Post on 02-Aug-2015
ESTUDOS DE COMPLEMENTAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS
DA PCH PARANATINGA II PARA AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE,
UBAWAWE E PARQUE INDÍGENA DO XINGU
EMPREENDEDOR
PARANATINGA ENERGIA S/A
Av. Historiador Rubens de Mendonça n. 2000, Sala 1209
Edif. Centro Empresarial Cuiabá, Bosque da Saúde
Cuiabá / Mato Grosso. Cep 78.050-000. Fone (65) 2121-4400
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EXECUÇÃO
DOCUMENTO Antropologia e Arqueologia SS Ltda
Rua Alcides Mendes de Barros n. 116, Jardim Leopoldina, Carapicuíba /SP.
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Responsável: L.D. Dra. Erika Marion Robrahn-González
2
INDICE
1. ANTROPOLOGIA E PATRIMÔNIO CULTURAL COM ENFOQUE
TRANSDISCIPLINAR 6
1.1 CONCEPÇÃO TEÓRICA DO PROGRAMA: DAS ABORDAGENS
TRANSDISCIPLINARES EM ANTROPOLOGIA 6
1.2 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO E O USO DO ENFOQUE DA
ANTROPOLOGIA DA PAISAGEM 10
1.3 TERRAS INDÍGENAS E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL 14
2. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS 16
2.1 CONCEITUAÇÃO GERAL 16
2.2 PRODEDIMENTOS DE CAMPO NA PESQUISA DIAGNÓSTICA 24
3. OBJETIVOS DO PROGRAMA 26
4. LEGISLAÇÃO INTERVENIENTE 28
5. A ÁREA DE PESQUISA E COMUNIDADES ENVOLVIDAS 32
6. ESTUDOS JUNTO À COMUNIDADE XAVANTE (TI PARABUBURE E
UBAWAWE) 37
6.1 APRESENTAÇÃO 37
6.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
POVOS XAVANTE 43
6.3 AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE E UBAWAWE 45
6.3.1 Localização e situação fundiária da TI Parabubure 45
6.3.2 Localização e situação fundiária da TI Ubawawe 49
6.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DAS TERRAS INDÍGENAS 51
6.4.1 Aspectos regionais 53
6.4.2 Caracterização das TIs Parabubure e Ubawawe 78
6.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DO GRUPO INDÍGENA
XAVANTE, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS
HÍDRICOS E VEGETAÇÃO/FAUNA RELACIONADOS 95
3
6.5.1 A territorialidade Xavante 95
6.5.2 Caracterização do uso dos recursos naturais 100
6.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DO
GRUPO INDÍGENA COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE 112
6.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE 115
6.8 ANÁLISE DE IMPACTOS 117
6.9 PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/COMPENSATÓRIAS 122
6.9.1 Medidas mitigadoras 122
6.9.2 Medidas Compensatórias 123
7. ESTUDOS JUNTO AOS POVOS DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU 128
7.1 APRESENTAÇÃO 128
7.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
GRUPOS INDÍGENAS 140
7.2.1 Caracterização lingüística 140
7.2.2 Caracterização histórica e cultural 144
7.3 O PARQUE INDÍGENA DO XINGU 214
7.3.1 Histórico do Parque 214
7.3.2 Legislação Fundiária 216
7.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DO PIX 221
7.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DOS GRUPOS INDÍGENAS
DO PIX, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS
HÍDRICOS E VEGETAÇÃO / FAUNA RELACIONADOS 226
7.5.1 Coleta e manejo da vegetação nativa 229
7.5.2 Agricultura 238
7.5.3 A pesca e a caça 250
7.5.4 Calendário econômico-ecológico 274
7.5.5 O manejo informal dos recursos faunísticos 279
7.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DOS
GRUPOS INDÍGENAS COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE 288
7.6.1 Organizações Indígenas 288
7.6.2 Educação 290
7.6.3 Turismo Étnico 293
4
7.6.4 Relações com a sociedade envolvente: o problema da
degradação nas cabeceiras dos formadores do Xingu 298
7.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE 304
7.8 ANÁLISE DE IMPACTOS 308
7.9 INDICAÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS 325
7.9.1 Considerações iniciais 325
7.9.2 Medidas Preventivas / Mitigadoras 327
7.9.3 Medidas Compensatórias 330
8. BIBLIOGRAFIA 337
9. EQUIPE TÉCNICA 346
ANEXOS: 349
ANEXO 1 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI PARABUBURE 350
ANEXO 2 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI UBAWAWE 352
ANEXO 3 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU 354
ANEXO 4 – ANIMAIS SILVESTRES MENCIONADOS PELOS ÍNDIOS DO PIX,
COM BREVE DESCRIÇÃO DE SUA UTILIDADE 356
ANEXO 5 – PLANTAS NATIVAS ÚTEIS MENCIONADAS PELOS ÍNDIOS DO
PIX, COM BREVE DESCRIÇÃO DE SUA UTILIDADE 360
ANEXO 6 – COORDENADAS GEOGRÁFICAS COLETADAS EM ALDEIAS,
ROÇAS, CAPOEIRAS, ÁREAS DE CAÇA E PESCA, SÍTIOS
ARQUEOLÓGICOS E OUTRAS LOCALIDADES NO PIX. 361
ANEXO 7– ATA DAS REUNIÃO REALIZADAS JUNTO ÀS COMUNIDADES
INDÍGENAS DO PIX 369
ANEXO 8 – SIGLAS UTILIZADAS NO PRESENTE ESTUDO 396
5
1. ANTROPOLOGIA E PATRIMÔNIO CULTURAL COM
ENFOQUE TRANSDISCIPLINAR
1.1 CONCEPÇÃO TEÓRICA DO PROGRAMA: DAS ABORDAGENS
TRANSDISCIPLINARES EM ANTROPOLOGIA
Atualmente os antropólogos têm questionado a plausibilidade e a utilidade de
uma antropologia dos mundos contemporâneos (Augé, 1998; García Canclini,
2000). Não se trata só de uma preocupação da Antropologia, mas, também, de
uma conjunção de fatos apontando para a construção de um objeto de estudo
cada vez mais complexo, ora pelos processos de imbricação entre as distintas
ciências sociais (que permite romper as fronteiras analíticas da especificação
disciplinar), ora pela influência política direta que os estudos em ciências
sociais vão adquirindo em nossas sociedades. Vale dizer que vamos exigindo
uma renovação e uma nova ponderação do espaço teórico-metodológico que
tem cruzado com a antropologia clássica (dos mundos exóticos constituídos
num exercício de alteridade profunda e por uma localização territorial fixa e
isolada), à luz do que devemos esclarecer sobre os nós que temos percorrido
no presente.
Como estímulo inicial à existência de uma renovação disciplinar surge o
problema a dimensionar, a saber, o de como a antropologia - com seus novos
projetos de analisar e perceber a realidade - pode assumir-se na prática de um
encontro de enfoques transdisciplinares (Friedman, 2001; King, 1991; Cardoso
de Oliveira, 1998; Boccara, 1999A; Viveros de Castro, 2002). Neste sentido,
para a prática antropológica já não cabe conceber uma abordagem etnográfica
com a única pretensão de abarcar um problema de pesquisa, num grupo
específico fixo, sem relacionar os esquemas locais, regionais e mundiais que
6
confluem “no campo” (Ortiz, 2004b). Para alcançar este objetivo é necessário,
também, um novo tipo de profissional, capaz de compreender dinâmicas
integrais dos processos que estuda, e capaz, ademais, de integrar o trabalho
transdisciplinar como parte de seus fundamentos centrais para o planejamento
e execução de projetos específicos de pesquisa.
Neste ponto, o grande problema teórico surge quando são aplicadas visões
descontextualizantes, localizantes e essencializantes sobre os fenômenos de
estudo, o que tem gerado a partir de uma longa série de trabalhos, que vão
desde o particularismo histórico boasiano até os atuais enfoques pós-
estruturalistas e pós-modernos em Antropologia1.
Não obstante, os processos de mudança e transformação cultural, junto
com os espectros diversos desde os quais esses processos são gestados,
obriga a pensar uma relação estrutural, ao mesmo tempo em que conjuntural,
na qual se possam gerar descrições consistentes sobre processos particulares,
que do mesmo modo contribuam com visões interpretativas dispostas para a
construção de teorias regionais. Esta “estrutura da conjuntura”, ou a síntese
situacional entre a estrutura e o acontecimento, é uma realização prática das
categorias culturais num contexto histórico específico, tal como se expressa na
ação interessada dos agentes históricos, desenvolvendo-se em cada uma das
particularidades (Sahlins, 1997; Le Goff, 1991). Ao ocorrer isto, as sociedades
vão criando processos de construção de identidade cultural, o qual
desemboca ao mesmo tempo numa cristalização daqueles processos na
1Muitas destas críticas estão expostas nos trabalhos de Boccara, 1999a; Friedman, 2001; Larraín, 2001; King, 1991; Saavedra, 2002, 2004. A respeito do grande problema teórico insurgente da aplicação dos modelos do particularismo histórico boasiano, pós-estruturalistas e pós-modernistas em antropologia, Boccara nos diz: ... quiçá seja importante insistir na idéia de que a “pureza original” apenas exista na imaginação de quem assim a concebeu, como por exemplo, nas utopias de certos nostálgicos do exotismo... [e que] o cientista social não deveria deixar-se obstruir pelas concepções “naturalizantes” ou “arcaizantes” da sociedade e da cultura. (Boccara, 1999b:32, traduçao livre do espanhol).Conseqüentemente, já que grande parte destas concepções foram e são consignadas pelas etnografias sul-americanas para a construção do panorama geral das relações inter-étnicas, a partir de registros sucintos e objetos de estudo isolados (Viveros de Casto, 2002), temos uma tarefa adicional, qual seja, corrigir e completar os quadros e visões gerais de análises etnográficas mais complexas a partir de trabalhos integradores tanto teórica como metodologicamente. Isto comprometerá os pesquisadores em adquirir ferramentas inéditas, capazes de abordar a mobilidade e as transformações das sociedades e culturas a partir de relações inter-étnicas e inter-sociais (Cashmore, 1996).
7
história. Sem entender que as estruturas são componentes determinantes das
sociedades ao mesmo nível que os acontecimentos, poderíamos perguntar:
como se elaboram, na práxis, as categorias culturais? Neste ponto o aporte de
Sahlins é significativo. A “estrutura da conjuntura” permite indagar sobre os
processos sociais de uma forma muito mais elaborada e complexa, com os
procedentes desafios metodológicos e técnicos que esta questão requer
(Sahlins, 1997: 14-16)2. Com objetos de estudo mais dinâmicos é possível
planejar pesquisas mais integradoras e visões teóricas mais complexas.
A relevância dos estudos onde ficam envolvidos processos de conflitos
interétnicos, e que implicam compreender complexas intervenções sociais,
deve levar à definição de corpos teóricos que possam oferecer pontos de
sinergia para a posterior elaboração de uma metodologia transdisciplinar. Os
grupos humanos manejam uma ambigüidade estrutural para construir suas
identidades, suas economias e seus processos de transformação política,
porque nela descansam grande parte das expectativas por assegurar sua
sobrevivência e transcendência. A concepção e uso dos espaços materiais, em
relação às dinâmicas ou práticas culturais que dão forma e conteúdo ao dito
2 Anteriormente a este ponto de vista, reinava a concepção estruturalista dos processos históricos. Os aportes metodológicos são inegáveis. Não obstante, a etnologia concentrava-se imponderavelmente nas revelações sincrônicas da realidade, fazendo perdurar certas premissas que até hoje são imperativos inconscientes dos estudos antropológicos. O mesmo Levi-Strauss, no Pensamento Selvagem, referia: “O etnólogo respeita a história, mas não lhe concede um valor privilegiado. A concebe como uma busca complementar à sua: a uma lança o leque das sociedades humanas no tempo, à outra no espaço... esta relação simétrica entre etnologia e história parece ser rechaçada por filósofos que não crêem, implícita e explicitamente, que o destacamento no espaço e a sucessão no tempo ofereçam perspectivas equivalentes... a diversidade das formas sociais que a etnologia capta destacadas no espaço oferece o aspecto de um sistema descontínuo; dessa forma imaginamos que, graças à dimensão temporal, a história nos restitui não estados separados, mas, sim, de um estado ao outro em uma forma contínua” (371). E prossegue: “A característica do pensamento selvagem é ser atemporal; quer capte o mundo como totalidade diacrônica e sincrônica, e o conhecimento que se toma pareça àquele que oferece, de uma habitação, espelhos fixados em muros opostos que se refletem um ao outro... assim, o pensamento selvagem constrói edifícios mentais que lhe facilitam a compreensão do mundo, por quanto se parecem, neste sentido, definir como pensamento analógico... mas nesse sentido, também, distingue-se do pensamento domesticado, do que o conhecimento histórico constitui um aspecto... (381) mas, para que a práxis possa ser vivida como pensamento, é necessário primeiro (num sentido lógico e não histórico) que o pensamento exista: vale dizer, que suas condições iniciais estejam dadas na forma de uma estrutura objetiva do psiquismo e do cérebro que, na falta desse último, não haveria práxis nem pensamento” (382).
8
território, são as manifestações básicas da construção de qualquer identidade
(ver Hernández; 2003: 45).
Por identidade cultural – dentro desta perspectiva – compreendemos aquele
processo configurativo de práticas e manifestações culturais, presentes nos
grupos humanos que procuram uma cristalização de transcendência ligada à
sua permanência e reprodução. Não obstante, acreditamos que nunca se
alcança um grau real de cristalização e in-mobilidade histórica, e que também
não existe um início fundador (ou mito de origem real e objetivo das culturas).
As etnogêneses, nesse sentido, são sempre procedimentos construtivos,
apesar de que nas mentes dos indivíduos a representação daqueles processos
seja sempre mais estática e microscópica. Em conseqüência, o sistema de
identidades sociais, ao trabalhar indistintamente nas estruturas sociais e no
individuo, vai forjando um novo questionamento. Ao assumir que as identidades
são um processo constante de construção, presentes em um sistema, devemos
também admitir que são um fenômeno subjetivo, inter-subjetvo e, às vezes,
objetivo (Saavedra, 2002; Ortiz, 2004b). Dessa forma, poderemos afirmar uma
negativa teórico-metodológica de reduzir o trabalho antropológico a uma mera
tarefa de testificar e traduzir as realidades sócio-culturais estudadas.
9
1.2 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO E O USO DO ENFOQUE DA
ANTROPOLOGIA DA PAISAGEM
Faz parte do objeto de estudo do presente trabalho conhecer os processos de
interação, apropriação e significação dos habitantes das TIs Parabubure,
Ubawawe e Parque Indígena do Xingu dentro de sua diversidade cultural,
assim como de seu entorno biótico, paisagístico e simbólico. Para que ele seja
bem definido, cabe-nos compreender a interpretação que esses grupos têm do
meio, assim como definir as estratégias diferenciadas e compartilhadas de
apropriação ambiental e, finalmente, relacionar tais aspectos com processos
etnopolíticos, territoriais e econômicos contingentes na área.
Aproximando-nos do nosso “objeto de estudo” surge a necessidade de definir
alguns marcos de apoio, úteis para o inicio do diálogo teórico. Enfrentando este
desafio e observando os atuais enfoques transdisciplinares para estudos de
contingência, surge-nos um conceito possível de abarcar nossas necessidades
específicas referentes à área de estudo. Tal conceito desenvolve-se a partir do
uso de uma Antropologia da Paisagem, plausível de integrar tópicos de estudos
ligados à ecologia (ou à etnoecologia), à interação das sociedades com os
espaços territoriais (etnopolítica e territorialidade), às configurações simbólicas
dos atores sobre seu entorno material e imaterial e, sobretudo, aos processos
de apropriação da paisagem num sentido holístico e histórico, integrando tanto
as estruturas sociais como culturais dos atores envolvidos.
Estudos de cunho antropológico na Amazônia têm contado com a ecologia
como ferramenta desde as décadas de 1960 e 70, com discussões
relacionadas tanto à densidade da ocupação na região, assim como ao grau de
influência que pode manter sobre os atuais grupos indígenas regionais.
10
Um tema corrente no pensamento ecológico sul-americano é o da relação entre
nível de complexidade sócio-cultural e oferta de alimentos, em determinado
ambiente natural. Steward & Faron (1959) levam essa discussão ao extremo ao
abordarem "a integração sócio-cultural no nível familiar". Os principais
ingredientes dessa fórmula de subsistência são: população reduzida,
tecnologia de caça e de coleta, ambiente natural com uma oferta de alimentos
relativamente baixa. Carneiro (1968) chama a atenção para a importância do
crescimento da população em uma área geograficamente ilimitada a qual,
independentemente da fertilidade do solo, gera níveis cada vez mais elevados
de complexidade sócio-cultural. (De Cerqueira, 19793).
Embora os palcos sejam atualmente mais complexos, ora pelas transições
econômicas dos países de América Latina, ora pela crescente crise ambiental
sofrida pelos mesmos, não deixam se ser interessantes as propostas para
acercar-nos à compreensão dos atuais processos da sociedade xinguana,
tanto para se adaptar, como para se desenvolver, num palco cada vez mais
agressivo quanto às relações interétnicas presentes na área4.
Consequentemente, a compreensão deste fenômeno por parte dos
pesquisadores sul-americanos promove a formação de consistentes
conhecimentos sobre as formas de vida e apropriação da paisagem, em
condições que necessariamente levam – tal como propõe Alvarado (2003) – ao
tema da identidade. Esta busca supõe um retorno (analítico e metodológico)
para a relação entre homem e natureza, já que os povos chamados “primitivos”
sofrem uma acelerada transformação (Alvarado, 2003). Os princípios de
organização social e sua relação com o meio ambiente serão discutidos, tendo
em vista a formulação de uma nova base de comparação das povoações
indígenas sul-americanas.
3 Este artigo, publicado em Current Anthropology em Setembro de 1979, passou a representar uma importante referência aos estudos sobre ecologia e índios sul-americanos. Posteriormente foi publicado em português por Darcy Ribeiro, com tradução de Berta Ribeiro. Esta versão digital consta na internet em http://www.jstor.org/view/00113204/dm991424/99p0380p/0 (versão em Inglês) e http://www.georgezarur.com.br/pagina.php/97 (versão em português), obtida em janeiro de 2006.4 Referimo-nos basicamente à agressividade das “agências”, formais e informais, da sociedade brasileira e suas intervenções (científicas, econômicas, culturais, religiosas, políticas, etc.) que atuam crescentemente no interior do PIX.
11
É aqui onde os dualismos epistemológicos ficam fora de ação. Em mãos com
a cultura, os espaços territoriais se expressam tanto em significados
(representação do espaço) como em usos de espaços reais (condutas), onde,
do mesmo modo, configuram-se as transformações e cristalizações históricas.
Com respeito às sociedades tribais e de chefaturas simples, envolvidas em
torno de um âmbito de congregação direta, o espaço não só significa um
pertence restringido, senão, também, o uso de outros espaços territoriais de
alianças, ou bem, projeções de espaços míticos.
Neste espaço territorial se forjam sistemas de identidades sociais, referindo-
nos a que cada ator (individual ou coletivo) porta uma grande quantidade de
identidades simultâneas referidas a diferentes tipos de fenômenos. É dessa
forma que as culturas, as etnias, os gêneros, as nacionalidades, o status
familiar, a situação socioeconômica, etc. podem confluir num só ator, que
assume suas respectivas identidades ao mesmo tempo, e neste caso, no
marco de seu próprio território5.
Ante esse contexto, a noção de etnia, ou grupo étnico, deve re-conceitualizar-
se (Barth, 1976; Abramoff, 2001; Bonfil, 1992), já que, a partir da proliferação
dos conflitos de considerações étnicas, e partindo do pressuposto de que uma
etnia se reinventa e se redefine como um recurso dos atores sociais para lograr
estrategicamente certos interesses, os processos territoriais adquirem um
formato de luta política pelo território frente à opressão da sociedade
dominante. Nesse sentido, a etnicidade é parte integral da organização social,
e os fatores que distinguem os grupos étnicos de outros grupos geralmente se
conformam a partir de estratégias de contingência; por exemplo, a identidade
étnica aparece só quando os grupos sentem-se ameaçados pela perda de
alguns dos benefícios já adquiridos ou por aspirar a outros privilégios. É
5 Para Todorov é impossível conceber um “eu” relegado de um “outro”. Isso é o que converte à concepção unívoca do individuo em uma contradição interessante de considerar nos estudos aplicados ao contato; diz-nos “yo es otro... pero los otros también son yos: sujetos como yo, que sólo mi punto de vista, para el cual todos están allí y sólo yo estoy aquí, separa y distingue verdaderamente de mí” (p. 13); isso se justapõe também ao plano do nós/outros que tão complexamente vaticina a Antropologia. Para a questão das múltiplas identidades na era pós-moderna e suas possibilidades interpretativas, ver as análises de Zygmund Bauman (2005), em Identidades.
12
conseqüente, e até esperado, então, compreender uma inter-relação direta
entre as expressões étnicas da identidade junto às expressões de classe (6) (7),
e não só especular sobre as intenções de busca de autonomia e
autodeterminação que teriam as populações indígenas (Ortiz, 2004a).
Enfim, o interesse por interagir teoricamente com propostas inovadoras deve
levar necessariamente a contribuir para uma teoria regional sobre os processos
territoriais e culturais fornecidos a partir de conflitos de considerações étnicas.
Para isso, precisaremos de maiores recursos integradores desde a etnografia,
a etnohistória, a etnoecologia, e obviamente a etnologia, para assim desafiar
nossas próprias limitações à hora de construir nossos objetos de estudo e
intervir cientificamente nas realidades que estudamos.
6 Para uma excelente revisão entre a relação entre etnia e classe, ver Sánchez; 19877 Muitos autores propõem que a “questão étnica” não pode separar-se de sua relação com os Estados nacionais (Díaz-Polanco, 1991; Sánchez, 1987; Esteva Fabregat, 1984, entre outros).
13
1.3 TERRAS INDÍGENAS E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL
Compreender sistemas de manejo de recursos naturais envolve
necessariamente uma abordagem transdisciplinar. Elementos ecológicos, como
a capacidade de suporte do ambiente, sazonalidade e distribuição dos recursos
sobre uso são tão fundamentais quanto aspectos de ordem sociocultural, como
regimes de propriedade e regras locais de manejo (Berkes 1989, Ostrom 1993,
McCay 1993). A perda do conhecimento tradicional, que segundo essa lógica
ameaça a sustentabilidade dos sistemas sócioecológicos, é por Berkes et al.
(1993) atribuída às inovações tecnológicas, a pressões devido ao crescimento
populacional, à quebra dos sistemas tradicionais sociais, à perda do controle
das populações locais sobre áreas e recursos e a mudanças de visão
resultantes da urbanização.
Barragens têm causado impactos graves sobre povos indígenas em todo o
mundo, interferindo na vida, subsistência, cultura e existência espiritual. Fortes
desigualdades e dissonâncias culturais, racismo institucional, discriminação
social e marginalização política. Além disso, via de regra, as comunidades
indígenas são excluídas dos benefícios (Colchester 2000).
Na Amazônia, onde as terras indígenas superam em muito as Unidades de
Conservação em termos de área de abrangência, os povos indígenas
exerceram um papel histórico primordial na proteção da floresta. Vários
estudos neste bioma mostram, através de análises de imagens de satélite em
séries temporais e por sensoriamento remoto, que as Terras Indígenas agem
como barreiras contra o desmatamento, que avança ao redor das mesmas
(vide Nepstad et al 2005, entre outros).
As Terras Indígenas brasileiras são elementos-chave para a conservação dos
distintos biomas encontrados no Brasil, e de ecossistemas íntegros,
desempenhando serviços ambientais essenciais, principalmente pela
dificuldade de implantação, na prática, de uma estrutura eficiente de
14
fiscalização num país de dimensões continentais, como o Brasil. Como
resultado, hoje cerca de 85% das Unidades de Conservação brasileiras não
estão implantadas efetivamente.
Diversos autores concordam que, de fato, as terras indígenas na região
neotropical funcionam como importantes unidades de conservação (Redford
and Stearman 1993, Peres 1994, Peres e Terborgh 1995, Diegues 2000,
Zimmerman 2001). Silvius (2004) argumenta que reservas tradicionais podem
funcionar tão bem ou melhor que reservas estabelecidas simplesmente por
motivos ecológicos, pois as comunidades envolvidas de fato respeitam seus
limites. Por exemplo, o manejo de queixadas envolve necessariamente a
manutenção de grandes extensões de áreas conservadas, florestais ou não,
que garantam abrigo e alimento para bandos grandes em constante
deslocamento. No caso dos Xavante da Reserva Rio das Mortes, também o
papel tradicional do Xamã vai fortalecer a importância dada ao conhecimento
etnoecológico e aos sistemas tradicionais de manejo.
A importância das terras indígenas é ainda maior pela pequena
representatividade, tanto qualitativa quanto quantitativa, do nosso atual Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei número 9.985, de 18 em julho
de 2002). Vale salientar que justamente o norte do Mato Grosso é região de
transição entre a floresta da terra firme e o planalto central, conhecida no meio
científico e na mídia como “arco do desmatamento”, e que tem sido um dos
principais focos de remoção da cobertura vegetal original nas últimas décadas.
As terras indígenas brasileiras já legalizadas totalizam mais de 110 milhões de
hectares de áreas de valor potencial para a conservação da biodiversidade. No
caso da bacia do Xingu, especificamente, diversas espécies consideradas
ameaçadas, como a onça pintada, a ariranha, o queixada, o tatu canastra, além
de inúmeras outras espécies, ocorrem na área, e estão, no caso do Parque
Indígena do Xingu, livres de pressão de caça por conta de tabus culturais,
como será detalhado mais adiante.
15
2. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
2.1 CONCEITUAÇÃO GERAL
Em atendimento, por um lado, às solicitações feitas pelas comunidades
indígenas envolvidas, pelo Termo de Referência emitido pela FUNAI8 e pelos
órgãos públicos; e, por outro lado, considerando as especificidades científicas
apresentadas, este Programa está baseado em 3 frentes de atuação, a saber:
estudos antropológicos (caracterização das terras indígenas em
seus aspectos históricos, legais, ambientais, etnológicos, etnopolíticos e
socioeconômicos);
estudos ecológicos referentes aos recursos ambientais existentes
nas Terras Indígenas abordadas, com especial atenção para os recursos
hídricos. Estes estudos envolvem não apenas uma caracterização
física do ambiente de recursos disponíveis, mas, também, os aspectos
culturais de uso e classificação destes recursos (estudos etnoictiológicos
e etnotaxonômicos).
Embora cada uma dessas frentes de atuação possua procedimentos e
metodologias específicas, são tratadas de forma integrada e interdisciplinar,
uma vez que têm o mesmo objetivo comum9.
Neste sentido, a base metodológica do projeto se sustenta na pesquisa
diagnóstica, a saber, uma estratégia de pesquisa apta e adequada para a
8 Uma listagem das siglas utilizadas no presente relatório e seus significados pode ser encontrada no Anexo 9.9 Confrontar: Robrahn-González, E.M. 2005, “Projeto executivo do Programa Diagnóstico Antropológico e Patrimônio Cultural, Paranatinga II, Estado de Mato Grosso”.
16
abordagem de problemáticas onde ficam envolvidas intervenções sociais,
expostas como “ações para o desenvolvimento”, as quais, ao mesmo tempo,
são parte de um fenômeno de intervenção sócio-política tendente a lograr
certos fins, sustentados na configuração de um, ou vários, atores sociais
determinados. A utilização da pesquisa diagnóstica deve oferecer uma
estratégia metodológica integrada para construir as bases da coleta, análise e
interpretação dos dados primários e secundários, tendo como referência
algumas questões teórico-metodológicas abaixo detalhadas.
Quando falamos de pesquisa diagnóstica nos referimos a uma “Estratégia
Metodológica” e não a uma “Metodologia”. A diferença é crucial. A estratégia
contém a possibilidade epistemológica, como técnica, de fornecer uma
variabilidade de visões teóricas, padrões de enfoque, delimitações de objeto de
estudo, etc., a partir de um trabalho interdisciplinar. A pesquisa diagnóstica,
como estratégia metodológica, também fornece diferentes planos de indagação
quanto aos alcances das investigações planejadas. É dizer, permite aproximar-
se à construção de um objeto de estudo mais complexo, na medida em que os
pesquisadores são capazes de identificar, nas diferentes intervenções sociais
que estão configurando, a problemática determinada. Dentro desta estratégia
de pesquisa há que se considerar questões que têm relação com os processos
diacrônicos de transformação, as relações de poder imbricadas nas distintas
intervenções sociais, bem como as conseqüentes repercussões sócio-culturais
daqueles processos (Wolf, 1987).
Então, o que estamos entendendo por intervenção social? A resposta a esta
pergunta é fundamental, porque é aquela que demanda a especificidade da
proposta metodológica deste Programa. Uma intervenção social é uma
interação de transformação material e imaterial que realizam certos atores
sociais, que procuram certos fins gerais e específicos através de certos
meios, em determinadas condições ou contextos. Esta é uma proposta da
sociologia funcionalista mertoniana (Merton 1957, 2003) que é de muita
utilidade nos estudos que requerem uma análise mais detalhada sobre
processos conflitivos contingentes, surgidos de uma luta de interesses.
17
Os atores sociais sempre são complexos de determinar. Regularmente, têm
processos de configuração sócio-cultural que implicam desenvolvimentos de
identidade, território, economias, tradições, etc. Muitas vezes, os propósitos
dos pesquisadores fazem parte destes sujeitos sociais, o qual deve ficar muito
claro, e, além disso, deve ser exposto para manter a integridade científica do
projeto quanto à busca pelo conhecimento o mais válido, confiável e exato
possível. Os atores sociais também têm interesses diversos. Em outras
palavras, são conjuntos complexos de indivíduos que se desenvolvem
conjuntamente em diferentes graus de compromisso para o logro de certos fins.
Dentro dos atores sociais também há relações assimétricas de poder,
processos de negociação e estandardizações de certas imagens de identidade.
Em nossa contingência de análise, os atores envolvidos são principalmente
grupos indígenas (das TIs Parabubure e Ubawawe e do PIX), empreendedores
do projeto da PCH Paranatinga II e organismos oficiais (estatais) de
fiscalização e autorização. De fato, os atores sociais identificados neste
esquema são os mesmos que em tantos processos sociais na América Latina
se apresentam. Todavia, não é suficiente admitir somente esta relação
tautológica, senão, também identificar a complexidade interna destes atores
intervenientes no processo estudado.
Os fins que procuram os atores sociais são tão complexos como a
configuração dos mesmos atores. Existem fins explícitos e de curto alcance,
assim como fins implícitos e de longo alcance. Os primeiros, fins explícitos,
geralmente são simples de identificar, e ficam expressos nas declarações dos
atores a respeito do conflito particular. Mas os segundos, fins implícitos, muitas
vezes respondem a questões mais emaranhadas relacionadas com ideologias,
cosmologias, e cosmogonias dos atores envolvidos. Neste sentido, o
pesquisador que realiza uma indagação diagnóstica deve identificar aqueles
fins primários, práticos e estratégicos (que ao mesmo tempo são “fins de médio
alcance”), e reconhecer aqueles fins plasmados nas expectativas e esperanças
últimas, aquelas relacionadas com os fundamentos ideológicos do sujeito
social. Os “fins” também têm características sobre as bases de poder que
18
sustentam o sujeito envolvido. Neste sentido, os fins podem ser “reformistas”,
“revolucionários”, “empreendedores”, “alienadores”, “secularizadores”, etc.
Os meios utilizados pelos atores sociais para lograr seus fins sempre serão
conseqüentes aos seus requerimentos. O dito “o fim justifica os meios” se faz
fundamental neste esquema. Se os fins são secularizadores, os meios estarão
ligados à utilização da doxa política do contexto social onde se planeja a
intervenção social. Se o fim, por outro lado, é revolucionário, os meios serão
também revolucionários, provavelmente vanguardistas e desestruturadores.
Talvez o esquema mertoniano fique diminuído enquanto se considerar as
“condições” ou “contextos” onde as intervenções sociais são desenvolvidas.
Este é um processo fundamental. Tanto a qualidade como as repercussões da
intervenção estarão restritas aos contextos de ação. Neste sentido, requer-se
um panorama etnográfico profundo, conjuntamente com uma exaustiva revisão
de fontes. Nos contextos devem identificar-se as condições políticas,
econômicas, ideológicas e culturais que definem os atores, os fins e os meios
utilizados.
Neste estado das coisas, converge o mais difícil de identificar, a saber: que os
processos sociais conformam-se a partir de uma série indefinida de
intervenções sociais, muitas vezes contrapostas, e sempre multi-direcionais, o
que vai definindo a particularidade da construção histórica. Podemos dizer,
assim, que a historia é um processo intrincado de transformação e cristalização
de acontecimentos (“estruturas da conjuntura”, como diria Sahlins10) e de
intervenções sociais diversas, competindo por estabelecer transformação e
perduração dos atores sociais (conforme demonstra o esquema abaixo).
10 Salhins, 1997. Esta não é uma historia das particularidades. Sahlins não se refere a uma história moldada na ortodoxia da sucessão de feitos não-repetíveis. O autor diz: “as questões históricas não são tão exóticas”. As mudanças culturais já tipificadas são repetidas no tempo. Já Wolf fala que as “sociedades primitivas” não estiveram tão isoladas quanto pensa a antropologia do princípio do século XX. Daí que a abordagem de Sahlins na história é pensando-a como uma só forma geral: “tanto no seio da sociedade dada, como na inter-relação de distintas sociedades” (pág. 9-11)..
19
Também fundamentamos que as intervenções sociais estão teoricamente
definidas como “ações para o desenvolvimento”, o que necessita de outras
justificativas teóricas que não aquelas apresentadas explicitamente. Podemos
analisar com acuidade as bases teóricas do “desenvolvimento” através das
propostas críticas das atuais teorias sobre esse tema, vigentes e hegemônicas
na América Latina, carregadas de conteúdos pós-modernos, muitas vezes
desadaptados à nossa realidade regional (Teoria da Dependência11, Teorias de
Desenvolvimento Sustentável12, etc.). Nossa proposta é mais coerente com a
indagação de uma pesquisa diagnóstica, e diz respeito à capacidade dos
sujeitos sociais de transformar e utilizar a natureza. Compreendemos natureza
desde uma perspectiva monista, ou seja, desde uma perspectiva que não
denota um dualismo metodológico nem ontológico entre cultura e natureza,
11 Prebisch, R. 1981, Cardoso, F. H & E Faletto, E. 1970; Furtado, C. 197412 Becker, E. & Jahn, T. 1999. Para conferir quadros teóricos extensos sobre a relação entre sustentabilidade e Ciências Sociais ver especificamente Cap. I Exploring Uncommon Ground: Sustentability and the Social Sciences, Cap, II: Sustentability: Its Cognitive Power for Emerging Fields of Knowledge. E finalmente o Cap. III, intitulado: Sustentability and Territory: Meaningful Practices and Material Transformations. Tambem confrontar García, R. et al. 2003.
Processos sociais.
Estrutura da conjuntura
Intervenções sociais
Ocorrência plurilinear dos
processos sociais
Intervenções sociais
Construção plurilinear da
historia
20
mas, sim, que vê o processo cultural como parte de um desenvolvimento da
mesma natureza em diversas manifestações de tipificação (Morin 1996, 2005).
Para os antropólogos, serão ações para o desenvolvimento tanto as distintas
intervenções dos grupos indígenas no que se refere à PCH Paranatinga II,
como a ação dos empreendedores que buscam sua construção.
O problema é mais complexo ainda, porque certamente esta perspectiva nos
obriga a identificar relações assimétricas de poder que certamente intervêm
nesse panorama. O conceito de desenvolvimento que estamos utilizando não
significa “controle”, ou seja, a maior ou menor capacidade de utilizar e
transformar a natureza pode ser um indicativo de maior ou menor
desenvolvimento, mas em nenhum caso de controle. Os exemplos estão à
vista: muitas das intervenções exercidas pelo ser humano no sistema biótico
geral, mesmo das sociedades mais desenvolvidas (com maior capacidade de
transformar e utilizar a natureza), são nefastas e incontroladas em termos das
conseqüências que elas provocam. Outras sociedades, seja por sua
organização social, seja por sua visão sobre o meio que habita, planejam
outras estratégias de intervenção que resultam menos influentes sobre o
esquema da biosfera, mas que igualmente geram desenvolvimento. Esta
perspectiva obriga a deixar de fora qualquer abordagem que abarque
estereótipos essencializantes ao nosso objeto de estudo. Dessa forma, o
pesquisador deve contextualizar e relacionar as “ações para o
desenvolvimento” (tal qual e como é entendido pelos agentes de
desenvolvimento descritos) com o fim de cristalizar o quadro descritivo
adequado para nossa estratégia metodológica.
Dessa forma, a resposta de como os trabalhos possam contribuir na solução de
conflitos em situações de contingência está na metodologia. Estamos na frente
de uma intervenção social complexa, e qualquer estudo no marco de um
programa diagnóstico deverá ser planejado numa clareza diagnóstica. Mas
como executá-lo?13
13 Para a apreciação de uma aplicação de um marco metodológico destas características, ver Ortiz, 2004. As principais fontes de sistematização teórico-metodológica a respeito estão em Saavedra, 2005; este último é professor da
21
Geralmente o diagnóstico é confundido, em ciências sociais, metodologicamente
falando, com a pesquisa avaliativa de impacto. Em nossa perspectiva este é um
erro fundamental. Nossa proposta é mais parecida ao funcionamento da medicina
alopática no momento de enfrentar um paciente. Neste sentido, os componentes
lógicos de uma pesquisa diagnóstica devem ser:
1.- descrever pertinentemente a situação problemática em termos de quais
são os atores, meios, fins e condições envolvidas nesta intervenção social ou
intervenções. Esta descrição deve ser a mais ampla possível, tratando de
juntar os dados primários com os secundários, avaliando problemáticas de
pesquisa, espaços de pouca indagação científica e processos chaves para
analisar.
2.- avaliar a situação problemática em termos da relação existente entre a
visão de desenvolvimento dos atores envolvidos (Agentes de desenvolvimento
e comunidades indígenas representados tanto pelas suas organizações como
por suas perspectivais). O mais difícil, neste caso, é a construção de um
modelo avaliativo competente. Geralmente os modelos avaliativos são
construídos com base em três perspectivas:
a) pelos mesmos pesquisadores que determinam quais serão os
modelos ideais que serão comparados com a descrição anterior;
b) pela “comunidade do objetivo”, ou seja, considerando que o modelo
deve ser totalmente êmico, e que esta informação deve ser comparada
posteriormente com a descrição inicial;
c) construído em uma relação dialética entre o que o pesquisador
identifica e a visão êmica envolvida no processo. Neste caso será
cátedra “Diagnóstico e Ação para o Desenvolvimento”, Instituto de Ciências Sociais, Universidade Austral de Chile.
fundamental a comparação com situações ocorridas em contextos
similares.
Certamente, em nosso parecer, a terceira opção é a mais correta, não
obstante, a mais complexa. A distância entre a descrição contundente do
problema e o modelo avaliativo configurado será a magnitude do problema de
pesquisa, o qual dá fundamentos para, posteriormente:
3.- explicar - através de causas e associações - as razões que convertem as
estratégias dos agentes de desenvolvimento em conflitos no interior das
comunidades. Uma pesquisa diagnóstica não pode deixar de lado esta etapa
de investigação. A explicação deve ir mais além que a mera explicação
testemunhal do fenômeno, senão, também, dever-se-ia construir
metodologicamente aspetos relacionados com a prática experimental e as
análises integradas das associações concomitantes ao fenômeno.
4.- por último, embora não menos importante, é necessário oferecer
recomendações que tenham por fim dar solução à problemática apresentada,
entendendo que o problema seja comprovado empiricamente. Neste caso deve
existir uma racionalidade da ação, a qual é a relação lógica e equilibrada que
deve existir entre a descrição do modelo avaliativo (a identificação do
problema) e as recomendações. As recomendações devem ter coerência
interna e a possibilidade de aplicação lógica no contexto descrito. Este é o
processo mais cuidadoso e delicado, que será mais adequado na medida em
que as demais etapas da pesquisa diagnóstica sejam realizadas com a maior
consistência possível.
2.2 PROCEDIMENTOS DE CAMPO NA PESQUISA DIAGNÓSTICA
A pesquisa diagnóstica em Antropologia requer a realização de certos
procedimentos de campo, além de certas especificações quanto à estratégia de
coleta de dados e às análises posteriores. A vantagem da Antropologia está
radicada em suas técnicas de campo, ligadas à etnografia, a qual permite
fornecer uma perspectiva enriquecedora dos processos através de suas
técnicas específicas. Neste caso, confluíram: a observação direta, a
observação participante, os encontros (social survey), as entrevistas com
informantes fixos, as entrevistas semi-estruturadas, as entrevistas grupais, os
focus group, entre muitas outras técnicas de campo, as quais forneceram as
bases de dados primárias, dispostas para análises posteriores.
Dentro da lógica da pesquisa diagnóstica, tanto a etapa descritiva como a
avaliativa, explicativa e recomendativa, requerem a utilização das técnicas
nomeadas acima, onde a estratégia etnográfica será a modeladora desses
processos. Nesse sentido, os instrumentos de coleta de dados devem ser
construídos neste marco geral, tratando de identificar as problemáticas
hipotéticas e, também, registrando as problemáticas surgidas in situ.
Não obstante, o “estar aí“, o compartilhar as experiências vitais de nossa
“comunidade objetivo”, não é indicador do sucesso do “trabalho de campo”. Em
geral, muitos antropólogos confundem esta etapa da pesquisa, porque para
eles é suficiente considerar suas próprias percepções como aceitável para
definir e validar os dados que posteriormente serão analisados. O feito de
testemunhar a realidade pode ser muito enriquecedor, mas é fundamental
identificar quais são aspectos surgidos das observações “objetivas” e quais são
as observações surgidas das interpretações e pré-conceitos dos
pesquisadores. A despeito do que nossa proposta indica, é uma estratégia
trans-disciplinária, o que significa grupos de pesquisadores de diversas áreas
de formação (da ecologia, da etnologia, da antropologia, da etnohistória, etc.),
trabalhando em conjunto sobre a confiabilidade dos dados e criando
instrumentos e técnicas transversais capazes de aproveitar os distintos
contextos de intervenção “no campo”.
Finalmente, os procedimentos de campo deverão sempre estar regidos por
uma ética profissional, ligada à sinceridade dos pesquisadores na hora de se
deparar com situações conflituosas, possíveis de acontecer no trabalho de
campo.
3. OBJETIVOS DO PROGRAMA
Os objetivos do presente Programa podem ser sintetizados em três grandes
itens:
Complementar os estudos referentes ao Licenciamento Ambiental da PCH
Paranatinga II no que se refere ao componente indígena, abrangendo as
Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe (ocupadas por grupos Xavante e
localizadas às margens do rio Culuene, a montante da PCH), bem como o
Parque Indígena do Xingu (ocupado por 14 etnias e localizado a jusante da
PCH, já em terras banhadas pelo rio Xingu);
Desenvolver, assim, os estudos complementares solicitados pela FUNAI
através do Termo de Referência emitido, abrangendo: diagnóstico das
Terras Indígenas acima citadas, identificação dos impactos sócio-
ambientais provenientes da implantação do empreendimento e proposição
de medidas mitigadoras e/ou compensatórias cabíveis, em conformidade
com os pleitos existentes.
Atender a legislação brasileira e instrumentos normativos existentes no que
se refere aos estudos antropológicos do empreendimento.
Produzir conhecimento científico e análise de situação dos grupos
indígenas tratados, que permitam contribuir na sustentabilidade social,
cultural e econômica dos grupos.
O atendimento a esses objetivos se apóia na necessidade de regularização dos
estudos de Diagnóstico Antropológico da obra, na deferência às solicitações da
comunidade indígena envolvida e na análise dos seguintes documentos:
Solicitações do Ministério Público Federal à Procuradoria Geral da
República (Ofício n. 221), IBAMA (Ofício n. 141) e FEMA (Ofício n. 143).
Laudo Antropológico solicitado pelo Ministério Público.
Laudo Etno-Histórico e Avaliação Jurídica, solicitado pela Paranatinga
Energia S/A.
Acordo firmado com a comunidade indígena (Termo de Compromisso).
Como resultado geral, a utilização de todas as fontes informativas disponíveis –
escritas, orais, ecológicas, antropológicas, etnohistóricas e suas interfaces –
trabalhadas de forma independente e com resultados convergentes, deverá
subsidiar a compreensão dos grupos sociais indígenas que dela participaram,
tendo como finalidade última a análise de possíveis impactos gerados pela
implantação da PCH Paranatinga II e a indicação de soluções de contorno.
4. LEGISLAÇÃO INTERVENIENTE
O presente trabalho visa atender a legislação brasileira e os instrumentos
normativos vigentes no que se refere ao campo dos estudos antropológicos
(componente indígena), a saber:
Convenção OIT n° 169, de 07/06/1989, Convenção sobre Povos
Indígenas e Tribais em Países Independentes;
Lei 6001, de 19/12/1973 - Dispõe sobre o Estatuto do Índio;
Decreto nº 88.985 de 10/11/1983 - Regulamenta os artigos 44 e
45 da Lei n° 6.001 e dá outras providências;
Decreto nº 58.821 de 4/07/1966 - Promulga a Convenção nº 104
concernente à abolição das sanções penais;
Convenção OIT nº 104 de 01/06/1955 - concernente à abolição
das sanções penais por inadimplemento do contrato de trabalho
por parte dos trabalhadores indígenas;
Lei nº 5.371 de 05/12/1967 - Autoriza a instituição da “Fundação
Nacional do Índio” e dá outras providências;
Portaria MJ nº 542 de 21/12/1993 - Aprova o anexo Regimento
Interno da Fundação Nacional do Índio- FUNAI;
Decreto nº 1.775 de 08/01/1996 - Dispõe sobre o procedimento
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras
providências;
Portaria MJ nº 14 de 09/01/1996 - Estabelece regras sobre a
elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e
delimitação de Terras Indígenas a que se refere o parágrafo 6º do
artigo 2º, do Decreto nº 1.775/96;
Decreto-Lei nº 9.760 de 05 /09/1946 - Dispõe sobre os bens
imóveis da União e dá outras providências;
Decreto 1.141, de 19 de maio de 1994 - Dispõe sobre as ações
de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas
para as comunidades indígenas;
Decreto nº 3.799 de 19/04/2001 - Altera dispositivos do decreto nº
1.141, de 19/05/1994, que dispõe sobre as ações de proteção
ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as
comunidades indígenas;
Lei nº 6.634 de 02/05/1979 - Dispõe sobre a Faixa de Fronteira;
Decreto nº 4.412 de 07/12/2002 - Dispõe sobre a atuação das
Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas e dá
outras providências;
Portaria MS nº 254 de 31/01/2002 - Aprova a Política Nacional de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas;
Resolução MS/CNS nº 304 de 09/08/2000- Aprova as Normas
para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos- áreas de Povos
Indígenas;
Decreto nº 98.830 de 15/01/1990- Dispõe sobre a coleta, por
estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil, e dá
outras providências;
Portaria MCT nº 55 de 15/03/1990 - Regulamenta coleta, por
estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil;
Lei nº 10.172 de 09/01/2001 - Aprova o Plano Nacional de
Educação e dá outras providências;
Lei nº 9.610 de 19/02/1998 - Altera, atualiza e consolida a
legislação sobre direitos autorais e dá outras providências;
Decreto-Lei nº 25 de 30/11/1937 - Organiza a proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional;
Lei nº 3.924 de 26/07/1961 - Dispõe sobre os monumentos
arqueológicos e pré-históricos;
Lei nº 9.051 de 18/05/1995 - Dispõe sobre a expedição de
certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de
situações;
Lei Complementar nº 75 de 20/05/1993- Dispõe sobre a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da
União;
Lei nº 6.938 de 31/08/1981- Dispõe sobre a Política Nacional de
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e
aplicação, e dá outras providências;
Lei nº 5. 197 de 03/01/1967 - Dispõe sobre a proteção à fauna e
dá outras providências;
Lei nº 7.754 de 14/04/1989 - Estabelece medidas para Proteção
das Florestas Existentes nas nascentes dos rios e dá outras
providências;
Lei nº 9.605 de 12/02/1998 - Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, e dá outras providências;
Resolução CONAMA nº 001 de 23/01/1986 - Relatório de impacto
ao meio ambiente;
Resolução CONAMA nº 237 de 27/12/1997 - Licenciamento
ambiental;
Decreto nº 24.643 de 10/07/1934 - Decreta o Código de Águas;
Lei nº 9.433 de 08/01/1997 - Institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos;
Arts. 231 e 232 da Constituição Federal promulgada em 1988 -
Reconhecem aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários.
Por outro lado, os trabalhos de campo nas Terras Indígenas foram
devidamente oficializados e autorizados pela FUNAI, com aprovação da equipe
de trabalho pelas comunidades indígenas envolvidas (comunidades do Parque
Indígena do Xingu, e comunidades Xavante das Terras Indígenas Parabubure
e Ubawawe).
5. A ÁREA DE PESQUISA E COMUNIDADES ENVOLVIDAS
Os grupos indígenas estudados habitam a região superior da bacia hidrográfica
do rio Xingu, um dos maiores tributários do Amazonas (Figura 1). Estes, e seus
afluentes menores, drenam uma região extremamente heterogênea e
composta por um mosaico de zonas ecológicas distintas.
No que se refere à área abrangida pela PCH Paranatinga II, localiza-se na
bacia do rio Culuene que, juntamente com o rio Sete de Setembro, Tanguro e
Suiá-Missu, irão formar o rio Xingu pouco antes do início do Parque Indígena
do Xingu (IBGE, citado em Projeto Radambrasil 1981) (Figura 2).
Na bacia do rio Culuene encontram-se, a montante da PCH Paranatinga II, as
Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe, pela sua margem direita. Já o
Parque Indígena do Xingu (PIX) se localiza na bacia do Xingu propriamente
dita. Por esta razão a área de pesquisa do presente Estudo abrange não
apenas a bacia do rio Culuene, mas se estende para o alto curso do rio Xingu,
no trecho abrangido pelo PIX. Desta forma, as comunidades indígenas
envolvidas são:
T.I. Parabubure e T.I. Ubawawe, etnia: Xavante.
Localização: a montante da PCH Paranatinga II, abrangendo terras na
margem direita do rio Culuene. O início das TIs se encontra a 28,61 km
lineares do final do reservatório da PCH Paranatinga II, ou ainda, a quase
50km seguindo o traçado meândrico desse mesmo rio (Figura 3).
Parque Indígena do Xingu (formado por 14 etnias que integram o chamado
“Complexo Cultural Xinguano”14. Compreendem grupos que habitavam a
área anteriormente à criação do Parque e, também, grupos que para ali
foram levados pela FUNAI, visado centralizar sua assistência). As etnias
são: Waurá, Mehinaku, Yawalapiti, Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa, Matipu,
Kamayurá, Awetí, Trumai, Suyá, Ikpeng, Kayabi e Yudjá.
Localização: a jusante da PCH Paranatinga II. O limite sul do PIX se
encontra a 93,71km lineares do eixo da PCH, ou ainda, a 238 km seguindo
o traçado meândrico do rio Culuene, assim como os quilômetros iniciais do
rio Xingu.
14 www.socioambiental.org.br
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Figura 2 - Mapa de vegetação regional na bacia do Culuene.
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Figura 3 - Localização das Terras Indígenas pesquisadas.
6. ESTUDOS JUNTO À COMUNIDADE XAVANTE (TI PARABUBURE
E UBAWAWE)
6.1 APRESENTAÇÃO
Este estudo foi realizado seguindo os modelos metodológicos fundados na
Antropologia Social, com levantamento de campo para coleta de dados
quantitativos e qualitativos. Os procedimentos realizados para a elaboração
dos estudos e desenvolvimento dos trabalhos foram os seguintes: reuniões
técnicas, levantamento e análise dos dados disponíveis, definição e
identificação das áreas de estudo, contatos com instituições, vistorias e
levantamentos de campo, diagnóstico ambiental, identificação e avaliação dos
impactos ambientais e proposição das medidas mitigadoras/compensatórias.
Foram realizados levantamentos dos dados disponíveis que subsidiaram a
execução dos trabalhos, tais como: material cartográfico, dados secundários
sobre a região do empreendimento (bibliografia disponível e estudos
relacionados ao Licenciamento Ambiental da obra) e processos existentes na
FUNAI. Neste contexto foi consultada a documentação existente, como
decretos, portarias, legislação, relatórios de fontes oficiais, teses de mestrado e
doutorado e boletins científicos.
Por outro lado, foram mantidos contatos com as seguintes instituições: FUNAI
em Brasília, em Campinápolis e Nova Xavantina no Mato Grosso; IBAMA;
Agência de Água e Saneamento e Meio Ambiente de Mato Grosso; e com a
comunidade indígena Xavante, que auxiliaram no entendimento do problema e
no desenvolvimento dos estudos.
Foi efetuado o reconhecimento da área nas terras indígenas através de
expedições terrestres, durante os meses de outubro e novembro/2005. As
pesquisas foram desenvolvidas, durante todo o período, com a presença de
índios Xavante juntamente com a equipe.
A primeira atividade desenvolvida quando da chegada da equipe nas aldeias foi
realizar reuniões informativas, esclarecendo sobre o escopo e objetivo do
trabalho e buscando incorporar aos estudos solicitações e recomendações
feitas pela comunidade indígena. As reuniões foram agendadas na AER e/ou
NAL que as aldeias estavam subordinadas.
Foram realizadas quatro reuniões com as lideranças das Terras Indígenas
Parabubure e Ubawawê. A primeira reunião foi realizada no Núcleo de Apoio
Nõrota, em 27/10/05, com as lideranças das aldeias subordinadas a esse
Núcleo (Prancha 1). A Tabela 1 traz a lista dos participantes.
As outras três reuniões com as lideranças Xavante jurisdicionadas à
Administração Executiva Regional de Campinápolis/AER, foram realizadas nos
dias 28, 29 e 30 de outubro de 2005, respectivamente no Posto Estrela, Aldeia
Buritizal e Aldeona/Culuene. Em todas as visitas os técnicos foram
acompanhados pelos índios Xavante Adriano, Henrique, Cláudio e Adalberto,
funcionários e representantes oficiais da AER de Campinápolis indicados pelo
administrador Isaac.
As lideranças que participaram da reunião realizada no dia 28/10/2005, no
Posto Estrela foram:
Liderança Aldeia
1. Ailton Aldeia Estrela
2. Armando Aldeia Barreiro
3. Rodrigo Aldeia Piranhão
4. Coreolano Aldeia Nova Canaã
PRANCHA 1 – A3
Tabela 1 – Participantes da reunião geral, Núcleo de Apoio Nõrota
Nome da liderança Cargo e Aldeia1. Germano Cacique da aldeia Onça Preta2. Domingos Cacique da aldeia Matrixã3. Alfredo Cacique da aldeia Boa Vida4. Francisco Cacique da aldeia 2° Campinas5. Orlando Cacique da aldeia Podzenho’u6. Francisco Vice Cacique aldeia S. Felipe7. Lázaro Cacique da aldeia Chão Preto8. Joãozinho Cacique da aldeia S. D. Sávio9. Terezinho Vice Cacique aldeia S. D. Sávio10. Lino Vice Cacique aldeia Boa Vida11. Marinho Chefe aldeia 2° Campinas12. Amauri Cacique da aldeia Etepore13. Samuel Vice Cacique aldeia Aparecida14. Satornino Cacique da aldeia S. Felipe15. Anselmo Cacique da aldeia Santa Clara16. Cleto Chefe aldeia Etepore17. Rita Vice Cacique aldeia Santa Cruz18. Ademar Representante aldeia Etepore19. Irineu Cacique da aldeia Couto Magalhães20. João Cacique da aldeia Santa Rosa21. Irineu Representante aldeia Boa Vida22. Isaias Cacique da aldeia São Pedro23. Cipriano Cacique da aldeia Bom Jesus da Lapa24. João Fidelis Representante aldeia S. D. Sávio25. João Gilberto Representante aldeia S. D. Sávio26. Aniceto Chefe aldeia S. D. Sávio27. Gustavo Chefe aldeia Etepore28. pedro Vice Cacique aldeia Tseredzatsé29. Norberto Secretário aldeia S. Felipe30. Miguel Representante aldeia Santa Clara31. Moisés Representante aldeia Parinai’a32. Silvério Representante aldeia Santa Rosa33. Zeferino Representante aldeia Santa Rosa34. Tarcísio Representante aldeia S. Felipe35. Jocelino Representante aldeia S.Felipe36. Domingos Representante aldeia Tseredzatsé37. Inácio Representante aldeia Santa Clara38. Zacaria Representante aldeia Santa Clara39. Felizberto Representante aldeia S. Felipe40. Anita Representante aldeia Boa Vida41. Casimiro Motorista aldeia S. Felipe42. Antônio Motorista aldeia S. D. Sávio43. Amadeu Motorista aldeia S. D. Sávio44. Vitalina Motorista aldeia Boa Vida45. Izete Motorista aldeia Chão Preto46. Tobias Motorista aldeia S. Felipe47. Cesário Motorista aldeia S. Felipe48. Paulo Motorista aldeia S. Felipe49. Vitoriano Motorista aldeia S. Felipe50. Albino Motorista aldeia S. Felipe
39
Já as lideranças que participaram da reunião realizada no dia 29/10/2005, na
Aldeia Buritizal foram:
Liderança Aldeia
1. Cacique Joaquim Aldeia Biritiz
2. Cacique Quirino Aldeia Brasil
3. Cacique Davi Aldeia Itaquera
4. Cacique Luciano Aldeia Santa Helena
5. Cacique Guilherme Aldeia Serrinha
6. Cacique Ermínio Aldeia Mato Grosso
7. Cacique Enoch Aldeia Egito
Finalmente, as lideranças que participaram da reunião realizada no dia
30/10/2005, na Aldeia Aldeona/Culuene foram:
Liderança Aldeia
1. Cacique Eduardo Aldeia Aldeona
2. Cacique Simão Aldeia Novo Paraíso
3. Cacique Joel Aldeia Alvorada
4. Cacique Ubiratan Aldeia Sete Rios
5. Cacique Rodinei Aldeia Dzeiwahu
6. Cacique Manoelito Aldeia Aldeinha
7. Cacique Arlindo Aldeia Colina
8. Vice Cacique Márcio Aldeia Alto da Vitória
9. Cacique Osvaldo Aldeia Jacú
10. Cacique Tomás Aldeia Betel
11. Cacique Jovêncio Aldeia Tiriwawepa
12. Cacique Bernardino Aldeia Baixão
13. Cacique Roberto Aldeia Sobradinho
14. Cacique Valério Aldeia Sucuri
15. Cacique Marcidez Aldeia Cohab
16. Cacique Abrão Aldeia Lagoinha
40
O objetivo dessas reuniões foi o esclarecimento das comunidades indígenas
Xavante sobre os estudos socioambientais da PCH Paranatinga II exigidos pelo
CGPIMA/FUNAI, visando o levantamento dos possíveis impactos decorrentes
do empreendimento e o registro do conhecimento indígena sobre o meio
ambiente e as práticas relacionadas às Terras Indígenas Parabubure e
Ubawawê.
Com isto buscou-se, através da análise combinada dos resultados das
pesquisas e a perspectiva dos atores sociais sobre o tema em questão,
subsídios para um diagnóstico equilibrado, que respeitasse os processos
culturais e circunstanciais do grupo indígena Xavante.
Após o levantamento e análise dos dados e do trabalho de campo foi elaborado
o diagnóstico ambiental envolvendo aspectos do meio físico, biótico e
socioeconômico, sendo possível caracterizar a situação pretérita e atual das
áreas indígenas frente ao empreendimento. A equipe técnica elaborou o
diagnóstico de cada área de estudo, e os reuniu para a análise integrada dos
aspectos estudados.
Assim, a partir da adequada caracterização das áreas de estudo e do
diagnóstico sobre a qualidade ambiental, foi possível identificar e avaliar
aqueles impactos advindos da PCH Paranatinga II com relação ao rio Culuene
e às Terras Indígenas estudadas, comparando-os com as condições
preexistentes, tanto os de natureza negativa quanto positiva. Após a
identificação e avaliação dos impactos mais relevantes foram recomendadas as
medidas de controle ambiental e ações destinadas a minimizá-los ou
compensá-los, conforme o caso e de acordo com o que estará sendo discutido
ao longo do presente Capítulo.
41
6.2 CARACTERIZAÇÃO LINGUÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
POVOS XAVANTE
Os Xavante constituem povo da família lingüística Jê. Autodenominam-se
Akuên e formam com os Xerente do estado do Tocantins o ramo central das
sociedades de língua Jê (Lopes da Silva e Farias 1992).
Os Akuên habitavam originalmente a bacia do Tocantins, desde o sul de Goiás
até o Maranhão, estendendo-se da bacia do rio São Francisco à bacia do
Araguaia. Após os contatos com o colonizador europeu na aldeia do Carretão,
há cerca de 250 anos atrás, os Akuên retornaram ao seu antigo habitat
passando a haver uma polarização de opiniões sobre o contato e, asssim,
gerando duas facções: uma de simpatia pela manutenção do contato com os
brancos; e outra de aversão ao convívio com o homem branco. O grupo que
manifestava simpatia continuou a viver no território tradicional, passando a ser
conhecido como Xerente; a facção que denotava aversão iniciou um
deslocamento em direção ao Araguaia hostilizando os colonizadores, e passou
a ser chamada de Xavante (LOMBARDI, 1985).
Até meados do século XIX os sertões matogrossenses compreendidos nas
regiões do Xingu, rio das Mortes e Araguaia, eram considerados
desconhecidos pelas autoridades da Província. O relato documental mais
antigo da presença dos Xavante em Mato Grosso, na região que viria a ser seu
habitat até a pacificação ocorrida em meados do século XX, consta do relatório
do presidente da província de Goiás, Pereira da Cunha, de 1856, no qual
noticia a expedição sob a direção de Frei Segismundo de Taggia, que procurou
estabelecer contato com um grupo Xavante hostil, na região do rio das Mortes
(LOMBARDI, 1985).
A travessia do rio Araguaia pelos Xavante ocorreu por volta de 1860-1870, mas
assinala-se que antes dessa grande travessia um outro grupo a havia
42
realizado, mas que deles não se teve notícias. Os Xavante começaram a
deslocar-se para a margem esquerda do Tocantins em 1824, depois para o
Araguaia, em 1859, indo então se estabelecer nos campos do rio das Mortes,
em data não precisa (LOMBARDI, 1985).
É necessário considerar que a ocupação Xavante da região compreendida
entre os rios Araguaia e das Mortes era o habitat de outros grupos indígenas,
com os quais tiveram que entrar em guerra a fim de delimitarem novas
fronteiras espaciais e se apossarem das terras (LOMBARDI, 1985).
Durante a primeira metade do século XX, quando há uma nova frente de
expansão econômica no centro-oeste movida pela exploração pecuária, que
impunha o controle, posse e ocupação das terras habitadas pelos Xavante, a
região se transformou em um campo de hostilidades e massacres promovidos
contra os índios, malgrado a política indigenista protecionista e a existência de
um aparato institucional do Estado destinado a fazer cumprir o protecionismo.
À medida que os interesses econômicos da frente pecuária passam a
capitalizar os ânimos do Estado e das Missões, todos os esforços se
concentraram na pacificação dos Xavante, objetivo alcançado pela equipe
coordenada pelo sertanista Francisco Meireles. Ele passou a atuar a partir de
1944, conseguindo o primeiro contato em 1946. Em 1949 o principal grupo
Xavante já estava dentro do Posto Indígena Pimentel Barbosa (LOMBARDI,
1985).
Ainda em 1946 ocorreram os primeiros contatos com o grupo que vivia nas
imediações do rio Culuene, sendo atraídos para os Postos Indígenas Marechal
Rondon e Paraíso. No ano de 1969 foi reservada uma área aos índios Xavante
no rio Couto Magalhães, na margem esquerda do Rio das Mortes.
Conforme apresentado no item que se segue, as Terras Indígenas Parabubure
e Ubawawe foram criadas, respectivamente, na década de 1980 e 1990,
reunindo índios Xavante provenientes da área do Rio das Mortes e Araguaia.
43
6.3 AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE E UBAWAWE
6.3.1 Localização e situação fundiária da T.I. Parabubure
A Terra Indígena Parabubure localiza-se nos Municípios de Campinópolis e
Água Boa, Estado de Mato Grosso. A sociedade indígena é a Xavante, da
família lingüística Jê. A superfície da terra indígena é de 224.447 ha. A
população é de 2.624 índios (FUNAI, 1998).
As aldeias da TI Parabubure são: Santa Cruz, Bom Jesus da Lapa, São
Domingos Sávio, São Pedro, São Felipe, Santa Clara, Onça Preta, Parinai’a,
Santa Rosa, São Salvador, Nossa Senhora Aparecida, Tsredzatsé, Campinas,
Chão Preto, Boa Vida, Matrinxã, Eteipore, Tela Vive, Podznho’u, Upawapa e
Canguaçu, Aldeinha, Aldeona, Alto da Vitória, Alvorada, Auwê Ubtsibimedzé,
Baixão, Betel, Cohab, Colina, Córrego da Mata, Lagoinha, Novo Paraíso, Pedra
Branca, Santa Fé, Sucuri, Barreiro, Estrela, Jacu, Piranhão, Serrinha,
Campinas, Jerusalém, Mato Grosso, Santa Helena, Brasil, Buritizal, Egito,
Itaquere, São José, Santa Clara, Sete Rios, São Benedito, Panorama,
Dzeiwahu, Bela Vista, Nova Canaã, Sobradinho, Tiriwawepa, Santa Maria, São
Paulo, Cristalina, Santo Amaro, Deus é Amor, Nõrõtsu’rã, ti’irérepa, Monte
Pascoal, Espírito Santo, Três Marias, Ró’óredza’ódzé e Santana (vide Figura 4
e Mapa Etno-Ecológico, Anexo 1).
Como a cisão entre o Xavante faz parte de sua cultura, essas aldeias foram as
encontradas no período de outubro/novembro de 2005. O número de aldeias
em outra visita pode ser diferente.
44
Figura 4 - Localização das Aldeias percorridas pela equipe nas TIs Ubawawe e Parabubure.
45
Situação Fundiária
No ano de 1922 os Xavante ocupavam a margem esquerda do rio das Mortes,
tendo sido registrados vários ataques a seringueiros, sitiantes e missionários.
Em 1965 o líder Xavante Benedito, “atraído” para a Missão Salesiana,
transferiu-se para a sua antiga aldeia no Rio Couto Magalhães, área em que já
se havia instalado a fazenda Xavantina.
Em 1967 o Governo do Estado do Mato Grosso reservou uma área de 10.000
ha para a aldeia do Benedito, conforme Reg. nº 19.250, Lv. nº 34,fl.88 a 89 V,
Cartório do 4º Oficio Cuiabá – MT.
Em 1968, a FUNAI apresentou uma proposta de área que, embora não
abrangesse as cabeceiras do Rio Couto Magalhães nem a sua margem
esquerda onde estavam situadas suas principais aldeias, foi considerada
visionária.
O Decreto nº 65.212, de 23/09/1969, criou a Reserva Rio Couto Magalhães,
que foi alterada pelo Decreto nº 65.405, de 13/10/69. Este, por sua vez, foi
também alterado pelo Decreto nº 75.426, de 27/11/1975.
A Portaria n° 250/N/FUNAI, de 20.05.1975, criou o Posto Indígena Culuene na
margem direita do córrego Grotão, junto à sua confluência com o rio Culuene,
com superfície aproximada de 51.000 ha. Tal medida visava a proteção de uma
antiga área do grupo que, na época, estava sendo reocupada pela
comunidade. Com o Decreto n° 84.337, de 21.12.1979, foi criada a Reserva
Indígena Parabubure com superfície de 226.555 ha, abrangendo a área Couto
Magalhães e o Posto Indígena Culuene.
46
Em 1981 foi demarcada com superfície de 224.447 hectares, registrada na D-
SPU/MT em 1987 e no CRI da Comarca de Nova Xavantina em 1988. Foi
homologada pelo Decreto nº 306, de 29.10.1991, com superfície de 224.447 ha
e perímetro de 294 km.
Mesmo com a regularização de parte da área o grupo continuou a reiterar seus
pedidos de alteração dos limites da terra. Em 1996 foram realizados estudos
das terras indígenas Chão Preto e Paraíso (atual Terra Indígena Ubawawê),
localizadas no limite sul. No mesmo ano a Portaria n° 343, de 21.05.1996,
determinou que os estudos de identificação e complementação de dados da
Terra Indígena Parabubure fossem realizados por etapas. A primeira etapa de
trabalho de campo agraciou as terras indígenas Chão Preto e Paraíso
(Ubawawê), que foram declaradas em 1998. A segunda etapa de identificação
e trabalho de campo realizaria os estudos da área Wai’re/Isou’pá; na terceira
etapa seriam realizados os estudos da área Norõtsurã; a quarta etapa
estudaria uma área denominada Hu’uhi, localizada na margem esquerda do rio
Culuene, no município de Paranatinga. A Portaria n° 891, de 31.08.1998,
instituiu um grupo técnico visando a identificação das etapas 2 (Wai’re/Isou’pá)
e 3 (Norõtsurã).
Administrativamente não existem as áreas 2 (Wai’re/Isou’pá) e 3 (Norõtsurã),
pois os relatórios de identificação e delimitação ainda estão em análise pela
FUNAI.
47
6.3.2 Localização e situação fundiária da T.I. Ubawawê
A Terra Indígena Ubawawê localiza-se no Município de Novo São Joaquim no
Estado de Mato Grosso. A sociedade indígena é a Xavante, da família
lingüística Jê. A superfície da terra indígena é de 52.234 ha e superfície de 119
km. A população da TI é de 29 indíos (FUNAI, 1998).
UBAWAWE (Ponte Grande). Este nome faz referencia à existência, em tempos
remotos, de uma grande árvore derrubada sobre o Rio Paraíso, que era
utilizada na sua travessia durante os freqüentes deslocamentos que faziam
pela região. Este nome passou a identificar os próprios moradores dali,
especialmente uma facção dissidente da antiga Aldeia Oniudu, os quais hoje
habitam as Aldeias de Novo Paraíso, Aldeinha e Água Limpa (vide Mapa Etno-
Ecológico da TI Ubawawe, Anexo 2).
Situação Fundiária
Com o Decreto n° 84.337, de 21.12.1979, foi criada a Reserva Indígena
Parabubure com superfície de 226.555 ha, abrangendo a área Couto
Magalhães e o Posto Indígena Culuene.
Em 1981 foi demarcada a TI Parabubure com superfície de 224.447 ha. Mesmo
com a regularização de parte da área o grupo Xavante continuou a reiterar
seus pedidos de alteração dos limites sul da terra e, pela portaria n°
107/P/FUNAI, de 26.03.1996, foi designado um grupo de trabalho para efetuar
a identificação da área reivindicada, com superfície proposta de 51.900 ha e
perímetro de 120 Km. Pelo Despacho n° 49, de 29.08.1997, foi aprovado o
resumo do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da TI
Ubawawê. A Portaria n° 456/MJ, de 25.06.1998, declarou a área de posse
permanente do grupo indígena Xavante com superfície aproximada de 51.900
48
ha e determinando que a FUNAI promovesse a demarcação administrativa da
área.
Os trabalhos de demarcação da TI Ubawawê foram realizados em 1999, pela
FUNAI, resultando na superfície de 52.234 ha e perímetro de 119 km. Com a
demarcação física pode haver reajuste na área declarada, podendo haver
pequenas alterações (como é o caso da TI Ubawawê, que foi declarada com
51.900 ha e demarcada com 52.234 ha).
O levantamento fundiário procedido na TI Ubawawê pela FUNAI e pelo Instituto
de Terras de Mato Grosso, cadastrou dezenove ocupantes não-índios, dos
quais quatorze possuíam benfeitorias implantadas e passíveis de indenização,
por força do disposto no § 6º do art.231 da Constituição Federal.
As contestações opostas à identificação e delimitação da TI Ubawawê foram
julgadas improcedentes pelo Memo nº 157/DEID/DAF/FUNAI, de 5 de junho de
1998, conforme o art. 9º e o § 9º, do art. 2°, do Decreto 1.775, de 1996.
Em 2000, o Decreto s/n, de 30.08 homologa a demarcação administrativa da TI
Ubawawê, localizada no município de Novo São Joaquim/MT, com superfície
de 52.234 ha e perímetro de 119 km.
49
6.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DAS TERRAS INDÍGENAS
O rio Culuene segue um traçado predominante de sudoeste para nordeste,
sendo que os principais contribuintes afluem na porção central da bacia. Pela
margem direita destacam-se o ribeirão Quinze de Agosto e os córregos São
José, Ouro Fino e Sem Nome; pela margem esquerda sobressaem os ribeirões
Azul, do Peixe e do Boi. De um modo geral o relevo é ondulado a suavemente
ondulado, e a cobertura vegetal é do tipo Cerrado, com grandes áreas
ocupadas pela pecuária extensiva (Prancha 2).
De suas cabeceiras, em altitudes da ordem dos 800 m, até o sítio da barragem,
já na cota 360 m, o curso do rio Culuene tem um desenvolvimento de 254 km,
o que lhe confere uma declividade média de cerca de 1,73 m/km. Essa
declividade moderada e a forma alongada da bacia (índice de compacidade de
2,1) são fatores fisiográficos que favorecem o amortecimento das ondas de
cheias afluentes ao aproveitamento.
Considerando que as TIs Parabubure e Ubawawe se localizam na bacia do rio
Culuene (ao contrário do Parque Indígena do Xingu, que já se encontra na
bacia do rio Xingu propriamente dito), serão apresentados abaixo dados de
meio físico-biótico obtidos nos estudos realizados pelo licenciamento ambiental
da PCH Paranatinga II, notadamente no que se refere a aspectos ambientais
regionais (clima, rede hídrica, entre outros). Apresenta-se, a seguir, dados
específicos obtidos através dos estudos de campo nas TIs, visando fornecer
uma visão tanto macro quanto micro ambiental da área.
50
Prancha 2 – Instrumentos de pesca Xavante
Área de pesca no rio Kuluene, próxima á aldeia Uawé,
Rio Couto Magalhães, área de pesca xavante,
interior da Terra Indígena Parabubure
Rio Culuene dentro do perímetro das terras indígenas Xavante de Parabubure e Ubawawe.
51
6.4.1 Aspectos regionais
Clima
Segundo os critérios de classificação de Köeppen, o clima predominante na
bacia do rio Culuene é o Aw, tropical úmido com estação seca. Este tipo
climático é associado às regiões onde o total de chuva no período seco é
inferior a 30 mm, a temperatura média no mês mais quente é superior a 22 ºC,
e no mês mais frio é superior a 18 ºC.
Nesse sentido, observa-se que as temperaturas médias anuais oscilam entre
23ºC e 26ºC, aproximadamente. As temperaturas máximas podem ser
elevadas, chegando aos 40ºC, assim como podem ocorrer temperaturas
mínimas abaixo dos 10ºC, em função da entrada de massas de ar polar.
Apesar destes declínios, temperaturas de 30ºC são freqüentes no inverno.
A precipitação anual média sobre a bacia é de cerca de 1.825 mm, com o
padrão de distribuição espacial apresentando ligeira tendência de crescimento
de sul-sudeste (1750mm/ano) para norte-noroeste (1900 mm/ano). A exemplo
do que ocorre em grande parte da região Centro-Oeste, o período chuvoso vai
de novembro a março e concentra cerca de 80% das chuvas, com maiores
incidências no trimestre de dezembro a fevereiro. O período de estiagem vai de
maio a setembro, com o trimestre mais seco de junho a agosto.
O escoamento do rio Culuene acompanha o regime sazonal das chuvas, com
cerca de um mês de defasagem. A predominância de solos arenoquartzosos
profundos no trecho superior da bacia confere boas condições de regularização
natural de vazões, que perduram ainda depois, quando a bacia passa a
assentar em solos podzólicos e latossolos. Próximo à PCH Paranatinga II o rio
Culuene ainda sustenta vazões relativamente elevadas no trimestre crítico de
estiagem, da ordem dos 35 a 40% das vazões médias anuais. As Terra
Indígenas Parabubure (1) e Ubawawê (2) estão localizadas na região tropical,
na região quente semi-úmido (4 a 5 meses secos) (Figura 5).
52
Figura 5 – Caracterização climática regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
53
Rede Hídrica
O rio Culuene, juntamente com o rio Sete de Setembro, é um dos principais
formadores do rio Xingu, integrando a sub-bacia 18 do Xingu que, por sua vez,
forma uma das sub-bacias da Bacia Amazônica.
Seus principais afluentes pela margem direita são os rios Suia-Missu (médio
curso) e Comandante Fontoura (baixo curso). Pela margem esquerda o Xingu
recebe os rios Curisevo, Tamitatoala e Ronuro (alto curso), Arraias e
Manissuiá-Missu (médio curso). A Bacia do rio Culuene apresenta altas taxas
de escoamento superficial, em média da ordem de 20 l/s/km2, onde a média do
período menos chuvoso nunca foi inferior a 11,0 l/s/km2 (Figura 6).
As cabeceiras do rio Culuene, situadas entre os municípios de Planalto da
Serra, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, ultrapassam os limites da
Depressão Interplanáltica de Paranatinga, atingindo a parte mais elevada do
Planalto dos Guimarães (600-700m de altitude). Este rio comporta-se como o
maior coletor de águas da região da Depressão, tendo em seu alto curso
ocorrência de corredeiras e quedas d´água, com leito predominantemente
rochoso, na área onde faz limite com a Província Serrana e o Planalto do
Guimarães. Cerca de 30 km antes de chegar à escarpa limítrofe que separa a
Depressão Interplanaltica de Paranatinga do Planalto Dissecado dos Parecis,
este rio começa a emeandrar-se, formando planícies e terraços fluviais com
grande quantidade de meandros abandonados (PRODEAGRO, 1996).
Durante os estudos de diagnóstico realizados por conta do licenciamento
ambiental da PCH (portanto, em momento anterior ao início das obras), foram
obtidos dados referentes à qualidade da água do rio Culuene, abaixo
transcritos. Os estudos serviram para estimar possíveis cenários do ambiente
aquático no futuro reservatório nas fases de enchimento e estabilização; avaliar
a qualidade da água com relação aos limites da Resolução CONAMA nº
20/1989 para rios de Classe II, como é o caso, e suas adequações aos usos da
água atuais e futuros.
54
Figura 6 – Caracterização hidrográfica regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
55
As coletas de água foram realizadas em outubro de 2002, que corresponde ao
final do período de estiagem na região. Foram amostradas duas estações de
coleta, uma à montante e outra à jusante do futuro barramento, codificadas
como sendo CULU1 e CULU2, respectivamente, localizadas próximas ao
empreendimento (portanto, não compreendendo as TIs aqui analisadas ou
mesmo suas proximidades).
Foram medidos 21 parâmetros físico-químicos e 6 parâmetros biológicos da
água, incluindo a comunidade de macroinvertebrados bentônicos que
colonizam o sedimento de fundo. Em campo foi medido a transparência de
Secchi, bem como feitas anotações sobre as condições do ambiente aquático e
seu entorno.
As amostragens qualitativas da comunidade fitoplanctônica foram realizadas
com rede de plâncton, malha 25m, através de 20 arrastes contra a corrente. O
material concentrado foi preservado em solução de Transeau. Para as análises
quantitativas dessa comunidade, as coletas de água foram feitas através de
passagem de frasco de 300 mL na sub-superfície, onde foi adiconado 5 mL de
solução de lugol-acético a 1%.
Já as coletas de zooplâncton para as análises qualitativas foram realizadas
com rede cônica de malha 61 m, através de arraste contra a corrente por
cerca de 5 minutos. Para as análises quantitativas dessa comunidade foram
filtrados 150 litros de água nesta mesma rede. Ambas as amostras foram
preservadas com 10mL de solução de formol à 40%.
As coletas de sedimento das margens do rio Culuene para análise da
comunidade de macroinvertebrados bentônicos foram realizadas manualmente,
devido à dificuldade em manusear a draga no leito rochoso. As amostras de
sedimento para análise quali-quantitativa desta comunidade foram
armazenadas em sacos plásticos e preservadas em formol a 8%.
56
Todas as amostras coletadas nas quatro campanhas foram transportadas até o
laboratório AQUANÁLISE em Cuiabá e as análises foram realizadas seguindo
metodologias estabelecidas pelo APHA/AWWA (1990).
As análises da clorofila foram realizada pelo método espectrofotométrico em
g/L. Cada resultado foi obtido a partir da média de tréplicas, ou seja, foram
analisadas três sub-amostras para cada frasco de coleta.
As determinações dos índices de coliformes seguiram o método Colilert, com
confiabilidade 95% e unidade em NMP/100mL.
As densidades das populações fitoplanctônicas (nº ind/mL) foram estimadas
pelo método de sedimentação, conforme Utermöhl (1958) em microscópio
invertido. Foram enumerados os indivíduos (células, colônias, cenóbios e
filamentos) em tantos campos aleatórios (Uhelinger, 1964) quanto os
necessários para alcançar 100 indivíduos da espécie mais freqüente, de modo
que o erro de contagem seja inferior a 20% (p< 0.05; Lund et all, 1958). Nas
amostras em que este critério não pôde ser atingido em função das baixas
concentrações de algas e/ou elevado teor de sedimento em suspensão,
contou-se tantos campos quantos os necessários para estabilizar o número de
espécies adicionadas a cada campo contado (método da área mínima). As
riquezas de espécies (nºtaxa/amostra) foram avaliadas considerando-se o
número total de espécies em cada amostra. A identificação das taxas foram
realizadas utilizando-se Bourrelly (1970), Bicudo & Bicudo (1970), De-
Lamonica-Freire (1985), Krammer & Lange-Bertalot (1991), Garcia de Emiliani
(1993), Bicudo et all (1995), Huszar & Silva (1999).
As análises da comunidade zooplanctônica foram feitas com microscópio
esteroscópico e óptico. A identificação foi realizada utilizando-se os trabalhos
de Koste (1978), Reid (1985), Paggi (1995), Elmoor-Loureiro (1997). Foram
feitas contagens dos organismos da amostra total, devido a pouca quantidade
57
em número de indivíduos por m3. As contagens processaram-se em lâmina do
tipo “Sedgewich-rafter”.
As amostras de sedimento coletadas para a análise dos macroinvertebrados
bentônicos foram inicialmente lavadas em peneira de malha de 200m de
abertura, em água corrente. Posteriormente, o material retido foi triado em
microscópio estereoscópico e em seguida os organismos foram preservados
em álcool 70%, devidamente identificados e contados a nível de classe, ordem
e família e, no caso da família Chironomidae, a nível de tribo. As identificações
taxonômicas foram feitas com auxílio de literatura especializada (McCafferty,
1981; Rosernberg & Resh, 1993; Trivinho Strixino & Strixino, 1995; Merritt &
Cummins, 1996).
Descrição das metodologias de análise da água
PARÂMETRO UNIDADE MÉTODO
pH pH-mêtro WTW
Condutividade elétrica S/cm Condutivímetro WTW
Alcalinidade mg/L CaCO3 Potenciométrico
Dureza Total mg/L CaCO3 Titulométrico do EDTA
Turbidez UNT Turbidímetro
Série de Sólidos Mg/L Gravimétrico
Oxigênio dissolvido Mg/L Winkler modificado
Nitrogênio Kjeldhal Mg/L Colorimétrico do Fenato
Amônia Mg/L Colorimétrico do Fenato
Nitrato Mg/L Colorimétrico do Fenoldissulfônico
Fósforo total Mg/L Colorimétrico do Molibdato
Cálcio Mg/L Espectrofotometria de absorção atômica
Ferro total Mg/L Espectrofotométrico
Sílica Mg/L Colorimétrico do Molibdato
Sulfato Mg/L Espectrofotométrico
DBO Mg/L Diluição e incubação
DQO Mg/L Titulométrico com Sulfato Amoniacal
58
Com os resultados de densidade e riqueza específica do fitoplâncton,
zooplâncton e bentos foi calculado o Índice de Diversidade de Shannon-
Weaver, descrito na fórmula abaixo, segundo Odum (1988):
Descrição das estações de coleta
Coleta CULU1: Margens com vegetação natural, com mata ciliar preservada.
Não ocorrência de macrófitas aquáticas. Fluxo intenso com
leito do tipo arenoso-predregoso. Coleta realizada às 11:15
horas na ponte sobre a MT-020, local do futuro corpo do
reservatório.
Coleta CULU2: Margens com vegetação natural, com mata ciliar preservada.
Não ocorrência de macrófitas aquáticas. Fluxo intenso com
leito do tipo arenoso-predregoso. Coleta realizada às 12:20
horas na margem direita do rio, à jusante da futura barragem.
Os resultados dos 21 parâmetros físico-químicos obtidos nas coletas
encontram-se no Quadro a seguir.
n- Pi log Pi
1
Onde:
Pi = n/N, sendo
n= valor de importância de cada espécie
N= total dos valores de importância
59
Parâmetro Unidade CULU1 CULU2
Condutividade elétrica S/cm 31,0 30,9
PH - 7,6 7,7
Transparência de Secchi M 0,80 0,80
Turbidez UNT 13 12
Alcalinidade total mgCaCO3/L 15 15
DBO mg/L < 1 < 1
DQO mg/L < 6 < 6
Oxigênio dissolvido mg/L 7,7 4,0
Nitrogênio Kjeldhal mg/L 0,027 < 0,020
Amônia mg/L 0,006 < 0,001
Nitrato mg/L 0,041 0,059
Fosfato Total mg/L 0,026 0,085
Sílica mg/L 2,528 2,428
Ferro total mg/L 0,37 0,392
Cálcio mg/L 3,8 3,8
Sulfato mg/L < 0,1 0,6
Sólidos totais mg/L 10 54
Sólidos totais dissolvidos mg/L 4 4
Sólidos totais suspensos mg/L 6 50
Sólidos sedimentáveis mg/L < 0,1 < 0,1
Os resultados encontrados nas duas estações de coleta foram semelhantes,
exceto quanto ao oxigênio dissolvido, fosfato total e sólidos suspensos. Essa
diferença deve estar relacionada à queda d´água que existe entre um local e
outro de coleta, o que favorece a resuspensão do sedimento, ocasionando leve
aumento dos sólidos suspensos que, por sua vez, resuspende também
compostos fosfatados retidos no sedimento. Quanto ao oxigênio dissolvido, era
de se esperar uma maior concentração abaixo da corredeira, o que não
ocorreu devido ao fato da coleta ter sido realizada na margem do rio na
estação CULU2, local onde há menor aeração pelo fluxo.
60
Quanto aos valores de alcalinidade total e cálcio, observou-se a ocorrência de
carbonatos e formas de cálcio na água, aspecto certamente relacionado à
ocorrência de formações calcáreas na região das cabeceiras do rio Culuene,
aspecto que influenciou nos resultados levemente básicos do pH. Essa
característica será favorável no enchimento do reservatório, pois a alcalinidade
servirá de tampão às substâncias ácidas que serão liberadas com a
decomposição da biomassa inundável, controlando assim a diminuição do pH
da água.
A concentração dos nutrientes (NKT, NH3, NO2 e Pt) foi baixa, característica
também relacionada aos baixos resultados de DBO e DQO, indicando que o
aporte de matéria orgânica e inorgânica para o rio é pequeno. Provavelmente
com as chuvas esses resultados devem aumentar, mas não muito, uma vez
que as matas ciliares são preservadas, aspecto que não favorece o arraste de
detritos para o leito do rio, ou seja, as alterações da qualidade da água com as
chuvas deverão ser discretas. Barrela et allii (2001) frisam que o papel das
matas ciliares e dos ecótonos água-terra são muito importantes nos processos
de oxi-redução e ciclagem de nutrientes. Naturalmente os ecótonos água-terra
recebem uma grande quantidade de matéria orgânica e inorgânica dos
sistemas adjacentes, inclusive da própria mata ciliar, cuja deposição ocorre de
maneira discreta no tempo e no espaço. Em vista disto, essas zonas de
transição funcionam como filtros que retém e transformam a matéria,
amortecendo os impactos das áreas adjacentes e favorecendo, assim, a
manutenção da biota aquática. Essa função dos ecótonos água-terra também é
importante em lagos e reservatórios, sejam naturais ou de origem antrópica.
A concentração de sílica foi relativamente alta, aspecto relacionado à natureza
arenosa do leito do rio Culuene. Isto favoreceu a ocorrência de espécies de
diatomáceas (Bacillariophyceae), que precisam deste elemento para formar a
carapaça de sílica que envolve suas células.
61
Os resultados de ferro total podem ser considerados médios para rios de Mato
Grosso. A origem desse metal certamente relaciona-se aos tipos de solo da
bacia de drenagem, uma vez que regiões de cerrado costumam apresentar
altas concentrações de ferro.
A série de sólidos indicou que a proporção dos sólidos suspensos foi maior que
os dissolvidos, especialmente na estação CULU2. No entanto os resultados
obtidos são relativamente baixos, mas podem ter um aumento no período de
chuvas. Os sólidos sedimentáveis foram abaixo do limite de detecção do
método adotado. Esses resultados corroboram com os estudos
sedimentométricos apresentados no capítulo de hidrologia.
Todos os parâmetros apresentaram resultados dentro ou muito próximos dos
limites da Resolução CONAMA nº20/1987 para rios de Classe II, exceto o
fósforo total, cuja concentração acima do limite na estação CULU2, ao que tudo
indica, deve-se a condições naturais do rio Culuene. Em vários rios mato-
grossenses, com baixa interferência antrópica, foram registrados resultados de
Ph acima do limite dessa legislação (FEMA, 1997).
Parâmetros Biológicos
Clorofila
Os resultados da concentração de clorofila foi < 0,001 e 0,006g/L, nas
estações CULU1 e 2, respectivamente. Esse resultado é bastante baixo e está
relacionado também à baixa densidade de organismos fitoplanctônicos
encontrados no rio Culuene.
62
Coliformes
Os resultados do exame bacteriológico da água do rio Culuene indicam que
não há fontes de contaminação, visto pelos baixos valores encontrados, uma
vez que esta bacia é rural e não há áreas urbanas ou instalação de indústrias à
montante, muito pelo contrário, ocorrem áreas preservadas incluindo as Terras
Indígenas Parabubure e Ubawawê. O quadro abaixo traz os resultados dos
índices de coliformes no rio Culuene:
Estação de coletaColiformes totais
(NMP/100mL)Escherichia coli
(NMP/100mL)
CULU1 1.100 1,2
CULU2 1.600 2,1
Padrão CONAMA 5.000 1.000
A presença de coliformes numa água, por si só, não representa perigo à saúde,
mas indica a possível presença de outros seres causadores de problemas. A
determinação deste indicador é baseada em termos probabilísticos, sendo o
resultado expresso através do número mais provável (NMP) de organismos do
grupo coliforme por 100 mililitros de amostra. Este indicador pode ser medido
como coliforme total e fecal, sendo este ótimo revelador da presença de
esgotos de origem sanitária.
As bactérias do grupo coliforme são consideradas os principais indicadores de
contaminação fecal. Todas as bactérias coliformes são gram-negativas manchadas,
de hastes não esporuladas, que estão associadas às fezes de animais de sangue
quente e com o solo. A determinação da concentração dos coliformes assume
importância como parâmetro indicador da possibilidade da existência de m
patogênicos, responsáveis pela transmissão de doenças de veiculação hídrica, tais
como febre tifóide, febre paratifóide, desinteria bacilar e cólera.
Fitoplâncton
63
As algas encontram-se dentre os fatores biológicos relevantes para a definição
da qualidade da água e das condições ambientais já que, dentre os organismos
aquáticos, são consideradas as mais sensíveis às variações físicas, químicas e
biológicas da água. Os dados apresentados de fitoplâncton do rio Culuene, no
Mato Grosso, tem como objetivo inventariar a composição e abundância das
populações de algas na fase rio e poder compará-la com o futuro reservatório.
O fitoplâncton no rio Coluene na coleta está constituído por uma riqueza de 68
espécies, sendo que 19 espécies pertencem à classe Chlorophyceae e 17
espécies à Zygnemaphyceae. A contribuição relativa esteve representada por
Chlorophyceae (28%), seguida por Zygnemaphyceae (25%), Bacillariophyceae
(23%), Cyanophyceae (18%), Euglenophyceae (3%), Oedogoniophyceae
(1,5%), Cryptophyceae (1,5%).
As estações CULU1 e CULU2 apresentaram uma riqueza específica de 61 e
44, respectivamente. Entre as espécies listadas, 38 ocorrem
concomitantemente nas duas estações de coleta. Cita-se Chroococcus minor,
Trachelomonas volvocina, Cyclotela meneghiniana, Monoraphydium arcuatum,
Cosmarium spp. etc. A classe Chlorophyceae destacou-se pela maior riqueza
de espécies, contribuindo com cerca de 28% do total.
As estações analisadas caracterizaram pela baixa concentração de algas (185
e 259 ind/mL). A análise quantitativa do fitoplâncton demonstrou que a classe
Cryptophyceae foi responsável por 36% (CULU1) e 18% (CULU2) da
densidade total; seguida por Chlorophyceae 25% (CULU1) e 17% (CULU2); e
Cyanophyceae 21% (CULU1) e 27% (CULU2). Na estação CULU1 houve
dominância da classe Cryptophyceae, especificamente a espécie Cryptomona
sp. (67 ind/mL), Navicula sp. e Monoraphidium arcuatum com 17 ind/mL
(Bacillariophyceae e Chlorophyceae, respectivamente). Em CULU2
destacaram-se por sua abundância as espécies do gênero Cryptomona sp,
64
Trachelomona sp. (Euglenophyceae) Monoraphidium arcuatum e
Pseudoanabaenaceae.
A riqueza específica está composta por classes que normalmente constituem a
flora fitoplanctônica de ambientes de água doce. Observou-se dominância
quantitativa das algas criptofíceas, cianofíceas e clorofíceas.
A concentração dos organismos fitoplanctônicos e a diversidade foram muito
reduzidas dentro da comunidade fitoplanctônica nas estações consideradas.
A densidade foi determinada principalmente por Cryptomona. Essa alga ocorre
sob diferentes condições ambientais, sendo independentes da mistura. O
mesmo pode ser considerado para Trachelomona. A redução da vazão poderá
não interferir no sucesso do grupo, uma vez que estas algas são consideradas
comuns em diferentes tipos de sistemas aquáticos. As demais algas
dominantes são favorecidas por oferta de nutrientes, fato que o
“enlentencimento” do rio Culuene poderá vir a contribuir positivamente com
estes organismos planctônicos.
A tabela abaixo traz a freqüência do fitoplâncton e riqueza específica (nº
taxa/amostra) nas estações amostradas no rio Culuene.
Espécies CULU1 CULU2
CyanophyceaeAphanocapsa sp. x
Aphanothece nidulans XChroococcus minor X xMerismopedia tenuísima xMicrocystis aeruginosa xOscillatoria articulata X xOscillatoria limnetica X xOscillatoria ornata X xPseudoanabaenaceae X xSynechococcus sp. XSynechocystis aquatilis X xCyanophyceae colonial X
65
CryptophyceaeCryptomonas sp. X x
EuglenophyceaeLepocincles sp. X
Trachelomonas volvocina X XBacillariophyceaeAchnanthes sp1 X XAchnanthes sp2 X XAulacoseira granulata XCyclotela meneghiniana X XDiatoma sp. XEunotia sudetica X XFragillaria sp. X XGomphonema parvulum XNavicula sp1 X XNavicula sp2 X XNavicula sp3 X XNavicula sp4 X XSurirella biseriata XSurirella engleri X XSurirella tenera XSynedra goulardii X X
ChlorophyceaeAnkistrodesmus fusiforme X X
Bothryococcus braunii XDictiosphaerium echrenbergianum X XCoelastrum reticulatum X XCrucigenia tetrapedia XMonoraphidium arcuatum X XMonoraphidium caribeum X xMonoraphidium griffithii X XMonoraphidium minutum XOocystis sp. X XPediastrum duplex XSelenastrum gracile X XScenedesmus intermedius XScenedesmus sp1 X XScenedesmus sp2 X XScenedesmus sp3 X XSphaerocistis schroeteri XSchroederia sp. X XChlorophyceae colonial X X
66
ZygnemaphyceaeCosmarium margaritatum X
Cosmarium pachydermum XCosmarium pyramidatum XCosmarium sp1 X XCosmarium sp2 X XClosterium acutum XClosterium venus xClosterium sp1 x XClosterium sp2 x XMougeotia delicata xNetrium digitus x XOnychonema laeve xPleurotaenium minutum xSpirogyra sp xStaurastrum sp. xUlothrix sp. xXanthidium antilopacum x
OedogoniophyceaeOedogonium sp. x X
Riqueza específica 61 44
Já a tabela a seguir traz a densidade dos organismos fitoplanctônicos,
densidade total (ind/ml) e diversidade nas estações amostradas.
Espécie CULU1 CULU2
Aphanothece nidulans. 7 10Chroococcus minor 13 7Merismopedia tenuissima 0 3Oscillatoria limnetica 3 3Pseudoanabaenaceae 3 30Synechococcus sp. 3 0Synechocystis aquatilis 3 17Cyanophyceae colonial 7 0Cryptomonas sp. 67 47Trachelomonas sp. 10 34Navícula sp1 0 13Navícula sp3 17 7Navicula sp4 0 3Synedra goulardii 3 0Crucigenia tetrapedia 3 0
67
Dictiosphaerium echrebergianum 0 3Coelastrum reticulatum 0 3Monorapidium grifithii 3 3Monoraphidium arcuatum 17 30Monoraphidium caribeum 10 3Oocystis sp. 3 0Scenedesmus sp3 7 3Schroederia sp 0 7Chlorophyceae colonial 3 0Cosmarium sp2 3 0Closterium acutum 3 7Closterium sp1 3 0Closterium sp2 0 10Netrium sp 0 3Oedogonium sp. 0 3Densidade total 185 259Diversidade – H´ 1,00 1,170
Zooplâncton
Foram registrados apenas quatro taxa, representados pelos grupos: Rotifera (2
taxa), Cladocera (1 taxon) e Copepoda (1 taxon). Para os rotíferos foram
identificados taxa tipicamente planctônicos e o grupo Cladocera representado
por espécie típica de região litorânea e bentônica.
A tabela que se segue traz a composição qualitativa do zooplâncton no rio
Coluene.
TAXA CULU1 CULU2
ROTIFERA
Brachionus falcatus X X
Brachionus sp. X X
CLADOCERA
Alona sp. X -
COPEPODA
Cyclopoida sp1 X -
68
A ocorrência de espécies foi maior no ponto CULU1, e a densidade registrada
foi baixa para ambos os pontos, podendo ser atribuída a hidrodinâmica do rio
Culuene.
Em geral, o ambiente lótico não favorece o desenvolvimento de altas
densidades do zooplâncton, e é provável a colonização do futuro reservatório
por estes organismos uma vez que também ocorrem em ambientes lênticos.
As alterações na hidrodinâmica do rio poderão resultar em mudanças na
composição da comunidade em função da produção de novos organismos,
crescimento dos indivíduos, mortes, migrações, movimentos locais. Porém, ao
mesmo tempo em que há redução na abundância relativa de determinada
população, outra poderá se estabelecer, resultando em importantes mudanças
na estrutura da comunidade.
A tabela que se segue traz a densidade de organismos zooplanctônicos
(ind/m3) no rio Culuene.
TAXA CULU1 CULU2
ROTIFERA
Brachionus falcatus 250 125
Brachionus sp. 87 87
CLADOCERA
Alona sp. 167 0
COPEPODA
Cyclopoida sp1 87 0
Total 591 212
Diversidade – H´ 0,558 0,294
Macroinvertebrados Bentônicos
69
As categorias taxonômicas desta comunidade biótica encontradas no rio
Culuene apresentam um resumo dos indicadores estruturais das comunidades
nos dois pontos de amostragem.
As características dominantes do sedimento são: areia fina com presença de
seixos pequenos e uma pequena quantidade de matéria orgânica, o que se
reflete na pequena abundância de organismos, principalmente na estação
CULU2, que apresentou uma densidade de organismos muito menor em
relação a CULU1. As características físicas do sedimento variam pouco entre
os dois locais de amostragem.
Em relação às características da comunidade, a estação CULU1 apresentou
maior abundância total e maior densidade de organismos, o que pode ser
explicado pela maior quantidade de matéria orgânica na amostra, enquanto a
estação CULU2 apresentou maior riqueza de taxa e maior diversidade, o que
pode ser atribuído ao maior volume de sedimento coletado nessa estação.
A maior quantidade de matéria orgânica possibilita um incremento tanto na
abundância quanto na densidade absoluta dos organismos, ocasionada pela
maior concentração de fontes alimentares. Já a riqueza de taxa e diversidade
em ambientes semelhantes pode variar, em princípio em função do tamanho da
amostra.
Pode-se destacar a presença abundante de Naididae em CULU1 e sua
ausência em CULU2, o que não significa, necessariamente, uma relação
significativa com mudanças nas variáveis ambientais, pelo fato de que os
organismos são muito jovens, indicando uma colonização recente e não uma
população estabelecida.
Comparando-se o restante da comunidade nas duas estações, com exceção
de Naididae, percebe-se que sua composição é bastante semelhante em
70
relação aos taxa presentes e suas abundâncias relativas, refletindo a
semelhança das condições ambientais nos dois locais de amostragem.
Este levantamento prévio servirá de parâmetro de comparação para a
avaliação dos possíveis impactos do futuro reservatório sobre esta importante
comunidade biótica, que é uma das bases da cadeia alimentar de ambientes
aquáticos, sejam esses lênticos ou lóticos, especialmente na região litorânea.
A tabela que se segue traz a composição taxonômica das comunidades do Rio
Culuene.
71
CLASSE ORDEM FAMÍLIA Gênero
Oligochaeta Tubificida Naididae
Nematoda
Hidracarina
Insecta
Ephemeroptera Baetidae
Tricorythidae
Coleoptera Elmidae
Diptera Ceratopogonidae
Chironomidae
Tanipodinae
Chironominae Chironomini Fissimentum sp
Polypedilum sp
Harnischia sp
Tanytarsini Tanytarsini Gen sp
Corinoneura sp
Cricotopus sp
Orthocladinae
Já a tabela abaixo traz um resumo das características das comunidades dos
dois pontos de amostragem do rio Culuene
72
INDICADORES CULU1 CULU2
Diversidade (H’) 1,237 1,478
No de Taxa 8 13
Abundância Total 268 152
Densidade 670 ind/m3 202,6 ind/m3
Taxa dominantesNaididae (54%),
Corinoneura(26%) e Tanytarsini (13%)
Tanytarsini (58%) , Corinoneura sp (14%)
A tabela abaixo traz a abundância total e abundância relativa dos organismos
bentônicos nos locais de amostragem no rio Culuene.
TAXA PONTOS DE COLETA
CULU1 CULU2
AT AR AT AR
Naididae 143 0,53 - -
NEMATODA - 0,06 8 0,05
HIDRACARINA - 0,02 1 0,01
Baetidae - - 2 0,01
Tricorythidae - - 1 0,01
Elmidae - - 1 0,01
Ceratopogonidae 2 0,01 8 0,05
Fissimentum sp 3 0,01 2 0,01
Polypedilum sp 12 0,04 4 0,03
Harnishia sp - - 1 0,01
Tanytarsini 36 0,13 89 0,59
Corinoneura sp 69 0,26 22 0,14
Cricotopus sp 2 0,01 12 0,08
Tanypodinae 1 0,00 1 0,01
TOTAL 268 1,00 152 1,00
Legenda: AT = Abundância Total (no de Indivíduos); AR = Abundância Relativa (%)
73
O que se pode afirmar nos resultados obtidos é a que biodiversidade é
relativamente baixa no rio Culuene e compatível com sistemas lóticos, aspecto
que não deve variar muito em outras amostragens da fase rio. Conforme
estudos já realizados, é provável que haja um aumento relativo nesse índice
no futuro reservatório para todas as comunidades, especialmente as
planctônicas, que são favorecidas com a diminuição do fluxo.
Considerações sobre os usos da água
A classe definida para o rio Culuene é a 2, pouco degradada, com corpos de
água com pequeno input de nutrientes orgânicos e inorgânicos e de matéria
orgânica; pequena depleção de oxigênio; transparência da água relativamente
alta; baixa densidade de algas; pequeno tempo de residência e/ou grande
profundidade média.
Diagnosticou-se que os usos da água na bacia de drenagem, à montante e à
jusante do local do barramento, estão restritos à dessedentação animal,
basicamente bovino, que pode ser observado através de caminhos pela mata
ciliar até a margem do rio. Os proprietários das fazendas do entorno, ao que
tudo indica, utilizam água subterrânea para consumo humano, como é o caso
das comunidades indígenas nas TIs Paraqbubure e Ubawawe. Há poços em
todas as aldeias das duas terras indígenas.
Outro aspecto observado é que o rio Culuene é usado esporadicamente para
recreação de contato primário.
74
Herpetofauna
Segundo o diagnóstico preliminar sobre a fauna de Mato Grosso emitido como
produto do “Zoneamento sócio-econômico-ecológico do Estado” (inserido no
Programa de Desenvolvimento Agroambiental de Mato Grosso –
PRODEAGRO) e divulgado pela Secretaria de Planejamento do Estado
(SEPLAN, 1997), a região do alto Xingu encontra-se “relativamente bem
documentada para a maioria dos grupos [de herpetofauna] estudados”. Ainda
segundo o documento, “para os anfíbios admite-se que esta região foi muito
bem coberta pelos zoólogos Gertrud Rita Kloss e Paulo Emílio Vanzolini
[Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo - MZUSP], em diversas
ocasiões”. A região do Xingu mencionada no documento compreende as
localidades de Diauarum, Jacaré (rio Culuene); Posto Leonardo; Lagoa Ipavu;
Rio Tanguro; São Domingos; Fazenda São José; São José do Xingu; Batoví;
Sul do Amazonas; Sete de Setembro; ribeirão Cascalheira; Tanguro; Canarana;
rio Suiá Missu; Posto Jacaré e Posto Culuene. Trata-se de região situada,
assim, um pouco mais ao norte do que aquela em que efetivamente se
encontra o barramento da PCH Paranatinga II, no médio curso do rio Culuene.
Mas, quando analisadas as informações disponíveis por município, torna-se
evidente que as informações disponíveis sobre a herpetofauna da região em
que se situa a PCH Paranatinga II é bastante pobre. Com base no material que
se encontra colecionado na coleção de anfíbios e répteis do MZUSP, existem
apenas três registros de serpentes para o município de Canarana (a cerca de
130 km a NE do barramento da PCH Paranatinga II), um único registro para o
município de Paranatinga e nenhum registro para Campinápolis ou outras
localidades próximas.
As espécies mencionadas para Canarana incluem Pseustes sulphureus,
serpente arborícola de grande porte, popularmente conhecida como papa-ovo,
Xenodon rabdocephalus, serpente terrícola que se alimenta de sapos e
75
inofensiva, assim como a primeira, e ainda Lachesis muta, a surucucu,
serpente peçonhenta de grande porte, habitante dos estratos mais baixos de
áreas florestadas ainda pouco alteradas. Para a região de Paranatinga é citada
a presença de Sibynomorphus mikanii, serpente pequena, inofensiva, que se
alimenta de lesmas e caracóis.
A coleção herpetológica do MZUSP é uma das maiores (senão a maior),
coleções zoológicas do país. As coleções regionais existentes (UFMT,
UNEMAT) são pequenas, pouco representativas da fauna do estado de Mato
Grosso como um todo. Nestas coleções, estão praticamente sem
representação os conjuntos faunísticos de outras regiões que não Cuiabá e
cerrados do entorno, algumas localidades do Pantanal e regiões em que a
implantação de aproveitamentos hidrelétricos propiciou o aproveitamento
científico e um melhor conhecimento da fauna local. Exemplos mais recentes
são o APM Manso, que permitiu o acúmulo razoável de informações sobre a
fauna de uma região da Chapada dos Guimarães, e a UHE Guaporé, que
forneceu importante material zoológico das cabeceiras do Rio Guaporé.
Os trabalhos de campo para diagnóstico da herpetofauna na PCH Paranatinga
II foram realizados em novembro de 2002. Quatro métodos distintos foram
utilizados para a obtenção de informações sobre a herpetofauna local:
1. exploração metódica de transectos durante caminhadas diurnas e
noturnas, durante as quais foram feitas observações diretas da presença
de indivíduos das diferentes espécies;
2. registros das vocalizações características das espécies de anfíbios
anuros ocorrentes na área;
3. patrulhamento de rodovias, pequenas estradas e acessos locais durante
transectos em carro, durante o dia e durante a noite, tanto no interior do
reservatório como em seu entorno;
4. e colaboração de residentes e exame de material colecionado em
escolas.
76
6.4.2. Caracterizaçao físico-biótica das TIs Parabubure e Ubawawe
A análise ecológica da paisagem da região de Mato Grosso de uso da etnia
Xavante, com base nos padrões formados pelo arranjo espacial das tipologias,
estão descritas a seguir.
Solos
De acordo com os levantamentos dos tipos de solos existentes na região, as
áreas de influência dos estudos apresentam solos dos tipos Alissolos,
Cambissolos e Latossolos.
Na Terra Indígena Parabubure (1) predominam os solos tipos Alissolos e
Cambissolos. Os solos alissolos são caracterizados como de horizonte B
textural e com distinta individualização dos horizontes. São solos minerais não
hidromórficos e que vão da cor vermelho ao amarelo, e às vezes brunado ou
acinzentado. Sua textura é média a argilosa, com profundidade pouco profundo
a profundo e cuja drenagem pode ser classificada de bem a imperfeitamente
drenado. Quanto à classe de relevo, a ocorrência pode ser ondulado, forte
ondulado e montanhoso (Figura 7).
Os solos cambissolos são caracterizados como de horizonte B incipiente ou
câmbico. São solos minerais não hidromórficos e que podem apresentar as
cores amarelado e brunado. Sua textura vai de arenosa a argilosa, com
profundidade rasa a profundo e cuja drenagem pode ser classificada de
fortemente a imperfeitamente drenado. Quanto à classe de relevo a ocorrência
pode ser ondulado, forte ondulado e montanhoso.
Na Terra Indígena Ubawawê (2) predominam os solos tipos Cambissolos e os
Neossolos. Os solos cambissolos apresentam as mesmas características das
encontradas na Terra Indígena Parabubure. Já os solos neossolos são
caracterizados como ausentes de horizonte B e pouco desenvolvidos.
77
Figura 7 – Caracterização pedológica regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
78
São solos minerais e orgânicos, hidromóficos ou não, e que apresentam as
cores vermelho, amarelo ou mais claro. Sua textura é arenosa a média, com
profundidade rasa a muito profundo e cuja drenagem pode ser classificada
como excessivamente a mal drenado. Quanto à classe de relevo a
ocorrência pode ser plana, suave ondulado e ondulado (alagamento
periódico).
Os mapas de Uso do Solo da Bacia a Montante da PCH Paranatinga II
mostram diferentes tipos de vegetação que existem nas Terras Indígenas
Parabubure e Ubawawê, assim como informações a respeito do uso do solo
para atividades produtivas.
Geomorfologia
A Terra Indígena Parabubure (1) e Terra Indígena Ubawawê (2) estão
localizadas no Planalto dos Alcantilados – Alto Araguaia e na Depressão
Interplanática de Paranatinga (Figuras 8 e 9).
Vegetação
Nas TIs Parabubure e Ubawawe, quatro tipos desta vegetação podem ser
individualizados: cerradão, cerrado, campo sujo e campo limpo (Prancha 3,
Figuras 10 e 11).
Cerradão é do tipo de transição entre floresta e cerrado, sendo sua
vegetação mais alta (8 a 20 metros) e mais densa do que a deste, porém
mais baixa e menos densa de que a vegetação da floresta. Quase todas as
espécies arbóreas e arbustivas são as mesmas do cerrado, em geral.
Algumas espécies do tipo florestal ocorrem nos cerradões. Ao contrário da
mata seca, o cerradão quase não possui cipós e epífitas, sendo mais
79
comum em terraços e superfícies de menor erosão, ondulados e com menos
lixívia, onde a água subterrânea não é profunda demais, bem como nos
solos onde é possível a penetração adequada das raízes. Enfim, o cerradão
é uma floresta xeromorfa regional, fechada, com árvores e arbustos eretos,
de casca grossa e folhas duras, grandes e coriáceas e ramagem natural.
Devido á densidade foliar, à proximidade das árvores e à pouca penetração
da luz, existem muitas vezes camadas ou depósitos de matéria orgânica em
decomposição.
Cerrado apresenta-se numa paisagem plana ou quase plana, verde ou
pálido-cinzenta, conforme a estação do ano. Apesar de sofrer mudanças
contínuas, tanto fisionômicas como florísticas, o cerrado tem uma
característica que o individualiza: além de incluir espécies comuns às suas
variadas formas, as árvores e arbustos possuem certas adaptações ao
meio que se repetem em quase todas as espécies, isto é, troncos e galhos
retorcidos, recobertos de grosso súber, capaz de protegê-las contra a ação
do fogo, muito comum nestas áreas abertas e planas. As copas e ramos
não possuem simetria e a folhação é pouco desenvolvida. As folhas são
grandes e grossas, sendo algumas coriáceas. As cascas são fendilhadas,
apresentando-se com ausência de espinhos, cipós e epífetas. O cerrado
possui fisionomia própria, sugestiva e personalística, sendo o aspecto
retorcido das árvores o que mais o individualiza. Por faltar-lhe
nomenclatura mais exata, passaram a chamá-lo de savana. As
denominações se multiplicaram, savanas, campos cerrados, campos,
cerrado branco, cerrado vermelho e outros nomes. As espécies que
florescem no cerrado são todas pirofíticas, isto é, suportam o fogo. São
providas de casca corticenta que lhes protege o câmbio, mesmo que toda
folhagem seja destruída. Suportam igualmente os solos muito ácidos e a
toxidez do alumínio e do ferro.
Campo Sujo é uma vegetação de arbustos baixos e espaçados,
proveniente do cerrado que foi fortemente refreado pelo fogo. Quando o
80
campo sujo é protegido, mantém-se vigoroso e se chama propriamente de
cerrado. O campo sujo não possui extrato arbóreo, sobressaindo-se a
cobertura graminosa. Em áreas das Terras Indígenas Parabubure e
Ubawawê, o campo sujo ocorre em solos erodidos muito rasos, derivados
de materiais acidíferos, em chapadas planas de camadas compactas, as
quais provocam alagadiços e/ou pequena penetração de raízes e, em
conseqüência do desbravamento do cerrado para obter lenha ou melhoria
das pastagens.
81
Figura 8 – Geomorfologia regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
82
Figura 9 – Mapa geológico regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
83
Prancha 3 - Terras indígenas Xavante aspectos da vegetação.
Foto da vegetação.de cerrado
TI Parabubure preservada
84
Figura 10 – Mapa regional de vegetação, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
85
Figura 11 – Mapa de distribuição de áreas protegidas no estado Mato Grosso e localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
86
No Campo Limpo há ausência completa de árvores e arbustos, embora
presença de subarbustos. O campo limpo desenvolve-se sob as mesmas
condições adversas, ou até piores do que as do campo sujo. O fator ecológico
mais importante parece ser a presença do solo com horizontes compactos, que
dificultam a drenagem e impedem a penetração das raízes dos vegetais.
Os Xavante gostam do cerrado por ser amplo e aberto, apreciam as matas
ciliares pela abundância de água, raízes e frutas e por encontrarem nelas
também o buriti, de cujas fibras fazem os ornamentos cerimoniais, e as árvores
de cuja madeira fazem vários artefatos.
Os Xavante não gostam de espaços fechados. Constroem suas aldeias sempre
em campo aberto no cerrado. Suas viagens são feitas pelo cerrado, nunca
pelas matas, apesar da escassez de água.
A aldeia Água Limpa, da TI Ubawawê, está situada em uma região onde a
mata é disponível, porém a escassez de água e a necessidade de melhor
fiscalização da área poderão levar a uma mudança.
Na TI Ubawawê as principais formações vegetais estão assim localizadas:
áreas de cerrado – das cabeceiras do córrego O’prabá’o’á, até toda a região
que abrange os córregos São José, Ouro Fino e as cabeceiras do córrego
Pinguela; áreas de mata – margens dos rios Culuene e Paraíso e parte média e
baixa do córrego São José; áreas de campo – região da confluência dos rios
Culuene e Paraíso; e áreas de várzea – margens dos córregos Ouro Fino,
Pinguela, São José e rio Culuene.
Cerca de trinta por cento da área fora desmatada à época da ocupação de não-
índios. As porções florestais mais afetadas foram as ribeirinhas, que serviam de
refúgio aos animais silvestres e proteção ao solo, sendo essa área apropriada para
a agropecuária, explorada indiscriminadamente pelos antigos posseiros.
Considerando a presença de áreas de pastagens das antigas fazendas, e contando
87
pelo menos uma década da desocupação dos posseiros, muitas áreas se
recuperaram. Este fato também encontrado na TI Parabubure. Assim, as Terras
Indígenas Parabubure e Ubawawe não apresentam muitas áreas degradadas.
A vegetação natural, tipo cerrado, está preservada, inclusive as margens dos rios
e igarapés. A erosão existente em determinadas áreas é decorrente da estrutura
arenosa do solo, que demonstra o esgotamento da terra pela época de uso dos
posseiros. As antigas propriedades só haviam mantido 20% de reserva natural,
exigidos legalmente, desmatando todo o restante da propriedade.
Dentro deste contexto, as principais plantas que ocorrem nas áreas das Terras
Indígenas Parabubure e Ubawawe observadas pela equipe durante os
trabalhos de campo, são: caju do campo (Anacardium pulmillum), aroeira
(Astronio urundeuva), jatobá do cerrado (Hymenaea stigonocarpa), pequizeiro
(Caryocar sp.), carqueja (Baccharismspp.), pindaúba (Anona sp.), capim flexa
(Tristachya sp.), capim gordura (Melinis sp.), capim jaraguá (Hyparrhenia rufa),
capim mimoso (Heteropogon sp.), capim caninha (Andropogon sp.), cambarqua
do campo (Lantana sp.), Araçá do campo (Psidium sp), beiço de boi
(Desmodium sp), pau bosta ( Sclerolobium sp.), guabiroba (Campomanesia
spp.), Carqueja ( Baccharis dpp.), faveiro (Pterodon spp.), fruta do lobo
(Solanum sp.), pindauba (Anona sp.), lixeira (Curatella americana), pau-de-
arara (Salvertia sp.), Pimente- de-macaco (Xilopia sp.), mangabeira (Hencornia
sp.), flor de quaresma (Malostomaceae), Douradinha (Policourea sp.),
carobinha ( Jacarandá decurrens), indaiá (Attalea exígua), Marolo (Anona sp.),
Mangabeira (Hercornia sp.), jacarandá do campo (Machaerium sp.), Murici do
cerrado (Byrsonima sp.), sete-sangrias (Cuphea sp.), unha- de-vaca (Bauhinea
spp.), sensitiva (Mimosa pudica), saca-rolha (Helicteres sp.), vassourinha
(Vernonia sp.), unha-de-vaca (Bauhinea spp.), Beiço de boi (Desmodium spp.),
caiapá (Dorstenia sp.), angico (Piptadnia spp.), barbatimão (Stryphnodendron
sp.), canafístula (Dimorphandra sp.), murici do cerrado (Byrsonima sp.),
pimenta- de- macaco (Xilopia sp.), ipê do cerrado (Tabebuia sp.), pau-de-arara
(Salvertia sp.), Lixeira (Curatella americana), e outras.
88
Agricultura
A aptidão agrícola dos índios é sua agricultura de subsistência. A definição do
uso atual das terras é hoje para a reprodução física e cultural da comunidade
Xavante. As terras indígenas estão inseridas em área de agricultura
diversificada, pecuária de corte e leiteira (Figuras 12 e 13). A vegetação das
Terras Indígenas está preservada, muito embora toda a área limite esteja
sendo utilizada para agricultura e pecuária de forma intensiva sem quaisquer
adoções de práticas conservacionistas.
Há na região intensa ocupação agropecuária com destaque para grandes
propriedades rurais ocupadas por pastagens extensivas e plantios
mecanizados de milho e soja, bem como de outros grãos, em menor escala.
Essa expansão da agropecuária tem provocado problemas ambientais como
desmatamento e queimadas, eliminação de matas ciliares de preservação
permanente, perda da diversidade biológica, erosão laminar, assoreamento dos
corpos d água e contaminação pelo uso intensivo de agrotóxicos.
A área ocupada por plantios agrícolas é inferior a 0,5% da área total das Terras
indígenas Parabubure e Ubawawê, destacando-se os plantios de mandioca,
arroz, milho, batata, inhame, banana, amendoim, sem qualquer
acompanhamento técnico por parte da FUNAI. É importante mencionar a
existências de inúmeras roças de toco, típicas da cultura Xavante (Prancha 4).
A agricultura desenvolvida pelos Xavante não é significativa porque é insuficiente
para atender a demanda alimentar da comunidade, fazendo com que os gêneros
alimentícios sejam comprados de terceiros. Há necessidade premente que
grandes projetos agrícolas e de pecuária sejam implementados nas terras
indígenas. A questão da vulnerabilidade, sustentabilidade a médio e longo prazo,
erodibilidade e fertilidade natural do solo nas terras indígenas demonstram que,
havendo um acompanhamento por parte da FUNAI e de órgãos do Estado do
Mato Grosso, a agricultura é viável nas duas terras indígenas.
89
Figura 12 – Mapa regional de solos / aptidão agrícola e localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
90
Figura 13 – Mapa regional de uso da terra, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
91
Prancha 4 – Roças de toco da comunidade Xavante
Roças de toco nas proximidades da aldeia Uawé
Roça, aldeia Kalapalo
92
Há um projeto de financiamento do Banco do Brasil para algumas aldeias que
têm associação organizada. O dinheiro vai para a conta de cada associado
indígena, para plantios de milho e arroz, contando com a assistência técnica da
EMPAER que elaborou os projetos. O pagamento é feito com a metade da
produção.
93
6.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DO GRUPO INDÍGENA
XAVANTE COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS
HÍDRICOS E VEGETAÇÃO/FAUNA RELACIONADOS
6.5.1 A territorialidade Xavante
Há critérios internos dos Xavante para definição do território. Os índios Xavante
da T.I Parabubure têm muitos grupos, e cada grupo ou aldeia efetivamente
ocupa um território, mais ou menos delimitado, que considera como seu.
Embora exista um território comum, pertencente aos Xavante como um todo,
as reivindicações costumam ser encaminhadas de forma isolada, nem sempre
respondendo um grupo pelos interesses dos outros.
Os índios do grupo Jê, especialmente os Xavantes, têm como característica o
faccionismo, elemento marcante quanto à distribuição espacial da população.
Há uma adaptação da jurisdição administrativa à distribuição espacial dos
grupos (facções) existentes. Esta distribuição é influenciada pela negociação
de privilégios e pela distribuição dos bens adquiridos através da FUNAI. Isso
ocorre devido a uma distribuição “administrativa”, condicionada à distribuição
espacial da população, onde existe uma extensa rede de alianças e
composições. Estas composições políticas são historicamente estabelecidas
através dos processos estruturais de cisões internas e pelas diferentes formas
de encarar e vivenciar o contato com a sociedade nacional e seus diferentes
órgãos administrativos.
No campo político estas alterações vão se processar, principalmente, pela
introdução de novos mecanismos de alcance do prestígio, fundamental para o
exercício da liderança. Contrapondo-se à habilidade na caça e na guerra,
teremos a habilidade no relacionamento com os brancos e na obtenção de
recursos para a comunidade. Também o exercício de funções remuneradas e
94
de grande poder de influência, como chefe de núcleo, monitor de saúde ou
professor; permitirão, principalmente aos jovens, prestígio suficiente para
pretender galgar os postos de chefia. A postura frente aos brancos e a escolha
das alianças a serem mantidas com os setores específicos da sociedade
nacional (FUNAI, Prefeituras, fazendeiros e missões), às vezes conflitantes
entre si, reflete-se também sobre os processos de cisão.
A ocupação do território é primordial para a garantia da posse do mesmo.
Assim, as aldeias são distribuídas geograficamente no intento de ocupar e
fiscalizar o máximo de área possível, orientando-se as cisões para este objetivo
(Prancha 5).
Na atual situação, pode-se observar claramente o agrupamento de
determinadas facções em torno do número de representações administrativas
da FUNAI para a TI Parabubure e Ubawawê. São 3 Núcleos de Apoio
Local/NAL e uma Administração Executiva Regional. Estes foram, na maioria
das vezes, criados justamente para satisfazer os interesses das facções.
Dominados pelos grupos de liderança de cada facção, as NALs e AER têm
seus chefes nomeados por indicação destes.
Poderiam ser identificados na T.I Parabubure e Ubawawê grupos diferentes,
correspondentes espacialmente às jurisdições dos respectivos NALs, assim
distribuídos:
- Núcleo de Apoio Local Nõrota, em Campinápolis;
- Administração Executiva Regional de Campinápolis, em Campinápolis;
- Núcleo de Apoio Local Xavantina, em Nova Xavantina;
- e Núcleo de Apoio Local Parabubure, também em Nova Xavantina.
Dessas quatro representações da FUNAI, apenas o NAL Parabubure não
disponibilizou ao grupo técnico as aldeias de sua responsabilidade. As aldeias
das outras três estão descritas a seguir:
95
Prancha 5 – Aldeias Xavante
Aldeia São Pedro
Aldeiona,
Aldeia Buritizal
Aldeia Estrela
96
Aldeias subordinadas ao Núcleo de Apoio Local Xavantina
Ordem Município Aldeia Cacique População
01 Campinápolis Santa Maria Pio 59
02 Campinápolis São Paulo Paulo 58
03 Campinápolis Cristalina Isaura 23
04 Campinápolis Santo Amaro João Paulista 23
05 Campinápolis Deus é Amor Paulo Oscar 26
06 Campinápolis Nõrõtsu’rã Levi 28
07 Campinápolis Ti’irérepa Aparecido 29
08 Campinápolis Monte Pascoal Luizinho 27
09 Campinápolis Espírito Santo Miguel 60
10 Campinápolis Três Marias Eduardo 23
11 Campinápolis Ró’óredza’ódzé Vicente 28
Aldeias subordinadas ao Núcleo de Apoio Local Nõrota
Ordem Aldeia Cacique
01 Santa Cruz Josué02 Bom Jesus da Lapa Cipriano03 São Domingos Sávio Joãozinho04 São Pedro Isaias05 São Felipe Saturnino06 Santa Clara Anselmo07 Onça Preta Germano08 Parinai’a Domingos09 Santa Rosa João10 São Salvador João Nunes11 Nossa Senhora Aparecida Camilo12 Tsredzatsé Pedro13 Campinas Francisco14 Chão Preto Lázaro15 Boa Vida Alfredo16 Matrinxã Domingos17 Eteipore Amauri18 Tela Vive Ricardo19 Podzenho’u Orlando20 Upawapa José Luiz21 Canguaçu -
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Aldeias subordinadas a Administração Executiva Regional de Campinápolis
Ordem Aldeia Cacique PIn
01 Água Limpa Gabriel Ubawawê02 Aldeinha Manoelito Ubawawê03 Aldeona Eduardo Ubawawê04 Alto da Vitória Maurício Ubawawê05 Alvorada Joel Ubawawê06 Auwê Ubtsibimedzé Hugo Ajawa Ubawawê07 Baixão Bernardino Ubawawê08 Betel Tomás Ubawawê09 Cohab Marcides Ubawawê10 Colina Arlindo Ubawawê11 Córrego da mata Alexandre Ubawawê12 Lagoinha Abrão Ubawawê13 Novo Paraíso Simão Ubawawê14 Pedra Branca Ubawawê15 Santa Fé Otaviano Ubawawê16 Sucuri Valério Ubawawê17 Barreiro Armando Estrela18 Estrela Ailton Estrela19 Jacu Oswaldo Estrela20 Piranhão Rodrigo Estrela21 Serrinha Guilherme Campinas22 Campinas Antonio Campinas23 Jerusalém Paulo César Campinas24 Mato Grosso Ermínio Campinas25 Santa Helena Luciano Campinas26 Brasil Quirino Ita27 Biritizal Joaquim Ita28 Egito Enoch Ita29 Itaquere Davi Ita30 São José Pedrinho Xavante31 Santa Clara Anselmo Xavante32 Sete Rios Ubiratam Ubawawê33 São Benedito Ubawawê34 Panorama Ubawawê35 Dzeiwahu Rodinei Ubawawê36 Bela Vista Ubawawê37 Nova Canaã Coreolano Estrela38 Sobradinho Roberto Ubawawê39 Tiriwawepa Jovêncio Ubawawê
A aldeia Água Limpa é da TI Ubawawê e as outras são da TI Parabubure.
98
Diferentemente do povo Xinguano, o rio Culuene não apresenta locais sagrados
para o povo Xavante. Isso também não significa que o rio não seja importante para
eles. A Terra Indígena Parabubure tem sua história de origem muito mais ligada ao
rio Couto Magalhães que ao rio Culuene. A representatividade do rio Culuene está
inserida no aspecto geral da natureza, e na simbologia do uso da água. Sua
preservação, bem com a manutenção dos peixes, fazem parte da preservação do
ambiente como um todo, visto que a caça, com diferentes rituais, tem maior
importância na dieta Xavante e em sua cultura como um todo.
6.5.2 Caracterização do uso dos recursos naturais
Atividades Produtivas
Caça
A caça é, tradicionalmente, a principal atividade dos Xavante. Sua importância
dá-se, no nível econômico, por representar a principal fonte de obtenção de
recursos protéicos. Porém, é a sua importância no campo das representações
que mantém ainda a caçada como uma atividade primordial no modo de vida
Xavante (Prancha 6).
As espécies caçadas, em ordem de importância para os Xavante, são a anta, o
queixada, o catitu, o cervo, o veado, o tatu e o tamanduá (GIACCARIA &
HEIDE, 1972,62). Porém, também são caçados para consumo a paca, a cotia e
outros. Os meninos treinam sua habilidade, imitando os mais velhos em
divertidas caçadas de preás. As aves caçadas, também para consumo, são a
ema, siriema, jacu, mutum, pomba, perdiz e nhambu.
Prancha 6 – Instrumentos de caça Xavante.
Flechas e detalhe do empenamento
99
Para adornos e artesanato caçam aves para retirar penas como gavião, ema,
seriema, periquito, papagaio, beija-flor, urubu-rei e outros. Filhotes de animais
costumam ser criados para consumo futuro ou uso de penas. Vimos nas
aldeias filhotes de caititu, jacu, periquito, papagaio, arara e urubu (Figura 14).
Os Xavante classificam as caçadas de acordo com a sua finalidade. Como
relatado no relatório de identificação da TI Ubawawê, Processo n.
1721/99/FUNAI, entre os diversos tipos temos:
HOMONÕ – Um tipo de caçada coletiva que envolve a maior parte dos homens da
aldeia, geralmente feitas no fim da estação seca. Dura uma semana em média.
ABÀ – É uma caçada curta, que dura apenas um dia. São feitas em qualquer época do
ano. O local preferencial são as áreas de mata.
DÜ – A principal característica deste tipo de caçada é o uso da queimada, como
técnica para obter o melhor resultado possível.
DABATSÁ – É uma caçada realizada com o exclusivo fim cerimonial de celebrar um
casamento. A decisão de sair à caça é tomada entre os pais dos noivos (watsini).
ÎTSERE – Também é uma caçada para a cerimônia do casamento, todavia só é
utilizada quando é necessária a realização de uma cerimônia rápida, como na hipótese
de ter a noiva engravidado antes das núpcias.
DZOMÕRI – O Dzomõri é uma verdadeira migração, nele participa toda a família,
sendo os caçadores acompanhados por suas mulheres e filhos, e inclusive genros e
agregados. Num Dzomõri podem participar várias casas de uma mesma aldeia, que
pertencem à mesma família. Atualmente a sua duração é mais curta, cerca de duas
semanas; porém, antigamente duravam meses. Este tipo de expedição é praticado no
tempo das chuvas.
Uma caçada individual também é muito praticada, podendo quem tomou a
iniciativa ser acompanhado por mais um ou dois homens. A técnica será a de
buscar pegadas recentes.
A atividade pecuária não é desenvolvida em qualquer área das Terras Indígenas. A
carne consumida pelos Xavante é oriunda da caça, que tem-se tornado escassa
face ao aumento da população indígena e diminuição da disponibilidade de caça.
100
Figura 14 – Mapa regional de fauna, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
101
Coleta
A atividade de coleta com a finalidade de obter alimentos é essencialmente
feminina. De maneira eventual, principalmente durante as caçadas, os homens
podem fazer coleta de alimentos para sua manutenção. Porém, o provimento
regular da casa é mantido pelas mulheres, o que torna economicamente
fundamentais as suas atividades.
Nomes de cocos e batatas são freqüentes, como o nome da T.I Parabubure,
que teve origem na antiga Aldeia Parabubu, cujo nome é o mesmo de uma
batata amarga comestível, muito comum naquela região. Outros nomes como
Norõtsu’rã, Norõwede, Norõwededzepá (variedades de palmeiras), são
freqüentes identificando aldeias, regiões e córregos.
As palmeiras são importantíssima fonte de produtos de coleta. Com finalidade
alimentar são usados o babaçu (Norõwede), o acuri (Tiriwede), macaúba,
pindoba, piaçaba e o buriti, principalmente. Seus cocos e palmitos são
consumidos de diversas formas e muito apreciados pelos Xavante, podendo
ser vistos em grande quantidade, em qualquer aldeia.
Há também uma grande variedade de frutos comestíveis obtidos no cerrado,
entre os quais podem-se citar o pequi, baru, jatobá, jabuticaba do
cerrado(Tsini), caju do cerrado e outros, conhecidos apenas pelos Xavante e
que não têm nomes em português (Prancha 7).
Produtos de origem animal também são coletados para a alimentação,
destacando-se os insetos e larvas. Fazem parte da dieta Xavante ainda hoje,
embora o seu consumo não seja mais tão freqüente. Entre estes destacam-se
os gafanhotos, a formiga vermelha (Rãti), alguns tipos de coleópteros e larvas,
principalmente de abelhas. O mel também é muito consumido e sua coleta tão
apreciada que a ela dedicam-se também os homens. Os Xavante identificam
pelo menos dez espécies de abelhas melíferas na região.
102
Prancha 7 – Roças e produtos consumidos
Arvore de puçá e frutos
Mangueiral e crianças na aldeia do Buritizal
Mangueiral e crianças na aldeia do Buritizal
Fruto de puça
103
A coleta para a confecção de utensílios, ornamentos, armas, cerâmicas,
ferramentas e outros, envolve muitos produtos, conforme o tipo de objeto a ser
confeccionado, como os exemplos a seguir
Arco: madeira de tucum (palmeira); corda de buriti (palmeira)
Flecha: taquara; taquarinha; buritirana; cipó – imbé; cera de abelha
Bordunas: Sucupira, Pau-Brasil e Aroeira
Pilão: madeira de pequi (base); madeira aroeira (mão)
Instrumentos Musicais: cabaças (Um’ré), sementes de Patsé e sementes de
capim-navalha para maracás; bambu para flautas.
Cordas: tucum, buriti, babaçu, piteira e embira (diversas árvores)
Cerâmica: casca de árvore e argila
Cestos e Esteiras: buriti e buritirana (Prancha 8)
Ornamentos: folhas de Buriti (estojo peniano); cordas de tucum, buriti e outras
(pulseiras e tornozeleiras); brincos (pauzinhos trespassados nas orelhas) vários
materiais.
Ornamentos: cordões de Tsatede e Weterãti (dono da anta); cordões de buriti,
cipó e tucum (dono dos queixadas); brincos de talo de buriti e Ipañihoné (dono
dos queixadas).
Objetos de uso mágico/ritual: Wamari (arvore que faz sonhar); raízes de
Wetsua’re, Pañitsihudzu, Wadzaradzé, Weterã’ti e Wederutupá (pós para
controlar o tempo); jatobá e Itsiuwamrené (pós para a caçada de anta);
104
algodão, capim–navalha e outros (colares Tsõrebdzu usados nas ceromonias
de nomiação e casamento); folhas e fibras de buriti para a confecção de
máscaras Wamnhõrõ e capas No’oni (iniciação masculina); toras de buriti
(corridas)
Cosmético: óleo de babaçu (para os cabelos)
Medicinal: Os Xavante usam várias plantas com este fim, no tratamento de
picadas de cobra, dores de cabeça, ferimentos e outros. Na higiene bucal usam
folhas de Lixeira.
A tabela que se segue traz ainda algumas plantas encontradas nas terras
indígenas Parabubure e Ubawawê, com seus nomes na língua nativa e sua
utilidade:
PLANTA NOME XAVANTE UTILIDADE
Jenipapo Wederã Tinta para tintura corporal.
Pata de anta Utö’paranéRitual (cura), escarificação (provoca hemorragia), brincos.
Timbó – vermelho
Abawadzi’epré Idem.
Jatobá do cerrado
Aôyôyrepa Medicinal (dor de estômago) – chá da raiz
Gengibre TsibdzibiMedicinal (dor de dente), agilidade, estimula apetite.
Indaiá NorõreAlimento (coco), mitologia, palha para cobertura e esteira.
Capim-barba-de-bode
- Brinquedo (tufos)
Pé de ema (capim)
OyoRaiz, tipo de borduna usado em luta ritual dos meninos.
Piaçaba, pindoba, indaiá
RetsuRitual (esteira para iniciação), cobertura de casas.
Acuri Tirire Ornamento (cabeça) – wai’á
Lixeira pequena RarepaMedicinal (corta o fluxo de sangue no puerpéreo) – é usada na menstruação.
Algodão - Adornos (isõrebdzu), cordas
Urucu BöTinta para tintura corporal, de armas e utensílios, brinquedo (cachos de frutos).
Babaçu Norõwede Alimento (palmito, coco), estojo peniano
105
(folhas), pequena esteira (amarrada no pulso), facilita aleitamento materno (óleo), óleo para corpo – iniciação.
Acuri TiriwedeAlimento (palmito, coco, polpa), dieta da gravidez
Macaúba Tse’Alimento (palmito, coco, tronco), cordas (distintivo do “dono do tempo”0, dieta da gravidez.
Pindoba Retsu Alimento (coco), cobertura de casas.
Buriti Uywede
Wamñoro (máscara usada na iniciação – broto), alimento (fruto), cordas (fibra), cestos e esteiras (broto),jangada (talos), cordões (distintivos do dono das queixadas), brinco, corridas (tronco), flechas infantis (brinquedo), corda de folhas – indicativo de noivado, noni (vestimenta ritual – iniciação).
Timbó (cipó) Abawadzi Veneno para pesca.Milho-sete variedades próprias
NodzöCultivo, alimento, bolos usados em rituais, mitologia, nomeia grupo de idade, dieta da gravidez, brinquedo (peteca).
Feijão UhiCultivo, alimento, dieta da gravidez, mitologia.
Abóbora UdsönéCultivo, alimento; dieta da gravidez (sementes).
Batatas - Cultivo, alimento; cultivo introduzido.
Mandioca Upa Cultivo, alimento; cultivo introduzido, bolos.
Taquarinha - Flechas (caule, caule com raiz).
Taquara TiibuFlechas, construção da casa, instrumento musical.
Buritirana Atsereré
Corda para pulsos flechas, cabo de maracá, alimento (polpa do coco), cestos e esteiras (broto), fuso para fiar algodão, medicinal (dor de dente).
Cipó-imbé - Flechas (cordas).
Sucupira -Confecção de bordurnas (uybró) madeira, medicinal (semente,casca).
Aroeira -Confecção de bordurnas, mão de pilão, madeira para venda, bastões (iniciação)
Pequi Aba’reAlimento (fruto), confecção de pilão (madeira), nomeia grupo de idade.
Cabaças diversas
Um’ré
Instrumento musical (maracás), utensílios domésticos (deposito para água e objetos, sementes), instrumento de sopro (um’re ñiouruturé), distintivo do dono das cabaças.
Capim - navalha
AéAdornos (flechas, colares, máscaras, instrumentos, musicais, sementes).
Angico Wederutuñorô Cordas, distintivos do “dono do tempo”.Fonte: Relatório de Identificação e Delimitação da TI Ubawawê.
106
Prancha 8 – Bakté : cesta tradicional Xavante
Confecção de bakté paralisada em meados do dia.
Baktes de tamanhos diversos e usos distintos.
Mulheres trançam seus baktés e fazem uso dos mesmos.
107
Água/Pesca
Para o Xavante, a água não é apenas elemento essencial à sobrevivência, ela
tem um valor simbólico. Os Xavante distinguem a água viva, a água corrente
(traduzida pela palavra Ö), da água morta ou água parada (traduzida pela
palavra U). A água viva dos grandes rios, como a água morta dos grandes
lagos, é povoada por espíritos. Nos rios habitam os espíritos bons, os
Ötedewa, e nos lagos os maus, denominados Uutedewa (GIACCARIA, 1978).
Os Xavante acreditam que as águas dos rios não ocupam todo o espaço entre
a sua superfície e o respectivo solo. Assim, haveria uma zona livre e enxuta no
fundo, onde habitariam os espíritos (GIACCARIA, 1978).
A pesca é realizada ocasionalmente. Pode ser uma atividade individual, ou feita
em grupos. A pesca coletiva, que envolve toda a aldeia é chamada “Abawadzi”.
As mulheres também podem exercer a atividade, fazendo-o em grupos
isolados ou participando das pescarias coletivas.
Os rios da região são muito ricos em quantidades e variedade de peixes. O
mais apreciado de todos os peixes é o matrinxã, seguido do pintado, pacu,
papa-terra, tucunaré, jaú, voadeira, traíra, vários tipos de bagres e outros.
Deve-se pedir permissão aos Ötedewa para pescar nos rios, o que se faz
através de um ritual. Foram estes espíritos que, na mitologia Xavante, lhes
deram as abóboras e as batatas.
108
Agricultura
Sobre as técnicas de cultivo, informam que a área cultivável é obtida através da
derrubada de um pedaço da floresta tropical, por ser este um terreno rico em
substancias orgânicas e suficientemente úmido. Porém, a produtividade do
terreno é perdida num prazo máximo de 5 a 6 anos, obrigando os Xavante a
procurarem outro pedaço de terra fértil para o plantio.
Na divisão das tarefas observam que a maior parte do trabalho agrícola é
incumbência feminina. Na família, compete ao genro trabalhar para o sogro,
sendo retribuído por este com a confecção de armas para seu uso. A sogra
cuida dos netos.
No que se refere ao ciclo agrícola, tem-se: de fevereiro a maio (colheita); em
junho (limpeza e derrubada de vegetação com uso do fogo); de setembro a
outubro (capina e plantio).
As atividades são intercaladas por períodos de caça e de coleta.
As chamadas roças de toco são a principal forma de produção agrícola dos
Xavante, sendo responsáveis pela maior parte da sua subsistência atual.
Porem, mesmo elas são, hoje, completamente diferentes do sistema de
produção tradicional, antes do contato com os não-índios.
109
6.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DO GRUPO
INDÍGENA COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE
Educação
Os índios das terras indígenas Parabubure e Ubawawê estudam em escolas
nas aldeias, muitas delas de palha, sendo poucas as de alvenaria. São 35
escolas, duas de extensão, 64 professores índios, 1 diretor e 1227 alunos
índios matriculados. A Secretaria Municipal de Educação de Campinápolis é a
responsável pela estrutura e há condução da prefeitura para os alunos índios.
O material didático é em português, sendo que o padre Zacarias está
preparando uma apostila na língua Xavante.
A Secretaria de Educação trabalha em melhor parceria com o Núcleo de Apoio
Local Nõrota que com os outros NALs e Administração Executiva.
A Secretaria de Educação promoveu o Projeto Tukum, já finalizado, em que
muitos fizeram o curso para dar aula, mas que houve muito abandono após o
término.
O salário de um professor com magistério é de R$ 410,00 e de um professor
sem magistério é de R$ 300,00.
Das 35 escolas existentes, apenas a escola da aldeia São Pedro tem até o
ensino médio. A escola da aldeia Campinas tem até a 8ª série, a escola da
aldeia Santa Clara vai até a 7ª série do ensino básico, e a escola da aldeia São
Felipe tem até a 5ª série do ensino básico. Todas as outras escolas atendem
apenas até a 4ª série do ensino básico, antigo primeiro grau.
110
Há apenas uma turma de pré I com 16 alunos, e uma de pré II com 11 alunos.
Abaixo segue tabela com o nome das escolas encontradas em cada aldeia, o
respectivo número de alunos e o professor responsável:
Nº Nome da Escola AldeiaNº de
AlunosResponsável
01 EMI São Miguel Buritizal 34 Noélia02 EMI Jacú Jacu 15 Chirley03 EMI Santa Luzia Bom Jesus da Lapa 25 Vercy04 EMI Mata Virgem Mata Virgem 10 Noélia05 EMI Santa Rosa Santa Rosa 10 Chirley06 EMI Culuene Córrego da Mata 34 Noélia07 EMI Abdzuwe Boa Vida 20 Chirley08 EMI Egito Egito 19 Chirley09 EMI Estrela Estrela 55 Chirley10 EMI São Felipe São Felipe 64 Janet11 EMI Santa Clara Santa Clara 87 Chirley12 EMI Santo Antônio Campinas 118 Noélia13 EMI Gideão de Nobrega Sucuri 52 Janet14 EMI São Cristovão - 42 Osmar15 EMI Madre Marta Central 10 Osmar16 EMI Tomopse Rio Piranhão 19 Osmar17 EMI Luizão Baixão 17 Chirley18 EMI Imaculada Conceição São Pedro 112 Noélia19 EMI Xavante Novo Paraíso 72 Noélia20 EMI Cohab Cohab 14 Osmar21 EMI Dom Bosco Parabubure 13 Osmar22 EMI Eteipore Eteipore 24 Osmar23 EMI Aldeinha Aldeinha 22 Osmar24 EMI Aldeona Aldeona 29 Osmar25 EMI Benedito Loaso Couto Magalhães 07 Vercy26 EMI Lagoa Encantada Espírito Santo 18 Chirley27 EMI Parinai’a São José 28 Vercy28 EMI Santo Agostinho Santa Cruz 27 Osmar29 EMI São Cristóvão Santa Maria 16 Chirley30 EMI São Domingos São Domingos 36 Osmar31 EMI São Francisco de Assis Awué 21 Osmar32 EMI São Jorge São Jorge 10 Chirley33 EMI São Paulo Chão Preto 29 Osmar34 EMI Lagoinha Lagoinha 21 Osmar35 EMI Coração de Jesus Palmeiras 42 -
111
Comunicação
Há serviço de rádio instalado em todas as aldeias, permitindo a comunicação
com a Administração Executiva Regional da FUNAI e Núcleos de Apoio. Das
aldeias às cidades, os indígenas são transportados em veículos pertencentes à
própria comunidade.
Aposentadoria
Este tipo de benefício social tem se tornado cada vez mais importante. Os
velhos têm relações de parentesco com praticamente todos os membros da
aldeia. O que se adquire com o dinheiro das aposentadorias acaba circulando
por toda a aldeia. Os mais favorecidos costumam ser os motoristas, que
cobram pelo serviço de condução dos aposentados e os netos, jovens bem
instruídos que os orientam no recebimento e conferência do dinheiro e nas
compras, sempre sendo retribuídos com roupas, calçados ou outros.
112
6.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE
A FUNASA é a responsável pelo Pólo de saúde dos índios em Campinápolis,
que conta com três equipes de área com enfermeiro e auxiliar de enfermagem.
Não há médico próprio no pólo, sendo tratados pelos médicos do município.
São usados dois carros para os serviços de saúde nas aldeias, sendo
trabalhados 10 dias em cada postinho pela equipe da FUNASA, e contam
ainda com uma ambulância para as duas terras indígenas.
Na época dos trabalhos de campo não havia odontólogo em área, sendo que a
FUNASA aguardava contratação de um novo. No município há um dentista
contratado para o atendimento dos índios, para a prevenção e outros
tratamentos. Nas aldeias, pela falta de equipamentos só é realizada extração:
cáries e demais procedimentos são tratados no posto da cidade.
Há pequenos postos de saúde nas aldeias de Aldeona, Campinas, São Pedro e
Estrela, que precisam de reformas.
O pólo de saúde é, na verdade, a casa de saúde indígena, mas ainda não
identificado como tal pela falta de um médico. Aguarda-se recurso da FUNASA
para construção da Casa de Saúde do Índio em terreno que foi doado pela
prefeitura de Campinápolis/MT.
O pólo de saúde possui enfermaria para tratamento. O paciente é pré-avaliado
e levado para o hospital, quando necessário. E retorna para o pólo onde fica
em tratamento.
O hospital que recebe os indígenas é o Hospital Municipal Dr. Regis, onde é
usado o ambulatório, se faz internações, pré-natal e partos. Quando o caso é
mais sério, o paciente é encaminhado para Barra do Garças, município que
113
comanda os postos de Água Boa, Xavantina e Campinápolis. A maioria dos
partos é realizada na própria aldeia pelas enfermeiras e parteiras treinadas. A
FUNASA repassa para o município um incentivo financeiro para o atendimento
dos indígenas.
As doenças mais freqüentes nas crianças indígenas são doenças respiratórias
como pneumonia, além de diarréia e verminose. Muitas crianças apresentam
baixo peso. Nos adultos a maior incidência é de problemas como hipertensão e
diabetes. Há também dores lombares-mialgia e benfigo (problema de pele).
A FUNASA faz ainda o acompanhamento nutricional e desenvolvimento infantil,
vacinação nas crianças nas aldeias e atualização populacional. Também se
busca ajudar as comunidades indígenas com projetos de parcerias
comunitárias, como projetos de pomar e criação de galinhas. Há também
treinamentos e cursos para a capacitação dos próprios indígenas como
auxiliares de enfermagem e agentes sanitários.
114
6.8 ANÁLISE DE IMPACTOS
São amplamente conhecidos, hoje, os resultados negativos do modelo de
desenvolvimento adotado pelo Brasil a partir da década de 60. A apropriação
dos espaços naturais nas regiões fronteiriças e não integradas ao eixo centro-
sul, realizada sem o adequado planejamento ambiental, gerou uma série de
problemas como, por exemplo, a homogeneização da pobreza para as minorias
sociais, inclusive as etnicamente diferenciadas; a concentração mais
acentuada do capital em pontos seletivos do espaço; e a depredação do meio
ambiente.
Nesse contexto encontram-se as populações indígenas, duramente atingidas
por esse processo, à mercê de fortíssimas pressões sobre seu território,
materializadas através da disputa de terras, da interferência de projetos
governamentais na região, da invasão de posseiros, da exploração ilegal e
predatória dos recursos naturais existentes em suas terras, e da poluição
trazida dos espaços vizinhos. Todos esses fatores têm levado ao
empobrecimento dessas populações, enquanto geram menor oferta de
recursos naturais, comprometimento da qualidade ambiental, desaparecimento
de espécies da flora e da fauna, desestruturação social, perda da identidade
cultural, entre tantos outros.
Diante desse grave quadro, o conhecimento aprofundado dos problemas
ambientais existentes hoje nas Terras Indígenas brasileiras torna-se uma
questão da maior importância, quando se discute quais são as soluções
etnoambientais apropriadas para corrigir as distorções verificadas.
Muitas vezes conhece-se a situação de degradação ambiental em determinada
terra indígena, sem que, no entanto, se conheça o grau de comprometimento
115
da qualidade devida daí decorrente, nem se detenha subsídios suficientes para
uma correta intervenção.
As terras indígenas Parabubure e Ubawawê, do grupo Xavante, estão situados
na área de influência de empreendimentos do estado do Mato Grosso,
ressaltando que a Terra Indígena Parabubure, homologada, aguarda análise de
estudos de aumento de sua área.
Os estudos realizados por conta da PCH Paranatinga II contemplam os itens
previstos na Resolução CONAMA Número 001, de 23 de janeiro de 1986.
Todavia, não fazem referências aos impactos sócio-ambientais e culturais nas
Terras Indígenas e não há programas ou medidas mitigatórias direcionadas às
suas comunidades. O Programa de compensação Ambiental Xavante deve,
portanto, ser construído levando-se em consideração a necessidade de serem
implementadas ações que viabilizem o enfrentamento dos Xavante com a nova
realidade nos diversos usos do rio Culuene.
O Programa de Compensação deverá vigorar por um período de 5 anos, sendo
que além das avaliações e ajustes anuais, deverá ser realizada uma avaliação
no quinto ano de forma a adequar ações que não serão mais necessárias,
mantendo-se com as devidas adaptações, aquelas imprescindíveis para
garantir a sobrevivência física e cultural dos Xavante e a integridade de suas
terras.
Apresenta-se, abaixo, uma análise dos impactos decorrentes da implantação
do empreendimento sobre as TIs Parabubure e Ubawawe para, em seguida,
avaliar medidas mitigadoras que busquem prevenir ou minimizar aqueles
impactos, bem como sugerir medidas compensatórias no caso dos impactos
que não possam ser mitigados. O objetivo será implementar ações que venham
a mitigar e compensar os Xavante quanto a impactos decorrentes do
empreendimento proposto, garantindo, assim, a sobrevivência física e cultural
do grupo e a integridade ambiental das Terras Indígenas.
116
Durante os trabalhos de campo realizados entre a comunidade Xavante das TIs
Parabubure e Ubawawe foram realizadas diversas entrevistas visando obter a
percepção e opinião dos indígenas sobre o empreendimento. Nestas
oportunidades foram coletados depoimentos que demonstram uma profunda
preocupação quanto à qualidade ambiental de suas terras que, conforme
analisado acima, vêm sendo estranguladas pela exploração econômica
desenvolvimentista.
Apresenta-se, abaixo, os itens apontados pela comunidade, e que sintetizam
suas preocupações e receios perante a implantação da PCH Paranatinga II.
Embora, como veremos, alguns destes itens dizem respeito a outros agentes
interventores na região (fazendeiros, madeireiras, etc.), que fogem à
responsabilidade dos empreendedores da PCH, mostra-se complexo para a
comunidade indígena individualizar as causas das transformações ambientais
que põem em risco sua qualidade de vida.
Os Xavante demonstram, atualmente, muita preocupação com o
“veneno” (agrotóxico) jogado pelas fazendas nos rios e córregos, e com
os prejuízos advindos na qualidade da água;
Como conseqüência do item anterior, os Xavante temem prejuízos em
relação à contaminação ou mortandade de peixes;
.Os dois itens acima (pior qualidade da água e contaminação dos
peixes) preocupam os Xavante sobre os reflexos que teriam sobre sua
saúde;
No que se refere especificamente à PCH Paranatinga II, os indígenas
também demonstram temor com relação aos peixes (que diminuam ou
acabem);
117
Finalmente, foi apontado pela comunidade um impacto relacionado a
ascpectos simbólico/culturais. Para os índios, principalmente para as
lideranças mais velhas, mudar e modificar o rio é mexer na natureza e
desequilibrá-la. A água corrente, a água viva, que entra na maioria dos
rituais Xavante, tem para eles um importante simbolismo. É a fonte da
vida, força e beleza. Enquanto para muitas etnias indígenas a orientação
da aldeia é regida pelo sol, entre os Xavante a localização tem com
marco de referência o curso da água. Desta forma alterar o fluxo natural
do rio Culuene, principal curso de água que passa pelas suas terras,
constitui um impacto para as referências culturais desta comunidade,
mesmo que a barragem não venha a afetar diretamente as TIs.
Uma análise dos itens apontados pelas comunidades indígenas, à luz do
contexto de implantação da PCH Paranatinga II, indica que o empreendimento
terá um impacto ambiental para os Xavante. Isto porque:
as terras indígenas se encontram a montante da PCH, não devendo,
portanto, sofrer possíveis alterações provocadas pelo barramento e/ou
represamento da água no reservatório;
os peixes não são a principal fonte de alimento para os Xavante, que
historicamente têm na caça sua principal fonte de proteínas;
a água do rio Culuene não é utilizada para fins domésticos pelos
Xavante, que possuem poços em todas as aldeias;
embora o rio Culuene constitua território Xavante a partir do século XX,
o rio Couto Magalhães tem uma presença maior, pela ocupação e
justificação no processo administrativo de identificação.
A partir destas análises, indica-se os seguintes impactos diretos sobre as
comunidades Xavante das TIs Parabubure e Ubawawe:
118
1) Impactos ambientais
- Risco de alterações na qualidade da água
- Risco de alterações na ictifauna
Mitigável: Sim
2) Impactos simbólicos e culturais
- Desequilíbrio simbólico da natureza, através de alterações no curso do rio
Mitigável: não.
O texto que se segue traz as indicações de medidas mitigadoras (no caso do
impacto ambiental) e sugestões de medidas compensatórias (no caso dos
impactos simbólicos e culturais). O conjunto de ações mitigadoras e
compensatórias deverá fazer parte de um Programa de Compensação
Ambiental (PCA).
Vale salientar que estas indicações deverão ser amplamente discutidas e
definidas de comum acordo com a comunidade indígena, envolvendo
profissionais do CGPIMA/FUNAI e Ministério Público Federal. Assim, diante
das transformações já em curso, o PCA deverá contemplar ações que
forneçam alternativas econômicas sustentáveis e de baixo impacto ambiental.
119
6.9 PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS
Os objetivos específicos do Programa de Compensação Ambiental, no que se
refere à comunidade Xavante, podem ser assim discriminados:
reduzir/controlar os impactos ambientais decorrentes da implantação do
empreendimento; contribuir para a sobrevivência física e cultural das
comunidades indígenas; viabilizar a geração de excedentes de renda; contribuir
para a integridade das Terras Indígenas Parabubure e Ubawawê; e preparar os
Xavante para a sua inserção e adaptação nesse contexto desenvolvimentista
decorrente da implantação de empreendimentos.
O detalhamento das diretrizes básicas do Programa será de responsabilidade
de uma Equipe Técnica a ser contratada pelo Empreendedor, com aprovação e
acompanhamento da FUNAI e do Ministério Público Federal.
Conforme apontado anteriormente, o Programa de Compensação deverá
vigorar por um período de 5 anos, sendo que além das avaliações e ajustes
anuais, deverá ser realizada uma avaliação no quinto ano de forma a adequar
ações que não serão mais necessárias, mantendo-se com as devidas
adaptações, aquelas imprescindíveis para contribuir para a sobrevivência física
e cultural dos Xavante e a integridade de suas terras.
6.9.1 Medidas mitigadoras
Impactos ambientais previstos:
- Riscos de alterações na qualidade da água
- Riscos de alterações na ictifauna
120
Com o objetivo de prevenir e/ou mitigar os impactos acima previstos, indica-se
a necessidade de se estender para o alto curso do rio Culuene (portanto, a
montante do final do reservatório, até alcançar as TIs Xavante) os seguintes
estudos e monitoramentos ambientais:
- Programa de Conservação e Manejo da Ictiofauna (incluindo monitoramento
da transposição de peixes através da escada de peixes prevista pelo
empreendimento);
- Monitoramento sedimentométrico;
- Monitoramento Limnológico e da Qualidade da Água;
- Educação ambiental;
- Comunicação social.
Indica-se a necessidade de iniciar estes estudos e monitoramentos na fase pré-
enchimento do reservatório, de maneira a serem obtidas séries que permitam
comparação e análise com eventuais alterações observadas durante o
enchimento do reservatório, bem como durante a operação da PCH.
Considerando, inclusive, que não se conta ainda com dados sistemáticos que
definam com precisão a magnitude dos impactos previstos, o desenvolvimento
dos Programas acima listados permitirá, inclusive, calibrar as análises
realizadas. Caso os estudos e monitoramentos levem à identificação de novos
impactos ou necessidades advindas da implantação da obra, medidas cabíveis
deverão ser incorporadas ao PCA.
6.9.2 Medidas Compensatórias
Impactos simbólicos e culturais previstos: desequilíbrio simbólico da natureza,
através de alterações no curso do rio Culuene.
121
A preocupação das lideranças indígenas, apontada nas reuniões realizadas
durante os trabalhos de campo, foi com a vinda de recursos para compensação
das perdas. Outra preocupação é com a energia: com a construção do
empreendimento para a população não-índia da região, parte da comunidade
Xavante reivindicou a energia para suas aldeias. Por fim, outro grande
problema hoje nas Terras Indígenas Parabubure e Ubawawê é social, incluindo
uma fragmentação do poder político nas diversas administrações existentes,
cisões de grupos, bebida alcoólica e roubos, o que fragiliza a comunidade
como um todo.
Dentro destes aspectos, o presente estudo propõe ações compensatórias
voltadas a alternativas econômicas sustentáveis; de educação e saúde; e
proteção das TIs. Apresenta-se, a seguir, a descrição das possíveis ações e
medidas compensatórias sugeridas para a comunidade indígena Xavante das
TIs Parabubure e Ubawawê:
Ações voltadas a Alternativas Econômicas Sustentáveis
- Contratação de consultoria especializada para realização de estudo de
produtos não madeireiros disponíveis nas TIs e mercado para os mesmos. Esta
consultoria dever prever a participação de engenheiros florestais e ecólogos
para planejamento de manejos sustentáveis nas terras indígenas e cursos de
técnicas de preservação dos territórios.
- Considerando que, diferentemente das comunidades indígenas do PIX, que
tem sua dieta de proteína à base do peixe, os Índios Xavantes se alimentam à
base de caça, cada vez mais escassa e ameaçada na região, de modo a suprir
essa necessidade vital recomenda-se a implantação de campo criação de gado
bovino, em área a ser delimitada na Terra Indígena Parabubure. Para tanto,
deverá ser desenvolvido projeto de criação extensiva de gado bovino, no
regime de pastagens, com adequadas técnicas de manejo para cria, recria e
122
engorda, levantando-se a infra-estrutura necessária a esse fim. Serão
experimentadas raças zebuínas, de maior rusticidade, que apresentam boa
adaptação à região. Será também avaliada a viabilidade técnica das
alternativas de criação de caprinos, e mesmo de ovinos, que, dentre as raças
mais resistentes e de maior rusticidade, apresentem melhor adaptação às
características da região. É importante ser avaliado no projeto a possibilidade
de se empregar mão-de-obra da própria comunidade indígena, com a
necessária assistência e orientação acerca das técnicas e manejo adequados.
O projeto deve ser desenvolvido de modo a dar suporte à demanda das duas
Terras Indígenas dos Xavante, ficando sob responsabilidade do empreendedor
sua implantação e acompanhamento por 5 anos, após o que, continuará sob
responsabilidade a comunidade indígena, apoiada pela FUNAI ou por órgãos/
instituições por ela designados. Por fim, cabe salientar que existem grandes
extensões de terras dentro das TIs que, anteriormente, eram utilizadas para
pastagem pelos antigos proprietários fazendeiros. Assim, a implantação de um
possível criatório de animais não implicará, necessariamente, em causar
impactos ambientais nas TIs, mas, sim, aproveitar e remanejar terrenos
disponíveis para este fim.
Ações de Educação e Saúde
- Apoio para elaboração de mapa cultural a ser elaborado pela comunidade
indígena, com assessoria da FUNAI, para que ela possa melhor se
apropriar/resgatar seu meio ambiente, principalmente relacionado ao uso
tradicional do território;
- Cursos realizados nas aldeias indígenas visando promover estratégias para
preservar a saúde indígena, principalmente através da educação preventiva;
123
- Programa de esclarecimento e educação visando diminuir a ingestão de
bebidas alcoólicas por parte das comunidades indígenas;
- Apoio para inclusão de módulo ambiental no curso de capacitação de
professores indígenas visando a preservação e manutenção das TIs.
- Programa de Comunicação Social voltado para a comunidade indígena,
visando informá-los mais detalhadamente sobre a obra e os próprios
programas constantes do PCA, especialmente qualidade da água e ictiofauna.
124
Ações de Proteção das TIs
- Apoio às atividades de Proteção e Fiscalização das TIs;
- Colocação e manutenção de placas ao longo dos limites das TIs Parabubure
e Ubawawê, especialmente na porção em que as TIs limitam com o rio
Culuene;
- Cursos para fiscalização dos limites territoriais e proteção ambiental, dada
para os indígenas;
- Inclusão da questão indígena no Programa de Educação Ambiental, voltado
ao público não índio, visando contribuir na promoção de maior conhecimento e
respeito mútuo, destacando os costumes, direitos e deveres de cada um.
125
7. ESTUDOS JUNTO AOS POVOS DO PARQUE INDÍGENA DO
XINGU
7.1 APRESENTAÇÃO
A equipe de pesquisa permaneceu na área de estudo a partir do dia 28 de
outubro até o dia 24 de novembro, visitando as aldeias que compõem os
conjuntos conhecidos como Alto (Waurá, Kamaiurá do Ipavu, Yawalapiti,
Mehinaku, Aweti, Kuikuro, Matipu, Kalapalo e Nahukwa) e Médio PIX
(Kamaiurá do Morena, Trumai e Ikpeng) (Figura 15). Esta divisão também
serviu como ponto de partida para a posterior organização e análise dos dados
coletados, inclusive para o estabelecimento de comparações.
Os estudos nas aldeias foram sempre precedidos por ao menos uma reunião
geral, realizada em cada aldeia, e que tinha como objetivo esclarecer os
objetivos do trabalho, discutir os procedimentos que estariam sendo adotados
e, também, incorporar sugestões e recomendações feitas pelas comunidades
indígenas (para ilustração destas reuniões, vide Pranchas 9 a 16)
Os dados aqui apresentados podem ser classificados em 6 tipos, de acordo
com a forma como foram obtidos:
1) registros das atividades dos índios durante a permanência da equipe nas
aldeias e em passagem pelas estradas nas áreas cultivadas, através de
observação direta;
126
2) registro e georeferenciamento de plantas e animais silvestres observados, e
sua utilização pela comunidade estudada, durante todo o percurso realizado
dentro da T.I.;
3) registro e georeferenciamento de plantações e animais domésticos, durante
todo o percurso realizado dentro da T.I.;
4) depoimentos sobre o uso e manejo de recursos naturais (caça, pesca,
plantio e coleta) durante as reuniões e individualmente, quando possível;
5) recordações de pescarias, caçadas, extrativismo e produção agrícola;
6) anotações de itens alimentares encontrados nas moradias.
Diariamente foram verificadas quais eram as atividades exercidas pelos índios,
registrando-se dados relativos aos locais onde cada atividade fora realizada, às
técnicas e métodos de obtenção empregados e ao tempo gasto em
deslocamento, aquisição e processamento dos itens adquiridos. Durante o
acompanhamento das atividades foram também registrados o tipo e as
características do ambiente explorado. Estas ocasiões se mostraram
importantes para georeferenciar alguns dos locais de obtenção de recursos, e
para a realização de entrevistas, devido à conveniência de poder conversar
mais tranqüilamente com uma única pessoa ou com um grupo reduzido.
Sobre as formas de uso da fauna, foram realizadas também entrevistas
seguindo um roteiro padronizado referente às técnicas de caça e pesca, ao
consumo e demais formas de uso, preferências e tabus alimentares
relacionados à fauna. As perguntas eram relativas às espécies de peixes e
caça mais consumidos, preferidos, evitados, perigosos, tabus alimentares
(espécies sujeitas a restrições em determinadas situações, como alguma
enfermidade, menstruação, lactação, ferimento etc.) e utilização com finalidade
medicinal ou comercial.
127
Figura 15 - Aldeias do alto e médio Xingu pesquisadas.
128
Os procedimentos ocorreram no contexto de um processo interativo e
dinâmico, considerando as oportunidades de convívio e de trabalho com a
comunidade indígena. As informações obtidas basearam-se na percepção da
realidade ambiental e dos agentes de transformação dessa realidade.
As recordações referidas acima priorizaram atividades relacionadas com a
obtenção de proteína animal, como a caça e a pesca, e consistiam em
entrevistas padronizadas seguindo um roteiro definido, incluindo dados sobre a
localização dos pontos de captura dos peixes e caça, o tempo de
deslocamento até os locais de pesca e caça, o tempo de percurso entre outros
locais utilizados, a duração da atividade em cada local, o tipo de ambiente e as
condições climáticas na ocasião. Registramos os artefatos de caça e pesca,
como: tipo de cartucho, uso de cães, número de anzóis, tipo e quantidade da
linha utilizada, tipo de ponta utilizada no arpão, tipo de isca e modo de
locomoção. Registramos também os animais capturados em cada caçada e
pescaria quanto ao número, espécie, sexo e peso aproximado.
Aproveitando as oportunidades em que visitávamos as residências, eram
anotados os alimentos estocados ou sendo preparados, além de outros indícios
encontrados em volta das casas, como cascas, sementes, ossos e cascos. Por
outro lado, nas ocasiões em que percorremos a área juntamente com pelo menos
um membro das comunidades, por estradas, trilhas, rios, canais e lagos, seja com
voadeira (bote de alumínio com motor de popa), canoa, automóvel, trator,
motocicleta, bicicleta e a pé, localizamos as diferentes unidades de paisagem
(áreas com diferentes tipologias de vegetação nativa, capoeiras, áreas cultivadas
e de pastagem) das aldeias, limites, placas e locais de importância específica. A
obtenção das coordenadas geográficas foi realizada com auxílio de um receptor
de GPS (Global Position System), modelo Garmin 5.
Por fim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para complementar a
descrição da área e para comparar os resultados obtidos com trabalhos sobre
etnobiologia e ecologia humana com diferentes populações humanas
tradicionais e neo-tradicionais da bacia amazônica.
129
Prancha 9 – Reunião junto à comunidade
Reunião na aldeia Aweti
Reunião na aldeia Aweti
Local de reuniões e aula
Kokotí Aweti, chefe do PIN Leonardo
130
Prancha 10 – Reunião na aldeia Kalapalo
Índio Kalapalo na reunião
Reunião na aldeia Kalapalo Mulher Kalapalo na reunião
131
Prancha 11 – Reuniões junto à comunidade Kamayurá.
A reunião foi realizada numa estrutura semi-coberta denominada casa dos homens ou praça, que sem contar com paredes e ausência de flautas jakuí, teve a presença das
mulheres e de toda a comunidade kamaiurá no sagrado sítio Morená.
Toda as perguntas foram respondidas e os diálogos foram gravados para produção do
presente relatório.
Reunião no PIN Pavurú com jovens lideranças Kamayurá da aldeia Morená
132
Prancha 12 – Reunião na aldeia Kuikuro
Reunião na aldeia Kuikuro
Reunião na aldeia Kuikuro
Reunião na aldeia Kuikuro
133
Prancha 13 – Reunião na aldeia Matipu
Apresentação da equipe na aldeia Matipu. Estavam presentes as principais lideranças da comunidade: cacique, pajé e anciãos.
O antropólogo Rodrigo Chaves apresenta a equipe à comunidade Matipu
Um dos anciões da aldeia, kalapalo casado com uma matipu, inicia o relato da longa narrativa do Kwarup já na reunião.
Cacique e comunidade, incluindo mulheres assistiram e participaram da
reunião, emitindo opiniões e argumentos.
134
Prancha 14 – Reunião na aldeia Nahukuá.
Reunião na aldeia
O cacique Tirivé Nahukua
135
Prancha 15 – Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai
Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai
Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai
Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai
O cacique Trumai, Kowo Marikawá, durante a reunião na aldeia Boa Esperança
Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai
136
PRANCHA 16 – A3
137
7.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
GRUPOS INDÍGENAS
7.2.1 Caracterização lingüística
A sociedade xinguana é considerada pelos lingüistas como multilingüe, tendo
em vista que as etnias do PIX pertencem aos troncos Tupi, Aruak, Karib,
Trumai (língua isolada) e Jê.
O uso e domínio da língua portuguesa é incipiente, variando de aldeia para
aldeia, mas não chega a ameaçar as línguas maternas. À exceção da língua
Trumai que é considerada pelos especialistas em processo de crise lingüística,
uma vez que se constata o chamado delineamento de fronteira geracional,
onde os mais jovens utilizam cada vez menos a língua materna e cada vez
mais o português.
A língua Yawalapiti é pouco usada entre os mais jovens que a substituem pelas
Kuikuro e Kamaiurá, em virtude das relações matrimoniais entre essas etnias.
Atualmente apenas 06 adultos da aldeia Yawalapiti falam a língua.
A grafia dos nomes dos povos indígenas do Brasil obedece a uma convenção
promovida em 1953 pela ABA (Associação Brasileira de Antropologia), que é
desde então adotada não só pela maioria dos antropólogos e lingüistas, mas
também por muitos indigenistas e missionários. Os pontos principais dessa
convenção são:
a) Os nomes de povos e línguas indígenas serão empregados como
palavras invariáveis, sem flexão de gênero e nem de número, ex: a
língua Kalapalo, os índios Kalapalo;
138
b) Não serão usadas as letras “C” e “Q” em lugar de “K”, ao passo que
“G” será usada no lugar de “GU”,ex: Karajá, Kiriri e Gerén;
c) Sons frictícios: Asuriní (SS), Xavante (CH) e Jê (G);
d) Para “I” e “U” no início de palavras e entre vogais, serão usadas as
letras “Y” e “W”, ex: Yawalapiti.
Essa convenção pretendeu somente regular e eliminar as ambigüidades e
confusões no uso técnico desses nomes em estudos antropológicos e
lingüísticos.
No Quadro1 são apresentadas as aldeias, estimativa da população e filiação
lingüística das 14 etnias do PIX.
139
QUADRO 1 – Etnias, população e filiação lingüística dos povos do PIX
ETNIATRONCO
LINGUISTICOPOPULAÇÃO ALDEIAS
AWETI TUPI 138 Aweti, Saidão (Saúva).
KAMAYURÁ TUPI 355 Kamayurá, Morená, Jakaré.
KALAPALO KARIB 417 Aiha, Tanguro, Culuene (PIV).
KUIKURO KARIB 415 Ipatse, Lahatua, Ahukugi, (Buritizal).
MATIPU KARIB 119 Matipu.
NAHUKWÁ KARIB 105 Nahukwá, Yaramü.
TRUMAI ISOLADA 120 Boa Esperança, Terra Nova (PIV), Cristalina,Terra Preta, Steinen.
WAURÁ ARUAK 321 Waurá.
YAWALAPITI ARUAK 208 Yawalapiti, Aldeia Velha.
MEHINAKO ARUAK 199 Mehinako e Utauana.
TOTAL POPULAÇÃO ALTO XINGÚ
2.397
140
IKPENG KARIB 319 Moygo, PIN Pavurú
KAYABI TUPI 745
Guarujá, Três Irmãos, Ilha Grande, Barranco Alto, Tuiararé, Pirakuarat, Tuim, Moitara, Wekuawy, Onze de Setembro, Kapivara, Kaisara, Arraia, Kururu, Paramaita, Mubada, PIN Manito, Sobradinho, Maraka, Fazenda Boa Vista.
YUDJÁ/JURUNA TUPI 248 Pequizal, Paquiçamba, TubaTuba.
SUYÁ JÊ 334 Goiveri, Beira Rio, Raposão.
TOTAL POPULAÇÃO
MÉDIO E BAIXO XINGÚ
1.646
FONTE: FUNAI 10/2004
141
7.2.2 Caracterização histórica e cultural
Os povos do Alto Xingu
Os xinguanos se distribuem em três áreas distintas cultural e historicamente
dentro do PIX, uma região chamada de ‘Alto’, outra de “Médio” e a terceira de
‘Baixo’. A primeira configura uma região mais definida onde vivem 10 etnias
distribuídas em 18 aldeias, com uma população estimada em 2.397 indígenas.
O Alto Xingu recebeu do pesquisador Eduardo Galvão em 1953, a definição de
“área cultural” em virtude de que nela habitam povos diferenciados, sobretudo,
lingüisticamente.
Karl Von den Steinen já observava, no final do século passado, as notáveis
semelhanças culturais dos grupos dos formadores do Xingu. Apesar das
consideráveis distâncias que separavam os povos alto-xinguanos, estes tinham
desenvolvido um contato pacífico entre si, alimentado através de uniões, trocas
comerciais e uma intensa atividade cerimonial, com a realização de grandes
festas intertribais.
Estes povos participam de um universo cultural único, convivendo e
compartilhando traços culturais em diversos domínios, tais como relações de
parentesco, economia, padrão de aldeamento, cosmologia e rituais intra e inter-
tribais, entre outros, os quais ainda se distinguem entre si por outros traços que
funcionam como emblemas de identidades contrastivas, a exemplo da
manufatura de artefatos para a chamada ‘troca’ e a manutenção da autonomia
política de cada etnia ligada ao território que ocupa, além da percepção das
diferenças que cada uma tem das demais. Entre esses xinguanos existe uma
unidade tanto geográfica quanto sócio-política.
142
Segundo Basso (1969), ao longo do tempo foi se formando uma rede social
intertribal entre os grupos que passaram a compartilhar muitos traços culturais.
Dentre ritos, cerimônias e festas comuns aos grupos alto-xinguanos destacam-
se o Jawarí, o Kuarup e o Yamaricumã, bem como existe também
institucionalizado um sistema de trocas inter-tribais conhecida como Moitará e
uma luta de caráter lúdico-competitivo, o Huka-huka.
Ao sul do Parque Indígena do Xingú está localizada a região denominada Alto
Xingú, que recebe como afluentes os rios von den Steinen, Ronuro, Batovi, e
Curisevo, nas proximidades da localidade denominada Morená, lugar de suma
importância para a cosmologia xinguana. As etnias que ali residem são
também conhecidas por constituírem uma imbricada rede de relações entre si
que configura o denominado “sistema alto xinguano”. Apesar de falarem
línguas distintas e manterem elementos característicos e distintivos de cada
grupo, estes povos compartilham uma série de características culturais, tais
como casas oblongas dispostas em aldeias circulares, a dieta alimentar, as
pinturas corporais e suas indumentárias, os ritos e um mesmo ideal de
comportamento.
Até as primeiras décadas do século XX viviam também nesta região os Bakairi,
falantes de uma língua do tronco lingüístico Karib, os quais abandonaram os
formadores do rio Xingu, deslocando-se mais para sudeste, para junto do alto
curso dos rios Teles Pires e Arinos. Estes indígenas também se orientavam
pelos mesmos padrões culturais alto xinguanos.
Segundo Egon Schaden (1965), ao se fazer um balanço das questões relativas
à aculturação no alto Xingu percebe-se o fundo conflituoso sobre o qual se
instauram as instituições xinguanas, dentre essas, apresenta o conflito entre os
Trumai e os Suyá pela disputa do local de extração do diabásio (material
utilizado para a fabricação do machado de pedra), de domínio dos primeiros e
tomado pelos Suyá, revelando-se no decorrer do processo, ter sido uma
143
conquista de pouco utilidade para os Suyá, uma vez que as expedições que ali
chegaram, a primeira de Karl von den Steinen, introduziram os instrumentos de
ferro que competiram vitoriosamente com os de pedra. Os Suyá foram
drasticamente reduzidos em combate com outras etnias xinguanas. De acordo
com Anthony Seeger sua recuperação se deu somente após a introdução dos
Tapaiúnas no PIX, um ramo separado dos Suyá que vivia mais ao oeste.
Os Trumai se colocaram sobre proteção dos Kamayurá e o casamento entre
estes últimos e as mulheres Trumai foi uma aliança estabelecida. Daí por
diante, os Trumai não recuperaram mais o seu prestígio com os demais grupos
da área.
Conforme Schaden, um dos principais motivos que fazia os xinguanos
buscarem um bom entendimento entre si era a constante ameaça dos povos Jê
circunvizinhos, onde se incluem os Suyá e os Jê do norte, representados pelos
Metuktire e os Txucahamãe.
Galvão denominou como “área do uluri”, artefato utilizado pelas mulheres das
sociedades xinguanas, a região que forma este singular sistema cultural
partilhado pelos Aweti, Trumai, Mehinako, Waurá, Yawalapiti, Kalapalo,
Nahukwá, Matipu, Kuikuro e Kamayurá. No entanto esta região abrigava
também outros povos que não integravam a “área do uluri” e que, até muito
recentemente, alternavam relações hostis ou pacíficas entre si. Os Jê, Suyá,
Metuktire e Txukahamãe, junto com os Ikpeng de língua Karib e os Yudjá de
língua Tupi, foram catalogados outrora como povos “periféricos” ou “marginais”,
visto que não partilhavam os traços culturais que caracterizam a “área do uluri”,
de acordo com Galvão e Simões (1966:40).
A despeito dessa uniformização cultural, em um plano mais geral esses povos
distinguem-se entre si na língua, no habitat e nas suas manufaturas
especializadas. Conforme Bruna Franchetto (1986:51-52), do ponto de vista
das representações indígenas sobre o sistema cultural regional, o principal
144
critério distintivo de identificação dos agrupamentos sociais relevantes são as
diferenças lingüísticas e dialetais.
Gertrude Dole critica a visão de que as semelhanças culturais dos povos da
região do Alto Xingu indicariam uma cultura homogênea, pois “embora
integrados num sistema cultural regional, através de intercasamentos,
dependência econômica e cooperação cerimonial, os xinguanos atribuem
grande significação às numerosas diferenças materiais, sociais e ideológicas
entre os diversos grupos locais” (Dole, 2001: 63). Ressalta, porém, que muitas
diferenças culturais desapareceram nas últimas décadas do século XX.
Partindo de uma classificação proposta para estes povos, Rafael Bastos
(1983), elaborou um modelo que procura dar conta da articulação entre as
diferentes sociedades no PIX e o processo que a caracteriza. Denomina
“xinguanos” àqueles povos que vivem há mais tempo na área e que partilham
de vários elementos culturais comuns xinguanos tais como o formato da aldeia,
a forma da casa, os ritos intertribais - Moitará, Kwarup, etc.
Para aqueles que entraram mais recentemente na área, levados por sertanistas
ou por iniciativa própria, a exemplo dos Suyá, cuja entrada na área não é tão
recente assim, os Ikpeng, os Yudjá, os Kayabi, os Panará, os Tapaiúna e os
Txukahamãe são denominados xingüeses.
Xingueses é a terminologia utilizada para o conjunto de xinguanos e xingüeses
e que, juntos com os representantes da sociedade brasileira na área
(indigenistas, professores, administradores, profissionais de saúde, etc.),
constituem a sociedade xinguara.
Segundo Bastos, os xingüeses, em certa medida, passam por um processo de
‘xinguanização’ ao participar dos rituais dos xinguanos mais antigos e ao
demonstrar uma tendência em adotar alguns itens culturais destes. Por outro
lado, todos os xinguenses induzidos pelos problemas suscitados pela
145
aproximação das frentes de expansão e pela presença dos representantes da
sociedade brasileira, passam por um processo de ‘desxinguanização’.
No trabalho de Patrick Menget (1993) são destacados aspectos importantes
sobre os alto-xinguanos: o primeiro trata da sistemática política de
neutralização e atração daqueles grupos considerados periféricos ou hostis,
valendo-se de raptos de mulheres ou apropriação de mulheres de grupos
considerados inferiores tendendo a uma reciprocidade equilibrada, ou mesmo
incursões de vinganças a ataques sofridos. Tal estratégia permitiu aos alto-
xinguanos chegarem à atualidade menos reduzidos que aqueles grupos que os
atacavam. O segundo aspecto está relacionado à celebração dos três grandes
rituais pan-comunitários: o Kwarup em homenagem aos mortos; a iniciação dos
rapazes e o Jawarí, torneio de lançamentos de flechas, com propulsores.
Essas cerimônias sublinham as articulações entre as comunidades,
estabelecendo as relações de aliança, a reciprocidade regrada, etc.
Menget finaliza dizendo que os povos formadores do Xingu constituem “graças
à densidade das relações econômicas, cerimoniais e matrimoniais entre seus
membros, um verdadeiro sistema social”.
O livro organizado por Bruna Franchetto e Michael Heckenberger (2001), “Os
povos do Alto Xingu: História e Cultura” reúne artigos de diferentes
pesquisadores que, com pontos de partida distintos, mostram um longo
passado perscrutável e interpretável dos povos alto xinguanos.
Os povos do Médio e Baixo Xingu
Esta região se estende do território Trumai, logo abaixo da confluência dos
formadores que originam o rio Xingu, ao sul, até a estrada BR-080, ao norte.
146
A história das diferentes etnias do “Médio” e “Baixo”, divergem, convergem e
correm distintas. Sua riqueza e complexidade é tão intensa quanto a
encontrada entre as etnias do “Alto”. Tal fato se deve a absorção de alguns
povos extintos entre seu grupo, dentre esses os Manitsauá, os Yarumã e os
Awaiky.
As fronteiras do PIX, em suas sucessivas reformulações, jamais incluíram a
totalidade dos territórios tradicionais dos povos que passaram a ser
reconhecidos como “índios do parque”. Há fronteiras internas entre as
diferentes etnias, estabelecidas de modo flexível, mas reconhecíveis e
reconhecidas pelos indígenas.
A história do contato, os trabalhos de “pacificação”, além da própria criação do
PIX em 1961, estabeleceram novos limites entre si e os não-índios, impostos
por forças externas à organização social indígena.
Na região central do PIX estão os Ikpeng, de língua Karib, e uma aldeia
Trumai, enquanto que mais ao norte, na região conhecida como Baixo Xingu,
estão situados os Suyá, de língua Jê, os Kayabi e os Yudjá, de língua Tupi. Até
a década de 1990, o PIX contava também com a presença dos Panará, de
língua Jê, os quais conseguiram reconquistar e retornar ao seu território
tradicional, situado no Pará, na referida década (vide Mapa Etno-Ecológico do
PIX, Anexo 3).
A história da permanência destes povos no vale do rio Xingu é mais recente do
que a dos povos do alto. Do ponto de vista cultural, essa é uma região mais
heterogênea. Historicamente esses povos mantiveram contatos hostis ou
amistosos com os alto-xinguanos, sem se integrarem, no entanto, ao seu
sistema sócio-político-ritual.
147
Os Juruna e os Suyá alcançaram o alto Xingu por seus próprios meios. No ano
de 1884 Karl von den Steinen teve um encontro amistoso com os Suyá, que
resultou no mapa do Xingu e seus formadores, traçado na areia por um velho
Suyá, indicando aldeias de outros povos que ali viviam e no retorno do
etnólogo à região no ano de 1887.
Desde este período até o ano de 1959, data estabelecida como a do contato
dos Suyá, este povo sofreu severos ataques de outros povos, como o dos
Juruna, e também promoveu outros tantos, a exemplo dos ataques aos Trumai,
ainda no século XIX. Os Suyá chegam ao ano de 1959 com uma população
reduzida, composta por várias mulheres de outros povos e sofrendo forte
influência do sistema xinguano.
Em 1969 foram levados para junto dos Suyá, os Tapaiúna, que estavam
situados mais para oeste, nos rios Arinos e Sangue, afluentes do rio Juruena e
que há mais de dois séculos se encontravam separados dos Suyá devido à
migração destes à bacia do Xingú. Esse reencontro permitiu aos Suyá uma
valorização e retomada das tradições que estavam sendo abandonadas. Os
Suyá se referiam aos Tapaiúna como “novo Suyá”, reconhecendo-os como um
mesmo povo. Mais recentemente os Tapaiúna se afastaram dos Suyás indo se
instalar na Terra Indígena Kapoto/Jarina junto aos Txukahamãe, localizada fora
dos limites do PIX.
Os Juruna, povo de língua Tupi, foram assinalados ainda no século XVII como
um dos povos habitantes da região do baixo Xingu. Fugindo do assédio de
missionários, bandeirantes e seringalistas, parte deste grupo migrou em
direção ao alto curso do Xingu. Em 1884, depois de deixar o alto Xingu,
Steinen passou por eles, registrando cinco aldeias nas imediações de
Piranhaquara, no sul do Pará.
Se os Suyá e os Juruna chegam ao Alto Xingu por movimentos próprios, essa
não foi a situação dos outros povos que ali vivem ou viveram, como os
148
referidos Tapaiùna que foram transferidos para ali, pelos sertanistas, de modo
a livrá-los das difíceis situações pelas quais passavam; como também ocorreu
com os Kayabi, Ikpeng e Panará.
Os Kayabi não vivem exclusivamente na área do PIX, ainda que a maior parte
de sua população ali esteja vivendo. Seu território tradicional localizava-se em
uma extensa área entre os rios Arinos e dos Peixes, e o médio Telles Pires.
Atualmente um pequeno grupo Kayabi vive na Terra Indígena Apiaká/Kayabi,
no rio dos Peixes, situada ao norte da cidade de Juara-MT.
A separação dos Kayabi do rio dos Peixes e dos que vivem hoje no Xingu se
deu em 1966, mas seu processo de migração para o PIX teve início na década
de 1950 com o seu envolvimento nos trabalhos da Expedição Roncador-Xingu.
Ao final do século XIX inicia-se para os Kayabi um longo período de choques
com seringueiros, que invadem seu território. Já em meados do século XX as
invasões são promovidas por companhias colonizadoras que, a despeito de
todas as irregularidades, alienam as terras Kayabi. Bartolomeu Meliá (1993)
expõe detalhadamente em um artigo as contingências do contato interétnico
por que passaram os Kayabi e os focos de atração que acentuaram o
movimento de dispersão destes.
Os Panará foram transferidos para o PIX em 1973, devido às epidemias de
gripe que mataram dois terços da sua população, em decorrência da rodovia
BR 163 estar na rota de seu território. Localizado na fronteira entre os estados
do Pará e de Mato Grosso, o território Panará se estendia pela bacia do rio
Peixoto de Azevedo, a Serra do Cachimbo e as cabeceiras dos rios Iriri e
Ipiranga. Passados quase vinte e cinco anos desta transferência, os Panará
recuperaram parte de seu território e para lá voltaram, hoje conhecido como
Terra Indígena Panará.
149
Heelas (1979) e Schwartzman (1987) estudaram os Panará e admitem a
possibilidade destes serem os Kayapó do sul, dados como extintos. Tal
possibilidade é também reafirmada por outros pesquisadores a exemplo dos
lingüistas Aryon Dall’Igna Rodrigues e Luciana Dourado que compararam o
vocabulário dos atuais Panará com listas de palavras deixadas por antigos
viajantes Kayapó do sul.
Os Ikpeng já se encontravam estabelecidos na região do médio rio Ronuro nas
primeiras décadas do século XX, segundo Menget (1977). Em 1924 a
expedição do Capitão Vasconcelos avistou sinais da presença dos Ikpeng na
margem direita do rio Ronuro, entre as corredeiras e a foz do afluente Jatobá.
Para os demais povos dos formadores do rio Xingu, os Ikpeng passaram a
constituir uma ameaça, visto que realizavam incursões que resultavam em
rapto de crianças, incorporadas ao seu grupo, além de pilhagens. Os Waurá e
Mehinako foram alvos prioritários dessas incursões.
Estimativas indicam que a população indígena no Xingu variou de 2.500 a
4.000 indivíduos no final do século XIX. Entre 1948 e 1963 se resumiam entre
620 a 650 indivíduos, voltando a aumentar para 750 indivíduos em 1972.
Segundo Menget, “por volta de 1890 existiam entre 30 a 40 aldeias distintas
(...); nos anos de 1920, uma quinzena”. No final da década de 1960 eram oito
aldeias, mais um grupo familiar Trumai (Menget, 2001: 52). Menget afirma ser
notável que o decréscimo demográfico observado entre 1884 e 1954 entre os
povos do Xingú não foi acompanhado por uma redução lingüística proporcional
(idem: 51).
* * *
O texto que se segue traz uma caracterização sintética de cada uma das 14
etnias que compõem o PIX, em seu alto, médio e baixo vale.
150
AWETI
Os Aweti vivem próximo à margem esquerda do rio Curisevo, no curso inferior
do rio Tuatuari. Segundo Galvão (1953), os Aweti ocupam o mesmo lugar da
época da expedição de Von den Steinen em 1884.
Os Aweti e os Waurá foram os primeiros invasores da região, onde atacavam
indistintamente todas as tribos. Radicaram-se no rio Curisevo já perto de sua
desembocadura no Culuene.
Os Aweti são a sociedade indígena menos estudada pelos pesquisadores que
trabalharam na região do alto curso do rio Xingu. A bibliografia sobre eles é
escassa e não existe nenhum estudo antropológico específico sobre esse
povo, com exceção do trabalho de George Zarur (1975). O trabalho de Coelho
de Souza (2001) procura fornecer subsídios para a consolidação de um
panorama histórico sobre o grupo. É um trabalho notável, ainda mais pelo fato
da autora nunca ter visitado a aldeia Aweti.
Segundo Coelho de Souza foi Karl von den Steinen quem realizou o primeiro
registro dos Aweti, localizando-os à época (1884) a cerca de uma hora e meia
a pé do porto do rio Curisevo, abaixo dos Mehinako e acima dos Kamayurá
(Steinen apud Coelho de Souza, 1942: 255).
A população em novembro de 2005 das dez casas da aldeia Aweti, segundo o
censo de nossa equipe, era de 88 pessoas, mas dados do AIS indicam um total
de 97 pessoas, o que confirma a recuperação demográfica do grupo, que
atingiu seu contingente mínimo nas décadas de 1940/1950: “Ao visitá-los, em
1947, Lima contou apenas 27 índios (Lima, 1955, p. 164, 169); Oberg (1953, p.
3-4) os calculou em 30 no ano seguinte. A epidemia de sarampo de 1954
custou-lhes oito vidas, reduzindo-os a 23 indivíduos (Silva, 1972, p. 257-258,
276). A partir daí começaram a recuperar-se: eram cerca de 45 por ocasião da
151
pesquisa de Zarur em 1971 e 1972 (1975, p.7), e hoje atingem a marca dos 90,
retornando ao número de 1924 (Instituto Socioambiental, 1996, p. 7)”, quando
foram visitados pelo capitão Vicente de Paulo Vasconcelos. O chefe Aweti em
1924 era Avaiatú, além de Taiupala e Tanacu, mencionados como “capitães”.
Vasconcelos descreve um círculo de 50 m de raio em que se dispunham seis
casas elípticas bem construídas, mas não fala em casa das flautas, e estima a
população em 80 pessoas” (Coelho de Souza, 2001: 360) (Prancha 17).
Coelho de Souza refere-se aos Anumaniá, a quem os Aweti disseram ser seus
ancestrais na reunião realizada com a equipe: “Os enumania são arrolados por
Bastos (1989, p. 526, 533) como um dos diversos contingentes tupi que se
instalaram na região nos séculos XVIII e XIX, posteriormente incorporados
pelos Aweti (...). Os enumania, segundo o narrador kamayurá, são os
ancestrais dos aweti, e os wyrawat, um grupo de língua similar à kamayurá,
mas muito parecido com os aweti, que também absorveram seus
remanescentes” (Coelho de Souza, 2001: 361).
Durante reuniões realizadas junto aos Aweti por conta dos trabalhos da equipe,
os índios relataram trechos de sua história, com sucessivos deslocamentos até
se estabelecerem na atual localização:
“Então ele está dizendo que eles moravam lá divididos por quatro
aldeias. Um fica ao lado assim. Um fica assim. Um fica assim. Um fica
assim. E lá explicavam, né, que os brancos vieram atacar eles. Matavam
muita gente. Sempre os brancos vieram lá. Então, por causa disso
vieram pra cá, nesse local agora, no Xingu. Vieram descendo esse rio,
acho que Curisevo, vieram descendo e encontrou esse local aqui, que
nós estamos aqui agora. Os Enumania vieram aqui, viram esse lugar e
disseram pra eles pra eles ficar aqui. Eles falaram para ele: ó, é bom pra
vocês ficarem aqui. Aqui é um lugar bom. Aí os Enumania disseram pra
ele: não, nós vamos procurar mais pra lá. Eu acho que atravessaram
esse rio Tuatuari e foram pra lá pro lado. Fizeram uma aldeia lá. Aí não
gostou. Uns deles não gostaram também. Aí voltaram de novo nesse
152
lugar. Aí eles abriram essa aldeia aqui grande, muito grande. E até hoje
nós Aweti que descendente de Enumania agora nós estamos vivendo
nesse local aqui. Ele disse que é nossa aldeia que morava, nosso bisavó
morava sempre aqui”.
153
Prancha 17 – Aldeia Aweti
154
Casa dos Homens, aldeia Aweti
Escola Estadual Aweti, desativada por risco de desmoronamento
KALAPALO
Os Kalapalo habitam a margem direita do médio rio Xingu. Segundo diversos
pesquisadores, os Kalapalo ocupam a mesma região há séculos.
A denominação Kalapalo foi usada originalmente pela população local para se
referir ao local onde vivia determinado grupo (Basso, 2001: 294). De acordo
com essa autora, “os Kalapalo, como os entendemos hoje, parecem ser o
amálgama de indivíduos criados em grupos comunitários distintos, que
sobreviveram e se mantiveram unidos após epidemias e ataques inimigos que
dizimaram sua população” (idem: 295).
Segundo Villas-Boas, a área das atividades econômicas e de usufruto dos
recursos naturais Kalapalo se estende a leste e oeste do rio Culuene, no seu
médio e baixo curso, desde a foz do ribeirão Tuatuari até a embocadura do rio
Sete de Setembro.
A área de ocupação dos Kalapalo abrangia desde o alto curso do rio Culuene
até os locais de ocupação atual. Foram deslocados da região do alto Culuene
pelos Villas Boas em meados do século passado: “lá pra baixo antigamente
povo Kalapalo morava. Orlando fez assim: transferiu povo Kalapalo pra ficar
perto do Posto Leonardo. Por isso que povo Kalapalo tá morando aqui, nessa
aldeia. Se fosse hoje eu não ia sair da minha terra não” (depoimento de
Faremá Kalapalo, 15/11/2005).
A bacia do Culuene, segundo Faremá, “é uma região Kalapalo”, local onde
duas vezes por ano iam buscar uma pedra especial para furar os caramujos e
fazer os tão apreciados e valorizados colares. Nesta região existem plantas
medicinais e o local onde teve início o ritual do Kwarup, o Sagihenhu.
155
Basso confirma que os habitantes das aldeias Kalapalo “freqüentemente
retornam a sítios relacionados com povoamentos antigos, que permanecem na
lembrança por causa dos recursos naturais utilizados por seus ancestrais no
passado”, o que legitima “a ocupação e utilização da terra, justificando o
retorno dos habitantes de Aiha e Tangugu [aldeias Kalapalo], ano após ano, a
determinados tratos florestais e lacustres, muito embora não mais residam
permanentemente nesses locais” (idem: 301).
Menget afirma que havia trocas de visita entre os Kalapalo e os Yaruma (de
língua Karib), sendo que em uma dessas visitas, quando a maioria dos homens
Yaruma fora convidado a dançar, foram massacrados. Os sobreviventes, cerca
de 30 pessoas, foram acolhidos e assimilados pelos Suyá (Menget, 2001: 49).
Já os Kamayurá fizeram o mesmo com os Arupatsi, tribo de língua tupi (idem:
50).
A aldeia Kalapalo Aiha tinha 255 habitantes distribuídos em 21 casas em
novembro de 2005 (Pranchas 18 a 20).
156
Prancha 18 – Aldeia Kalapalo
157
Vista parcial da aldeia Kalapalo
Casa na aldeia Kalapalo
Vista parcial da aldeia Kalapalo
Vista parcial da aldeia Kalapalo. Ao centro, a Casa dos Homens
Vista parcial da aldeia Kalapalo
Prancha 19 – Outras edificações e áreas anexas a uma Aldeia Kalapalo
158
Roça, aldeia Kalapalo
A Escola Estadual Central Karib, aldeia Kalapalo
Lagoa, aldeia Kalapalo
Porto da aldeia Kalapalo no rio Kuluene
Casa dos Homens, aldeia Kalapalo
Sistema de abastecimento de água da aldeia Kalapalo.
Prancha 20 – Práticas tradicionais Kalapalo
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Caramujo sendo trabalhado para virar colar
Preparação de Beiju. Aldeia Kalapalo.
O caramujo “verdadeiro”
Índia Kalapalo fazendo artesanato
Jirau com caroço de pequi, aldeia Kalapalo.
Preparo de saúvas, aldeia Kalapalo.
KAMAYURÁ
Segundo os irmãos Villas-Boas os Kamayurá diziam ser originários da foz do
rio Paranajuva ou Suiá-Missu, num lugar que até hoje conserva o nome de
Uavitsá. Desse ponto empreenderam a subida do Xingu, o que fizeram em
etapas, levantando aldeias ao longo do rio.
A maior aldeia, nessa fase de movimento, recebeu o nome de Curuquiçá.
Depois de um longo período de calma começam a ser hostilizados por uma
poderosa nação de nome Tonorí, a qual vinha dos lados do rio Ronuro. Na
esperança de se verem livres desses ataques, os Kamayurá procuram ocultar-
se na mata, transferindo suas moradias para as cabeceiras de um córrego
afastado da margem do rio. Nessa nova aldeia viveram em tranqüilidade até
que foram novamente localizados pelos Tonorí. Depois de um tempo de
resistência mudaram-se a convite dos Waurá para junto destes, há
aproximadamente 200 anos, na região da lagoa Ipavu. Mais tarde os Waurá
mudaram-se de lá, mas os Kamayurá permanecem na região até hoje
(Pranchas 21 e 22).
Em meados do século XX, logo após a construção do Posto Capitão
Vasconcelos, hoje denominado Posto Indígena Leonardo Villas Boas (PIN
Leonardo), alguns grupos xinguanos, dentre esses os Kamayurá, migraram
mais ao sul instalando-se nas imediações do referendado PIN, com o objetivo
de serem beneficiados pelas políticas do órgão indigenista oficial.
Em 1971 os habitantes da aldeia em Ipavu somavam 131 pessoas, distribuídas
em 07 casas (Junqueira, 1975: 13). Desde o primeiro contato com Steinen, em
1887, a polulação Kamayurá variou daquelas 264 pessoas para 240 em 1938;
e 94 pessoas em 1954, quando foram atingidos por uma epidemia de sarampo.
Em 2002 somavam cerca de 355 pessoas (Unifesp) (Prancha 23).
160
Na aldeia Ipavu vivem atualmente cerca de 280 índios em 15 casas, em sua
maioria Kamayurá. Existem diversos Kamayurá morando em outras aldeias do
Alto Xingu e na aldeia Morená (Prancha 24).
Foram visitadas e georeferenciadas algumas aldeias antigas próximas à aldeia
Kamayurá de Ipavu: Manhatop, Üiatup, Iamaturi. Também foi visitada a
localidade Nuiarê, à beira de Ipavu, onde existem 4 casas: a casa do Karitú
Kamayurá e mais 03 casas temporariamente desocupadas. Karitú tem muito
artesanato, cestaria, bancos de madeira zoomorfos, colares, rede de buriti.
Tem engenho manual no terreiro. Existem 10 roças nas imediações, com
mandioca e cana principalmente. De canoa a remo gastam-se cerca de três
horas até a aldeia Kamayurá.
A Aldeia Morená tinha 100 habitantes distribuídos em 10 casas em novembro
de 2005. Os principais produtos agrícolas produzidos são mandioca, milho,
melancia, cana de açúcar, coco, banana, macaúba. Existe projeto de manejo
de tracajás, que teve início em 2004, cujo responsável é Pablo Kamayurá.
161
Prancha 21 – Lagoa Ipavu, antiga aldeia Kamayurá
162
Ipavú, lagoa da aldeia Kamayurá
Local de antiga aldeia Kamayurá, à beira de Ipavú
Prancha 22 – Aldeia Kamayurá
163
Posto de saúde, aldeia Kamayurá
Alojamento para visitantes, aldeia Kamayurá
Casa em construção do cacique Kotok Kamayurá
O pajé Takumã Kamayurá
Prancha 23 – Festa na Aldeia Kamayurá
164
Festa na aldeia Kamayurá
Festa na aldeia Kamayurá
Festa na aldeia Kamayurá
Prancha 24 –A aldeia Morená, etnia Kamayurá
165
Vista parcial da aldeia Morená
Vista parcial da aldeia Morená
Casa na aldeia Morená
Casa na aldeia Morená
Vista parcial da aldeia Morená
KUIKURO
Habitam a margem esquerda do médio Xingu, à jusante dos Kalapalo. Segundo
Villas-Boas habitam a mesma região que ocupavam no tempo da expedição de
Von den Steinen em 1884.
Nos últimos séculos assim como os Waurá, os Kuikuro reconstruíram várias
vezes as suas aldeias, mas sempre nas imediações da localização anterior.
(Schaden: 1965)
A aldeia Kuikuro tem 21 casas e cerca de 280 habitantes (Prancha 25).
Convivem com os Kuikuro, índios Kamayurá, Mehinako, Aweti, Kalapalo,
Matipu, Nafukuá, Yawalapiti. Os caciques são: Afukaká, Tabata, Jakalo.
Existem 05 pajés. Kalauaka disse que vendem cestos, rede, arco e flecha no
Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Cuiabá.
As outras aldeia Kuikuro são Lahatuá e Afukuri.
Durante a permanência da equipe em campo, ocorreu a festa da taquara, que
ocorre no período de outubro a abril, embora não tenha uma data específica
para ser realizada. Durante esta festa ocorrem várias danças, entremeadas
com atividades ligadas à obtenção e preparo do peixe para ser distribuído, na
Casa dos Homens (Prancha 26).
166
Prancha 25– Aldeia Kuikuru
167
Casa em construção, aldeia Kuikuro
Vista parcial, aldeia Kuikuro
Escola Estadual Central Karib, aldeia Kuikuro
Casa dos Homens, aldeia Kuikuro
PRANCHA 26 – A3
168
MATIPU
O cacique Iamatuá informou que têm 90 índios na aldeia Matipu, mas segundo
o censo realizado por nossa equipe, havia 100 moradores em novembro de
2005. O cacique relatou que “antigamente, minha avó nasceu numa aldeia
velha lá muito longe, no rio Buritizal. Aí na época de Orlando [Villas Boas]
trouxe eles pra cá. Eu nasci lá no Kalapalo, meu pai nasceu lá no Yaramü,
minha mãe nasceu na aldeia Kalapalo, córrego Itsú. Aí depois, época de
Orlando, aí nós vai a minha avó ajudar. Mudou pra cá, né, mudou. Foi pra cá.
Ele, todo mundo, o pessoal que pode: Kuikuro, Kalapalo, né. Aí nós também. Aí
vieram também Mehinaco, Waurá, Nahukuá. Todo mundo mudou pra cá, né.
Tudo aqui perto desse aqui Leonardo”.
Em 1977 vieram para as proximidades da atual localização, próximo à margem
direita do rio Xingu (Prancha 27). Os Matipu pescam com flecha e com anzol,
dizem não usar rede. De dezembro a março o rio está cheio, em abril começa a
baixar. De maio a outubro o rio seca. Nos meses de julho e agosto pescam
com timbó. Os principais peixes são: tucunaré, trairão, pintado, pirarara,
cachorro, piranha. Utilizam o utu – armadilha de pesca – e a ataca – armadilha
de pesca pequena e comprida (Prancha 28). Mulher grávida e o marido não
podem comer jaú, pirarara, piranha vermelha, mas podem comer jacu, mutum,
macaco, papagaio, arara, tracajá, tucano, pato.
Os principais produtos plantados são mandioca, milho, banana, abacaxi, cana
de açúcar, melancia (Prancha 29). Já os principais artesanatos produzidos
pelos Matipu são redes, cestos, esteiras, bancos de madeira, que também são
comercializados nos grandes centros urbanos (Prancha 30).
Durante a permanência da equipe em campo foi possível documentar uma
festa na aldeia Matipu, quando os homens realizaram pinturas corporais e
promoveram diferentes cantos e danças (Prancha 31).
169
Prancha 27 – Aldeia Matipu
170
Casa dos Homens, aldeia Matipu
Objeto zoomórfico em uma casa Matipu.
Casa da aldeia Matipu
Prancha 28 – Práticas tradicionais Matipu: pesca
171
Preparo de peixes, aldeia Matipu
Peixes a serem consumidos
Prancha 29 – Práticas de cultivo dos índios Matipu
172
Milho armazenado para plantio, aldeia Matipu
Índio Matipu mostra sua roça
Roça de mandioca, aldeia Matipu
Prancha 30 – Práticas tradicionais Matipu: fiação
173
Índia Matipu fiando
Fabricação de rede
Fabricação de rede, aldeia Matipu
Prancha 31 – Práticas tradicionais Matipu: festas
174
Festa na aldeia Matipu
Índio Matipu se prepara para a festa
Festa na aldeia Matipu
NAHUKUÁ
Os Nahukuá formam um pequeno grupo que vive à margem direita do rio
Xingu. Devido à depopulação causada pelas doenças introduzidas pelos não-
indios, os Nahukuá e os Matipu, bastante reduzidos, fundiram-se numa só
aldeia. Isto ocorreu em meados de 1955.
Segundo Dole, Steinen, em visita aos Nahukwá, “observou muitas mulheres
mehinako vivendo entre eles e percebeu forte influência aruak na cultura e na
língua nahukuá” (Dole, 2001: 76).
A missionária americana Martha Moennich relatou que na década de 1930 os
Nahukuá haviam atacado os Kayabi com auxílio dos Trumai, obrigando-os a se
deslocarem para o rio Curisevo (in Menget, 2001: 82). Nesta época os Ikpeng
capturaram um Nahukuá de doze anos de idade.
De acordo com Castro (1977), os Nahukuá e os Matipú tinham uma aldeia
conjunta, mas os Matipu mudaram-se em meados de 1976 para um sítio mais
ao sul, próximo aos Kuikuro (Prancha 32).
A aldeia Nahukuá tinha 105 habitantes distribuídos em 13 casas em novembro
de 2005. Os Nahukuá chegaram a ser considerados extintos na década de
1950. Entre 1947 e 1949 eram 28 pessoas; em 1953, entre 35 e 44; em 1963,
eram 51; e em 1977, 69 pessoas (Picchi, 2003).
175
Prancha 32 – Aldeia Nahukuá
176
Casa na aldeia Nahukuá
Posto de saúde, aldeia Nahukuá
Vista parcial da aldeia Nahukuá
Casa na aldeia Nahukuá.
A escola na aldeia Nahukuá, instalada na casa do professor
MEHINAKO
Os Mehinako têm suas aldeias localizadas à margem esquerda do rio Curisevo,
ao sul dos Yawalapiti, no curso médio do Tuatuari (Prancha 33). Segundo
Schaden (1965), os Mehinako fundaram em 1931 uma aldeia nova na margem
direita do Curisevo. Vivem entre o rio Tuatuari e o Curisevo desde tempos
imemoriais. Freqüentemente mudam a localização de suas aldeias por razões
de subsistência ou guerra, mas nunca viveram fora da região que habitam
atualmente, nas proximidades de um afluente pantanoso do rio Tuatuari, a
cerca de três horas de canoa do PIN Leonardo.
A população indígena em novembro de 2005 das 09 casas da aldeia Mehinako
era de 98 pessoas. Estima-se que a população da nova aldeia Mehinako seja
de cerca de 100 pessoas (Prancha 34).
O artesanato produzido pelo grupo é comercializado em grandes centros
urbanos, como São Paulo, Brasília, Cuiabá por vários índios Mehinako.
Principais produtos: makulataï – banco grande zoomorfo; maiaku – cesto
grande e maiakutai – cesto pequeno; tuapi – esteira; pá de beiju; cerâmica.
177
Prancha 33 – Aldeia Mehinako
178
Vista parcial da aldeia Mehinako
Vista parcial da aldeia Mehinako
Interior de uma casa, aldeia Mehinako
Casa na aldeia Mehinako
Prancha 34 – Edificações diversas, aldeia Mehinako
179
Escola Municipal Madri Mehinako
Sistema de abastecimento de água, aldeia Mehinako
Posto de Saúde, aldeia Mehinako
WAURÁ
A aldeia Waurá localiza-se nas proximidades da lagoa Piyulaga, a qual é ligada à
margem direita do baixo curso do rio Batovi (Tamitatoála) (Prancha 35). Segundo
Villas-Boas há quase dois séculos os Waurá ocupavam as margens da Lagoa
Ipavu, acima da confluência do rio Ronuro, atual localização da aldeia Kamayurá.
Mais tarde os Waurá transferiram-se para o rio Batovi, entre o Batovi e o Curisevo.
Tanto os Waurá em relatos orais quanto fontes históricas confirmam o estado
de permanente tensão em que vivia a aldeia Waurá em função de conflitos com
outros grupos indígenas até meados do século XX. Seus principais inimigos
eram os Suyá, Juruna e Ikpeng. De fato, Ireland afirma que “os mais velhos
contam que, em tempos antigos, os waurá viviam constantemente ameaçados
por esses inimigos, e a aldeia nunca dormia sem um sentinela a postos para
evitar qualquer ataque surpresa” (Ireland, 2001: 259).
O contato com não-índios ocasionou diversos surtos de doença no final do
século XIX e em 1954. A primeira destas epidemias (por volta de 1890) reduziu
a população Waurá de tal forma que das três aldeias então existentes, o grupo
se viu reduzido a uma só. Após esta epidemia os Waurá deslocaram-se para o
sítio da atual aldeia, cerca de dois dias de viagem rio abaixo (Idem: 269). A
segunda epidemia, de sarampo, em 1954, reduziu drasticamente a população
Waurá: especialistas calculam uma redução na ordem de 20 a 50% da
população total. De acordo com Ireland, “o desastre permanece uma referência
tão importante em sua história, que os Waurá geralmente dividem os tempos
recentes em duas fases: ‘antes e depois do sarampo’” (ibid).
Item de destaque na cultura material Waurá, a cerâmica é altamente valorizada
e constitui o principal produto de troca com outros povos indígenas, bem como
é comercializada em diversos centros urbanos (Prancha 36). Outrora era
especialmente em busca de cerâmica e mulheres que outros grupos
empreendiam ataques aos Waurá.
180
Prancha 35 – Aldeia Waurá
181
Vista parcial da aldeia Waurá
Igarapé, aldeia Waurá
Casa, aldeia Waurá
Posto de saúde e escola, aldeia Waurá
Escola, aldeia Waurá
Prancha 36 – Cerâmica Waurá
182
Preparo de cerâmica, aldeia Waurá
Queima de panela, aldeia Waurá
Mulher Waurá fazendo cerâmica
Cerâmica Waurá
Preparo de cerâmica, aldeia Waurá
Além da intensa fabricação de peças em cerâmica, os Waurá também
produzem cestaria, adornos plumários, máscaras rituais, colares, pulseiras,
arcos e flechas, dentre outros.
A base da alimentação dos Waurá é o beiju, preparado com a farinha de
mandioca, e o peixe, obtido em constantes pescarias promovidas pelos
homens da aldeia (Prancha 37).
Durante nossa estada na aldeia, teve início a festa do pequi, que durou 08 dias.
Esta festa aconteceu no mês de novembro, época em que o fruto é colhido. A
festa tem início com a dança do beija-flor, realizada por dois homens, que
saem do centro da aldeia em direção a cada uma das casas e, delas, trazem
mulheres e crianças que acompanham a dança. Chegando ao centro da aldeia,
as mulheres retornam para suas casas em busca de comida: uma grande
panela de polpa de pequi, um grande beiju na esteira e outra grande panela
com mingau de peixe desfiado.
A festa termina quando todas as casas foram visitadas e todas as comidas
depositadas no centro da aldeia. Então as mulheres pegam parte da comida e
levam de volta para suas casas, a fim de partilhar com os filhos. Os homens
permanecem no centro da aldeia, onde irão partilhar a fartura de alimentos.
Depois de comer, os homens untam seus corpos com óleo de pequi misturado
com urucum e iniciam nova dança, da qual participam todos os membros da
aldeia (Pranchas 38 e 39).
183
Prancha 37 – Práticas alimentares Waurá
184
Índia Waurá prepara beiju
Beiju e peixe: base da dieta Xinguana
Peixe assado, aldeia Waurá
Armadilha de pesca
Índio Kalapalo coleta gafanhotos como isca para pesca.
Prancha 38 – Práticas tradicionais Waurá: coleta e preparo do pequi
185
Coleta de pequi, aldeia Waurá
Mulheres Waurá vão coletar pequi
Preparo de pequi, aldeia Waurá
Cacique Atamai Waurá coleta pequi
Mingau de pequi
Homens Waurá dançam na festa do pequi
PRANCHA 39- A3
186
YAWALAPITI
Segundo Coelho de Souza, “Steinen encontrou os yawalapiti vivendo à beira de
uma lagoa, Uyá, ‘cercada de belos buritis’, que fazia parte do mesmo sistema
de canais e lagoas, entre a margem esquerda do Culiseu e o Tuatuari, a que se
conectavam as aldeias aweti e kamayurá. Petrullo, em 1931, visitou-os no
mesmo lugar. Em algum momento da década seguinte, porém, os yawalapiti
deixaram de existir como grupo local: os membros da ERX [Expedição
Roncador Xingu] encontraram-nos na década de 40 dispersos em diferentes
aldeias xinguanas (...)” (Coelho de Souza, 2001: 374)
Em 1946 os Yawalapiti estavam dispersos por várias aldeias de outros grupos
e, com a ajuda dos irmãos Villas-Boas, reuniram-se novamente numa só aldeia
(Viveiros de Castro 1977). Segundo Malcher (1964), os remanescentes dos
Yawalapiti que estavam dispersos entre os vários grupos xinguanos reuniram-
se em uma nova aldeia, entre os Aweti e os Mehinako, margem esquerda do
Curisevo.
De acordo com Castro, os Yawalapiti em tempos antigos tiveram sua aldeia
situada entre o atual PIN Diauarum e o travessão Morená, e de lá teriam saído
devido a ataques dos Trumai, os quais dizimaram muitos Yawalapiti.
Atualmente os Yawalapiti ocupam uma aldeia à margem esquerda do Xingu, na
foz do rio Tuatuari, próximo ao PIN Leonardo. A aldeia é composta por 17
casas, sendo que 09 delas queimaram em um acidente ocorrido em agosto de
2005. Os índios se encontram abrigados em barracos de lona desde então.
Devem iniciar a reconstrução das casas tradicionais em 2006 (Prancha 40).
A atual aldeia Yawalapiti apresenta uma diversidade étnica expressiva, uma
vez que nela convivem índios Kuikuro, Waurá, Kamayurá, Mehinako e apenas
06 falantes da língua Yawalapiti, uma vez que as crianças falam a língua de
sua mãe.
187
Prancha 40 – Aldeia Yawalapiti
188
Vista parcial da aldeia Yawalapiti
Casa provisória do cacique Aritana. Oito casas da aldeia Yawalapiti foram destruídas
pelo fogo em agosto de 2005
Casa dos Homens, Aldeia Yawalapiti
Casa na aldeia Yawalapiti
O cacique Aritana Yawalapiti
TRUMAI
Grupo indígena não originário do Xingu, os Trumai teriam chegado à região na
primeira metade do século XIX. Monod-Becquelin e Guirrardelo afirmam que
“acredita-se que os trumai tenham vindo de uma região localizada a sudeste do
rio Xingu, entre este e o Araguaia” e teriam se mudado para o Xingu por
sofrerem ataques dos “assumadi”, provavelmente os Xavante (Monod-
Becquelin e Guirrardelo, 2001: 402). Segundo o relato oral dos Trumai, a
mudança teria sido conduzida por dois chefes, que se desentenderam no
caminho, gerando a cisão do grupo. Um grupo, liderado pelo chefe Arikajá
resolveu voltar para sua antiga aldeia, enquanto o outro, liderado por Awaturi
seguiu, provavelmente pelo rio Tanguro, até atingir Xingu (idem: 407).
Chegando na região, “foram morar no lugar que se tornou a aldeia Karajajan.
Depois se mudaram para Anariá, e, em seguida, Morená, depois Awara’i.
Voltaram para Anariá e passaram a ter também a aldeia Urukutu, e depois
Waniwani” (ibid.).
De fato, na reunião os índios se referiram as seguintes aldeias antigas: Anaria
(acima, tem caminho), Waniwani, Atixitixi – Tan.
A adaptação dos Trumai no Alto Xingu incluiu a mudança de alguns hábitos
dos mesmos, bem como a absorção de algumas tradições suas pelos
xinguanos, como as festas do Javari e Tawarawana. O hábito de dormir em
redes foi adquirido no Xingu, supostamente dos Kamayurá, uma vez que
tinham o hábito de dormir em esteiras. Relata-se que “os Trumai pré-xinguanos
não consumiam a mandioca nem o milho. Dormiam em tapetes; utilizavam
como armas a borduna e o propulsor de flechas. Os homens usavam estojo
peniano e cabelos compridos; as mulheres usavam uma faixa que envolvia a
cintura, passando entre as pernas. Após viverem no Alto-Xingu por certo
tempo, os Trumai começaram a incorporar hábitos comuns aos povos da área.
Passaram a usar arcos e flechas, redes e a se alimentar de mandioca e outros
produtos locais. As mulheres substituíram a faixa tradicional pelo uluri e os
189
homens passaram a cortar o cabelo e adornar o corpo da mesma forma que os
demais povos alto-xinguanos” (ISA, 2004, 04).
Detentores do monopólio da fabricação de machados de pedra (daka), os
Trumai os trocavam com panelas Waurá, iam buscar longe as pedras. Menget
afirma que os Trumai detinham o monopólio da tecnologia dos machados de
pedra, pois eram os únicos que conheciam o seu local de ocorrência no rio
Xingu. Segundo ele, “essa pedra era obtida no leito do Xingu, a algumas horas
de canoa do triplo confluente; mas, entre 1850 e 1920, os Trumaí foram
progressivamente expulsos da região pelos Suyá” (Menget, 2001: 54).
Segundo Schaden (1965), os sobreviventes Trumai, ao serem derrotados pelos
Suyá (1884), abandonaram temporariamente o seu território à margem direita
do Xingu, logo abaixo da embocadura do Curisevo, passando o pequeno grupo
a morar sucessivamente perto de outras tribos, as quais lhes davam proteção,
até que em 1931 passaram para o lado do Batovi e do Xingu.
Segundo Galvão (1953), os Trumai já estiveram no Xingu, em região próxima
aos Kalapalo; ainda neste rio, próximo aos Kamayurá, no Curisevo, junto aos
Mehinako e, mais tarde, em zona vizinha aos Aweti. Seu território tradicional e
ao qual retornaram é a margem direita do Xingu, numa faixa compreendida
entre a confluência deste rio com o Curisevo e o travessão Morená, situado
duas léguas rio abaixo, no Xingu propriamente dito.
A aldeia Boa Esperança tinha 37 habitantes distribuídos em 05 casas em
novembro de 2005. Moram na atual localização da aldeia Boa Esperança
(margem esquerda do rio Xingu) desde 1995. O sistema de abastecimento da
aldeia é composto por um poço artesiano de 40 metros de profundidade com
energia solar que abastece uma caixa d’água de 02 mil litros (Prancha 41).
Encontra-se em andamento um projeto de apicultura desenvolvido em conjunto
com o ISA, existem seis caixas com colméias de abelha europa, mandam para
a ATIX, vendem o litro a R$ 16,00.
190
Além das demais aldeias no PIX (Terra Preta, Steinen, Terra Nova e
Cristalina), existem vários Trumai morando em centros urbanos da região,
especialmente Canarana, onde, segundo Arwaivi, morariam mais índios que no
próprio PIX.
191
PRANCHA 41 – A3
192
IKPENG
Os Ikpeng (ou Txicão) chegaram ao PIN Leonardo em 1967, vindos do Oeste,
da bacia dos rios Teles Pires e Juruena, com afinidades amazônicas em
termos culturais. Menget descreve o deslocamento dessa sociedade indígena a
partir da própria tradição dos Ikpeng, uma vez que não existem referências
escritas anteriores a sua chegada ao Parque do Xingu.
Os índios relataram que, em tempos remotos, possuíam muitos inimigos e um
grande aliado, da tribo dos Tchipaya, habitantes das margens do Igpa, As suas
relações com os Tchipaya eram amistosas e continuadas, embora os Txicáo
contem que aprisionaram e criaram um grupo desta tribo (...)” (Menget, 2001:
74). Menget afirma que, “posteriormente, os Tixcáo vão morar numa região
marcada por muitos riachos convergentes, onde se guerreiam contra vários
outros grupos”, mas não consegue identificar em qual região se localizam as
antigas aldeias (Menget, 2001: 75). Os Ikpeng travam uma série de batalhas
contra vários grupos indígenas e ao serem “deslocados pelos adversários, por
sua vez deslocados pelo avanço da frente de colonização ao longo do Teles
Pires, pouco antes de 1900, os Txicáo atravessam a Serra Formosa, barreira
natural insignificante que assinala a linha de partilha de águas entre as bacias
do Teles Pires-Juruena e o Alto Xingu” (Menget, 2001: 78). Menget conclui que
os Ikpeng chegaram ao Alto Xingu “depois de uma permanência de várias
dezenas de anos no Alto Tapajoz, saídos da região do Iriri durante a primeira
metade do século XIX” (Menget, 2001: 82).
As cerca de 12 aldeias Ikpeng ocupadas durante a primeira metade do século
XX situavam-se todas perto de pequenos afluentes do rio Jatobá ou do Batovi,
aproximadamente a 13º graus de latitude Sul, de acorde com Menget (Idem:
101).
193
Em 1960 os Ikpeng organizaram uma expedição guerreira a uma aldeia Waurá
e raptaram duas jovens mulheres. Os Waurá, por sua vez, pedem ajuda a
outros grupos Xinguanos e a um não-índio, que os municia com armas de fogo.
Organizam então uma expedição, “composta por uma dezena de homens
equipados com armas de fogo, [que] apanha os Txicáo de surpresa na sua
aldeia, abate doze deles, todos adultos”, mas não conseguem recuperar as
moças raptadas. Desta forma, os Txicão perdem em poucos meses a metade
de sua população e começa um período extremamente difícil para o grupo, pois
têm que se refugiar na região do baixo curso do rio Jatobá e ficam sem
mandioca para o consumo (Menget, 2001: 104). Em 1964 os Villas Boas os
encontram em precárias condições e os Txicão, pressionados pelas frentes de
expansão da sociedade nacional e acometidos por doenças, aceitam a
mudança para o Parque Indígena do Xingú em 1967 (idem: 105). Com a
instalação no PIX, os Txicão entram em uma fase de dependência, pois
passam a receber assistência alimentar e médica do PIN Leonardo.
A relação entre os Ikpeng e os Waurá, marcada pelos conflitos mútuos, muda
substancialmente após a instalação dos primeiros no PIX, pois “foi com os
Waurá – antigos inimigos privilegiados – que os Txicáo conseguiram
estabelecer melhores relações. Os Waurá, por sua vez, continuam a não gostar
dos Txicáo, mas aceitam as trocas e reconhecem, ainda que a contragosto, o
valor dos Txicáo, ou seja, temem o poder da sua feitiçaria” (Menget, 2001: 109-
110). Desta forma, os Txicão transformam “os antagonismos resultantes do seu
passado guerreiro numa situação de relativo equilíbrio, através do jogo de
alianças matrimoniais” (ibid.).
Menget designa Arará o grupo dialetal e tribal que compreende as sociedades
Ikpeng, Yaruma, Apiaká e Arara (idem: 87). Segundo ele, a guerra é o traço
dominante entre estes grupos e explica seus deslocamentos e mobilidade
(idem: 93). Refere-se à antropofagia, supostamente associada aos Ikpeng por
grupos rivais, que é desmentida por estes, segundo Menget.
194
Os Ikpeng declararam à Menget que também fabricavam cerâmica, mas que
era bastante diferente daquela que é fabricada até os dias atuais por alguns
grupos Xinguanos. Explicaram-lhe a seleção da argila, “a junção à massa de
um agente endurecedor (cinzas de casca de árvore, em vez das esponjas
fluviais que usam os Waurá) e a forma de cozedura. Consideravam a cerâmica
que encontráramos [parecida com a que os próprios Ikpeng fabricavam] frágil e
consideravelmente feia, preferindo de longe correr o risco das pilhagens dos
inimigos a contrariar o seu sentido estético” (Menget, 2001: 95). Conclui o autor
que “este episódio mostra-nos que mais vale acreditar no que se ouve do que
naquilo que se vê; e que a cultura material é uma realidade em grande parte
ideal, e a forma como é revelada dependerá tanto dos acasos da conversa
como da habilidade e savoir-faire de quem interroga” (idem: 96).
A aldeia Moygo (margem esquerda do rio Xingu) tinha cerca de 192 habitantes
distribuídos em 12 casas em novembro de 2005 (Pranchas 42 e 43). Existem
muitos Ikpeng morando no PIN Pavurú, cerca de 100 pessoas, segundo
informações de Korotowï. Na aldeia Moygo, além de Ikpeng, moram índios
Waurá, Kayabi.
195
PRANCHA 42-A3
196
Prancha 43 – Práticas tradicionais Ikpeng
197
Índio Ikpeng com macaco aranha defumado
Mulher Ikpeng mostra armadilha de pesca
Mulher Ikpeng mostra armadilha de pesca
Galinheiro, aldeia Moygo
Índio Ikpeng mostra couro de irara, utilizado ritualmente
KAYABI
A língua Kayabi pertence ao tronco linguístico Tupi. Foram pacificados pelo SPI
entre 1924 e 1942, na região dos rios Verde e São Manoel. A chegada da
frente de expansão da sociedade nacional os levou a mudarem-se
freqüentemente.
Há poucas décadas os Kayabi ocupavam um território bastante extenso entre
os rios Arinos e dos Peixes, e o médio Telles Pires. “Naquele tempo, então,
eram seus vizinhos (e inimigos) tradicionais os Apiaká e Munduruku, ao norte;
os Rikbaktsa, no baixo Arinos, a oeste; os Tapayuna ou Beiço-de-Pau, no
Arinos, a sudoeste; os Bakairi, ao sul, nas cabeceiras do Paratininga; os Kren-
akarore ou Panará, a oeste”(Dornstauder, 1933; Steinen, 1940; Villas Boas,
1994, In: Proc. FUNAI nº 3143/2002, p. 146).
Esse grupo resistiu com vigor à invasão de suas terras por seringalistas desde
o final do século XIX. Foi nos anos 1950, que a região do Arinos, Telles Pires e
dos Peixes foi retalhada e transformaram as terras em fazendas, obrigando
assim aos Kayabi a se dividirem em três grupos. A maior parte mudou-se para
o Parque Indígena do Xingu, onde acabaram se destacando através da
agricultura diversificada e sólida. Segundo Klinton Senra, a origem do nome
Kayabi perde-se no tempo e hoje os próprios índios não sabem dizer de onde
surgiu esse nome e qual o seu significado.
Após esse processo de separação, os Kayabi se sentiram muito arrependidos
de terem deixado pra trás as suas terras imemoriais. A menor parte da
população, que se recusou a sair da região do Tatuy, divide uma pequena faixa
de terra com poucos remanescentes Apiaká, a outra pequena parcela vive no
baixo Telles Pires, essa Terra Indígena está localizada no Pará, para onde
acabaram sendo empurrados nesse processo de esbulho que aconteceu em
suas terras (T.I Kayabi e T.I Kayabi Gleba Sul).
198
Foram transferidos, em 1955, da região do rio Teles Pires para a confluência
do rio Mamitsuá Missu com o rio Arraias e, em 1960, foram deslocados para a
foz do rio Suiá Missú com o rio Xingu, próximo ao Posto Indígena Diauarum.
Com o passar dos anos, foram se deslocando e construindo pequenas aldeias
ao longo do rio Xingu. As primeiras aldeias situadas à margem direita do rio
Xingu foram Arangue, Tuim e Urimis, no ano de 1959, seguidas de Maciá e
Kuéca, três anos depois.
Segundo Malcher (1964), os Kayabi eram um grupo em contato intermitente
com alguns grupos isolados e que tinham diversas aldeias no noroeste de MT,
no rio dos Peixes, afluente direto do Arinos nos rios Verde e Teles Pires. Foram
compelidos a transferirem suas aldeias, uma vez que suas terras foram
vendidas pelo estado do Mato Grosso a diversas empresas imobiliárias,
mudaram-se novamente para a região do Manitsauá, afluente esquerdo do
Xingu.
A seguir quadro demonstrativo da situação dos Kayabi, no ano de 1999.
Terra Indígena Superfície Município Situação Legal
T.I Apiaká-Kayabi 109.245 ha Juara, MT Homologada em 1991
T.I Kayabi I 1.408.000 haJacareacanga/PA e Apiacás/MT
Identificada (publicada no DOU e sujeita as contestações à espera de portaria ministerial).
Parque Indígena do Xingu
2.642.003 ha
São José do Xingu, São Félix do Araguaia, Querência, Canarana, Gaúcha do Norte, Paranatinga, União do Sul, e Marcelândia.
Homologada, 1991 e registrada.
Fonte: Kayabi: Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil – ISA, 1999, p. 3
199
As três regiões ocupadas atualmente pelos Kayabi não são homogêneas do
ponto de vista ambiental, histórico ou sociocultural.
Estima-se que a população dos Kayabi fique em torno de 1.000 pessoas.
Destas, 756 residem no PIX (UNIFESP-DMP, 1997). Dados da FUNAI de 2004
indicam uma população de 745 pessoas no PIX. Antes da transferência para o
PIX, os Kayabi construíam as suas casas de forma que pudessem abrigar toda
a família extensa. Essas construções chegavam a medir 12 metros de largura
por 24 de comprimento, com cobertura de palha até o chão. Quando foram
transferidos para o PIX, as unidades que passaram a construir mediam a
metade dessas antigas construções. Atualmente estão voltando a construir
suas casa no formato das construções tradicionais, que já podem ser vistas em
algumas de suas aldeias no PIX.
O grupo Kayabi mantem uma forte tradição na agricultura, mesmo após sua
transferência de seu território tradicional para um novo território. A horticultura
é bastante diversa. Como na maioria dos grupos, existe um calendário que
segue o período da derrubada (maio, junho), queimada (agosto) e a época do
plantio que compreende os meses de setembro e outubro. Já os períodos das
colheitas dependem da cultura. A sua alimentação é bastante diversificada tal
qual o seu sistema de agricultura. Seu consumo alimentar baseia-se na farinha
de mandioca e peixes, que vêm a ter um complemento de beijus, de mingaus a
base de mandioca, do milho, amendoim, banana e etc.
Em sua cultura material, se destacam pela confecção de peneiras, apás (um
tipo de peneira) e os cestos (confeccionados pelos homens) e ornamentados
com uma grande variedade de complexos de padrões gráficos, que
representam a sua cosmologia e mitologia. Antigamente, todos os Kayabi
exibiam tatuagens faciais que obedeciam alguns padrões básicos, diferentes
para o homem e a mulher. Elas eram confeccionadas no início da puberdade e
assim como os nomes, as tatuagens serviam ao mesmo tempo como
200
mecanismo de identificação pessoal e grupal, pois cada indivíduo possui vários
nomes.
As lutas dos Kayabi de hoje são outras e exigem novas armas. O PIX vem se
tornando uma ilha verde no meio da crescente poluição e devastação
ambiental, em específico dessa região do MT. A devastação que vem
acontecendo no entorno provoca a ameaça de incêndios, poluição nos rios,
onde as populações que habitam o PIX se abastecem, além de um gama
enorme de problemas. Hoje, eles estão certos de que somente uma
organização política pode ser o meio de lutar pela preservação da sua
diversidade cultural, ambiental, reprodução física e social.
201
SUYÁ
Do ramo norte da família Jê, que inclui os Kaiapó, entre outros, não existe uma
data prevista para a chegada dos Suyá no Xingu. Em alguns trabalhos
publicados sobre a etnia a estimativa é de mais de 200 anos atrás, mais
precisamente na primeira metade do século XIX. As relações entre os Suyá e
os grupos que lá encontraram ocilaram entre momentos pacíficos e hostis.
Os Suyá habitavam o curso inferior do rio Suiá-Missú. Como outros grupos do
Xingu e seus formadores foram transferidos para a área do PIX pelos irmãos
Vilas-Boas.
Segundo relato Bakairi existente, os Suyá teriam outrora habitado no rio Verde,
de onde foram expulsos por uma ação conjunta dos Bakairi e dos Kayapó.
Foram pacificados por volta de 1960, época em que mudaram suas aldeias
para dentro do PIX.
Segundo os Kamayurá, os Suyá irromperam na região pelo rio Ronuro, há
muito tempo, entrando em luta com os Trumai. Hostilizados, foram se
deslocando Xingu abaixo, indo permanecer por muito tempo na altura da foz do
rio Paranajuva (Suiá-Missu). O lugar escolhido, na margem direita do rio e dois
quilômetros, aproximadamente, abaixo da foz do Suiá-Missu, tomou o nome de
Diauarum (Onça Preta), ponto em que Von den Steinen os encontrou em 1884
quando descia o rio Xingu.
Segundo os irmãos Villas-Boas, de acordo com a história dos antigos
movimentos da tribo, os antepassados viviam muito a leste do Xingu, de onde
emigraram, descrevendo na sua trajetória um grande arco projetado para o
norte, tendo depois de muitas interrupções chegado à foz do rio Maritsauá-
Missu. Nessa altura o grupo se dividiu em duas metades, tendo a primeira
202
descido o rio Xingu e a outra subido o Maritsauá, e posteriormente se fixando
abaixo do rio Ronuro.
De acordo com Anthony Seeger, a sociedade Suyá não foi fundada por um
criador ou um herói cultural. Nem seus princípios básicos foram formulados por
um legislador. Ao invés disso, ela se deu em uma série de episódios
envolvendo seres humanos. A sociedade Suyá tomou uma forma através da
apropriação de traços específicos de animais e de inimigos de índios, ou seja,
a apropriação do que era bonito de outros seres. Assim, na cosmologia Suyá o
fogo (e a prática de cozinhar alimentos) foi obtido do jaguar; o milho (e a prática
de plantar roças) foi obtido do camundongo; e o sistema de nomeação (básico
para a identidade social e para todas as cerimônias) foi obtido de um povo
inimigo que vivia debaixo da terra. Mais tarde os Suyá encontraram uma tribo
muito parecida com eles, que usavam discos labiais e que cicatrizavam seus
corpos.
Após esse contato com outras sociedades xinguanas, acabaram incorporando
muitos costumes e tecnologias alheias. Porém, jamais abriram mão da sua
singularidade plural, cuja principal característica é reconhecida através de seu
canto singular, o canto ritual, a sua expressão máxima de individualidade e do
modo de ser um Suyá. Há algumas décadas, uma outra marca do povo Suyá
eram os grandes discos labiais e auriculares que, além de ornamentos,
denominavam a importância do canto e do ouvir para o povo Suyá. Canções
essas que os diferenciam, foram aprendidas de inimigos míticos e índios Suyá
em processo de transformação em animais da floresta como o veado ou a
queixada. Um dado importante que não pode-se deixar de mencionar, é que
existem duas coisas importantes na organização social dos Suyá, que nunca
foram modificadas: a aldeia é grande e é em forma circular e a regra de
residência é uxorilocal. A população Suyá está estimada em 334 pessoas
(dados populacionais 2002).
203
São coletores de pequi, de mel silvestre e de gramíneas para a confecção de
hastes de flechas. Usam redes para dormir (estas confeccionadas pelas
mulheres Suyá), feita em fibras de inajá e/ou algodão. Plantam mandioca,
milho, feijão fava. Fazem beijus, comem palmito (inajá), coco, bananas, ovos
de tracajá. Pescam os peixes com flechas (tucunaré, traíra, paca, jaraqui) e
com timbó, comendo estes moqueados. O plantio de mandioca é uma tarefa
masculina, cabendo às mulheres o plantio do milho. O uso do botoque labial,
distintivo este do homem casado, está em desuso atualmente.
A história do povo Suyá é composta de uma longa série de conflitos com outros
grupos, em determinados momentos não se saiam bem, mas acabaram
sobrevivendo ao longo dos tempos. Pois, quando eles atacavam outros grupos,
tentavam capturar mulheres e crianças. Por um longo tempo os Suyá
incorporaram mulheres de outras etnias e consequentemente as suas mulheres
foram incorporadas por outros grupos. Esse período constitui desde o período
de grandes deslocamentos, pois concordam que vieram da região norte do
Tocantins ou do Maranhão. Partindo desse pressuposto vieram em direção
oeste, atravessando o rio Xingu para o Tapajós, onde se deu o início das lutas
com vários grupos indígenas e em meio a essas lutas uma parte desse grupo
deslocou-se para o sul e um outro grupo moveu-se para a direção dos rios
Sangue e Arinos (denominados posteriormente de Tapayuna).
“Sofrendo novos ataques, os Suiá deslocaram-se mais pra cima no Suyá-
Missu, perto da foz do rio Wawi, um afluente na margem esquerda. Sua nova
aldeia era grande, com duas “casas de homens”, construída no modelo
estritamente jê. Ela foi atacada por um grupo juruna e seringueiros armados
com rifles, sendo completamente destruída.” (Enciclopédia Povos Indígenas no
Brasil – ISA, p.03). Este período é lembrado como de intenso contato com o
Alto Xingu, sendo bastante influente na “xinguanização” do povo Suyá.
O ano de 1959 é referido pelo povo Suyá: “quando os brancos vieram nos
procurar, essa intermediação pacífica foi feita por um grupo Juruna a mando
204
dos irmãos Villas Boas. Após esse primeiro contato, mudaram-se para perto do
Posto Indígena Diauarum, por sugestão dos irmãos Villas Boas, para que
pudessem receber cuidados médicos. Durante mais de 100 anos de contato
com o Alto Xingu, os Suyá aprenderam a usar uma quantidade considerável da
tecnologia xinguana sem, no entanto, abandonar a sua própria. Antes de 1959
os Suyá adotaram uma série de outros traços como: traços lingüísticos,
ornamentação corporal e cerimoniais. Pois, quando foram contactados, os
Suyá estavam vivendo em duas aldeias, resultado de uma divisão ocorrida
alguns anos antes. Logo após esse contato, mudaram-se para mais perto do
posto Diauarum, mas demorou para que essas duas facções voltassem a viver
em um só grupo e lá encontraram os seus velhos inimigos: os Juruna, os
Trumai e os Metuktire e os Kayabi que na ocasião estavam se mudando para a
região. Uma das facções casou-se quase que imediatamente entre os Trumai.
Depois de um tempo os Suyá construíram uma única aldeia circular: cinco
casas e uma casa dos homens. “O casamento inter-tribal entre os Suyá e os
Trumai foi muito diferente das incorporações prévias de cativos, porque foram
os homens Trumai que vieram viver com as suas esposas Suyá na aldeia
Suyá” (Seeger, 1980:25).
A partir dos anos 1960, os jovens passaram a cortar o cabelo no estilo
xinguano, antes tinham o cabelo longo, o uso dos discos auriculares e labiais
foi abandonado e as suas orelhas passaram a ser perfuradas no estilo
xinguano também. Um fator importante desse xinguanização foi a morte dos
mais velhos Suyá nos primeiros anos que seguiram o contato, pois não
existiam mais velhos Suyá, homens que participaram das cerimônias da última
grande aldeia e nem homens adultos para assegurar a realização dos ritos de
passagem Jê. A partir de então, aconteceram fatos que abalaram a aliança dos
Suyá e Trumai, acabando quando um Kayabi matara um Trumai, que
porventura era casado com uma Suyá. Resultando, na mudança dos Trumai
para o posto Leonardo, que é mais distante, e os Suyá acabaram mudando
para uma nova aldeia mais acima do Suyá-Missu.
205
No final dos anos 1960, em razão do insucesso no contato com os
“pacificadores brancos”, sobreviventes da facção Tapayuna foram removidos
de suas terras entre os rios Arinos e Sangue, para viverem juntos aos Suyá,
que eram em maior número no Xingu. Este deslocamento teve como primeira
conseqüência a morte de mais de 10 membros do grupo em virtude de
doenças. Pois, o modo de vida dos Tapayuna era completamente diferente dos
Suyá, embora pertencessem ao mesmo grupo jê. Os Tapayuna não tinham
passado por um processo de xinguanização como os Suyá, mas após a essa
junção, começaram a descobrir pontos em comum quando narravam os seus
mitos uns aos outros. Somente nos anos 1980 é que os Tapayuna se
fortaleceram e resolveram construir a sua própria aldeia, acima do Suyá-Missu
com Xingu, na margem direita deste rio.
Atualmente os Suyá estão distribuídos em aldeias e postos indígenas.
Ngôjwêrê, aldeia localizada no limite da Terra Indígena Wawi (esta
reconquistada pelos Suyá), é onde se localiza a maior parte da população
desde meados de 2001, pois até 2000 habitavam a aldeia Ricoh, hoje
desativada. Não obstante ainda andam por lá para pegar produtos para a sua
subsistência, em suas antigas roças, além de se abastecer nos pequizais e
mangabais. Uma outra parte habita a aldeia Ngôsokô, há ainda pequenas
aldeias, em cada uma vivendo apenas uma família, Roptôtxi e Beira Rio. Existe
o posto de vigilância Wawi, localizado à beira do rio homônimo, que é
administrado pelos próprios Suyá, lá também vivem duas famílias extensas. O
Posto Indígena Diauarum também é habitado por famílias Suyá.
“No que diz respeito ao poder político, os homens que possuem maior prestígio
na aldeia são os líderes dirigentes de facções políticas e especialistas em
cerimoniais. Essa liderança é geralmente herdada da parte patrilinear, de
modo, que os filhos de um líder são líderes em potencial”. (Enciclopédia Povos
Indígenas no Brasil – ISA -2003). Já os ornamentos são inseridos nos ritos de
passagem e servem para diferenciar o status de cada indivíduo dentro da
sociedade Suyá. Em decorrência das décadas de contato com outros povos
206
indígenas e não-índios os ornamentos deixaram de ser usados, mas o
significado cosmológico ainda vigora dentro do grupo, sejam os discos labiais
ou auriculares, sempre associados a importância cultural atribuída do modo de
ouvir e falar.
As atividades produtivas das mulheres são sempre associadas ao grupo de
parentes e orientadas para a família nuclear, isto é, para a família como um
todo. As áreas que as mulheres utilizam para desenvolver as atividades
produtivas ficam atrás das casas e são acompanhadas pelas crianças e
animais domésticos que sempre ficam em volta, ocupam a maior parte do
tempo no preparo de alimentos que trazem da roça. Em especial a mandioca,
assim como a caça e o peixe que são trazidos pelo homem. Uma exceção é a
preparação do caxixi, bebida fermentada feita do milho e mandioca, que foi um
traço cultural herdado dos Yudjá. Já o trabalho masculino consiste no manejo
da roça de forma individual, a pesca e a caça que são considerados alimentos
nobres entre os Suyá, a construção de casas e canoas podem ser tarefas do
grupo doméstico. Uma característica bem peculiar dos Suyá é que comem
mais animais de caça que os povos do Alto Xingu, eles consomem uma grande
quantidade de jacaré, sem deixar de enfatizar que na sua dieta alimentar o
pequi e a mangaba, cocos, o palmito da palmeira inajá e mel silvestre
representam uma fonte importante de calorias.
YUDJÁ (Juruna)
Segundo Malcher (1964), os sobreviventes deste grupo que habitou a região do
médio e baixo Xingu, encontravam-se a jusante da foz do rio Suiá-Missu, no
Xingu, próximo ao Diauarum.
207
A notícia mais antiga que se tem do grupo provém de 1625, quando os Juruna
são referidos como habitantes da foz do rio Pacajá, o qual deságua no
Amazonas.
A presença dos Juruna é anotada por Heriarte em 1640, próximo à foz do rio
Xingu no Amazonas. Atualmente localizam-se junto ao PIN Diauarum, a
aproximadamente 100 Km da confluência Xingu-Curisevo.
No século XVIII os Juruna espalhavam-se em ambas as margens do rio Xingu,
nas proximidades de Souzel, antiga aldeia Jesuíta, de Santo Inácio do Aricari e
do rio Pacajá. No século seguinte ocupavam até a cachoeira Von Martius e a
margem esquerda e foz do Manitsauá-Missu.
Houve tentativas de escravizá-los e catequizá-los e vários choques com os
portugueses no século XVIII. O século seguinte marca a aceleração da
migração Juruna em direção ao Alto Xingu, fugindo da pressão exógena.
“Um dos vários povos de língua tupi que habitavam a região do baixo Xingu, os
Juruna (Yuruna, Iuruna e Yudjá) foram ali assinalados ainda no século XVII.
Todavia, uma parcela deles obstinou-se rio acima, para fugir do assédio dos
bandeirantes, missionários e seringalistas (Nimuendaju, 1948: 218-219). Uns
poucos remanesceram no médio Xingu, em três núcleos no Estado do Pará: na
área Paquiçamba, nas proximidades da foz do rio Bacajá e acima da boca do
rio Iriri” (Andrade, 1998:147 In: Proc. FUNAI nº 3143/2002, p. 116)
O movimento rumo ao sul, no final do século XIX, foi acentuado após a
chegada das frentes de expansão da sociedade nacional no baixo Xingu.
Muitos dos Juruna foram arregimentados pelos seringueiros como mão-de-obra
a ser explorada. O contato com os seringalistas (e mais tarde com
castanheiros), acabou trazendo modificações aos padrões culturais dos Juruna,
dentre eles pode-se destacar o uso de roupas, armas de fogo, de instrumentos
de metal e o conhecimento da língua portuguesa.
208
Povo canoeiro, como são conhecidos, os Juruna são antigos habitantes das
ilhas e penínsulas do baixo e médio Xingu, um dos rios mais importantes da
Amazônia Meridional. A população está estimada em 278 pessoas (dados do
ISA – na Enciclopédia de Povos Indígenas do Brasil – 2001).
Os Juruna, hoje, ocupam hoje três aldeias: Pequisal; Tubatuba, pouco abaixo
da foz do Manitsauá-Missu, na margem esquerda do Xingu; e Paquiçamba,
acima na margem direita. A origem do etnônimo Juruna é de origem
estrangeira e parece significar “boca preta” em língua geral.
Juruna ou Yudjá são retratados em sua mitologia como a humanidade
protótipo, isto é, canoeira e produtora de cauim. Embora não se possa analisar
o real significado do etnônimo Yudjá, os Juruna acabam se considerando como
tal por se autodenominarem os “donos do rio Xingu”. Falam uma língua
classificada como sendo do tronco tupi e classificada na família do mesmo
nome, onde pode se incluir as línguas já extintas de povos como os Xipaia,
Arupaia etc.
Houve épocas de conflitos com outras etnias; para permanecer no Alto Xingu,
os Yudjá tiveram que travar guerras sangrentas com os povos da região, em
especial os Kamayurá e Suyá, que culminaram em dois episódios: durante um
período foram aprisionados pelos Suyá, sendo algumas mulheres roubadas
mais tarde pelos Kamayurá.
É apresentado a seguir o censo populacional referente ao mês de junho de
2001, que de uma forma geral inclui cônjuges que são pertencentes a outros
povos como os Kayabi, Txukahamãe e Ikpeng, deixando de incluir membros
descendentes do povo Yudjá incorporados por grupos de seus cônjuges junto
aos Suyá. Dados da FUNAI, de 2004, indicam uma população de 278 índios.
209
Local Famílias População
Tubatuba 27 162
Fazenda Boa Vista 2 9
Fazenda Novo Paquiçamba
6 34
Pequizal 6 35
Piarassú 3 17
PIN Diauarum 4 19
Total 48 278
Fonte: Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil
“Piaraçu” é um ex-Posto de Vigilância, à beira da BR 080. Tem por dono um
homem Txukahamãe casado com uma mulher Yudjá, e que é considerado
dono também da Fazenda Boa Vista. A Fazenda Novo Paquiçamba é também
conhecida como aldeia Paquiçamba. Quanto a Aldeia Pequizal, ela é sítio de
uma das aldeias Yudjá dos anos 1950 e 1960, dissolvida em 1967. A filha do
chefe passou a ali morar sozinha com o seu marido, membro do povo Kayabi.
Em 1984 era habitada apenas por esse casal e quatro filhos em idade de
crescimento, até que em 1990 os filhos começaram a constituir família e para lá
se mudaram a sogra e o cunhado do dono da aldeia. Do total de famílias, 10
são formadas por casamentos de mulheres Yudjá com membros de outros
povos: oito Kayabi, um Txukahamãe e um Ikpeng”. (Verbete Yudjá,
Enciclopédia Povos indígenas no Brasil – ISA 2001, p. 5).
As atividades produtivas desenvolvidas pelos Yudjá referem-se essencialmente
ao cultivo de roças (a mandioca é o seu principal produto), e na pesca com
arco e anzol, que para eles é mais importante que a caça, mas mesmo assim,
apreciam bastante a carne de caça, e mantém uma produção regular de
artesanato, transformando em sua principal fonte de renda. Em tempos atrás
os homens possuíam uma canoa menor para a pesca e uma outra maior para
viagem. Atualmente há um desinteresse por parte dos mais jovens em construir
canoas.
210
Após a introdução da escola, começaram a resgatar um costume que há muito
haviam perdido o interesse: casais vêm mostrando o interesse em “prender”
garotas na fase da puberdade. O fato é que a escola deixa as meninas mais
expostas à ação dos rapazes e, por isso, os pais estão motivados a isolá-las
por vários meses e as vezes chegam a ficar isoladas por mais de um ano. A
regra de descendência desse grupo é matrilocal.
211
7.3 O PARQUE INDÍGENA DO XINGU
7.3.1 Histórico do Parque
A Expedição Roncador-Xingu, vanguarda da Fundação Brasil Central, foi criada
em 1943, inserida num programa do governo estadonovista de ocupação das
regiões centrais do Brasil. Por meio desta Expedição os irmãos Villas-Boas
chegaram à região dos formadores do rio Xingu, ocasião em que se
defrontaram com diversas populações indígenas.
Engajados em defesa dos povos indígenas, os irmãos Villas-Boas começaram
a pedir a proteção das terras da região do Alto Xingu em meados de 1948, por
ocasião dos projetos de colonização de iniciativa do Departamento de Terras e
Colonização do Estado de Mato Grosso que começavam a emergir.
Menezes retrata as pressões e ingerencias políticas promovidas pelo estado de
Mato Grosso com o objetivo de invabilizar a criação do PIX como, por exemplo,
a concessão de terras ao sul da região originalmente destinada ao Parque
Indígena a empresas colonizadoras da região Sul do Brasil. De acordo com ela,
“as principais empresas que lotearam terras no Alto Xingu ocuparam a parte
sudoeste do Parque, principalmente, as cabeceiras dos formadores do rio
Xingu”, com o claro ojetivo de “especular no mercado de terras e inviabilizar a
criação do Parque” (Menezes, 2001: 233).
Essa política intensificou-se na década de 1950, culminando na divisão da área
do futuro parque indígena em diversas propriedades particulares negociadas à
época pela ação de alguns funcionários do extinto Serviço de Proteção aos
Índios, inclusive com certidões negativas falsas emitidas. Tendo em vista essas
ações e diante da proposta de se criar um Parque Nacional na região, o então
Vice-Presidente da República, Café Filho, constituiu uma comissão para
212
estudar o assunto. Faziam parte desta Orlando Villas-Boas e Darcy Ribeiro,
entre outros.
O objetivo principal desta comissão era elaborar um anteprojeto de lei para a
criação do Parque. Assim sendo, em 17 de abril de 1952 o citado anteprojeto
do Parque Nacional do Xingu foi apresentado pelo Marechal Cândido da Silva
Rondon, contemplando uma área de 200.000 quilômetros quadrados (cerca de
2 milhões de hectares).
Ao encaminhar o anteprojeto ao então Presidente da República, Getúlio
Vargas, Café Filho ressaltou que “a Marcha para Oeste tinha revelado ao País
uma vasta área onde viviam numerosas tribos em isolamento milenar”. Diante
disto a criação do Parque como proposta, em 1952, nunca foi concretizada.
Somente em 14 de abril de 1961, por meio do Decreto nº. 50.455 o Parque
Nacional do Xingu, atual Parque Indígena do Xingu, foi criado com uma área 10
vezes menor do que a mencionada no anteprojeto, excluindo os territórios
tradicionais dos grupos meridionais (Alto Xingu). Sete anos depois,
precisamente em 06/08/1968, outro Decreto (63.082) modificava os limites
meridionais e reconhecia parcialmente o erro do Decreto anterior. Mas,
somente em 13/07/1971, o Decreto nº. 68.909, incorporava ao PIX os territórios
dos Aruák e Karib que habitavam a região acima da confluência dos rios
Tanguro e Sete de Setembro. Com isto o território Metyktire foi dividido pelo
traçado da BR-080, a qual se tornou a fronteira norte. A demarcação do PIX
efetivamente foi realizada em 1978 e a homologação em 1991.
Os territórios indígenas na região se estendiam ao leste, a oeste e ao sul, para
além das fronteiras do PIX. A atual superfície do PIX é de 2.642.003 hectares.
Estão em andamento na FUNAI estudos de identicação e delimitação da TI
Naruwoto (ao sul do PIX) e Ikpeng no rio Jatobá.
213
7.3.2 Legislação Fundiária
1943
- Decreto Lei 5801 – Declara de interesse militar para fins de direito a
Expedição Roncador Xingu (ERX).
- Decreto Lei 5878 – Cria a Fundação Brasil Central (FBC)
1952
- Minuta de Ante Projeto de Lei de Criação do Parque Indígena
- Lei nº 1626, de 17/06/1952 – Estendem-se a todos os chefes e demais
servidores dos postos de atração e pacificação dos índios, os benefícios do
Decreto Lei nº 5801, de 08/09/1943.
1961
- Decreto 50.455, de 14/04/1961 – Criação do PIX.
- Decreto 51.084, de 31/07/1961 – Regulamenta o Decreto 50.445/61.
1968
-Decreto 63.082, de 06/08/1968 – Altera limites do PIX.
1971
- Decreto 68.909, de 13/07/1971 – Altera limites do PIX
- Memorial descritivo de 20/12/1971
1973
- Decreto 71.904, de 14/03/1973 – Interdita área para fins de atração.
1974
- Parecer 57/PJ/74 – Pedido de alteração do limite leste.
1975
- Portaria 189/P, de 13/03/1975 – Comissão Permanente de Demarcação de Terras.
214
- Portaria 326/P, de 08/05/1975 – Substituição de membro da Portaria 189/P.
1976
- Portaria 369/N, de 26/05/1976 – Cria Posto Indígena.
- Parecer 41/CJ, de 23/06/1976, ref. Portaria 1.914/76 – Nulidade.
- Portaria 932/P, de 12/11/1976 – Constitui GT para proceder localização de aldeias.
- Portaria 965/P, de 16/12/1976 – Prorroga prazo de Portaria.
1977
- Portaria 100/P, de 18/07/1977 – Substituição de membro do GT Portaria
126/P/75.
- Portaria 741, de 07/07/1977 – Arrecadação de terra devoluta, Gleba Nhandú.
1978
- Instrução Técnica Executiva 026/DGPI, 06/1978 – Vistoria e recebimento dos
trabalhos demarcatórios.
- Portaria 409/E, de 28/06/1978 – Autoriza interrupção de estudo para Krikati,
para recebimento de trabalhos demarcatórios do PIX.
- Instrução Técnica Executiva 030/DGPI, de 24/08/1978 – Deslocamento para
vistoria e recebimento dos trabalhos demarcatórios.
- Decreto 82.263, de 13/09/1978 – Institui nova denominação aos Parques.
1979
- Instrução Técnca Executiva 01/DGPI, de 09/01/1979 – Vistoria e recebimento
da totalidade dos trabalhos demarcatórios.
- Extrato de Termo Aditivo, de 08/03/1979 – Prorroga contrato de empreita para
demarcação e medição da área.
- Decreto 83.541, de 04/07/1979 – Declara sem efeito a interdição da área
estabelecida pelo decreto 71.904/73.
1982
- Decreto 86.956, de 18/02/1982 – Declara de interesse para desapropriação.
215
1983
- Instrução Técnica Executiva 002/DGPI, de 04/02/1983 – Determina
deslocamento de servidora na qualidade de assistente pericial.
- Instrução Técnica Executiva 008/DGPI, de 19/04/1983 – Determina
deslocamento de servidora na qualidade de assistente pericial.
- Portaria 1491/E, de 19/04/1983 – Determina deslocamento de servidora na
qualidade de assistente pericial.
- Memorial descritivo 2.642.003, de 18/05/1983 – 9374 hectares.
1984
- Parecer 005, de 16/04/1984 – GT Decreto 88.118/83.
- Portaria 291/P, de 16/04/1984 – Interdita área.
- Exposição de Motivos nº 040, de 04/05/1984 – Projeto de Decreto para
definição de limites.
- Decreto nº 89.618, de 07/05/1984 – Declaração de interesse para
desapropriação.
- Aviso 327/GM, de 16/07/1984 – Concessão de recursos.
1985
- Instrução Técnica Executiva nº 43/DPI, de 11/11/1985 – Proceder localização
do campo de pouso.
1986
- Instrução Técnica Executiva nº 007/DPI, de 05/03/1986.
- Instrução Técnica Executiva nº 010/DPI, de 31/03/1986 – Deslocamento de
técnico para identificação da Fazenda Agropecuária Alvorada do Norte S/A.
1987
- Ordem de serviço 030/SUAF, de 10/07/1987 – Reaviventação de 70 Km no
limite sul.
- Certidão de cadastro do PIX.
216
1988
- Portaria 306, de 21/03/1988 – Anula certidão 20/73.
- Ordem de Serviço 32/SUAF, de 13/09/1988.
1991
- Decreto S/Nº, de 25/01/1991 – Presidência da República homologa a
demarcação administrativa.
1993
- Extrato de Convênio 008/93 – Minuta de cooperação entre as partes
conveniadas para implantação de projeto de saúde indígena.
1994
- Ordem de Serviço 13/DAF, de 22/11/1994 – Participação de reunião.
- Portaria 22, de 15/12/1994 – Declara emancipação de Projeto de
Colonização.
1996
- Portaria 526/96 – Determina estudos antropológicos e complementares de
revisão dos limites leste e sul.
- Portaria 663, de 13/08/1996 – Prorroga prazo de Portaria.
- Extrato de Convênio entre o governo do estado de MT, SEPLAN e Ministério
da Justiça/FUNAI, de 19/09/1996.
- Portaria 958, de 29/10/1996 – Levantamento e avaliação de benfeitorias.
- Portaria 1078, de 25/11/1996 – Prorroga prazo de portaria.
1997
- Portaria 19, de 07/04/1997 – Realização de pesquisa arqueológica pela USP.
1999
- Extrato de Convênio 07/99 – Visa a manutenção de bases físicas de apoio e
proteção objetivando a conservação dos limites do PIX.
217
2000
- Portaria 214/PRES, de 04/04/2000 – Determina a realização de estudos
preliminares de identificação do limite noroeste do PIX.
2001
- Extrato de Convênio 003/01 – Entre a ACT (Amazon Conservation Team) e a
Associação Indígena Mavutsinin, com a finalidade de realizar mapa cultual
mostrando o uso indígena de áreas tradicionais.
2002
- Edital 1/2002 Projeto 914/BRA/3018 – Publicado no DOU de 05/08/2002 –
Contratação de técnicos especilizados em assuntos antropológicos, ambientais
e agronômicos para realizar estudos de identificação e delimitação e realizar
levantamentos fundiários de diversas terras indígenas.
- Extrato de Contrato de consultor, publicado no DOU de 17/01/2003 – Contrata
consultor UNESCO na modalidade produto para proceder estudos necessários
a revisão de limites da TI Parque Indígena do Xingu/Naruwoto.
2003
- Extrato de Convênio nº 12/02 entre a FUNAI e a ACT (Amazon Conservation
Team), publicado no DOU de 14/02/2003 – Realização de mapa cultural
mostrando o uso tradicional da área do PIX.
2005
- Aviso de Licitação Concorrência nº 1/05, publicado no DOU de 01/11/2005 –
Contratação de empresas especializadas em serviços de
demarcação/aviventação de limites das Terras Indígenas Yvy Katu e Parque
Indígena do Xingu.
218
7.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DO PIX
A bacia amazônica tem 98% da sua área coberta por floresta de terra firme
assentada, via de regra, por solo geologicamente antigo e por onde correm rios
de água preta estéril ou água clara. A longa idade geológica associada às altas
temperaturas e ao grande coeficiente pluviométrico é responsável pela
infertilidade do solo amazônico. A água quente da chuva se infiltra no solo e
dissolve os minerais solúveis e os carrega através do subsolo e, por fim, para
os rios. Num longo processo, só restam os elementos insolúveis. Durante a
maior parte do Pleistoceno a erosão e a sedimentação foram favorecidas pela
combinação de temperatura elevada e chuva abundante. Milhões de anos de
exposição à intempérie química lixiviaram seus sais minerais solúveis, restando
solos formados, sobretudo, por areia e argila. A formação de laterita também
destrói o fósforo, além de dificultar a retenção de amônia, sal, potássio e
magnésio, todos importantes para as plantas (Lehmann et alii, 2003; Woods,
2003; Kern, 2003). Este conjunto de fatores foi por algum tempo considerado
um entrave para o estabelecimento de culturas complexas na região por
autores como Meggers. Estudos posteriores, inclusive tendo como área de
estudo o Alto Xingu vêm, entretanto, demonstrando o contrário (Carneiro, 1983;
Heckenberger, 2002).
Os grupos estudados habitam a região superior do Rio Xingu, um dos maiores
tributários do Amazonas. Estes, e seus afluentes menores, drenam uma região
extremamente heterogênea e composta por um mosaico de zonas ecológicas
distintas.
219
As nascentes do Xingu se originam no antigo escudo arqueano do planalto
central, que constitui o limite meridional da própria bacia amazônica, cujos
embasamentos são constituídos por granito, recobertos em certas áreas por
arenitos provavelmente oriundos do Cretáceo. São regiões de maciços
extremamente antigos e, em sua maior parte, fortemente aplainados. Pela
regularidade do terreno, as possibilidades de erosão e carreamento de
sedimentos são reduzidas, e o transporte de material em suspensão acaba
ocorrendo somente no período chuvoso, sendo praticamente nulo durante a
estação seca, a qual é bem marcada (Sioli, 1991). Em função disso, o Rio
Xingu apresenta originalmente coloração cristalina a verde clara. Pequenos
afluentes drenando áreas de campos alagáveis, como o Tuatuari, são
particularmente transparentes.
A região do Alto Xingu situa-se no limite sul da floresta tropical, e em um mapa
de vegetação podemos observar uma língua de floresta, representada pelo Alto
Xingu, se estendendo sobre a savana predominante no Brasil Central (Figura
12). Aparentemente a floresta nesta região está associada à maior umidade,
sustentada pelos rios e planícies sazonalmente alagadas, compostas por
campos de inundação, igapós e lagos de diferentes formatos.
Em ambas as margens do Xingu, seguindo seu curso e o de seus formadores,
existe a planície sazonalmente alagada, composta por florestas de igapó e
campos inundáveis recortados por um complexo sistema de corpos de água
compostos por canais, ressacas e lagos, sujeitos a profundas alterações em
função da variação anual do nível da água. Durante a cheia este conjunto
torna-se um único corpo de água contínuo. Na seca podem-se distinguir, neste
conjunto, diversos sistemas aquáticos de forma dendrítica, com alguns lagos e
canais completamente isolados. A fauna aquática está adaptada ao ciclo da
água, que proporciona variação anual na disponibilidade de habitats aquáticos
e de locais para reprodução.
220
As florestas que compõem a região do Alto Xingu, tanto as matas ciliares que
margeiam o leque dos formadores, como as formações florestais de interflúvio,
são distintas e de menor biomassa em comparação com as florestas mais
úmidas de outras partes da Amazônia. O fator limitante, na realidade, não está
na quantidade de chuvas que cai em média durante o ano, em torno de 1900
milímetros, mas sim no longo período de estiagem que pode significar até mais
de três meses sem uma gota de chuva (Carneiro, 1987; Morán, 1978).
O alto Xingu é drenado por um leque de rios, interligados por emaranhados de
igarapés, canais e lagos, confluindo para 11° 55' Latitude S e 53° 35' Longitude
W, no local denominado Morená. Esta área está delimitada a sul pelo
Chapadão Mato-grossense, a Oeste pela Serra Formosa (ficando do outro lado
a bacia do Rio Teles Pires, afluente do Tapajós) e a Leste pela Serra do
Roncador (interflúvio entre o Tanguro e o Rio das Mortes, afluente do
Araguaia).
De acordo com Agostinho (1974), o norte de Mato Grosso constitui uma
unidade geográfica, ecológica e socio-política com limites geográficos bem
definidos. Carneiro (1983) afirma que a região, entre as latitudes 12 e 13 graus
sul, foi originalmente composta por floresta tropical, com savanas antrópicas
formadas pela repetida queima das gramíneas e arbustos que invadem os
campos cultivados. Afirma, ainda, que as savanas não são utilizadas para
cultivo.
Podem-se distinguir estações definidas para toda a região, em função do ciclo
hidrológico. Durante a enchente e a cheia existe maior quantidade de chuvas e
menor amplitude térmica. Esta última aumenta durante a vazante e atinge
níveis mais altos na seca, quando também se registram os menores índices de
precipitação mensal. Na Figura 13 A temos os dados de pluviosidade mensal
do ano corrente, assim como os níveis médios mensais da cota do Rio
Culuene. A característica mais marcante - e talvez o principal responsável
pelas diferenças na cobertura vegetal - é a presença de uma estação seca
221
pronunciada, com um período superior a três meses de ausência de
precipitação (Moran, 1978). A Figura 13 B apresenta uma série temporal de
vários anos com valores da cota média mensal do Culuene, mostrando a
variação anual que caracteriza este sistema hidrológico.
Uma das principais características destas zonas ecológicas são as faixas de
floresta ombrófila densa estabelecidas ao longo dos rios. Mesmo córregos
estreitos, dependendo do solo, contam com matas ciliares cobrindo ambas as
margens. Uma sub-faixa da mata ciliar, situada na planície de inundação
sazonal do rio, o igapó, apresenta dossel mais baixo que a mata de terra firme,
sendo que as raízes das espécies vegetais características desta área
apresentam adaptações à inundação periódica.
Alguns cursos d’água drenam áreas mais baixas de campo sujo, onde
predominam savanas com árvores de pequeno porte, isoladas, compondo
paisagem típica. Nestes casos não ocorre vegetação de porte florestal
associada, como é o caso do Rio Tuatuari, que apresenta campos de alagação
repletos de buritis e, nas suas margens, o predomínio (principalmente no curso
inferior) da pequena palmeira localmente denominada buritirana.
O solo, a vegetação e a fauna são caracteristicamente amazônicos, inclusive
no tocante a ictiofauna. Aumentando ainda a complexidade natural da região,
onde temos um mosaico formado pela floresta densa e por diferentes
fisionomias de cerrado, incluindo campos naturais, existem áreas extensas
onde a terra cultivada e abandonada, depois de queimadas contínuas que
impedem a regeneração das capoeiras, formam-se savanas dominadas pelo
capim sapé e a palmeira macaúba, ambas espécies de grande utilidade. Outras
espécies resistentes, oriundas do cerrado, acabam se estabelecendo nestas
áreas como o cajueiro, a lixeira e a mangabeira. Assim hoje, no entanto, esta
“língua” de vegetação representada pelo Xingu está em grande parte cercada
pela soja, pois o cerrado desapareceu para dar espaço à agroindústria.
222
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
jan
-05
fev-
05
ma
r-0
5
ab
r-0
5
ma
i-0
5
jun
-05
jul-
05
ag
o-0
5
set-
05
ou
t-0
5
no
v-0
5
de
z-0
5
Co
ta m
édia
men
sal
(cm
)
Plu
vio
sid
ade
men
sal
(mm
)
cota média mensal (cm) pluviosidade mensal (mm)
Figura 13 A: Valores mensais de pluviosidade total e média da cota do Rio Culuene
na Pousada Matrinxã, ao sul do Parque Indígena do Xingu. Dados obtidos junto à
Agência Nacional de Águas (ANA).
0100200300400500600700800900
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Co
ta m
éd
ia m
en
sa
l (c
m)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 Média
Figura 13 B: Valores da cota média mensal do Rio Culuene na Pousada Matrinxã, ao
sul do Parque Indígena do Xingu. Dados obtidos junto à ANA.
223
7.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DOS GRUPOS INDÍGENAS
DO PIX, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS
HÍDRICOS E VEGETAÇÃO / FAUNA RELACIONADOS
Além do domínio sobre as unidades paisagísticas e as propriedades dos solos
onde as mesmas se encontram, fator que vai definir as áreas a serem
cultivadas e o quê vai ser plantado em cada roça, o conhecimento sobre as
espécies vegetais e suas utilidades também constitui testemunho de séculos
de convivência com o ambiente. Carneiro (1987) constatou que os Kuikuro
foram capazes de identificar todas (172) as plantas presentes em uma parcela
de floresta próximo à aldeia, observando o tronco, a estrutura da copa, a
ramificação, as folhas, flores e frutos, além do cheiro, coloração e viscosidade
do exudato. A partir das mesmas, o autor distinguiu 17 formas de uso que
incluem uso cerimonial ou xamanístico, medicinal, alimentar (frutos e
castanhas), para lenha, cultivo nas roças, construção, confecção de amarras e
cordas, como figuras mitológicas, na confecção de ornamentos, obtenção de
veneno de pesca, obtenção de látex e resina para os mais variados fins, para
lixar ou forrar superfícies, no fabrico de canoas (incluindo calafetagem), sabão
e sal. Estas não necessariamente excludentes, pois muitas plantas podem ser
utilizadas para diversos fins. Para um levantamento florestal mais completo
para região do Alto Xingu, ver Ratter et al. (1973).
O sedentarismo é viabilizado através de uma estratégia de subsistência
baseada no cultivo da mandioca e na exploração dos recursos pesqueiros.
Trabalhando com estimativa de capacidade de suporte, Carneiro (1960, Apud
Morán 1978) calculou que os Kuikuro podem sustentar aldeias de até 5.000
habitantes, indefinidamente, com uma dieta baseada 85% em mandioca.
Estudos posteriores demonstraram, entretanto, que as estimativas de Carneiro
não são representativas para a Amazônia em geral, sendo seu estudo
influenciado por dados coletados em uma única localidade. Para Gross, a
224
manutenção da fertilidade do solo é altamente dependente do processo de
sucessão florestal.
Pelos depoimentos que colhemos junto às comunidades, as estratégias
adotadas direcionam-se no sentido de garantir a manutenção destes ciclos com
a formação de capoeiras. Em todos os assentamentos atuais visitados foram
observadas capoeiras antigas, com pelo menos 30 anos, já passíveis de serem
derrubadas para o plantio de roças novas, com solo recuperado.
Um segundo processo direcionado pela ação humana sobre o ambiente além
do esgotamento de nutrientes pela agricultura de corte e queima,
particularmente sobre os solos, é a formação de manchas de terra preta
arqueológica (TPA), extremamente férteis e milenarmente utilizadas, tanto no
Xingu quanto em outras partes da Amazônia.
Estudos arqueológicos têm comprovado a existência de complexos padrões de
assentamento na região, envolvendo alterações antrópicas em larga escala no
último milênio. O mapeamento dos sítios escavados documenta mudanças
profundas na paisagem induzidas pela ação humana, incluindo mudanças na
cobertura vegetal, principalmente nas áreas dos maiores sítios arqueológicos.
Heckenberger (2003) encontrou 19 assentamentos pré-colombianos, distantes
entre si por distâncias que variam entre 3 e 5 km, e unidos por grandes
estradas cuja largura chegava a 50 metros. Os registros denunciam um
sistema altamente elaborado de ocupação, com aldeias grandes, com áreas
residenciais que atingiam 25 ha, formadas por um grande círculo com estradas
radiais, associadas a valetas defensivas com até 2,5km de extensão e 5 metros
de profundidade. O autor encontrou, ainda, diversas outras construções
relacionadas com os corpos d’água como pontes, poças artificiais, barragens e
canais, entre outras estruturas.
Virtualmente toda a área entre esta rede de assentamentos foi e é
minuciosamente manejada pelos Kuikuro. Os sítios arqueológicos
225
correspondem a grandes manchas de vegetação secundária em graus distintos
de regeneração que se distinguem da floresta circundante nas imagens de
satélite. A composição dos ambientes de floresta e de áreas alagáveis
evidencia um conjunto de complexas mudanças cumulativas, que refletem o
longo processo pré-histórico de manejo do ecossistema resultando em um
mosaico composto por florestas secundárias em distintos graus de
desenvolvimento, constituindo inclusive áreas de caça, roçados dispersos,
campos de sapé com palmeiras como a macaúba, e os gigantescos pomares
de pequi e mangaba. Mais a norte, nas áreas manejadas pelos Trumai e
Ikpeng, nas margens do Xingu a partir do Morená, observa-se que a macaúba
começa a ser substituída pelo inajá nestes campos.
Cabe ainda considerar que estas culturas se desenvolveram numa região de
ecótono, ou área de tensão ecológica, que corresponde ao limite meridional da
floresta amazônica ou, como se confirma numa imagem ou mapa de
vegetação, num prolongamento da floresta sobre o cerrado, associado ao
leque de rios e corpos d’água que garantem umidade necessária.
O texto que se segue traz observações feitas entre as etnias do PIX, no que se
refere à caracerização de seu modo de vida, com especial atenção para os
recursos hídricos e de fauna e flora. Como foram várias as aldeias visitadas e,
portanto, diversos modos de vida e maneja com a natureza observados, o texto
busca apresentar sua riqueza e diversidade.
226
7.5.1 Coleta e manejo da vegetação nativa
Não foi incluído, neste estudo, levantamento sobre o uso da fauna e flora
nativas utilizadas com fins medicinais. Vale a pena mencionar o trabalho de
Roosmalen e Roosmalen (1998) junto ao Pajé Tacumã Kamaiurá, que lista,
descreve plantas obtidas em capoeiras, campos, diferentes fisionomias de
cerrado e nas matas, assim como suas finalidades e modos de preparo e
administração. A lista inclui 92 etnoespécies, entre ervas, arbustos, trepadeiras
e cipós, árvores, epífitas e plantas aquáticas. As diversas descrições das
plantas e de seus habitats de ocorrência deixam claro que as diferentes
formações vegetacionais, e seus ecótones, são explorados pelos Kamaiurá, e
certamente pelos demais povos do Xingu.
Nas aldeias, as casas (malocas) grandes e características dos povos
xinguanos estão invariavelmente situadas lado a lado, formando o círculo da
aldeia. São construídas por diversas madeiras retiradas da floresta, e cobertas
exclusivamente com sapé, no Alto-Xingu, e com esta gramínea ou com a palha
do Inajá, a partir do Médio-Xingu. Os depoimentos nos levam a crer que a partir
daí, no Baixo-Xingu e nas áreas dos Kayapó, esta última passa a ser de uso
dominante. No Morená, o cacique comentou, ao passarmos pelas casas
durante nossa visita, que os grupos Juruna e Suiá cobrem as casas com inajá,
e não com sapé, denotando como mais uma vez uma adaptação à
disponibilidade de recursos existente, e como o gradiente ambiental se reflete
nos recursos que são utilizados.
Os depoimentos a seguir retratam parcialmente como é realizado o manejo
destas importantes espécies, sobretudo pelo fogo, e os riscos que o manejo do
fogo acaba envolvendo.
227
"O inajá que brota na roça não é plantado, cutia que planta. A cutia come o
fruto e planta (enterrando a semente), é o maior plantador. A anta também,
come e leva longe, faz cocô e aí nasce"
(Waigé Ikpeng, Aldeia Ikpeng, 23.11.2005)
"Antes aqui era roça e não tinha inajá. Depois que queimou e fez roça é que
nasceu e cresceu isso aqui"
(Liderança Ikpeng, Aldeia Ikpeng, 21.11.2005)
"Joga agora (novembro) fogo no sapé, em abril ele tá bom pra colher. Sapé
velho a casa não dura"
(Aldeia Mehinaku, 8.11.2005)
"Eram 17 malocas aqui, 200 e poucas pessoas. Há 2 meses o fogo destruiu
completamente 9 das casas. Foi um fogo na beira do rio, pegou fogo no sapé,
veio pela roça e pegou nas casas”
(Aritana Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 5.11.2005)
O inverno, que corresponde ao período chuvoso, também é o período de coleta
de frutos silvestres. Os pomares são, no entanto, a principal fonte de frutas.
Toda a aldeia xinguana é cercada por pomares extensos onde predominam o
pequi, a mangaba, vindo em seguida as roças de mandioca. O tamanho das
árvores frutíferas plantadas é proporcional à idade do próprio assentamento.
Primeiro derruba-se a mata plantando-se mandioca por no máximo 5 anos,
quando o terreno é abandonado ou plantado com pequizeiros e mangabeiras,
formando o pomar circular típico acima mencionado. As roças novas com
mandioca passam a ser estabelecidas em torno deste primeiro círculo, e na
medida em que vão sendo abandonadas, na mesma seqüência, vai se
formando um mosaico com áreas de capoeira abandonadas em regeneração,
que posteriormente são novamente derrubadas e queimadas para o cultivo de
mandioca em um novo ciclo, ou são semeadas com as frutíferas mencionadas
para ampliação dos pequizais e mangabais característicos.
228
Os pequizais são individuais, ou melhor, pertencem à família que tinha ali sua
roça. As roças que não mais serão utilizadas para plantio são abandonadas
(normalmente as mais distantes da aldeia) ou são utilizadas para o plantio do
pequi (normalmente as primeiras roças feitas logo que aldeia se estabelece,
de modo que a proximidade facilite o cuidado com o pomar de pequis e a
coleta dos frutos). Os pequizais são queimados periodicamente para a limpeza
do terreno, facilitando o caminhar e a coleta de frutos. Além disso, o terreno
limpo deixa de ser abrigo potencial para animais potencialmente nocivos, como
aranhas, escorpiões e serpentes, além de permitir visualização destes, e dos
frutos a serem coletados
"Eu que plantei, fui plantando. A gente não perde isso aí não. Esses tem 5, 6
anos. Seis anos já dá piqui"
(Atamai Waurá, Aldeia Waurá, 31.11.2005)
"A macaúba não dá no mato não, é assim na aldeia e no campo um
pouquinho. Ninguém planta não. Só pega fruta. Come, faz cocô, joga, e aí vai e
cresce, né?”
(nosso guia, Aldeia Mehinaku, 8.11.2005)
No Quadro 2 constam as espécies registradas nas capoeiras mapeadas
durante o trabalho de campo. Na tabela 1 constam as espécies registradas nos
pomares associados a cada aldeia.
229
1 1 3 4
18 21
34
58
0
10
20
30
40
50
60
70
cajá
jenip
apo
mam
ão
man
ga
mac
aúba
man
gaba
sapé
pequ
i
Nú
mer
o d
e re
gis
tro
s
Quadro 2: Espécies registradas e mapeadas nas capoeiras associadas às aldeias do
Parque Indígena do Xingu em novembro de 2005.
230
Tabela 2: Plantas em pomares de 10 aldeias do PIX, nov/05.
Planta / Aldeia
Waurá Ipavu Yawa-lapiti
Mehi-naku
Matipu Kala-palo
Nahu-kwa
Morená Trumai Ikpeng
Abacaxi
Abóbora
Algodão
Amendoim
Amora
Banana
Batata
Cabaça
Caju
Cana
Cará
Coco
Cuia Erva cidreira
Fava
Goiaba
Laranja
Limão
Macaúba
Mamão
Manga
Mangaba
Maracujá
Melancia
Mexerica
Milho
Murici
Pequi
Pimenta
Pimentão
Pinha
Pitanga
Roromi
Seriquela
Tabaco
Tagago
Tucum
Urucum
Numero Espécies (Total 39)
8 9 4 4 7 8 6 8 11 13
231
Diversos animais alimentam-se nos pomares de pequi. Foram mencionados a
anta, a paca, o tatu, o veado, a cutia, o papagaio, a arara, o periquito, o
picapau, e a raposa. Na maioria destes casos, o nome local corresponde a
mais de uma espécie (veado, cotia, papagaio, arara, periquito e picapau). No
Anexo 4 constam diversos registros de animais mapeados nas áreas
manejadas. Foram diretamente avistados, nos pomares, capoeiras e campos, o
tatu galinha, o veado e a cotia, em todos os casos em áreas adjacentes às
aldeias atuais. No Quadro 3 constam os registros diretos e indiretos de fauna
durante nossa viagem pelo PIX.
1
1
1
1
1
1
1
2
2
2
4
4
4
5
6
6
25
0 5 10 15 20 25 30
caramujo
Jacu - bando
jaguatirica
maçarico
capivara
quati
tatu canastra
ariranha
caititu
garça
capivara
corta água
gaivota
veado
anta
jacaré
tracajá
nú
mero
de r
eg
istr
os
Espécies
Quadro 3: Registros de fauna nativa por avistamentos e por rastros mapeados; Parque
Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Logo a seguir constam registros de atividades exercidas pelos índios durante
nossa permanência nas aldeias (Quadro 4). Observa-se que as principais
atividades domésticas são a confecção de artesanato e o preparo de alimentos.
232
Os materiais utilizados na elaboração de artesanato constam na Tabela 3. Na
Quadro 5, atividades dos índios registradas fora das aldeias.
1 1 1 1 1 2 2 2 37
11
24
05
1015
202530
nú
mer
o d
e o
bse
rvaç
ões
Quadro 4: Atividades desenvolvidas nas aldeias e nas casas das comunidades
indígenas do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Tabela 3: Matéria prima utilizada na confecção de artesanato no Parque indígena do
Xingu em novembro de 2005 (N = 20).
Material N %
Argila 1 5
Caramujo 1 5
Cipó 1 5
Algodão 2 10
Buriti 15 75
233
1 1 1 1 1 12 2 2
56
7
9
0123456789
10
caça
ndo
colet
a plan
tas m
ed.
colet
ando
vara
s
colhe
ndo
mandioc
a
corta
ndo m
adeir
a
planta
ndo
man
dioca
aran
do ro
çado
colhe
ndo
gafa
nhoto
s
cons
truind
o ca
sa
colet
ando
pequ
i
colet
ando
saúv
a
capin
ando
roça
pesc
ando
Quadro 5: Atividades desenvolvidas fora das aldeias, Parque Indígena do Xingu,
novembro de 2005.
No Quadro 6 consta a origem dos alimentos presentes em refeições que
presenciamos. Sobre os itens coletados, predomina o pequi, que corresponde
a 69,2 % (N = 9) dos itens coletados e consumidos. Insetos (saúvas e larva de
marimbondo) foram registrados uma vez cada um. Carne de boi, oriunda da
fazenda Jacaré, foi o único animal criado do qual observamos o consumo.
Entre os itens comprados registramos duas vezes o consumo de arroz, uma de
feijão e uma de macarrão. Não incluímos café e açúcar, desconsiderando estes
itens como refeição. Embora quelônios aquáticos sejam, do ponto de vista da
sua aquisição, um recurso pesqueiro, incluímos o tracajá como caça, tendo
sido registrado duas vezes. Registramos o consumo de macaco preto (macaco
aranha) uma vez. O beiju esteve presente em todas as refeições, e o cará
somente uma vez. O consumo de peixe foi observado em 14 das 24 refeições
observadas (58,3%). A composição de espécies de peixe presentes nas
refeições consta no Quadro 7.
234
5 5
13 14
22
05
10152025
caça
com
pra
colet
a
pesc
a
agric
ultur
aN
úm
ero
de
ob
serv
açõ
es
Quadro 6: Origem dos itens alimentares em 23 refeições registradas nas comunidades
do Parque Indígena do Xingu em novembro de 2005.
1 1 1 1 1 1
2 2 2 2 2 2 2 2
4
0
1
2
3
4
5
arar
i
barb
ado
boca
larg
a
corv
ina
jaú
voad
eira
bicu
da
man
dubé
pacu
zinh
o
pint
ado
pira
nha
pira
rara
trai
rão
tucu
naré
peix
e ca
chor
ro
Nú
mer
o d
e o
bse
rvaç
ões
Quadro 7: Nome comum dos peixes registrados em 23 refeições. Parque Indígena do
Xingu, novembro de 2005.
Diversos grupos estudados são originalmente ribeirinhos, e portanto exímios
pescadores e fabricantes de canoas, além dos mais variados artefatos de
pesca. Estes foram, após a vinda de outros povos para o Xingu, tanto por
intermédio dos irmãos Villas Boas quanto anteriormente, quem repassou
diversas técnicas de pesca e também de confecção de embarcações. Feitas
anteriormente a partir da casca do jatobá, que reúne características adequadas
235
como espessura, dureza e uniformidade. As canoas de casca do jatobá são
características marcantes de vários grupos xinguanos (Carneiro 1987, Lima
1950), tendo sido deixadas de lado somente quando ferramentas de metal
permitiram a escavação de toras e, portanto, o fabrico de canoas de madeira a
partir de troncos inteiros. O depoimento a seguir deixa claro que os Kamaiurá
também utilizavam a casca do jatobá para fazerem suas embarcações.
"Tira a madeira (tora) e tira a casca grossa. Aí cava e depois queima, pra abrir
mais e ficar dura. Daí tira parte do queimado e fica pronto. Meu sogro sabe
queimar. Antes de ter a ferramenta do caraíba, era só com a casca do jatobá"
(Yawapi Kamaiurá, Morená, 20.11.2005)
7.5.2 Agricultura
A partir de abril iniciam-se as atividades agrícolas, com a aragem do solo e a
broca (limpeza do terreno), sendo que o plantio é principalmente entre agosto e
outubro, podendo estendendo-se até novembro. O período de colheita também
é sazonal, embora a necessidade possa levar as mulheres a colher em
qualquer período. Normalmente, no entanto, a colheita se intensifica em abril,
podendo também avançar até outubro. No final do verão, via de regra, cada
família está abastecida com grande quantidade de polvilho, estocado em
colunas confeccionadas com varas, cipós e enviras, forradas com folhas de
bananeira, e de massa de mandioca armazenada em sacos de fibra plástica,
panelas e vasos.
Quanto à organização da mão-de-obra para o plantio, embora as roças sejam
individuais (por família, em lotes), algumas etapas são realizadas de forma
mais ou menos coletiva, envolvendo um conjunto de mão-de-obra que
236
ultrapassa a dimensão familiar. É o caso da limpeza do terreno para o posterior
plantio. Este tipo de prática reforça os laços de compadrio e de solidariedade
típicos de comunidades rurais.
No Quadro 8 constam os itens cultivados nas roças visitadas durante o período
de estudo.
Informações sobre fertilidade e nutrientes encontrados no solo podem ser
encontrados em Carneiro (1983), pelo menos para a localidade habitada pelos
Kuikuro. Sobre as características geomorfológicas, do solo da vegetação e dos
processos ecológicos do Cerrado e das matas de galeria, ver as coletâneas
reunidas, respectivamente, em Sano e Almeida (1999) e Ribeiro e Fonseca
(2004).
Quadro 8: Cultivos registrados durante o mapeamento e georeferenciamento das
roças dentro do PIX, em novembro de 2005.
Cultivo Registros de presença
N %
Coco 1 1,14
Batata 2 2,27
Milho 5 5,68
abacaxi 7 7,95
Banana 8 9,09
melancia 9 10,23
mandioca 87 98,86
237
A agricultura praticada no Xingu é a típica de corte e queima. Os roçados
produzem bem por três a quatro anos, cinco no máximo, sendo então
descartados ou semeados com pequi e mangaba. Recomenda-se a leitura de
Carneiro (1983) para uma descrição detalhada do processo de seleção do
local, limpeza do sub-bosque, derrubada das árvores, queima, plantio,
manutenção (controle da invasão gramíneas e outras plantas pioneiras) e
colheita, assim como as etapas de processamento da mandioca. Queimam em
agosto, após dois ou três meses sem chuva alguma e, portanto, o fogo avança
rapidamente e eficientemente, com a combustão das árvores inteiras. Após
alguns dias da primeira queima, os troncos são empilhados para a realização
da coivara, que consiste na segunda queima do material restante.
Os xinguanos estabelecem roças circulares, em torno da aldeia, embora
também o façam em parcelas isoladas na floresta. Normalmente, estabelecem
parcelas adjacentes, derrubando áreas anexas às roças antigas. As parcelas
individuais de roça dos Kuikuro apresentam tamanho médio de 0,65 ha,
variando de 0,4 a 1,1 (Carneiro 1983).
São os homens que limpam e derrubam a floresta, queimam o material
derrubado, preparam o terreno e plantam a mandioca. Isto é comum entre
outros povos onde o estado de guerra é ausente ou de pouca importância e a
caça não constitui atividade principal masculina. O plantio é feito pelo dono da
roça, podendo este ser ajudado por parentes ou outras pessoas próximas. Um
homem que estabeleceu uma roça nova pode solicitar a todos os homens da
aldeia que o ajudem, retribuindo com farta comida e bebida fornecidos por sua
esposa. O preparo envolve a formação de montículos de terra onde os talos de
mandioca são enterrados para brotarem. São diversas as variedades de
mandioca plantadas no PIX. Os Kuikuro, por exemplo, diferenciam cerca de 50
tipos diferentes (Carneiro 1983).
Batata doce pode ser plantada juntamente com a mandioca, mas o milho
requer solo mais fértil e, portanto, é plantado em solo de origem antrópica, ou
238
de terra preta. Não observamos nem nos foi relatada a utilização de adubo
animal.
Diversos animais invadem as roças de mandioca, tanto pelas folhas como
pelos tubérculos. Porcos do mato são os mais mencionados, embora segundo
Carneiro (1983) veados e cutias também são mencionados pelos índios.
Avistamos cutias nas roças em duas ocasiões. Rastros de veado foram
registrados diversas vezes em locais diferentes, incluindo roças, e foram
avistados (Anexo 4). justamente na área Kuikuro, nos campos, a menos de 1km
da aldeia.
São os porcos, entretanto, o que causam mais prejuízo. Observamos entre as
roças dos Matipu, Kamaiurá e Nafukwá, cercas de centenas de metros, feitas
com pedaços de troncos oriundos da própria derrubada, para manter os
bandos de porcos fora do alcance das manivas. Não observamos estas
construções nas poucas roças dos Kuikuro visitadas, embora Carneiro (1983)
tenha documentado que o perímetro entre a borda da mata e o roçado seja
sempre cercado. Era justamente nesta zona que se encontravam as cercas
que observamos.
O queixada, espécie de maior porte e formador de bandos que podem chegar a
centenas de porcos, dependendo da região (Emmons 1997), é o que causa
maior estrago, também segundo Carneiro (1983). O autor sugere que, nesta
região, os queixadas apresentem comportamento noturno, atacando durante a
noite os roçados próximos à aldeia enquanto todos dormem, embora o que
conste na literatura para esta espécie é que ela é diurna (Emmons 1997). Além
das cercas, os Kuikuro também tentam evitar o prejuízo dos porcos cavando
trincheiras com estacas pontiagudas no fundo ou então com armadilhas de
captura, matando os animais que ficam presos.
Na aldeia Yawalapiti, encontramos ossos de queixada abatidos em novembro
de 2004, no momento em que invadiam as roças anexas ao perímetro das
239
casas (Anexo 4). Nesta ocasião, foram abatidos 20 animais de uma só vez.
Como os Yawalapiti, assim como todos os outros grupos do alto, não comem
carne de porco-do-mato, os queixadas foram levados para o Posto Leonardo,
para serem consumidos pelos trabalhadores.
Gregor (1977) menciona tanto as formigas cortadeiras (saúvas, Ata cephalotes)
como áreas permanentemente pantanosas, como fatores que limitam
seriamente a área cultivável para os Mehinaku. O autor também menciona
outros animais capazes de destruir as lavouras, como pragas de gafanhotos e
a invasão por porcos do mato (caititus).
As formigas cortadeiras (saúvas) constituem um capítulo à parte, podando pés
de mandioca e de outros cultivos. Nas roças Kamaiurá observamos grandes
buracos na terra, que de acordo com o guia que nos acompanhou eram
grandes colônias de saúva trabalhosamente retiradas com solo e tudo. "É pra
tirar formiga que come a maniva. Se não tirar o formigueiro da Aruru (Saúva),
acaba com a roça".
Nas roças dos Trumai observamos formigueiros realmente gigantescos, e
observamos sinais de ataque das saúvas sobre mandioca, batata e melancia,
numa mesma roça. Os Trumai têm problemas sérios com formigas cortadeiras
(saúvas) e com caititus em suas roças.
"Nós faz cerca porque o porco come mandioca, ele cava e come"
(Kafukumã Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 16.11.2005)
Um mês após a queima já se pode observar o crescimento de plantas
invasoras, mesmo ainda no período mais seco e sem chuva há meses.
Embora em abril a mandioca plantada no verão anterior e, portanto, com oito a
nove meses, já possa ser colhida, os Kuikuro preferem coletar tubérculos mais
antigos, que além de maiores produzem mais goma quando processados.
240
Ademais, o tubérculo pode ser mantido crescendo indefinidamente no solo, fica
ali mesmo armazenado, e colhido somente quando é necessário. Podem
permanecer comestíveis por mais de dois anos.
O replantio é realizado na medida em que as plantas antigas são arrancadas, a
partir de maio e durante a estação seca. Os morrinhos são abandonados na
terceira vez em que são plantados. Portanto, em uma mesma roça, onde parte
da mandioca plantada pela primeira vez ainda permanece, temos também
áreas onde se colheu e replantou em diferentes ocasiões. O resultado são
plantas de diferentes idades e tamanhos, facilmente distinguíveis formando
distintos extratos. Desta forma, no final das contas forma-se um mosaico de
roças novas e replantadas (até 4 safras) com plantas também de diferentes
idades. Em uma escala ainda maior temos também as áreas abandonadas
para regeneração, formando capoeiras, áreas onde são plantados pequis,
mangabas, mangueiras e outras árvores frutíferas, dando origem aos pomares,
e finalmente áreas cujas repetidas queimadas não permitiram o processo
natural de recolonização e sucessão ecológica, formando as savanas
dominadas pelo sapé. O fogo, ano após ano, elimina completamente o banco
de sementes e termina por matar quaisquer raízes que pudessem
eventualmente rebrotar (Nepstad et al. 1998). Este último caso é também uma
atitude intencional, já que o sapé novo, rebrotado após a queima durante o
período seco, é o material principal para a construção das casas típicas de
todos os grupos do Alto Xingu. Este mosaico de paisagem forma um sistema
extremamente flexível. O leque de opções de cada chefe de família depende,
portanto, de quantas roças ele possui. Considerando que cada roçado pode dar
três safras inteiras (dois replantios), se uma família abre a cada ano uma nova
parcela, terá sempre três roças de mandioca à sua disposição.
Entre os Kuikuro, Carneiro (1983) estabeleceu uma amostragem com 77
homens, e encontrou uma proporção de 6% que tinha 3 roçados, 39% com dois
e 48% com apenas um, além de quatro homens que não tinham roça alguma.
241
Pela existência de uma estação seca bem definida com um período de até
mais de três meses sem chuva alguma, como já mencionado, os pés de
mandioca perdem boa parte de suas folhas neste período.
A colheita, atividade predominantemente feminina, é realizada com maior
intensidade e tenta-se estocar bastante polvilho antes do início do longo
período chuvoso. Além do mais, os primeiros meses de chuva (outubro,
novembro e dezembro) coincidem com o período da coleta do pequi, e todos os
xinguanos precisam dispor de tempo livre para aproveitar a safra deste
importante recurso. Os Kuikuro chegam a construir pequenas casas nas áreas
de roça, quando estas distam alguns quilômetros da aldeia. Estas são
abandonadas quando começa a chover (Carneiro 1983).
A colheita ocorre basicamente nas primeiras horas da manhã, quando a
temperatura é mais amena. Primeiro as áreas são capinadas e limpas de
plantas invasoras. O homem então corta os ramos da mandioca, cortando-os
em pequenos pedaços menores que um metro, acumulando-as em um local
para posterior plantio. As mulheres então cavam e retiram os tubérculos. Uma
roça de tamanho padrão (0,65 há) produz, em média, 9275 kg de mandioca no
primeiro plantio, 8275 no segundo e 5090 no terceiro (Carneiro 1983). A perda
de produtividade é uma conseqüência característica da agricultura de corte e
queima na região amazônica em geral e, como já exposto, já foi considerada
como o principal empecilho para a existência de populações humanas em
maiores densidades.
O processamento da mandioca envolve descascar o tubérculo e separar a
farinha grossa, com peneira (Prancha 44). A mandioca ralada é misturada com
água e depois espremida numa peneira. Deixando-se na seqüência o líquido
restante descansar num recipiente (bacia, panela ou vaso grande) para que a
goma, ou tapioca, sedimente no fundo, retirando-se com uma cuia o líquido
venenoso da mandioca. A massa é colocada ao sol (observamos, na aldeia
Ipavu, colocarem-na sobre telhas de alumínio) para que fique completamente
242
seca, e é guardada. Depois de seca, pode ser colocada junto ao sumo para
absorver o líquido (e o veneno) e ajudar na secagem da goma que, depois de
completamente seca e endurecida, é denominada polvilho. Ambos (polvilho e
massa da mandioca) são deixados a secar ao sol por vários dias, para
completa secagem e evaporação de todo o veneno, composto basicamente
pelo ácido prússico (cianeto de hidrogênio – HCN, também denominado ácido
cianídrico ou ainda cianureto), um líquido incolor altamente volátil. Por isso, ao
invés de descartado, pode ser fervido por tempo suficiente para a eliminação
de todo o veneno, tornando-se uma bebida de sabor adocicado e conhecida na
região amazônica como tucupi. Os índios do Xingu também aproveitam deste
recurso.
"Tira, penera na água. A massa joga fora. Tira o caldo, ferve bem e
bebe. Fica o polvilho"
(Kanari Kuikuro, Aldeia Kuikuro, 13.11.2005)
243
PRANCHA 44 - A3
244
"A mandioca a gente rala, mistura com água e lava. O líquido retira e deixa
secar pra pegar polvilho. A massa joga fora, a não ser que tem pouco polvilho.
Aí mistura pra render mais"
(Kotoki Kamaiurá, Aldeia Ipavu, 3.11.2005)
De fato, a massa da mandioca seca quase sempre é armazenada, e é pilada e
misturada ao polvilho, quando este último está acabando, para fazer o beiju. Os
Ikpeng também misturam a massa seca da mandioca no polvilho,
semelhantemente aos Kamayurá, tanto do Ipavu como do Morená, para
aumentar o rendimento.
As variedades de mandioca apresentam propriedades diferentes, sendo,
portanto, processadas e armazenadas separadamente. Existem as qualidades
mais adequadas, respectivamente, para fazer o mingau, o beiju e o caldo.
Os Trumai também produzem farinha em pequena escala, utilizando um
pequeno tacho de metal. Estão inclusive na lista da FUNAI para construção de
casas de farinha.
A produção dos derivados de mandioca, principalmente o polvilho, é
respeitável, fornecendo um estoque seguro para as famílias, a despeito das
supostas limitações exercidas pela pobreza do solo, considerando ainda uma
ocupação milenar e a contínua utilização e manejo do espaço na região.
Carneiro (1983) menciona a estocagem, em uma casa com 11 pessoas, de
quantidades de polvilho que variam entre 1.750kg a 2.725kg, observando ainda
que a produção foi 2,5 vezes maior do que o que foi de fato consumido. A
cultura da mandioca fornece aos povos do Xingu, e de toda a bacia amazônica
de maneira geral, uma sólida base de subsistência.
245
Uma das maneiras de avaliar o crescimento das plantas é pela espessura do
ramo. Mas, além da queda de fertilidade com o cultivo seguido em um mesmo
local, o aumento no trabalho na eliminação das plantas invasoras, as ervas
daninhas (não somente ervas, ou gramíneas, na verdade), cada vez mais
difíceis de manter sob controle, também é um fator que encoraja o abandono
de uma roça após alguns ciclos de plantio e replantio. Áreas recentemente
abandonadas não são de interesse de ninguém, a não ser que ocorra a rápida
dominação do local pelo sapé, cuja utilidade e importância são indiscutíveis.
Durante uma visita às áreas cultivadas próximas à Aldeia Ipavu, Karitu
Kamayurá comenta sobre as dificuldades que enfrentava para controlar o
crescimento de plantas invasoras: "muita capoeira aqui já, ano que vem planto
pra lá. Aqui muito longe para buscar, vou deixar fechar".
Após o abandono, a regeneração completa da área, formando floresta
novamente, pode ser extremamente variável e dependente do histórico de uso
e da ação (ou não) do fogo na área. Pode durar de 30 a 40 anos até o
restabelecimento completo da floresta.
Roças abandonadas regeneram-se formando capoeiras ou, plantado pequi,
desenvolvem-se nos futuros pomares típicos, os pequizais. Antigas aldeias
normalmente desenvolvem sapezal com macaúbas, além das árvores frutíferas
formando o anel em redor. Algumas roças abandonadas também podem ser
tomadas pelo sapé formando paisagem semelhante à das antigas aldeias, sem
o anel de árvores frutíferas formado pelo antigo pomar. A construção de novas
aldeias próximas às velhas constitui fator altamente estratégico, possibilitando
fácil acesso ao antigo pomar e ao capim sapé para construção de novas casas.
Algumas plantas, como o urucum e a macaxeira, são plantadas na borda das
parcelas, na extremidade dos lotes familiares, para delimitação dos mesmos,
separando-os em parcelas de roça individuais. Além destes, é também utilizada
uma variedade de maniva cuja folha tem coloração com reflexo prateado.
246
"Onde tá a macaxeira é divisa de roça"
(Waigé Ikpeng, Pavuru, 23.11.2005)
Áreas de terra preta recebem atenção especial dos xinguanos e são utilizadas
para o cultivo de plantas mais exigentes nutricionalmente. São extremamente
importantes e recebem uma denominação específica (como por exemplo
egepe, entre os Kuikuro).
"Na roça de banana, mamão, melancia e abóbora é em terra preta e tem muito
caco."
(Waigé Ikpeng, Pavuru, 23.11.2005)
"Onde tem caco, terra escura, planta milho, banana, cana, abacaxi,
pequi, mangueira"
(Cacique Matipu, Aldeia Matipu, 14.11.05)
Nenhum dos grupos visitados utiliza as áreas de cerrado nativo para fins
agrícolas. Pelas suas características químicas e excelente drenagem, o
cerrado, sem a utilização de fertilizantes, é impróprio para a agricultura. A
frente de expansão agrícola brasileira se estabeleceu no cerrado graças a
investimentos completamente indisponíveis para agricultores familiares, como
os índios. Os curtos depoimentos a seguir constituem um breve testemunho da
consciência dos índios sobre a questão.
"Roça é só na mata, no campo a terra é porcaria, muita areia. Plantamos direto,
5 anos, aí terra fica fraca, e só plantamos pequi"
(Kafukumã Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 16.11.2005)
247
"Só presta (plantar) na mata, a gente planta e nasce bem bonito. No campo a
terra é diferente, tem areia. Planta e nasce pouquinho."
(Kanari Kuikuro, aldeia Kuikuro, 13.11.2005)
7.5.3 A pesca e a caça
Constam no Quadro 9 os registros de caça, pesca e coleta recordados durante
nossa etapa de campo. Fica aqui evidente o predomínio da pesca como fonte
de proteína para todos os grupos estudados. Estes dados, somados aos
apresentados na Tabela 4 e nos Quadros 10 e 11 demonstram claramente que
os índios pescam com freqüência muito maior do que caçam. A pesca, no Alto
Xingu, é atividade praticamente diária, ao passo que a caça é atividade
secundária, ocorrendo também quando elementos culturais entram em cena,
fazendo com que a caça seja necessária para alimentar indivíduos impedidos
de consumir peixe, como veremos adiante.
Quadro 9: Caçadas, pescarias e coletas de ovos recordadas no Parque Indígena do
Xingu em novembro de 2005.
Atividade/localidade Alto Médio Total
Pescarias 118 32 150
Caçadas 41 23 64
pescaria de tracajá 39 14 53
coleta de ovos 13 5 18
248
Apenas um entre 118 entrevistados informou nunca pescar. Quanto à caça, 10
dos 41 entrevistados do Alto (24,4%) informaram nunca ter caçado, enquanto
que no Médio apenas 2 índios, entre 23 (8,7%), informaram não caçar nunca.
Portanto, no Médio, possivelmente, temos uma proporção maior de caçadores
na comunidade. 7 dos 39 entrevistados do Alto sobre pesca de tracajá (17,9%)
informaram que não pescam estes animais. No Baixo, também 2 entre 14
(14%) nunca pescaram tracajá.
Pela existência de um projeto de manejo de quelônios voltado para a proteção
dos locais de desova, este resultado era previsível por duas possibilidades não
excludentes. Primeiro, pelo envolvimento da comunidade em uma atividade
conservacionista (no Morená) com resultado palpável quase imediato,
materializado na produção de 1.300 filhotes, trazidos para a comunidade antes
de serem soltos. Em segundo, mesmo quem não esteja envolvido ou
sensibilizado para o trabalho da comunidade, passa a não admitir que de fato
colete ovos, procurando evitar trazer problemas ou mesmo por desconfiança. O
porquê, respondido diretamente para a pessoa (“porquê você não consome e
não coleta ovos de tracajá?”), geralmente obtido relacionava-se explicitamente
com a consciência de procurar manejar o recurso, no sentido de cuidar para
manter disponível. “Para ter”. No Quadro 10 observamos que o intervalo de
tempo entre nossa entrevista e a ocasião da última caçada, pescaria ou coleta
são distintos estatisticamente, sendo as pescarias mais freqüentes.
Comparando-se as regiões do Médio e do Alto quanto ao intervalo de tempo
entre as últimas caçadas recordadas (Quadro 11), observamos uma tendência
de maior freqüência de caça no Médio, não confirmada pelo Teste de diferença
de médias (Teste ‘t’ de Student).
249
caça
daovo
s
pescaria
traca
ja
Atividade
0
100
200
300
400
500
600
700
Tem
po (
dias
)
Quadro 10: Comparação entre as caçadas, pescarias e coletas quanto ao tempo (em
dias) desde a última vez que os informantes realizaram cada atividade (ANOVA, N =
226; R2 = 0,485; gl = 3; F = 69,566; p = 0,000).
Tabela 4: Comparação entre as áreas do Alto e Médio com relação ao tempo desde a
última caçada realizada pelo informante. Parque Indígena do Xingu, novembro de
2005.
Alto Médio
Número de casos 26 16
Mínimo 0 1
Máximo 630 365
Média 123,1 55,7
Desvio Padrão 180 94,9
250
Alto MedioÁrea
0
100
200
300
400
500
600
700
Tem
po (
dias
)
Quadro 11: Comparação entre as caçadas quanto ao tempo (em dias) desde a última
vez que os informantes realizaram cada atividade. Parque Indígena do Xingu (N = 42 ,
‘t’ de Student = 1.379, p = 0.176).
“Eu prefere pescar, mais fácil, caçar anda muito, sente sede, fica mais cansado
e às vezes volta sem nada. Caça é lá pra janeiro-março, peixe fica mais difícil,
alaga tudo, aí a gente pode tentar caçar"
(Pescador Waurá, Aldeia Waurá, 1.11.2005)
A caça surge como alternativa quando a pesca fica realmente difícil pela
dispersão dos peixes nas planícies de inundação, entre os meses de janeiro e
março. A forma de caça utilizada na área é a caçada a curso, que corresponde
à procura ativa por animais em trilhas na mata ou com canoas a remo, subindo
igarapés ou margeando corpos de água maiores. Atualmente predomina o uso
da arma de fogo.
251
Todas as caçadas registradas foram realizadas a curso, andando pela mata,
com a única exceção de uma caçada realizada de canoa, pela beira do Xingu,
com holofote. O predomínio foi do uso da espingarda (40 caçadas, 80%), tendo
o arco e flecha sido empregado em 8 (20%) dos casos (Prancha 45). Os
caçadores do Alto utilizaram mais o arco e a flecha do que os do Baixo, na
proporção de 20,2% contra 13,3%, respectivamente. A coleta de fêmeas de
tracajá e seus ovos ocorrem na vazante, nas praias expostas na medida em
que as águas baixam.
A pesca é mais diversificada, tanto do ponto de vista das técnicas utilizadas
como de espécies consumidas (Prancha 46). Na Tabela 5 constam as técnicas
registradas nas regiões do Alto e do Médio (considerando que o PIX está
subdividido em três, respectivamente Alto, Médio e Baixo, que não foi visitado
por esta equipe). A variação no emprego das mesmas ocorre tanto em função
do local e da época do ano, reflexo do nível do rio sobre a distribuição da fauna
aquática. Além disso, existe também o elemento cultural relacionado às
preferências e também à diversificação da dieta. No Quadro 12 constam as
categorias de recursos pesqueiros registradas e mapeadas.
252
PRANCHA 45 – A3
253
Prancha 46 – Artefatos de pesca
254
Mutut yawalapíti
Rede de pesca de nylon comprada em Canarana¨, porto
Yawalapíti.
Rede de pesca Ikpeng
Rede de pesca ikpeng mulheres praticam atividade, aldeia Moygu
Tabela 5: Freqüência absoluta e relativa de utilização de técnicas de pesca pelas
comunidades do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Técnica Alto Médio
N % N %
anzol e linha 66 63,46 33 84,62
arco e flecha 15 14,42 0 0,00
Malhadeira 9 8,65 0 0,00
pesca submarina 6 5,77 0 0,00
Arrastão 6 5,77 0 0,00
Colher 1 0,96 2 5,13
Timbó 1 0,96 1 2,56
Zagaia 0 0,00 1 2,56
Anzol com bóia (camurim)
0 0,00 2 5,13
1 2 2 4 4 4 4 6
14
28
41
05
1015202530354045
córre
go
boiad
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e tra
cajá
cam
po
reman
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lago
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eg
ists
os
Quadro 12: recursos pesqueiros observados no Parque Indígena do Xingu, em
novembro de 2005.
255
"A gente varia, a gente sabe onde tá o peixe. Peixe cachorro, se quer comer,
vai no remanso, no poço, onde tem cardume de peixe cachorro. Pesca com
corimba.” (como isca)
(Cacique Iacumin Aweti, Aldeia Aweti, 10.11.2005)
"Pescamos de anzol e flecha. Flecha é só quem sabe, não é todo mundo.
Anzol é todo mundo. Rede não. Na cheia, procura peixe chupando ar.
Dezembro, janeiro, fevereiro, março."
(Cacique Matipu, Aldeia Matipu, 14.11.2005)
"Melhor período é no final da época da fruta, que ele vem doido. Põe fruta
numa vara, bate na água, mata de flecha.Usa anzol com fruta de isca quando
matrinxã tá subindo."
(Cocoti Kamaiurá, Posto Leonardo, 18.11.2005)
A fruta amarela, denominada Tímuki pelos Kalapalo, é utilizada para pegar
pacu e matrinxã no inverno. Os índios utilizam-se dos frutos lançando-os na
água para atrair matrinxãs, para então flechá-los, durante os meses de janeiro
e fevereiro. Além desta, várias outras frutas são utilizadas durante os meses de
cheia (principal período de frutificação, quando chove bastante) nas pescarias.
Os depoimentos a seguir ilustram esta realidade.
"Pesca com flecha, na fruteira. Flecha curimatá e pesca piranha. Usa fruta
como isca, Tinhuki, amarela, e Tahohota, vermelha, para pescar matrinxã e
pacu. Janeiro, fevereiro e março. Abril começa a secar, e pesca tucunaré,
cachorra, bicuda e corvina. Maio abaixa bem, aí tem muito cachorra, corvina,
bicuda."
(Numa Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 29.10.2005)
256
“Aí (no inverno) é que é difícil, a gente vai pescar no Batuvi piranha, pintado,
pacu. Pega isca (peixe) com flecha, bate na água com fruta e aí vem matrinxã,
piau, pacu, aí pega com flecha ou com anzol iscado com peixe.”
(Liderança Waurá, Aldeia Waurá, 30.11.2005)
“Na época do Murici no campo, janeiro a março, é época de pegar matrinxã de
flexa e anzol. A fruta é isca pra matrinxã. A curimba, que é papa-terra, não
come fruta, só pega na flecha. Janeiro e época de pesca com fruto de isca.
Janeiro é a época mais difícil para conseguir peixe.”
(Iacumim Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)
"Junho e julho matrinxã tá subindo aqui, pega de anzol. Em janeiro e fevereiro
entra no mato de canoa pra pescar matrinxã com essa fruta,
Kwá- üp, muito importante pra nós."
(Yawapi Kamaiurá, Aldeia Morena, 19.11.2005)
Gafanhotos também são utilizados para pegar pacuzinho, pacu e piau.
Registramos uma pescaria realizada no Tuatuari em que foram utilizados
gafanhotos como isca, com a captura exclusiva de pacus do gênero Myleus sp.
O espinhel é utilizado no inverno, na floresta alagada (igapó) e também sobre
cursos d`água pequenos, como o Tuatuari. Consiste numa linha mais grossa
(espinhaço) onde, a intervalos de uma braça (1,5 m) são atados pedaços
curtos de linha mais fina com um anzol em cada extremidade. O espinhaço é
atado em duas árvores em cada extremidade, permanecendo suspenso sobre
a água, horizontalmente. As linhas ficam dependuradas, com seus anzóis
iscados em contato com a água. Constitui, pois, um artefato de captura
passiva, verificado periodicamente para despesca.
257
Constitui artefato extremamente comum um tipo de armadilha de pesca
fabricada com cipó na forma de um cesto com uma única entrada em forma de
funil voltado para dentro, permitindo a entrada do peixe, mas dificultando
sobremaneira a saída. Observamos este apetrecho em todas as aldeias
visitadas, sendo, entretanto, fabricado originalmente pelos Waurá e
denominado mutu em sua língua. Outros grupos também o fabricam ou então
comercializam com estes últimos.
"Quando a água vai enchendo e faz aqueles canaizinhos, a gente bota aquele
mutu. Tinha um montão, que queimou (no incêndio). Só que antes de fechar o
canal, uma semana antes, não pode mexer com a mulher, se não o peixe não
sobe, tem que sair o cheiro."
(Itaiwana Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 5.11.1005)
Estas entradas de água, mencionadas pelo último depoimento, são por onde a
água avança para, numa questão de semanas, preencher as áreas
sazonalmente inundáveis. Nestes canais temporários que se formam é que
estas armadilhas são instaladas, depois do fechamento da passagem com
palha do buriti, deixando como único caminho para os peixes somente a boca
destas armadilhas.
"Quando tá secando, peixe tá fugindo, aí o mutu aproveita. Aí que tá bom pra
fazer mutu."
(Piracumã Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 5.11.1005)
O uso do mutu, tanto no tempo como no espaço, envolve a percepção e
conhecimento detalhados da relação entre a dinâmica hidrológica e o
fenômeno dos pulsos naturais de inundação, acarretando na enchente e
vazante periódica da planície de inundação, e o comportamento migratório dos
peixes. Tal conhecimento, incluindo o entendimento da dinâmica trófica entre
258
os peixes a as áreas periodicamente alagadas, por estes invadidas para
conseguirem alimentos de origem alóctone, são os principais argumentos
utilizados para justificar a posição contrária ao empreendimento. Obtivemos em
diversas ocasiões, tanto nas reuniões formais quanto em conversas com
membros das comunidades estudadas, depoimentos sobre as relações entre
os peixes e as áreas periodicamente alagadas e a importância dos pulsos de
inundação para a manutenção dos ciclos anuais de migração e de acesso às
áreas de alimentação e engorda. É esta relação que os índios temem que seja
comprometida com a construção da PCH e que é encarada como ameaça à
sobrevivência dos diversos grupos estudados que, como observamos, depende
sobremaneira do peixe como fonte de proteínas.
O emprego de veneno de pesca também é comum durante o período da
vazante. A única planta utilizada para este fim, mencionada no Xingu, foi o
timbó (provavelmente Derris sp.), embora isto possa significar mais uma
espécie. É uma técnica tipicamente nativa, também empregada por diversos
outros povos indígenas da Amazônia, e também por ribeirinhos (Heizer 1987).
Sua utilização também envolve regras culturais, ou tabus, como ilustrado no
seguinte depoimento.
"Quando começa a secar, em maio só, o peixe tá lá dentro dormindo à noite, a
gente cerca com vara ou com rede. De dia vai com timbó, bate na água, aí o
peixe fica boiando doido e a rapaziada aprende a flechar. Só menino que mata,
quem já fez com mulher não pode se não peixe não fica doido, o veneno não
faz efeito."
(Itaiwana Yawalapiti, AldeiaYawalapiti, 5.11.1005)
A existência de artefatos específicos para a captura de peixes pequenos, e as
várias barragens feitas em canal e em lago para pescarias com timbó, indicam
uma estratégia adaptativa direcionada à exploração de cursos de água de
pequeno calibre, os chamados igarapés. Este fato constitui um indicativo de
259
que este grupo de fato era originalmente de uma ecoregião diferenciada, com
modo de vida diferente do índio ribeirinho.
O Cai é um tipo de puçá confeccionado pelos Waurá utilizado para pesca no
lago. A rede é feita com fibra da palha do tucum, e tecida na forma de um saco
de puçá típico. Esta rede é armada em uma haste bifurcada, ficando aberta
pela forquilha nas suas extremidades e na base desta. A diferença entre este
artefato de pesca e um puçá comum é que o primeiro prende o peixe no saco,
que se fecha quando a haste é puxada, pois a extremidade presa na base da
forquilha se solta e a rede fica presa apenas pela extremidade das mesmas,
com os peixes presos dentro do saco.
Uma estimativa simples de rendimento das caçadas e pescarias foi obtido
utilizando como unidade de medida o número de indivíduos, e não em kg.
Medidas de peso médio das espécies cujo abate e pesca foram documentados
podem ser obtidos na literatura, mas tal procedimento foi considerado
desnecessário. O rendimento das caçadas (média geral de 4,7 animais por
caçada) no Alto foi ligeiramente mais alto, com 4,77 animais por caçada, contra
4,59 no Médio. O resultado das caçadas recordadas estão apresentados na
Tabela 6.
Tabela 6: Animais caçados em 47 caçadas (30 no Alto e 17 no Médio) recordadas
junto às comunidades do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Espécies Alto Médio
N % N %
Macaco prego 62 43,36 14 17,95
Jacu 34 23,78 11 14,10
Mutum 20 13,99 16 20,51
Papagaio 8 5,59 3 3,85
Pombo 5 3,50 6 7,69
Jacutinga 4 2,80 3 3,85
260
Tucano 4 2,80 5 6,41
Guariba 2 1,40 0 0,00
Inambu 2 1,40 0 0,00
Gavião 1 0,70 2 2,56
hekongo 1 0,70 0 0,00
Irara 0 0,00 1 1,28
Jabuti 0 0,00 1 1,28
Jacamin 0 0,00 1 1,28
onça-pintada 0 0,00 1 1,28
macaco preto 0 0,00 2 2,56
Macuco 0 0,00 3 3,85
Catitu 0 0,00 4 5,13
Pedro 0 0,00 5 6,41
Podemos contar com dados comparáveis de uma área relativamente próxima
(Kayapó). Nascimento (1999) registrou a utilização de duas espécies de répteis
(jabotis), 17 de mamíferos e 4 de aves. Como era de se esperar, os Kayapó
utilizam um número bem mais extenso de espécies de mamíferos, e a pesca
tem peso menos significativo em comparação com o Alto Xingu.
Aparentemente, a importância de mamíferos terrestres de médio e grande
porte na alimentação do grande bloco que envolve os grupos do Alto, Médio e
Baixo Xingu, assim como dos Kayapó, vai crescendo na medida em que
seguimos para o norte e para o ambiente de floresta densa. Embora não
tenhamos demonstrado estatisticamente uma diferença na freqüência com que
os grupos do Alto e do Médio caçam, estes últimos se utilizam de uma gama
mais ampla de espécies, caçando várias espécies de mamíferos terrestres,
além de apresentarem menos restrições culturais (tabus) ao consumo destes
animais. Os diários de campo de Galvão (1996) e Ribeiro (1979) apresentam
vários registros de caçadas e de consumo, corroborando esta hipótese e
demonstrando que a atividade se intensifica em comparação com o Alto.
261
Em uma das caçadas recordadas, registramos a caça para aquisição de penas,
e não pela carne. O psitacídeo localmente denominado Hekongo e um gavião
foram abatidos por um índio Matipu pelas suas penas.
A arara vermelha (Ara macao) não ocorre no PIX. Os animais que observamos
nas aldeias desta área são resultado do comércio destes animais com outros
grupos, como Kayapó (certamente com mais freqüência) e Ianomami.
Os Aweti, morando nas margens do Tuatuari, se aproveitam de vários eventos
específicos associados a este curso d’água, da vegetação circundante e de
relações tróficas percebidas pelos índios, para coleta, pesca e caça. Além da
coleta de frutos de buriti e buritirana, são também aproveitadas situações
periódicas específicas, como ilustra o depoimento a seguir.
"Em agosto, época em que o papagaio come o fruto verde do buriti, o pessoal
mata muito com espingarda. Antes era com flecha. Na vazante, início de abril,
desce muito curimba e matrinxã. Aí é de flecha.”
(Iacumim Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)
O rendimento das pescarias (12,2 peixes por pescaria, em média) no alto
também foi um pouco superior em relação ao rendimento no médio
(respectivamente 12,33 e 11,71 peixes por pescaria, Tabela 7).
Tabela 7: Freqüência de captura de peixes 131 pescarias (103 no Alto e 28 no Médio)
recordadas junto às comunidades do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Espécie Alto Médio
N % N %
Tucunaré 246 19,37 83 25,30
piranha preta 123 9,69 52 15,85
Corvina 113 8,90 29 8,84
262
Cachorra 109 8,58 19 5,79
Piranha 73 5,75 9 2,74
Traíra 65 5,12 10 3,05
Matrinxã 65 5,12 11 3,35
Pacu 61 4,80 15 4,57
Cará 54 4,25 2 0,61
Piau 49 3,86 19 5,79
Pintado 45 3,54 31 9,45
piranha vermelha 35 2,76 0 0,00
Trairão 25 1,97 6 1,83
Pacuzinho 25 1,97 0 0,00
Bicuda 25 1,97 3 0,91
Mandubé 16 1,26 0 0,00
Jaraqui 16 1,26 0 0,00
Corimba 15 1,18 0 0,00
Pirarara 14 1,10 3 0,91
peixe cachorro 14 1,10 0 0,00
Voadeira 13 1,02 0 0,00
Amarelinho 10 0,79 0 0,00
piau grande 8 0,63 0 0,00
Viera 6 0,47 0 0,00
Tracajá 6 0,47 0 0,00
Cascudo 5 0,39 18 5,49
boca-larga 5 0,39 0 0,00
pacu ferrado 4 0,31 11 3,35
Mandi 4 0,31 0 0,00
Jeju 4 0,31 0 0,00
Jaú 4 0,31 0 0,00
Arraia 4 0,31 2 0,61
Piarara 3 0,24 0 0,00
Filhote 3 0,24 0 0,00
Kataha 1 0,08 0 0,00
Doradidae 1 0,08 0 0,00
Cágado 1 0,08 0 0,00
bico-de-pato 0 0,00 5 1,52
263
Os tracajás constituem uma fonte alimentar significativa, sendo com certeza
uma das espécies mais importantes para a subsistência dos grupos estudados,
provavelmente superando a maioria dos outros animais, com exceção de
algumas espécies de peixes e do macaco prego.
"Vai descendo o rio. Quando vê bicho tomando sol pára a canoa, amarra. Sobe
pelo mato até onde o tracajá está, e atira a flecha."
(Uaranã Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)
Estes animais foram freqüentemente avistados em todos os ambientes
aquáticos que visitamos ou por onde que passamos, incluindo os Rios Tuatuari,
Curisevo e o próprio Xingu, além dos vários lagos que visitamos. A abundância
de tracajás no Rio Curisevo, destacadamente, é de conhecimento dos outros
grupos além dos Aweti e Mehinaku, moradores das margens deste rio. Tanto
os Kalapalo quanto os Kuikuro vão até o Curisevo para pescar estes animais, à
noite, com anzóis iscados com peixe. Chegamos a registrar algumas destas
pescarias durante nossa permanência junto a estas comunidades. Na região do
Médio ainda comentaram sobre a pesca de tracajás com flecha, quando os
animais estão aquecendo-se sobre troncos caídos, em dias de sol,
principalmente nos dias que antecedem o período de desova. Nosso piloto de
barco, Aumari Kamayurá, na subida pelo Curisevo, temia uma colisão com
algum destes animais, prejudicando nossa viagem. "Tracajá quebra a hélice do
motor. Tem demais nesse rio".
A captura de tracajás com arco e flecha ocorre tanto no período mais seco,
especialmente antes da desova, quanto na enchente. No primeiro caso, os
animais são flechados enquanto se aquecem ao sol. No segundo, quando
estão se alimentando de plantas associadas à margem.
"Tracajá é na época da seca e na época da batatinha, de flecha. Comida de
tracajá em janeiro a batatinha, alimento do tracajá, na beira do Curisevo."
(Eruá Mehinaku, Aldeia Mehinaku, 8.11.2005)
264
Algumas pessoas dos grupos que estudamos, entretanto, não têm o hábito de
consumir estes animais. Diversos fatores podem estar interagindo neste
contexto, incluindo tabus específicos ou mesmo uma história adaptativa
desenvolvida e sedimentada em outro tipo de ambiente que não o de rios de
médio e grande porte, onde este recurso é abundante.
"Ikpeng é alguns que comem. Eu não, me dá dó. Também não pego ovo, acho
que tem que deixar. Pessoal de baixo, Kaiabi, e do alto pega muito."
(Waigé Ikpeng, Pavuru, 22.11.2005)
"Waurá não come muito tracajá. Quem come mais é Kuikuro, Nafukwa,
Kalapalo, Matipu. Entao pra lá (Batuvi) tem muito."
(Sapaé Waurá, Aldeia Waurá, 5.11.2005)
A captura de tracajás com anzóis iscados foi a mais comum e de maior
rendimento (Tabela 8). Na Tabela 9 constam as espécies de peixes utilizadas na
captura de quelônios, bem como suas freqüências absolutas e relativas de
utilização.
Tabela 8: Freqüência de utilização e rendimento das pescarias por técnica de pesca
empregada em 23 pescarias de tracajá recordadas junto às comunidades do Parque
Indígena do Xingu, em novembro de 2005.
Técnica/rendimento Alto Médio
Freqüência Rendimento(N/pescaria)
Freqüência Rendimento(N/pescaria)
anzol e linha 16 11,4 7 13,6
arco e flecha 9 4,9 0 -
Coleta nas praias 4 4,5 3 10,3
265
Tabela 9: Frequência de utilização e rendimento das pescarias (médio, quando for o
caso) com 11 qualidades de isca utilizadas em 23 pescarias de tracajá recordadas
junto às comunidades do Parque Indígena do Xingu, em novembro de 2005.
isca/rendimento Alto Médio
Freqüência Rendimento(N/pescaria)
Frequência Rendimento(N/pescaria)
TOTAL 16 7
corimba 1 30
curimatá 1 9
mandi 1 30
piaba 1 5 1 2
piau 1 6 1 6
traira 8 10,4 5 13,7
trairão 1 5 1 -
tucunaré 1 10
corvina 1 -
curimatá 1 -
fruto da batatinha 1 -
Nas tabelas 10 e 11 constam, respectivamente, os resultados da última coleta
de ovos de tracajá realizada pelo entrevistado, e do total de ninhos coletados
durante o último período de desova (junho-agosto de 2005). Os dados
confirmam, sem dúvida, a importância deste recurso (ovos de quelônios)
durante pelo menos dois meses ao ano. Aparentemente, a importância e a
tradição de coleta é maior entre os Karib. "O pessoal vai em Canarana comprar
pilha pra pegar tracajá e ovos entre julho e agosto”. A coleta de ovos é um
evento que integra as famílias, com participação ativa de mulheres e crianças
em viagens de canoa, a remo ou a motor, pelas numerosas e extensas praias
dos Rios Curisevo e Xingu. Em menor escala, são realizadas coletas nas
266
margens dos lagos associadas a estes rios, como a Lago Sagrada Tafununo, a
Lagoa Ipavu e a lagoa onde pescamos com os Mehinaku.
Tabela 10: Resultado de 17 coletas de ovos realizadas durante o período reprodutivo
deste ano (julho a agosto), considerando a última coleta realizada pelo informante.
Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Área coletas Ovos ninhos (15) Rendimento
ovos/coleta ninhos/coleta
Alto 13 4710 314 362,31 24,15
Médio 4 895 60 223,75 15,00
Geral 17 5605 374 329,71 22,00
Tabela 11: Fêmeas e ninhos de tracajás coletados na temporada deste ano (julho a
agosto), considerando todas as fêmeas e ninhos coletados pelo informante em 2005,
durante o período de desova. Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.
Número de coletas
Total coletado
Rendimento
fêmeas ovos fêmeas ninhos ovos fêmeas ninhos ovos
Alto 26 25 80 284 4260 3,08 11,36 170,40
Médio 10 10 38 92 1380 3,80 9,20 138,00
Geral 36 35 118 376 5640 3,28 10,74 161,14
O trabalho de manejo e proteção de ninhos e filhotes de tracajás, no Morená, é
desenvolvido por Pablo e Marcelo Kamayurá, com apoio do Instituto Sócio-
Ambiental (ISA) e da comunidade da Aldeia Morená, e também dos grupos
próximos, como sugerem vários depoimentos adquiridos junto aos Kamaiurá do
Morená, Trumai e Ikpeng.
267
O projeto do Morená inclui nove praias do Xingu, sendo seis a jusante e três a
montante. As desovas não são removidas, e nos ninhos localizados são
colocadas proteções contra a ação de predadores. Estas são confeccionadas
com tela de arame presa em uma moldura de madeira. Este é o procedimento
mais adequado e menos invasivo, em comparação com a transferência de
ninhos para incubadoras ou cercados em praias artificiais, prática comum em
alguns dos tabuleiros do IBAMA e em vários projetos. Transportar os ovos de
canoa certamente provocará maior mortalidade. Além disso, existe a
possibilidade de estarmos interferindo na razão sexual dos mesmos, já que nas
três espécies que estamos manejando o sexo é determinado pela temperatura
de incubação dos ovos (Alho et al. 1984, Valenzuela et al. 1997, Souza e Vogt
1994, Bernhard 2001). Transferir os ninhos só em último caso, na ameaça
iminente de alagamento pelo repiquete do rio, também significa maior
probabilidade de sucesso, pois estaremos manipulando embriões em estado
mais avançado de desenvolvimento e, possivelmente, menos frágil.
Além disso, o monitoramento de ninhos por ano em áreas protegidas com
regularidade, como em Mamirauá, permite observar que o número de fêmeas
desovando em anos subseqüentes tende a aumentar (Raeder 2003, Fachín-
Terán 2001).
"Tracajá subia muito na praia, o pessoal pegou muito de anzol e
diminuiu. Nós também comemos ovos. Meu sobrinho se preocupou muito. O
trabalho (de manejo e proteção de ninhos nas praias - 9 praias no total)
começou em 2004, quando foram produzidos 1.300 filhotes de tracajá. Em
2005 foram só 500, raposa mexeu muito, tirou a proteção".
(Yawapi Kamaiurá, Aldeia Morena, 19.11.2005)
No Alto Xingu, os quelônios aquáticos iniciam sua desova relativamente antes
do que nos trechos inferiores dos grandes rios amazônicos, como o Japurá
(Pezzuti & Vogt 1999a, Bernhard 2001, Raeder 2003), o Purus (Pezzuti e Vogt
268
1999b, Pezzuti et al. 2000), o Negro (Batistella 2003) e o Jaú (Félix-Silva et al.
2003). Este resultado era esperado, já que o período de vazante, com a
conseqüente exposição dos ambientes utilizados pelas espécies para
desovarem, se inicia primeiramente nas cabeceiras dos rios, chegando por
último nos trechos inferiores. As desovas nas praias na região do baixo
Amazonas, próximo a Santarém, ocorrem entre setembro e outubro (Juarez
Pezzuti, observação pessoal). Existe uma forte variação de um ano para o
outro, decorrente do próprio ciclo hidrológico (Alho 1982).
A posição dos ninhos de quelônios aquáticos é fator crítico no sucesso dos
mesmos quanto às principais causas de perda de desovas, a saber: predação
e alagamento. Ninhos de quelônios amazônicos são alvo de diversas espécies
de animais, incluindo insetos, répteis, aves e mamíferos (Soini 1995, Batistella
2003, Félix-Silva 2003) A raposa mencionada como predadora de ovos na
região pode corresponder tanto a Cerdocyon tous (já documentada em outras
localidades) quanto a Atelocynus microtis.
A perda de ninhos pelo alagamento também é extremamente variável, tanto
entre praias como em uma mesma praia, em anos consecutivos em função da
altura das mesmas (Pezzuti e Vogt 1999a, Bernhard 2001, Raeder 2003). No
Rio Samiria, no Peru, Soini (1995) registrou uma variação de 1% (1979) a
100% (1985) na perda anual de ninhos de Podocnemis pela enchente do rio,
sendo que a proporção de ninhos atingida dependeu do dia em que a água
começou a subir. No rio Caquetá, Colômbia, Hildebrand et al. (1988)
concluíram também que este fator pode ser nulo (sem perda de ninhos) ou
levar à perda de todas as posturas de P. expansa monitoradas entre 1983 e
1987.
Em regiões de cabeceira, nos trechos superiores dos principais afluentes da
bacia, tanto no Brasil (presente estudo) como na Amazônia peruana (Mitchell &
269
Quinones 1994, Soini 1995), colombiana (Castaño Mora et al. 2003) e
venezuelana (Thorbjarnarson et al. 1993, Escalona e Fa 1998) o papel das
chuvas locais tem forte efeito na mudança repentina do rio (Salati e Marques
1984, Ayres 1995) e, consequentemente, na perda de ninhos como o que foi
documentado nos estudos acima mencionados. Existe ainda nesta situação a
agravante da transformação da paisagem decorrente das frentes de expansão
humana, com o desmatamento e a substituição da floresta por pastagens ou
monoculturas como a soja. As diferenças brutais nas taxas de escoamento
superficial das chuvas, em função da maior compactação do solo, provocando
enxurradas (Fearnside 2003). É de se esperar que este fenômeno esteja
provocando aumentos significativos de perda de ninhos em rios que drenam
regiões altamente antropizadas, sobretudo em Rondônia, Pará e Mato Grosso.
Esta certamente constitui uma ameaça real aos importantes tabuleiros
localizados no Guaporé, Xingu e Tapajós, por exemplo.
Pelo menos duas espécies de molusco são extremamente importantes para os
Xinguanos. Bivalves aquáticos grandes presentes em vários lagos, e que
tivemos inclusive a oportunidade de coletar, fornecem conchas utilizadas como
raspadores. Observamos em dezenas das residências visitadas estas conchas,
e seu uso para despolpar pequi e descascar mandioca. Os grandes caramujos
terrestres utilizados na confecção dos famosos colares e cintos xinguanos são
considerados um dos mais valiosos recursos, e utilizados por todos.
Constituem importante moeda de troca, e um traço característico da cultura
comum aos grupos estudados, amplamente documentado na literatura. A
espécie nativa (Megallobulinus sp.), no entanto, aparentemente está em vias
de esgotamento pela sobre-exploração do recurso, e é adquirida junto aos
Xavante com base em trocas. Outras espécies também são adquiridas, pelo
mesmo sistema, junto a grupos muito mais distantes, como os Pataxó.
Gafanhotos são utilizados como isca para a pesca do pacu. Entre os
crustáceos, caranguejos são capturados e consumidos numa época específica,
270
além de serem utilizados como isca. O depoimento a seguir constitui o único
registro de utilização.
"Mulher é que gosta. Quando tá enchendo, no canal do campo, tem muito.
Acho que vão acompanhando a água. Quando tá cheio a gente não vê mais
nada. Pintado come, isca melhor pra pintado é o caranguejo."
(Piracumã Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 05.11.2005)
As centenas de cabeças de gado disponíveis na Fazenda Jacaré, herdada
pelos povos do PIX, constitui uma reserva de alimento e de recursos
financeiros de importância indiscutível. Antes propriedade da Aeronáutica e
administrado pela Força Aérea Brasileira (FAB), contava, na época do seu
pleno funcionamento, com várias edificações incluindo dormitórios, consultório,
enfermaria, dentista, refeitório, entre outras dependências. Contava com 85
funcionários, e era abastecida com aviões chegando e saindo diariamente.
Pacientes dos Postos do PIX eram levados para lá, e retirados da área também
de avião, quando o quadro era de maior gravidade. Contava com vários
geradores, radiofonia e outras facilidades. Foi desativada no Governo Collor,
restando ali 40 cabeças de gado para a comunidade. Só resta um zelador,
antigo funcionário da FUNAI, que não se encontrava na ocasião em que
visitamos o local, mas que segundo informações não recebe salário há anos,
vivendo como um ribeirinho, tendo casado e formado família com uma índia
Kamayurá. Algumas reses são periodicamente abatidas, mas numa taxa menor
que a taxa de reprodução do rebanho. Toda a carne bovina cujo consumo
registramos nas refeições era oriunda do abate de animais desta fazenda.
271
7.5.4 Calendário econômico-ecológico
O que determina o calendário agrícola é o regime de chuvas, mas o fator
determinante para a atividade pesqueira e para a distribuição temporal de
técnicas empregadas em cada época é o nível do rio. Embora haja certo
sincronismo, o período de pico de chuvas não corresponde ao período mais
cheio, pois o rio e a planície de inundação atingem seu nível máximo alguns
meses depois do período crítico de chuva.
Quando o período chuvoso finalmente encerra, em maio, as roças e os
pomares são cortados e abandonados para secarem e, posteriormente,
queimarem. Em outubro, com o reinício das chuvas, ocorre o plantio de
mandioca e milho, principalmente, e outros cultivos de menor importância.
O período de verão é época de fartura real, com muito peixe a ser facilmente
capturado e abundância de frutos nativos intensamente manejados, como por
exemplo, o pequi e a mangaba.
Segue abaixo, na Tabela 12, uma esquematização das atividades ao longo dos
meses do ano, que devem ser interpretadas considerando-se certa flexibilidade
resultante das variações no ciclo hidrológico.
Já no Anexo 5 é fornecida uma relação de plantas nativas úteis, mencionadas
pelos povos do PIX, com breve descrição de sua utilidade.
O Anexo 6 traz, ainda, as coordenadas geográficas coletadas em pontos
diversificados do PIX (aldeias, roças, capoeiras, áreas de caça e de pesca),
posteriormente plotados no Mapa Etno-Ecológico (que se encontra no Anexo 3).
272
Tabela 12: Calendário econômico-ecológico dos povos do Parque Indígena do Xingu,
elaborado a partir de depoimentos colhidos junto a informantes entre os Waurá,
Kamayurá, Yawalapiti, Mehinaku, Aweti, Kuikuro, Matipu, Kalapalo, Nafukwá, Trumai e
Ikpeng.
Tipo atividade/item Jan fev mar abr mai jun Jul Ago set out nov dez
agricultura limpeza terreno x x x
secagem x
queima x x
plantio x x x x
coleta (mandioca) x x x x x x x x
coleta sapé sapé – queima x x
sapé – coleta xcoleta barro
barro (argila) x x
Coleta frutos
biritirana X x x
buriti X x x
mangaba x x x
pequi x x x
pesca espinhel X xflecha - peixe na tona X x x x
flecha X x x x
flecha e fruta x x x
timbó – Ikpeng x x
timbó - Yawalapiti x
timbó – matipu x x x
mutu X x
anzol com peixe x x x x x x x x x x xpesca tracajá
anzol e flecha x x x x x
tracajá – inverno X
tracajá – verão x x x x x
fêmeas e ovos x x x
caça mata X xpapagaio no buritizal x
273
A coleta de saúvas ovadas ocorre algum tempo após o início das chuvas fortes.
No dia 15 de novembro, em várias casas nas quais passamos chegavam
crianças e jovens com saúvas ovadas. Eram comidas cruas e torradas. Todos,
sobretudo as crianças, se regalavam com a iguaria.
A pesca com espinhel é realizada no pico de inverno (janeiro e fevereiro),
sendo os anzóis iscados com fruta, peixe ou minhoca. No auge da cheia
(janeiro a abril), pesca-se de arco e flecha em fruteiras, árvores em frutificação
consistindo em oferta de alimento da ictiofauna. Os peixes que vêm à tona
comer os frutos são flechados pelos pescadores que permanecem à espreita
nestes locais-chave. Um bom exemplo de fruta utilizada é o murici e a fruta
denominada kwa-up pelos Kamayurá. Em janeiro e fevefeiro ocorre,
especificamente, a pesca de matrinxã, pacu e piranha com flecha, lançando-se
os frutos na água. Os pescadores amarram sua canoa em uma árvore, na
floresta alagada, e aí ficam jogando frutas e aguardando a chegada dos peixes
atraídos pelo próprio som dos frutos batendo na água.
Ainda no inverno a partir de dezembro, ocorre em situações específicas, na
floresta alagada, que o nível de oxigênio em ambientes de água estagnada
(igapós, por exemplo) atinge níveis mínimos. Nesta ocasião, os pescadores
visitam estas áreas em pequenas canoas a remo à procura dos cardumes que
ficam na superfície “chupando ar”, flechando os peixes próximos da superfície
com facilidade.
Antes do início da vazante, em março, intensifica-se a pesca de curimba e
matrinxã, com arco e flecha, quanto estas espécies iniciam a migração rio
abaixo, descendo o Xingu a partir de seus afluentes.
A pesca com timbó aparentemente não é realizada no mesmo período por
todos os grupos, embora aparentemente ocorra depois do início da vazante
dos rios, ou seja, quando o nível das águas começa a baixar. Entretanto, como
274
podemos observar no calendário, as informações sobre o período de pesca
com timbó não coincidem temporalmente, embora exista cerca coerência nas
mesmas já que tanto as informações colhidas junto aos Yawalapiti, Matipu e
Ikpeng indicam que é uma técnica utilizada na vazante. De acordo com Gregor
(1977), os Mehinaku pescam com timbó entre os meses de setembro e agosto,
período já avançado de vazante.
Fevereiro corresponde ao auge da cheia, mas o mês considerado como o mais
crítico para a obtenção de peixe é janeiro. De acordo com Gregor (1977),
embora seja difícil pegar peixe e fim da estação dos frutos (final do inverno,
topo da cheia), este é, no entanto, o período da colheita do milho.
A caça, quando não é levada a cabo para fornecimento de proteína a alguém
sujeito a restrições, se intensifica quando a dispersão dos peixes no pico da
cheia atinge certo limite.
No início da vazante, que possivelmente ocorre em abril na maioria dos anos, a
migração a montante de curimbas e matrinxãs atrai novamente a atenção dos
índios para a pesca. Com arco e flecha, neste caso.
Durante a frutificação do murici no campo, de janeiro a março, pesca-se o
matrinxã de flecha e anzol. Estes últimos são iscados com murici para a
captura desta espécie. A curimba, que é segundo os informantes é detritívora
(papa-terra) e não come fruta, é capturada com arco e flecha. Janeiro é o mês
mais típico de pesca com a utilização de frutas nativas como de isca.
Na Amazônia, a cheia é o período em que a pescaria de peixes ou quelônios
rende menos, e os pescadores se vêem compelidos a diversificar suas
atividades. Esta estratégia é similar à adotada pelos moradores da Reserva
Extrativista do Alto Juruá (Begossi et. al. 1999).
275
Entre populações do interior da Amazônia, de modo geral, mamíferos são mais
abatidos que aves e aves são mais abatidas que répteis na caça de
subsistência da região neotropical (Redford e Robinson 1991). Para os
ribeirinhos do Acre, a pesca é mais importante na dieta do que a caça,
enquanto para seringueiros que vivem em regiões centrais a caça é mais
importante (Calouro 1995). No norte do Mato Grosso, para populações de
caboclos distantes dos grandes rios, a pesca é menos importante (Ayres e
Ayres 1979), assim como para os índios Xavante (Leeuwenberg 1995). O
padrão do Jaú se assemelha mais ao de povoamentos ribeirinhos caçadores
de roças descritos pelos arqueólogos, onde a pesca é mais importante que a
caça (Linares 1976).
276
7.5.5 O manejo informal dos recursos faunísticos
Carvalho (1951) realizou um trabalho interessante sobre a utilização da fauna
regional pelos xinguanos. O autor visitou a área em 1948, investigando esta
relação junto a doze diferentes etnias. Seus resultados denotam uma
acentuada uniformidade cultural, e um padrão relacionado entre si,
apresentando traços comuns, especialmente os relacionados com a caça e a
pesca, tanto no que se refere à subsistência quanto à confecção de adornos e
outros objetos.
Os mamíferos são os vertebrados menos visados e, dentre estes, o macaco
prego é a espécie consumida com maior regularidade, sendo considerado,
como também verificamos. “O macaco é a nossa caça”. Sua vocalização é
imitada pelo assovio dos caçadores, sendo até recentemente abatido com
flechas, o que possibilita o abate de mais de um animal a partir de um bando
encontrado, pois o som da espingarda tende a afugentar os animais.
O Guariba é consumido em escala bem menor, basicamente pelos mais
velhos, os anciãos, que são em várias ocasiões são apontados pelos demais
como “comedores de bugio”. O macaco Aranha é comido pelos Trumai, Ikpeng
e Kamaiurá do Morená. Carvalho (1951) menciona que os Trumai
“provavelmente” também caçam e comem barrigudos. Onças pintadas e
sussuaranas são temidas mas caçadas de vez em quando, pelas unhas (colar
Kalapalo 56 unhas), couro (cocares e braçadeiras) e dentes.
No mesmo sentido, segue trecho de Thomas Gregor (1977): “Os povos do
Xingu não se utilizam da fauna cigenética que ocorre em seu território,
restringindo-se a uma dieta de peixes, aves (algumas) e duas espécies de
macacos”.
277
"Nós não comemos animais com sangue ou comidas quentes, e por isso
nossas barrigas nunca estão quentes de raiva".
(Trecho citado por Carlos Fausto, Laudo antropológico, 2004)
Observamos que as restrições com relação aos mamíferos terrestres são
completamente diferentes junto aos grupos do Médio (Trumai e Ikpeng). Esta
característica os distingue do padrão uniforme observado junto aos grupos do Alto
por diversos autores (Carvalho 1951, Morán 1979, Basso 1977, Gregor 1977, Ross
1978, Ribeiro 1979, Galvão 1996, Fausto 2004), e também corroborado pelas
nossas observações. Os mamíferos, peixes e répteis sujeitos a restrições
segmentares registrados durante nosso trabalho de campo constam no Quadro 13.
01234567
onça
preg
uiça
quei
xada
anta
tam
andu
a
mac
aco
aran
ha
vead
o
mac
aco
guar
iba
caiti
tu
peix
e ca
chor
ro
peix
e el
étric
o
arra
ia p
reta
bicu
da
filho
te jaú
pira
íba
trai
rão
pira
nha
verm
elha jaú
jaca
ré
jabo
ti
cága
donú
me
ro d
e m
en
çõ
es
Quadro 13: Animais sujeitos a restrições e tabus entre os povos do Parque
Indígena do Xingu. Novembro de 2005 (mamíferos em barras escuro, peixes
em barras claras e répteis em barras brancas).
Tabus alimentares alteram de forma radical a dieta dos indivíduos reclusos
(Gregor 1977). O peixe é proibido para mulheres menstruadas, rapazes logo
após o ritual de furação de orelha, e maridos cujas esposas ainda perdem
sangue após o parto (Gregor 1977). As restrições não ocorrem nunca de forma
simultânea (Tabela 13), e sempre quando um elemento (ex: peixe) é restringido,
o outro é permitido (ex: aves e macacos).
278
Tabela 13: Ciclos de restrições alimentares relacionados à reclusão entre os Mehinaku
(Gregor 1977).
Categoria de exclusão peixes aves e macacos
1. Adolescência feminina
- durante menstruação proibidos permitidos
- antes e depois da menstruação permitidos proibidos
2. Exclusão paterna
- durante sangramento pós-parto da esposa proibidos permitidos
- após sangramento pós-parto da esposa permitidos proibidos
Observam-se na Tabela 14 as diferenças parciais com relação ao que cada
grupo considera como comestível ou não.
279
Tabela 14: Depoimentos sobre tabus específicos e de comportamento (resguardos)
colhidos junto às comunidades indígenas do Parque Indígena do Xingu em novembro
de 2005.
Informante Data EtniaEspécie / condição
Condição sob tabu
Mataiá 21/11/05 Trumai Ausência de tabu
"Peixe nós comemos todos. Mais o peixe de couro, que tem menos espinha".
Iacumim 10/11/05 aweti Cágado "Tem o cágado, aqui na comunidade só quem é acostumado come. Aquilo é perigoso, dá alergia, coceira".
Fabinho 23/11/05 ikpeng Cágado "Eu não como, pego para o meu avô, velho que come. Ikpenga não come tracajá nem ovo. Minha mulher é filha de Waurá. Eu pego para os meus sogros. Eu não como,meu pai não deixa".
guia Tafununo
12/11/05 Kuikuro Cágado "Eu não como de jeito nenhum, nem pego. A cabeça parece cobra. Uma vez meu avô pegou lá no Yawalapiti, deixou na minha frente e saiu. Eu chorei, parecia cobra".
Cacique Matipu
14/11/05 matipu Jaboti "Nós não come jabuti não, só nossos parentes Xavante".
Yawapi 19/11/05 kamayurá Macaco "Macaco preto é mais o pajé que come, criança pequena não pode, a carne é muito forte. Com 5-8 anos o pajé já libera"
Iacumim 10/11/05 aweti Peixe "A índia só não come peixe quando tá menstruada, aí só na base da caça. Macaco, jacu, mutum, papagaio, paca. Macaco é nosso alimento principal".
Cacique 14/11/05 matipu Peixe "Não tem peixe proibido!"
280
Matipu
Cacique Matipu
14/11/05 matipu Peixe "Mulher de resguardo, grávida, não come jaú nem piranha vermelha. Marido também não. Mulher de resguardo neném não pode comer peixe até o menino estar andando. Pode comer tracajá, jacu, mutum, macaco, pombo, papagaio, arara, tucano, pato. Paca, cutia, veado e caititu não".
Êruá 08/11/05 Mehinaku Peixe "Mulher menstruada não come peixe, só macaco, tracajá, mutu, jacu. E não pode mexer nas comidas de jeito nenhum, 7 dias. Pode comer ovo de tracajá”.
Itaywanã 05/11/05 Yawalapiti Peixe "Mulher menstruada não come peixe, tem que comer caça, papagaio, pombo, mutum, jacú, tracajá, pato, paca. Quando termina pode comer peixe, menos o que vem do mutu, se não peixe não entra mais".
Kanari 13/11/05 Kuikuro Peixe "Mulher na primeira menstruação fica 15 dias de resguardo, depois são seis dias".
Aiatu 11/11/05 Kuikuro Peixe "Peixe tem caldo, atrapalha endurecer os braços. Lutador acompanha mulher no resguardo".
Uirapirá 06/11/05 Yawalapiti Resguardo "Mulher menstruada não pode pescar, não pode pegar mutu, não pode trabalhar, fazer mingau nem beiju. ¨dias. Também não come peixe, só caça macaco, mutum, jacu. Você tem que caçar pra ela".
281
Estes tabus podem representar normas informais de manejo que influenciam
diretamente na pressão exercida sobre as espécies exploradas. Tabus
alimentares relacionados com a caça e a pesca foram estudados, no Brasil, por
Begossi (1992), Begossi e Braga (1992), Moran (1974), Smith (1979), Balée
(1985), McDonald (1977), e vários outros autores. Uma revisão sobre o assunto
pode ser encontrada em Pezzuti (2004) e em Begossi et al. (2004).
Colding e Folke (2000) classificaram os tabus relacionados a recursos nas
seguintes categorias: 1) tabus segmentares, que determinam a utilização do
recurso em função de idade, sexo, status social ou outras condições
específicas, e definidos pelos antropólogos como tabus alimentares
específicos; 2) tabus de método, que regulam as técnicas de obtenção dos
recursos naturais; 3) tabus de história de vida, quando se restringe o uso das
espécies dependendo do estágio do ciclo de vida; 4) tabus de habitat, que
restringem o acesso aos recursos no espaço; 5) tabus temporais, com acesso
restrito no tempo; e 6) tabus específicos, que conferem total proteção a
determinada espécie.
Observamos, durante a etapa de campo deste estudo, tabus específicos,
segmentares e de história de vida, embora este último seja um comportamento
restrito aos moradores mais velhos. Estes afirmam, por exemplo, que não se
deve caçar durante o período reprodutivo dos animais, que corresponde
normalmente ao inverno.
Colding e Folke (1997) demonstraram a importância ecológica de certos tabus,
provando que os mesmos afetam, e às vezes manejam diretamente, vários
componentes do ambiente natural local. Restrições como os tabus
proporcionam a proteção de comunidades biológicas, de manchas de habitats
e de populações de algumas espécies. Os referidos autores analisaram o papel
de tabus para a proteção de espécies listadas como ameaçadas pela World
Conservation Union (IUCN) e também para as conhecidas como endêmicas ou
282
espécies-chave (que desempenham papel fundamental na estrutura, dinâmica
e estabilidade de um ecossistema). Cerca de 30% dos tabus identificados
proíbem qualquer tipo de uso de espécies listadas como ameaçadas. Tabus
específicos apresentam importância ecológica, contribuindo para a proteção de
espécies ameaçadas, e por isso são importantes para o ecossistema. Estas
análises indicam que vários tabus específicos têm a habilidade de proteger
espécies ameaçadas, e que esta proteção pode ser efetiva. Esta proteção,
embora não sendo intencional, pode também ser considerada adaptativa em
termos ecológicos. Vários pesquisadores sugerem que existem motivos de
manejo natural por trás de tabus alimentares (Harris 1979, McDonald 1977,
Rappaport 1971, Reichel-Dolmatoff 1976, Ross 1978).
Os tabus podem ser estudados tanto a partir de uma abordagem materialista,
onde se procuram explicações práticas para a ocorrência dos mesmos (Harris
1979), ou do ponto de vista simbólico, orientada por critérios ideológicos
(Sahlins 1976).
Begossi (1998) define a primeira como a abordagem eticista que é a do
observador externo, cujas análises consideram principalmente a relação custo-
benefício que envolve o processo de tomada de decisões, buscando
compreender o valor adaptativo do processo de escolhas alimentares. As
escolhas e restrições são aqui consideradas como o resultado da soma das
forças produtivas (Ross 1978). A segunda seria a abordagem emicista,
incluindo a compreensão do ambiente físico, onde se considera que padrões
culturais são arbitrários e derivam da mente humana (Sahlins 1976). Não são
abordagens excludentes, contudo, e integradas permitem uma melhor
compreensão de fenômenos culturais, como os tabus.
O número de itens utilizados na alimentação das populações nativas
americanas é conhecidamente extenso, embora dados taxonômicos
permaneçam escassos. No Brasil, descrições detalhados sobre recursos
alimentares e sua utilização pelas populações nativas são raros. Contudo,
283
existem alguns estudos recentes buscando o entendimento do conhecimento
acerca do ambiente biológico e sua relação com a cultura e da relação custo-
benefício e eficiência na exploração de recursos (Forrageamento Ótimo,
Hames e Vickers 1982). Outro enfoque conhecido consiste em tentar explicar
as limitações nutricionais ao tamanho populacional (Meggers, 1977; Gross,
1983).
Estudando comparativamente a ecologia alimentar dos índios Nambiquara
situados na floresta e no cerrado, Setz (1989) constatou que as aldeias da
floresta e do cerrado apresentaram diferenças claras na composição
taxonômica e no número total de espécies utilizadas como alimento. Os índios
da floresta utilizaram mais espécies de peixes, e utilizaram um total de 69
espécies de animais, ao passo que os índios do cerrado utilizaram mais insetos
e aves, e utilizaram 90 espécies de animais no total. Setz propõe que as
diferenças qualitativas e quantitativas na composição faunística do ambiente de
cada aldeia explicam amplamente as diferenças encontradas na dieta e na
fixação cultural sobre determinadas espécies. Diferenças na tecnologia de
obtenção de alguns alimentos também estão relacionadas com a maior
disponibilidade de presas específicas. Por exemplo, os índios do cerrado
utilizam técnicas especiais para captura de gafanhotos e cupins alados,
enquanto que os índios da floresta se valem de uma variedade maior de
métodos de pesca.
Para Ross (1978) existem claras evidências, na Amazônia, de que os tabus
alimentares restringindo a caça de animais de grande porte, em algumas
populações, constituem um componente do padrão adaptativo das populações
nativas da região. O autor considera que, de maneira geral, a existência de
tabus alimentares está relacionada com a produtividade da caça no habitat
ocupado pela população estudada. Esta produtividade, por sua vez, depende
de condições específicas relativas à disponibilidade de recursos, à distribuição
populacional, à tecnologia e às características comportamentais das espécies
exploradas.
284
De todas estas, provavelmente a mais importante é a produtividade da pesca.
A pesca, como elemento sedentarizador, influencia na acessibilidade de
animais de grande porte em função do progressivo decréscimo populacional
das espécies maiores pela pressão de predação. Quando a pesca exerce papel
secundário, a atenção volta-se deliberadamente para os animais grandes. A
amplitude de dieta varia inversamente com a produtividade da pesca e,
consequentemente, o grau de sedentarização. Para os ribeirinhos do Parque
Nacional do Jaú, peixes constituem o principal item alimentar em número de
animais capturados, com mamíferos e répteis (basicamente quelônios), vindo a
seguir, e por último as aves (Pezzuti et al. 2004). Estas últimas, por
proporcionarem rendimento baixo, são abatidas em pequenas quantidades, já
que o caçador decide não gastar sua escassa munição com uma presa tão
pequena, insuficiente para uma única refeição da sua família. Os quelônios,
entretanto, são consumidos em maior quantidade na seca, pois são coletados
(adultos e ovos) nas praias, durante o período reprodutivo, e são mais
intensamente pescados nos corpos de água remanescentes, no verão.
Embora tenhamos participado de três pescarias com redes de pesca e de
termos observado este tipo de artefato em dezenas de residências, algumas
lideranças negaram a utilização deste tipo de apetrecho, dando a entender que
o mesmo não é bem aceito, e considerado predatório. O cacique Matipu, ao
negar a utilização de malhadeira para pesca, evidencia a existência de
restrições, de desaprovação à utilização deste tipo de apetrecho de pesca.
Este reconhecimento coincide com as restrições ao uso de malhadeira em
outras regiões, como o Baixo Amazonas. O processo de conflitos e de auto-
organização social em torno dos territórios de pesca nesta região envolve uma
combinação extremamente variável de restrições, compreendendo restrições
específicas, temporais, espaciais e de equipamentos, gerando um mosaico de
sistemas locais de controle da atividade pesqueira (McGrath 1993)
285
7.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DOS
GRUPOS INDÍGENAS COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE
7.6.1 Organizações Indígenas
A participação política das comunidades xinguanas é multifacetada. Os
caciques das aldeias, os pajés, os membros do conselho de lideranças locais,
o cacique geral, os membros e dirigentes de diversas instâncias da saúde
indígena (conselho distrital, DSEI, pólos base), e a representação política
munipal são alguns exemplos dela.
Os índios elegeram um vereador indígena no município de Gaúcha do Norte, o
qual obteve a maior votação, mais de 300 votos, mas mesmo assim não assumiu
a presidência da casa, por conta de manobras políticas de lideranças municipais.
Atualmente os xinguanos fiscalizam ativamente as fronteiras do PIX,
constantemente ameaçadas por invasões de madeireiros, fazendeiros,
pescadores e caçadores, os quais praticam atividades ilegais dentro do
território indígena.
Será apresentada a seguir a relação das associações indígenas mais
representativas do PIX.
ATIX: Associação Terra Indígena Xingu
Rua Três Passos, 93
78640-000 Canarana – MT
(66) 3478-1948
286
Email: atix@brturbo.com.br
IPEAX: Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu
Endereço: Av. Paraná nº 623, Centro. Cep 78640-000 .
Canarana – MT. Fone (66) 3478-2564
Na aldeia Mehinako existe a Associação Indígena Wanaki, cujo
presidente é Carlinhos.
Waurá: Existe a Associação Indígena Tulukai.
Aweti: Associação Indígena Enumaniá, cujo presidente é Yakumim,
cacique da aldeia.
Kuikuro: Associação Indígena AIKAX, cujo presidente é Tabata.
Kalapalo: A Associação Indígena Aulukumã já foi registrada em cartório,
faltava apenas abrir uma conta corrente. O presidente é Jeika.
Kamayurá (Ipavú): Associação Indígena Mavutsinim.
Ikpeng: AIMCI- Associação Indígena Moygu. Comunidade Ikpeng
Posto Indígena Pavuru - Parque Indígena do Xingu
A/c ATIX- Av Mato Grosso, 607. 78.640-000 Canarana- MT
(66) 3478-1948
287
Kalapalo: Associação Jakui
Rua Redentora, 837 Jardim Bela Vista
78.640-000 Canarana – MT
Yudjá: Associação Yarikayu
Aldeia Tuba Tuba, Parque Indígena Xingu
A/c ATIX- Av Mato Grosso, 607
78.640-000 Canarana- MT
CEIMBX- Conselho de Educação Indígena do Médio e
Baixo Xingu
povos: Kisêdjê, Kayabi, Txicão, Yudjá, Ikpeng e Trumai
7.6.2 Educação
A educação indígena é financiada pelos governos municipais e estadual,
responsáveis pela contratação dos professores, construção de escolas e
aquisição de materiais didáticos, além da atuação do Instituto Socioambiental
na região do Médio e Baixo Xingu, o qual desenvolve o “Projeto de Formação
de Professores do Parque Indígena do Xingu”.
Segundo o ISA, o objetivo principal do Projeto de Formação de Professores é
consolidar uma escola diferenciada e de qualidade no Parque Indígena do
Xingu (PIX), protagonizada e gerida pelos próprios índios a partir da formação
de professores indígenas e do estabelecimento de um currículo diferenciado. O
projeto desenvolve a formação continuada de 39 professores formados em
magistério e a formação para o magistério de 43 professores indígenas dos
catorze povos do PIX. Em 2001 os professores concluíram o Projeto Político
Pedagógico (PPP), que organiza a proposta curricular da 1º à 4º etapas,
288
adequada à realidade cultural a que pertencem. O Projeto foi aprovado pelo
Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso em 2002. Durante as etapas
intensivas e no acompanhamento pedagógico, os professores indígenas
também elaboram materiais didáticos com a assessoria de equipe de
especialistas. Os professores indígenas atuam como diretores e recebem
recursos para aquisição de materiais escolares e da merenda, além de fazerem
a prestação de contas. Os professores conquistaram o direito de adquirir
alimentos tradicionais nas próprias comunidades para a merenda escolar.
No Alto Xingu a participação diante do projeto de educação escolar já
implantado no Baixo Xingu é diferenciada entre as etnias locais. Há uma
oscilação entre a busca de soluções autônomas e uma maior dependência de
pressões externas, tais como escolas da FUNAI, dos municípios, das cidades,
professores não índios etc.
A seguir serão apresentadas as escolas e respectivos responsáveis em 11
aldeias visitadas pela equipe de pesquisa:
Waurá: Escola Estadual Indígena Piyulaga: são cerca de 149 alunos,
mas cadastrados tem 119 alunos. Os professores são Tirauá (ensino de
crianças, pela manhã, 1ª série), Arapauá (ensino de crianças pela
manhã, 1ª série e de adolescentes à tarde), Amuto (aulas pela manhã e
à tarde, 1ª série).
Kamayurá: Escola Municipal Indígena Mawaiaká (município de Gaúcha
do Norte), tem 56 alunos matriculados nos períodos matutino e
vespertino, conta com três professores: Matarivá Kamayurá (crianças, 2ª
e 3ª séries), Kanapü Kamayurá (crianças, 1ª e 2ª séries) e Awakamü
Kamayurá (1ª série).
A escola da aldeia Morená estava funcionando na casa do professor,
Jarel, pois o prédio da escola corre risco de desabamento.
289
Yawalapiti: Escola Estadual Yawalapiti foi construída recentemente em
alvenaria, o prédio ainda está novo.
Mehinako: Na aldeia Mehinako existe a Escola Municipal Madri
Mehinako (município de Gaúcha do Norte), que conta com 40 alunos de
1ª a 4ª série. Os professores são Iauapulá, Kemeiam Mehinako e Denise
Terena.
Aweti: A aldeia conta com a Escola Estadual Aweti, que é anexa à
Escola do PIN Leonardo e tem 23 alunos matriculados. Os professores
são Auaiatu, que ministra 1ª e 2ª séries do ensino fundamental pela
manhã; e Waranako, que ministra de 2ª a 4ª séries no período
vespertino e é aluno de pedagogia do 3º grau indígena da UNEMAT,
campus Barra dos Bugres.
Kuikuro: Professores: Sepé, Ibené, Mutuá (diretor), Rui. Escola Estadual
Central Karib tem 82 alunos.
Matipú: A Escola Estadual Matipú, ligada à escola central do PIN
Leonardo, tem cerca de 30 alunos matriculados, de 1ª a 3ª série. O
professor é Maike Matipú.
Kalapalo: A Escola Estadual Indígena Kalapalo tem 51 alunos
matriculados, sendo 15 adultos. As disciplinas ministradas na 1ª fase do
ensino fundamental pelos três professores (Urise – 1ª e 2ª séries; Talico
– 2ª série e Jeika – 3ª e 4ª) são: língua portuguesa, língua materna,
ciência, história, matemática e geografia. O professor mais antigo é
Jeika, que começou a dar aula em 1994, ainda no projeto do Instituto
Sócio-Ambiental (ISA).
Nahukuá: O professor é Kamani, que estava lecionando em sua casa
para 29 alunos, pois a aldeia não dispunha de escola com prédio
290
próprio. Ele leciona para quatro turmas: Turma A, período da manhã,
das 08:30 às 11:30 hs, tem 07 alunos: Agassahegü, Kamüle, Kaime E
Waiazi, Kuiahi Marina, Hiniõ Zileide, Póhai e Marquinho; Turma B,
mesmo horário da Turma A, tem 05 alunos: Aluagü, Kumatsi, Amati,
Kágua; Turma C, mesmo horário, tem 08 alunos: Raikalo, Akuá Afia,
Atahulu, Euka, Janete, Kaminaigo, Agihuá, Yanamá; e Turma D, período
vespertino, das 14:30 às 17:30 hs, tem 09 alunos: Talá, Tologokogu,
Ronaldo, Tamapü, Tamaiuá, Maiu Zeca, Kita, Kahihi, Eliane Kússaku.
Trumai: A Escola Indígena Awaldat’, não possui prédio próprio, as aulas
são ministradas na varanda da casa de Matsilake Trumai. A escola é
estadual, anexa à Escola Central Pavurú. Os professores são Pi-yu,
Iauaritú e Uali, que reivindicam a construção de uma escola na aldeia,
pois, segundo Pi-yu, “a gente queria que a prefeitura [municipal de Feliz
Natal] criasse uma escola aqui, aí teve rolo de não ter recurso e tal, por
enquanto eu dou aula de improviso na varanda, na verdade não é um
local adequado, o que eu queria mesmo era uma sala de aula para
poder fazer vários trabalhos com os alunos, por exemplo, um ensaio de
dança, dramatização, porque seria importantíssimo na revitalização da
própria cultura indígena, porque a escola precisa fortalecer essas coisas
e para facilitar eu teria que ter uma sala de aula bem adequada para os
alunos poderem ter essa aula”.
7.6.3 Turismo Étnico
Dentre as atividades produtivas, o turismo étnico está ganhando espaço
rapidamente nos últimos anos entre os Kamayurá de Ipavu. Já há alguns anos
os índios Kamayurá têm interesse em explorar o chamado “ecoturismo” em sua
aldeia, sendo que a visitação do Parque por turistas brasileiros e estrangeiros é
291
bastante antiga, especialmente na época de realização do Kwarup, ritual em
homenagem aos mortos ilustres. No início dos anos 2000, os Kamayurá
iniciaram uma experiência de visitação de ecoturistas, que era promovida por
um empreendimento hoteleiro localizado nas proximidades do PIX e que foi
suspensa devido a intervenção da FUNAI. Por volta do ano 2002, segundo
Ramos, “os Kalapálo e Kamayurá procuraram a Secretaria da Amazônia [do
Ministério do Meio Ambiente] e apresentaram suas reivindicações de apoio. Em
discussões com a FUNAI foi acordado que seria elaborado um Termo de
Referência com a finalidade de realização de estudos visando a implantação de
um projeto piloto. Os encaminhamentos foram realizados, o Termo de
Referência foi elaborado, os consultores foram contatados e o orçamento foi
disponibilizado pelo MMA, porém os trabalhos não foram iniciados pelo fato de
não haver consenso entre as lideranças das etnias do Xingu, sendo que muitos
não concordaram com a realização dos estudos para o projeto piloto” (Ramos,
2002: 08).
Desde 2002 as discussões praticamente ficaram paralisadas, até que em
fevereiro de 2004, o cacique da aldeia Kamayurá e presidente da Associação
Indígena Mavutsinin, Kotok M. Kamayurá, apresentou um documento intitulado
“Projeto Ecoturismo Aldeia Kamayurá”, onde são apresentados a justificativa do
projeto, seus objetivos gerais e específicos, metodologia, treinamento dos
colaboradores e o contrato de implantação e realização de ecoturismo na
aldeia Kamayurá. São apresentados ainda um contrato de risco e
responsabilidade a ser assinado pelos visitantes, um cronograma de atividades
e o orçamento do Projeto. Na apresentação do projeto, consta que, “este tipo
de turismo proposto pelos Kamayurá servirá para a valorização da cultura, para
o branco entender como é rico o universo cultural indígena e ainda para trazer
meios aos índios obterem sua independência financeira”.
Percebe-se que, apesar da relutância de alguns setores, os índios insistem em
apresentar projetos de seu interesse, como o seguinte, encaminhado à
Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente da FUNAI:
292
Processo 08620.0191/2001 – DV, de 29.01.2001
Interessado: Parque Indígena do Xingu
Assunto: Parceria.
Resumo: Parceria com o MMA para discutir projeto piloto de ecoturismo
e criação de GT interministerial para estudo da regulamentação do
ecoturismo em terra indígena.
Apesar do processo ter como documento primário o telex nº 0056 da
Associação Indígena Mavussini (sic) de 12.09.2000, o primeiro documento é
uma ata da reunião sobre ecoturismo realizada em 29.09.2000 com a
participação do DEPIMA e DEDOC. Segundo a ata da reunião, “foi
considerado que a FUNAI e o MMA aprovaram o termo de referência para a
implantação de um projeto piloto de ecoturismo junto às comunidades
Kalapálo e Kamaiurá mas, que existem demandas para a implantação de
outros projetos de ecoturismo em terras indígenas como, Tangará da Serra
e Pantanal e existem informações que algumas ações de ecoturismo estão
sendo planejadas ou implantadas em terras indígenas, independentes da
aprovação da FUNAI. Diante dos fatos, o DEDOC e o DEPIMA propuseram
fazer um levantamento junto as administrações regionais das atividades de
visitação com fins turístico (sic) que estão sendo planejadas ou implantadas
nas terras indígenas. O levantamento será feito pelo encaminhamento de
solicitação para que todas as administrações regionais informem sobre as
demandas e ações de turismo que estão ocorrendo em suas regiões. Foi
concluído que o objetivo final desse levantamento seria traçar o perfil da
demanda do ecoturismo em terras indígenas e definir os critérios para a
seleção de iniciativas que poderão ser objeto de outros projetos piloto de
ecoturismo”.
Através do telex nº 005, de 12.09.2000, o cacique Takumã Kamayurá solicita
ao presidente da FUNAI manter gestões junto ao departamento competente do
Ministério do Meio Ambiente acerca do projeto de ecoturismo na aldeia
293
Kamayurá e se possível incluí-lo no Proecotur e informar demais
procedimentos necessários para sua aprovação.
Por meio do ofício Supam nº 081/00, de 20.09.2000, o Sr. Humberto
Figueiredo, gerente de programas internacionais da EMBRATUR,
encaminha ao representante da FUNAI no GTC/Amazônia dois exemplares
do código mundial de ética do turismo, criado pela Organização Mundial de
Turismo – OMT.
Em carta s/n, datada de 05.06.2000, quatro lideranças Kalapalo da aldeia
Tanguro solicitam apoio da FUNAI para a implantação de atividades de
ecoturismo em sua área. Segundo eles, a idéia era implementar o projeto de
turismo ecológico pelo período de dois anos para avaliação do projeto.
No entanto, em carta s/n da ADR/Xingu/2001, de 11.01.2001, o cacique
Aritana Yawalapiti faz um apelo ao presidente da FUNAI para tomar as
providências necessárias junto ao Ministérios do Meio Ambiente e Esportes
e Turismo com vistas a cancelar qualquer projeto de ecoturismo a ser
instalado na Parque Indígena Xingu, “por se tratar de uma proposta que
contradiz totalmente aos nossos esforços de preservar o Parque, o que caso
isso viesse a se concretizar, nos traria graves conseqüências de
desequilíbrios internos sobre vários aspectos da nossa vida tribal, valendo-
se salientar que só a perspectiva desse projeto se concretizar, já está nos
trazendo sérios problemas”.
Através do ofício nº 002/SCA/MMA, de 05.01.2000, o Secretário de
Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente informa, dentre
outras coisas, que a Secretaria tem a possibilidade de levantar recursos
para desenvolver um programa específico com os índios, a despeito do fato
que o Proecotur não tinha “nenhum projeto ou programa a ser desenvolvido
com os índios”, mas, segundo ele, “a demanda por ações com grupos
indígenas têm sido freqüentes, tanto por parte dos índios como de
294
operadores”. Ressalte-se que a Organização Mundial do Turismo – OMT e a
Comissão de Desenvolvimento Sustentável – CDS da ONU prevêem, em
documentos recentes, que haverá uma grande procura por roteiros que
incluam comunidades indígenas na próxima década”. Anexo ao ofício são
encaminhados parecer técnico da FUNAI e minuta do termo de cooperação
entre o MMA e a FUNAI.
Consta minuta de portaria interministerial (MMA, Justiça, Saúde e Esporte e
Turismo) na folha 32; projeto “ecoturismo em terras indígenas”, fls. 30-34;
termo de referência para proposta de projeto piloto de ecoturismo junto as
sociedades indígenas Kalapálo e Kamayurá”, fls. 28-29.
Através do ofício nº 086/DEPIMA, de 17.08.1999, o diretor de assistência da
FUNAI encaminha ao MMA cópia da informação nº 163/CMAM/DEPIMA/99,
que trata de análise da minuta do “termo de cooperação” entre a SCA/MMA
e a FUNAI. Da análise realizada, conclui o técnico indigenista da
CMAM/FUNAI, que o termo de compromisso “deverá ser alterado, tendo
como objeto a regulamentação da atividade de ecoturismo em terras
indígenas junto ao CONAMA, com base nas recomendações do relatório
final de ecoturismo em terras indígenas, bem como o documento ‘diretrizes
para uma política nacional de ecoturismo’ do GT interministerial
MINCT/MMA.
O processo é então arquivado pela CGPIMA/FUNAI, sem que os interessados
sejam informados sobre este fato.
Em 31 de maio de 2005, Kotok apresenta um novo documento ao Presidente
da FUNAI, com um contrato de trabalho de três anos de duração. De acordo
com o contrato, os Kamayurá recebem 450 dólares por dia de cada turista, que
ainda pode comprar artesanato na sede da Associação Mavutsinin, na aldeia
Kamayurá. Além dos Kamayurá, os Aweti também venderam artesanato
através de consignação com a associação Kamayurá. Em 2005, os Kamayurá
295
receberam 06 grupos de turistas, que gastaram mais de R$ 15.000,00 em
compras, além do dinheiro repassado à Associação Indígena. Os grupos
variaram de 03 a 06 pessoas, segundo John Carter, responsável pela atividade
(comunicação pessoal, 04.11.05).
Como justificativa para o projeto, o cacique Kotok afirma que “a gente quer
ganhar recurso aqui através da nossa cultura”.
Estava prevista a ida de 05 turistas para a aldeia Kamayurá em 15 de
dezembro de 2005. Esse grupo deveria render R$ 5.100,00 para a
associação indígena. Registra-se ainda atividade turística, de maneira
menos organizada, em outras aldeias do Alto Xingu, tais como Kalapalo,
Waurá e Yawalapiti.
7.6.4 Relações com a sociedade envolvente: o problema da degradação
nas cabeceiras dos formadores do Xingu
"O rio tá ficando raso. Em outubro e novembro, quando chove e faz enxurrada,
a água carrega toda a areia e o veneno do fazendeiro"
(Tafukumã Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 15/11/2005)
O Cacique Yakumim Aweti, na ocasião da nossa visita à sua aldeia,
comentou preocupado que, no dia anterior, na subida para Gaúcha do Norte
para buscar o antropólogo Sebastian Drude, viu muito peixe morto acima do
Posto Indígena de Vigilância (PIV) do Curisevo. Comentou ter observado
espécies carnívoras como o trairão e a cachorra, além de jaraqui. Afirmou
também que os quelônios apresentavam comportamento diferente. "Os
tracajás fica doido, a água muito suja". Yakumin também comentou que a
296
água está bem mais suja do que o normal, e relaciona o fato com a
presença das fazendas e da aragem de terras para a agricultura.
"Todo ano quando começa a encher, quando carrega o veneno que branco
joga na soja, morre muito peixe. Batuvi, Curisevo, Culuene. Morre mais fácil
pintado, peixe cachorro, pacu, tucunaré, pirarara, Jaú. Ano passado veio o
IBAMA saber porque peixe tava morrendo. Veio o CGPIMA, FUNAI. Na entrada
(Sul) do Parque, peixe grande tudo boiando, até no Tanguro, Batuvi também".
(Professor Waurá, Aldeia Waurá, 02.11.2005)
De fato, animais carnívoros, por se encontrarem em níveis tróficos
superiores, tendem a acumular toxinas nos seus tecidos. A cadeia alimentar
define o conjunto de compostos químicos, que variam de acordo com a dieta
dos organismos. Entre os carnívoros, a eficiência de assimilação é
extremamente alta, em torno de 80% quando comparada a animais
herbívoros, ficando entre 20 e 50% (Begon et al. 1996). O fenômeno da
bioacumulação é bem conhecido para muitas substâncias, como o próprio
DDT (Goudie 1986), tendo este produto deixado de ser utilizado como
inseticida agrícola em muitos países justamente por conta de sua
persistência no ambiente e no comprometimento das comunidades bióticas.
Toxinas tendem a se acumular nos peixes piscívoros e carnívoros, já que
organismos situados nos níveis tróficos superiores tendem a obter e
concentrar substâncias tóxicas em seus tecidos. Verificamos facilmente na
Tabela 14 que cinco (50%) das dez espécies de peixes mais consumidas
ultimamente pelos xinguanos, como vimos anteriormente (Tabela 8), são
carnívoras.
297
Tabela 14: Hábito alimentar das principais espécies de peixes consumidas pelos índios
do Xingu nos últimos cinco meses (espécies de topo de cadeia – predadoras – em
negrito).
Nome local N % Hábito alimentar
Tucunaré 329 20,6 carnívoro-piscívoro
Piranha preta 175 11,0 Onívoro
Corvina 142 8,9 Carnívoro
Cachorra 128 8,0 carnívoro-Piscívoro
Piranha 82 5,1 Onívoro
Matrinxã 76 4,8 Herbívoro
Pacu 76 4,8 Frugívoro
Pintado 76 4,8 Carnívoro
Traíra 75 4,7 Carnívoro
Piau 68 4,3 Detritívoro
O Sr. Celso, esposo de uma das professoras do Posto Leonardo, trabalhou
como motorista na fazenda Stella, situada entre o Culuene e Vanick, e deu
breve depoimento sobre as grandes quantidades de herbicida e fungicida
pulverizados em uma área de 25.000 ha de soja. Outro não índio que nos dá
depoimento interessante sobre a questão é o Sr. Rui, piloto de avião com larga
experiência em pulverização e que, mesmo voando protegido com macacão,
máscara e luvas, acabou sendo contaminado pelos produtos químicos
utilizados na região, ficando seriamente doente.
"Em 70 não tinha nada, era mata, cerrado só pra lá do Batuvi. Em 2000 era só
soja, soja, soja. O gado tá cagando na água, desce tudo. Fico preocupado com
menino, bebe água e fica com diarréia. Lixo de casa, calcário mistura com terra
e vem pro rio. Herbicida utilizado também provoca mortandade de peixes nas
cabeceiras do Batuvi".
(Sapaé Waurá, Aldeia Waurá, 02.11.2005)
298
"Estou aqui porque fui trazido de outro lugar. Trouxe a comunidade para o
Xingu. Quero retornar ao lugar onde nasci e cresci, e esta é a minha luta agora.
A população está crescendo e está ficando apertado. A mudança do leito do rio
e do clima está acontecendo. A devastação e a extração de madeira estão se
aproximando, e está nos preocupando muito. O rio, os peixes e a floresta, de
onde tiramos nossos sustento. Sempre cuidamos da mata e do rio. Os brancos
não pensam nos filhos e nos netos? Nossos antigos foram canibais. Avisem
para eles, brancos devastadores, que se encrencarem com a gente, a gente vai
matar e comer. Não só comemos, mas usamos os ossos, dentes e unhas. A
terra do Brasil é dos índios, e não do governo. A terra, os rios, os animais e as
árvores, nós vivemos por eles e eles por nós. Quem está desmatando e
poluindo não tem respeito por si mesmo".
(Melobô Ikpeng, Aldeia Moygo, 22.11.2005)
299
Há evidências quanto a isso, tanto pela mortalidade de peixes registrada pelos
inúmeros depoimentos acima transcritos, quanto pelos trabalhos já publicados
comprovando a contaminação do ecossistema aquático (Dores 2001). A
probabilidade de contaminação é maior quando ocorre após pesadas chuvas,
especialmente quando as áreas ao redor de um pequeno córrego tenham sido
recentemente tratadas com altas doses de pesticidas. Mesmo em
concentrações baixas, os pesticidas representam riscos para algumas espécies
de organismos aquáticos que podem concentrar estes produtos até 1000 vezes
(Dores 2001). Não existe nível seguro previsível para pesticidas em água
quando pode ocorrer biomagnificação.
O panorama econômico da região Centro Oeste do Brasil, a partir da década
de 70 vem sofrendo profundas mudanças, em função dos incentivos
governamentais oferecidos para a ocupação da Amazônia pela pecuária e pela
agricultura com predomínio da soja e do algodão atualmente. Como
conseqüência, esta ocupação se baseou na distribuição altamente desigual
com o predomínio dos grandes latifúndios, que possuíam condições
econômicas para desenvolver a tecnologia necessária para a exploração do
cerrado com seus solos ácidos deficientes em nutrientes. O que se estabelece
na região é invariavelmente a monocultura dependente de insumos químicos,
incluindo pesticidas. Este quadro favorece a contaminação dos recursos
hídricos e a sua acumulação no ambiente.
No caso da soja em Primavera do Leste, município situado na região da
cabeceira do Culuene e também do Rio das Mortes, a pulverização das
lavouras com inseticidas organoclorados e piretróides ocorre entre outubro e
março, principalmente dezembro e janeiro e, portanto, justamente no período
chuvoso. Os herbicidas são também aplicados basicamente na época das
chuvas, entre outubro e novembro. Os únicos biocidas que não são aplicados
no período correspondente às chuvas são os fungicidas, ainda com exceções
de produtos que são aplicados ao longo de todo o ano (Dores 2001). A
infiltração no solo e o escoamento superficial das águas são grandes nesse
300
período, facilitando a percolação de pesticidas no perfil do solo ou seu
carreamento lateral. A elevada pluviosidade ocorrendo sincronicamente à
aplicação de biocidas, associada ao fato de que os latosolos da região são
caracteristicamente profundos e bem drenados favorecem o processo de
lixiviação de pesticidas até as águas subterrâneas. Deve-se considerar também
que, quando pesadas chuvas ocorrem pouco tempo após a aplicação dos
pesticidas, a possibilidade de penetração no solo aumenta devido ao menor
tempo em que as substâncias estiveram expostas a mecanismos de dissipação
(altas temperaturas e radiação solar). Uma vez que a época de aplicação de
pesticidas, em geral, coincide com o período de chuvas mais intensas, esta
hipótese torna-se bastante provável.
A pesquisadora Eliana Dores, do Departamento de Química da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), vem coordenando projetos de pesquisa
importantes no sentido de monitorar estes processos e confirmar os efeitos
ambientais adversos da aplicação de biocidas em larga escala em lavouras de
algodão. Seria fundamental que estudos desta natureza sejam levados a cabo
em áreas de plantio de soja, pela quantidade de insumos químicos tipicamente
utilizados nesta cultura, e pela escala que o cultivo da soja atingiu no país,
sobretudo no Mato Grosso.
301
7.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE
A saúde indígena é de responsabilidade da FUNASA - Fundação Nacional de
Saúde, a qual por meio de instrumentos próprios beneficia o atendimento aos
índios, de forma a melhorar sua qualidade de vida. A FUNASA instalou caixas
d´água e água encanada na maior parte das aldeias do Xingu, construiu postos
de saúde nos Postos Indígenas da FUNAI (PINs Leonardo, Pavurú e
Diauarum), doou voadeiras com motor de popa, além dos medicamentos e
suporte técnico para as associações e organizações da sociedade civil
executar a assistência à saúde indígena.
Em geral o atendimento médico é realizado por auxiliares de enfermagem,
médicos, odontólogos e agentes indígenas de saúde (AIS) e agentes indígenas
sanitários (AISAN).
Estes serviços são terceirizados pela FUNASA, responsável pelo
acompanhamento e suporte financeiro da assistência à saúde indígena.
Apresentaremos a seguir os profissionais e equipamentos existentes nas 12
aldeias visitadas pela equipe de pesquisa.
Waurá
Na escola da aldeia Waurá funciona também o Posto de Saúde, que conta com
os seguintes profissionais: Yanahin Matalá Waurá (auxiliar de enfermagem),
Apayupi K. A., Maualaya A. C. e Yukuku Y. (agentes indígena de saúde),
Yaukuma (agente indígena de saúde bucal), Edson Ulawakato (agente
indígena de saneamento).
302
Kamayurá
Existe posto de saúde na aldeia Kamayurá, que conta com os seguintes
profissionais: Trauim, Iakaureanã, Odivan (agentes indígena de saúde) e com
um agente indígena de saneamento, que estava em processo de mudança. O
posto de saúde da aldeia Morená funciona na casa de Pablo Kamayurá. Os
AIS são Sula e Arutsam, e o AISAN é Arió.
Mehinako
A aldeia Mehinako conta com posto de saúde, com apenas um agente indígena
de saúde contratado, Kuaiú, e dois voluntários: Iatapí e Ialuití, além de uma
auxiliar de enfermagem não-índia, Liliane e um agente indígena de
saneamento, Siucarte. As principais doenças relatadas foram casos de vômito
com crianças e IRA (infecção respiratória aguda).
Aweti
Na aldeia Aweti existe posto de saúde, cujo AIS é Maitauaná.
Kuikuro
AISAN: Lalate. AIS: Aiatú, Jói, Maluve.
Kalapalo
Em relação à saúde, existem dois AIS na aldeia Kalapalo: Arússavi e
Orlandinho; e um AISAN, Kaiotá.
Matipú
Na aldeia Matipú os agentes indígena de saúde são Kulumaka, Kaiapó, Kulika,
Kakunahû e o agente indígena de saneamento é Lamate.
Nahukuá
Os AIS da aldeia Nahukuá são Ronaldo e Marcelo, Tafuraki é auxiliar de
enfermagem e Tamaiuá é AISAN.
303
Trumai
AIS da aldeia Trumai: Saulú, Kunhairó, não tem AISAN. A doença mais comum
é a gripe. Os índios fazem severas críticas em relação a atenção à saúde.
Arwiavi afirmou que “a saúde não é bem atendida, tinha que funcionar melhor.
Quando a FUNAI tomava conta dos índios era bem melhor, encaminhava logo
os doentes e tratava. A Escola Paulista de Medicina [EPM] pegou esse trabalho
da FUNAI. A EPM tem hospital grande em São Paulo, mas só manda os índios
pra Canarana. Está morrendo bastante índio, crianças”. O cacique Trumai
complementa: “tenho algumas coisas pra falar sobre a saúde. Hoje a saúde
dos índios está um pouco melhor, mas queremos que melhor mais. Quando a
FUNASA entrou, temos o Distrito [Sanitário Especial Indígena, em Canarana],
que está tentando atender os índios, mas tem problemas. Os índios estão
sofrendo muito. A gente aqui está sendo atendido sim, estamos tentando
melhorar. Hoje tem muita doença no Xingu que é dos brancos. As vezes os
médicos atendem mas não tem diagnóstico. Os índios estão lutando contra
essas coisas. Aqui no Xingu a FUNASA não tem preparo para trabalhar com os
índios. Eles pegaram de repente pra trabalhar com os índios. A saúde estava
com a UNIFESP, hoje quem está mais com a saúde dos índios é a FUNASA, o
CASAI. Os índios precisam ter um atendimento mais rápido, ter um
atendimento diferenciado”.
Ikpeng
Os Ikpeng contam com o posto de saúde localizado no PIN Pavurú, que fica
próximo à aldeia Moygo (cerca de 05 minutos à pé).
304
PIN Leonardo
Funcionários do Pólo Base Leonardo – FUNASA
01- Titico – barqueiro;
02- Kawakanamu – barqueiro;
03- Travi – faxineiro;
04- Kamani – cozinheiro;
05- Arirapu – faxineiro;
06- Maiuri – microscopista;
07- Sávio – lancheiro;
08- Tunuli – mecânico;
09- Mainapu – barqueiro;
10- Carrincha – serviços gerais;
11- Takarrachi – serviços gerais;
12- Karuaravi – serviços gerais;
13- Kulumaka – AIS/Leonardo;
14- Arautará – assistente administrativo;
15- Yanu – AISB/Leonardo;
16- Ariel – AISB/Leonardo;
17- Kokoro – AISAN;
18- Arroja – serviços gerais.
305
7.8. ANÁLISE DE IMPACTOS
Da mesma forma como se procedeu com relação aos grupos Xavante, também
entre as diversas etnias que compõem o PIX foram realizadas reuniões e
entrevistas informais visando obter a percepção e opinião dos indígenas sobre
a PCH Paranatinga II. Nestas oportunidades foram coletados depoimentos que
demonstram uma profunda preocupação quanto à qualidade ambiental de suas
terras que, conforme analisado acima, vêm sendo estranguladas pela
exploração econômica desenvolvimentista.
Apresenta-se, abaixo, os itens apontados pela comunidade, e que sintetizam
suas preocupações e receios perante a implantação da PCH Paranatinga II.
Embora, como veremos, alguns destes itens dizem respeito a outros agentes
interventores na região (fazendeiros, madeireiras, etc.), que fogem à
responsabilidade dos empreendedores da PCH, mostra-se complexo para a
comunidade indígena individualizar as causas das transformações ambientais
que põem em risco sua qualidade de vida.
O texto que se segue traz, inicialmente, uma coletânea de depoimentos dos
indígenas, atendendo às suas solicitações, de que fossem transcritos no presente
relatório. Por outro lado o Anexo 7 traz atas de diferentes reuniões realizadas junto
às comunidades indígenas, quando da chegada da equipe, e também a ata da
reunião geral final, realizada no PIN Leonardo. Estas atas complementam as
preocupações e impressões gerais da comunidade para com a construção da PCH.
Em seguida é apresentada uma sistematização dos itens apontados pela
comunidade, somados àqueles observados e avaliados pela equipe de
profissionais que desenvolveu o estudo. Finalmente, ainda neste capítuilo,
apresenta-se uma avaliação da pertinência dos itens levantados em relação às
características técnicas e ambientais da PCH Paranatinga II, visando definir os
efetivos impactos previstos pela comunidade indígena do PIX.
306
Depoimentos da comunidade indígena
"A gente não quer. O rio vai secar, vai mudar o leito, e nós não queremos. Vai
sumir o peixe. Nosso mercado é o rio, onde pegamos peixes para alimentar
nossos filhos. Comemos peixe todo o dia".
(Aruiaví Trumai, Aldeia Trumai, 21.11.2005)
"Com a barragem, vai secar e o peixe, o pacu, não vai mais poder comer fruta,
e vai ficar triste. A barragem não é importante para nós; o importante é a
saúde".
(Imuí Mehinako, Aldeia Mehinako, 08.11.2005)
"Os Terena e os Gavião estiveram aqui no ano passado, lá tem barragem.
Antes tinha caça, peixe, raiz, tudo. Depois chegou influência lá. Coisas tristes o
que trouxe as barragens. E os fazendeiros e madeireiros, acabando com a
mata. Peixe não tem mais, e não tem mais as coisas que vivem no rio. Eles
pediam pra nós não deixar a coisa continuar aqui. Tanto Terena quanto Gavião
as barragens são acima das aldeias. E eles não tem mais água!”.
(Imuí Mehinako, Aldeia Mehinako, 08.11.2005)
"Todas as lideranças estão preocupadas com isso. Em outros lugares onde
fizeram hidrelétrica, está ficando cada vez mais raso".
(Sariku Nahukwá, Aldeia Nahukwá, 17.11.2005)
"O tracajá, quando chegar o tempo, não vai mais botar ovo. Mês de janeiro, vai
encher e vai crescer a folha que engorda o tracajá. No futuro, com a usina, vai
secar e não vai mais ter isso. Com a barragem, vai secar riozinhos pequenos,
Tuatuari, vai secar tudo. A água vai ficar suja. A água da área do lago alagando
fazenda e vai sujar, vai descer suja. O veneno das áreas alagadas das
fazendas, com o alagamento, vai ser carregado e também vai sujar o rio”.
(Imuí Mehinako, Aldeia Mehinako, 08.11.2005)
307
"O homem precisa do ecossistema e da biodiversidade. O branco diz que a
barragem não vai afetar o meio ambiente e vai trazer melhorias para a cidade e
empregos, não estão preocupados com a natureza e com quem vive nela.
Claro que vai afetar. Hoje a gente observa a plantação de soja, começou
pequeno, e foi crescendo, aumentando, e hoje o Mato Grosso é que mais
produz soja e está tudo desmatado como a gente vê. Isto é o que mais
desmata. O clima está mudando, está esquentando. Estão fazendo acordo com
multinacionais para escoar soja. Por isso eu digo diretamente que sou contrário
à barragem".
(Professor Py-iu Trumai, Aldeia Trumai, 21.11.2005)
"Com o crescimento da agricultura e dos municípios, fica ameaçada as
cabeçeiras do Xingu. Entre março e setembro o rio, seca bastante, pois está
sendo assoreado. Essa região das cabeceiras era ocupada pelos povos que
foram trazidos pelo Orlando (Villas Boas). Não fomos ouvidos e continuamos
não sendo ainda, como agora. É nesse local sagrado que o peixe vai fazer a
desova, a piracema. Se a gente tivesse o maquinário e fosse destruir o lugar do
Deus de vocês, vocês não iam gostar. Hoje nós vivemos de favor, a Terra
Indígena é da União, nós só temos o direito de usufruir. Esperamos que nossa
história não seja destruída por causa de energia, que sabemos que é
importante. Sabemos que com o bombardeio morreu muito peixe."
(Pablo Kamayurá, Pavuru, 19.11.2005)
“Nossa preocupação é de diminuir a água, peixe fica fraco e doente, não tem
fruta, lago, lambari. A gente come esse peixe e fica doente também. O peixe
fica fraco, não entra no mato, emagrece, nós come, passa pra nós a doença.
Não é pra mim, é pra meus filhos, meus netos, pra frente. Por isso nós não
deixa, não aceita barragem. Deixa normal, pro peixe poder ir pra lá e pra cá
atrás da comida dele. Preocupação é essa”.
(Kuricaré Kalapalo, Posto Leonardo, 30/10/2005)
308
Nós índio, o Xingu o mercado nosso, a água e o peixe. Quando vem chuva traz
sujeira e mata peixe, fica boiando assim. Bosta de boi fica descendo o Rio”.
(Kuricaré Kalapalo, Posto Leonardo, 30/10/2005)
"Os rios e o nome dos lagos e lagoinhas do Curisevo, onde os homens
pescam, é onde conseguimos nosso alimento. Tem a lagoa do sal no Curisevo,
é muito importante o sal para nós. Com o trancamento do rio, vai acabar o sal,
que usamos desde o começo e ainda usamos. Peixe água e sal. Tem os lagos
Iapuaia, Aukata, Iumuipana, Künta okapi, Aitá, Tsuepelo, Macavaia (sagrado) e
Tsalava (do sal). Na cheia, todos se ligam com o Curisevo".
(Mahualu Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)
"Eu sou contra desmatamento, usina e mineração. Preciso do peixe para comer
com beiju. Para eu comer esse macaco aranha, precisa da chuva. Se não, tudo
pode ficar um deserto. Antigamente não tinha branco perto da gente, agora tá
se aproximando. Antigamente a gente viajava longe para ver o branco, e agora
está para todo o lado. Eu preciso da mata e do rio para tirar meu sustento.
Engraçada a vida de vocês, que tem que pagar para tudo. Nós não temos essa
frescura de pagar pela comida. Para quê essa grandes roças, para quê
represar o rio e cavar a terra? Vocês se alimentam de pedregulhos? Não quero
a usina, espero que este trabalho de vocês tenha resultado. Digam à esposa
de vocês que tem uma Ikpeng velha guerreira que cuida das matas e dos rios,
e que em volta da minha aldeia é bonito. Eu pari Deus".
(Airé Ikpeng, Aldeia Moygo, 22.11.2005)
"Se continuar, vai ser ruim. Quem está em cima, vai alagar, e embaixo vai
secar. É prejuízo total. Os brancos estão em volta da gente, fazem
necessidade, e o esgoto vai para o rio que nós bebemos. Eu cuido das matas e
dos rios, não quero trocar por objetos, que quebram".
(Liderança Ikpeng, Aldeia Moygo, 22.11.2005)
"Vocês vieram visitar nossa aldeia para ver se estamos comendo a comida de
vocês ou não. Vocês estão vendo que vivemos como nossos avós, estão
309
vendo nossas casas. Se o rio vai secar, onde vou pegar peixe para sustentar
meus filhos e netos, onde eles vão pescar?"
(Assuki Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 15/11/2005)
"Só como peixe, tracajá e alguns bichos. Meu pai era bom de flecha, nos
sustentava com peixe e pássaros. Nasci no Naruwoto, sempre digo que meus
filhos e netos vão morrer quando o rio secar. Os povos do Xingu não aceitam
essa obra, é uma ameaça para nós. Os brancos estão nos iludindo, dizendo que
o rio não vai secar e o peixe não vai acabar. Os índios do Xingu não acreditam".
(Sanaí Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 15/11/2005)
“Estamos preocupados, pois os peixes e a água são nosso sustento. Vocês
vieram bebendo água. Esse rio é para pegarmos peixes, peixes para nossos
filhos. É nossa única alimentação. Nosso Deus fez para nossa alimentação só
o peixe. Só macaco, nosso Deus que nos deu, o macaco prego. Não comemos
anta, veado, porco. Só o peixe. Das aves só o jacu e o mutum. Para mulher de
resguardo nós matamos o macaco e a ave. Vocês têm o boi e os outros
animais, nós não, só o peixe, por isso nós nos preocupa tanto com a barragem.
Para nós isso é muito feio. Todos nós do Xingu sobrevivemos com a água. Não
queremos isso. Lá é que começou nossa história e o Kwarup. Saginhenhu, foi
lá que começou nossa história, os povos que estão vivendo aqui. Queremos
que eles da empresa venham aqui, para nós falarmos para eles. A gente já viu
que barragem em outras regiões fizeram começar a secar os rios”.
(Liderança Kuikuro, Aldeia Kuikuro, 11.11.2005)
"Aqui tem sim mata boa, macaco, mutum, aqui tem. Lá fora não tem mais,
fazendeiro acabaram tudo, só no Parque do Xingu".
(Kurikaré Kalapalo, Posto Leonardo, 30.10.2005)
"Nosso alimento é a mandioca que plantamos, o peixe e o beiju. Por isso
fazemos roça pequena, para não acabar essa mata".
(Pajé Matipu, Aldeia Matipu, 14.11.2005)
310
“Quem tá cuidando do Culuene é nós. Todo mês nós fiscaliza pra cima, entra
no Sete de Setembro, volta, sobe rio Tanguro, fiscaliza todo mês. Fazendeiro
planta soja, arroz, gado, quando chove a sujeira vem pro Rio. Vocês branco
têm mercado, têm dinheiro, de manhã compra leite, pãozinho, traz e cozinha.
Avaliação de impactos
O efeito dos trabalhos das organizações não governamentais (ONGs) de
atuação sócio-ambiental como o Instituto Sócio Ambiental (ISA) e o Instituto de
Pesquisas da Amazônia (IPAM) certamente também influiu positivamente para
o alto grau de conscientização e engajamento das lideranças e das
comunidades indígenas em favor do seu território ancestral e atual. Exemplos
de conseqüências negativas enfrentadas por outros povos indígenas brasileiros
em função da instalação de barragens foram mencionados em diversas
ocasiões.
Idealmente, o planejamento inicial de qualquer empreendimento relacionado
aos recursos aquáticos deve considerar medidas para evitar, mitigar e
compensar efeitos adversos, como parte do delineamento da obra. No livro The
Social and Environmental Effects of Large Dams, Goldsmith e Hildyard (1984)
se esforçam no sentido de resumir os diversos efeitos relacionados à utilização
de recursos aquáticos, embora, neste caso, voltado e grandes barragens. A
conclusão é de que não há como evitar completamente os efeitos adversos
tanto na esfera ambiental como na social.
Todavia, vários problemas podem ser contornados e evitados, e
compensações adequadas podem ser implementadas. Benefícios substanciais
podem ser alcançados, como tratamento e disponibilização de água potável,
irrigação e produção de energia. O usufruto destes para as comunidades locais
direta ou indiretamente afetadas é outra história. Medidas de mitigação efetivas
geralmente são atingidas quando informação suficiente é produzida, e os
311
processos causadores de efeitos adversos são entendidos. Isto envolve
esforços específicos direcionados para atender às necessidades das
comunidades locais, que são sujeitas a constantes mudanças. Modificações
visando atender mudanças de objetivos do uso de recursos são conhecida
como manejo adaptativo, e o esforço no sentido de envolver as comunidades
locais no planejamento do desenvolvimento levou a uma extensão deste
conceito para os estágios de planejamento, conhecido como planejamento
participativo (Bizer, sem data).
No que se refere aos impactos apontados pelas comunidades indígenas de
afetarem o PIX, apresentamos abaixo uma síntese dos itens, obtidos através
dos depoimentos e reuniões, apresentados anteriormente:
1. Impactos Ambientais apontados pelas comunidades indígenas
- Alterações no volume de água do rio Culuene
- Alterações na qualidade da água do rio Culuene (turbidez)
- Alterações nos recursos hídricos dos demais tributários do rio Xingu
- Alterações no regime de cheias e vazantes do rio Culuene
- Alterações ou extinção da ictiofauna, tanto causados pelo barramento
como pelas detonações realizadas por conta da obra
- Efeitos de jusante quando do enchimento do reservatório
- Aumento do assoreamento do rio Culuene
- Maior desmatamento de mata ciliar
- Aumento da contaminação do rio e dos peixes por agrotóxicos
2. Impactos sócio-culturais apontados pelas comunidades indígenas
- Alteração/ destruição do Sagihenhu (local da cartografia sagrada dos
povos xinguanos). Esclarecemos que os estudos voltados a este item
foram desenvolvidos dentro do escopo do “Programa de Patrimônio
312
Cultural da PCH Paranatinga II”, de acordo com o que estabelece a
Portaria IPHAN n. 127, publicada no Diário Oficial da União em
02/05/05. Para análise deste item vide Relatório Final do Programa,
concluído em abril/06 e encaminhado a todos os órgãos licenciadores
competentes (IPHAN, FUNAI, FEMA, IBAMA e Ministério Público). Os
estudos desenvolvidos, abrangendo pesquisas transdisciplinares nos
campos da Arqueologia, Etno-História, Geografia, Geologia e
Antropologia Estrutural, resultaram na definição do Sagihenhu 7 km a
jusante do local do eixo da PCH Paranatinga II. Esta identificação foi
feita não somente através da somatória dos estudos científicos acima
citados, mas foi ainda confirmada pelas próprias comunidades
indígenas, que realizaram seu reconhecimento através de visita ao local.
Desta forma, o impacto temido pelas comunidades indígenas alto-
xinguanas (de que a obra da PCH Paranatinga II teria destruído ou
alterado este seu local sagrado) não se confirma.
Considerando os resultados acima expostos, as análises sobre possíveis
impactos decorrentes da construção da PCH Paranatinga II estarão se
concentrando, doravante, aos itens ambientais apontados. Apresenta-se assim,
abaixo, uma análise das características da obra e dos contextos ambientais da
bacia do rio Culuene, com o objetivo de avaliar a pertinência e magnitude
destes possíveis impactos apontados pelas comunidades indígenas.
Impactos no Regime Hidrológico do Rio Culuene
Empreendimentos hidrelétricos projetados para tomada a fio d'água, como
ocorre com a PCH Paranatinga II, caracterizam-se por apresentarem a vazão
de "engolimento" (vazão demandada pelas unidades geradoras) igual à vazão
do curso hídrico. Caso a vazão chegada ao reservatório seja maior do que a
vazão necessária ao acionamento das unidades geradoras, operando a plena
313
carga, o quantitativo excedente de água será liberado pelo vertedouro. Caso o
quantitativo de água chegada ao reservatório seja menor do que o consumido
na operação das unidades geradoras, a usina irá operar abaixo de sua
capacidade máxima de geração, de tal sorte que a vazão chegada ao
reservatório seja a mesma de saída. Vale dizer que em projetos com essa
característica não ocorre o deplecionamento do reservatório (diminuição de seu
volume d'água), quando a vazão da água turbinada é efetivamente maior do
que a água chegada ao reservatório.
No caso da PCH Paranatinga II, a concepção básica de seu projeto é a de
"Operação a Fio d'Água". Assim sendo, a quantidade de água que chegará no
reservatório a ser formado será a mesma a ser liberada a jusante da barragem.
Considerando essa característica de projeto, a implantação e operação da PCH
Paranatinga II não acarretará alterações no qualitativo de água do Rio Culuene,
e por mais razão ainda não ocorrendo esse tipo de alteração no Rio Xingu, que
efetivamente atravessa as terras do PIX. Desse modo pode-se afirmar que o
empreendimento não causará impactos ambientais no regime hidrológico do rio
Culuene, no tocante às vazões verificadas.
Impactos no Regime de Cheias e de Vazantes do Rio Culuene
Considerando-se que as vazões verificadas no Rio Culuene não sofrerão
alterações com a implantação e operação da PCH Paranatinga II, pode-se
afirmar que não haverá alteração no regime de cheias (verificadas no período
chuvoso) e de vazantes (ao longo do período de estiagem), observando-se as
cheais e vazantes normalmente ocorridas. Assim sendo, seguramente também
não ocorrerão impactos ambientais sobre o regime de cheias e de vazantes
dos tributários e afluentes do Rio Culuene, e por mais razão ainda não ocorrerá
esse tipo de alteração no Rio Xingu, que efetivamente atravessa as terras do
PIX.
314
Aumento da turbidez nas Águas do Rio Culuene
Com respeito à qualidade a água do Rio Culuene, no que se refere à turbidez,
não se prevê qualquer alteração significativa com a implantação do projeto
hidrelétrico. Poderá ocorrer ligeiro aumento da turbidez da água decorrente das
obras de construção da barragem. Contudo, tais impactos devem ser
considerados de pequena magnitude, localizados e temporários, podendo
ocorrer na fase construtiva do empreendimento, sendo inclusive objeto de
medidas de controle ambiental, previstas no Programa Ambiental para a
Construção a ser devidamente implementado. Vale lembrar, aqui, que o limite
sul do PIX se encontra a 198 km de distância do local de obra, considerando
todo o trajeto a jusante do rio Culuene, e o pequeno trajeto abrangido pelo rio
Xingu até entrar no PIX.
Já na fase de operação da usina não está previsto qualquer aumento dos
níveis de turbidez das águas do Rio Culuene, devendo, inclusive, ocorrer
diminuição de sua turbidez, em função da retenção de sedimentos pela
barragem.
Retenção de Nutrientes pela Barragem
Com a construção da barragem haverá retenção no aporte de sedimentos e de
nutrientes naturalmente existentes nas águas do Rio Culuene.
O impacto ambiental sobre a ictiofauna decorrente da diminuição de nutrientes
no Rio Culuene, face à construção da PCH Paranatinga II, deve ser
considerado de baixa magnitude, uma vez que boa parte desses nutrientes
continuarão a passar pelo vertedouro, incorporando-se às águas de jusante.
Outro aspecto a ser considerado é o de que o natural aporte de sedimentos e
315
de nutrientes presentes nos tributários e afluentes do Rio Culuene continuarão,
seguramente, contribuindo com a qualidade biológica das águas daquele curso
hídrico.
Com respeito ao impacto na qualidade da água do Rio Xingu, no que se refere
à retenção de parte dos nutrientes na barragem a ser construida no Rio
Culuene, deve ser considerado desprezível ou mesmo inexistente.
Impactos Ambientais nos Afluentes do Rio Culuene
Não ocorrerá qualquer impacto sobre os afluentes do Rio Culuene, a jusante da
barragem, no tocante à diminuição do quantitativo de água (vazões), haja visto
que a PCH Paranatinga II está projetada para operar "a fio d'água". Pela mesma
razão, não haverá mudança no regime de cheias e de vazantes no Rio Xingu, e
por consequência, em seus afluentes (Rio Curisevo, Rio Batovi, dentre outros).
Com respeito à alteração na turbidez das águas e retenção de sedimentos e de
nutrientes pela barragem a ser construida no Rio Culuene, pode-se afirmar que
não ocorrerão alterações na qualidade das águas de seus afluentes.
Efeitos de Jusante com o Enchimento do Reservatório
Em geral, na formação de grandes represas para fins de aproveitamento
hidrelétrico ocorrem os conhecidos efeitos de jusante, quando do enchimento do
reservatório. Com o fechamento das adufas (comportas) para início do
enchimento, o rio praticamente "seca", com impactos diretos e bastante severos
sobre a ictiofauna, sobre as comunidades ribeirinhas que se servem das águas
daquele curso hídrico, com impactos negativos sobre a navegação, na
316
dessedentação de animais, na diluição dos despejos de esgoto, dentre outros
usos. Ocorre ainda o efeito indesejável de solapamento das margens dos
afluentes de jusante. Com a "ausência das águas do rio barrado", há um grande
aumento na velocidade das águas de seus afluentes a jusante, com consequente
desmoronamento de suas margens, ocorrendo solapamento (tombamento) de
árvores e mesmo de benfeitorias e construções da população ribeirinha.
No caso da implantação da PCH Paranatinga II está previsto a formação de um
reservatório de pequenas dimensões, de acordo com o que define a Resolução
CONAMA para PCHs. Os dados hidrológicos do Rio Culuene e os estudos de
projeto indicam, como tempo de enchimento do lago a ser formado de:
● 1 (um) dia, com fechamento total das adufas; e,
● Uma semana, com vazão de manutenção de 60% da vazão do rio (portanto,
com retenção na represa de 40% das águas).
Considerando que está projetada uma vazão de manutenção de 60% da vazão
do rio, e também o pequeno tempo de duração do enchimento do reservatório
a ser formado, não deverão ocorrer os conhecidos efeitos de jusante na
formação do lago da Paranatinga II. Desse modo, consequentemente, não
ocorrerão impactos ambientais sobre os afluentes de jusante do Rio Culuene,
decorrentes da operação de enchimento do reservatório.
Impactos Ambientais Decorrentes das Detonações
Os impactos ambientais sobre a ictiofauna decorrentes da utilização de
explosivos (detonações) para derrocamentos, presente em algumas etapas da
fase construtiva, embora significativos, contudo, devem ser considerados
impactos localizados e temporários, cessando com o término das explosões.
317
Esses impactos, verificados por época das detonações, poderão afetar alguns
espécimes da ictiofauna situados mais próximos aos locais de derrocamento,
sem, no entanto, representar qualquer alteração da qualidade da ictiofauna em
termos qualitativos, e mesmo quantitativos, ocorrendo natural recuperação da
ictiofauna do Rio Culuene. Com respeito à ictiofauna dos afluentes do Rio
Culuene, bem como à ictiofauna do Rio Xingu, a repercussão dessas
detonações deve ser considerada desprezível.
Ictiofauna
Com a implantação da PCH Paranatinga II e o conseqüente barramento do Rio
Culuene, as espécies não reofílicas da ictiofauna (ou seja, aquelas que não
realizam a piracema para desova) continuarão ocorrendo e completando seu
natural ciclo de vida, nas partes de montante e de jusante da barragem.
Todavia, é possível que sofram impactos indiretos, uma vez que servem de
alimento ou se alimentam das espécies reofílicas, provocando possíveis
alterações na estrutura trófica do sistema.
Já as espécies reofílicas, que empreendem o processo migratório para
completar seu ciclo reprodutivo, a exemplo de piaus (leporinos sp.), matrinxãs
(brycon sp), pintados (pseudoplatystoma sp), pirarara (phractocephalus
hemiliopterus), dentre outras, terão no barramento projetado, sem dúvida, um
obstáculo.
Barragens podem significar a redução de estoques ou mesmo a extinção local
de espécies que dependam destes movimentos longitudinais durante parte de
seus ciclos de vida. Os efeitos adversos incluem alteração ou perda de habitat,
mudanças na qualidade e na temperatura da água e aumento da pressão de
predação. A conseqüência direta da barragem é a formação de um ambiente
318
lêntico onde antes havia ambiente lótico, incluindo distintos habitats ocupados
por estas espécies, inclusive locais de correnteza utilizados para reprodução. A
modificação do regime de descarga interfere nos estímulos de orientação dos
cardumes migradores, interferindo nos movimentos sazonais e diários, assim
como na disponibilidade de alimento e na sobrevivência de ovos e juvenis. A
barragem pode também modificar as características químicas e térmicas, esta
última com efeitos confirmados sobre a comunidade íctica, reduzindo o
sucesso na reprodução e recrutamento (Larinier, sem data, Petts 1984).
O impacto de uma barragem sobre a produção pesqueira, segundo Jackson e
Marmulla (sem data) dependerá da topografia da bacia, da formação geológica,
da hidrologia de bacia, do clima, e de características de engenharia do
empreendimento em si. Embora, segundo estes autores, em alguns casos da
pesca realizada logo após a barragem em função do aporte de plâncton
oriundo da barragem acima, este quadro logo desaparece rio abaixo, assim
como seu efeito benéfico sobre a pesca. A pesca nos reservatórios também
pode tornar-se bastante produtiva. No entanto, se a produção pesqueira se
baseia em espécies migradoras, a pesca é severamente prejudicada. O mesmo
acontece com a pesca em ecossistemas aquáticos envolvendo planícies
sazonalmente alagáveis, por interferirem sobre os pulsos de inundação. De
maneira geral, o mais comum são resultados negativos sobre a atividade
pesqueira, inclusive sobre a pesca tradicional (Junk et al 1989).
No que se refere a PCH Paranatinga II, e considerando as dimensões de
reservatório que deverá apresentar, as espécies reofílicas migradoras deverão
continuar ocorrendo no Rio Culuene, embora certamente devam haver
reduções significativas em sua produtividade pesqueira.
Todavia, não existem estudos sistemáticos disponíveis que permitam mapear a
extensão de rio a montante utilizada pelas espécies reofílicas que ocorrem no
PIX, de forma a assegurar que o barramento da PCH Paranatinga II não
afetaria seu ciclo migratório. Igualmente não existem mapeamentos das zonas
319
de desova rio acima (tendo como referência o limite sul do PIX), de forma a
definir qual possível porcentagem de indivíduos dependeria da transposição da
área de implantação da PCH para completar seu ciclo de desova.
De fato, embora a importância do recurso pesqueiro pelas populações
indígenas do PIX seja largamente conhecido e divulgado, o tema não mereceu
ainda a atenção por parte da comunidade científica, de forma que
dispuséssemos de referências e monitoramentos sobre a diversidade,
quantidade e qualidade (níveis de contaminação) da ictiofauna do rio Culuene
(e do alto Xingu). No entanto, o presente estudo identificou que várias espécies
reofílicas são importantes na alimentação os grupos indígenas xinguanos,
concluindo-se que a obra afetará direta e negativamente sua atividade
pesqueira (embora ainda não seja possível precisar sua magnitude).
Impactos Ambientais por Desmatamento e Utilização de Agrotóxicos
Muito embora na instalação e operação da PCH Paranatinga II não esteja
prevista qualquer utilização de agrotóxicos, e o desmatamento será o mínimo
necessário às instalações do projeto e à formação do reservatório, com
posterior recuperação e revegetação das áreas atingidas, no entanto, o cenário
de desenvolvimento projetado para a região deve ser um fator de atenção,
tanto para as autoridades governamentais, como para a sociedade em geral.
Não só a região do Rio Culuene, como também extensas áreas da Bacia do
Rio Xingú, apresentam um grande potencial para a agricultura de grãos e
atividades voltadas para a pecuária. Embora esse potencial possa ser visto
como vetor de desenvolvimento econômico e social para a região, o avanço da
fronteira agrícola (agricultura de larga escala), juntamente com a ocupação
desordenada, seguidos a desmatamentos muitas vezes irregulares e com
pesada utilização dos mais diversos agrotóxicos e defensivos agrícolas,
320
constituem grande ameaça à qualidade ambiental dos recursos naturais da
região, em especial, com o comprometimento da extraordinária Bacia
Hidrográfica do Rio Xingú. Já há lamentáveis relatos de mortandade de peixes
devido à contaminação das águas por agrotóxicos, numa região que pode ser
considerada ainda razoavelmente bem conservada.
O quadro atual, mesmo antes da implantação da PCH Paranatinga II, é o do
potencial estado de comprometimento dos recursos naturais daquela região,
constituindo-se, inclusive, em real ameaça à área do Parque Indígena do
Xingú, de excelente estado de conservação, assim como às demais Terras
Indígenas existentes.
Diante desse cenário preocupante, é mandatário que se alerte para a
nacessidade premente de um ação integrada do poder público, nos diferentes
níveis de governo, visando o planejamento e controle destes fatores de impacto
ambiental.
Neste sentido, há que se ressaltar a consciência dos povos indígenas do PIX
de que os impactos ambientais referentes ao desmatamento e ao uso
incontrolado de agrotóxicos não se relaciona, diretamente, à construção da
PCH Paranatinga II, conforme é possível verificar em alguns dos testemunhos
arrolados no presente relatório. De fato, a afirmação de que a soja é o principal
fator que leva ao desmatamento corrobora os estudos coordenados pelo ISA
(Instituto Sócio-Ambiental), onde se demonstra que as áreas desmatadas se
transformam em lavouras de soja em menos de um ano, ao contrário do que
indica o estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(IPEA), autarquia do Ministério do Planejamento, que a soja avançava
predominantemente em áreas já desmatadas, e com histórico de outras
atividades, como a exploração madeireira seguida pela pastagem para
pecuária extensiva.
321
Por outro lado, este item demonstra o grau de conscientização para a
problemática ambiental em escala global, como a questão do aquecimento e
efeito estufa. Isto fica claro porque alguns depoimentos indígenas vinculam
desmatamento com mudança climática. Considerando que, no Brasil, o fogo
associado ao desmatamento em larga escala é responsável por 75% da
emissão nacional de gases causadores de efeito estufa (Fearnside 2003),
pode-se considerar que as lideranças indígenas se mantêm bem informadas e
atualizadas nestas questões.
* * *
A partir da análise acima realizada, e retomando os itens listados (página 300),
indicamos abaixo os impactos previstos para a área do PIX, por conta da
contrução da PCH Paranatinga II:
Alteração na ictiofauna reofílica (impacto direto);
Impactos ambientais por desmatamento e uso de agrotóxicos (impactos
indiretos, derivados de um maior desenvolvimento regional provocado
pela disponibilidade de energia elétrica).
Todavia, no que se refere a outros itens ambientais apontados pela
comunidade indígena como relevantes e sensíveis (qualidade da água, vazão,
entre outros), embora as análises realizadas tenham apontado para
inexistência de impactos desta natureza, indica-se a necessidade de serem
realizados monitoramentos visando obter um controle sistemático e efetivo
destes itens, enquanto medidas preventivas.
O texto que se segue traz indicações de medidas preventivas, mitigadoras e
compenstórias que visam prevenir, diminuir ou compensar os impactos citados.
322
7.9 INDICAÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS
7.9.1 Considerações iniciais
Segundo Bizer (sem data), a realização de medidas mitigadoras ou
compensatórias deve-se dar através de um manejo adaptativo, onde o esforço
em envolver as comunidades locais leve a uma extensão deste conceito para o
estágio de planejamento participativo, implicando na adoção das seguintes
medidas:
1) Planejamento participativo. Este deve atender às expectativas e objetivos da
comunidade afetada, assim como garantir a manutenção da qualidade
ambiental para as gerações futuras. Deve ser inteiramente transparente,
fornecendo toda a informação que permita que as partes envolvidas participem
de fato do processo, desde a etapa do planejamento.
2) Os planos de mitigação devem se iniciar nas primeiras etapas do processo,
com o desenvolvimento de mecanismos capazes de retificar os procedimentos
contra efeitos não previstos, consertando medidas que não são efetivas de
fato.
3) Os processos de mitigação e compensação são contínuos, durante toda a
duração do empreendimento, e não somente até o mesmo estar concluído.
4) Embora todos os custos com estas medidas sejam de responsabilidade do
empreendedor, existe uma gama diversa de oportunidades de conseguir
financiamento adicional para implementar programas de compensação,
restauração e reabilitação.
323
5) As medidas de mitigação requerem cooperação entre proprietários,
engenheiros, cientistas da área ambiental, agências do governo e instituições
bilaterais e multilaterais. Muitas informações importantes estão disponíveis
somente em documentos específicos, e a cooperação entre as partes é
essencial para obter o conhecimento necessário para o delineamento e
implementação de ações mitigadoras eficientes.
No caso da PCH Paranatinga II, nada disso ocorreu já que, no início,
considerou-se que as áreas indígenas não seriam afetadas pela distância.
Desta forma, o texto que se segue traz sugestões de medidas que visam,
mesmo com a obra já em fase de implantação, prevenir, mitigar e compensar
os impactos adversos decorrentes.
Vale salientar que estas indicações deverão ser amplamente discutidas e
definidas de comum acordo com a comunidade indígena, envolvendo
profissionais do CGPIMA/FUNAI e Ministério Público Federal. O detalhamento
das diretrizes básicas do que deverá vir a consituir o Programa de
Compensação será de responsabilidade de uma Equipe Técnica a ser
contratada pelo Empreendedor, sempre com aprovação e acompanhamento da
FUNAI e do Ministério Público Federal.
Este Programa de Compensação deverá vigorar por um período de 5 anos,
sendo que além das avaliações e ajustes anuais, deverá ser realizada uma
avaliação no quinto ano de forma a adequar ações que não serão mais
necessárias, mantendo-se com as devidas adaptações, aquelas
imprescindíveis para contribuir para a sobrevivência física e cultural dos povos
xinguanos e a integridade de suas terras.
324
7.9.2 Medidas Preventivas / Mitigadoras
Monitoramento Limnológico e da Qualidade da Água
Considerando que a implementação da PCH Paranatinga II tem gerado
naturais receios à comunidade em geral, notadamente à comunidade indígena,
no tocante a possível contaminação das águas do Culuene (com
conseqüências para as águas do rio Xingu), ou mesmo prejuízos à sua
qualidade, recomenda-se o aumento da rede de amostragem, com a ampliação
dos pontos de coleta. Assim, recomenda-se coletar amostras no Rio Culuene,
no trecho de jusante da barragem, até alcançar o rio Xingu. Recomenda-se,
ainda, a inclusão de pontos de amostragens no Rio Sete de Setembro e no
próprio Rio Xingu, no limite sul do PIX, de modo a permitir as necessárias
avaliações quanto à qualidade das águas desses cursos hídricos.
Dados Hidrológicos
Com a construção da PCH Paranatinga II, considerando as características do
projeto hidrelétrico de tomada a fio d’água, a vazão de chegada ao
empreendimento será a mesma de saída. Desse modo, a construção e a
operação do empreendimento não interferirá nas vazões verificadas no Rio
Culuene, e nem alterará os regimes de cheias e de vazantes de ocorrência
naquele rio. Entretanto, considerando o receio das comunidades indígenas, e
possivelmente de parte da comunidade não índia daquela região, no tocante à
possível diminuição dos quantitativos de água a partir da implementação do
projeto, recomenda-se o monitoramento das vazões do Rio Culuene, com
medições a montante e a jusante do barramento, observando-se o ciclo
hidrológico (período seco e período chuvoso), ao longo de 5 (cinco) anos.
325
Aporte de Nutrientes
Com a implantação da barragem projetada, possivelmente uma parte menor
dos nutrientes carreados pelas águas do Culuene fique retida no reservatório,
sendo a maior parte desses nutrientes liberada pelas vazões verificadas no
vertedouro. De forma a monitorar tais aspectos, no que se refere ao aporte de
nutrientes, recomenda-se monitorar especificamente esses parâmetros, na
parte de montante do rio, no reservatório e em sua parte jusante, de modo a
permitir futuras avaliações. As avaliações deverão considerar os universos de
benton, plâncton, fitoplancton, zooplancton.
Aporte de Sedimentos
Com o barramento do Rio Culuene, seguramente, parte dos sedimentos
carreados por suas águas ficará retida no reservatório, notadamente os
sedimentos de maior granulometria. Desse modo, provavelmente, não ocorrerá
processo de assoreamento a jusante da barragem. O Programa de
Monitoramento Sedimentométrico prevê, em seu desenvolvimento, medições e
avaliações sobre o transporte desses sedimentos e sua deposição na bacia
hidrográfica do rio Culuene. As medições e correspondentes avaliações
abrangem pontos a montante, no eixo e a jusante da barragem. O
desenvolvimento desse programa se reveste de grande relevância, não só no
comportamento do transporte e deposição dos sedimentos em suspensão,
propiciando a obtenção dos níveis de assoreamento que poderão ocorrer no
reservatório, quanto poderá demonstrar que o natural receio de diversas
lideranças da comunidade indígena, no que tange ao assoreamento do rio
Culuene a jusante da barragem, não ocorrerá.
Ictiofauna – Mecanismos de Transposição
Com a implantação da PCH Paranatinga II e o conseqüente barramento do Rio
Culuene, as espécies não reofílicas da ictiofauna continuarão ocorrendo e
completando seu natural ciclo de vida, nas partes de montante e de jusante da
326
barragem, embora possam sofrer impactos indiretos com possíveis alterações
na estrutura trófica do sistema, conforme analisado anteriormente. Já as
espécies consideradas reofílicas, que empreendem o processo migratório, para
completar seu ciclo reprodutivo, terão no barramento projetado, sem dúvida,
um obstáculo.
Está previsto para a obra a implantação de um mecanismo de transposição da
ictiofauna, denominado Escada de Peixes, de modo a propiciar a subida dos
cardumes reofílicos, ou parte desses, ensejando a continuidade de suas
espécies no alto rio Culuene. Vale assinalar que esse mecanismo, se
devidamente bem projetado e instalado, apresenta eficiência satisfatória na
transposição de espécimes em barragens de altura inferior a 40 (quarenta)
metros. No caso da PCH Paranatinga II a altura do barramento projetado é de
15 (quinze) metros.
O programa prevê ainda o necessário monitoramento da eficiência de
transposição nesse mecanismo, considerando-se as diversas espécies
reofílicas, suas carcterísticas, e épocas de migração. Os levantamentos de
campo e as diversas visitas e entrevistas com várias lideranças da comunidade
indígena revelaram o grande receio daquela comunidade com os possíveis
impactos diretos sobre os peixes, sua principal fonte de proteínas, como é o
caso das várias tribos indígenas do PIX. Embora, certamente, os impactos
sobre as espécies reofílicas serão notados na parte de montante da barragem
no Rio Culuene, e não nos tributários de jusante, e por mais razão ainda, no
Rio Xingu, sendo que o PIX está afastado 198 (cento e noventa e oito)
quilômetros do eixo da barragem, de modo a salvaguardar a ictiofauna, recurso
vital para os índios do PIX, o programa de monitoramento e de implantação de
mecanismo de transposição da ictiofauna prevê, ainda, as seguintes atividades
e ações:
* Grupo de Trabalho realizando levantamento das espécies de ocorrência no
Rio Culuene e seus tributários, com especial enfoque nas espécies de maior
327
interesse das tribos indígenas do PIX, já de conhecimento pelo vasto
trabalho desenvolvido junto à comunidade indígena, e constante do Relatório
Antropológico.
* O Grupo de Trabalho desenvolverá, também, o relevante monitoramento
das espécies reofílicas do rio Xingu, em especial as de maior interesse da
comunidade indígena, levantando a característica de seus processos
migratórios, caminhos percorridos e locais de reprodução e desova, através
de sistemático rastreamento dos espécimes. A partir desses importantes
levantamentos poderá se correlacionar a importância do Rio Culuene,
através do grau de contribuição daquele rio, em seu médio curso, sobre as
espécies reofílicas de ocorrência no Rio Xingu, notadamente na região do
PIX.
* Monitoramento da eficiência da transposição de peixes no mecanismo
instalado, com especial atenção às espécies de maior interesse da
comunidade indígena.
7.9.3 Medidas Compensatórias
Aspectos do Desenvolvimento Regional
O cenário do desenvolvimento social e econômico daquela região do Estado do
Mato Grosso, sobretudo nas municipalidades da área de influência do
empreendimento, é, em especial, o do avanço da fronteira agrícola, com
agricultura e pecuária de larga escala promovendo a ocupação de áreas
nativas e conseqüente supressão da cobertura vegetal original.
328
Considerando esse modelo de ocupação e de desenvolvimento regional, e
ainda, a exploração madeireira, muitas vezes irregular e mesmo clandestina, e
toda sorte de atividades e ações desordenadas e impactantes do meio
ambiente, acabam por comprometer, seriamente, a qualidade dos recursos
naturais e qualidade de vida das comunidades existentes.
O quadro atual e o cenário futuro para a região levam aos seguintes desafios,
independente da implantação da PCH Paranatinga II, no campo do controle e
ordenamento do uso do solo e da adequada utilização dos recursos naturais, a
saber:
● A utilização em larga escala de herbicidas, fungicidas e agrotóxicos em geral,
muitas vezes aplicados e manipulados de forma desordenada, sem controle e
até mesmo de forma irresponsável;
● O desmatamento acelerado verificado na região, com impactos diretos e
irreversíveis sobre diversos ecossistemas,
● A exploração madeireira irregular e até clandestina;
● Práticas inadequadas de manejo e de uso do solo;
● A prática das queimadas irregulares e focos de incêndios florestais;
● A prática da caça e da pesca predatória, e outras atividades lesivas ao meio
ambiente.
Tais práticas constituem-se em grande desafio ao Estado controlador e
fiscalizador, além de comprometer direta e irreversivelmente não só a
qualidade ambiental da região, como também a saúde, a segurança e o bem
estar da população.
329
Ressalte-se que não se vislumbra uma política de atuação para a região, de
modo a se minimizar ou mesmo controlar o potencial comprometimento dos
recursos ambientais, que não seja através do sistema de parcerias com as
diversas instituições envolvidas, no âmbito de suas respectivas competências e
responsabilidades, e com participação da comunidade por suas lideranças e
associações representativas.
Muito embora tais questões fujam à gerência ou responsabilidade direta do
empreendedor da PCH Parantinga II, contudo, na qualidade de um dos atores
do processo de desenvolvimento regional, sua participação no sistema de
parcerias e articulação inter-institucional assume particular importância na
busca de soluções e ganhos para a região. Nessa direção, diversas são as
instituições a participarem desse processo, tais como: SEMA/MT; IBAMA;
Polícia Florestal; Emater; FUNAI; IPHAN; INCRA; Prefeituras Municipais;
Sindicato Rural; Corpo Militar de Bombeiros; Polícia Rodoviária Federal,
através de seus postos locais e escritórios regionais, além da comunidade por
meios de suas lideranças e ONG’s.
Comitê Ambiental
Recomenda-se a criação do Comitê Ambiental no âmbito da empresa, a ser
constituído pela Gerência de Meio Ambiente, pelos Supervisores Ambientais,
pelos Supervisores de Obras, por Fiscais e Inspetores da empresa e com
representante de sua Direção.
330
Atuação do Comitê Ambiental
O Comitê Ambiental criado terá atuação direta em duas vertentes distintas, a
ver:
● Internamente: No acompanhamento do desenvolvimento dos programas
ambientais de responsabilidade da empresa, quanto aos resultados obtidos,
quanto à eficiência dos programas, às eventuais ocorrências havidas e à
tomada de decisão e busca de soluções.
● Externamente: No processo de articulação inter-institucional, com diversas
ações no que tange à educação ambiental, ao regime de parcerias, de ajuda
mútua e de apoio às comunidades.
Instrumentos
Para a atuação do Comitê Ambiental nesse processo de parcerias com outras
instituições, governamentais ou não, existem ferramentas simples e eficientes
no desenvolvimento do programa, como as sugeridas abaixo:
● Sistema de Comunicação: A empresa disponibilizará infra-estruturra, em seu
escritório e em locais estratégicos nas municipalidades vizinhas ao
empreendimento, podendo louvar-se do regime de parcerias com as
Prefeituras Municipais e com Associações de Moradores e lideranças
comunitárias. É um instrumento de grande relevância nas ações de educação
ambiental, promovendo também a inserção regional do empreendimento junto
à comunidade e ao poder público.
● Sistema de Ouvidoria Ambiental: Constitui-se num importante canal de
comunicação entre a empresa e a comunidade, através do qual poderão ser
feitos comunicados e avisos de interesse junto à população para o recebimento
de eventuais denúncias ou reclamações à empresa, e mesmo sugestões de
331
ações a serem tomadas acerca do controle ambiental, da educação ambiental,
de eventos sociais, culturais, dentre outros. O desenvolvimento do sistema se
dará através da Comunicação Social instalada pela empresa, contando para
tanto com funcionário devidamente orientado para esse fim. É também uma
importante ferramenta para as ações desenvolvidas pelo Comitê Ambiental.
Das Ações
No regime de parcerias com instituições e com a comunidade, diversas ações
poderão ser desencadeadas, tais como:
● Educação Ambiental;
● Adequadas técnicas de manejo e de conservação do solo;
● Controle de queimadas e técnicas de combate a focos de incêndios
florestais;
● Possível criação de Brigadas de Incêndio;
● Como se evitar o fogo acidental;
● Controle na aplicação de agrotóxicos, adequado manejo e cuidados
especiais;
● Combate à caça e à pesca predatória;
● Combate ao desmatamento e à exploração madeireira ilegal;
● Operações de Fiscalização Ambiental, apoio nas ações;
● Política e ações no sentido do adequado uso do solo e do ordenamento da
ocupação da região, dentre outras.
Das Reuniões
Face às necessidades e demandas havidas o Comitê Ambiental poderá se
reunir mensalmente, ou a qualquer momento, extraordinariamente, diante de
alguma ocorrência ou fato gerador, que justifique um imediato posicionamento
e tomada de decisão. Na atuação externa, as decisões serão tomadas em
colegiado, sendo distribuídas tarefas, participações e apoios, no sistema de
parcerias entre as diversas instituições envolvidas.
332
Revegetação de Matas Cilares, Rio Culuene e Tributários:
De modo a compensar a cobertura vegetal nativa e as matas ciliares do Rio
Culuene, as quais serão ocupadas pelo reservatório a ser formado pela PCH
Paranatinga II, sugeriu-se o desenvolvido de um projeto de reflorestamento da
vegetação das margens daquele curso hídrico e de seus tributários (cfme. PBA
do empreendimento). Considerando o objetivo de contribuir para a melhoria
das condições ambientais do Parque Indígena do Xingu, sugere-se que este
Programa de Revegetação seja aplicado no reflorestamento e enriquecimento
florestal da Terra Indígena Naruwoto, recentemente criada na margem direita
do Rio Xingu (anexa ao PIX em seu extremo meridional), nas proximidades da
confluência dos rios Culuene com o Sete de Setembro. Com isto, visa-se
também contribuir para o controle ambiental da porção imediatamente a
montante do PIX, com melhoria das condições de seus recursos hídricos. A
extensão deste reflerestamento deverá ser avaliada, vis-a-vis à proporção
definida pelos órgãos ambientais em relação à área alagada pela PCH.
No reflorestamento em questão serão utilizadas essências nativas e de
ocorrência nas áreas marginais do Rio Culuene. O projeto em comento
contemplará, em sua fase inicial, o necessário levantamento dos seguintes
dados e informações:
* Levantamento de áreas que, embora não desmatadas, possam justificar
um necessário enriquecimento florestal;
* Levantamento das espécies florestais nativas, de ocorrência na região,
dentre as quais as de maior interesse e mais adequadas ao objeto do
reflorestamento;
333
* Avaliação da viabilidade de também se utilizar espécies frutíferas do
cerrado, não só de interesse das comunidades locais, como de benefício da
fauna existente;
Deverá ser avaliada a viabilidade de utilização de mão-de-obra da comunidade
indígena na coleta de mudas e sementes de interesse para o projeto, e nas
atividades de manejo de mudas nativas no viveiro.
334
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343
9. EQUIPE TÉCNICA
COORDENAÇÃO GERAL
L.D. DRA. ERIKA MARION ROBRAHN-GONZÁLEZ
Historiadora (FFLCH/USP), Mestre em Antropologia Social (FFLCH/USP),
Doutora e Livre-Docente em Arqueologia (MAE/USP). Tem dezenas de
publicações nacionais e internacionais. É co-coordenadora do Núcleo de
Estudos Estratégicos em Arqueologia Pública da UNICAMP e Pesquisadora
Associada do MAE/USP.
ESTUDOS RELACIONADOS À COMUNIDADE XINGUANA DO PIX
MS. RODRIGO PADUA RODRIGUES CHAVES
Bacharel em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia (UnB), Mestre
em Antropologia Social (UnB). Coordenou diversos Grupos de Trabalho para
estudo de comunidades indígenas e levantamentos etnoecológicos. Consultor
Ad Hoc da FUNAI (2001-2003) e do Grupo de Análise de Projetos dos Povos
Indígenas/Ministério do Meio Ambiente (desde 2002)
DR. JUAREZ CARLOS B. PEZZUTI
Biólogo (UNICAMP), Mestre e Doutor em Ecologia (INPA e UNICAMP).
Professor da Universidade do Amazonas (1998-2000), Professor do
NAEA/UFPA (desde 2004). Desenvolveu estudos de Etno-ecologia entre
diversos grupos indígenas. Coordena programas de pesquisa voltados à
ecologia e sustentabilidade, especialmente na Amazônia.
344
ESTUDOS RELACIONADOS À COMUNIDADE XAVANTE DA TI
PARABUBURE E UBAWAWE
IANE NEVES
Antropóloga e socióloga (UnB), Mestranda em Antropologia (UnB). Participou
de diversos Grupos de Trabalho voltados ao estudo, demarcação e proteção de
Terras Indígenas, vários dos quais através de convênios entre FUNAI e
UNESCO. Desenvolveu dezenas de estudos antropológicos voltados a
licenciamentos ambientais no território brasileiro.
ANTENOR GONÇALVES BASTOS FILHO
Engenheiro Florestal (UFPR), com especialização em Zoneamento e Manejo
Florestal (IBAMA, UFPR). Desenvolveu diversos trabalhos de zoneamento
econômico florestal, projetos de manejo florestal sustentado e projetos de
fiscalização, gestão e conservação de Terras Indígenas através de convênios
entre FUNAI, ONU, UNESCO, IBDF, entre outros.
CONSULTORIA
CARLOS BIANCO
Arquiteto, atua como consultor na coordenação e desenvolvimento de estudos
ambientais e remanejamento de populações afetadas. Realizou trabalhos para
a OEA (Organização dos Estados Americanos) e BID (Banco Interamericano
de Desenvolvimento) no Equador, Argentina, Paraguai e Bolívia. Participou da
elaboração dos Manuais de Elaboração dos Estudos de Inventario, Viabilidade
e Projeto Básico de Hidrelétricas da Eletrobrás/DNAEE.
345
AUGUSTO CARLOS QUINTANILHA HOLLANDA CUNHA
Administrador e Engenheiro de Operações. Servidor da SEMA/Ministério do
Interior (1981/89). Servidor do IBAMA/MMA (1989/97). Consultor Técnico do
IBAMA na Coord. de Controle de Atividades de Impactos e Riscos (1999/03).
Integrou grupos de assessoramento às Câmaras Técnicas do CONSEMA com
elaboração de Proposta de Resolução sobre Licenciamentos Ambientais.
Consultor Técnico da Gerência de Meio Ambiente do DNIT/MT (2004/05).
RAÚL ORTIZ CONTRERAS
Antropólogo pela Universidad Austral de Chile (2003) e mestrando em
Antropologia Social na UNICAMP. Desenvolve estudos sobre desagregação
político-territorial mapuche do vale de Purén-Lumaco, Chile, e entre os
Yanomami, Brasil.
GÉRSON LEVI S. MENDES
Historiador (USP) e mestrando em Arqueologia (MAE-USP). Integrante dos
projetos de educação indígena da Comissão Pró-Yanomami, em Roraima.
Vem-se especializando em estudos de Etnoarqueologia junto a comunidades
indígenas. Recém-ingresso como doutorando na Vanderbilt University/ EUA.
KELLY CRISTINA MELO
Bacharelanda em Geografia (USP), bolsista CNPq (2002/05) com projetos para
a Região Metropolitana de São Paulo. Desenvolveu estágios no Inst.
Geológico/SP, na Fund. Florestal/SP e na Fund. O Boticário. Participa da
elaboração do Plano de Manejo de Parque Est. Intervales (SP) e de grupos de
estudo sobre ecossistemas amazônicos, educação e gestão ambiental.
EDITORAÇÃO GRÁFICA E PROGRAMAÇÃO VISUAL
JOSÉ LUIZ DE MAGALHÃES CASTRO NETO
MARCOS ANTONIO RIBEIRO JUNIOR
ROBERVAN MARCOS SANTOS
346
ANEXOS
347
ANEXO 1
MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI PARABUBURE
348
349
ANEXO 2
MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI UBAWAWE
350
351
ANEXO 3
MAPA ETNO-ECOLÓGICO DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU
352
353
ANEXO 4: Animais silvestres mencionados pelos índios do PIX, com
breve descrição sobre sua utilidade.
Classe Zoológica
nome comum espécie UsoDescrição da
utilização ou ação
mamíferos anta Tapirus terrestris Comestível Trumainão é comestível
grupos do Alto
capivara Hydrochaeris hydrochaeris Comestível Ikpengnão é comestível
grupos do Alto
aranha Teraphosa sp.não é comestível
caititu Taiassu tajacu comestívelnão é comestível
tabu só os velhos
cotia Dasyprocta agouti comestível recentemente
irara Eira bárbara comestívelcouro utilizado em festa
macaco aranha
comestível
não é comestível
guariba comestívelnão é comestível
macaco prego Cebus sp. comestível
comestível
caçado com flechas cuja ponta é embebida em pimenta macerada com um pouco de água
onça Pantera onça comestível Ikpengnão é comestível
paca Cuniculus paca comestívelcomestível para alguns
agora, tira o pêlo com água morna
preguiçanão é comestível
quati comestívelcomestível para alguns
queixada taiassu pecari comestívelnão é comestível
raposaCerdocyon tous / Atelocynus microtis
predador de ovos de tracajá
tamandua Myrmecophaga tridactylanão é comestível
tatu Dasypus novemcinctus comestível
354
veadoMazama americana / Ozotocerus bezoarticus
comestível Trumai
não é comestível
todos os grupos
aves arara Ara spp. comestívelcurica Pionus fuscus comestível
jacamim Psophia sp. comestíveljacu Penelope ochrogaster comestíveljaó Crypturellus undulatus comestível
jaózinho Tinamidae comestívelmacuco
Tinamus solitarius comestível
marreca comestívelmutum Mitu sp. comestível
mutum pintado Crax sp. comestívelpapagaio Amazona sp. comestível
pato Dendrocygna autumnalis comestívelpombo Columba sp. comestíveltucano Ramphastos sp. comestível
réptil cágado Phrynops geoffroanus comestível primo do tracajá
não é comestível
"Dá alergia, coceira e calor na gente"
jabutiGeochelone carbonaria, G. denticulata
comestívelmulher de resguardo pode comer (Matipu)
não é comestível
"nós não come jaboti não, só nossos parentes Xavante"
jacaré Caiman crocodilusnão é comestível
jacuraru Tupinambis isp.predador de ovos de tracajá
sucuri Eunectes murinus uso ritual
banha como unguento para ficar forte, rabo empalhado utilizado como ornamento
tartaruga Podocnemis expansa comestíveltracajá Podocnemis unifilis comestível
anfíbio rã Leptodactylus sp. comestível Trumai
peixes arraia Potamotrygon sp.1 comestível
arraia preta Potamotrygon sp.2não é comestível
barbado Pirinampus pirinampu comestível comum no verão
comestívelimportante - kuikuro
bico de pato Sorubim lima comestível comuns no verãobicuda Sphyraena guachancho comestível comuns no verão
comestívelimportante - kuikuro
não é comestível
ikpeng
cachorraHydrolycus scomberioides / Rhaphiodon vulpinus
comestívelimportantes no verão
355
tabu
Quem tem filho pequeno, tanto mãe quanto pai. Menino com 5 anos já pode, quando larga peito
corimba Prochilodus lineatus comestívelimportante no inverno
comestívelimportante - kuikuro
corvinaPachyurus ou Plagioscion sp.
comestívelimportantes no verão
curimba Prochilodus sp. comestívelpescado em janeiro e fevereiro
filhoteBrachyplatystoma filamentosum
não é comestível
jaraqui Semaprochilodus sp. comestívelimportante no inverno
jaú Paulicea luetkeni comestível só menornão é comestível
Aweti, Nahukwá, Ikpeng
tabu mulher grávida
mandi Ageneiosus sp.1 comestívelimportante no verão
mandubé Ageneiosus sp.2 comestívelpeixes mais importantes - kuikuro
matrinxã Brycon sp. comestívelimportante no inverno
comestívelpeixes mais importantes - kuikuropesca de inverno
pacu Mylossoma sp., Myleus sp. comestívelimportantes na cheia/jan-fevcomum no verão
peixe elétrico Electrophorus eletricusnão é comestível
piau Leporinus sp. 1 comestível comuns no verão
comestívelimportante no inverno
comestívelimportantes - kuikuro
piau cabeça grande
Leporinus sp.2 comestívelimportante no inverno
pintadoPseudoplatistoma fasciatum, P. tigrinum
comestível comuns no verão
piraíbaBrachyplatystoma filamentosum?
não é comestível
a gente não é muito chegado, pode dar alergia, pele fica toda branca, dá coceira
piranha Serrasalmus sp. comestívelimportante no verão
comestívelimportantes na cheia/jan-fev
356
tabu
reimoso, mulher com neném pequeno, homem também, senão dá diarréia; mulher grávida
piranha preta Serrasalmus rhombeus comestívelimportantes - kuikuro
pirararaPhractocephalus hemiliopterus
comestívelimportante no verão
traíra Hoplias malabaricus comestível comuns no verão
trairão Hoplias lacerdae comestívelimportante no verão
comestível todos os gruposnão é comestível
Ikpeng
tucunaré Cichla sp. comestívelimportante no verão
voadeira Triportheus spp. comestívelimportante no inverno
insetos abelha Apis mellifera criação6 caixas, criando desde 2000 (Ikpeng)
saúva Ata sp. praga agrícolana roça kamayurá ipavu
Outros invertebrados
caranguejo DECAPODA - Brachiura comestívelAlimento das mulheres
cauxi Spongilidae antiplásticoMisturado na argila para cerâmica
itã BIVALVIA raspadorpara raspar pequi, mandioca
357
ANEXO 5: Plantas nativas úteis mencionadas pelos povos do PIX com breve
descrição sobre sua utilidade.
nome comum espécie Parte/usoDescrição da utilização ou
ação
acariquara (brocado)
Minquartia guianensis Madeira esteio para casa
angico Piptadenia sp.
buritiMauritia flexuosa, Mauritia vinífera
comestível comido cozido
buritirana Mauritiella armata comestívelcomido cozido. Comida de peixe
caju Anacardium occidentalecanelão Nectandra sp. construção esteio para casacopaíba Copaífera sp. óleo medicinal 2 litros a 60 reais (Kamayurá)
madeira fabricação de canoacuieté (cuia) Crescentia cujete
embaúba Cecropia sp. Cordaentrecasca utilizada para fazer fio de corda de arco
genipapo Genipa americana alimento Frutoguarantã Esenbeckia leiocarpa madeira confecção de remo
itaúba Mezilaurus itauba madeira casa e canoa
madeira canoa e construção
jacareúba Calophyllum sp. madeira confecção de bancojatobá Hymenaea coubaril Madeira construção
casca canoa (em desuso)óleo medicinalfruto comestível
kwa up Não identificado Isca para pescarepelente casca queimada
Landí Calophyllum brasiliensis madeira canoa e esteio de casaLixeira Curatella americanaLouro Nerium oleander construção esteio para casa
Macaúba Acrocomia aculeata coleta combustívelMangaba Hancornia speciosa coleta fruta comestívelmauhiri Não identificado comestível fruta comestível
pau dárco Tecoma violaceaPequi Caryocar brasiliensis
perereba Não identificado comestível cozinha, dá em agosto
pindaíba Xylopia sp. construção esteio para casa
madeirafabricação de canoa e esteio para casa
sapé Imperata sp.tucumzinho Astrocaryum sp. fibra artesanato - fios
ualapa madeira casa - esteiourucum Bixa orellana tintura
aguapé Eichornia crassipes Planta inteiraProdução de sal vegetal a partir das cinzas
inajá Maximiliana maripa palha Cobertura das casasmurici Byrsonima subterranea comestível
358
ANEXO 6: Coordenadas geográficas coletadas em aldeias, roças, capoeiras,
áreas de caça e pesca, sítios arqueológicos e outras localidades no PIX.
Descrição Ponto latitude longitude
Posto Indígena Leonardo 53 -12,200915 -53,377337
Pista de pouso - PIN Leonardo 54 -12,200763 -53,37737
capoeira antiga - mata 55 -12,195891 -53,377624
capoeira antiga - mata 56 -12,193359 -53,372952
capoeira antiga - mata 57 -12,191846 -53,370092
capoeira 58 -12,186307 -53,367287
capoeira 59 -12,179904 -53,363601
sapezal 60 -12,176639 -53,361952
capoeira antiga - mata 61 -12,173756 -53,360177
campo 62 -12,170917 -53,357992
queimada 63 -12,165145 -53,349947
floresta ombrófila densa 64 -12,164062 -53,348422
capoeira 65 -12,162649 -53,344516
sapezal 66 -12,162813 -53,342301
roça 67 -12,164564 -53,340258
roça 68 -12,165345 -53,338361
Aldeia Yawalapiti 69 -12,166249 -53,335636
Ocorrência Arqueológica Yawalapiti 1 70 -12,165349 -53,332906
Porto Tuatuari 71 -12,164932 -53,331929
roça 72 -12,192942 -53,377054
aldeia antiga Ikpeng 73 -12,193581 -53,372236
capoeira antiga - mata 74 -12,19254 -53,372528
arado 75 -12,191724 -53,372603
floresta ombrófila densa 76 -12,193101 -53,372348
arado 77 -12,193101 -53,372348
arado 78 -12,198282 -53,379592
arado 79 -12,201064 -53,379546
capoeira 80 -12,201815 -53,38178
roça 81 -12,206856 -53,383601
Aldeia antiga Yawalapiti 82 -12,209372 -53,388771
roça 83 -12,209395 -53,388201
Aldeia Yawalapiti 84 -12,209228 -53,386753
arado 85 -12,199641 -53,376595
capoeira 86 -12,194463 -53,398411
capoeira 87 -12,19077 -53,401891
floresta ombrófila densa 88 -12,187829 -53,414285
capoeira 89 -12,169187 -53,425408
Pista de Pouso Kamayurá 90 -12,164978 -53,427439
capoeira 91 -12,157248 -53,431701
roça 92 -12,160462 -53,435574
capoeira antiga - mata 93 -12,162179 -53,44077
capoeira antiga - mata 94 -12,17783 -53,452631
floresta ombrófila densa 95 -12,19067 -53,452302
floresta ombrófila densa 96 -12,193193 -53,460038
359
floresta ombrófila densa 97 -12,193416 -53,460197
floresta ombrófila densa 98 -12,195862 -53,462962
roça 99 -12,199648 -53,472354
capoeira 100 -12,200595 -53,477067
roça 101 -12,201547 -53,4806
mata 102 -12,202674 -53,484369
mata 103 -12,205563 -53,491634
mata 104 -12,210073 -53,501963
mata 105 -12,212725 -53,506188
mata 106 -12,213106 -53,510969
capoeira 107 -12,216726 -53,522297
mata 108 -12,231478 -53,532898
mata 109 -12,23149 -53,532866
mata 110 -12,237103 -53,540118
pequizal 111 -12,238333 -53,544757
pequizal 112 -12,241221 -53,555475
pequizal 113 -12,243036 -53,562145
Pista de Pouso Waurá - início 114 -12,245959 -53,572876
Pista de Pouso Waurá - fim 115 -12,24865 -53,581585
pequizal Atamai 116 -12,248744 -53,574332
capoeira 117 -12,249135 -53,575586
pequizal 118 -12,248895 -53,579859
Aldeia Waurá 119 -12,248709 -53,582861
extremidade aldeia waurá e início estrada para lagoa
120 -12,248478 -53,583823
aldeia antiga Waurá 121 -12,248153 -53,585734
aldeia antiga Waurá 122 -12,246738 -53,591719
Lagoa 123 -12,244807 -53,596831
capoeira 124 -12,249789 -53,577372
capoeira 125 -12,250259 -53,575642
sapezal 126 -12,250518 -53,574357
roça 127 -12,251941 -53,572114
roça-mata (limite) 128 -12,253474 -53,572617
roça - divisão individual 129 -12,253903 -53,574173
capoeira 130 -12,25816 -53,575629
roça 131 -12,2587 -53,575702
capoeira 132 -12,259031 -53,576588
roça 133 -12,259334 -53,57679
roça 134 -12,260578 -53,577199
roça 135 -12,260555 -53,577904
roça 136 -12,263238 -53,580515
roça 137 -12,263708 -53,583658
capoeira 138 -12,262298 -53,583744
sapezal 139 -12,260466 -53,582935
capoeira antiga - mata 140 -12,259385 -53,582538
sapezal 141 -12,25803 -53,582239
pequizal 142 -12,256062 -53,582494
143 -12,255713 -53,58253
144 -12,250859 -53,581565
Kamayurá casa hospedes 145 -12,150663 -53,433359
beira da lagoa ipavu 146 -12,150222 -53,433205
Aldeia antiga Kamayurá iuatüp 147 -12,124029 -53,425254
360
148 -12,119246 -53,428775
aldeia antiga Kamayurá Manhatüp 149 -12,097778 -53,427981
aldeia antiga Kamayurá 150 -12,086911 -53,449711
roça 151 -12,094372 -53,451109
Aldeia Nuiarê Kamayurá 152 -12,094239 -53,452506
roça 153 -12,093573 -53,4523
roça 154 -12,096152 -53,452386
roça 155 -12,097243 -53,452276
roça 156 -12,097228 -53,452612
roça 157 -12,097495 -53,452711
roça 158 -12,097291 -53,45324
roça 159 -12,097733 -53,453555
roça 160 -12,096496 -53,452848
capoeira 161 -12,09571 -53,45389
capoeira 162 -12,097656 -53,454993
aldeia antiga Waurá 163 -12,100531 -53,458792
tatu canastra 164 -12,099718 -53,459113
roça 165 -12,103639 -53,458623
roça 166 -12,150884 -53,432269
roça 167 -12,477835 -53,233781
roça 168 -12,150952 -53,43168
roça 169 -12,150918 -53,43128
roça 170 -12,150013 -53,430299
roça 171 -12,15042 -53,430336
roça 172 -12,15096 -53,430484
roça 173 -12,152848 -53,42463
roça 174 -12,153295 -53,423547
roça 175 -12,153755 -53,423747
roça 176 -12,153429 -53,425596
roça 177 -12,152743 -53,4257
roça 178 -12,152855 -53,426188
roça 179 -12,152446 -53,426801
roça 180 -12,152131 -53,427454
roça 181 -12,151659 -53,428326
roça 182 -12,152813 -53,431343
roça 183 -12,152809 -53,431944
roça 184 -12,15425 -53,432757
roça 185 -12,153858 -53,434924
roça 186 -12,155227 -53,436584
roça 187 -12,156399 -53,436087
roça 188 -12,156062 -53,434942
roça 189 -12,155469 -53,434483
pequizal 190 -12,154884 -53,434056
191 -12,141238 -53,423608
início trilha lagoa Miararü 192 -12,137925 -53,418014
capoeira 193 -12,135893 -53,415056
capoeira 194 -12,130744 -53,411202
floresta ombrófila densa 195 -12,129895 -53,409632
floresta ombrófila densa 196 -12,127078 -53,404672
capoeira antiga - mata 197 -12,112708 -53,376811
capoeira 198 -12,112313 -53,375408
Lagoa Muiararü 199 -12,111708 -53,368064
361
Lagoa Muiararü 200 -12,115581 -53,365548
capoeira 201 -12,166376 -53,333587
roça 202 -12,166371 -53,3316
queixada 203 -12,166669 -53,333309
vala defensiva 204 -12,166934 -53,333061
roça 205 -12,167025 -53,333943
roça 206 -12,168029 -53,33367
roça 207 -12,1685 -53,334737
roça 208 -12,169889 -53,333879
Aldeia Yawalapiti - beira 209 -12,165922 -53,335834
roça 210 -12,166566 -53,335929
arado 211 -12,16684 -53,338016
arado 212 -12,162709 -53,342527
roça - limite com capoeira antiga 213 -12,162732 -53,342545
campo 214 -12,1704 -53,338512
porto enseada Tuatuari 215 -12,170852 -53,337235
Lago enseada Tuatuari 216 -12,158592 -53,33159
sucuri morta 217 -12,172316 -53,330789
pesca subaquática 218 -12,19581 -53,371437
pesca de arrasto 219 -12,184673 -53,3454
pesca subaquática 220 -12,182948 -53,346449
pesca subaquática 221 -12,179897 -53,341581
pesca com timbó 222 -12,17083 -53,330024
Foz Rio Tuatuari 223 -12,149541 -53,332842
praia 224 -12,152674 -53,320321
remanso 225 -12,158778 -53,303557
praia 226 -12,168381 -53,300987
praia 227 -12,199936 -53,299654
lagoa canal 228 -12,21428 -53,30439
Foz Rio Curisevo 229 -12,228925 -53,304547
praia 230 -12,240142 -53,296543
praia 231 -12,244327 -53,298389
tracajá assoalhando 232 -12,270989 -53,289826
pescadores 233 -12,290988 -53,298802
praia 234 -12,296679 -53,296831
praia 235 -12,313329 -53,295467
praia 236 -12,330279 -53,307274
pesca de malhadeira 237 -12,37943 -53,33471
pesca 238 -12,382482 -53,327696
boca lagoa Aweti 239 -12,401531 -53,34697
lago 240 -12,431696 -53,347658
praia 241 -12,434912 -53,374033
praia 242 -12,518492 -53,381756
tracajá boiou 243 -12,520195 -53,37517
tracajá assoalhando 244 -12,531137 -53,380428
praia 245 -12,535357 -53,378986
canoa 246 -12,546528 -53,384931
tracajá assoalhando 247 -12,580903 -53,39889
praia 248 -12,587644 -53,399761
Porto Aldeia Mehinako 249 -12,601388 -53,408596
Aldeia antiga Mehinako 250 -12,601554 -53,417898
campo 251 -12,600863 -53,416094
362
Lagoa uenemachukã 252 -12,597795 -53,410902
Aldeia Mehinako - centro 253 -12,603543 -53,420004
pequizal 254 -12,603406 -53,418655
lagoa 255 -12,613653 -53,403765
lago 256 -12,645244 -53,395696
capoeira 257 -12,610506 -53,421824
capoeira 258 -12,612797 -53,424576
roça 259 -12,604734 -53,41987
Aldeia antiga Mehinako 260 -12,600716 -53,420833
Aldeia antiga Mehinako 261 -12,59558 -53,421437
Pista de Pouso Mehinako 262 -12,604319 -53,422746
tracajá assoalhando 263 -12,580803 -53,394992
tracajá assoalhando 264 -12,569269 -53,387274
tracajá assoalhando 265 -12,539871 -53,377363
tracajá assoalhando 266 -12,522329 -53,3805
tracajá assoalhando 267 -12,517551 -53,37999
tracajá assoalhando 268 -12,51465 -53,372716
tracajá assoalhando 269 -12,497715 -53,390311
tracajá assoalhando 270 -12,431461 -53,347297
tracajá assoalhando 271 -12,421228 -53,338915
tracajá assoalhando 272 -12,414278 -53,340025
porto aweti 273 -12,402763 -53,350283
roça - limite com mata 274 -12,376659 -53,391995
Roça 275 -12,379548 -53,392779
Roça 276 -12,388475 -53,390879
roça - limite com mata 277 -12,390695 -53,391526
aldeia antiga aweti 278 -12,384758 -53,390196
aldeia antiga aweti 279 -12,385886 -53,388862
aldeia aweti - centro 280 -12,382918 -53,392196
capoeira – mata 281 -12,390618 -53,383518
aldeia antiga aweti 282 -12,405049 -53,363108
Igapó 283 -12,405407 -53,357192
tracajá assoalhando 284 -12,343989 -53,312873
tracajá assoalhando 285 -12,32661 -53,311267
tracajá assoalhando 286 -12,318453 -53,311947
tracajá assoalhando 287 -12,312333 -53,3028
Reinício censo imbecis 288 -12,274123 -53,290827
tracajá assoalhando 289 -12,261384 -53,297537
tracajá assoalhando 290 -12,246623 -53,292322
tracajá assoalhando 291 -12,243673 -53,295129
Praia 292 -12,227054 -53,296691
Praia 293 -12,231152 -53,29534
Praia 294 -12,229712 -53,290864
Praia 295 -12,233682 -53,281762
Praia 296 -12,223496 -53,282597
Praia 297 -12,270763 -53,227852
298 -12,275183 -53,230014
299 -12,275183 -53,230014
Praia 300 -12,284493 -53,224602
tracajá assoalhando 301 -12,276368 -53,218849
tracajá assoalhando 302 -12,270822 -53,215858
Praia 303 -12,268305 -53,204543
363
Porto Kuikuro MD 304 -12,315861 -53,189719
Cerrado 305 -12,319111 -53,191255
campo sujo 306 -12,325949 -53,196226
aeroporto Kuikuro 307 -12,348616 -53,221389
Aldeia Kuikuro - centro 308 -12,351896 -53,209209
Praia 309 -12,32504 -53,165258
boca Lagoa Tafununo MD 310 -12,321527 -53,143014
Acampamento pescadores 311 -12,331473 -53,112393
Lagoa Tafununo 312 -12,336528 -53,101981
campo Kuikuro 313 -12,346032 -53,207297
campo Kuikuro 314 -12,344821 -53,197584
Roça 315 -12,376621 -53,196894
aldeia antiga Heluegihütü 316 -12,381302 -53,190073
Capoeira 317 -12,368816 -53,195962
Pequizal 318 -12,366956 -53,197475
Porto Matipu 319 -12,261901 -53,185806
sapezal 320 -12,258262 -53,182329
sapezal 321 -12,245286 -53,184223
campo 322 -12,240007 -53,184996
Aldeia Matipu - centro 323 -12,231375 -53,186325
roça 324 -12,233135 -53,178673
roça 325 -12,23443 -53,180229
Aldeia antiga matipu 326 -12,228515 -53,184649
Aldeia antiga matipu 327 -12,22637 -53,185979
Aldeia antiga Yawalapiti 328 -12,225372 -53,186368
Lago Matipu 329 -12,223532 -53,187472
veado - rastro 330 -12,235015 -53,18575
caititu - rastro 331 -12,244673 -53,18432
tatu galinha 332 -12,254021 -53,182963
porto Kalapalo 333 -12,15173 -53,337538
Aldeia Kalapalo - centro 334 -12,162646 -53,255824
Pista de Pouso Kalapalo- início 335 -12,162946 -53,257541
Pista de Pouso Kalapalo - fim 336 -12,168534 -53,2558
sapezal 337 -12,175068 -53,253746
sapezal 338 -12,181111 -53,251828
sapezal 339 -12,184422 -53,250831
mata ciliar 340 -12,186116 -53,25036
roça 341 -12,191586 -53,249038
roça 342 -12,193664 -53,248947
capoeira 343 -12,203757 -53,252122
quati - rastro 344 -12,205265 -53,252613
lago Kusse 345 -12,211399 -53,255267
limite mata ciliar pto 340 346 -12,194498 -53,248821
anta - rastro 347 -12,18386 -53,250977
Aldeia antiga kalapalo 348 -12,16116 -53,257579
Lagoa 349 -12,160063 -53,271515
campo 350 -12,142837 -53,300919
córrego 351 -12,111934 -53,29814
aldeia Nahukwa - centro 352 -12,10315 -53,294833
Pista de Pouso Nahukwa 353 -12,104109 -53,293247
roça 354 -12,105754 -53,289018
Aldeia antiga - primeira 355 -12,105553 -53,287864
364
roça 356 -12,104464 -53,285227
roça 357 -12,103592 -53,283386
roça 358 -12,102466 -53,280518
roça 359 -12,102106 -53,279691
capoeira 360 -12,101523 -53,27905
roça 361 -12,10061 -53,279326
roça 362 -12,100931 -53,278466
vala defensiva 363 -12,103633 -53,283628
pequizal 364 -12,102824 -53,297982
aldeia antiga 365 -12,099818 -53,30658
capoeira 366 -12,098136 -53,311423
capoeira 367 -12,097506 -53,313229
roça 368 -12,096821 -53,31531
roça 369 -12,097211 -53,317839
pequizal 370 -12,097417 -53,320342
aldeia antiga 371 -12,097381 -53,321951
campo 372 -12,097677 -53,323767
porto Nahukwa 373 -12,097138 -53,326244
Boca Lagoa Nahukwa 374 -12,066108 -53,357372
malhadeira instalada 375 -12,15687 -53,336405
praias 376 -12,112937 -53,342257
praias 377 -12,092601 -53,342319
praia 378 -12,084417 -53,355801
praia 379 -12,073717 -53,362828
praia 380 -12,051214 -53,358985
praia 381 -12,016309 -53,405963
praia 382 -12,014492 -53,413137
praia 383 -11,97374 -53,458582
praia 384 -11,985717 -53,476996
praia 385 -11,963379 -53,483701
praia 386 -11,953097 -53,488913
praia 387 -11,941913 -53,490847
praia 388 -11,950576 -53,507314
praia 389 -11,941159 -53,520966
praia 390 -11,938943 -53,530946
Morená - porto 391 -11,932169 -53,549933
remanso 392 -11,928309 -53,545383
lagoa Papauié ME 393 -11,900642 -53,567039
Praia 394 -11,8647 -53,581472
Aldeia antiga Trumai 395 -11,827749 -53,586759
Praia 396 -11,78678 -53,59949
Praia 397 -11,766491 -53,60786
Pavuru - Porto 398 -11,744939 -53,611037
Canal Nariá 399 -11,810632 -53,589812
Porto Aldeia Trumai 400 -11,857316 -53,590674
boiador de tracajá 401 -11,931111 -53,53223
boiador de tracajá 402 -11,945884 -53,511552
Lagoa 403 -11,95464 -53,50934
caminho ipavu 404 -11,960279 -53,509254
saída Nariá acima 405 -11,942683 -53,489191
Boca Rio Ronuro 406 -11,944507 -53,545593
roça 407 -11,934152 -53,551268
365
sapezal 408 -11,93387 -53,55259
roça 409 -11,934986 -53,552521
lagoa 410 -11,936051 -53,553485
roça 411 -11,935868 -53,554214
aldeia morená - centro 412 -11,93214 -53,552325
canal - lago 413 -11,872276 -53,578383
canal - lago 414 -11,88346 -53,57425
Praia no lago 415 -11,909087 -53,582328
Lago - pedras 416 -11,886304 -53,575644
Aldeia Trumai - centro 417 -11,85708 -53,594358
roça 418 -11,85572 -53,594493
capoeira 419 -11,854663 -53,594838
mata ciliar 420 -11,852625 -53,595526
roça 421 -11,852271 -53,595484
capoeira arbustiva 422 -11,74373 -53,614375
inajazal 423 -11,744009 -53,616024
vala defensiva 424 -11,743832 -53,616752
Aldeia Ikpeng - centro 425 -11,7435 -53,618372
canal - lago 426 -11,745367 -53,606685
Rio 427 -11,747579 -53,602702
lagoa 428 -11,747866 -53,601691
remanso 429 -11,741309 -53,608523
praia 430 -11,722843 -53,599942
capoeira 431 -11,714367 -53,597118
praia 432 -11,700292 -53,591977
canal - lago 433 -11,694717 -53,591188
igarapé 434 -11,692457 -53,592715
cerrado 435 -11,689517 -53,595205
igapó 436 -11,685532 -53,596977
Acampamento pescadores 437 -11,685047 -53,597506
lagoa - beira 438 -11,683393 -53,597527
lagoa - beira 439 -11,685732 -53,599112
capoeira 440 -11,741514 -53,620327
sapezal 441 -11,740247 -53,624212
jaguatirica - rastro 442 -11,739044 -53,628843
roça 443 -11,738103 -53,630687
capoeira 5 anos 444 -11,737747 -53,631979
roça 445 -11,736369 -53,632618
roça 446 -11,733275 -53,634193
roça 447 -11,732076 -53,633942
pequizal 448 -11,742016 -53,619054
lago Ikpeng 449 -11,747821 -53,612491
lago 450 -11,809623 -53,590436
lago 451 -12,007202 -53,413727
Porto da Fazenda Jacaré 452 -12,00971 -53,400751
366
ANEXO 7
ATA DAS REUNIÃO REALIZADAS JUNTO
ÀS COMUNIDADES INDÍGENAS DO PIX
367
Reunião inicial no PIN Leonardo
Boa parte das lideranças do alto Xingu reuniu-se no PIN Leonardo entre 28 e
30 de outubro de 2005 para discutir questões relativas à saúde e ao Distrito
Sanitário Especial Indígena. Aproveitando a presença das lideranças, no início
da noite do dia 30 de outubro, a equipe de pesquisadores apresentou o
trabalho que iria realizar na região e articulou junto à algumas lideranças a
visita a determinadas aldeias. Foi o momento em que Aritana e outros índios
expressaram sua preocupação com a continuidade da obra, pois, segundo
Aritana, “é porque essa história, a lenda nossa, esse lugar sagrado é realmente
daqui mesmo, né. A gente chama esse local de ‘começo do mundo’. Onde tá
tendo essa barragem, né. Começo do mundo porque lá começou. Índio,
branco, animais. Tudo lá. Então é por isso que a gente considera aquele local é
muito, muito mesmo sagrado aquilo lá. A gente não quer perder aquilo lá. A
gente quer manter isso aí pra nós. É uma pena que já está fora do Parque isso
aí. Mesmo assim a gente quer aquele local. Então eu acho que é por isso que
vocês vão ouvir cada lugar, cada etnia porque eles vão falar. Que bom que
vocês estão fazendo essa pesquisa. É importante isso daí”.
Seu irmão, Pirakumã, reforça sua argumentação: “Porque ali pra nós aqui, o
pessoal do alto, são nove etnias aqui, aquela área é considerado onde
começou o mundo. Nasceu os seres humanos ali. Nasceu os rituais ali, que
chama Kwarup. Pro isso que pra nós aquela área é muito importante e nós
consideramos aquela ali como lugar sagrado. Nós consideramos esse rio o
maior rio dos povos indígenas. Então nenhum de nós queria que nenhuma
construção parasse esse rio. Nós queria falar isso pro governo pra deixar esse
rio livre, sem construção nenhuma. Porque aqui tem o nosso alimento, tem
peixe. Tem as matérias-primas nesse rio. Como esse rio é estreito, a nossa
preocupação é futuramente secar, como tá acontecendo na Amazônia. O barco
não conseguiu navegar. Isso é nossa preocupação.”
368
Foi colocada também a preocupação com o retorno do resultado do trabalho
para os índios, algo que foi exigido também em diversas outras aldeias ao
longo do trabalho realizado. Segundo Pirakumã, “isso gostaríamos de vocês
pra nós ajudar a contar assim uma história real. Porque muitas vezes quando
vem o pesquisador a gente fala, fala, fala e depois vão embora. Eles escrevem
muito e nunca a gente recebe retorno. Se saiu aquela nossa fala. Se saiu
aquele nosso pensamento. A gente nunca teve um retorno pra comunidade.
Esse que é o problema. Como Aritana falou agora a pouco, né. Espero que
vocês nós ajudem a resolver essa situação e levar o problema pro governo.
Essa que é a nossa maior preocupação”.
Pirakumã relata a visita ao local da barragem: “Nossa maior preocupação de
todos. Preocupação dessa construção da barragem. Eu tive no local. São uns
150 metros de diâmetro assim que a dinamite estourou. Arrebentou ali. Então é
enorme. Aonde era o leito, onde passava os peixes. A draga tá lá catando as
pedras, jogando fora. Então isso doeu pra gente comunidade. Então é uma
coisa que a gente não gostaria que construísse aquela barragem nessa área.
Já foi falado. É. O empresário não sei porque não vem pra ouvir pessoalmente
aqui. Ele tem que nos procurar. Não é a gente que tem que procurar ele. Como
é interesse dele, ele que tinha que vir procurar a comunidade. Como vocês
vieram. Eles contrataram vocês, estão aqui. Tão ouvindo. É bom que você vai
visitar cada aldeia onde vocês vão falar. Só que apesar que aqui são nove
línguas aqui no alto. Cada um vai falar... Só que mesma palavra, só que parece
que é diferente também. Vai ter isso. Depois vocês se quiser ir lá no local, levar
os mais velhos. Vai mostrar onde é. Que a barragem está um pouquinho aqui
mais pra cima. O lugar está bem próximo em baixo”.
369
Reunião na Aldeia Waurá, 31/10 a 02/11/2005
Reunião na aldeia Waurá, dia 31/10/2005, na casa dos homens (centro da
aldeia). Tradução de Tupa, falaram vários índios, dentre eles o cacique Atamai,
Kamalá, Auaulucumã, Isautaco, Aruta, Aularú.
Na reunião falaram sobre a importância do rio para eles, sobre as frutas que os
peixes comem e se mostraram muito preocupados com a construção da PCH.
Todos disseram ser contra a construção da barragem.
O cacique Atamai disse que não é à favor da barragem, pois não vai ganhar
nada com isso e vai comprometer o futuro de seus netos. Disse que dependem
do rio para tudo, e as fazendas já estão poluindo o rio, o veneno que jogam na
soja escorre para o rio e mata os peixes. Além disso, o leito do rio está
assoreado, hoje em dia existem locais em que o barco encosta no chão, antes
os rios Culuene e Batovi eram muito profundos:
“Aí a gente foi até aquele local, vimos aquela construção da barragem. E desde
aquele dia que eu estive lá, fiquei muito preocupado. Fiquei muito triste. Será
que nosso rio vai acabar? Porque o Rio Culuene ele é eixo dos outros rios. Ele
é rio principal que tem ligação com os outros rios pequenos. Se construir, obra
continua naquele local, é claro que vai afetar toda natureza. Vai ter impacto
sim. Porque homem branco diz que não vai afetar nada. Que água vai correr
normalmente. Não vai encher rio. Não vai morrer peixe. É mentira. Porque
homem branco gosta de enganar os outros. Tem mais, os brancos já tá
pressionando a gente, já tá perturbando. Que é o pessoal dos madeireiros. Ele
tão deixando nós sofrer também. Tem outro lado tem esse construção de
barragem. Então o que nós vamos fazer? Então é melhor dizer não. Porque vai
afetar sim. Porque todos nós aqui dependemos da natureza. Dependemos de
pesca, caça, o rio. A terra. Dependemos da terra aqui. E dependemos de tudo.
Porque nós não temos mercado, supermercado só pra ir lá e comprar. Porque
370
o nosso mercado é o rio. Ali que nós pesca quando tá com fome. É ali que nós
vamos lá no rio, pega o peixe, leva pra casa. Tudo isso. Se for construir
barragem, meus netos vão sofrer daqui pra frente. Mesmo que o dono
pagasse, a gente não aceitaria. Não podemos. Porque vai afetar sim. Porque
isso aí tá ocorrendo perigo pra nós. Mesmo que fique a distância. Mesmo
assim vai secar todo o rio. Você não tá vendo o caso do Amazonas que tá tudo
seco lá. E governo não vai mandar todos dias um cesta básica pra nós. Isso eu
não aceito mesmo. Eu só vou ficar contente, ficar alegre, vou festejar depois
quando dono disser sim, eu entendo a situação dos índios. Então vamos
cancelar toda a obra. Vamos desmanchar. A hora que o obra for desmanchado
aí eu vou ficar alegre, vou ficar muito contente com isso. Porque não vai morrer
animais, não vai morrer o mato, a floresta. Não vai acabar o rio. Não vai afetar
nada. Porque obra parou, porque não tem mais. Aí eu vou ficar mais alegre.
Talvez eu convida vocês pesquisadores pra vir festejar conosco aqui“.
A posição de Atamai em relação a indenização em dinheiro foi compartilhada
por outros grupos, como os Ikpeng, para quem a preservação ambiental é
muito mais importante. Esta concepção em relação aos bens matérias havia
sido relatada por Ireland, pois os Waurá não tem intenção de conservá-los,
uma vez que “no fim das contas, dizem [os índios], os objetos invariavelmente
se desgastam, ficam velhos, quebram, são perdidos, presenteados ou mesmo
roubados. Bens materiais não têm nenhum valor duradouro em si” (Ireland,
2001: 254).
A relação dos Waurá com os locais sagrados localizados fora do perímetro do
PIX é ressaltada pelo cacique Atamai:
“Mesma coisa do Kamukwaká onde nosso avô começou a fazer cerimônia de
furação de orelha. Por isso eu tô usando um brinco. O adolescente quando
começa não tem orelha furado. Aí o pessoal resolve fazer uma cerimônia pra
eles durante um ano pra poder furar a orelha. Pra eles poder sonhar muito bem
o sonho que dá a vida pra frente. Se você sonha e mal. Você diz que sua vida
371
não vai ser longa. Quando você tiver com quinze anos, vinte anos você morre,
se você não tiver sonho bom. Por isso tem que ter cerimônia muito bem feito.
Onde começou essa cerimônia? Começou no Kamukwaká. Ali que começou
que pessoal trouxe de lá pra cá. Mesma coisa é lá onde obra está sendo
construída. Ali que começou o Kwarup que trouxeram de lá pra cá. Por isso
que nós conhecemos essa cultura indígena que chama Kwarup, a cultura
indígena que chama ‘Cerimônia da Furação de Orelha’. Por isso eu vou dizer
não pra vocês. Senão os meus netos vão sofrer daqui pra frente”.
O pajé Itsautaco Waurá complementa os comentários do cacique, ao levantar
aspectos da cosmologia indígena que indicam que os impactos da construção
da PCH vão além daqueles relacionados aos recursos naturais ou locais
mitológicos:
“Isso eu não posso aceitar porque vão prejudicar o negócio de espiritismo.
Espíritos vão ficar bravo com nós. Espírito não vai atacar ele, o dono de
barragem. Ele tá lá na cidade. Nós aqui vamos sofrer pelo espírito. Espírito mal
vai entrar para nosso corpo pra fazer mal pra nós. Mesma coisa de: você não
tem medo de vaca-louca, a doença? Mesma coisa, nós temos medo de espírito
mal aqui. Imagina se continuar fazendo barragem. Tiver pronto. Espírito vai
ficar bravo com nós. Vai querer atacar todo mundo aqui. Vocês, ele vai ficar
numa boa lá e nós aqui sofrendo. Então eu não aceito. Fala pra ele, bota no
papel e fala pra ele que pajé disse não. Pajé não abre mão, porque senão
espírito vai ficar bravo. Porque vai haver o impacto nas plantas porque todas
plantas tem espírito, tem dono. Cada planta tem dono. Por isso a planta que
nós tomamos dá efeito pra nós melhorar. Então espírito fica bravo. Então, que
o espírito da água, o espírito da floresta, o espírito dos peixes. Espírito vai
querer recolher todos os peixes, vão querer esconder. E aí o que nós vamos
comer? Porque o rio é igual mercado pra nós, supermercado. Porque vocês
tem supermercado. Vão pro supermercado compra as coisas e leva pra casa.
Todos os dias o nosso mercado é o rio. Todos os dias nós vamos pescar. Pega
peixe de lá e trás pra cá. Por quê? Porque tem espírito que oferece e dá o
372
peixe pra nós. Por isso a gente vive bem aqui. Aqui nós vivemos bem e forte,
todo mundo. Se acontecer isso, haver a construção de barragem, espírito vai
querer tirar todos os peixes. Mesmo que a água tivesse limpo e correr
normalmente, espírito não vai admitir. Vai tirar todo o peixe. Vão querer colocar
em outro lugar. A gente não vai conseguir nada aqui. Isso que me preocupa.
Porque o homem branco não entende de espírito. Eu entendo de espírito.
Homem lá não entende. Ele entende de dinheiro. Eu aqui entendo de espírito.
Porque existe espírito bom e existe espírito mal. Então isso me preocupa muito.
Mesmo que ele fizesse rio bem bonito e tal. Mas não vai haver mais peixe, né.
Então dono de barragem tem que me respeitar. Tem que ter respeito por nós.
Não só por mim que ele pode respeitar. Todos os índios tem que respeitar.
Tem que ter respeito por nós. Apesar de que a gente não conhece ele, então
ele tem que dar o valor na minha palavra. Porque eu entendo de floresta”.
373
Aldeia Mehinako, 07 a 09 de novembro de 2005
A reunião foi realizada dia 08 de novembro de 2005 e foi traduzida por Raul
Mehinako. Após a apresentação do trabalho e da equipe, Iomuim falou sobre o
rio Tuatuari e locais de antigas aldeias Mehinako, onde seus bisavós
nasceram. Relatou o contato com a FUNAI, que solicitou que se instalassem
próximo ao rio e não mais no local onde eram as antigas aldeias, por isso a
aldeia atualmente se encontra próxima ao rio Curisevo. Disse que não está
gostando da usina, tem medo disso, pois o rio Culuene está defendendo a
bacia do rio Xingu, não aceita a barragem. Afirma que o alimento que
consomem é o peixe e outros animais que vivem no rio, não consomem os
“animais terrestres”: capivara, porco do mato, veado, paca: “Então, no caso,
nosso alimento sério é o peixe. Na verdade nosso alimento é a pesca e
alimento que vive no rio. Por isso que eu tenho medo disso. Eu não posso
deixar pra funcionar essa coisa movimento pra frente. Mas nós não come os
animais que vive na terrestre. A gente não come os animais terrestres. Veado,
a gente não come. Capivara, a gente não come. E os animais que vivem na
beira do rio, a gente não come. E etnias que moram aqui dentro do parque, Alto
Xingu, não comem esses animais, os animais terrestres. Na verdade nosso
alimento sério é peixes”. Iomuim questionou: “será que o rio vai continuar o
mesmo? Parentes que vivem na cidade contam pra nós sobre a destruição de
outras barragens. Quando vai chegar tempo, os peixes não vão mais botar ovo,
pois o rio não vai mais encher, pra nós é triste. Essas coisas contaminam os
peixes e o alimento que fica no rio. Um dia não vai ter mais peixe, o que nós
vamos comer”?
O cacique Manaim disse que “nós lideranças estamos defendendo a bacia do
rio Xingu. Vocês não é gente, vocês é bicho, parece que vocês é inimigo da
gente. Têm que respeitar a nossa sociedade, nós respeitamos a sociedade de
vocês. A festa, mito, surgiu onde tem barragem. Lá é que as coisas apareceu,
374
importante. Como Kamukwaká, como onde tem a barragem, nós já tem tudo
isso. Kamukwaká tem bastante a nossa riqueza, como lá onde é a barragem
tem bastante riqueza, por isso não queremos que o branco tome conta da
nossa riqueza. A gente não vai deixar isso, natureza é a nossa riqueza, esse
rio é a nossa riqueza.”
O cacique Manaim convidou o governador do estado de Mato Grosso, Blairo
Maggi, a visitar o PIX para conversar com as lideranças.
375
Reunião na Aldeia Aweti – 09 a 11 de novembro de 2005
A reunião foi realizada na casa dos homens dia 10 de novembro de 2005 e foi
traduzida pelo professor Waranako, onde foi dito por Maialaiá que o local da
“barragem é onde surgiu o Kwarup. Barragem vai prejudicar nosso alimento e a
água. Eu não gosto esse tipo de coisa. A FUNAI também tem poder de ajudar
os povos xinguanos em relação à barragem. Eu não gosto da construção da
barragem. Os brancos estão explorando aquele lugar lá, eu não gosto.
Kamukwaká foi onde surgiu a furação de orelha, até hoje estamos usando nas
crianças, furando orelha. Morená é lugar sagrado, está preservado pois está no
parque, mas um dia também terá problemas. Baroá é lugar sagrado, os
brancos brigaram com a gente, por isso fugimos de lá e viemos para o Xingu”.
A seguir uma índia, Marualú, falou sobre a importância do rio Curisevo, falou
sobre o sal de aguapé, a lagoa onde tem o sal: “só tem um lugar onde tem o
sal, por isso o estragamento do rio vai acabar o sal, o sal vai morrer, esse sal é
antigo, desde os avós. Isso é muito importante para nós. Peixe é importante,
água e sal”. Falou sobre algumas lagoas utilizadas: iapuaia, aucata, iumaipana,
kantaoca, aitá, tsuluepe, macauaiá (bichos sagrados), tsalava.
Os índios Aweti e Waurá produzem muito sal de aguapé e trocam com os
outros povos.
376
Reunião na Aldeia Kuikuro, 11 a 13 de novembro de 2005
A reunião foi realizada dia 11 de novembro de 2005 no centro da aldeia, na
casa dos homens, onde havia cerca de 39 adultos presentes. O índio Carlos
Kuikuro afirmou que “a construção dessa barragem não é bom para nós, esse
é o único rio que a gente tem pros nossos filhos, pra pescar. Esse é o único
para nossa sobrevivência, água é importante para nós. Onde vamos pegar os
peixes pros nossos filhos? Peixe é nossa única alimentação, a gente não come
os bichos, só o peixe. Pouco tempo começou a construção dessa usina, nós
não sabíamos sobre isso. O rio começou a ficar sujo e nós não sabíamos
porque. A gente pensou o que estava acontecendo com esse rio, que estava
ficando sujo. Lá onde estão construindo a barragem que começou nossa
história, começou o Kwarup. Quando o branco não ocupava lá, a gente ia
sempre lá, nosso avô, bisavô ia sempre lá, pescava lá. Aí os homens branco
começou a atacar eles, morria muitas pessoas, aí vieram pra cá. Por isso que
hoje em dia nós não visita esse lugar porque o branco já tá ocupando lá, né.
Porque antes, quando eles não ocupavam, a gente visitava sempre. Faz
tempo. Por isso que está assim agora”.
Sepé Kuikuro complementou: “então essa construção de hidrelétrica pra nós é
muito feio. Porque a gente tá preocupado muito com os peixes. A gente não
quer acabar com os nossos rios. Porque todos nós daqui do Alto Xingu
sobrevive com essa água. Porque todo mundo usa essa água. Se essa
empresa construir essa barragem, e depois? O que que a gente vai viver? O
que a gente vai tomar depois? Onde que a gente vai pescar? Porque esse
único o nosso rio que nós temos eles querem fazer essa barragem. A gente
não tá querendo isso”.
377
Reunião na Aldeia Matipu – 13 e 14 de novembro de 2005
A reunião ocorreu na casa dos homens e foi realizada dia 14 de novembro de
2005 e traduzida por Kulika.
Na reunião, os índios falaram sobre a importância do rio Culuene, disseram
que não podem aceitar a barragem, pois é lá que pescam e pegam água.
Um índio Matipú afirmou que “não deixa esse barragem. Porque é lá, ele falou
assim, lá que começou festa Kwarup. É lá que primeiro que Deus começou
fazendo festa lá, né – Kwarup”. Uma índia complementou: “eu não pode mais
deixar barragem. Então pode falar, né, que não pode mais Que nós é assim,
né. Todos falamos assim. Toda a aldeia falando assim. Não pode não”.
“Então esse peixe pra nós é importante, né. E criança alimentado. E também e
animal também nós comemos também. E Jacu, o mutum, né. É esse que nós
se alimenta aqui no Xingu. Então, por isso que pra nós não pode acabar esse
rio, né. Pra nós, né. Porque criança aqui, né, todo mundo, criança, onde que ia
pescar rio? O peixe e beiju, né. Então por isso que o mais é importante, né.
Que lá a gente roça, né. Vai se plantando, né. Depois a gente também
preocupado com esse mato, né. Então por isso a gente não [tem]a roça bem
grande senão acaba esse mato, né”
378
Reunião na Aldeia Kalapalo, 14 a 16 de novembro de 2005
A reunião foi realizada na Escola Estadual Indígena Kalapalo no dia 15 de
novembro de 2005 e contou com expressiva participação da comunidade, havia
mais de 60 indígenas presentes. A reunião foi traduzida pelo professor Talico
Kalapalo.
Faremá Kalapalo afirmou que o rio Culuene é o mercado dos índios, pois é
dele que retiram sua alimentação. Disse ainda que “cinco quilômetros abaixo
da barragem, a gente chama ogö, branco chama jirau, tem cachoeira fechado,
peixe pula lá, aí índio flecha lá. Lá é lugar sagrado, chama ahaukugu, não sei
quantos milhões de hectares, lá é muito grande. Não é só Kalapalo não, é todo
mundo. Por isso nós não aceitamos construção da barragem. Nós chama
Culuene o pai de todos [os rios]. Hoje o rio está muito raso, aí todo mundo está
preocupado. Será que o índio vai comer folha? Não, é peixe que é nosso
alimento. Nós morava acima do Tanguro, aí Orlando [Villas Boas] fez projeto
pra mudar pra cá. Se fosse hoje eu não ia sair da minha terra não. Aldeia
Naruwoto era perto do limite”.
Karumã Kalapalo disse que está muito preocupado com a construção da
barragem e que “os brancos estão querendo acabar Xingu. Os brancos acha
que nós somos animais, nós somos seres humanos. Estou preocupado muito,
vocês querem acabar o rio. Nós somos índios do Xingu, não perdemos nossa
cultura, costumes, língua. O rio vai secar, rio Culuene é extremamente
importante pra nós. Quem é original do Brasil é índio. Os brancos vieram de
outros países, os brancos escravizaram os índios. Até hoje os brancos querem
acabar os índios. Os índios do Xingu são os últimos originais do Brasil.
Portanto eu não quero esta obra, todos os povos não previram essa obra.
Estamos todos muito preocupados com essa obra. Os brancos estão iludindo
os índios”.
379
A índia Tsapê Kalapalo afirmou que “não podemos deixar fazer essa obra.
Vocês estão querendo acabar o peixe, quando o rio secar. Eu não acredito que
o rio vá continuar desse jeito. Lá em cima, onde estão fazendo a obra, meu pai
ia buscar material lá. Os brancos, fazendeiros, destruíram onde o material
ficava. Vocês querem acabar o rio Xingu, estragar. Os brancos, bandeirantes,
matavam meus bisavós. Até agora vocês estão continuando, querem matar
nós. Estamos com muito medo. Antigamente, os brancos matavam os índios,
escravizavam. Os índios se espalharam pelo Brasil inteiro. Como nós estamos
aqui os brancos falaram: ‘Xingu é reserva’. Será que os brancos fizeram essa
terra, floresta, tudo? Não, foi Deus quem fez”.
Raíhuá Kalapalo fez um discurso veemente contra a construção da PCH,
dentre outras coisas, afirmou que “eu não posso deixar fazer a obra. Essa obra
é muito perigosa, não podemos dar moleza para os brancos. Antigamente
sofremos muito com os brancos, hoje em dia estamos sofrendo com os
brancos. Eles querem acabar com nossa riqueza, os brancos estão de olho na
nossa floresta, nossos rios, nossa riqueza. Nós estamos vivendo como
pássaros em uma gaiola. Essa área [PIX] não é grande, antigamente os índios
andavam muito. Hoje o Xingu está cercado com fazendas. Quem é o dono do
rio é os Kalapalo, que moravam lá em cima. Por isso estamos reivindicando
bastante, pra não fazer a obra. Quando o rio secar, como vamos viver”?
380
Reunião na Aldeia Nahukua, 16 e 17 de novembro de 2005
A reunião foi realizada na casa do cacique Tirivé no dia 17 de novembro de
2005 e foi traduzida pelo professor Kaman. Após a apresentação da equipe e
do trabalho desenvolvido, o cacique tomou a palavra: “bem vindos, prazer em
conhecê-los. É bom vocês estarem ouvindo a nossa preocupação em relação à
usina hidrelétrica. É bom vocês ouvirem para levar nossa preocupação para lá.
Estamos muito preocupados com a construção da usina. Nós não podemos
deixar fazer essa barragem, pois lá é nosso lugar sagrado, do Sagihenhu. Por
isso não podemos concordar com essa proposta de vocês. A gente procura
nosso alimento, é importante pra nós o peixe. Onde a gente vai procurar nosso
alimento no futuro, se secar, se acabar o peixe? Nós não estamos de acordo
com essa proposta de vocês. Como vocês, o branco, vão para o mercado
comprar alguma coisa pros seus filhos, a mesma coisa nós fazemos, no rio, pra
nos alimentar. Aonde que no futuro nossos netos vão procurar o alimento, se
extinguir mais tarde? Estamos muito preocupados com a função que vocês
estão fazendo. Somos puros ainda, não comemos a comida de vocês, só o
nosso alimento. O branco fez de surpresa a realização dessa hidrelétrica. Por
isso a nossa preocupação com essa hidrelétrica. Só isso que eu queria dizer,
agradeço a vocês”.
Karanaim e outros índios (Iupi, Kamissú, Oiamá, Sariko, Kaman)
complementaram a fala do cacique dizendo estar muito preocupados com a
construção da PCH: “estamos muito preocupados hoje em dia, pois esse rio é o
mais importante pra nós, pois é lá que procuramos nosso alimento, que é o
peixe. A nossa maior preocupação também é defender a nossa mata, nossa
terra e nossos rios. Por isso estamos triste pela realização dessa hidrelétrica rio
acima”.
Oiamá afirma estarem “muito preocupados mesmo com o futuro dos nossos
filhos e netos. Aqui começou o Kwarup, festa sagrada, onde fizeram a usina.
381
Se o rio secar onde vamos procurar alimento pros nossos filhos? Por isso
estamos preocupados com a realização da usina. Somente o peixe que a gente
pega e se alimenta. Não comemos outro alimento, só o peixe. Por isso estamos
preocupados, se o peixe morrer quando realizaram barragem, a gente fica
muito sofrendo mais tarde”.
382
Reunião na Aldeia Morená, etnia Kamayurá, 18 a 21 de novembro de
2005
A reunião foi realizada dia 19 de novembro no centro da aldeia e contou com a
participação de mais de 21 índios adultos, sendo boa parte composta por
mulheres. A reunião foi traduzida por Sula, que é a AIS.
O cacique Yauapi disse que “quando o pessoal começou a barragem, ficou
todo mundo preocupado. Porque quando o rio secar, não vai ter peixe pra nós.
Por isso ficamos muito bravos, até a mulherada ficou muito preocupada.
Porque aqui no Xingu a gente planta mandioca, a gente não come a comida do
caraíba [não-índio], só mandioca, peixe”.
Foi realizada ainda uma reunião no PIN Pavurú no mesmo dia, com duas
jovens lideranças do Morená, os irmãos Pablo e Marcelo, que iram viajar para
Canarana e não puderam estar presentes na reunião realizada na aldeia. Pablo
iniciou dizendo que
“Quando visitamos o local da barragem, nós fomos contra. O meio ambiente
vem mudando nos últimos anos, em função da aproximação dos municípios,
fazendas, problemas com as cabeceiras dos rios. De março a setembro o rio
seca bastante, em função do assoreamento dos rios pelas fazendas. Quando o
Parque do Xingu foi criado, as populações moravam até os limites das terras
Bakairi, principalmente os Kalapalo e os Matipu. Quando o Parque foi criado,
nós não fomos ouvidos, se fosse agora não mudaríamos das nossas aldeias. E
até hoje não somos ouvidos, quando construíram a barragem não fomos
consultados. Esse rio Xingu não passa só por uma aldeia, atinge a todo o
Xingu. Não pode só uma etnia decidir, pois não passa o rio só por lá. Não se
levou em consideração a nossa opinião, como cidadãos do Xingu. O Xingu não
tem uma liderança que fala por todos, cada etnia tem sua liderança. Por isso
383
uma liderança não pode falar por todos no Xingu. Onde está sendo construída
a usina é local de desova dos peixes. Sabemos que morreram muitos peixes lá,
com bombardeio”. Pablo solicitou cópia do presente trabalho e das fotos.
Marcelo Kamayurá ressaltou sua preocupação com as informações coletadas
pela equipe de pesquisadores, firmou um compromisso que as informações
coletadas sejam repassadas para as comunidades indígenas, inclusive para
serem utilizadas em outras instâncias. Disse que querem ter retorno das
informações. Ele citou uma frase do Kurikaré Kalapalo, depois da visita à
barragem, que causou um impacto muito grande, que transtornou as
lideranças, pra não fazerem besteira ali (uma vez que alguns índios queriam
matar os engenheiros e demais técnicos que se encontravam na usina),
segundo ele os jovens (e lideranças do alto Xingu, como Aritana) que
conseguiram contornar a situação. Kurikaré disse “é mesma coisa, vocês estão
mexendo com nosso mercado, é o mercado de onde tiramos nossa
alimentação básica”. Marcelo disse ser importante lutar pela preservação dos
sítios arqueológicos, de forma a poderem passar os conhecimentos mitológicos
de geração em geração. Afirmou ainda que quando mudou para a região do
Morená em 1984 não havia tantos bancos de areia no rio, o assoreamento
aumentou muito e com a barragem vai piorar ainda mais.
Marcelo é formado no magistério e é auxiliar indígena de enfermagem e
presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena.
384
Reunião na Aldeia Boa Esperança, Etnia Trumai, 21 de novembro
de 2005
A reunião foi realizada dia 21 de novembro e foi registrada pelo professor
Takap Pi-yu Trumai Kayabi.
O cacique Kowo Marikawá Trumai relatou ter participado da reunião em
Canarana com o governador Blairo Maggi. Ele afirmou que “nós índios vivemos
da natureza, da caça, pesca, roça, nossa sobrevivência vem daí. Estamos
lutando para que essa barragem não aconteça. Os brancos falam que a
barragem não vai dar problema, não vai afetar a natureza. O que a gente vem
falando é que a gente não quer a barragem. Apesar dela estar um pouco longe,
vai afetar o rio. Estamos tentando preservar o que nós temos”.
O professor Pi-yu disse que “gostaria de falar o que eu penso sobre essa
barragem que estão querendo construir. Primeiramente a gente tem que
pensar no futuro e também o presente que estamos vivendo. É aquela questão
de ecossistema, a biodiversidade. Dizem que não vai afetar o meio ambiente,
vai gerar emprego e desenvolver as pequenas cidades. Mas isso será pros
não-indígenas, os índios não vão ganhar nada com isso. É claro que vai afetar
a natureza sim, vai estar afetando a natureza. O que começa pequeno vai se
tornar grande. A gente observa a plantação de soja, começou pequeno, foi
crescendo, crescendo e hoje o Mato Grosso é o maior produtor de soja. As
matas já não existem mais. A gente deve dizer não à essa usina, é isso que eu
falo”.
385
Aldeia Moygo, Etnia Ikpeng, 22 e 23 de novembro de 2005
A reunião foi realizada dia 22 de novembro no centro da aldeia, contou com a
participação de mais de 35 adultos e foi traduzida por Korotowï, que é
professor e diretor da escola.
O cacique Melobô deu as boas vindas à equipe e disse que “eu estou aqui
neste lugar porque eu fui trazido de outro lugar. Trouxeram minha comunidade
pro Xingu porque não sabia falar português. Quero retomar o lugar em que eu
nasci e cresci. Estou procurando meus parceiros para retomar meu lugar. O
que não quer dizer que não vou lutar por esse lugar onde moro. A população
está crescendo e está ficando apertado. Pra mim, a terra, aqui no Brasil,
sempre morou os índios. Essa terra aqui é dos índios, não é do governo.
Depois da invasão da Europa é que o governo se apoderou dessas terras. A
história passada, antigamente, quando a terra, os rios e os animais foram
criados, todos nós falávamos entre a gente. A gente acredita que os seres
vivos em geral faz parte da nossa vida. Nós vivemos por eles e eles vivem por
nós. Quem faz desmatamento não pensa na vida dele. Nós vivemos dos rios,
essas pessoas que fazem grandes plantações não pensam nos outros, só
neles, em ganhar dinheiro. Pra quê fazer represa nos rios? Nós não queremos
dinheiro, nós queremos mais matas, mais rios. Que todo mundo cace sua caça,
pesque seu peixe. Dinheiro não é a vida. Toda essa terra é nossa, não é o que
está demarcado que é nosso. Vocês invadiram a gente, trouxeram prejuízo pra
gente, porque não tiveram respeito com a gente e com a terra. O governo não
pode vir falar que a terra é dele, a terra é indígena. Muitos brancos dizem que
estamos invadindo as suas terras. Eles é que invadiram nossas terras! Antes a
gente ia pra pegar produtos da mata, pra fazer artesanato, agora não podemos
mais. Vocês dizem que entendem as coisas, não entendem nada. Vocês estão
poluindo os rios, estão deixando o clima morrer. Falem pro governo que não
queremos dinheiro”.
386
Manipilú, bem como vários outros índios Ikpeng, se colocou contrário à obra:
“não pode fazer barragem nesse rio. Esse rio é que eu, meus filhos e netos
precisamos. Fizeram um poço de água aqui [na aldeia], não funcionou, ele
secou. Por que ele secou? Porque vocês fizeram derrubada nas nascentes dos
rios. Se desmatar as nascentes, esses insetos morrem, eles não vão fazer
nascentes do rio. Não sei se os outros [povos indígenas] falaram a mesma
coisa, mas nós somos diferentes, porque não somos daqui. Eu sou guerreiro,
se continuar essa barragem eu vou lá e brigo com esse pessoal. Eu quero que
escrevam meu nome, é Manipilú, e levem”.
A índia Airê fez um discurso incisivo, dentre outras coisas, afirmou que “eu sou
contra construção da usina, desmatamento, mineração. Sabe porque? Eu
preciso da terra pra plantar mandioca. Eu preciso dos meus peixes, eu preciso
da caça. Esse macaco aranha precisa comer pra eu comer ele. Eu preciso
disso, não só eu, e as gerações futuras. Esse trabalho de vocês eu espero que
dê resultado, gostaria que fossem falar com o chefe de vocês, o meu nome,
Airê não quer a barragem, tem que destruir, deixar o rio correr. Se a barragem
for construída eu vou atrás de vocês. Digam pras esposas de vocês que
conheceram uma índia guerreira, Airê. Digam que viram uma mata bonita, a
mata da Airê é bonita. Eu sou filha de guerreiro, por isso eu sou guerreira. Eu
sei que vocês têm a arma de vocês, mas eu também tenho minhas armas”.
387
Reunião Final, PIN Leonardo, 25 de novembro de 2005
A ata da reunião foi assinada pelas seguintes pessoas:
1. Kotok Kamayurá;
2. Koiouto Kalapalo;
3. Takap Pi-yu Trumai Kayabi;
4. Nakaulaka Mehinako;
5. Araku Aweti;
6. Atamai Waurá;
7. Aulahú Waurá;
8. Kauruma Kalapalo;
9. Xapatsiamá Waurá;
10.Kainama Aweti;
11.Tsau Taku Mauar;
12.Tirifé Nafukuá;
13.Yakumim Aweti;
14.Tafukuma Kalapalo;
15.Aritana Yawalapiti;
16.Yamico Jaraü;
17.Yamatuá Matipu;
18.Kuiaumã Nafukuá;
19.Marcinua Kalapalo;
20.Kuangi M. Kalapalo;
21.Apayupi Waurá;
22.Masuka Ivan Kalapalo;
23.Numa Kalapalo;
24.Kokotí Aweti;
25.Jacuma Karseli Kamayurá;
26.Paiê Kayabi;
27.Raul Kamayurá;
28.Chris Ball
388
29.Mapulu Kamayurá;
30.Kumué Kamayurá;
31.Takumã Kamayurá;
32.Wolako Kuikuro;
33.Takarrachi Aweti;
34.Maynapu Yawalapiti;
35.M. Kamayurá;
36.P. Maluf Kuikuro;
37.Kuyapage Afuri;
38.Jamilko Yawalapiti;
39.Tom Aweti;
40.Pirakuma Kamayurá;
41.Tacarama Kamayurá;
42.A. Kamayurá;
43.Sarico Nafukuá;
44.Rikamá Kuikuro;
45.Kaioa Nafukuá – aldeia Yaramü;
46.Maiualu Aweti;
47.Evelup Waurá;
48.Waripira Yawalapiti;
49.Maualaia Aweti;
50.Mathiakalu Aweti;
51.Otávio Moura Carvalho - FUNAI;
52.Gérson Levi-Mendes;
53.Gláucia Buratto Rodrigues de Mello;
54.Rodrigo Padua Rodrigues Chaves;
55.Jairo Kuikuro – Lahatua.
Após a apresentação do trabalho realizado pela equipe e do resumo das
principais discussões ocorridas nas aldeias visitadas, o cacique Aritana tomou
a palavra: “Bom dia a todos. Todas as comunidades onde vocês foram
389
passaram muito a preocupação para vocês. Pra nós eu acho que não deve
fazer isso aí [a PCH], porque o rio Culuene abastece a todas as comunidades,
não só os índios, os brancos também, saí lá da cabeceira e vai até o [rio]
Amazonas. Nós não fomos comunicados, foi erro grande. Quando ficamos
sabendo, reunimos todas as lideranças, chamamos o governador de Mato
Grosso. Primeiro lugar pra nós a FUNAI é o pai dos índios, defende os índios,
eu comuniquei pra eles, quem está autorizando isso aí. A FUNAI não
compareceu. A gente mandou radiograma pra eles, a FUNAI não compareceu.
A gente vem lutando, vem falando, até que chega aqui vocês pesquisadores,
vocês estão ajudando nós. Nós não temos para quem falar, FUNAI não ouviu.
Contamos com o Ministério Público, Mário Lúcio, que está ajudando muito nós.
Acho que com isso aí vai parar a obra, todo mundo quer isso, do Alto, Baixo,
Médio. Estão até querendo fazer guerra, vamos evitar guerra, conversar, falar.
A gente acha que esse rio Culuene, vamos deixar livre esse rio, desde a
cabeceira até a foz”.
O cacique Yacumim Aweti confirmou que “quando soubemos da barragem já
estava destruído o rio, os peixes já estavam morrendo. Não comunicaram, não
consultaram as lideranças do Parque Indígena do Xingu. Passamos
radiograma pra FUNAI, não fomos atendidos. Falamos com o presidente da
FUNAI, que ele tem poder para paralisar a obra, mas não fomos atendidos,
nenhuma resposta passou pra nós porque não veio. Pra isso existe a FUNAI,
pra tomar providência, onde não fomos atendidos. Tivemos encontro com o
governador de Mato Grosso, autoridades, menos o presidente da FUNAI.
Estava representante chefe de gabinete e chefe do DEPIMA, nunca tomaram
providência. Hoje agradecemos a vinda de vocês aqui, colocamos muita
história, muita proposta, estamos preocupados se usina continuar, impacto
muito pra nós. Por isso pedimos que levem nosso pedido pro Ministério Público
tomar providência”.
O cacique Atamai Waurá disse que “se a gente autorizar essa barragem, não
pode fazer isso, porque tem o sagrado, todo mundo sabe disso. Lá que
começou nossa história da festa Kwarup. Se começar fazer essa barragem, rio
390
vai secar, peixe vai morrer, vai diminuir peixe, a gente não autoriza, não
autoriza mesmo. Nós autoridade do Alto Xingu não queremos mesmo. Depois
disso aqui, quero saber se vai parar”.
Aritana confirmou ter recebido radiograma do cacique Raoni Mebengokré, que
disse que tem 200 guerreiros preparados para a guerra a disposição das
lideranças do Xingu, caso a obra continue. Aritana respondeu a Raoni que não
era necessário no momento, pois a obra se encontrava paralisada.
Após a fala de Aritana, um índio Mehinako disse que iria ler uma poesia escrita
por ele, em seguida fez um resumo das principais questões discutidas em
várias aldeias durante o trabalho de campo. Pela clareza de suas idéias, nos
permitimos transcrever os principais pontos por ele abordados:
“O índio é um ser humano, que dança, que toca instrumento musical, canta sua
música que é sinal de alegria e saúde. O índio é organizado socialmente, tem
domínio de suas próprias tecnologias, tem suas lendas, suas histórias de
origem do povo e do lugar de onde vieram, história do contato com a sociedade
envolvente, o índio também tem sua crença. O índio é ou já foi visto como
animal equivocadamente. O índio já perdeu a sua terra, que hoje é chamada de
Brasil e a idéia do branco, sobretudo dos governantes, é acabar com os índios.
O índio foi matado, foi massacrado com arma de fogo e doença contagiosa. Os
índios não foram exterminados porque eles tiveram que fugir e aceitar aquilo
que pediram que fizessem, por isso os índios ainda existem e são os
verdadeiros donos da terra, hoje o índio luta pelos seus direitos, direito de ser
cidadão, e os governantes perseguem esses povos com suas arenas e com
sua ferramenta por meio da escrita, mais a aproximação das terras indígenas.
E com tudo isto o índio é visto como aquele que atrapalha o progresso, como a
gente está vendo aqui. A gente está impedindo isso, a gente está impedindo a
barragem. Quando fala em barragem quer dizer barrar a água para o rio parar
e funcionar alguma coisa. Interessante é quando a gente faz isso aqui, reunião
para barrar para não funcionar mais barragem. Atrapalha o progresso do país,
391
pensando bem não é nada disso, são aquelas sociedades diferentes, muito
diferente da sociedade do índio, porque? Tem sua língua, história, sua cultura e
sua organização social. Em relação à barragem a comunidade não foi
consultada, todo mundo já falou aqui, isso foi um erro da própria empresa e
muito menos os índios serem contemplados financeiramente, não pensaram
nem um segundo quando a empresa pensou em fazer a barragem. Oh! Então
vamos contemplar os índios, para serem beneficiados com os recursos que a
gente vai adquirir através dessa usina, nada disso foi lembrado. Fica bem claro
mesmo na cara que os índios não foram consultados. E por quê? Cada um de
vocês já retratou isso, as lideranças já falaram aqui a esse respeito, está bem
claro, nós não queremos isso. Porque não queremos isso? Porque somos
sociedades que somos interligados no universo natural, não no universo
capitalista. Não estamos aqui falando em dinheiro, imagina que todos aqui
falassem em dinheiro, nós queremos a barragem para ganhar dinheiro, não se
pensa em benefício para o índio, aí o índio ia virar branco. Eu quero dizer que a
informação foi muito errada, logo que chegou a empresa, a informação chegou
aos índios, foi um grande pulo que os índios deram, e aí o que é barragem, o
que afinal vai acontecer? A barragem não deu tempo para os índios pensar e
nesse percurso envolveram uma pessoa que, dizem que autorizou, dizem que
está envolvido, a gente não sabe qual é a verdade, mas no depoimento dele
fala que não. Eu acredito nele porque toda vez que ele volta da cidade ele
conta o que aconteceu, ele acabou de contar a negociação que fizeram, foi
muito antes disso, a gente sabe que não é fácil de se conseguir as coisas, você
fala, você pede hoje e vai conseguir no outro ano, é uma coisa muito
demorada. Então o que eu tenho para dizer aqui, se der para contribuir para
esse trabalho que vocês estão fazendo, vocês não estão aqui porque foram
contratados pelos índios para fazer um trabalho a favor dos índios, vocês estão
do lado da empresa, mas no sentido de ajudar a gente, isso vocês já falaram.
Essas idéias atrapalham, eu fico muito contente de vocês estarem aqui falando
do trabalho de vocês para tirar essas dúvidas, para a gente ficar aliviado,
porque muitas vezes a cabeça da gente fica cheia, o que estão fazendo afinal?
Até eu não queria que esse trabalho que vocês estão fazendo fosse feito [de
392
pesquisa etnoecológica], eu não permitiria se fosse por mim também, porque
como eu falei, às vezes a informação chegava em uma pessoa só e a gente
não entendia direito. Por mim não aceitava, sabe por que? Porque se índio
falar aqui, não quer, o que adianta fazer estudo? Então não precisa, se nós não
queremos, acabou, então não adianta fazer mais estudo. E aos pouquinhos
fomos entendendo que foi necessário porque com certeza vai encontrar puros
vestígios com testes, escritas do nosso próprio habitat, encontrar cerâmicas,
escritas antigas dos nossos ancestrais. Eu acredito que isso vai ajudar muito
do juiz dá aval a favor dos índios. O lugar onde está sendo construída a
barragem é totalmente ligada com a história daqui, você entrando lá, você já vê
aquela paisagem diferente, já mudou a paisagem, já mostra a cara da
comunidade indígena e você trabalhando lá talvez vai encontrar muitas coisas
novas lá de material. Então o respeito que eu quero do lado da empresa é que
entenda realmente que a gente não está aqui vivendo nessa terra sem
nenhuma história. Eu queria que eles respeitassem e entendessem que a
gente é realmente daqui”.
Ao final da reunião, a ata elaborada foi lida e aprovada por todos os presentes,
que a assinaram, concluindo-se, assim, a etapa de campo do levantamento
etnoecológico no Parque Indígena do Xingu.
393
ANEXO 8
SIGLAS UTILIZADAS NO PRESENTE ESTUDO
E SIGNIFICADOS
394
SIGLA SIGNIFICADO
ABA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA
AER ADMINISTRAÇÃO EXECUTIVA REGIONAL DA FUNAI
AIS AGENTE INDÍGENA DE SAÚDE
AISAN AGENTE INDÍGENA DE SANEAMENTO
ANA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS
ATIX ASSOCIAÇÃO TERRA INDÍGENA XINGU
BR RODOVIA FEDERAL
CASAI CASA DE SAÚDE INDÍGENA
CEIMBXCONSELHO DE EDUCAÇÃO INDÍGENA DO MÉDIO E BAIXO XINGU
CGPIMACOORDENAÇÃO GERAL DE PATRIMÔNIO INDÍGENA E MEIO AMBIENTE
CMAM COORDENAÇÃO DE MEIO AMBIENTECONAMA CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTEDEDOC DEPARTAMENTO DE DOCUMENTAÇÃO DA FUNAI
DDT DICLORO DIFENIL TRICLOROETANODSEI DISTRITO SANITÁRIO ESPECIAL INDÍGENAEIA ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL
EMBRATUR INSTITUTO BRASILEIRO DE TURISMOEPM ESCOLA PAULISTA DE MEDICINAERX EXPEDIÇÃO RONCADOR XINGUFAB FORÇA AÉREA BRASILEIRAFBC FUNDAÇÃO BRASIL CENTRAL
FEMAFUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO
FUNAI FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIOFUNASA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE
GPS SISTEMA DE POSICIONAMENTO GLOBALGT GRUPO DE TRABALHO/GRUPO TÉCNICO
IBAMAINSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS
IPAM INSTITUTO DE PESQUISAS DA AMAZÔNIAIPEA INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS
IPEAX INSTITUTO DE PESQUISA ETNO AMBIENTAL DO XINGUISA INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL
IUCN WORLD CONSERVATION UNIONMCT MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIAMJ MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
395
MMA MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTEMPF MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
MS/CNS MINISTÉRIO DA SAÚDE/CONSELHO NACIONAL DE SAÚDEMT ESTADO DE MATO GROSSOOIT ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHOOMT ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE TURISMOONG ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTALPBA PLANO BÁSICO AMBIENTALPCH PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICAPIN POSTO INDÍGENAPIV POSTO INDÍGENA DE VIGILÂNCIAPIX PARQUE INDÍGENA DO XINGÚ
PROC PROCESSORIMA RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL
SEMASECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE DE MATO GROSSO
SPI SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS
TI (S) TERRA (S) INDÍGENA (S)
UFMT UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
UNEMAT UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO
UNIFESP UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
396