um. É necessário imaginar
outros canais de cooperação e de participação, de forma que o cidadão se sinta
implicado na colocação e na solução do que concerne.
Essa cooperação diversificada e ampla precisa, antes de tudo, de um
contexto propício. Um contexto, basicamente, de igualdade e colaboração mais
efetiva. É preciso que a sociedade civil e o estado, mantendo-se separados, se
comuniquem e cooperem. Para isso são necessárias duas coisas: reformar o poder
do estado e reestruturar a sociedade civil. Atualmente, a débil estrutura da sociedade
civil faz com que a igualdade de voto seja uma fórmula vazia e irreal: a participação
não é orgânica, é exclusivamente “mecânica”, não há uma compreensão adequada
dos conflitos políticos nem exercício do devido controle sobre as decisões. Com
relação ao estado democrático, deve ser o suficientemente forte e decidido para
redistribuir justamente os bens básicos e ajudar aos mais necessitados. Devem os
bens se prestarem a atender e apoiar mais as iniciativas, demandas e queixas que
reivindicam as organizações sociais, mesmo se estiverem estagnadas e em precárias
condições. Como afirma Held (1994, p.129) no sentido de uma “dupla
democratização”: a da sociedade civil pensando mais em igualar as desigualdades
mais latentes ou ofensivas, e a do estado repartindo seu poder de forma mais
equitativa. Para esse autor, a democracia “representativa liberal”, com o seu
principio de cidadão ativo
É um conjunto de regras, procedimentos e instituições
que permitem o mais amplo envolvimento da maioria
dos cidadãos, não nos assuntos políticos enquanto
tais, mas na seleção dos representantes, os quais
podem apenas tomar decisões políticas.
A democracia, por ser tão delicada e sensível, precisa de nossos cuidados,
para que não se transforme em pedaços ou se leve ao extremo este complexo em
uma cultura da comodidade e de bem-estar, porque a virtude política não é natural
ao ser humano, como acredita Simmons (1989), partindo na defesa da tese de Locke
exposta em seu Ensays on the Law of Nature. Sem dúvida, sabemos que nós
necessitamos uns de outros e que devemos cooperar para resolver os problemas
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 115
comuns, mesmo que não em consonância com tal convicção. A fragilidade da
democracia é, de fato, reflexo de nossos conflitos interiores e privados. Nunca o
bom aparece com a nitidez desejada e nem tem força suficiente para anular nossas
resistências. Descremos da política, dos políticos, da democracia, de nós mesmos?
Talvez a claridade venha da capacidade de repensar todos esses conceitos e de ver
até que ponto todos são responsáveis pela confusão existente. Não faz nenhum bem
à democracia a simplificação de funções de seus diferentes atores. Os políticos
simplificam a democracia quando, no lugar de pensar seus conteúdos e elaborar
programas, se preocupam somente em jogarem acusações entre si. Os meios de
comunicação, insisto, simplificam a política, reduzindo-a a espetáculo e a
escândalo. A política é simplificada ao ser fragmentada pelos partidos. E o cidadão
tem que se sentir cidadão, ou seja, tem que começar a considerar e entender que
não somente é sujeito de direitos, mas também de alguns e fundamentais deveres.
Também não devemos esquecer de que é a democracia que incentiva o
individualismo. Ele realmente nasce com o liberalismo e com as democracias
modernas que, diferentemente das antigas, não se constrói sobre a ideia de uma
comunidade política na qual somente cabem os iguais, mas sobre o reconhecimento
da soberania do indivíduo em uma sociedade cada vez mais diversa e plural. De
fato, ele é uma consequência das igualdades civis e políticas que produzem os
regimes democráticos e pode ser o maior empecilho para que a democracia seja
satisfatória. À medida que as nossas liberdades aumentam, que a vida privada ganha
espaço e o mercado se faz mais competitivo, os indivíduos tendem a se isolar, a
buscar o refúgio de grupos fechados e antagônicos e a defender exclusivamente seus
interesses particulares. As sociedades se atomizam e é impossível agregar os
cidadãos em torno de um interesse comum. Portanto, liberalismo, individualismo e
democracia apresentam-se como ideais abstratos que, verdadeiramente na prática,
deixam muito a desejar.
A democracia termina realmente por ser também um jogo não apenas
baseado em algumas regras de distribuição do poder e de formas de
representatividade; é também um jogo de responsabilidades compartilhadas. E, por
não querer aceitar esse jogo, nas sociedades liberais tem crescido
descontroladamente o poder dos juízes, que se tornaram os únicos árbitros dessa
competição.
Nesse sentido, seguindo a Camps(1998), participar é hoje contribuir à
correção dos vícios e contradições da representação. Vícios derivados de uma
vontade de eficácia mal conhecida ou do desvio para os interesses corporativos dos
próprios partidos. Essa participação “corretiva” pode ser exercida pelo cidadão,
sobretudo, com a crítica, mas também com uma colaboração mais ativa em
associações e organizações que atendam a fins públicos. Temos que ter sempre
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 116
presente a sábia observação de Terêncio (2008, p.324): “o indivíduo realmente
humano é o que considera que nada humano lhe é alheio, o que se sente obrigado
para os outros por deveres de justiça”.
Fica ainda uma questão referida à participação porque ela já toma parte
dos problemas que a democracia carrega. A participação é uma condição da boa
democracia, por definição, mas, por que é desejável? Basta dizer que está implícita
com o conceito de democracia para justificar sua bondade? William Nelson (1980),
que tem feito essa pergunta, dá a seguinte resposta: a participação não é desejável
porque estabelece o governo nem porque produza obrigação política, mas somente
o será caso se produzam leis mais justas. Ele ainda advoga que a participação do
povo somente pode existir na democracia porque pressupõe a existência de estado
de direito propriamente dito. Embora, na democracia, que é a assembleia da
multidão de acordo com o direito de sua própria natureza, o direito é simplesmente a
relação de meu direito natural com o de todos e de todos com o meu.
Com a participação, porém, não significa que produziremos imediatamente
mais justiça. Já dissemos que um dos perigos da democracia é sua incapacidade para
se garantir a justiça dos resultados. Aristóteles (1991, p.213) já disse que “os
partidários da democracia chamam justa à opinião da maioria seja qual for” 8.
“Chamam justa”, mas não é garantida que essa opinião, ainda que proceda da
maioria, tenha que ser necessariamente justa.9 Teoricamente, um bom
procedimento – o procedimento participativo – não deveria produzir resultados
contrários à Constituição de um país, que é o referencial último de suas leis. Um
critério basta para detectar um mal resultado: é aquele que acaba com a própria
democracia, um resultado ditatorial. Ocorreu com o nazismo, que é o exemplo
paradigmático, e é bem possível que de outra forma venha ocorrendo nos dias
atuais. Mas, não precisamos ir tão longe: o procedimento democrático pode dar
lugar – e o faz – a leis que recortam excessivamente as liberdades, que penalizam o
que não deveria ser penalizado, que priorizam o que não necessita ser priorizado e
relegam assuntos que mereceriam mais atenção.
A justiça não é, pois, uma consequência lógica do procedimento
democrático e participativo. A inibição das responsabilidades coletivas tem levado
ao que se chama da “judicialização” da política (e não somente da política, mas da
Medicina, do jornalismo, da docência, e de todas as atividades que, de um modo ou
de outro, podem cair em negligência e prejudicar alguém). Significa abandonar
qualquer reconhecimento de responsabilidade em mãos de juízes. A
responsabilidade jurídica é, sem dúvida, uma forma de responsabilidade, mas não é
a única. Reduzir tudo a ela significa limitar a democracia.
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Há, entretanto, um resultado, talvez o mais positivo, que a democracia
participativa global assegura porque já está implícito nela: a atitude favorável à
política, que não favorece a política elitista mercantilista e profissionalizada, que
somente obtém respostas apáticas e desmoralizadas, porque é uma política que não
mostra sua conexão com o que é de todos. Essa é a política liberal, sem idéias sobre
o público, sem assuntos de interesse comum, que leva a classe política a atuar entre
si e sem controle ideológico, a política da “partidocracia”, como asseverou Bobbio (
2006, p.73 ), com partidos pouco transparentes, comprometidos com escândalos
financeiros, com reduzidas filiações sem qualquer referencial moral para os mais
jovens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A verdadeira democracia, a significação da
democracia, deve ser continuamente exigida; deve
ser continuamente descoberta e redescoberta, refeita e
reorganizada; e as instituições políticas, econômicas e
sociais que hoje se falam; têm que serem refeitas e
reorganizadas para fazer frente às mudanças que têm
lugar no desenvolvimento de novas necessidades e
novos recursos para satisfazer essa necessidades.
John Dewey apud Alan Ryan, 1995, p.115.
As contradições que aparecem no seio da democracia de hoje, a falta de
justiça social chegam, como sempre, pela ambição de poder de alguns privilegiados
– que provocam guerras, conflitos, desordem e fome – e pela indiferença de quem
contempla à distância disputas que, a princípio – crêem eles -, não são de sua
incumbência. Mas, esse pressuposto é falso. Algo de muito verdadeiro dito por Jean
Paul Sartre(1984) é que nossas decisões, por mais privadas que pareçam, afetam a
toda a humanidade, para se chegar ao ser humano que pretendemos ser. Essa é, sem
dúvida, a maior responsabilidade do político, e também a responsabilidade do
cidadão, a fim de sucumbir definitivamente em uma globalização dividida em duas
metades: de excluídos e incluídos, mesmo todos reconhecendo que esses dois lados,
em qualquer tempo e lugar, sempre estiveram, estão e estarão juntos. Se a
globalização se deu por uma democratização tripartida - pela tecnologia, pelas
finanças, e ela informação -, qual a política para a era da globalização? A
sustentável consistindo em duas coisas: uma é um quadro do mundo, para sabermos
onde estamos; e a outra é uma série de políticas protecionistas integracionistas para
abordar o problema, porque, se a perspectiva característica do mundo da Guerra
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 118
Fria, como asseverou Friedman (1999) era a “divisão”, a perspectiva característica
da globalização foi pensada para ser a “integração”.
Nesse sentido, espera-se da democracia contemporânea que corrija o que
tem de selvagem, o liberalismo puro e duro. Espera-se das políticas democráticas a
luta por uma igualdade que tem ficado presa nas mãos do liberalismo. São, desse
modo, essas políticas encaminhadoras as que podem expressar condutas solidárias,
fomentando, ao mesmo tempo, atitudes parecidas nos cidadãos. Uma distribuição do
trabalho solidária que subordine a racionalidade econômica a fins sociais – não
econômicos, mas éticos ou políticos – combater o déficit da sociedade não de forma
local, mas global. Uma política fiscal convincente, bem programada, bem realizada
e bem aproveitada é, sem dúvida, uma política solidária com os menos favorecidos.
Uma política de ajuda internacional aos países menos desenvolvidos – ajudas
técnicas e educativas, não apenas doando caixas de mantimentos, medicamentos e
cobertores, que são próprias de qualquer ajuda humanitária – é a verdadeira
democracia solidária, participativa e cidadã que é devido prosseguir. Como nos
alertou, há quatro décadas atrás, Paul Godman apud Lasch (1969, p.8):
Estamos em uma situação anormal. Sem um programa convincente de
reconstrução social com um desenho coletivo que se corrija através de uma crítica
constante, e que se leve à prática através de uma intensa ação política [...] os jovens
são honestos e vêm os problemas, mas não têm idéia de nada, porque não lhes temos
ensinado nada.
Este é o grande caminho a ser trilhado, única via para começar a eliminar
com seriedade os problemas deixados ainda latentes no primeiro decênio: as
tremendas desigualdades e a insuficiente sensibilidade moral dos governantes e dos
governados.
Notas
[1] Textos utilizados das obras estrangeiras são de tradução própria.
[2].Destacamos sobretudo as contribuições dos catedráticos de Filosofia Moral N.BILBENY
e V.CAMPS CERVERA:grandes mestres e amigos de Barcelona.
[3] Aristóteles, A Política, 1279b .
[4] Ibid. 1280 a.
[5] Idem.
[6] John Rawls, Teoria da Justiça, §14,116, 334.
RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 119
[7] Usamos a edição espanhola de 1999. As referências textuais dos autores que comento nos
próximos três parágrafos ( Appiah, Putnam, Butler, Sen, Taylor, Walzer, Glazer, Gutmann,
Wallerstein, Searle e Himmelfarb ) são as mesmas do livro de Martha Nussbaum. A estudiosa
da política fez questão de inserir na íntegra em seu livro, as objeções desses teóricos à sua
proposta de cidadania.
[8] Aristóteles , A Política, 1275a.
[9] Ibid.1319 a 1320.
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SOBRE O AUTOR
Washington Luiz Martins da Silva
Professor Pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa , Líder do Grupo
de Pesquisa A Polissemia da Ação Humana e Coordenador do Núcleo de Pesquisa
e Professor da Faculdade Anchieta do Recife. Doutor "Suma Cum Laude" em
Filosofia pela Universidade de Barcelona possuindo, pela mesma universidade, Pós-
Doutorado em Filosofia e Empresa, Diploma de Estudos Superiores Especializados,
Estudos Avançados e Suficiência Investigadora em Ética e Política. Também tem
Pós Doutorado na Universidade Autônoma de Barcelona em Filosofia da
Tecnologia, Historiografia das Ciências, Filosofia da Arte Contemporânea, além de
Ética e Política. É Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco,
instituição onde realizou estudos superiores em Matemática, Mestrado e
Especialização em Filosofia. Ademais, nessa instituição ocupou diversos cargos
diretivos como de Pró-reitor, Diretor da Editora Universitária, Diretor das Divisões
Discente, Docente e Currículos e Programas, Chefe do Departamento de Filosofia, e
Coordenador Geral Norte-Nordeste do Programa de Doutorado Interinstitucional de
Filosofia. Possui vários trabalhos publicados distribuídos entre livros, artigos
científicos, textos em magazines, revistas, jornais, prefácios e posfácios. Também,
como pesquisador, além de liderar grupos de pesquisa, orientou dezenas de
monografias, Dissertações/teses no Brasil e no exterior, nas áreas de Filosofia,
Educação e Administração. Ainda nesse campo, foi fundador e editor da Revista
Perspectiva Filosófica, em circulação nacional há mais de 20 anos. É Bacharel e
Especialista em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, onde também
lecionou Filosofia, Cibernética e Metodologia Científica. Atua como docente,
conferencista e consultor nas áreas de Filosofia Teórica e Prática, Educação,
Administração, Ciência e Tecnologia, Bioética e Ética no mundo das empresas e dos
negócios.
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Faculdade Anchieta do Recife – FAR, tendo como missão fomentar a produção e a
disseminação do conhecimento científico em Filosofia, Sociologia, Pedagogia,
Administração e Ciências Contábeis. A revista oferece artigos científicos,
examinando questões multidisciplinares com profundidade e senso crítico, trazendo
uma visão pragmática e científica dos seus conteúdos. A RIFA aceita artigos de
autores nacionais ou do exterior referentes a questões nacionais ou internacionais,
escritos em português, inglês ou espanhol.
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Editorial
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artigo) para apoiar sua decisão. Nesse processo, os editores se certificarão de que o
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artigos aprovados são apresentados e recomendados para publicação ao Editor pelo
membro do Comitê Científico.
As atividades do processo editorial se pautam pelos seguintes critérios
utilizados para avaliação dos artigos são os seguintes:
TÍTULO
Título reflete com precisão o que se pretendeu com o artigo
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INTRODUÇÃO
Possui o enunciado do problema de pesquisa
Apresenta as justificativas para a realização do estudo
Relata pesquisas anteriores relevantes que permitiram a contextualização
do estudo
Apresenta diferenças em relação aos outros estudos já publicados
Deixa claro o que está sendo respondido (objetivo)
Promove avanços do conhecimento sobre o que está sendo estudado
No caso de estudo empírico, apresenta as proposições ou hipóteses que
estão sendo criadas, redefinidas ou acrescentadas
Apresenta claramente o design de pesquisa, no caso de pesquisa empírica
Apresenta argumentos que destacam as razões da relevância do estudo
Aponta claramente o que é conhecido e o que não é conhecido
O tema é atual, envolve criatividade e ineditismo na abordagem
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Reflete o estado da arte do que está sendo investigado
Proporciona suporte convincente para o conhecimento científico relativo ao
tema abordado
Apresenta relações causais lógicas ou empíricas ao se estabelecer
proposições ou hipóteses
A revisão da literatura deixa explícita quais foram as bases utilizadas
A revisão da literatura inclui estudos com no máximo 5 anos de defasagem
em relação à data da submissão
Identifica-se no estudo uma “conversa” crítica entre os autores citados
Se o estudo é um ensaio teórico, há uma tese formulada no seu início
Os argumentos utilizados no ensaio teórico suportam a tese inicial
O ensaio teórico traz contribuição científica relevante MÉTODO –
ANÁLISE
Descrição clara do método – abrangente, objetivo
Método adequado ao problema de pesquisa
Análise adequada ao método
Análise realizada com profundidade DISCUSSÃO – CONCLUSÃO
Os achados questionam os achados de outros estudos
Os resultados possuem conexão direta com o que foi exposto na Introdução
A discussão mostra argumentos convincentes do avanço alcançado na área
de conhecimento estudada
As conclusões consideram que o efeito do tempo é um fator de alteração
dos resultados. Isto é, os resultados têm validade futura
A conclusão reafirma a importância do estudo e é convincente na
justificação do preenchimento da lacuna identificada
Não apresenta resultados empíricos ou lógicos desconectados dos objetivos
LIMITAÇÕES – ESTUDOS FUTUROS
O estudo deixa explícitas quais foram as limitações
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O estudo apresenta considerações sobre estudos futuros.
PERIODICIDADE
A partir de 2017 RIFA terá periodicidade semestral.
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