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Universidade do Estado do ParáCentro de Ciências Sociais e EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Regiane de Assunção Costa
A CRIANÇA NEGRA: as representações sociaisde professores de educação infantil
Belém – PA2013
1
Regiane de Assunção Costa
A CRIANÇA NEGRA: as representações sociaisde professores de educação infantil
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado daUniversidade do Estado do Pará como requisitopara obtenção do título de Mestre em Educação.Linha de Pesquisa: Formação de Professores.Orientadora: Profª. Drª. Tânia Regina Lobato dosSantos.
Belém – PA2013
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e da Educação – UEPA
C837c Costa, Regiane de Assunção
A criança negra: as representações sociais de professores de educação infantil / Regiane de
Assunção Costa; Orientadora: Tânia Regina Lobato dos Santos. Belém, 2013.
194 f.; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, 2013.
1. Professores - Formação 2. Representações sociais 3. Criança negra – Educação infantil. 4.
Prática pedagógica I. Santos, Tânia Regina Lobato dos (Orient.) II. Título.
CDD: 21 ed. 371.12
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Regiane de Assunção Costa
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado daUniversidade do Estado do Pará como requisitopara obtenção do título de Mestre em Educação.Linha de Pesquisa: Formação de Professores.Orientadora: Profª. Drª. Tânia Regina Lobato dosSantos.
Data da Defesa: ____/ _____/ ____.
Banca Examinadora
________________________________________________ - OrientadoraProfª Drª Tânia Regina Lobato dos SantosUniversidade Estadual do Pará - UEPA
________________________________________________ - ExaminadoraProfª Drª Ivanilde Apoluceno de OliveiraUniversidade Estadual do Pará - UEPA
________________________________________________ - ExaminadoraProfª. Drª. Ivany Pinto NascimentoUniversidade Federal do Pará - UFPA
Belém – PA2013
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Dedico este trabalho aos meus pais
Lucival Assunção e Maria de Fátima
Assunção pelo exemplo de amor e
sabedoria.
Ao meu esposo Marcos Costa por
compartilhar comigo a realização deste
projeto de vida.
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AGRADECIMENTOS
À Deus, meu maior Mestre, por ter me dado força, fé e sabedoria para chegar
até aqui.
À Profª Drª Tânia Regina Lobato dos Santos, por ter acolhido este trabalho,
pelas orientações necessárias ao desenvolvimento desta pesquisa, pela forma
humana que estabeleceu a interlocução com esta pesquisa e principalmente pela
sensibilidade e serenidade nos momentos mais difíceis desta caminhada. Muito
Obrigada!
A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da UEPA
pelo diálogo teórico e pelos vínculos de amizade.
A secretaria do mestrado, em especial ao Jorginho que sempre está
disponível em nos ajudar.
A todos os colegas da turma de 2010, por compartilharem os conhecimentos,
as alegrias, tristezas, angústias, mas acima de tudo por acreditarem no potencial
uns dos outros. Em especial, a minha querida amiga Milena, companheira de
TODAS as horas (madrugas também!!!) um presente enviado por Deus, obrigada
por TUDO. Agradeço ainda as amizades construídas no decorrer desta caminhada:
Cléo, Wal, Francy, Selma, Adailson, Rose, July, Felipe, Claudete obrigada pelo
carinho, admiro todos vocês.
À Profª Drª Ivanilde Apoluceno pelas contribuições nas aulas de epistemologia
que muito me ajudaram na produção teórico-metodológica desta pesquisa, pela
interlocução realizada durante a produção deste estudo e também por aceitar
participar na banca examinadora, suas contribuições foram determinantes para a
tessitura deste trabalho.
À Profª Drª Ivany Pinto, por ter aceitado gentilmente participar da banca
examinadora, bem como pela disponibilidade em ler e contribuir com este trabalho,
meus sinceros agradecimentos.
Aos meus pais Lucival Lopes de Assunção e Maria de Fátima pelas
constantes palavras de incentivo e amor sincero, que me motivaram a ultrapassar os
obstáculos até aqui.
Aos meus irmãos Luciléia (Mana) e Rogério que mesmo distantes me dão
toda força em suas orações. E a minha irmã Luciane, por estar lado a lado, pelas
orações, apoio e ajuda. Amo demais vocês!!!
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Aos meus sobrinhos Isabelle, Isadora, Isabela, Ana Caroline, Lucas, Luana e
Davi, vocês são minhas inspirações de vida e para a realização deste trabalho.
Ao meu esposo Marcos, pelo companheirismo, pelo seu amor e por estar
sempre ao meu lado.
À Secretaria Municipal de Educação pela autorização na realização desta
pesquisa, em especial a Unidade de Educação Infantil pela concessão em contribuir
com este estudo, assim como, aos professores que colaboram para efetivação do
mesmo. Também, as crianças que nos acolheram desde o início e permitiram que
pudéssemos compartilhar de suas atividades.
À amiga Jalma, pela presença constante nesta caminhada, pela revisão em
meu texto. Obrigada por sua amizade!
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desde
estudo.
MUITO OBRIGADA!!!
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RESUMO
COSTA, Regiane de Assunção. A CRIANÇA NEGRA: as representações sociais deprofessores de educação infantil. 2013. 208f. Dissertação (Mestrado em Educação)– Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.
Este estudo vincula-se à Linha de Pesquisa Formação de Professores do Programade Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais e Educação daUniversidade do Estado do Pará e objetiva conhecer as representações sociais dosprofessores de educação infantil em relação à criança negra, e as consequências nasocialização da criança no espaço educacional. Para tanto, tomamos como aporteteórico-metodológico: A Teoria das Representações Sociais – TRS, na perspectivade Moscovici (2003) e Jodelet (2001); dos pressupostos do multiculturalismocrítico/intercultural presentes nos estudos de Mclaren (1997); Gonçalves e Silva(2006); Candau (2008); Freire (2005); Fleuri (2009); e Oliveira (2011) que defendemo reconhecimento, a valorização e o respeito da diversidade racial por meio de umaestratégia política de intervenção em defesa dos direitos dos grupos excluídoshistoricamente; no campo das relações raciais no contexto escolar, tomamos comoreferencia Gomes (2001; 2005; 2007); Coelho (2006; 2008; 2010); Rosemberg(1998), bem como os estudos sobre as relações raciais na educação infantil, a partirdos estudos de Cavalleiro (2001; 2007); Fazzi (2006); Souza (2002); no campo daeducação infantil Kramer (1998, 2005, 2008, 2011) e sobre a formação docentePimenta (2008) e Veiga (2008); dentre outros. Este estudo caracteriza-se por umapesquisa de campo, de abordagem qualitativa, visando a descrição e interpretaçãocrítica dos dados empíricos que foram coletados por meio de: levantamentobibliográfico, observação in loco e de entrevista semiestruturada. O estudo foirealizado em uma unidade de educação infantil, com a participação de quatroprofessoras e uma coordenadora. Elegemos cinco categorias temáticas, a saber: (1)Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar; (2)Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na escola;(3) Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola; (4)A contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a superação dospreconceitos e discriminações raciais no espaço escolar; (5) A formação dosprofessores e as relações raciais na escola. Partindo da análise destas categoriastemáticas, concluímos que as práticas pedagógicas das professoras diante dosconflitos enfrentados pela criança negra, em seu processo de socialização noambiente escolar, encontram-se ancoradas em três aspectos: o biológico, o social eo estético. Estas representações acabam por silenciar e naturalizar as diferenças,contribuindo para a reprodução das desigualdades e exclusão da criança negra noespaço da educação infantil.
Palavras-chave: Representações Sociais. Educação Infantil. Prática Pedagógica.Criança Negra.
8
ABSTRACT
COSTA, Regiane de Assunção. The black child: the social representations ofteachers from children education. 2013. 208f. Dissertation (Mastership of Education)– University of the State of Pará, Belém, 2013.
This study is linked to the Research Line Teacher Training Program GraduateEducation Center of Social Sciences and Education, University of Pará andobjectively understand the social representations of preschool teachers in relation tothe black child, and the impact on the socialization of the child in educational space.For this, we take as the theoretical-methodological: A Theory of SocialRepresentations - TRS, in view of Moscovici (2003) and Jodelet (2001), theassumptions of multiculturalism critic / intercultural studies present in Mclaren (1997);Gonçalves e Silva (2006); Candau (2008), Freire (2005); Fleuri (2009) and Oliveira(2011) argue that recognition, appreciation and respect for racial diversity through apolitical intervention in defense of the rights of groups historically excluded, in thefield of race relations in the school context, we take as reference Gomes (2001,2005, 2007), Rabbit (2006, 2008, 2010), Rosenberg (1998), as well as studies onrace relations in early childhood education, from studies of Cavalleiro (2001, 2007);Fazzi (2006), Souza (2002). This study is characterized by a field survey, aqualitative approach in order to describe and critical interpretation of empirical datawere collected through: literature review, observation and semi-structured interviews.The study was conducted in a kindergarten unit, with the participation of fourteachers and one coordinator. We chose five thematic categories, namely: (1)representations of teachers on the black child in the school, (2) representations ofteachers on the socialization of black children in school, (3) Shares of discriminationand racial prejudice in pedagogical practice in school, (4) The contribution of theteacher, through teaching practice, to overcome the prejudices and racialdiscrimination at school; (5) Teacher training and race relations at the school. Basedon the analysis of these themes, we conclude that the pedagogical practices of theteachers before the conflicts faced by black children in their socialization processwithin the school environment is anchored on three aspects: biological, social andaesthetic. These representations naturalize and eventually silencing the differences,contributing to the reproduction of inequalities and exclusion of black children in thekindergarten room.
Keywords: Social Representations. Early Childhood Education. PedagogicalPractice. Black Child.
9
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Número de crianças atendidas na Educação
Infantil na RME
56
Gráfico 2 Informações sobre a faixa etária dos sujeitos
investigados
64
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Pesquisas em âmbito nacional sobre relações
raciais na educação infantil
36
Quadro 2 Pesquisas sobre relações raciais no Estado do
Pará
39
Quadro 3 Lotação dos servidores na unidade investigada 59
Quadro 4 Número de crianças atendidas na unidade
investigada
60
Quadro 5 Identificação das professoras investigadas 62
Quadro 6 Identificação das crianças 63
Quadro7 Autoclassificação dos sujeitos investigados sobresua Cor/Raça.
65
Quadro 8 Perfil profissional dos sujeitos investigados 67
11
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Região Metropolitana de Belém 54
12
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 Fachada da unidade de educação infantil pesquisada 58
Foto 2 Área externa de recreação I 59
Foto 3 Área externa de recreação II 59
13
LISTA DE DIAGRAMA
DIAGRAMA 1 O Campo das Representações Sociais 49
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
CINBESA Companhia de Informática de Belém
CME Conselho Municipal de Educação
COED Coordenadoria de Educação
COEPRE Coordenação de Educação Pré-Escolar
DABEL Distrito Administrativo do Guamá
DAENT Distrito Administrativo da Sacramenta
DAICO Distrito Administrativo de Icoaraci
DAMOS Distrito Administrativo de Mosqueiro
DAOUT Distrito Administrativo de Outeiro
DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
DCNRER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ETEF Equipe Técnica de Ensino Fundamental
ETEI Equipe Técnica de Educação Infantil
FMAI
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
GERA Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de
Professores e Relações Étnico-Raciais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
LBA Legião Brasileira de Assistência
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério de Educação e Cultura
NUSP Sistema Integrado de Gestão Acadêmica e Informação
OMEP Organização Mundial de Educação Pré-Escolar
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
RME Rede Municipal de Ensino
15
SEGEP Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e
Gestão
SEMEC Secretaria Municipal de Educação
UEI Unidade de Educação Infantil
UEPA Universidade Estadual do Pará
UFPA Universidade Federal do Pará
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
16
SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO 18
2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO 35
2.1 PRESENÇA DA COR NAS PESQUISAS: A EDUCAÇÃO INFANTIL ENTRAEM CENA
35
2.2 APORTES TEÓRICOS DO ESTUDO: O CAMPO DAS REPRESENTAÇÕESSOCIAIS
41
2.3 ABORDAGENS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS 51
2.3.1 Tipo de pesquisa 51
2.3.2 O locus da pesquisa 53
2.3.3 Os sujeitos da pesquisa 61
2.3.3.1 O perfil dos sujeitos investigados 64
2.3.4 Instrumentos de produção de dados 67
2.3.4.1 Levantamento documental 67
2.3.4.2 Observação 69
2.3.4.3 Entrevista 74
2.3.5 Procedimentos de análise 76
3 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL E A CRIANÇA NEGRA NO BRASIL 78
3.1 A [IN] VISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NO BRASIL 78
3.1.1 Sentimentos sobre a infância: a criança como ser abstrato àcompreensão da criança como ser histórico-social
79
3.1.2 Infância e a criança negra no Brasil 82
3.1.2.1 Infância e a criança negra no Brasil Colonial 82
3.1.2.2 Infância e a criança negra no Brasil Imperial 86
3.1.2.3 Infância e a criança negra no Brasil República aos Dias Atuais 89
4 POLÍTICA MULTI/INTERCULTURAL PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕESRACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
99
4.1 Os marcos legais para a educação das relações raciais na educação infantil 99
4.2 O cenário da política multicultural/ intercultural 105
4.3 Desafios para uma prática docente no espaço educacional 110
17
5 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃOINFANTIL EM RELAÇÃO À CRIANÇA NEGRA E SUA SOCIALIZAÇÃO NOCONTEXTO DA UNIDADE EDUCACIONAL INVESTIGADA
117
5.1 Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar 118
5.2 Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na
escola
130
5.3 Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola 137
5.4 A contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a
superação dos preconceitos e discriminações raciais na escola
146
5.5. A formação dos professores e as relações raciais na escola 156
CONSIDERAÇÕES FINAIS 170
REFERÊNCIAS 177
APÊNDICES 187
18
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo conhecer as representações sociais
dos professores de educação infantil em relação à criança negra, a partir da prática
pedagógica do professor, visando compreender as interferências dessas
representações na socialização da criança no espaço educacional. Isto porque o
atual contexto das sociedades multiculturais apontam novas demandas e exigências
aos profissionais de educação em relação à diversidade cultural, o que tem
propiciado o avanço crescente de estudos e pesquisas no âmbito acadêmico que
problematizam a questão racial no ambiente escolar.
O interesse sobre a questão racial na educação infantil emergiu a partir da
nossa trajetória acadêmica e profissional, ou seja, com a formação em Pedagogia e
Especialização em Currículo e Avaliação, ambos pela Universidade Estadual do
Pará (UEPA), concluídos, respectivamente, nos anos de 1999 e 2000. Neste último
ano, iniciamos a docência nas séries iniciais da educação básica nas unidades de
ensino da Rede Municipal de Ensino de Belém (RME) e, em 2002, começamos a
desenvolver atividades como membro da equipe técnica pedagógica da Secretaria
Municipal de Ensino de Belém (SEMEC).
Nossa inserção como professora nas séries iniciais ocorreu
concomitantemente à implantação do Projeto Político Pedagógico da EscolaCabana pela SEMEC, por meio da então Coordenadoria de Educação (COED),
atualmente denominada Diretoria de Ensino (DIED). O referido Projeto estabelecia a
inclusão das crianças de 6 anos de idade no sistema de ensino fundamental, a partir
da organização do ensino em Ciclos de Formação, tendo como eixos centrais a
inclusão social e a participação popular, o que contribuiu para ampliar não somente
o tempo de permanência da criança no sistema escolar, mas, sobretudo, para
proporcionar um ensino de qualidade.
O Projeto da Escola Cabana visava a romper com práticas pedagógicas
tradicionais, seletivas, discriminatórias e excludentes, anunciando a necessidade de
uma educação que promovesse a inclusão, o respeito, a valorização da cultura e
dos saberes dos sujeitos envolvidos nesse processo: professores, gestores, alunos,
coordenadores pedagógicos, pais e a comunidade em geral, todos responsáveis por
um diálogo que garantisse uma educação democrática no ambiente escolar
(BELÉM, 2002).
19
Assim, o Projeto da Escola Cabana contemplava a emancipação e a
transformação dos sujeitos por meio de um movimento de reorientação curricular
que considerasse o contexto histórico e social dos educandos. Nesse sentido,
expressava os anseios por uma sociedade mais justa, democrática, igualitária e
popular, tendo como principais diretrizes a democratização do acesso e a
permanência com sucesso; a gestão democrática do sistema municipal de
educação; a valorização profissional dos educadores e a qualidade social da
educação (BELÉM, 1999).
Foi então que, em 2002, recebemos o convite para compor a equipe técnica
de ensino fundamental (ETEF) e, a partir de então, passamos a assessorar os
espaços educacionais no Distrito de Mosqueiro1. As atividades eram realizadas na
perspectiva interdisciplinar com as equipes da Coordenadoria de Educação:
educação infantil, educação especial, educação de jovens e adultos e da equipe de
esporte, arte e lazer. Esta última realizava suas atividades tanto nos espaços
educativos quanto nos espaços comunitários da ilha.
O diálogo permanente entre as diversas equipes nos possibilitou uma
aproximação do trabalho desenvolvido na educação infantil a partir de contribuições
nos assessoramentos às unidades. Assim, no ano de 2004, passamos a compor a
Equipe Técnica de Educação Infantil (ETEI), espaço que ampliou nossas discussões
acerca das questões sobre a infância.
O desafio que tínhamos, como técnicos pedagógicos, no que se refere ao
trabalho com as unidades de educação infantil, principalmente com os educadores,
visava a ressignificar e a conciliar o ato de cuidar e de educar, partindo de uma ação
interdisciplinar que permitia o resgate da cultura e da diversidade, possibilitando a
inserção social da criança, como sujeito de direito, contribuindo para a construção de
sua identidade numa perspectiva sociocultural (BELÉM, 2001; 2004).
Nos momentos de formação continuada, bem como nos de assessoramento
aos professores nas unidades de educação infantil, abordávamos diversas temáticas
acerca das concepções de criança e de infância, de desenvolvimento infantil, de
aprendizagem, de letramento, de currículo e de avaliação. No entanto, apesar do
esforço na promoção desses momentos formativos, percebíamos, no cotidiano da
1 Conforme Lei 7682 de 5 de janeiro de 1994 da Câmara Municipal de Belém que determina como 1ºDistrito Administrativo Mosqueiro – DAMOS: é composto das ilhas de Mosqueiro, São Pedro, doMaracujá, das Pombas, do Papagaio, Cunuari, da Conceição, do Maruim I, do Maruim II e maisquatro ilhas sem denominação.
20
prática pedagógica dos professores de educação infantil, certas dificuldades em
abordarem as discussões sobre as questões raciais, seja pelo não reconhecimento
de manifestações de atitudes de preconceito e discriminação no contexto da
educação infantil ou pela falta de formação inicial e de formação continuada para a
intervenção pedagógica sobre a diversidade racial no ambiente educacional.
Essa situação instigou o interesse em compreendermos sobre como se
constituem as discussões teóricas em torno do campo das relações raciais no
contexto da educação infantil, o que nos motivou a elaborarmos um projeto para o
aprofundamento das reflexões já iniciadas em nossa trajetória profissional. Sendo
assim, ingressamos no Mestrado em Educação na UEPA, no ano de 2010, o que
possibilitou, por meio de estudos nas disciplinas e seminários, especialmente na
disciplina de epistemologia, uma maior compreensão dos estudos a respeito do
multiculturalismo e da educação, fomentando ainda mais nossas inquietações sobre
o papel da escola e dos educadores, sobretudo os que realizam atividades na
educação infantil, na promoção de uma educação inclusiva, de respeito e de
valorização da diversidade racial no espaço escolar.
Concomitante ao ingresso no Mestrado e com o objetivo de aprofundarmos
as discussões sobre a questão racial no ambiente escolar iniciou nossa participação
do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações
Étnico-Raciais (GERA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem
fomentado pesquisas, estudos e seminários sobre as relações raciais no âmbito do
Estado do Pará. Participamos, assim, nos anos de 2010 e 2011, de momentos de
estudos, de planejamento e de execução de seminários, os quais foram profícuos
para o aprofundamento das reflexões sobre diversas temáticas que envolvem as
discussões sobre a diversidade, a cultura, a formação de professores, os marcos
legais sobre as relações raciais, o que contribuiu para ampliarmos nossa
compreensão sobre essas questões.
Tendo como base não só os estudos realizados no grupo de pesquisa e nas
disciplinas realizadas no decorrer do mestrado, mas também a revisão bibliográfica
realizada sobre a temática da questão racial na educação infantil contribuiu para
evidenciarmos pesquisadores como Cavalleiro (2007); Fazzi (2006); Souza (2002),
que vêm refletindo sobre a importância de estudos e de pesquisas que têm como
foco as discussões acerca das questões sobre o preconceito racial desde a
educação infantil. As autoras partem da compreensão de duas questões relevantes
21
para a abordagem das questões raciais na educação infantil: a primeira caracteriza-
se pela manifestação por parte das crianças de atitudes de cunho racial entre seus
pares; a segunda parte da evidência da falta de preparo dos profissionais de
educação infantil no trato com o tema do racismo no ambiente educacional.
O estudo sobre as representações sociais dos professores de educação
infantil em relação à criança negra parte do pressuposto de que existem lacunas na
discussão da problemática racial, nos cursos de licenciaturas e nos processos de
formação continuada. Coelho (2006) afirma que essas lacunas presentes no
processo formativo dos professores acabam por silenciar o reconhecimento das
diferenças e contribuem para a reprodução da discriminação e do preconceito racial
no ambiente educacional, interferindo na prática docente.
No âmbito da educação brasileira, esta situação permanece porque, em
nosso país, ainda prevalece o mito da democracia racial, que conformou a ideia de
inexistência de racismo em nossa sociedade. Assim, a escola é um dos espaços
onde esse mito muitas vezes é reproduzido, de modo que a questão racial continua
silenciada nos currículos, nas práticas pedagógicas bem como nos processos de
formação inicial e continuada dos professores. Tal reprodução se dá seja pelo não
reconhecimento do racismo pelos professores, seja pelo fato de os professores
terem uma representação da criança como um ser puro e inocente (ARIÈS, 2006), e,
como tal, é desprovida de qualquer possibilidade de manifestar atitudes de
preconceito e de discriminação no ambiente social em que se encontra inserida.
Ressaltamos, portanto, que a representação social da criança foi construída
historicamente como ser “desprotegido” (KRAMER, 2005), não como um ser real,
sujeito de direito, que reproduz, mas também produz conhecimento, rompendo
assim com a visão idílica que a submete à condição de coadjuvante no contexto
social, por ser considerada, conforme a autora como um
ser puro, sem consciência e sem voz nos processos sociais, políticos eeconômicos, incapaz de opinar e de se expressar, imaturo pararesponsabilidades e sem direito de expor seus próprios desejos – ainda estápresente nas práticas sociais e institucionais (KRAMER, 2005, p. 133).
Tomamos como referência os estudos sobre a sociologia da infância,
Sarmento (2009) aponta que a invisibilidade das crianças no decorrer da história
justifica-se pelo fato de não serem consideradas como sujeitos de direitos, isto é,
“não existem porque não estão lá: no discurso social” (p.19).
22
Segundo Sarmento (2009), a infância somente assume um caráter enquanto
categoria social nos discursos no final do século XX, momento em que a sociologia
da infância compreende distintamente os conceitos de criança e de infância: a
criança é concebida como ator social e a infância como categoria social. E como
categoria social, a criança vivencia sua infância interagindo com o mundo,
produzindo e intervindo na cultura. É a partir desse momento que emerge outra
forma de representação sobre a criança, não mais vista como imatura, incapaz, mas
tida como sujeito que produz conhecimento no e com o mundo. Estas
representações sobre a infância e sobre a criança acabam orientando a prática
pedagógica dos professores nos espaços de educação infantil, tanto na perspectiva
em que se considera a criança como sujeito de direitos quanto na que considera a
criança como um ser desprotegido, portanto incapaz de interferir no contexto em que
está inserida.
Tomamos no presente estudo os pressupostos da sociologia da infância que
considera a criança como sujeito. Assim sendo, não há como negar que as crianças,
desde a mais tenra idade, podem estabelecer nos seus processos de socialização
mecanismos de resistências, de discriminação e de preconceito racial, a partir do
convívio na família e nas instituições educacionais, como a escola. Daí a relevância
em compreendermos como estes processos de socialização da criança na educação
infantil são trabalhados na prática pedagógica do professor em relação às questões
raciais.
Destacamos as pesquisas desenvolvidas por Rosemberg (1987, 1991,
1998,1999, 2006), que evidencia a presença da manifestação de preconceito racial
desde a educação infantil, não somente a exclusão desde o acesso à educação
infantil, mas também a difícil permanência e conclusão dos estudos por parte de
grande parcela da população de baixa renda, na qual se encontra uma grande
parcela de crianças negras.
Rosemberg (1998), em pesquisa sobre o baixo rendimento escolar de
crianças negras, revela que, além da dificuldade de acesso ao ensino formal, a
permanência é um desafio ainda maior, culminando com um alto índice de evasão,
de reprovação e de atraso escolar, por parte dessa parcela da população em relação
às crianças brancas. Segundo a autora, “os negros, mais do que os brancos,
frequentam escolas carentes” (ROSEMBERG, 1998, p. 83). Estas escolas, de
acordo com a autora, são, muitas vezes, de baixa qualidade, sendo uma
23
desvantagem na possibilidade de ascensão social e econômica das crianças negras,
contribuindo para a manutenção das desigualdades, do preconceito e da
discriminação racial no espaço escolar.
Este quadro se intensifica quando não se viabiliza o diálogo sobre as
questões raciais, tanto no ambiente familiar quanto no escolar, o que pode colaborar
para a formação de indivíduos que manifestem práticas discriminatórias e
preconceituosas ainda quando crianças, dificultando, assim, o processo de
socialização da criança no que se refere à questão racial, de uma feita que “a
preocupação com a socialização está presente e inerente no trabalho escolar, mas
sem passar pelas questões étnicas” (CAVALLEIRO, 2007, p. 48) obstaculizando o
combate ao racismo no cenário educacional brasileiro.
As discussões sobre o papel da escola e dos educadores na promoção de
uma educação de respeito à diversidade cultural têm sua origem na luta pelos
movimentos sociais em defesa de igualdade e de equidade social. Estas discussões
entram no bojo das políticas multiculturais que visam a articulação da relação entre a
educação, a cultura e a escola, compreendendo que “não há educação que não
esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa” (CANDAU, 2008,
p. 13).
Candau (2008) afirma que toda experiência pedagógica está relacionada
intrinsecamente à cultura das sociedades em que vivemos. A escola assume, então,
um papel determinante no rompimento de práticas pedagógicas de caráter
homogeneizador e monocultural, sendo primordial a construção de novas práticas
educativas que favoreçam o reconhecimento das diferenças no ambiente escolar.
No que concerne às sociedades multiculturais, Gonçalves e Silva (2006)
compreendem estas como espaço/tempo em que os atores vivenciam e
experimentam a manifestação de atitudes discriminatórias e preconceituosas em
relação à cultura do “outro”. Segundo os autores, esta sociedade é caracterizada
pelo “jogo das diferenças”, determinado conforme o contexto sócio-histórico, no qual
ocorre a valorização de uma cultura em detrimento de outra, pela submissão e pela
negação de uma cultura em detrimento da hegemonia de outra.
Para entender melhor o multiculturalismo, os autores consideram a
relevância da análise dos diferentes enfoques gerados pela discussão sobre os
estudos multiculturais. Dentre esses enfoques, destacam a “estratégia política” como
uma das faces do multiculturalismo que visa ao combate de toda e qualquer
24
manifestação de preconceito e de discriminação na sociedade. Outra forma descrita
por eles leva em conta o “corpo teórico”, que direciona a produção e a transmissão
do conhecimento a partir das diversas instituições organizadoras da cultura, tais
como a escola, a mídia, as universidades, os museus, dentre outros (GONÇALVES
e SILVA, 2006).
Por meio da escola e também das instituições provedoras de cultura
supramencionadas que os atores sociais constroem seus conhecimentos e valores
sobre seu pertencimento racial que, dependendo da maneira como ocorre essa
disseminação, pode gerar atitudes negativas em relação a aspectos que envolvem a
raça e a etnia dos indivíduos em suas relações sociais, estabelecidas tanto fora
quanto dentro do espaço escolar.
O multiculturalismo, desde a sua origem, toma como referência o princípio
ético como orientador da política em defesa dos grupos minoritários, “aos quais foi
negado o direito de preservarem suas características culturais” (GONÇALVES e
SILVA, 2006, p. 17). De acordo com suas concepções, essa condição de exclusão
contribuiu para a emergência de movimentos multiculturais, primeiramente por parte
das reivindicações de grupos étnicos. Contudo, esses movimentos englobam um
“universo cultural” mais amplo, incluindo a participação de grupos minoritários e
culturalmente dominados, visando à valorização, ao reconhecimento e ao respeito
pelos direitos civis, por meio de organizações sociais e políticas.
No Brasil, o racismo é concebido na perspectiva do mito da democracia
racial, onde as interações entre brancos, negros e índios em nossa sociedade
ocorrem sem conflitos, prevalecendo a cultura eurocêntrica como reguladora e
detentora do conhecimento universal. Durante décadas, o multiculturalismo ficou à
margem dos discursos acadêmicos e, sobretudo, da formação dos educadores.
Entretanto, recentemente, as reflexões e as discussões no âmbito acadêmico
acenam para o interesse em discutir uma nova concepção de currículo escolar que
valorize e reconheça as diferenças culturais (GONÇALVES e SILVA, 2006).
Diante do exposto, a emergência da discussão sobre a temática em foco “ACriança Negra: as representações sociais de professores de educação infantil”,
parte da necessidade de refletirmos sobre como são construídas estas
representações sociais dos educadores no contexto da educação infantil,
considerando que as representações sociais são, conforme Jodelet (2001, p.22),
25
uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com umobjetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comuma um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comumou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento édiferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tidacomo um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à suaimportância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processoscognitivos e das interações sociais.
Partimos do contexto local e social onde estão situadas as relações, as
interações, as escolhas e as organizações da prática pedagógica do professor no
espaço educacional em relação às questões raciais. Por compreendemos a
importância do papel dos professores no desenvolvimento de práticas de valorização
e de reconhecimento das diferenças, sejam elas culturais, sociais, raciais, étnicas,
religiosas, para o fortalecimento do respeito à diversidade cultural presentes no
ambiente escolar (CAVALLEIRO, 2007). Daí a necessidade de refletirmos sobre
como os professores elaboram suas representações sobre a criança negra e como
estas representações orientam a prática pedagógica do professor, de modo que
favoreça a inclusão e a socialização da criança negra no cotidiano da educação
infantil.
A relevância deste estudo está relacionada às mudanças ocorridas na
Constituição Federal e na legislação educacional brasileira em relação à questão
racial, tendo em vista o enfrentamento de práticas de combate ao preconceito racial
e respeito à diversidade cultural.
Gonçalves e Silva (2006) analisam a emergência de políticas multiculturais
no Brasil a partir da década de 80, como modo de garantir uma política de igualdade
e equidade social. De um modo geral, os movimentos sociais, dentre eles o
movimento negro, vêm intensificando a luta em defesa dos direitos de respeito e
valorização da cultura negra. Partindo deste contexto, algumas medidas legislativas
foram alcançadas com a observância do que foi instituído na Constituição Brasileira
de 1988, art. 5º, que prevê a prática de racismo como crime. Isto porque, segundo
Santos (2005), apesar da abolição da escravatura no Brasil em 13 de maio de 1888,
isso não eximiu os negros livres de sofrerem as amargas consequências do
preconceito e da discriminação racial, reforçadas, muitas vezes, pelas instituições
tais como a família e a escola. O autor responsabiliza a escola por perpetuar as
desigualdades raciais no sistema educacional brasileiro, o que provocou reação do
movimento negro na reivindicação de políticas educacionais afirmativas de combate
ao preconceito nas instituições educacionais.
26
Santos (2005) destaca, ainda, que estas discussões ganharam força com o
estabelecimento do I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro
Experimental do Negro, realizado em 1950 no Rio de Janeiro. Outro marco
importante na luta do movimento negro foi a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o
Racismo, pela Cidadania e a Vida, que ocorreu em 20 de novembro de 1995, na
cidade de Brasília. Nessa marcha, houve a denúncia para as autoridades, visando
ao combate a qualquer forma de manifestação de preconceito contra o negro. Já na
segunda metade da década de 90, o autor destaca como resultados dessas
denúncias à intervenção pelo governo brasileiro, a análise e a alteração de
conteúdos depreciativos e estereotipados da imagem do negro nos livros didáticos.
Gonçalves e Silva (2006) enfatizam que as discussões sobre o combate ao
racismo ganharam maior força no Brasil com a Terceira Conferência Mundial contra
o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, realizadas em
2001, em Durban, na África do Sul. A partir dessa conferência, o governo brasileiro
criou vários programas e secretarias, dentre estes destacamos o Programa de
Ações Afirmativas para os negros, sob a diligência do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, e a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial – SEPPIR e da Secretaria Especial de Políticas da Mulher, o que,
para os autores, contribuiu para a promoção de políticas multiculturais, ao afirmarem
que
neste contexto aparecem condições muito favoráveis para criar, ampliar efortalecer políticas multiculturais no país, em diferentes esferas da vidasocial. No plano educacional, o incentivo aos projetos dessa natureza ganhaforça com a criação de uma Secretaria dentro do Ministério da Educaçãopara tratar das questões da diversidade cultural em diferentes instâncias doensino e da formação escolar (GONÇALVES e SILVA, 2006, p. 93).
Segundo Munanga e Gomes (2006), estas políticas visam a combater o
abismo racial secular vivenciado no Brasil, resultado da estrutura racista a que foi
submetida a população historicamente alijada do acesso aos direitos humanos,
como no caso dos negros, que, nos dias atuais, ainda conclamam por justiça e por
igualdade de oportunidades, como intuito de romper com a estrutura social racista
evidenciada nas desigualdades de acesso ao emprego, à escola, à moradia, às
condições dignas de vida.
27
Santos (2005) explicita que a partir de 2003 ocorre um prosseguimento nas
intervenções das políticas antirracistas, destacando a alteração da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/96, promulgada em 20 de dezembro
de 1996, em seus art. 26 e 27, a partir da implementação da Lei nº 10.639/03, que
torna obrigatório o ensino da história e da cultura dos povos afro-brasileiros, visando
a valorizar as contribuições destes povos na construção social, política e cultural da
sociedade brasileira.
O autor destaca que esta alteração na lei, além de representar um avanço
no processo de democratização, configura-se em um marco na luta contra o
racismo. Isto porque, ao estabelecer a obrigatoriedade do ensino da História e da
Cultura Afro-Brasileira nas instituições de ensino, exige que estas instituições e os
professores façam a adequação em seus currículos, a fim de que se contemplem as
contribuições dos povos historicamente excluídos, bem como fomentem essas
discussões no processo de formação continuada dos educadores, visando à
qualificação de sua prática pedagógica para intervenção positiva no trato com as
questões raciais.
Todavia, Coelho (2010) ressalta que, apesar de ter sido sancionada a Lei nº
10.639/03, alterada posteriormente pela Lei nº 11.645/08, que estabelece a
obrigatoriedade do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira e indígena
nas instituições escolares brasileiras, sua implementação pelas instituições
educacionais ainda é um desafio, principalmente pela necessidade de formação
tanto inicial quanto continuada dos educadores visando a uma abordagem positiva
sobre o preconceito e a discriminação racial no cotidiano escolar. Não obstante, a
autora destaca que a ausência efetiva do Estado na promoção de políticas de
intervenção, os escassos materiais didáticos, a precária formação dos professores,
tanto inicial quanto continuada impedem que os professores reconheçam a
problemática racial e intervenham criticamente na abordagem dessas questões nos
sistemas educacionais brasileiros.
O não reconhecimento das desigualdades entre negros e brancos pelos
educadores e pela sociedade, de uma forma geral, traduz a negação das distorções
sociais, econômicas, educacionais, sustentada pelo discurso ideológico do mito da
democracia racial. Segundo Gomes (2005), além da negação da discriminação racial
contra os grupos secularmente excluídos, como os negros, ocorre a perpetuação da
imagem estereotipada do negro presente na história da sociedade brasileira,
28
corroborando para potencializar as manifestações de preconceito e de discriminação
racial no ambiente educacional. A autora ressalta que a discriminação é a forma de
materialização do racismo e do preconceito, na medida em que sai do campo dos
discursos presentes nas doutrinas e nas formas de conceber o mundo e se efetiva
na prática cotidiana nas relações estabelecidas entre os diversos grupos étnico-
raciais nas principais instituições sociais, como a família, a igreja e a escola. Nesses
termos, concordamos com Gomes (2005, p. 60) quando esta afirma que
a escola tem um papel importante a cumprir nesse debate. Os (as)professores (as) não devem silenciar diante dos preconceitos ediscriminações raciais. Antes, devem cumprir o seu papel de educadores(as), construindo práticas pedagógicas e estratégias de promoção daigualdade racial no cotidiano da sala de aula. Para tal é importante sabermais sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira, superar opiniõespreconceituosas sobre os negros, denunciar o racismo e a discriminaçãoracial e implementar ações afirmativas voltadas para o povo negro, ou seja,é preciso superar e romper com o mito da democracia racial.
Para Antônio Guimarães (2004, 2008, 2009), o racismo surge no cenário
brasileiro como doutrina científica, a partir da abolição da escravatura e da política
de igualdade posta ao povo brasileiro para a construção de uma nação civilizada e
próspera econômica e politicamente. É o que o autor denomina de racismo científico
(2009), o qual define a raça branca como superior, como pura, em detrimento da
raça negra, fortalecendo nesse período o pensamento racial sobre o
“embranquecimento”.
a ideia de “embranquecimento” foi elaborada por um orgulhonacional ferido, assaltado por dúvidas e desconfianças a respeito doseu gênio industrial, econômico e civilizatório. Foi, antes de tudo,uma maneira de racionalizar os sentimentos de inferioridade racial ecultural instalados pelo racismo científico e pelo determinismo doséculo XIX (GUIMARÃES, 2009, p.53).
Consoante Guimarães (2009), fortalecer a ideia de embranquecimento
juntamente com o discurso do mito da democracia racial contribuiu para minimizar os
entraves advindos dos processos de colonização e de imigração, instaurando no
pensamento racial da sociedade brasileira a necessidade da manutenção do status
quo, privilégios, classes, recursos econômicos e políticos da elite branca, que eram
29
determinantes para a continuidade do progresso da nação. O ideal do
embranquecimento, que silenciava e excluía negros e indígenas em prol de um
discurso de igualdade, aumentava ainda mais as desigualdades, a pobreza, a
miséria e a falta de oportunidades para a população negra, negando a existência de
racismo e de discriminação racial no cenário da ideologia nacional quando enfatiza
que
a legitimidade de diversas formas de violência e de discriminação, que sãopráticas generalizadas de interação para parcelas significativas dapopulação, acaba, de fato, por limitar o exercício da plena cidadania,tornando bastante plausível, porque invisível, a discriminação racial(GUIMARÃES, 2009, p.70).
O que existiria seriam atitudes preconcebidas do outro, um preconceito
equivocado do outro, ou seja, a negação do racismo e da discriminação era velado
pelo ideário de negação da existência das raças no Brasil e pela consequente
“reprodução da desigualdade social entre as raças” (GUIMARÃES, 2009, p. 66).
O autor Roberto DaMatta (2010), em sua “fábula das três raças”, traz à tona
a realidade do que denominou de “racismo à brasileira”, o qual marcava a ideologia
dominante presente na sociedade brasileira, revestido pelo discurso da mestiçagem,
no qual brancos, negros e índios comporiam uma unidade básica, comum,
indissociável por meio da escravização, da segregação e da negação da história e
da cultura que emolduraram negros e índios no sistema colonial brasileiro.
O mito das três raças permeia ainda hoje o pensamento brasileiro, no qual é
possível aceitar as hierarquias, privilégios, status, superioridade do branco diante
das precárias condições de acesso à moradia, à educação, ao saneamento a que
estão sujeitos grande parte da população de negros e indígenas. É o que DaMata
(2010) afirma ser a tese do “branqueamento”, projeto que desde o advento da
República busca ser o ideal de civilização e progresso da nação da elite intelectual
da época.
E, finalmente, é essa fábula que possibilita visualizar nossa sociedade comoalgo singular – especifica que nos é presenteada pelo encontro harmoniosodas três “raças”. Se no plano social e político o Brasil é rasgado porhierarquizações e motivações conflituosas, o mito das três “raças” une asociedade num plano “biológico” e “natural”, domínio unitário, prolongadonos ritos de Umbanda, na cordialidade, no carnaval, na comida, na belezada mulher (e da mulata) e na música. (DA MATTA, 2010, p. 77).
30
É na “cordialidade” que as relações ideológicas de poder entre brancos,
negros e índios foram se constituindo desde a colonização até os dias atuais, pelo
estabelecimento de um processo político, social e cultural que hierarquiza as
relações sociais, definindo a supremacia da raça branca, mantida por meio da
invisibilidade das diferenças, do preconceito e da discriminação das raças tidas
como inferiores. Conforme argumenta DaMatta (2010, p. 84-85),
Num meio social como o nosso, onde “cada coisa tem um lugar demarcadoe, como corolário, cada lugar tem sua coisa”, índios e negros têm umaposição demarcada num sistema de relações sociais concretas, sistemaque é orientado de modo vertical: para cima e para baixo, nunca para oslados. É um sistema assim que engendra os laços de patronagem,permitindo conciliar num plano profundo posições individuais e pessoais,com uma totalidade francamente dirigida e fortemente hierarquizada. Emsociedades assim, constituídas, situações de discriminação (ou desegregação) só tendem a ocorrer quando o elemento não é conhecidosocialmente; isto é, quando a pessoa em consideração não tem e nãomantém relações sociais com pessoa alguma naquele meio. Adiscriminação não é algo que se dirige apenas ao diferente, mas aoestranho, ao indivíduo desgarrado, desconhecido e solitário: ao estrangeiro– o que, numa palavra, não está integrado na rede de relações pessoaisaltamente estruturadas que, por definição, não pode deixar nada de fora:nem propriedade nem emoção nem relação. [...] Uma vez que tais relaçõessão estabelecidas, todos ficam dentro de um sistema totalizante e é semprepor meio dele que as diferenças entre os grupos são resolvidas.
O rompimento dessas práticas discriminatórias e excludentes são objeto de
enfrentamento por parte do movimento negro, o qual institui a escola como um dos
espaços em que devem ser garantidos os direitos sociais e o respeito à diversidade
cultural. Isso pressupõe a implantação de iniciativas que visem ao combate de toda
e qualquer forma de preconceito e de discriminação racial por parte não apenas das
instituições escolares da educação básica – compreendendo a educação infantil, o
ensino fundamental e o ensino médio –, mas também das instituições de ensino
superior, prevendo a intervenção por meio de seus projetos político-pedagógicos e
de sua estrutura curricular (GOMES, 2007).
Arroyo (2007) argumenta que, para rompermos com práticas discriminatórias
e preconceituosas nas instituições de ensino, temos que conhecer as raízes dos
movimentos sociais. Para tanto, o autor propõe um diálogo entre a pedagogia
multirracial e a pedagogia popular, por considerar que nesta última está a base de
inspiração que motivou os movimentos sociais, nas décadas de 60 e 70, pela busca
da emancipação, da libertação e da descolonização dos povos oprimidos.
31
Fundamentando-se nos ideais Freireanos, o autor destaca que a luta pelo
movimento negro na defesa da valorização e do reconhecimento de suas culturas
tem sua origem nesses ideais da pedagogia libertadora e emancipatória. Ele
também argumenta que para reverter o discurso do mito da democracia racial, há
que se lançar no terreno que estrutura o sistema escolar, não subestimando a
ausência de falso discurso de igualdade no interior da escola, muito menos alegando
que a culpa é somente dos professores, ao contrário, estabelecer um diálogo entre a
pedagogia multirracial e a pedagogia popular, tendo em vista alcançar os sistemas
de educação formal. Isso requer o conhecimento de como o racismo foi e ainda é
produzido e legitimado pelas instituições como a escola e, sobretudo, compreender
os mecanismos de exclusão e preconceitos que circulam na esfera escolar. É por
meio deste diálogo que haverá possibilidade de intervenções efetivas na estrutura
escolar, na qual os educadores e o próprio movimento negro, com a contribuição de
pesquisadores que problematizam as diversas formas de manifestação de
discriminação, poderão de fato modificar a estrutura escolar de histórica exclusão.
Assim, para Arroyo (2007, p. 119-120),
A escola tem sido e continua sendo extremamente reguladora dosdiferentes, dos povos e coletivos social e culturalmente marginalizados. Aestrutura do sistema tem estado a serviço da regulação desses coletivos.Neste quadro o diálogo não será fácil. Será tenso e marcado por fortesresistências a renunciar a esse papel regulador e assumir um papelemancipatório. Este é um dos pontos mais tensos nas tentativas de umdiálogo entre pedagogias escolares e a pedagogia popular, multirracial: atensão entre regulação e emancipação.
Para refletir sobre essas situações de discriminação racial, que perpassa
pelo debate teórico do multiculturalismo e pelo estudo das Representações Sociais,
definimos como foco de estudo o seguinte problema de investigação: Como são
produzidas as representações sociais dos professores de educação infantil em
relação à criança negra, em sua prática pedagógica, e de que modo estas
representações interferem no processo de socialização da criança no espaço
educacional?
Partindo dessa questão-problema, emergem as seguintes questões
norteadoras: Que representações sociais são manifestadas nas práticas
pedagógicas dos professores de educação infantil em relação à criança negra e sua
socialização na escola? Como as representações sociais em relação à criança negra
32
e sua socialização ocorrem nas interações entre o professor e a criança, e das
crianças com seus pares no espaço educacional de educação infantil? Se/ e como
os professores de educação infantil promovem a socialização da criança negra no
espaço educacional, possibilitando o respeito à diversidade racial e
multi/intercultural?
A partir da configuração da problemática definimos como objetivo geral:Conhecer as representações sociais dos professores de educação infantil em
relação à criança negra e sobre sua socialização, a partir da sua prática pedagógica,
visando compreender, também, as interferências dessas representações na
socialização da criança no espaço educacional. Para tanto, indicamos os seguintes
objetivos específicos:
Identificar as representações sociais manifestadas nas práticas
pedagógicas dos professores de educação infantil em relação à criança
negra e sua socialização no espaço escolar;
Perceber como as representações sociais em relação à criança negra e
sua socialização ocorrem nas interações entre o professor e a criança, e
das crianças com seus pares no espaço educacional de educação infantil;
Verificar se/ e como os professores de educação infantil promovem a
socialização da criança negra no espaço educacional, possibilitando o
respeito à diversidade racial e multi/intercultural.
Ressaltamos neste estudo a necessidade de problematizarmos como as
questões sobre a diversidade racial estão sendo pensadas, planejadas e
vivenciadas nas instituições de educação infantil, por compreendermos que o papel
dos professores é determinante para a mediação de propostas pedagógicas que
subverta toda manifestação de preconceito e discriminação nos processos de
interação e socialização do adulto/criança e criança/criança no cotidiano da
educação infantil.
Deste modo, a estruturação do texto deste estudo é composta por seis
seções. Na primeira, a Introdução, destacamos elementos centrais para o estudo.
Para tanto, situamos as motivações do pesquisador para a realização deste estudo
acerca da temática racial na educação infantil; realizamos um breve panorama do
33
tema; apresentamos a justificava e a relevância desta pesquisa, por meio do diálogo
e da reflexão com autores que abordam o tema; explicitamos a problemática envolta,
as questões norteadoras e os respectivos objetivos que orientam a pesquisa.
Na segunda seção, Caminhos Teórico-Metodológicos do Estudo,
delineamos o caminho teórico-metodológico do estudo, a partir da caracterização do
locus da pesquisa; da definição dos sujeitos participantes do estudo; destacamos
também o levantamento dos dados empíricos. Trazemos ainda as principais
pesquisas desenvolvidas no âmbito acadêmico sobre a questão racial na educação
infantil, bem como o debate deste tema no estado do Pará.
Na terceira seção, Infância, Educação infantil e a Criança Negra noBrasil, objetivamos um aprofundamento sobre como a infância foi sendo constituída
em nossa sociedade, destacamos como a criança negra foi retrada no contexto
histórico da sociedade brasileira. Para tanto, realizamos um breve panorama sobre a
infância da criança negra na história do Brasil, a fim de que compreendamos, nos
dias atuais, a política direcionada para a educação infantil no trato com a questão
racial.
Na quarta seção, A Política Multi/Intercultural para a Educação dasRelações Raciais na Educação Infantil, a qual está subdividida em três partes.
Apresentamos, na primeira parte, de forma sucinta, os principais marcos legais que
orientam para uma educação antirracista. Na segunda parte, abordamos o debate
em torno do multiculturalismo e do interculturalismo crítico, vislumbrando conceber
uma educação que emancipe e possibilite o respeito à diversidade cultural e o
estabelecimento de relações sociais de modo positivo. Na terceira parte, refletimos
sobre as principais discussões sobre as relações raciais na educação infantil,
destacando o papel da escola e do professor, principalmente os da educação
infantil, na promoção de práticas pedagógicas na perspectiva do multiculturalismo
crítico/ intercultural que favoreçam o reconhecimento das diferenças raciais, desde a
mais tenra idade na sociedade.
Na quinta seção, As Representações Sociais dos Professores deEducação Infantil em Relação à Criança Negra e sua Socialização no Contextoda Unidade Educacional Investigada, apresentamos a análise dos dados
empíricos da pesquisa, objetivando refletir sobre como ocorrem as construções das
representações dos professores sobre a criança negra no cotidiano da unidade de
educação infantil investigada, tendo como base de análise o referencial teórico-
34
metodológico apresentado neste estudo a partir das seguintes categorias temáticas:
a) Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar; b)
Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na escola;
c) Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola; d) A
contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a superação dos
preconceitos e discriminações raciais na escola; e) A formação dos professores e as
relações raciais na escola.
Na sexta seção, Considerações Finais, tecemos as principais
considerações sobre os resultados da pesquisa, de modo a não só refletirmos sobre
os limites e as possibilidades que evidenciamos nas representações dos professores
de educação infantil no trato com a questão das relações raciais, mas também
apontarmos os desafios para a promoção de uma prática pedagógica reflexiva e
interventiva que garanta e valorize o reconhecimento das diferenças.
35
2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO
2.1 PRESENÇA DA COR NAS PESQUISAS: A EDUCAÇÃO INFANTIL ENTRA EMCENA
O tema em estudo acerca das práticas pedagógicas dos professores de
educação infantil, para o trato com as questões raciais, começa a ser objeto de
estudos, de pesquisas e de reflexões para uma educação na perspectiva do
multiculturalismo crítico/ intercultural, contribuindo para dar visibilidade à valorização
das diferenças no cotidiano das unidades da educação infantil, conforme enfatizado
a seguir.
A realização de pesquisas com o objetivo de compreender adinâmica das relações multiétnicas no âmbito da educação infantilrepresenta um recurso de avanço no combate ao racismo brasileiro,visto que estudos dessa natureza revelam como se dão as relaçõesinterpessoais, seus benefícios e seus prejuízos para os indivíduosque convivem na escola, bem como fornecem subsídios para aelaboração de novas práticas educacionais, quer seja na família,quer seja na escola (CAVALLEIRO, 2007, p. 37).
No âmbito nacional, são recentes os estudos e as pesquisas voltados para
o debate acerca do preconceito racial no ambiente escolar. Na revisão bibliográfica
realizada, a partir do levantamento de teses e dissertações junto aos Programas de
Pós-graduação em Educação, bem como no site da CAPES, percebemos que o
interesse em compreender como se materializa o preconceito e a discriminação
racial no contexto educacional tem sido o objeto de estudo de muitos pesquisadores
brasileiros.
Nesse sentido, apontaremos, a seguir, algumas pesquisas realizadas,
principalmente as que tiveram como objeto de estudo a educação infantil, tanto no
âmbito nacional quanto no que concerne às pesquisas produzidas no Estado do
Pará, com o intuito de compreendermos como vêm se delineando esses estudos,
discriminando, assim, os avanços e os desafios no campo dos estudos sobre as
relações raciais e a educação no âmbito acadêmico.
Os estudos que descreveremos, na sequência, sobre a temática racial na
educação são resultados de dissertações, que têm como locus a educação infantil.
São pesquisas que buscam problematizar a formação continuada dos professores
36
para o trato com a questão racial; as relações sociais entre os professores e a
criança negra; os critérios de acesso da criança negra à educação infantil; dentre
outras temáticas que discutiremos, a seguir, a partir do quadro abaixo.
Quadro 1: Pesquisas em âmbito nacional sobre relações raciais na educação infantil
FONTE: CAPES/ INTERNET
A pesquisa realizada por Cavalleiro (2007), publicada no livro “Do silêncio do
lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil”,
defendida em 1998, na Universidade de São Paulo, retrata o cotidiano da educação
infantil e a realidade vivenciada diante do preconceito racial. A partir de observação
sistemática em três turmas da pré-escola, com atendimento de crianças entre 4 e 5
anos, por um período de oito meses, a autora objetivou investigar as práticas dos
educadores e o processo de interação e de socialização envolvendo o educador e a
ANO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO
1998 Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,preconceito e discriminação infantil
Eliane Cavalleiro USP
2004 Um estudo sobre as creches: o que as práticaseducativas produzem e revelam sobre a questãoracial
Fabiana deOliveira
UFSCAR
2006 O drama racial de crianças brasileiras:socialização entre pares e preconceito
Rita Fazzi PUC-MINAS
2007 O acesso das crianças negras à educaçãoinfantil: um estudo de caso em Florianópolis
Cristiane Silva URSC
2009 Educação Infantil na perspectiva das relaçõesétnico-raciais: relato de duas formaçõescontinuadas
Camila Saraiva PUC-SP
2010 Representações sociais sobre a criança negra naeducação infantil: mudanças e permanências apartir da prática pedagógica de uma professora
Carolina dePaula Teles
FEUSP
37
criança, a interação da criança com seus pares e também com seus familiares, e a
pesquisa revelou o quanto a questão do preconceito racial está silenciado no
ambiente escolar, propiciando a legitimação de práticas discriminatórias. A autora
considera que a ausência de discussão sobre as questões que envolvem a
discriminação e o preconceito racial, tanto pelos educadores quanto pelos
coordenadores pedagógicos e direção escolar, demonstra, dentre outros aspectos, a
falta de preparo dos mesmos para o trato com as questões acerca do preconceito
racial.
Fazzi (2006), em seu livro intitulado “O drama racial de crianças brasileiras:
socialização entre pares e preconceito”, relata a pesquisa que aborda o preconceito
racial na infância, realizada em Belo Horizonte, a partir da observação de crianças
em duas escolas, que teve como objetivo investigar como se constitui o processo
social da construção do preconceito racial por dois grupos de crianças de distintos
níveis socioeconômicos. A autora enfatiza com os resultados da investigação que o
processo de socialização entre pares no ambiente escolar constitui espaço e tempo
profícuo para a aprendizagem e a experiência do significado social de raça. Ela
destaca, ainda, a centralidade da escola no processo de socialização infantil,
sinalizando a necessidade de implementação de políticas educacionais desde a
educação infantil, considerando que a construção social do pensamento racial na
criança começa a ser fomentada desde os três anos de idade.
Na pesquisa intitulada “Um estudo sobre a Creche: o que as práticas
educativas produzem e revelam sobre a questão racial?”, a autora Oliveira (2004)
objetivou elaborar uma síntese teórica, a partir dos estudos realizados sobre a
infância da criança negra nas pesquisas raciais, e analisar as práticas que ocorrem
na creche, com ênfase na criança negra, verificando por meio da prática como estas
produzem a questão racial. Por meio de um estudo de caso, a pesquisa foi
desenvolvida com professores de creche envolvidos no atendimento de crianças na
faixa etária de 0 a 3 anos.
Ainda com relação ao assunto, Cristiane Silva (2007), em seu estudo sobre
“O acesso das crianças negras na educação infantil: um estudo de caso em
Florianópolis”, investigou os critérios que são utilizados pela Rede Municipal de
Florianópolis para o acesso das crianças negras na educação infantil, visando a
compreender de que maneira ocorrem processos de exclusão e de discriminação da
criança negra no processo de seleção. A autora optou pelo estudo de caso em uma
38
instituição de educação infantil, envolvendo a análise dos critérios de seleção
referentes à matrícula das crianças negras, e utilizou como base de dados a análise
demográfica referente à população infantil com recortes raciais, a partir da realidade
encontrada na cidade, no bairro e na instituição investigada.
Concluiu-se, dentre outros aspectos, que o acesso à educação infantil não
ocorre conforme estabelecido constitucionalmente – a legislação prevê a educação
da criança como direito –, uma vez que para ter acesso à educação dos filhos, os
pais têm que apresentar no ato da matrícula renda comprovada e residência própria,
colocando à margem as famílias com situações socioeconômicas desprivilegiadas;
constatou-se, então, um processo de exclusão envolvendo fatores como pobreza/
raça, que, somados, caracterizam a exclusão e a discriminação da criança negra no
que diz respeito ao acesso à educação infantil.
A pesquisa intitulada “Educação infantil na perspectiva das relações étnico-
raciais: relato de duas experiências de formação continuada de professores no
Município de Santo André”, também no âmbito da educação infantil, foi realizada por
Saraiva (2009), e teve como principal objetivo descrever duas experiências de
formação continuada, realizadas no período de 2005 a 2006, com as temáticas
Gênero e Raça e A Cor da Cultura, implementadas no município de Santo André. A
partir da análise das formações, pretendia-se perceber de que maneira estas
contribuíam para a sensibilização e a orientação quanto às questões sobre as
relações raciais na prática pedagógica dos professores da educação infantil. Quanto
à pesquisa qualitativa, analisaram-se os documentos referentes às formações
supracitadas com a realização de entrevistas, envolvendo duas professoras da
educação infantil e um representante da Secretaria Municipal. Os resultados
evidenciaram que, no processo de formação continuada de professores da
educação infantil visando à abordagem das relações étnico-raciais, deve-se
observar a especificidade desta etapa na educação básica, primando pelo maior
envolvimento de todos os professores nos momentos de formação, assim como dos
gestores e de uma política permanente de formação por parte da Secretaria
Municipal de Educação do referido município.
Em pesquisa recente acerca das “Representações sociais sobre as crianças
negras na educação infantil: mudanças e permanências a partir da prática
pedagógica de uma professora”, Teles (2010) destaca como objetivo de estudo o de
apreender e de interpretar as representações sociais sobre as crianças negras na
39
perspectiva de uma professora de educação infantil. Constatou-se que as
representações sociais da professora em relação às crianças negras pautam-se no
ideal de democracia racial ainda existente na sociedade brasileira.
No âmbito do Estado do Pará, as pesquisas referentes à temática das
relações raciais no contexto escolar começam, na última década, a ser objeto de
interesse por parte dos pesquisadores. Nesse sentido, as pesquisas encontradas
são dissertações, conforme apresentamos no quadro abaixo.
Quadro 2 - Pesquisas sobre relações raciais no Estado do ParáANO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO
2007Interfaces entre identidade negra e projetopedagógico em uma escola pública deAnanindeua (PA)
Ana D’arcAzevedo UEPA
2009[In] Visibilidade Negra: representação socialde professores acerca das relações raciaisno currículo escolar do ensino fundamentalem Ananindeua
Raquel Amorim UFPA
2009Negro e ensino médio: representações deprofessores acerca de relações raciais nocurrículo
Rosângela Silva UFPA
2010Relações sociais na escola: representaçõesde alunos negros sobre as relações queestabelecem no espaço escolar
Nicelma Soares UFPA
Fonte: Site UEPA/UFPA
Na Universidade do Estado do Pará - UEPA, destacamos a pesquisa
realizada por Azevedo (2007), que investigou como a identidade negra se
manifestava no projeto político pedagógico da escola pesquisada, considerando
seus atores sociais e o modo como se evidenciava a diversidade cultural na
perspectiva do multiculturalismo crítico. A partir de um estudo de caso, foi realizado
o levantamento bibliográfico e documental e entrevista semi-estruturada com a
diretora, com a vice-diretora e com uma professora que atendia alunos de 5ª a 8ª
série. Como resultados, a pesquisadora aponta ser o projeto político pedagógico um
instrumento determinante para a promoção de uma educação menos excludente a
partir da manifestação de práticas pedagógicas antirracistas.
Na Universidade Federal do Pará - UFPA, a abordagem das questões
étnico-raciais no ambiente escolar foi objeto de três dissertações, sendo duas no
âmbito do ensino fundamental e uma no ensino médio. A pesquisa realizada por
Santos (2009), “[In] Visibilidade negra: representação social de professores acerca
das relações raciais no currículo escolar do Ensino Fundamental em Ananindeua
40
(PA)”, analisou as representações sociais de professores acerca das relações raciais
no currículo escolar do ensino fundamental a partir de uma pesquisa do tipo
descritiva, utilizando como instrumento de coleta de dados documentos oficiais,
questionário e grupo focal envolvendo seis professores. Os resultados
demonstraram que os professores possuem conhecimento acerca das relações
raciais dentro de um ideal de igualdade.
A pesquisa realizada por Soares (2010), intitulda “Relações Sociais na
escola: representação de alunos negros sobre as relações que estabelecem no
espaço escolar”, investigou as representações que os alunos negros possuem a
respeito das relações sociais que estabelecem na escola. A pesquisa foi efetivada
em duas escolas de ensino fundamental de Ananindeua, envolvendo os alunos do 8°
e 9º anos, por meio de observação, da aplicação de questionário e de reunião de
grupo de discussão, valendo-se da análise de conteúdo para o tratamento dos
dados coletados.
Silva (2009), que teve como estudo as representações de professores
acerca das relações raciais no currículo escolar do ensino médio, sob o título:
“Negro e ensino médio: representações de professores acerca de relações raciais no
currículo”. A partir da análise do discurso, foram analisados documentos oficiais e
documentos escolares, além dos documentos orais, por meio dos discursos dos
professores. Com base nos resultados dos relatos orais, destaca-se a necessidade
da promoção de uma educação antirracista, por meio de uma prática pedagógica
que subverta o preconceito.
A partir do levantamento e da análise das pesquisas no Brasil, observamos
que, tanto no âmbito do Estado do Pará quanto no âmbito nacional, há um número
reduzido de pesquisas no ambiente escolar acerca das relações étnico-raciais,
evidenciando, principalmente em nosso Estado, a ausência de pesquisas no
contexto da educação infantil, o que nos faz refletir sobre a necessidade de estudos
que possibilitem ampliar a compreensão sobre como a questão racial está sendo
pensada, discutida e materializada nas práticas pedagógicas de professores da
educação infantil no contexto amazônico. Apesar desta ausência de estudos sobre
as relações étnico-raciais no âmbito da educação infantil, evidencia-se crescente
interesse por este campo.
Por meio das pesquisas já realizadas, constata-se a presença do
preconceito racial desde a educação infantil, haja vista que as crianças já
41
interiorizam, no processo de socialização entre pares, atitudes que envolvem o
racismo e o preconceito, tendo como um dos elementos definidores de qualidade a
cor da pele e a dificuldade do educador no trato com as questões que envolvem as
diferenças étnico-raciais que permeiam o ambiente escolar desde a infância
(CAVALLEIRO, 2007).
Consideramos que é mister o aprofundamento de estudos sobre como os
educadores vêm implementando práticas na educação infantil que possibilitem não
somente o reconhecimento das diferenças culturais e étnico-raciais, mas, sobretudo,
a valorização das manifestações dos diferentes grupos étnico-raciais, favorecendo o
diálogo crítico e contribuindo para a formação de cidadãos.
2.2 APORTES TEÓRICOS DO ESTUDO: O CAMPO DAS REPRESENTAÇÕESSOCIAIS
Destacamos os aportes teóricos, que subsidiaram o presente estudo, a saber:
A Teoria das Representações Sociais – TRS, na perspectiva de Moscovici (2003) e
Jodelet (2001); os pressupostos do multiculturalismo crítico/intercultural presentes
nos estudos de McLaren (1997), Gonçalves e Silva (2006), Candau (2008), Freire
(2005), Fleuri (2009) e Oliveira (2011) que defendem o reconhecimento, a
valorização e o respeito da diversidade racial por meio de uma estratégia política
que intervenha em defesa dos direitos dos povos excluídos historicamente; o campo
das relações raciais no contexto escolar, para o qual tomamos como referencia os
estudos de Gomes (2001; 2005; 2007), Coelho (2006; 2008; 2010) e Rosemberg
(1998), bem como os estudos sobre as relações raciais na educação infantil, a partir
dos estudos de Cavalleiro (2001; 2007), Fazzi (2006) e Souza (2002); no campo da
educação infantil Kramer (1998, 2005, 2008, 2011) e sobre a formação docente
Pimenta (2008) e Veiga (2008), dentre outros.
Nesta trajetória metodológica, aprofundaremos o campo das Representações
Sociais, a partir do que proposto por Moscovici (2003) e Jodelet (2001), explicitando,
portanto, que o estudo das representações sociais foi introduzido por Moscovici em
1961, por meio da publicação de seu estudo sobre o modo como a psicanálise
adentrou no pensamento popular da França. Seus estudos partiram da necessidade
de compreender como ocorria a construção do conhecimento pelos grupos
socialmente constituídos, como a família, a escola, a igreja, e como estes se
42
apropriavam de determinados conceitos, regras, perspectivas provenientes do
mundo científico, portanto, não familiar a determinados grupos, e como interagem,
modificando-os, reestruturando-os e representando-os a partir de seu contexto
social, afetivo e culturalmente vivenciado pelo grupo.
Dessa forma, é na interação entre os indivíduos, por meio dos grupos nos
quais estão inseridos, que ocorrem o diálogo, a comunicação, a troca de ideias, as
experiências, as vivências, as diferenças, os conflitos, os valores que são
estabelecidos por meio da linguagem e que favorecem a constituição das
representações sociais. Isto é corroborado por Duveen (2003, p.8) quando afirma
que
O papel e a influência da comunicação no processo da representação socialilustra também a maneira como as representações se tornam senso comum.Elas entram para o mundo comum e cotidiano em que nós habitamos ediscutimos com nossos amigos e colegas e circulam na mídia que lemos eolhamos. Em síntese, as representações sustentadas pelas influênciassociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidascotidianas e servem como principal meio para estabelecer as associaçõescom as quais nós nos ligamos uns aos outros.
O conhecimento sobre as pessoas, os lugares e os objetos emergem no
cotidiano, no dia-a-dia, no senso comum, não como algo estático, fixo e imutável,
mas, ao contrário, ele ocorre nas interações entre o indivíduo e as instituições, o
coletivo e o mundo, de forma dinâmica, fluída, mutável. As representações sociais
são estabelecidas na forma como os grupos sociais definem e compreendem a si
próprio e ao outro, no mundo em que estão situados, em que assumem posições,
partidos, visões, percepções permeadas de conflitos, dúvidas, ideologias e poder,
conforme enfatiza Duveen (2003, p.8-9):
O conhecimento nunca é uma simples descrição ou cópia do estado decoisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido através dainteração e comunicação e sua expressão está sempre ligada aosinteresses humanos que estão neles implicados. O conhecimento emergedo mundo onde as pessoas se encontram e interagem, do mundo onde osinteresses humanos, necessidades e desejos encontram expressão,satisfação ou frustração. Em síntese, o conhecimento surge das paixõeshumanas e, como tal, nunca é desinteressado, ao contrário, ele é sempreproduto dum grupo específico de pessoas que se encontram emcircunstâncias específicas.
Esta forma de apreensão do conhecimento pelos grupos sociais, a partir do
senso comum, fez com que Moscovici (2003) situasse a teoria das representações
43
sociais como um fenômeno proveniente das sociedades modernas, nas quais a
regulação e a legitimação do conhecimento não ocorrem mais de forma homogênea,
ao contrário, surgem outros modos coletivos de se adaptar, de captar, de
transformar, de moldar, de reconstruir e de representar o conhecimento por meio do
contexto complexo, dinâmico, heterogêneo que constitui as sociedades modernas.
O caráter dinâmico das representações sociais, atribuído por Moscovici,
distinguia-o da visão fixa e estática da teoria de Durkheim, porque, para este
estudioso, a sociedade moderna está em constante mudança; os grupos sociais
estabelecem diferentes relações e significações com determinados objetos, por isso
denominou o termo “social” ao invés de “coletivo” (MOSCOVICI, 2003, p.49), pela
diversidade de ideias presentes em cada grupo social. Considera que
Essa própria diversidade reflete a falta de homogeneidade dentro dassociedades modernas, em que as diferenças refletem uma distribuiçãodesigual de poder e geram uma heterogeneidade de representações.Dentro de qualquer cultura há pontos de tensão, mesmo de fratura, e é aoredor desses pontos de clivagem no sistema representacional duma culturaque novas representações emergem (MOSCOVICI, 2003, p.15-16).
As representações sociais emergem em contextos dinâmicos, práticos, em
que os grupos sociais interagem no e com o mundo, buscando compreendê-lo não
enquanto produto, mas como resultado de processos sociais de interação entre os
grupos que mantêm, produzem, orientam e transformam opiniões, normas, atitudes,
valores em representações sociais.
Moscovici (2003) compreende que “o mundo em que vivemos é totalmente
social” (p. 33), e por isso todo conhecimento e informação que apreendemos são
processos sociais de interpretação desse mundo social, do outro, de si. São esses
processos sociais que os grupos compartilham que definem e orientam suas
condutas e escolhas de forma relacional. Conforme enfatiza Moscovici (2003, p. 45),
O que estamos sugerindo, pois é que pessoas e grupos, longe de seremreceptores passivos, pensam por si mesmos, produzem e comunicamincessantemente suas próprias e específicas representações e soluções àsquestões que eles mesmos colocam. Nas ruas, bares, escritórios, hospitais,laboratórios, etc. as pessoas analisam, comentam, formulam “filosofias”espontâneas, não oficiais, que têm um impacto decisivo em suas relaçõessociais, em suas escolhas, na maneira como eles educam seus filhos, comoplanejam seu futuro, etc.
44
Nesse sentido, são nesses processos sociais que envolvem a interação, a
comunicação, as convenções linguísticas, nos quais os discursos são produzidos,
transformados, representados em uma determinada cultura, que os grupos
encontram-se inseridos. É desse modo que as informações, a cultura, a linguagem,
as opiniões são institucionalizadas, regulamentadas e objetivadas pelos grupos
sociais, os quais estabelecem as regras de convivência, definem o que é comum,
familiar, e aceito pelo grupo, consolidando, assim, seu modo de representar a vida
na sociedade.
Moscovici (2003) estabeleceu que esta forma em que os grupos sociais
compreendem e interagem com o mundo caracteriza-se como um fenômeno
específico, nos quais estes são constituídos, ou seja, no cotidiano, no senso comum.
O autor esclarece que este fenômeno em que emergem as representações sociais
em um dado grupo social está estritamente relacionado a duas categorias próprias
da cultura na qual os grupos compartilham, a saber: as categorias de universos
consensuais e de universos reificados.
Dessa maneira, Moscovici (2003) problematiza sobre qual o lugar que as
representações sociais ocupam em uma sociedade pensante, permeada por uma
cultura produtora de conhecimento e, como tal, marcada por dualismo, conflitos,
oposições, ideologias que determinam o que é válido dentro dos grupos sociais.
Moscovici (2003) estabelece a constituição dos universos consensuais. Sob
este prisma, ele considera que a sociedade é uma “criação visível” (p.49) e “o ser
humano é a medida de todas as coisas” (p. 50), e como tal age, reage, cria, recria,
sendo, portanto, porta voz humana, imprimindo, assim, sentimento, sensibilidade,
sentido e significado no contexto cultural onde vive. Conforme enfatiza Moscovici
(2003, p. 50-51),
Em um universo consensual, a sociedade é vista como um grupo depessoas que são iguais e livres, cada um com possibilidade de falar emnome do grupo e sob seu auspício. Dessa maneira, presume-se quenenhum membro possua competência exclusiva, mas cada qual podeadquirir toda competência que seja requerida pelas circunstâncias.
Em relação aos universos reificados, a sociedade “é transformada em um
sistema de entidades sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à
individualidade e não possuem identidade” (MOSCOVICI, 2003, p. 50). Esta falta de
45
identidade faz com que as coisas, os objetos, as pessoas, os pensamentos, os
valores, os conhecimentos sejam considerados de modo descontextualizado,
isolado, à margem de todo processo social que envolve o ser humano, assim a
sociedade é tida como
Um sistema de diferentes papéis e classes, cujos membros são desiguais.Somente a competência adquirida determina seu grau de participação deacordo com o mérito, seu direito de trabalhar “como médico”, “comopsicólogo”, “como comerciante”, ou de se abster desde que “eles nãotenham competência na matéria”. Troca de papéis e a capacidade deocupar o lugar de outro são muitas maneiras de adquirir competência ou dese isolar, de ser diferente. Nós nos confrontamos, pois, dentro do sistema,como organizações preestabelecidas, cada uma com suas regras eregulamentos. Daí as compulsões que nós experienciamos e o sentimentode que nós não podemos transformá-las conforme nossa vontade. Existeum comportamento adequado para cada circunstância, uma fórmulalinguística para cada confrontação e, nem é necessário dizer, a informaçãoapropriada para um contexto determinado. Nós estamos presos pelo queprende a organização e pelo que corresponde a um tipo de acordo geral enão a alguma compreensão recíproca, a alguma prescrições, não a umasequência de acordos (MOSCOVICI, 2003, p. 51-52).
É por meio das ciências que compreendemos os universos reificados; já as
representações emergem nos universos consensuais, sendo a natureza específica
das representações expressas por Moscovici (2003). Isto porque as representações
evocam a consciência coletiva, de modo a aproximar os grupos sociais da realidade,
do cotidiano, do lugar comum, do senso comum de acordo com suas necessidades,
ou seja, tornar familiar algo não familiar, ao contrário dos universos reificados que
conformam os interesses, os desejos, os acontecimentos de modo racional e
empírico, colocando-os, assim, de maneira imparcial e submissa diante das
estruturas da realidade. Consoante Moscovici (2003, p.54-55),
O que eu quero dizer é que os universos consensuais são locais onde todosquerem sentir-se em casa, a salvo de qualquer risco, atrito ou conflito. Tudoo que é dito ou feito ali, apenas confirma as crenças e as interpretaçõesadquiridas, corrobora mais do que contradiz, a tradição. Espera-se quesempre aconteçam, sempre de novo, as mesmas situações, gestos, ideias.A mudança como tal somente é percebida e aceita desde que ela apresenteum tipo de vivência e evite o murchar do diálogo, sob o peso da repetição.Em seu todo, a dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização,onde os objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos ecompreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas. Comoresultado disso, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre opresente, a resposta sobre o estímulo e as imagens sobre a “realidade”.Aceitar e compreender o que é familiar, crescer acostumado a isso econstruir um hábito a partir disso, é uma coisa; mas é outra coisacompletamente diferente preferir isso como um padrão de referência e
46
medir tudo o que acontece e tudo o que é percebido, em relação a isso.Pois, nesse caso, nós simplesmente não registramos o que tipifica umparisiense, uma pessoa “respeitável”, uma mãe, um Complexo de Édipoetc., mas essa consciência é usada também como um critério para avaliar oque é incomum, anormal e assim por diante. Ou, em outras palavras, o queé não-familiar.
Ao representarmos um objeto, uma pessoa, um fato, uma imagem, nos
remetemos ao conhecido, compartilhado pelo grupo social que estamos inseridos,
buscando os princípios que orientam as regras, as atitudes, os valores, ou seja, o
que é próximo, conhecido, familiar para podermos nos familiarizar com o que é
estranho, incomum, não-familiar. Este processo produz conflitos, fissuras,
rachaduras em nossos modos de representar o que antes era tido como comum e
normal nos processos sociais que estabelecemos com o mundo.
O desafio expresso por Moscovici (2003), ao propor os estudos das
representações sociais, é descobrir as fissuras, os conflitos, as rachaduras, os feixes
de luz de um determinado objeto, e, sobretudo, como eles nascem, se formam,
deformam, absorvem e constituem processos sociais de representações, nos quais
os grupos se apropriam desses conhecimentos advindos do mundo científico e,
portanto, não-familiar.
O grupo social, ao tentar buscar sentido e significado sobre as coisas, objetos
ou pessoas, tenta criar, incessantemente, mecanismos de estabilização, de
materialização e de familiarização do que é estranho, desconhecido, incomum,
tomando como referência o que já é comum, convencional às normas estabelecidas
por cada grupo social. Isto porque, no intuito de compreender o mundo e por meio
dele orientar e organizar as ações, ideias, atitudes e opiniões dos grupos sociais, é
necessária a mobilização de processos sociais de representação para dar sentido
aos eventos compartilhados por estes, tornando as palavras, as atitudes, os valores
e as ideais antes não-familiares agora comuns e usuais ao grupo.
Neste processo de familiarização, são também mobilizados mecanismos de
processos que envolvem o pensamento com base na memória e em conclusões
passadas (MOSCOVICI, 2003, p. 60). Este esforço de conhecer e de reconhecer
categorias antes não-familiares e de buscar na memória o que é familiar, próximo,
ocorre com o intuito de tornar as relações sociais dos grupos mais integradas,
contribuindo para o estabelecimento e a materialização das regras, das normas e
47
das condutas que orientam e legitimam a ação dos indivíduos nos grupos sociais
nos quais estão inseridos.
Para Moscovici (2003), esses processos de formação das representações
sociais são concretizados a partir de dois mecanismos: a ancoragem e a
objetivação. O primeiro busca ancorar as ideias, os valores, as normas, as opiniões
que são estranhas, incomuns, não-familiares a categorias já consolidadas, comuns e
compartilhadas por um determinado grupo social, portanto, familiares. O segundo
mecanismo refere-se à objetivação, que visa a materializar algo abstrato, torná-lo
visível aos próprios olhos, dando uma sensação de concretude sobre determinado
objeto. Assim, Moscovici (2003, p.71) explicita que a
Objetivação une a idéia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se averdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como umuniverso puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então,diante de nossos olhos, física e acessível.
Em relação ao mecanismo de ancoragem, este remete ao que mais intriga,
incomoda, perturba e ameaça os indivíduos nos grupos em que participam, pela
necessidade de manter a harmonia e a constância presente no grupo; assim, os
agentes sociais tentam com muitos esforços ajustar, classificar e ancorar o
desconhecido a partir do que lhes são familiar, para manutenção e estabilização da
ordem e da orientação da conduta dos seus membros. Para Moscovici (2003, p.63),
“classificar algo significa que nós o confinamos a um conjunto de comportamentos e
regras que estipulam o que é, ou não é, permitido, em relação a todos os indivíduos
pertencentes a essa classe”.
Classificar um objeto, então, significa nomeá-lo e agrupá-lo a determinados
comportamentos, condutas e ações vivenciadas pelos indivíduos e seu grupo,
definindo o que é aceito, ou não, nas regras de convivência no interior dos mesmos,
colaborando para a constituição de sua identidade social, conforme o autor enfatiza,
Na realidade, é dada uma identidade social ao que não estava identificado –o conceito científico torna-se parte da linguagem comum e os indivíduos ousintomas não são mais que termos técnicos familiares e científicos. É dadoum sentido, ao que antes não o tinha, no mundo consensual. Poderíamosquase dizer que essa duplicação e proliferação de nomes corresponde auma tendência nominalística, a uma necessidade de identificar os seres eas coisas, ajustando-os em uma representação social predominante.(MOSCOVICI, 2003, p. 68).
48
A Teoria das Representações Sociais têm contribuído de forma significativa
no modo de compreendermos determinados objetos de pesquisa, principalmente,
permitindo alcançarmos a realidade concreta onde são criadas ideias,
comportamentos, conceitos sobre o cotidiano que nos cerca.
O modo em que determinados objetos de pesquisa vem se configurando
como preocupações e inquietações dos pesquisadores demonstra que hoje na
sociedade moderna em que vivemos emergem novas questões e desafios. No
cotidiano escolar não é diferente, a prática pedagógica está a todo instante se
formando, modificando e se resignificando, pois estamos situados em um tempo em
que nada está de fato seguro, fixo, determinado.
Essa necessidade de compreender e se ajustar a essas constantes
mudanças e construir novas possibilidades de agirmos e interagirmos com o mundo,
permite que as representações sociais sejam a todo instante produzidas e
reconstruídas pelos grupos sociais na interação no e com o mundo. Conforme
defendido por Jodelet (2001, p. 17):
Sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à nossavolta. Além de nos ajustarmos a ele, precisamos saber como nos comportar,dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas quese apresentam: é por isso que criamos representações. Frente a essemundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias, não somos (apenas)automatismos, nem estamos isolados num vazio social: partilhamos essemomento com os outros, que nos servem de apoio, às vezes de formaconvergente, outras pelo conflito, para compreendê-lo, administrá-lo ouenfrentá-lo. Eis por que as representações sociais são sociais e tãoimportantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e definirconjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo deinterpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-sefrente a eles de forma defensiva.
Nossa formação enquanto ser humano encontra ressonância com nossa
relação que estabelecemos com o mundo, com outro, seja na família, na igreja, ou
na escola. Somos sujeitos de interação, de partilha, de troca, de negação, de
conflito, mas é por meio desta relação que representamos e nos situamos na
sociedade. Nossas escolhas, ideologias, crenças não podem ser consideradas
isoladas do contexto sócio, econômico e político que é de fato o que nos orientam e
nos formam enquanto sujeitos sociais.
49
As representações sociais revelam, assim, os discursos presentes nos
diferentes grupos sociais, traduzem, portanto, sua linguagem, sua palavra, seu modo
de se comunicar, o que manifesta os sentidos e significados que permeiam a
conduta e os valores defendidos por cada grupo.
Há então, um compartilhamento entre os indivíduos do grupo de
conhecimento, conceitos, ideias, imagens e discursos, os quais os orientam na
definição de suas regras, valores, princípios e comportamentos. Isto ocorre no meio
social, no cotidiano, no dia-a-dia, a todo instante são produzidas como fenômeno
social em representações sociais, conforme enfatiza Jodelet (2001, p. 17-18) “elas
circulam nos discursos, são traduzidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e
imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e
espaciais”.
Segundo Jodelet (2001) a relação entre as construções das representações
sociais estão intrinsecamente interligados com os sujeitos e o objeto de estudo, pois
é, o que a constitui enquanto saber prático, emergido no senso comum, ou seja, “a
representação social é sempre representação de alguma coisa (objeto) e de alguém
(sujeito)” (JODELET, 2001, p.27). Conforme demonstrado no diagrama abaixo:
DIAGRAMA 1 – O Campo das Representações Sociais
FONTE: Elaborado pela pesquisadora, com base nos estudos de Jodelet (2001).
Desta forma, as representações sociais partem do saber prático, do lugar
comum, delimitando os territórios onde dialogam o sujeito e o objeto. Território, onde
o sujeito encontra-se no objeto, e vice-versa. Isto porque, para Jodelet (2001) o
objeto nada mais é do que a expressão do sujeito, este último, o sujeito, integra em
50
sua forma de ser e viver as referências obtidas em sua participação em processos
sociais e culturais compartilhados por diferentes grupos no cotidiano, produzindo e
resignificando as representações sobre a sociedade.
Outrossim, situar as condições em que este conhecimento prático é
produzido, compreender o seu contexto, delineamento, espessura, forma, textura
possibilita compreender a partir de que lugar são construídas as representações.
Para tanto, Jodelet (2001) formulou os seguintes questionamentos que permitem
compreender a construção das representações, a saber: quem sabe e de onde
sabe?; o que e como sabe?; sobre o que sabe e com efeito? (p.28). Estas
indagações são estruturadas a partir de três proposições: a) condições de produção
e circulação; b) processos e estados; c) estatuto epistemológico das representações
(JODELET, 2001, p.28).
Partir deste postulado significa compreender a constituição das
representações sociais no contexto de produção, ou seja, na inter-relação sujeito-
objeto-conhecimento em sua forma de funcionamento, organização, estrutura,
correspondências e categorias estabelecidas no e com o mundo social. Para tanto,
Jodelet (2001, p. 26) orienta quanto ao estudo das representações
As representações sociais devem ser estudadas articulando-se elementosafetivos, mentais e sociais e integrando – ao lado da cognição, dalinguagem e da comunicação – a consideração das relações sociais queafetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre aqual elas têm de intervir.
Nestes termos, as representações sociais mantêm a identidade grupal por
meio das relações sociais engendradas no contexto social, como forma de tornar
familiares as condutas e normas preestabelecidas. No entanto, diante de situações
não-familiares novos processos de representações sociais são mobilizados para
integrar os novos elementos a realidade da vida social.
Segundo Jodelet (2001), a familiarização sobre o que é desconhecido e
estranho pelo grupo, exige assim a mobilização de dois processos que contribuem
para a formação das representações: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem
materializa as representações sobre determinado objeto as normas já existentes no
grupo, portanto, ela ancora e enraíza o objeto, antes desconhecido, situando-o aos
51
valores e normas preexistentes, tornando-o assim, familiar as convenções
compartilhadas pelo grupo social.
A objetivação é constituída por Jodelet (2001, p.38), a partir de três fases: a
construção seletiva, esquematização estruturante e naturalização. Estas expressam
a relação existente entre o sujeito e suas escolhas, perspectivas, e significados
partilhados pelos grupos.
O presente estudo parte dos fundamentos teórico-metodológicos das
representações sociais, para investigar um contexto prático e social, onde ocorrem
as interações e construções das representações dos professores de educação
infantil em relação à criança negra.
2.3 ABORDAGEM E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
2.3.1 Tipo de pesquisa
A pesquisa constituiu-se em um estudo teórico descritivo a partir da
Abordagem Qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986); (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Esta
tem como fonte de estudo o ambiente social em que o pesquisador é o sujeito que
observará e analisará o ambiente a ser investigado. Toda a informação obtida, por
mais simples que seja, a princípio, será de grande importância para o estudo do
pesquisador, pois,
o processo de análise dos dados é como um funil: as coisas estão abertasde início (ou no topo) e vão-se tornando mais fechadas e específicas noextremo. O investigador qualitativo planeja utilizar parte do estudo paraperceber quais são as questões mais importantes. Não presume que sesabe o suficiente para reconhecer as questões importantes antes de efetuara investigação (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 50).
No uso dessa abordagem metodológica, os autores Bogdan e Biklen (1994)
descrevem cinco características importantes para a escolha da investigação
qualitativa, a saber:
1. Tem como principal fonte o ambiente natural: “os investigadores
qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto”
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 48);
2. A investigação qualitativa é descritiva, privilegiando a palavra e a imagem
em detrimento de dados numéricos; a descrição é muito importante, porém, não
52
basta descrever a situação, é preciso compreender os significados que a envolvem,
registrando-a sob diversos ângulos, percebendo suas diversas facetas e analisando-
as conforme os padrões e as categorias estabelecidas;
3. Privilegia o processo da pesquisa em detrimento do produto final: “foca-se
no modo como as definições (as definições que os professores têm dos alunos, as
definições que os alunos têm de si próprios e dos outros) se formam” (idem, p.50);
4. Na pesquisa qualitativa, a análise dos dados ocorre de forma indutiva:
“não recolhem dados ou provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses
construídas previamente; ao invés disso, as abstrações são construídas à medida
que os dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando” (idem, p. 50);
5. Os significados atribuídos pelos sujeitos investigados são de grande
relevância na investigação qualitativa: “ao apreender as perspectivas dos
participantes, a investigação qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das
situações, dinâmica esta que é frequentemente invisível para o observador exterior”
(idem, p. 51).
Nesta perspectiva, a abordagem qualitativa possibilita a imersão do
pesquisador no cotidiano da realidade a ser investigada, no ambiente natural em que
os sujeitos estão inseridos, devendo ter o pesquisador um olhar aguçado em todas
as fases da pesquisa, buscando desvelar dados a partir da percepção e da
compreensão dos fatos tendo como referência a voz dos sujeitos investigados; é
necessário ainda desvelar as relações sociais subjacentes, considerando o contexto
social dos mesmos, conforme explicita Minayo (2010, p. 57),
O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações,das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtosdas interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem,constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.
Torna-se relevante o diálogo entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa na
perspectiva da investigação qualitativa, com o intuito de possibilitar uma
aproximação e problematização sobre o objeto a ser investigado, pois
Os métodos qualitativos consideram a comunicação do pesquisador emcampo como parte explícita da produção de conhecimento, em vez desimplesmente encará-la como uma variável a interferir no processo. Asubjetividade do pesquisador, bem como daqueles que estão sendoestudados, tornam-se parte do processo de pesquisa (FLICK, 2009, p. 25).
53
Portanto, na escolha da abordagem qualitativa, cria-se um campo fértil para
se explorar o locus de investigação, a partir do uso da observação, no intuito de
acompanhar todos os momentos de interação que envolve os sujeitos da pesquisa:
seus gestos, seus olhares, suas atitudes, seu comportamento, bem como captar o
que está oculto, não apenas tomando como referência o uso da entrevista, mas
também evidenciar as experiências relatadas considerando os contextos onde se
situam os sujeitos envolvidos.
A pesquisa qualitativa enfatiza o campo, não apenas como reservatório dedados, mas também como uma fonte de novas questões. O pesquisadorqualitativo não vai a campo somente para encontrar respostas para suasperguntas; mas também para descobrir questões, surpreendentes sobalguns aspectos, mas geralmente, mais pertinentes e mais adequadas doque aquelas que ele se colocava no início. Além disso, a própria logística daabordagem qualitativa (campo de pesquisa, observação participante,entrevistas não-dirigidas, relatos de vida) obriga o pesquisador a um contatodireto com o vivido e as representações das pessoas que ele pesquisa(DESLAURIERS e KÉRISIT, 2010, p. 148).
A abordagem qualitativa, principalmente em ambientes educacionais,
contribui significativamente para elucidar determinados fenômenos presentes na
realidade, a fim de que se aprofunde a reflexão sobre os significados e os sentidos
atribuídos pelos diversos atores sociais inseridos em dado contexto. Logo,
A abordagem qualitativa requer que os investigadores desenvolvam empatiapara com as pessoas que fazem parte do estudo e que façam esforçosconcentrados para compreender vários pontos de vista. O objetivo não é ojuízo de valor, mas o de compreender o mundo dos sujeitos e determinarcomo e com que critérios eles o julgam (MARCONDES, 2010, p. 34).
Neste estudo partimos da realidade em que os atores sociais estão inseridos,
para investigarmos o modo como os professores revelam em suas interações e suas
práticas as representações sociais em relação à criança negra na educação infantil.
2.3.2. O locus da pesquisa
Elegemos como ambiente social desta investigação uma Unidade de
Educação Infantil2 (BELÉM, 2003) – UEI, da Rede Municipal de Ensino de Belém –
2 Conforme a Resolução Nº 015/2003-CME, art.4º, § 2º - São consideradas como unidades deEducação Infantil todas aquelas que desenvolvem cuidado e educação de modo sistemático, por no
54
RME, situada no Estado do Pará. Este é constituído por 143 municípios e tem como
capital a cidade de Belém, que apresenta uma área territorial de aproximadamente
de 1.059, 402 km², com uma população de 1.393.3993.
O município de Belém é também conhecido como “Metrópole da Amazônia”
e “Cidade das Mangueiras”, por possuir incontáveis mangueiras, que, além de
ornamentar as ruas da cidade, contribuem para amenizar o clima quente e úmido,
tipicamente equatorial. O município é o segundo maior da região norte, limitando-se
com o município de Ananindeua4.
A região metropolitana de Belém possui a seguinte localização geográfica:
ao norte: Baía do Marajó; ao nordeste: município de Santo Antônio do Tauá; a leste:
município de Santa Bárbara do Pará; a sudeste: municípios de Benevides e
Ananindeua; ao sul: município de Acará; a sudoeste: município de Barcarena; a
oeste: arquipélago do Marajó5, conforme ilustra o mapa a seguir:
Mapa 1: Região Metropolitana de Belém.
Fonte: Belém (2010).
mínimo 4 horas diárias na faixa etária de zero a seis anos, independente da denominação dasmesmas e, portanto, submetidas às normas estabelecidas pela presente Resolução.3 Dados do IBGE CIDADES 2010 – Disponível em <http:www.ibge.gov.br/cidadesat>. Acesso em 05de agosto de 2011.4 Wikipédia – Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/belgeografia>. Acesso em 06 de agosto de2011.5 Ver a respeito no Anuário Estatístico do Município de Belém. Belém – Pará, v. 15, 2010. <http://www.belem.pa.gov.br/app/c2ms/v/?id=1&conteudo=2995>. Acesso em 13 de jul. de 2003.
55
O município de Belém se encontra organizado em oito distritos6 (BELÉM,
1994), conforme a seguinte divisão político-administrativa, a saber: 1º distrito
administrativo de Mosqueiro – DAMOS; 2º distrito administrativo de Outeiro –
DAOUT; 3º distrito administrativo de Icoaraci – DAICO; 4º distrito administrativo do
Benguí – DABEN; 5º distrito administrativo do Entroncamento – DAENT; 6º distrito
administrativo de Sacramenta – DASAC; 7º distrito administrativo de Belém –
DABEL; 8º distrito administrativo do Guamá – DAGUA.
No que se refere ao sistema de educação, a Secretaria Municipal de
Educação de Belém segue esta distribuição distrital para organização de seus
espaços educativos, a saber: 63 escolas, 53 unidades pedagógicas (antigos
anexos); 35 unidades de educação infantil (antigas creches), além dos convênios
sociais7, com atendimento de aproximadamente 70.162 alunos no ano de 2011,
distribuídos da seguinte maneira: 45.632 no ensino fundamental, 16.471 na
educação infantil e 8.059 na educação de jovens e adultos. Em 2011, a rede
apresentava 1.986 professores, sendo 1.530 efetivos e 456 prestadores,
redistribuídos da seguinte forma: ensino fundamental: 962 efetivos e 86 prestadores;
educação infantil: 276 efetivos e 354 prestadores; educação de jovens e adultos 292
efetivos e 16 prestadores8.
Em relação à educação infantil na Rede Municipal, o atendimento das
16.471 crianças no ano de 20119, na faixa etária de 0 à 5 anos, encontra-se
organizado da seguinte maneira, a saber: a) Berçário I (crianças de 6 meses até um
ano); b) Berçário II (crianças de um ano até dois anos); c) Maternal I (crianças de
dois anos até três anos); d) Maternal II (crianças de três anos até quatro); f) Jardim I
(crianças de quatro até cinco anos); g) Jardim II (crianças de cinco até seis anos).
6 Conforme a Lei Ordinária N.º 7682, 05 DE JANEIRO DE 1994, que dispõe sobre a regionalizaçãoadministrativa de Belém, delimitando os respectivos espaços territoriais dos distritos administrativos.Os distritos administrativos são definidos conforme as áreas que os compõem a partir das seguintescaracterísticas: I - relações de integração funcional de natureza econômico-social; e II - urbanizaçãocontínua entre bairros e/ou áreas limítrofes ou que manifestem tendências nesse sentido.
7 Os convênios sociais são estabelecidos mediante a parceria da comunidade na concessão doespaço físico.8 Informações obtidas na Secretaria Municipal de Educação- SEMEC/DIED/NUSP/SINBESA9 Dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação SEMEC/DIED/NUSP/SINBESA.
56
Gráfico 1 – Número de crianças atendidas na Educação Infantil na RME.
Fonte: Gráfico elaborado pela pesquisadora com base nos dados disponibilizados pelaDIED/NUSP/SINBESA.
Observando estes dados de atendimento da educação infantil na RME de
Belém, destacamos um maior atendimento de crianças no Jardim I e II, com 35,91%
e 43%64, respectivamente, em detrimento ao atendimento de crianças no Maternal I
e II, com 13,22% e 5,53%, respectivamente. No que se refere às crianças na faixa
etária de 0 a 2 anos, evidenciamos um número ainda mais reduzido no atendimento
no Berçário I e II, com 0,30% e 1,39%, nesta ordem.
Nesta pesquisa não temos a intenção de aprofundarmos sobre que fatores
justificam um atendimento expressivo em uma determinada idade em detrimento de
outra. No entanto, os dados servem para conhecermos como se configura o
atendimento da educação infantil na Secretaria Municipal de Educação de Belém –
SEMEC.
A unidade de educação infantil que serviu de locus para o presente estudo
está inserida no distrito do DABEN10 (BELÉM, 1996). Os critérios utilizados para a
10 A Lei Ordinária N.º 7806 de 30 DE JULHO DE 1996, delimita as áreas que compõem os bairrosde Belém, estabelecendo como delimitação do bairro do BENGUÍ as seguintes áreas: Compreende aárea envolvida pela poligonal que tem início na interseção da Estrada da Pratinha com a Estrada doYamada segue por esta até encontrar com a Estrada do Benguí, dobra à esquerda e segue por estaaté encontrar o muro da CATA, que faz fundo com a Pass. S. José e segue por esta até encontrar aPass. S. Francisco, segue por esta até a Pass. S. Benedito, segue por esta até a Pass. SantoAntonio, flete à esquerda e segue por esta até a projeção do travessão do Residencial Natália Lins,dobra à direita e segue por este até encontrar a Pass. Magalhães Barata, flete à direita e segue poresta até encontrar os limites do terreno do muro da INFRAERO por onde segue até encontrar alateral esquerda do Cemitério do Benguí (9.848.150mN/781.800 mE), flete à direita e segue por estaaté encontrar o travessão dos terrenos da MICON (9.848.160 mN/782 060 mE), dobra à esquerda e
57
escolha do locus da pesquisa foi direcionado intencionalmente a partir dos seguintes
aspectos: a) unidades de educação infantil que atendam crianças de 4 a 5 anos, na
pré-escola, preferencialmente em atendimento em tempo integral; b) unidades de
educação infantil que apresentem em sua proposta pedagógica a inserção da
temática das questões raciais; c) a aceitação por parte da instituição de ensino em
permitir a realização da pesquisa.
O levantamento das unidades de educação infantil ocorreu mediante
pesquisa exploratória nas unidades do bairro do Benguí, no período de maio a junho
de 2011, a fim de que se definisse o locus de realização da pesquisa, observando os
critérios estabelecidos. Dessa forma, conversamos com as coordenadoras das
unidades, no total de quatro, sobre o tema de estudo e seus respectivos objetivos,
bem como a relevância do estudo. A partir destes diálogos com as coordenadoras,
detectamos nas suas falas o interesse em participar do estudo; algumas sinalizando
que não tinham interesse em participar porque acreditavam que não havia nenhum
problema de preconceito racial com relação à criança negra, seja por parte dos
professores, dos funcionários ou das demais crianças; outras coordenadoras, já de
início, expuseram o interesse em participar do estudo, pois presenciavam conflitos
de cunho racial, e muitas vezes não sabiam como mediá-los. Além disso,
observamos se a unidade já tinha algum projeto voltado para as questões do
respeito às questões raciais.
Após este levantamento inicial, definimos a unidade que seria investigada, e
a partir de então solicitamos a autorização da SEMEC, por meio de sua Diretoria de
Educação – DIED, para iniciarmos o estudo na unidade. Com a concessão pela
SEMEC, providenciamos também a autorização formal da coordenadora da unidade,
e, logo em seguida, esclarecemos junto aos professores os objetivos do estudo e
como seria a participação nas turmas que iríamos observar. Elucidamos que não
estaríamos realizando estágio nem atividade de assessoramento, pois, como técnica
da secretaria, acompanhávamos algumas unidades. Nesse sentido, explicamos que
nossa atividade seria como pesquisadora, e como tal, não iríamos interferir nas
atividades e na orientação junto às crianças.
segue por este até encontrar a Estrada da Pratinha (9.848.380 mN/782 060 mE), dobra à direita esegue por esta até a Estrada S. Clemente, dobra à direita e segue por esta até sua interseção comIgarapé Val-de-Cães por onde segue a montante até a Estrada da Pratinha, flete a direita e seguepor esta até o início da poligonal.
58
A princípio não houve muita resistência na aceitação a partir da
apresentação do termo livre esclarecido. Observamos, no entanto, no decorrer da
pesquisa de campo, algumas indagações sobre o que estávamos, de fato,
observando, qual nossa intenção, quais eram os objetivos da pesquisa, apesar de já
termos esclarecido em outros momentos sobre isto; sempre quando indagavam,
procurávamos esclarecer as dúvidas e as inquietações.
A Unidade de Educação Infantil – UEI pesquisada encontra-se localizada no
bairro do Benguí, dentro de um conjunto residencial.
FOTO 1: Fachada da unidade de educação infantil pesquisada
Fonte: Pesquisa de campo (2011)
A UEI11 apresenta no que se refere ao aspecto físico da unidade, a seguinte
estrutura: 4 salas de aula; 1 cozinha; 1 depósito de alimentos; 1 salão/ refeitório; 1
sala de coordenação12; 7 banheiros com chuveiros; 7 sanitários infantis; 1 banheiro
para funcionários; 1 área verde contendo brinquedos para o lazer; 1 quintal,
conforme podemos observar nas fotos a seguir.
11 Neste estudo, a Unidade de Educação Infantil terá sua identificação preservada, assim,utilizaremos um nome fictício para sua referência.12 A coordenação é responsável tanto pela parte pedagógica quanto pela administração da unidade.
59
FOTO 2: Área externa de recreação I FOTO 3: Área externa de recreação II
Fonte: Pesquisa de campo (2011) Fonte: Pesquisa de campo (2011)
A unidade apresenta uma coordenação geral que organiza as atividades
pedagógicas junto ao corpo docente e também encaminha os aspectos
administrativos e financeiros da unidade. A lotação dos servidores encontra-se
organizada da seguinte maneira:
QUADRO 3: Lotação dos servidores na unidade investigada
UNIDADE DE EDUCAÇÃO INFANTIL
CARGO/FUNÇÃO QUANTIDADE DE SERVIDORES
Coordenadora13 01
Professores14 09Estagiárias 03Serventes 03
Merendeiras 04Vigilantes 03
TOTAL 23Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir dos dados obtidos no Projeto Político- Pedagógico(2007)
A coordenadora informou que a presença de estagiários observados no
quadro acima justifica-se pela orientação da Secretaria Municipal em lotá-los nas
turmas de Maternal I, onde são atendidas crianças na faixa etária de 2 a 3 anos, o
13 Nas Unidades de Educação Infantil do Município de Belém não há o cargo de diretor, existe alotação de somente um Coordenador, que assume funções administrativas e pedagógicas.14 A maioria dos professores são prestadores, exceto uma professora do maternal I, realidadeencontrada na maioria das unidades, no entanto, ressalto que todas as prestadoras apresentamexperiência com a educação infantil nesta unidade.
60
que exige maiores cuidados e atenção no trato à criança devido as suas
particularidades e singularidades. O estágio é uma atividade remunerada, sendo
também parte integrante das disciplinas de estágios curricular das universidades
públicas de Belém. Nas demais turmas, há um professor lotado por turno em cada
turma. Sendo assim, cada turma é atendida por dois professores, um pelo turno da
manhã e outro pelo turno da tarde, com exceção do Maternal I que encontramos
dois professores por turno, mas o estagiário, conforme destacamos anteriormente.
A unidade realiza atendimento de crianças na faixa etária de 02 a 05,
apresentando, assim, um atendimento a 100 crianças, aproximadamente, no horário
integral das 7h30 às 18h, enturmadas conforme quadro abaixo15.
Quadro 4 – Número de crianças atendidas na unidade investigada
UEI TURMA FAIXA ETÁRIA TURNONº DE
ALUNOS
Nº DEPROFESSORAS
POR TURMA
Cirandinha16
Maternal I de 2 até 3 anos
Tempo
Integral
25 3
Maternal II de 3 até 4 anos 25 2
Jardim I de 4 até 5 anos 25 2
Jardim II de 5 até 6 anos 25 2
Fonte: Elaborada pela pesquisadora de acordo com os dados fornecidos pela coordenação da UEI edo Projeto Político Pedagógico (2007).
Esta distribuição observada no quadro acima, no atendimento às crianças, foi
reorientada no Projeto Político Pedagógico (2007), já que desde a fundação da
unidade de educação infantil, em 1990, na qual ocorria o atendimento de crianças
de 0 a 6 anos, este atendimento foi sendo progressivamente modificado, visando a
atender, a partir de 2006, as novas demandas da comunidade extraescolar.
A unidade recebe um suprimento de fundo trimestralmente correspondente a
R$ 2.430,00, para a manutenção de despesas com material de expediente, dentre
outros. Além desse recurso financeiro, a FMAI fornece os alimentos e a SEMEC
distribui um Kit-escolar e uniforme padronizado da RME. Para manutenção do
15 Informações obtidas com a coordenadora da unidade.16 Nome fictício da Unidade visando preservar sua identidade, de acordo com os princípios éticosestabelecidos nesta pesquisa.
61
prédio, existe co-responsabilidade da unidade juntamente com a secretaria de
educação.
No aspecto pedagógico, a unidade apresenta os seguintes documentos que
orientam suas ações: Projeto Político Pedagógico (2007); Plano de Ensino; e o
Regimento Interno que está sendo orientado pela DIED/SEMEC.
O Projeto Político Pedagógico (2007) está estruturado da seguinte forma: 1)
apresentação; 2) justificativa; 3) objetivos geral e específicos; 4) histórico da
unidade; 5) rotina da unidade; 6) diagnose da unidade; 7) área construída da
unidade; 8) estrutura física da unidade; 9) material permanente; 10) relação nominal
das coordenadores; 11) relação nominal dos docentes; 12) relação nominal do corpo
funcional; 13) contextualização da unidade: a) ambiente físico e social; b) qualidade
de vida da comunidade; c) aspectos socioculturais; d) identificação dos problemas;
e) problemas educativos; f) problemas de funcionamento da unidade; g) problemas
relacionados ao sistema educativo; h) organização da unidade; i) componentes
existentes nas proximidades da unidade; j) planos e atividades; 15) o currículo.
2.3.3. Os sujeitos da pesquisa
Os atores sociais que participaram deste estudo foram 4 (quatro)
professoras que atendem as crianças de 4 e 5 anos em uma unidade de educação
infantil. Entretanto, tornou-se relevante ouvir os demais profissionais que atuam na
UEI. Para tanto, elegemos a, então, coordenadora da unidade, que contribui para o
direcionamento do trabalho pedagógico na mesma.
As professoras e a coordenação pedagógica participaram da pesquisa da
seguinte forma: a) as quatro professoras, juntamente com a coordenadora
pedagógica, participaram contribuindo com a concessão de entrevista; b) para
realização da observação, elegemos duas turmas envolvendo 4 professoras, a
saber: 2 (duas) professoras que atendem uma turma com crianças na faixa etária de
4 (quatro) anos – Jardim I - no ano de 2011, onde a observação ocorreu no período
de outubro a dezembro e 2 (duas) professoras que atendem uma turma com
crianças na faixa etária de 5 (cinco) anos – Jardim II – no ano de 2012, nos meses
de junho, agosto e setembro, envolvendo no total 4 (quatro) professoras. As
professoras cumprem sua carga-horária de trabalho da seguinte forma: uma pela
manhã, no horário de 7h30 às 13h30, e a outra pela tarde, no horário de 13h30 às
62
18h30. Assim, para preservar a face dos sujeitos investigados, identificamo-los por
meio de nomes fictícios, conforme ilustra o quadro abaixo:
QUADRO 5: Identificação das professoras investigadasUNIDADE DE EDUCAÇÃO INFANTIL CIRANDINHA
ANO TURMA PROFESSORAS17 TURNOS PERÍODOSINVESTIGADO
SESSÕESREALIZADAS
2011 JARDIM I ROSA MANHÃ OUTUBRO ADEZEMBRO 24MARGARIDA TARDE
2012 JARDIM IIDÁLIA MANHÃ JUNHO/
AGOSTO ESETEMBRO
18HORTÊNCIA TARDE
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na pesquisa de campo 2012.
Ao nos referirmos às professoras, destacaremos o nome fictício, a turma, o
ano e a letra inicial dos turnos (manhã e tarde), conforme exemplificamos a seguir:
Profª. Rosa/JI/2011/M; Profª. Margarida/JI/2011/T; Profª. Dália/JII/2012/M; Profª.
Hortência/ JII/ 2012/T. Em relação à coordenadora, não daremos nenhum nome
fictício, mas também não usaremos seu nome verdadeiro, iremos nos referir ao citá-
la como coordenadora, preservando deste modo sua identidade.
Em relação às sessões de observação, foram no total 42, sendo 24 sessões
realizadas no ano de 2011, no período de outubro a dezembro, e 18 sessões
realizadas no ano de 2012, nos meses de junho, agosto e a primeira quinzena de
setembro. Cada sessão corresponde a um turno, a qual teve em média de 3 a 4
horas de permanência da pesquisadora em campo, totalizando cerca de 168 horas
de observação nas duas turmas em que ocorreu o presente estudo. Além das
sessões realizadas, ocorreram desde a pesquisa exploratória até a realização das
entrevistas, momentos em que ocorreram diálogos informais, reuniões em que pude
participar, momentos pedagógicos nas unidades, dentre vários momentos que
consideramos relevantes para comporem a análise e a reflexão sobre o objeto de
estudo.
As crianças atendidas, no total de 15, e que prosseguiram na mesma turma,
nos respectivos anos de 2011 e 2012, e que apesar de não participarem diretamente
dos processos de entrevistas, são objetos diretos deste estudo, e, sendo assim,
terão os registros de suas falas observadas nos momentos de interação com as
17 Os nomes das participantes da pesquisa são fictícios, a fim de preservarmos sua identidade. Paratanto, elegemos nomes de flores para designar seus nomes.
63
professoras e com seus pares no cotidiano da unidade. Para não identificá-los, como
forma de preservar as suas identidades, manteremos somente as inicias dos seus
nomes, conforme destacado abaixo.
QUADRO 6: Identificação das crianças
CRIANÇAS18
1 C (menino) 10 M2 (menina)2 E (menina) 11 M3 (menina)3 F (menina) 12 P1 (menino)4 H (menino) 13 P2 (menino)5 I (menino) 14 R1(menina)6 J (menino) 15 R2 (menina)7 K (menina) 16 R3 (menina)8 L (menina) 17 W (menino)9 M1 (menino)
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na pesquisa de campo 2011/2012.
Segundo identificamos no quadro, a turma é composta por oito meninos e
nove meninas. Destas, identificamos 5 crianças negras, sendo um menino (J) e
quatro meninas (K; R1; R2 e R3). No entanto, durante a observação, verificamos
que as professoras, quando se referem à criança negra, fazem alusão somente a
duas crianças (R2 e R3)19.
Os critérios utilizados para seleção dos sujeitos da pesquisa foram
direcionados a partir dos seguintes aspectos: a) os professores que tenham
experiência no exercício na educação infantil; sejam professores em início de
carreira, sejam professores com uma longa trajetória de experiência na educação
infantil, e também professores em fim de carreira, mas que também tenham uma
trajetória nas unidades de educação infantil; b) professores que desenvolvam
práticas pedagógicas que estejam voltadas para o reconhecimento e a valorização
da cultura no trato com as questões raciais; c) a concessão dos sujeitos em
participarem da pesquisa, partindo, assim, da lógica da acessibilidade20.
18 Para melhor identificação das crianças que possuem as mesmas iniciais em seus nomes,acrescentamos um número para podermos diferenciá-las. Esclarecemos, ainda, que estas criançasparticiparam da mesma turma, observada nos respectivos anos de 2011 e 2012, sendo que no anode 2011 encontravam-se matriculadas na turma de crianças de 4 anos/ Jardim I, prosseguindo no anode 2012 para a turma de crianças de 5 anos/ Jardim II.19 Esta questão será melhor esclarecida em nossa análise, na 5ª seção deste estudo.20 A lógica da acessibilidade considera que para realização da pesquisa em campo acha permissãopara a efetivação da mesma pelos atores sociais. Ver mais em Jaccoud e Mayer (2010, p. 254-294).
64
2.3.3.1 O perfil dos sujeitos investigados
Conforme a realização da entrevista, obtivemos informações, no primeiro
item, sobre o perfil dos sujeitos investigados, acerca dos seguintes aspectos: faixa
etária; sexo; autoclassificação por cor/ raça; formação acadêmica; experiência
profissional; turno de trabalho; carga-horária de trabalho e renda mensal. Assim,
detalharemos a seguir os dados obtidos.
Trabalhamos com um universo de 5 profissionais da educação infantil que
desenvolvem suas atividades na unidade investigada. No que se refere à faixa etária
dos participantes, verificamos os seguintes dados: 60% dos participantes possuem
faixa etária de 36 e 40 anos; 20%, idade entre 26 e 30 anos e os outros 20%
possuem entre 41 e 45 anos; todas são do sexo feminino, sendo uma coordenadora
e 4 professoras.
Gráfico 2 – Informações sobre a faixa etária dos sujeitos investigados
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na realização de entrevista-perfil/2012
Nas informações obtidas sobre o perfil dos participantes da pesquisa com
relação à atribuição de sua cor/raça, observamos um certo receio pelos sujeitos
investigados em conceder esta informação, pois os mesmos questionavam: “é
preciso mesmo eu informar?”. Isto ocorreu, conforme constatamos no momento da
realização das entrevistas, pelo não reconhecimento por parte dos participantes de
sua pertença racial, consoante ilustram as falas a seguir: “Será que eu sou parda, ou
branca?”; “Sou branca, mas tenho descendência de negro e de portugueses na
65
minha família, então, sou branca ou negra?”. Nesse sentido, procuramos não
interferir na opção, deixando os participantes definirem se iriam ou não declarar sua
autoclassificação racial; no entanto, orientamos sobre a relevância não somente na
identificação dos participantes do estudo, mas também no reconhecimento de si
enquanto professores e o reflexo para sua prática docente junto às crianças.
Durante a realização das entrevistas, 2 professoras não realizaram sua
autoclassificação racial, no entanto, quando devolvemos as entrevistas já transcritas
e solicitamos que cada participante fizesse as alterações necessárias, as referidas
professores entregaram os dados contendo as informações sobre a cor/raça.
Nesses termos, obtivemos os seguintes resultados: 03 professores se
autodeclararam pardos; 01 professora se autodeclarou preta e a coordenadora se
autodeclarou branca, conforme quadro a seguir.
QUADRO 7 – Autoclassificação dos sujeitos investigados sobre sua Cor/Raça.COR/RAÇA Nº DE PROFESSORESBRANCO 01PARDO 03PRETO 01
AMARELO -INDÍGENA -
OUTRO -TOTAL 05
Fonte: Dados obtidos a partir da realização da entrevista, 2012.
Essa autodeclaração foi de suma importância na confrontação com os dados
obtidos na entrevista e principalmente na observação, por demarcar o lugar onde
cada participante da pesquisa se situa no e com o mundo; consigo e com o outro;
como são efetivadas as suas representações sobre sua pertença racial e o modo
como isto influi em sua trajetória docente no trato com as diferenças raciais, que é o
que analisaremos no decorrer desta seção.
No tocante à formação acadêmica dos participantes do estudo, ressaltamos
que todas possuem nível superior completo em Pedagogia, título obtido em
universidades particulares de Belém e de São Paulo, a saber: Universidade
Adventista de São Paulo (Coordenadora) – NASP; Universidade da Amazônia –
UNAMA (Profª. Hortência/JII/2012/T); Universidade Vale do Acaraú – UVA (Profª.
Rosa/JI/2011/M e Profª. Dália/JII/2012/T); Faculdade Integrada Brasil Amazônia-
FIBRA (Profª. Margarida/JI/ 2011/T); concluídas respectivamente nos anos de 1995,
66
1999, 2008, 2009 e 2011. Ressaltamos ainda que, em nível de pós-graduação, duas
professoras informaram que estão realizando estudos de pós-graduação strictu
senso, com ênfase em dois campos, a saber: gestão educacional (Profª.
Rosa/JI/2011/M) e educação inclusiva (Profª. Margarida/JI/ 2011/T).
A trajetória dos profissionais participantes deste estudo no campo da
educação infantil teve início, em sua maioria, por meio de estágio curricular
realizados na educação infantil. Proximidade e afinidade com o trabalho
desenvolvido nas unidades de educação infantil impulsionaram as professoras em
trilharem sua caminha neste campo.
No que se refere ao tempo de experiência na educação infantil, duas
participantes possuem de 8 a 10 anos (a coordenadora e a Profª.
Hortência/JII/2012/T); e três participantes possuem de 3 a 5 anos (Profª.
Rosa/JI/2011/M; Profª. Dália/JII/2012/T; Profª. Margarida/JI/ 2011/T). Ressaltamos
também que as professoras, com exceção da coordenadora, iniciaram sua atividade
profissional na unidade investigada, onde continuam atualmente. Três participantes
informaram que, além da experiência na educação infantil, desenvolveram
atividades em outros níveis e modalidade de ensino, conforme destacamos a seguir:
ensino fundamental (coordenadora; Profª. Margarida/JI/2011/T; Profª.
Hortência/JII/2012/T); educação de jovens e adultos (coordenadora); e ensino
superior (coordenadora). As outras duas professoras ressaltaram que atuam
somente na educação infantil.
Em relação à atividade profissional desenvolvida atualmente, as três
professoras informaram que estão trabalhando somente na unidade investigada nas
turmas de educação infantil, com carga-horária diária entre 6 a 8 horas. Uma
professora declarou que desenvolve atividade em turmas de educação infantil em
uma escola particular, com uma carga-horária diária também entre 6 a 8 horas. Já a
coordenadora informou que, paralelamente ao cargo exercido na unidade, trabalha
ainda em turmas de jovens e adultos, com uma carga-horária diária de trabalho
acima de 8 horas.
Destacamos que os rendimentos salariais de três professoras apresentam-se
em torno de dois salários mínimos, uma professora declarou rendimentos de três
salários mínimos e a coordenadora da unidade informou rendimentos acima de
quatro salários mínimos, conforme visualizamos no quadro a seguir.
67
QUADRO 8– Perfil profissional dos sujeitos participantes da pesquisa
SUJEITOS DAPESQUISA
ATUAÇÃOPROFISSIONAL 21 TURNO CARGA-
HORÁRIARENDA
MENSAL
CoordenadoraEducação Infantil Matutino e
Vespertino acima de 8horas
acima de 4saláriosmínimosEducação de Jovens
e Adultos Noturno
Profª. Rosa/JI/2011/M Educação Infantil Matutino eVespetino
entre 6 a 8horas
três saláriosmínimos
Profª. Margarida/JI/2011/ Educação Infantil Matutino entre 6 a 8
horas dois salários
Profª. Dália/JII/2012/T Educação Infantil Matutino entre 6 a 8horas dois salários
Profª.Hortência/JII/2012/T Educação Infantil Matutino entre 6 a 8
horas dois salários
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos dados coletados na entrevista/2012.
A compreensão de quem são os atores sociais, sua identificação profissional,
seu pertencimento racial, o modo como situa sua formação acadêmica e
profissional, é elemento determinante para refletirmos sobre a constituição de suas
representações sociais sobre a criança negra. Essas informações constituem a
maneira de ser, de pensar e de agir como professor e interferem diretamente na sua
prática pedagógica com as crianças.
2.3.4. Instrumentos de produção de dados
2.3.4.1 Levantamento documental
Assumimos ainda como fonte de dados o documento escrito, o qual
constitui, de acordo com Cellard (2010, p. 295-296), “uma fonte extremamente
preciosa para todo pesquisador”, no entanto, o autor ressalta ser imprescindível que
o pesquisador avalie a “credibilidade” e a “representatividade” no momento da
escolha dos documentos, visando, assim, a sua validade na pesquisa qualitativa. O
21 As informações sobre a atuação profissional referem-se ao ano de 2012.
68
autor orienta quanto à importância da análise preliminar dos documentos; todavia,
ressalta que o pesquisador deverá ter “um olhar crítico” sobre a análise que
pretende realizar.
Este autor destaca, ainda, cinco dimensões que envolvem a análise
documental, a saber: a) o contexto: trata-se de situar o contexto social no qual um
dado documento foi produzido, pois “o analista não poderia prescindir de conhecer
satisfatoriamente a conjuntura política, econômica, social, cultural, que propiciou a
produção de um dado documento” (2010, p. 299); b) o autor ou os autores:
identificar quem são os autores que produziram um determinado documento implica
na sua análise, uma vez que, por meio da identificação dos mesmos, é possível
revelar suas motivações e seus interesses em elaborarem um dado documento;
assim sendo, “elucidar a identidade do autor possibilita, portanto, avaliar melhor a
credibilidade de um texto, a interpretação que é dada de alguns fatos, a tomada de
posição que transparece de uma descrição [...]” (idem, p. 300); c) a autenticidade e a
confiabilidade: o cuidado que o pesquisador deve ter em verificar a procedência do
documento a ser analisado torna-se relevante para “assegurar-se da qualidade da
informação transmitida” (idem, p. 301); d) a natureza do texto: considerar a natureza
e o suporte em que o documento foi produzido possibilita avaliar que “a estrutura de
um texto pode variar enormemente, conforme o contexto no qual ele é redigido”
(idem, p. 302); e) os conceitos-chave e a lógica interna do texto: a análise
documental envolve ainda a compreensão pelo pesquisador dos sentidos dos
termos empregados pelos autores de determinado documento escrito; assim, “deve-
se também prestar atenção aos conceitos-chave presentes em um texto e avaliar
sua importância e seu sentido, segundo o contexto preciso em que eles são
empregados (idem, p. 303).
Na escolha de documentos como fonte, cabe ao pesquisador tomar os
devidos cuidados na escolha e na análise dos mesmos, bem como estabelecer uma
mediação entre o rigor, a criatividade, a curiosidade no decorrer das etapas que
envolvem o processo de análise, a partir da “leitura repetida que permite, finalmente,
tomar consciência das similitudes, relações e diferenças capazes de levar a uma
reconstrução admissível e confiável” do documento (CELLARD, 2010, p. 304).
Elegemos então, neste estudo, como fontes para recolha de dados
empíricos, os documentos oficiais, a saber: a) Diretrizes Curriculares para Educação
Infantil; b) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
69
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; c) Lei nº
9.394/96 – Estabelece Diretrizes e Bases da Educação Nacional; d) Lei nº 10.639.
Além dos documentos oficiais, foram analisados os documentos pedagógicos que
orientam o trabalho desenvolvido na unidade de educação infantil como: o Projeto
Político-Pedagógico (2007) e os Planos de Ensino dos Professores (2011 e 2012).
Destacamos a relevância na escolha dos respectivos documentos por estes
configurarem os novos marcos legais na atualidade da política nacional em prol do
reconhecimento e da valorização da diversidade cultural e étnico-racial no contexto
da educação básica, abrangendo, então, a educação infantil.
2.3.4.2. Observação
Neste estudo, levamos em consideração alguns aspectos que envolvem a
técnica da observação para a coleta de dados empíricos, pois, na pesquisa
qualitativa, o uso da observação tem contribuído significativamente para coleta de
dados, principalmente os de natureza não-verbal. Entretanto, o observador deve ir
além de olhar a realidade imediata, devendo identificar e descrever os diversos tipos
de interações e de processos humanos, exigindo, então, por parte do observador
uma maior sensibilidade no trabalho de campo, bem como a definição de objetivos,
planejamento e formas de registros dos dados para a garantia da confiabilidade dos
resultados (VIANNA, 2007).
A observação é uma das mais importantes fontes de informação empesquisas qualitativas em educação. Sem acurada observação, não háciência. Anotações cuidadosas e detalhadas vão constituir os dados brutosdas observações, cuja qualidade vai depender, em grande parte, da maiorou menor habilidade do observador e também da sua capacidade deobservar, sendo ambas as características desenvolvidas,predominantemente, por intermédio de intensa formação (VIANNA, 2007,p.12).
Lüdke e André (1986) ressaltam que a técnica de observação na pesquisa
qualitativa aproxima o pesquisador do fenômeno investigado, na medida em que
favorece um contato pessoal e estreito com o objeto de estudo, possibilitando ao
pesquisador ampliar sua compreensão e reflexão sobre a realidade.
70
A observação direta permite também que o observador chegue mais pertoda “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagensqualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco asexperiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão demundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e àssuas próprias ações (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).
Adotamos a observação direta com a intenção de buscar indícios que
revelem, de uma forma ou de outra, aspectos do cotidiano vivenciados pelos atores
sociais participantes da pesquisa em relação ao objeto deste estudo, e de acordo
com os objetivos pretendidos.
Trata-se de uma técnica direta, já que há um contato com informantes.Trata-se, também, de uma observação não-dirigida, na medida em que aobservação da realidade continua sendo o objetivo final e, habitualmente, opesquisador não intervém na situação observada. Trata-se, ainda de umaanálise qualitativa, uma vez que entram em jogo anotações para descrevere compreender uma situação (JACCOUD e MAYER, 2010, p. 255)
Para tanto, elegemos os seguintes aspectos que nortearam o processo da
observação, a saber: a organização da prática pedagógica do professor no trato com
a questão racial; as intervenções estabelecidas entre o educador e a criança no trato
com as questões que envolvem a manifestação de atitudes de preconceito e de
discriminação racial; o modo em que ocorrem a socialização da criança negra nas
atividades desenvolvidas nas turmas de educação infantil.
Cientes de que em um processo que envolve a imersão no cotidiano dos
sujeitos investigados há que se ter a devida curiosidade e sensibilidade em olhar
com rigor científico todos os aspectos verbais e não-verbais; o enunciado e o
silenciado nas interações com os sujeitos.
Chizzotti (2010, p.173) ressalta que a observação “não consiste apenas em
ver e ouvir”, mas cabe ao pesquisador, no contato direto com os sujeitos e diante de
sua realidade social, fazer análise crítica de como ocorre os fatos e os fenômenos
que se pretender estudar. Já para Minayo (2010), este, somado com o ambiente
observado, exige, por parte do pesquisador, o estabelecimento de critérios e de
atitudes diante do contexto observado.
Isso significa imergir na realidade e concomitante dominar os referenciaisteóricos necessários à investigação. A atitude do observador científicoconsiste em colocar-se do ponto de vista do grupo pesquisado, comrespeito, empatia e inserção, o mais íntima e mais intensamente possível.
71
Significa, por parte do pesquisador, ter abertura para o grupo, sensibilidadepara sua lógica e para sua cultura (MINAYO, 2010, p. 277).
A observação requer ainda, por parte do pesquisador, um rigoroso
detalhamento de todos os momentos em que a mesma ocorrerá, pois de acordo com
Bogdan e Biklen (1994, p.133), “o trabalho de campo exige disciplina”, desde a
definição do locus, dos sujeitos que participaram desse processo, da definição dos
aspectos a serem observados, a partir da elaboração de um roteiro e dos
respectivos instrumentos que subsidiaram o registro dos fatos considerando também
o tempo que se pretende permanecer no ambiente investigado.
Sobre isso, Minayo (2010) aponta o diário de campo como um instrumento
importante no auxílio das anotações dos fatos e dos acontecimentos pelo
investigador, já que
Nele devem ser escritas impressões pessoais que vão se modificando como tempo, resultados de conversas informais, observações decomportamentos contraditórios com as falas, manifestações dosinterlocutores quanto aos vários pontos investigados, dentre outrosaspectos (MINAYO, 2010, p. 295).
Deve-se observar o conteúdo a ser registrado nas notas de campo, pois,
segundo Bogdan e Biklen (1994, p.152), esses conteúdos apresentam caráter
“descritivo” e “reflexivo”. A descrição nas notas de campo, segundo o autor, auxilia
na captação dos detalhes acerca da descrição do local investigado, das
características pessoais dos sujeitos envolvidos, etc. No entanto, é fundamental que
registremos nas notas de campo a reflexão a partir do ponto de vista do pesquisador
sobre suas impressões, suas inquietações, suas dúvidas e seus conflitos diante dos
fatos investigados, favorecendo, assim, uma descrição minuciosa dos
acontecimentos, bem com uma análise reflexiva e crítica dos mesmos.
Minayo (2010) enfatiza ainda a importância do uso dos dados registrados no
diário de campo no momento da análise do objeto de investigação ao considerar que
“é exatamente esse acervo de impressões e notas sobre as diferenciações entre
falas, comportamentos e relações que podem tornar mais verdadeira a pesquisa de
campo” (MINAYO, 2010, p. 295).
Partimos neste estudo, das orientações e dos cuidados destacados pelos
diversos teóricos (BOGDAN e BIKLEN, 1994; VIANA, 2007; MINAYO, 2010;
CHIZZOTTI, 2010) acerca do uso da observação na pesquisa qualitativa, como
estratégia de coleta de dados, no intuito de atingirmos os objetivos pretendidos. Para
72
tanto, definimos alguns procedimentos para a coleta de dados que deveremos
adotar na organização prévia da observação: a) a definição do locus a ser
investigado; b) a definição dos sujeitos a serem observados; c) a elaboração de um
roteiro considerando os aspectos relevantes a serem observados em consonância
com o que se pretende alcançar; d) a definição do uso de instrumentos que auxiliem
no momento da observação desde o diário de campo, o uso de gravador e câmera
fotográfica; e) a avaliação e a definição do tempo de permanência do pesquisador
no locus da pesquisa considerando o alcance dos objetivos estabelecidos.
Para a realização da pesquisa em questão, elegemos uma unidade de
educação infantil – UEI, da rede municipal de ensino de Belém, já caracterizada
anteriormente, como o locus onde ocorreu o estudo, tendo como sujeitos
participantes da observação quatro professoras que atendem crianças em idade
pré-escolar, entre 4 e 5 anos, conforme explicitamos na seção 2.3.3, que trata dos
sujeitos participantes do estudo.
Quanto ao tempo de duração da observação, realizamos em junho de 2011
o primeiro contato com a unidade, objetivando verificar a viabilidade do estudo. No
mês de julho, solicitamos a autorização da SEMEC mediante o aceite pela UEI em
participar da pesquisa, e, nos meses de agosto e setembro do respectivo ano,
apresentamos a autorização da secretaria para realizarmos uma coleta inicial de
dados referente à organização e ao funcionamento da unidade, da estrutura física,
do quadro de funcionários e das propostas pedagógicas, nelas incluídas o projeto
político-pedagógico e o plano de ensino da unidade de educação infantil investigada.
A partir desses contatos iniciais, foi possível entrar em contato com o
ambiente investigado, com a coordenação da UEI e com os professores. Após estas
primeiras inserções do pesquisador em campo, agendamos uma conversa mais
formal com os professores, realizada em setembro de 2011, a fim de esclarecermos
os objetivos do estudo e o consentimento livre esclarecido pelos sujeitos que estão
diretamente envolvidos neste estudo.
A observação ocorreu com início de permanência do pesquisador no campo
por cerca de duas horas por turno, prolongando o período de permanência
gradativamente, objetivando, assim, compreender todas as nuanças que envolvem a
interação entre o educador e a criança, presentes no processo educativo acerca do
trato com as questões raciais, a partir da descrição crítica da realidade investigada,
considerando o fenômeno investigado em toda a sua complexidade.
73
Cabe, portanto, ao pesquisador, em um primeiro momento, descrever essarealidade, para depois analisá-la, interpretá-la, ou seja, explicitar seusignificado. Isso se dá precisamente através de um método de reconstruçãodo significado dos elementos dessa cultura a ser examinada. Para isso, énecessário destacar dentro dessa realidade – vista como um sistemacultural – os elementos que a estruturam, a maneira como esses elementosse relacionam, quais os que têm um papel determinante sobre os outros,que funções desempenham nessa cultura, qual a sua dinâmica, etc. Sódessa forma, o sentido dessas práticas sociais pode ser reconstruído ecompreendido pelo pesquisador. Interpretar significa assim reconstruir osentido dos fenômenos observados, a partir da compreensão desses comoelementos de um sistema mais amplo de significado, relacionando-os comoutros elementos do sistema. É seu papel nesse sistema mais global quelhes dá significado (MARCONDES, 2010, p. 28).
Destacamos que, durante o processo de observação, houve uma
aproximação positiva do pesquisador com os professores, bem como com as
crianças. As professoras confidenciavam suas angústias, seus conflitos, suas
alegrias e seus desafios no desenvolvimento de sua prática na educação infantil. As
crianças desde o primeiro dia foram muito receptivas, logo perguntaram: quem é
você? Você vai cuidar da gente? O que você anota aí no seu caderninho? (referindo-
se ao diário de campo).
Nas primeiras semanas em que acompanhamos as atividades da turma, foi
possível observar como as professoras organizavam e realizavam as atividades
promovidas junto às crianças, e nos auxiliou a compreendermos o funcionamento e
a rotina da unidade. A cada dia, nos aproximávamos das professoras e das crianças,
estas sempre que viam a pesquisadora, perguntavam: “Como é mesmo o seu
nome?”; outras diziam: “Eu já sei o teu nome”; indagavam muito sobre o que
estávamos fazendo, dizendo: “Você vai cuidar da gente?”; “Você vem amanhã?”; “O
que você tá escrevendo aí?”; “Posso escrever o meu nome?”. Naquele momento da
escrita do nome, quando as outras crianças perceberam que havíamos deixado
escreverem no caderno de anotações, logo todas ficaram ao redor dizendo: “Agora
sou eu”. Tais momentos são indescritíveis, porque demonstravam o carinho e o
afeto das crianças por “alguém desconhecido”. A abertura sem medo de perguntar,
de se aproximar e sem desconfiança, aos poucos possibilitou a construção da
confiança entre o pesquisador e as crianças da turma investigada. Já em relação às
professoras o processo foi mais lento, mas, com o passar dos dias, fomos acolhidos
e progressivamente houve maior aceitação de nossa presença.
Essas aproximações, tanto por parte das professoras quanto das crianças,
possibilitaram uma relação de confiança e muitas vezes de cumplicidade. As
74
crianças sempre nos recebiam com abraços, beijos e apesar de não ter a intenção
de interferir na interação entre as crianças e as professores, elas (as crianças)
sempre solicitavam nossa ajuda, principalmente nos momentos de pentearem seus
cabelos e de se vestirem, era quase inevitável recusar tal pedido, realizado, é claro,
com a permissão das professoras, que sempre agradeciam a ajuda. Esses
momentos serão abordados e analisados na quinta seção deste estudo, na qual
faremos as devidas considerações.
2.3.4.3. Entrevista
Em conjunto com a estratégia da observação, o uso de entrevista contribuiu
na recolha dos dados.
Em investigação qualitativa, as entrevistas podem ser utilizadas de duasformas. Podem constituir a estratégia dominante para a recolha de dados oupodem ser utilizada em conjunto com a observação participante, análise dedocumentos e outras técnicas. Em todas estas situações, a entrevista éutilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito,permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre amaneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN eBIKLEN, 1994, p. 134).
A entrevista se difere em sua organização e estrutura, existindo dois tipos de
entrevista em que o pesquisador poderá definir previamente o roteiro com as
questões formalmente elaboradas que serão apresentadas aos sujeitos
investigados, podendo ser estruturada ou semiestruturada, e também poderá
estabelecer o diálogo a partir da entrevista aberta com os entrevistados, de modo
que a entrevista discorra livremente acerca do objeto de estudo. Na opção do tipo de
entrevista a ser utilizado, destacamos que
A escolha recai num tipo particular de entrevista, baseada no objetivo dainvestigação. Para além disso, podem-se utilizar diferentes tipos deentrevista, em diferentes fases do mesmo estudo. Por exemplo, no início doprojeto pode aparecer importante utilizar a entrevista mais livre eexploratória, pois nesse momento o objetivo é a compreensão geral dasperspectivas sobre o tópico. Após o trabalho de investigação, pode surgir anecessidade de estruturar mais as entrevistas de modo a obter dadoscomparáveis num tipo de amostragem mais alargada (BOGDAN e BIKLEN,1994, p.136).
75
Para Marconi e Lakatos (2010, p. 178), a entrevista configura-se como “um
encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza
profissional”. Ampliando esta perspectiva de somente extrair informações das
“fontes”, há uma preocupação por parte de alguns estudiosos desse campo em
problematizar quanto a essa “neutralidade”, destacando os conflitos presentes no
ato de entrevistar.
Um jogo interlocutivo em que um/a entrevistador/a “quer saber algo”,propondo ao/à entrevistado/a uma espécie de exercício de lacunas a serempreenchidas... Para esse preenchimento, os/as entrevistados/as saberão outentarão se reinventar como personagens, mas não personagens sem autor,e sim personagens cujo autor coletivo sejam as experiências culturais,cotidianas, os discursos que os atravessam e ressoam em suas vozes. Paracompletar essa “arena de significados”, ainda se abre espaço para mais umpersonagem: o pesquisador, o analista, que – fazendo falar de novo taisdiscursos – os relerá e os reconstruirá, a eles trazendo outros sentidos(SILVEIRA, 2007, p.137).
Minayo (2010, p. 263) ressalta que a entrevista permite ao pesquisador
recolher dados, pois “além das falas que é seu material primordial o investigador terá
em mãos elementos de relações, práticas, cumplicidades, omissões e imponderáveis
que pontuam o cotidiano”. Entendendo, então, que a não neutralidade envolvendo o
pesquisador e os entrevistados no processo de pesquisa, e compreendendo a
importância de o pesquisador estar atento aos significados subjacentes às diversas
vozes, seja verbal ou não, no momento da entrevista, permitirá apreender as
perspectivas dos atores sociais acerca de suas concepções em relação ao objeto de
estudo.
Nesses termos, priorizamos, neste estudo, a abordagem a partir da
entrevista semiestruturada, no intuito de favorecer o diálogo por meio dos relatos
dos/as entrevistados/as, buscando neste percurso uma aproximação com o objeto
de investigação, considerando as questões gerais que norteiam esta pesquisa.
Aspectos éticos, tanto na entrevista quanto na observação, foram
previamente estabelecidos, a fim de que sejam preservadas as identidades dos
sujeitos, bem como evitar que haja qualquer dano aos integrantes nas etapas de
realização da pesquisa. Rosa e Arnoldi (2008) ressaltam a exigência de se
considerar os aspectos éticos na pesquisa qualitativa, pois
76
Muitos pesquisadores insistem, hoje, na necessidade de se obter o“consentimento esclarecido” do participante, para deixar claro que este devenão apenas concordar em participar do experimento, mas também tomaressa atitude plenamente consciente dos fatos, dos questionamentos que lheserão feitos, dos motivos da Entrevista, dos riscos e dos favorecimentos queos resultados podem ocasionar e da sua liberdade de ser participante, casosinta necessidade, por qualquer que seja o motivo (ROSA; ARNOLDI, 2008,p. 69).
Apesar de iniciarmos a observação no ano de 2011, sentimos a necessidade
de uma aproximação maior por parte do pesquisador e dos sujeitos participantes do
estudo para a realização das entrevistas. Para tanto, retomamos a observação em
junho de 2012 e agendamos previamente as entrevistas individuais, de acordo com
a disponibilidade das professoras e da coordenação pedagógica. Nesse sentido,
conseguimos realizar quatro entrevistas no mês de junho, restando apenas uma
professora que, por questões de saúde, somente conseguimos obter a entrevista em
setembro do respectivo ano.
Portanto, no processo de investigação do presente estudo, o uso da
observação direta e da entrevista semiestruturada, foi de suma relevância para que
pudéssemos, a partir dos registros obtidos, emergir os dados empíricos, assim como
o levantamento bibliográfico e a análise dos documentos oficiais no que tange à
educação para as relações raciais, contribuindo, assim, para reflexão e análise à luz
do referencial teórico estabelecido neste estudo.
2.3.5. Procedimentos de análise
Os dados empíricos adquiridos por meio do levantamento bibliográfico, dos
documentos oficiais, da observação e da entrevista compõem o corpus deste
trabalho. Corpus compreendido como “conjunto dos documentos tidos em conta
para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2010, p. 96).
Tomamos como referência algumas contribuições da análise de conteúdo de
Bardin (2010), a partir da proposição da análise por categorias definida como
Uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto,por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero(analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias sãorubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidade deregistro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico,agrupamento esse efectuado em razão dos caracteres comuns desteselementos (BARDIN, 2010, p. 117-118).
77
Bardin (2010) considera ainda que
A análise do conteúdo aparece como um conjunto de técnicas de análisesde comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos dedescrição do conteúdo das mensagens. [...] A intenção da análise deconteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições deprodução e de recepção das mensagens, inferência esta que recorre aindicadores (quantitativos, ou não) (BARDIN, 2010, p. 38).
Franco (2005, p. 13) corrobora com essa premissa estabelecendo a
“mensagem” como “ponto de partida” da análise do conteúdo, desde a linguagem
verbal até o que se revela por meio dos gestos, das omissões através do silêncio,
dos documentos, etc., os quais estão permeados de sentidos e significados
imbricados no contexto em que são produzidos. No que concerne à compreensão do
que sejam os sentidos e significados, a autora esclarece que
O significado de um objeto pode ser absorvido, compreendido egeneralizado a partir de suas características definidoras e pelo seu corpusde significação. Já, o sentido implica a atribuição de um significado pessoale objetivado, que se concretiza na prática social e que se manifesta a partirdas Representações Sociais, cognitivas, valorativas e emocionais,necessariamente contextualizados (FRANCO, 2005, p. 15).
Os resultados, portanto, provenientes da análise do conteúdo devem primar
pelo alcance dos objetivos estabelecidos a priori, evidenciado os “conteúdos
manifestos” ou “latentes” a partir da captação das mensagens emitidas (FRANCO,
2005). Faz-se necessário, no entanto, por parte do pesquisador, buscar indícios,
seja na fala, no comportamento, nos documentos, para além dos conteúdos
manifestos, o que exige uma “vigilância crítica ante a comunicação” estabelecida
durante o processo de investigação e determinante para a interpretação dos
enunciados (MINAYO, 2010).
78
3 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL E A CRIANÇA NEGRA NO BRASIL
3.1 A [IN] VISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NO BRASIL
[...] Resgatar a história da criança brasileira não apenas enfrentando umpassado e um presente cheio de tragédias anônimas – como a venda decrianças escravas, a sobrevida nas instituições, as violências sexuais, aexploração de sua mão de obra – mas tentando também perceber paraalém do lado escuro. A história da criança simplesmente criança, suasformas de existência cotidiana, as mutações de seus vínculos sociais eafetivos, sua aprendizagem da vida através de uma história que, no maisdas vezes, não nos é contada diretamente por ela (DEL PRIORE, 2010a, p.16-17).
Os estudos sobre a história da infância têm sido foco de interesse nas
últimas décadas por parte de teóricos de diversos campos, seja da pedagogia, da
sociologia, da filosofia, da antropologia, da história, bem como da psicologia. O
trecho da epígrafe transcrito do livro “História das Crianças no Brasil”, de Mary Del
Priori (2010a), contribui para compreendermos como a criança foi historicamente
colocada à margem dos discursos políticos, sociais e econômicos da sociedade
brasileira.
A imagem da criança, representada muitas vezes de forma estereotipada a
partir da voz e do registro dos adultos seja por meio dos livros didáticos, da mídia,
da literatura, dentre outros, possibilitou que a voz dos pequenos fosse também
silenciada no percurso da história brasileira (DEL PRIORI, 2010a).
Inicialmente analisaremos sobre a constituição da infância da criança negra
no Brasil, no intuito de refletirmos sobre como a criança negra foi excluída da história
de nossa sociedade. Não uma história dita em uma perspectiva estática, fixa, linear,
mas ao contrário, compreendendo-a como reflexiva, dinâmica e em constante
movimento, sem a pretensão de aprofundarmos historicamente os fatos, pois
iríamos necessitar de um tempo que ultrapassa os limites deste estudo. Nossa
intenção nesta seção, então, é contextualizar como a infância e a criança negra foi
representada na história brasileira, e como ocorreu o processo de
institucionalização da educação infantil no Brasil, para compreendermos as
demandas, as problemáticas e os desafios que temos na atualidade neste campo,
ou seja, como ocorre hoje a inserção e a socialização da criança negra nos espaços
educativos da educação infantil.
79
3.1.1 Sentimentos sobre a infância: a criança como um ser abstrato, universalà compreensão da criança como ser histórico-social
A luta pelos direitos à infância tem sido travada de forma candente nas
últimas décadas, fruto dos movimentos e dos fóruns sociais em defesa de uma
infância que valorize os sentimentos, a voz, o brincar, o lúdico, a criança cidadã. No
entanto, no decorrer da história e de acordo com seu contexto, a infância foi
concebida de diversas formas:
a ideia de infância não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Aocontrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, namedida em que mudam a inserção e o papel social da criança nacomunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivodireto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, nasociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada,escolarizada e preparada para uma atuação futura. Este conceito deinfância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas deorganização da sociedade (KRAMER, 2011, p.19).
O estudo realizado pelo pesquisador Ariès (2006), na França, e publicado no
Brasil na década de 70, em sua História Social da Criança e da Família, traz
inegáveis contribuições para a história da infância, ainda que estudiosos do campo
discorram críticas sobre a sua perspectiva singular e burguesa no modo em que se
refere à infância22.
A sociedade medieval é tomada como ponto de partida por Ariès, que afirma
que, nesse período, a criança não era bem vista, muito menos o adolescente, isto é,
não havia, segundo ele, uma consciência em relação à particularidade da infância. O
período da infância era compreendido a uma duração que se reduzia aos primeiros
anos de vida, assim, tão logo se deixa o período de amamentação, a criança era
misturada aos adultos, compartilhando de suas atividades e ofícios de trabalho e
vida de modo geral.
Não havia nenhum controle por parte da família nem mesmo assegurado por
esta a transmissão de valores e dos conhecimentos, bem como do processo de
socialização da criança. Nesses moldes, a educação caracterizava-se pela
aprendizagem da criança na convivência com o adulto.
22 Ver sobre em Kuhlmann Jr. (2007).
80
Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimentoda infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossemnegligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infâncianão significa o mesmo que a afeição pelas crianças: corresponde àconsciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingueessencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência nãoexistiu. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem asolicitude constante da mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedadedos adultos e não se distinguia mais destes (ARIÈS, 2006, p. 99).
Ariès (2006) identifica o surgimento de um sentimento sobre a infância a
partir do fim do século XVII. Sua pesquisa, com base nos estudos da iconografia,
revela as mudanças no decorrer dos tempos no modo como as crianças eram
representadas por meio de pinturas de retratos de famílias, antigos diários,
testamentos, inscrições em igrejas e em túmulos. Nos diários de família, constatou-
se a necessidade do registro cronológico dos fatos, como o nascimento e a morte, o
que revelava um sentimento de “dar à vida familiar uma história, datando-a” (ARIÈS,
2006, p. 3).
As imagens artísticas, anteriores a este período, retratavam sempre a
criança como um “adulto em miniatura” (ARIÈS, 2006). Esta indiferença quanto ao
reconhecimento da infância persistiu até o século XIII, o que também era
evidenciado no traje das crianças, período em que não havia, até então, uma
distinção entre as vestimentas destas com as dos homens e as das mulheres da
época em questão: “nada, no traje medieval, separava a criança do adulto” (ARIÈS,
2006, p.32).
Na sociedade medieval, não havia um sentimento da infância, de sua
singularidade e de sua particularidade, no modo de ser, de viver, de se trajar e de se
constituir criança, o que não significava, no entanto, a ausência de afeto, mas sim a
falta de consciência da existência da particularidade da infância nesse período,
conforme enfatiza Kramer (2011, p.16) sobre o que seja esta particularidade: “aquilo
que distingue a criança do adulto e faz com que a criança seja considerada como
um adulto em potencial, dotada de capacidade de desenvolvimento”.
Surge, então, a partir do século XIII, mais precisamente entre os séculos XVI
e XVII, um novo sentimento da infância, por meio de duas compreensões
destacadas por Ariès (2006): a primeira refere-se ao que ele denomina de
“paparicação”, uma vez que a criança é percebida como objeto de distração e de
relaxamento para o adulto, por meio da manifestação, pela criança, de gestos de
81
gentileza, de ternura, de encantamento, de graciosidade e de ingenuidade; na
segunda percepção, todavia, o sentimento da infância parte da negação dessa visão
de “pararicação” da criança, principalmente por parte dos moralistas e dos
educadores do século XVII, que tinham agora uma preocupação e cuidado moral
sobre a criança, sentimento este que o autor refere como “autêntico” da infância; a
criança, neste contexto, necessitava de correção e de disciplina ao invés de
paparicação.
Esses sentimentos da infância, tanto de paparicá-las quanto de educá-las
por meio da disciplina e da educação assumem lugar central no meio familiar.
Nesse sentido, Müller (2007, p. 26) destaca, ao se referir ao período do século XVI,
que a concepção em relação aos cuidados com a criança adquire um novo status, a
partir não somente da preocupação da família nos cuidados com a criança branca,
mas agora, também, por parte da Igreja e do Estado.
Kramer (2011) adverte que esse duplo sentimento de infância resulta ainda
em uma dupla atitude para com a criança, a saber: “preservá-las da corrupção do
meio, mantendo sua inocência, e fortalecê-la, desenvolvendo seu caráter e sua
razão” (KRAMER, 2011, p. 18). Isto, segundo a autora, remete ao conceito de
criança como essência ou natureza, no qual se considera que todas as crianças são
iguais, sem distinção de classe, de raça ou de gênero. No entanto, esta
compreensão abstrata da criança se materializa no contexto da burguesia, e ainda é
representada nos dias atuais nas práticas pedagógicas dos professores.
Essa ideia de infância como abstrata e supostamente universal,
desvinculada das suas condições de existência, desconsidera que a criança está
inserida em uma sociedade, e, como tal, interage com o meio social e cultural,
estabelecendo sentido e significado, individualmente e coletivamente; significa,
assim, “considerar a criança como o ser social que ela é, sujeito de sua história e
também produtora de cultura” (MUNIZ, 1998, p. 244). Sobre isto, a autora enfatiza
ainda que
A concepção de infância vem marcada pela ideia de uma natureza infantilque separa a criança de uma existência concreta e julga suasmanifestações de acordo com o que seria a essência em cada natureza. Acriança continua a ser vista como um ser abstrato, e a escola teria o papelde resguardá-la e prepará-la para o mundo. Se a criança ganha navalorização de sua particularidade, o que se chama de sentimento deinfância, por outro lado, ainda não a localiza socialmente. O significadosocial da infância fica, assim, mascarado pela ideia de uma natureza infantildescontextualizada e homogênea (MUNIZ, 1998, p. 247).
82
Os sentimentos da infância evidenciados a partir da iconografia na obra de
Ariès (2006) demonstram as mudanças sofridas no decorrer do tempo sobre a
concepção de infância. Porém, essa concepção não pode ser simplesmente
“transposta” para a realidade da infância no Brasil; devemos considerar os diferentes
contextos em que se vivenciou a infância a partir da compreensão dos aspectos
educacionais, sociais, culturas, políticos e econômicos (KRAMER, 2011). É o que
abordaremos a seguir.
3.1.2 Infância e a criança negra no Brasil
A infância no Brasil pode ser concebida de diferentes maneiras, dependendo
do contexto histórico, social e político em que se encontra inserida. Então, para
refletirmos sobre as diversas formas que as discussões sobre os conceitos e as
representações sobre a infância da criança negra ocorreram, perpassaremos, de
modo breve, pelos períodos do colonialismo, do império, da república até os dias
atuais, no intuito de compreendermos como a infância e a criança negra eram
percebidas em cada período e como hoje as políticas educacionais direcionam seu
foco para o trato da criança e das relações raciais no contexto educacional.
3.1.2.1 Infância e a criança negra no Brasil Colonial
A chegada dos portugueses em territórios brasileiros marca um início por
disputas pelas terras, pela imposição da cultura europeia em detrimento da
domesticação dos nativos indígenas por meio da educação.
No caso da educação instaurada no âmbito do processo de colonizaçãotrata-se, evidentemente, de aculturação já que as tradições e costumes quese busca inculcar decorrem de um dinamismo externo, isto é, que vai domeio cultural do colonizador para a situação objeto de colonização(SAVIANI, 2004, p. 123).
Sobre isso, Saviani (idem, p.121) destaca que este processo de aculturação
ocorreu com base em três aspectos intimamente relacionados: “a colonização, a
educação, e a catequese”, pois, para “converter os gentios”, chegaram ao Brasil, em
1549, os primeiros jesuítas, com o objetivo de doutrinar os nativos e, para tanto,
83
foram criadas e implantadas diversas escolas, colégios e seminários no território
brasileiro.
O processo de colonização abarca, de forma articulada, mas nãohomogênea ou harmônica, antes dialeticamente, esses três momentosrepresentados pela colonização propriamente dita, ou seja, a posse eexploração da terra subjugando os seus habitantes (os íncolas); a educaçãoenquanto aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas,técnicas, símbolos e valores próprios dos colonizadores; e a catequeseentendida como a difusão e conversão dos colonizados à religião doscolonizadores (SAVIANI, 2004, p. 121).
Para o autor, “a colonização significa, pois, um espaço que se ocupa, mas
também terra ou povo que se pode trabalhar ou sujeitar” (SAVIANE, 2004, p. 122).
Assim, não bastava apenas dominar e explorar as terras, mas era necessário, além
disso, “conquistar” os nativos, convertendo-os para a obra divina. Por meio da
educação, então, era necessário “tomar conta das crianças, cuidar delas, discipliná-
las, ensinar-lhes comportamentos, conhecimentos e modos de operar” (idem, 2004,
p. 123).
No século XVI, a educação das crianças evidencia-se como uma das
principais preocupações da Companhia de Jesus, isto porque era mais viável a
evangelização dos pequenos em relação à resistência encontrada nos nativos
indígenas.Talvez, o ensino das crianças indígenas pudesse representar, também, umapossibilidade de estabelecer alianças entre grupos indígenas e padres,revelando outra dimensão da evangelização das crianças como “grandemeio” para converter o gentio (CHAMBOULEYRON, 2010, p. 59).
O papel da instrução na Companhia de Jesus ocupa lugar central na
educação das crianças indígenas, sinalizando, então, desde o período da
colonização um sentimento em relação à infância.
É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento noVelho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo egrupo, o que ensejava o nascimento de novas formas de afetividade e aprópria “afirmação do sentimento da infância”, na qual Igreja e Estadotiveram um papel fundamental (CHAMBOULEYRON, 2010, p. 58).
Para Paiva (2010), o Ratio Studiorum marca a organização e a consolidação
da educação jesuítica, com a instituição de escolas e os ensinamentos da leitura, da
84
escrita, do contar e do cantar. Portanto, o que, inicialmente, destinava-se aos
indígenas acaba por se converter no atendimento da elite colonial portuguesa.
Chambouleyron (2010) destaca que a instrução pelos jesuítas no
ensinamento da doutrina às crianças se dava por meio da memorização,
caracterizado por um rígido sistema disciplinar, que compreendia muitas vezes uma
vigilância permanente, bem como o uso de castigos corporais visando à conversão
dos indígenas.
A segunda metade do século XVI assistiu ao lento, e, às vezesproblemático, estabelecimento da Companhia de Jesus no Brasil. Em razãode sua vivência apostólica e da própria descoberta da infância, os padresentenderam que era sobre as crianças, essa “cera branda”, que deveriamimprimir os caracteres da fé e virtude cristãs (CHAMBOULEYRON, 2010, p.79, grifos do autor).
Essa percepção da criança é reafirmada por Farias (2011) ao considerar
esta visão que os jesuítas tinham sobre a criança. Para ela,
A alma infantil era considerada um “papel em branco”, uma “tabula rasa”,uma “cera virgem”, facilmente moldável, na qual qualquer coisa poderia serescrita. A infância é considerada o momento ideal do processo deaculturação efetivada por meio da catequese e a família também poderiaser atingida por intermédio da criança (FARIAS, 2011, p. 47).
Conforme esta compreensão da infância, Kuhlmann Jr. (2007) considera que
já havia no Brasil do século XVI sinais do desenvolvimento de um sentimento de
infância, fato evidenciado na educação das crianças indígenas por meio da
catequese pelos jesuítas, na vinda de crianças órfãs de Portugal trazidas pelos
jesuítas, com o objetivo de contribuir na conversão dos pequenos nativos, bem como
na instituição do programa educacional jesuítico com a criação do Ratio Studiorum.
Para Silva (2004), o conceito de criança no Brasil colônia limitava o período
da infância aos 7 anos, compreendendo duas divisões etárias: a primeira
correspondia ao período da criação, desde o nascimento até os 3 anos, momento
em que a criança era amamentada; na segunda fase estavam as crianças de 4 aos
7 anos, fase esta em que eram inseridas no convívio com os adultos, sendo que aos
7 anos aprendia diversos ofícios nos artesanatos e nas lavouras.
Esses ofícios também eram vivenciados pela criança escrava, descrita por
Góes e Florentino (2010), o que demonstrava o descaso à criança, pois muitas
delas, advindas dos tráficos negreiros, representavam um número reduzido em
85
relação aos adultos, resultado da alta mortalidade. A criação da criança se dava pelo
“adestramento”. Assim, ao completar os 12 anos, a criança já era considerada um
adulto, assumindo tarefas domésticas desde os 4 anos, aos 8 anos pastoreando,
aos 11 anos na costura, bem como o cumprimento pela criança negra de outras
atividades como as de passar, lavar, cozinhar e servir seus senhores, ocupações
essas semelhantemente assumidas também pelo escravo adulto (GÓES e
FLORENTINO, 2010, p. 184-185).
Diferente tratamento era dispensado à criança escrava em relação à criança
da casa-grande, pois esta não tinha o direito a instrução concedida à criança livre, a
qual tinha o ensino das primeiras letras no convívio familiar; ao contrário dessa
realidade, à criança escrava era reservada uma inserção totalmente diferenciada na
sociedade.
A sociedade colonial usurpava da criança negra o direito à infância. Logoque nascia, ela não tinha direito ao leite e aos cuidados maternos. Assimcomo na Europa, as senhoras da casa-grande não amamentavam seusfilhos, entregavam-nos aos cuidados de uma ama de leite, que era obrigadaa retirar tal sustento da boca de seus próprios filhos. O desconhecimentodas necessidades (físicas, emocionais, sociais, etc.) específicas da“infância” se traduzia, naquele momento, como negligência e descuido queacabavam fomentando os altos índices de mortalidade, tanto de criançasbrancas como de crianças mestiças ou negras (FARIAS, 2011, p. 51).
A autora afirma ainda que:
Dos 3 aos 7 anos, a criança escrava passava por um período de iniciaçãoaos comportamentos sociais, que a identificava e lhe fazia reconhecer a suacondição social. A partir dos 7 anos, a criança negra deixava a infância parater sua força de trabalho explorada ao máximo. O sistema escravocratatambém se encarregava de não permitir que a “família negra” seconstituísse, fragmentando o elo parental básico, distanciando os filhos dospais (FARIAS, 2011, p. 52).
Em relação à criança livre, Del Priore (2010b, p. 84) define o cotidiano desta
durante o colonialismo, período em que “a infância era, então, um tempo sem maior
personalidade, um momento de transição e por que não dizer, uma esperança”. A
infância correspondia à idade pueril, que iria do nascimento até os 14 anos, e,
dependendo da condição dos pais, variava a forma em que a criança vivenciava sua
infância. Sendo assim, até os 3 - 4 anos, a criança era amamentada. Dessa idade
até completar os 7 anos, a criança convivia com os pais, acompanhando-os nas
86
diversas atividades. Após este período, eram inseridas no trabalho e tratadas tal
como um adulto na aprendizagem dos ofícios.
Del Priore (2010b) destaca a convivência da criança livre com a criança
negra na casa dos senhores, onde os negrinhos escravos eram constantemente
tratados como “animaizinhos de estimação” nos momentos de brincadeiras e
diversões, como forma de demonstração de mimos e afetos pelas mães e amas
negras. Em repúdio a qualquer manifestação de afeto, tanto à criança livre quanto
aos filhos de escravos, práticas de castigos físicos eram comuns no cotidiano
colonial, já que “com tantos mimos, o risco era da criança ficar mole e bamba” (DEL
PRIORE, 2010b, p. 96).
No Brasil colonial, como vimos, as crianças sejam elas indígenas, negras,
órfãs ou livres, apesar da condição social e econômica que a distinguiam, a idade
representava certa semelhança, no trato com os pequeninos, isto porque
A formação social da criança passa mais pela violência explícita ou implícitado que pelo livro, pelo aprendizado e pela educação. Triste realidade numBrasil, onde a formação moral e intelectual, bem como os códigos desociabilidade, raramente aproximam as crianças de conceitos comocivilidade e cidadania (DEL PRIORE, 2010b, p. 105).
3.1.2.2 Infância e a criança negra no Brasil Imperial
No Brasil imperial, Mauad (2010, p.140) descreve a vida das crianças da
elite durante o império. Nesse período, eram os adultos que estabeleciam a
educação e os espaços em que a criança poderia frequentar, “era a rotina do mundo
adulto que ordenava o cotidiano infantil e juvenil, por meio de um conjunto de
procedimentos e práticas aceitos como socialmente válidos”.
A infância era considerada a primeira idade da vida, caracterizando-se pela
“ausência de fala” ou pela “fala imperfeita”, período em que corresponde ao
nascimento até os 3 anos; a puerícia era a fase da vida que substituía esta primeira,
compreendendo as crianças a partir dos 3 anos até atingirem os 12 anos. Nesta
fase, a infância pueril estava diretamente relacionada aos aspectos físicos, à fala,
aos períodos de dentição, à estatura, bem como às características que envolviam os
sexos femininos e masculinos (MAUAD, p. 141).
A infância era também registrada por meio da fotografia, na qual o que se vê
parte do “enquadramento do olhar adulto para o objeto do olhar: a criança e o
87
adolescente” (MAUAD, 2010, p.142). As crianças eram preparadas para estes
momentos, desde a escolha da pose, das vestimentas, dos objetos que comporiam
o ambiente, enfim. Através desses registros, era possível, então, perceber “a
presença das crianças nas vivências familiares” (idem, p.143), principalmente da
família imperial devido ao interesse por esse tipo de atividade.
No que se refere à educação da criança, à família restava a incumbência de
educar e a responsabilidade da escola era de instrução, visando à preparação da
criança para o mundo adulto, no qual ela deveria ser vista como um ser em
potencial, capaz de assumir responsabilidades tal qual o adulto.
As crianças desde os 7 anos recebiam um ensino enciclopédico nas escolas,
onde aquelas que obtinham êxito nas sabatinas e arguições eram “enaltecidas”; no
entanto, somente haveria êxito na educação dos pequenos se a família garantisse a
educação doméstica, a partir do ensino de princípios morais (MAUAD, 2010 p.150).
Outro aspecto importante, descrito pelo autor, refere-se à educação e à
instrução da infância na distinção no tratamento de meninos e meninas presentes
nos colégios da Corte Imperial, onde os meninos eram instruídos por homens e as
meninas por mulheres. Ao universo feminino, destinavam-se a valorização de
atividades manuais e intelectuais; já ao masculino, além da extensão no tempo de
instrução, que variava em relação aos das meninas, pois os meninos começavam
seus estudos aos 7 anos e prosseguiam com estes até sua formação em nível
superior, eles poderiam seguir carreira militar, diferentemente da educação das
meninas, na qual “exigia-se perfeição no piano, destreza em língua inglesa e
francesa, e habilidade no desenho, além de bordar e tricotar” (MAUAD, p. 154).
Observamos, então, que desde a mais tenra idade a família e a escola
determinavam, a partir do ensino e da instrução, os papéis sociais que, quando
adulto, a criança deveria exercer, definindo, assim, a forma de inserção destas no
mundo adulto.
Diferentemente da realidade vivenciada pelas crianças da elite, foi a dura
realidade de muitas crianças negras e indígenas que enfrentavam o crescente
abandono no final do século XIX. Pois, segundo Leite (2011), devido à explosão
demográfica do período, principalmente nas cidades médias e grandes,
desencadearam o deslocamento das famílias pobres, as quais, sem condições de
sustentar os filhos, acabam por abandoná-los, além de outros fatores como a má
distribuição de renda, bens e serviços entre as diversas camadas sociais.
88
Gonçalves (2010, p. 326) revela outro agravante do abandono das crianças
negras com a promulgação da Lei do Ventre Livre de 1871, que deixou as “crianças
nascidas de escravos, muitas vezes, sem destino”. Ele ainda destaca a exigência
pelo governo imperial na responsabilização, pelos senhores de escravos, no cuidado
com as crianças livres até a idade de 7 anos, fato que não evitou a situação de
abandono da criança negra.
A abolição dos escravos em 13 de maio de 1888 leva ao agravamento da
situação de abandono da criança negra. Assim, de acordo com Cavalleiro (2007, p.
28), “constata-se que a lei abolicionista não possibilitou a cidadania para a massa de
ex-escravos e de seus descendentes. A partir da promulgação da lei, os ex-escravos
e seus descendentes foram segregados social e economicamente”.
Nesse cenário, que marca desde então o crescente abandono da criança
negra, surgem as Casas dos Expostos, instituição que recebia os bebês
abandonados nas rodas, “cilindros de madeira que permitiam o anonimato de quem
ali deixasse a criança” (KULMANN JR., 2010, p. 473). Segundo Kuhlmann Jr.
(2010), essa medida, a criação desse espaço, visou a minimizar a situação de
abandono pelas famílias mais carentes, dando, assim, ênfase no suporte aos mais
necessitados, como no caso das crianças negras, pobres e órfãs.
Marcilio (2011) analisa a história da infância abandonada no período de
1726 a 1950, enfatizando que a roda dos expostos foi uma das instituições que mais
se expandiu, tendo sua origem desde o período da Colônia, ampliando o número de
instituições no período imperial e persistindo na República até meados da década de
50.
Essas instituições tiveram origem na Europa medieval. Aos mosteiros
medievais, eram entregues as criancinhas abandonadas pelos pais, os quais
confiavam que não só com eles a criança teria uma educação aprimorada, mas que
receberia também o batismo e poderia ainda crescer contribuindo para a obra de
Deus. Dessa forma, segundo Leite (2011), a mortalidade infantil muito presente nos
países europeus, passa a ser objeto de registro e de combate com a criação da roda
dos expostos.
No século XVIII, foi reivindicada a primeira Roda de Expostos à coroa no
Brasil, sendo a primeira instituída no estado da Bahia, com a responsabilidade da
Casa da Misericórdia, seguindo o modelo da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa,
a qual prestava assistência às crianças abandonadas. A segunda roda foi instalada
89
na cidade do Rio de Janeiro, em 1738. Já a terceira e última roda, ainda no período
colonial, teve sua sede em Recife, na Santa Casa de Misericórdia. Após a
independência, havia 13 rodas instaladas em diversos estados e com a obrigação de
auxílio aos desamparados, agora sob a incumbência das câmaras municipais.
Ocorre ainda, no século XIX, de acordo com Kulmann Jr. (2010), a difusão
na sociedade ocidental da criação de creches, salas de asilos e outras instituições
destinadas a atender as crianças com idade de 0 a 6 anos, principalmente, aquelas
oriundas de famílias pobres, cujas mães, muitas delas escravas ou ex-escravas, que
necessitassem trabalhar, poderiam dispor desses espaços para amparar os
pequenos no tocante ao cuidado, com um caráter essencialmente assistencial; já os
jardins de infância eram destinados à elite, aos moldes da proposta cunhada por
Fröebel na Alemanha, na qual dispunha de um caráter pedagógico.
Kulmann Jr. (2010) considera que, no Brasil, a existência desses espaços,
sejam as creches ou os jardins de infâncias, ainda eram em número muito reduzido
no final do referido século, mas que, apesar disso, pouco a pouco o atendimento da
criança fosse colocado em pauta como uma necessidade na demanda dos sistemas
sociais e educacionais, preocupação esta que se intensifica no período seguinte da
república que destacaremos a seguir.
3.1.2.3 A infância e a criança negra no Brasil República aos Dias Atuais
A concepção sobre a infância no início do Brasil República está estritamente
relacionada ao progresso da nação, envolvendo fatores de diversas ordens no
âmbito social, político, econômico e educacional, que idealizam o discurso da
“civilização da infância”, emergido no seio da sociedade burguesa. A infância, então,
é assumida enquanto categoria social (REIS, 2011), marcando, assim, nesse
período, uma mudança de concepção sobre a infância na sociedade brasileira.
Kramer (2011) destaca este período inicial das duas primeiras décadas do
século XX como um momento de criação e de expansão de instituições de
atendimento à criança, além da promulgação de diversas leis na defesa desse
atendimento.
Em consonância com este contexto, Kuhlmann Jr. (2007) também descreve
nesse período a criação de instituições à infância, sejam elas no campo jurídico,
sanitário e de educação popular com um cunho eminentemente assistencial ao qual
90
denomina de “assistência científica”, pelo cuidado com a alimentação e habitação
dos mais carentes, retratando assim uma preocupação com os ideais progressistas
preconizados no início do período republicano.
Tendo em vista o fomento das questões em relação ao problema da criança
no âmbito governamental, Kramer (2011) descreve a criação das principais
instituições nesse período, dentre elas a criação, em 1899, na cidade do Rio de
Janeiro, do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil, que, segundo a
autora, visava, dentre os seus objetivos, a atender os menores de 8 anos, a criação
de maternidades, creches e jardins de infância para o atendimento das crianças
abandonadas, negras, maltratadas e pobres, além da regulação por meio da criação
de leis que resguardassem os cuidados com os recém-nascidos, que garantissem os
serviços das amas de leite, e também de leis que velassem pelos menores
envolvidos no trabalho e na criminalização.
No início do século XX, precisamente em 1908, destinou-se a primeira
creche popular aos filhos de operários, com atendimento até aos 2 anos de idade;
em 1909, já se tinha inaugurado, no Rio de Janeiro, o, então, Jardim de infância
Campos Salles. O surgimento dessas primeiras instituições no Brasil ocorre muito
depois da realidade europeia, que já possuía creches e jardins de infância desde os
séculos XVIII e XIX, respectivamente (KRAMER, 2011).
O referido instituto, segundo Kramer (2011), criado e mantido
financeiramente por Moncorvo Filho, institui, em 1919, o Departamento da Criança
no Brasil, com o intuito de que o Estado tivesse a responsabilidade pelo mesmo, fato
que não ocorreu, ficando ainda sob a direção do instituto a incumbência de fazer o
levantamento do quadro de proteção da infância no Brasil, tendo em vista a situação
estatística da mortalidade infantil, a promoção de congressos e de medidas de
proteção à criança pobre, registrando, já em 1922, o 1º Congresso Brasileiro de
Proteção à Infância, fortalecendo o debate com as iniciativas públicas e privadas
sobre o atendimento da criança, visando ao combate dos problemas sociais
advindos após a abolição, com o crescimento da miséria, principalmente dos ex-
escravos.
A medicalização de assistência à criança até seis anos, por um lado, e apsicologização do trabalho educativo, por outro, imbuídos de umaconcepção abstrata de infância, foram a ênfase da etapa, pré-1930. Alémdisso, o surgimento de um Estado que se pretendia forte e autoritárioacarretava uma maior preocupação com a massa de crianças brasileiras
91
consideradas não aproveitadas. O sistemático às crianças significava umapossível utilização e cooptação destas em benefício do Estado. Essavalorização da criança seria gradativamente acentuada nos anos pós-1930(KRAMER, 2011, p. 55-56).
Foi diante desse cenário político e econômico que Kramer (2011) aponta o
avanço industrial e a ampliação da classe média, que, paralelamente ao advento do
proletariado das zonas rurais, provocou um fenômeno da urbanização, que
minimizou esse quadro de desemprego, de fome e de desamparo, principalmente à
criança negra. Nesse sentido, emerge um interesse cada vez maior por parte do
Estado em promover um atendimento de proteção à infância brasileira.
No entanto, a autora destaca que o Estado, a partir da década de 30, apesar
de assumir como atribuição o trato com a infância, não o faz sozinho, ao contrário,
convoca a sociedade brasileira, especialmente as associações particulares, a
juntamente com ele dividirem as responsabilidades no atendimento à criança,
configurando um discurso em que constata a impossibilidade do Estado em assumir
integralmente os custos financeiros, necessitando, assim, de ajuda de entidades
filantrópicas. Discurso este que, para Kramer (2011), ainda permanecem na
atualidade no cenário político de atendimento à infância
Neste quadro, percebem-se duas tendências que até os dias de hojecaracterizam o atendimento à criança em idade pré-escolar: o governoproclama(va) a sua importância e mostra(va) a impossibilidade de resolvê-ladadas as dificuldades financeiras em que se encontra(va), enquantoimprimia uma tendência assistencialista e paternalista à proteção dainfância brasileira, em que o atendimento não se constituía em direito, masem favor (KRAMER, 2011, p. 61).
Enfatiza, ainda, no que tange a quem era de fato a responsabilidade pela
infância ora pelas instâncias oficiais ou pela iniciativa privada, o fato de que os
discursos eram os mesmos, no sentido de um atendimento de cunho assistencial
médico-pedagógico à criança, visando ao progresso e desenvolvimento industrial da
nação, caracterizado por uma visão universal e abstrata da infância, bem como pela
expansão de instituições e órgãos visando ao atendimento e à legalização no trato à
infância brasileira.
Kramer (2011) descreve a criação sucessiva de diversos órgãos a partir
desse período, dentre eles a criação, em 1930, por meio do Decreto nº 10.402, o
92
Ministério da Educação e Saúde, na condução do ministro Francisco Campos, o qual
posteriormente criou o Departamento Nacional da Criança, em 1940, com a
incumbência de coordenar as ações a nível nacional, unificando, assim, o
direcionamento da política de proteção da infância, da maternidade e da
adolescência; para a assistência aos menores de 18 anos em situação de abandono
e envolvidos em atos de delinquência, foi criado, em 1941, o Serviço de Assistência
a Menores, vinculado ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores.
Posteriormente, este órgão foi extinto e foi criada a Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor (FUNABEM), ligado ao Ministério da Previdência e Assistência
Social e também sob a direção do Projeto Casulo da Legião Brasileira de
Assistência (LBA).
Além dessas iniciativas nacionais na promoção de políticas de incentivo e
proteção à infância, surgem, também, influências de agências internacionais como o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), criado em 1946, pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo como um dos principais objetivos a
assistência às crianças em situações de risco, provocadas nos países atingidos pela
Segunda Guerra Mundial, tendo, assim, inicialmente, uma ênfase no atendimento
médico, sendo posteriormente sua atuação voltada para o campo dos Serviços
Sociais, considerando o desenvolvimento dos países atendidos, ampliando a sua
atuação para com o cuidado com a infância, compreendendo esta como importante
para o futuro do progresso das nações dos países subdesenvolvidos (KRAMER,
2011).
No âmbito educacional, a autora destaca a presença de duas formas de
atendimento pré-escolar, uma de caráter privado e beneficente, realizado pela
Organização Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP), fundada em 1948, visando
ao atendimento das crianças na faixa etária de 0 a 7 anos, independente da
condição social, com um caráter educativo internacional e não-governamental; e a
outra de caráter público federal, assumida pela Coordenação de Educação Pré-
Escolar (COEPRE) em 1975, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura, com a
incumbência de estabelecer as diretrizes do atendimento ao pré-escolar por meio
das Secretariais Estaduais.
Kramer (2011) analisa esse quadro de atendimento à criança brasileira
marcado pela criação e pela extinção de órgãos, de departamentos e de ministério,
com objetivos de cunho assistencialistas, ora focados na saúde dos pequenos, ora
93
na proteção dos menores infratores, ou, ainda, direcionados ao setor educacional,
demonstrando, assim, uma fragmentação não só no atendimento da criança, mas
principalmente no modo de concebê-la.
Tal fragmentação fica constatada quando se analisa o histórico e as váriastendências do atendimento à criança brasileira. De uma ênfase acentuadana proteção da saúde, progressivamente as preocupações se voltaram paraa assistência social e daí para a educação. Entretanto, essas tendênciasnão foram englobando as anteriores; não houve uma ampliação daperspectiva com que se encarava o problema, mas, ao contrário, umaramificação gradativa do atendimento à infância (KRAMER, 2011, p. 87).
Lobo (2011) ressalta que as presenças dessas contradições, na forma de
atendimento à infância, perpassam também no plano da legislação brasileira, com a
promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
4.024/61, a qual determinou que a União, bem como os estados e o Distrito Federal
se responsabilizassem pela organização de seus respectivos sistemas de ensino,
reforçando, assim, um caráter descentralizador previsto na Constituição de 1946. A
autora destaca a pouca referência na lei com relação à criança de 0 a 6 anos, e no
que tange à instituição de creches nas empresas em que possuíssem mães de
crianças menores de 7 anos. Assinala que
A situação se agrava ainda mais quando se constata que, atéaproximadamente metade da década de 1960, a Lei 4.024/61, além de nãoser respeitada pelas empresas (devido à fiscalização deficiente e àausência de punição), era conhecida por um pequeno número detrabalhadoras. Se o empresário tinha, formalmente e por força da lei, aobrigação de prestar algum tipo de serviço destinado à população de 0 a 6anos, por outro lado, o Estado, nos níveis federal, estadual e municipal, via-se absolutamente desobrigado de qualquer ação nesse sentido. Ainda éimportante lembrar que não havia nenhuma lei ou um documento elaboradopelo poder público que orientasse esses empresários quanto àcaracterização, formação, carga horária ou remuneração dos profissionaiscontratados para o trabalho nos berçários e creches das empresas. Osprofissionais eram contratados sem haver preocupação com a escolaridadeou com a formação na área do magistério. Quando muito, visava-seformação relativa à área de saúde, como auxiliares e atendentes deenfermagem (LOBO, 2011, p. 137-138).
A autora argumenta que a promulgação da Lei 5.692, criada em 1971, em
complementação à lei anterior, pouco alterou o sentido dado à infância, pois instituiu
a obrigatoriedade do ensino de 1º grau, a partir dos 7 aos 14 anos, bem como
estabelece a reforma do ensino primário e médio, que passam a ser denominados,
94
respectivamente, de ensino de primeiro e segundo graus, determinando, dentre
outros, a formação mínima para atuação dos profissionais de educação, deixando à
margem o atendimento das crianças menores de 7 anos, permanecendo o descaso
que ora estava sob a incumbência do Estado, ora sob o setor privado.
O descaso na época pela educação para a criança pequena e pelacategoria docente atuante nesse nível, por meio do tratamento sintético ereduzido nas leis educacionais, é fruto, certamente, da herança da caridade,da filantropia e do assistencialismo na história do atendimento à infância emnosso país. Decerto, a política assistencialista presente historicamente nadinâmica do atendimento à infância brasileira fez com que a formação e aespecialização do profissional na área se tornassem desnecessárias, pois,para tanto, segundo a lógica dessa concepção, bastariam a boa vontade,gostar do que se faz e ter muito amor pelas crianças (LOBO, 2011, p. 141).
O não reconhecimento para a autora da importância da educação pré-
primária destinada aos menores de 7 anos, nas décadas de 60 e 70, e evidenciado
na legislação brasileira, nega, assim, a educação enquanto direito para o
desenvolvimento infantil, na medida em que não estabelece a obrigatoriedade do
mesmo.
Kramer (2011) enfatiza que a ausência de legislação, nesse período, no
trabalho com a infância, revela dentre outros uma política educacional meramente
assistencialista, compensatória e superficial, revestida por um discurso imbuído de
recomendações; no entanto, não traduzindo na prática as reais necessidades que as
crianças vivenciavam no cotidiano, ao contrário, a defesa da pré-escola visava a
combater o fracasso escolar.
A partir da abertura política no início da década de 80, e juntamente com os
movimentos sociais, principalmente os das mulheres em defesa do direito à
educação das crianças, as reivindicações feitas por esses grupos entram no bojo
das discussões da Constituinte de 1988, a qual estabelece no inciso IV do Art. 208
“o atendimento em creches e pré-escolas”, bem como no próprio artigo que define “o
dever do Estado com a educação” (BRASIL, 2009a). Lobo (2011) ressalta a
importância da Carta Magna no que se refere à educação infantil, pois esta
reconhece como direito social a educação de 0 a 6 anos, tendo os municípios a
incumbência de garantir este atendimento com auxílio dos estados e da União.
O importante papel também assumido pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, no início da década de 90, “assegura à criança a condição de
95
sujeito de direitos fundamentais e individuais e esses direitos devem ser garantidos
com toda prioridade possível (idem, p. 153). A promulgação da LDB 9394/96 avança
ainda mais os direitos da criança à educação infantil, ao destinar à creche as
crianças de 0 a 3 anos, e a pré-escola, com atendimento de 4 a 5 anos,
incorporando-as como primeira etapa da educação básica em seu Art. 29.
Assim, a compreensão da criança enquanto cidadã de direito, a partir do
estabelecimento da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente
e da atual LDB, imprime, segundo Viera (2011, p. 265), um movimento de
“permanências, avanços/ redefinições/ mudanças e tensões” em torno das políticas
para a infância. Isto se deve ao fato de que, segundo a autora, há a necessidade de
se aprofundar e consolidar nos dias atuais a legislação em vigor, envolvendo, então,
um diálogo constante com os diversos movimentos sociais, fóruns, educadores,
pesquisadores para que seja garantida uma educação infantil de qualidade.
Esse movimento de redefinições em torno das mudanças ocorridas nas
últimas duas décadas nas políticas está imbuído de tensões, principalmente a partir
da reforma de ensino estabelecido na LDB vigente, que estabelece a integração da
educação infantil no atual sistema de ensino; isto porque o atendimento dessa
clientela está diretamente envolvido nas discrepâncias econômicas, bem como dos
diferentes critérios estabelecidos para o acesso à matrícula entre os diversos
municípios deste imenso país.
Vieira (2011) destaca a crescente mudança e avanços no plano da
legislação, com o estabelecimento de resoluções, ementas constitucionais, diretrizes
visando aos direitos das crianças em uma educação promotora de cidadania.
Observam-se, portanto avanços no processo de institucionalização daeducação infantil nos sistemas de ensino com a predominância da ofertapública sob responsabilidade das políticas educacionais dos municípios;com a regulação dos convênios sob coordenação da Educação; com aadoção de parâmetros de qualidade da educação infantil, com a presençacrescente de professores com formação em nível de ensino superioratuando em creches e sobretudo em pré-escolas; com a inserção daeducação infantil nas metas de expansão melhoria da Educação Básicabrasileira (VIERA, 2011, p. 268).
Este processo de expansão da educação infantil na década de 80 é
analisado por Rosemberg (1999), em seu artigo “Expansão da Educação Infantil e
Processos de Exclusão”, o qual revela as desigualdades de acesso e de
96
permanência nos sistemas educacionais entre brancos e negros, resultando em um
processo de exclusão de crianças negras e pobres.
O ser humano negro, segundo a autora, não somente pela sua origem
econômica, mas também pelo seu pertencimento racial encontra sérios obstáculos
no acesso à educação, sendo esta, muitas vezes, de baixíssima qualidade em
relação às frequentadas pelo homem branco.
Isto é, quando se compara o acesso de mulheres ao de homens à educaçãoformal, observam-se oportunidades e barreiras equivalentes associadas àorigem econômica e ao pertencimento racial: mulheres e homens brancosde bom nível de renda familiar dispõem de boas e semelhantesoportunidades educacionais, [...] mulheres e homens não brancos, contandocom pequena renda familiar dispõem, igualmente de péssimas condiçõeseducacionais (ROSEMBERG, 1999, p. 8).
Este processo de exclusão educacional à criança foi evidenciado nos estudos
realizados por Rosemberg (1999), a qual constatou a presença simultânea de dois
processos discriminatórios, a saber: a retenção elevada, principalmente de crianças
negras, no pré-escolar; e, na mesma proporção, o crescimento de professoras
leigas, desprovidas de formação específica para atenderem as demandas da
expansão da educação infantil.
Isto é, o modelo a baixo custo, apoiado numa concepção das “habilidadesnaturais” da mulher para o exercício da função de educadora infantil,impregnou o imaginário e as práticas sociais, generalizando-se comomodelo possível e adequado de educação infantil para o Brasil. Baseando-se no enfoque de compensação de carências de populações empobrecidas,o governo federal estimulou a abertura de vagas pela administraçãomunicipal, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, que recrutou mão-de-obra não formada para atuar junto a crianças com idade próxima ousuperior à prevista para o ingresso no ensino fundamental. Nota-se, pois,um deslizamento importante de sentido: a educação infantil destinada acrianças em idade anterior à educação compulsória, passou a ser entendidacomo educação anterior à educação compulsória, independentemente daidade da criança, fato atestado pelo número significativo de crianças de setea onze anos nos estabelecimentos de creche/pré-escola (ROSEMBERG,1999, p. 20).
Segundo a autora, constata-se uma desvalorização da educação infantil em
relação à valorização destinada ao ensino fundamental. À educação infantil, ficou a
incumbência de acolher as crianças retidas no ensino fundamental, com a
predominância de crianças negras e pobres, excluídas do direito em prosseguir seus
estudos. Desvalorização evidenciada também na falta de qualificação das
97
professoras que, além de leigas, recebiam baixos salários, “é essa desigualdade no
custeio/qualidade que penaliza crianças pobres e negras de diferentes formas”
(ROSEMBERG, 1999, p. 31).
Combater estes processos de exclusão na educação infantil perpassa, por um
processo de qualificação dos docentes que atendem esta clientela, que garanta uma
política de acesso e permanência a todas as crianças independente da sua situação
econômica e de seu pertencimento racial.
As instituições de educação infantil assumem, assim, um papel determinante
para o desenvolvimento cognitivo, cultural e social da criança pequena nas relações
sociais estabelecidas com os adultos e com seus pares. E nesse processo em que a
criança constitui a compreensão de si e do outro, necessária se faz, então, a
mediação pelos educadores de práticas de respeito e de valorização da diversidade
cultural, para a construção positiva da identidade da criança, principalmente da
criança negra, rompendo com a ótica do discurso reproduzido no ambiente escolar
que estabelece um padrão de beleza branca em detrimento aos traços do nariz, da
boca, do cabelo e da cor da pele da criança negra.
Observamos, portanto, que as concepções da infância e o cotidiano da
criança negra no decorrer da história foram marcadas por uma visão idílica da
criança como a sem voz, incapaz, um adulto em miniatura. É no século XX que a
criança começa a ser percebida enquanto sujeito, que interfere no/ e com o mundo
social. Nesta percepção, a criança constrói, por meio da interação com o outro, sua
identidade, seus valores, seus desejos, estabelecendo sua compreensão e sua
visão de mundo.
As crianças são sujeitos sociais e históricos, marcados por contradições dassociedades em que vivem. A criança não é filhote do homem, ser emmaturação biológica; ela não se resume a ser alguém que não é, mas quese tornará (adulto, no dia em que deixar de ser criança). Defendo umaconcepção de criança que reconhece o que é específico da infância – seupoder de imaginação, fantasia, criação – e entende as crianças comocidadãs, pessoas que produzem cultura e são nela produzidas, quepossuem um olhar crítico que vira pelo avesso a ordem das coisas,subvertendo essa ordem. Esse modo de ver as crianças pode ensinar nãosó a entendê-las, mas também a ver o mundo a partir do ponto de vista dainfância, pode nos ajudar a aprender com elas (KRAMER, 2008, p. 91).
Abordaremos, a seguir, as principais reflexões realizadas pelos estudiosos e
pesquisadores sobre os desafios postos para os educadores no trato com as
questões raciais, enfatizando o papel da formação dos educadores de educação
98
infantil na produção de práticas multi/interculturais nos espaços educacionais, tendo
como base os marcos legais que orientam a política das relações raciais,
estabelecendo as orientações necessários para a promoção de práticas
pedagógicas que fomentem o respeito à diversidade racial, por entendermos que é
por meio da prática pedagógica que poderemos intervir na construção de atores
sociais que respeitem e valorizem a diversidade cultural desde a educação infantil,
considerando a criança como agente social na promoção de relações sociais de
respeito as diferenças no espaço escolar.
99
4 POLÍTICA MULTI/INTERCULTURAL PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕESRACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
4.1 Os marcos legais para a educação das relações raciais no âmbito da educação
infantil
No Brasil, recentemente, a discussão acerca da diversidade cultural a partir
do movimento negro e demais grupos sociais vem sendo conquistada por meio da
luta por uma sociedade democrática e cidadã. Em termos de legislação, avanços
têm ocorrido a partir da Constituição Federal de 1988, que prevê a discriminação
racial como crime no seu artigo 5º, “institui a discriminação racial como prática de
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”
(BRASIL, 2009a).
O mito da democracia racial começa a ser questionado. Ao ser configurada a
criminalização da discriminação, fica evidente que é ilusório o ideal de igualdade
preconizado há décadas, no qual não existe preconceito e todos têm os mesmos
direitos.
No que se refere à legislação educacional, a atual Lei de Diretrizes e Bases
9.394/96 estabelece no art. 3º, incisos I e III, uma educação que tenha como
princípios: “I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; e no
“III- pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Amplia também a sua
composição no art. 21- inciso I, ao abarcar a formação da educação básica desde a
educação infantil até o ensino médio, abrindo um leque de possibilidades para que
tanto o acesso e a permanência quanto a questão da pluralidade de ideias e saberes
sejam garantidos desde a mais tenra idade (Brasil, 2012).
A questão da pluralidade cultural materializa-se posteriormente nos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, configurando um caráter nacional para o
trato com a diversidade cultural, diversidade esta de raça, gênero, religiosa; enfim,
Tratar da diversidade cultural, reconhecendo-a e valorizando-a, e dasuperação das discriminações é atuar sobre um dos mecanismos deexclusão – tarefa necessária, ainda que insuficiente, para caminhar nadireção de uma sociedade mais plenamente democrática. É um imperativodo trabalho educativo voltado para a cidadania, uma vez que tanto adesvalorização cultural – traço bem característicos de país colonizado –quanto a discriminação são entraves à plenitude da cidadania para todos;portanto para a própria nação (BRASIL, PARÂMETROS CURRICULARES,2000, p. 21).
100
No entanto, a efetivação de práticas pedagógicas inovadoras que legitime no
ambiente escolar o debate acerca da diversidade cultural, no âmbito das discussões
sobre as questões de meio ambiente, sexualidade e pluralidade cultural requeridas
nos parâmetros ainda necessita de aprofundamento, debates, estudos e reflexões
não somente pelos professores, mas por todos aqueles envolvidos no processo
educacional, como pais, gestores, coordenadores, discentes acerca da pluralidade
existente no cotidiano escolar, para que uma proposta de ensino voltada para o
reconhecimento dessa diversidade seja de fato efetivada.
No intuito de fortalecer e de legitimar normas para o enfrentamento do
combate à exclusão, ao preconceito e à discriminação racial, é sancionada pelo
governo federal a Lei nº 10.639/03, que faz alteração no artigo 26 da Lei de
Diretrizes e Bases 9.394/96, tornando obrigatório o ensino da história da África e da
cultura afro-brasileira na educação básica, sendo depois modificada pela Lei
11.645/08, que torna obrigatório aos estabelecimentos de ensino inserirem nos seus
currículos os estudos dos povos indígenas no Brasil, com o intuito de resgatar a
contribuição da população negra e indígena na formação histórica, econômica,
social e cultural da sociedade brasileira.
As instituições de ensino têm a incumbência de viabilizarem a implantação
de um currículo não mais em uma concepção folclórica e excludente, presente há
décadas nos discursos pedagógicos, bem como na literatura difundida nos livros
didáticos focadas na cultura eurocêntrica, mas em uma nova perspectiva sobre a
contribuição da cultura africana e indígena para a formação da identidade brasileira.
Na forma da lei, trazer esta discussão racial para o currículo amplia o debate sobre
a necessidade de uma educação multicultural/ intercultural, à medida em que nos
faz repensar novas formas de olhar o outro, reconhecendo-o em sua singularidade e
pluralidade.
Visando à implementação da lei nos sistemas de ensino, despontam novas
diretrizes curriculares para as questões das relações étnico-raciais, a partir da
aprovação, em 2004, pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – DCNRER (2004),
possibilitando o surgimento de questionamentos e preocupações, principalmente
sobre o processo de formação inicial e continuada do professor frente a esta
temática, cuja inserção no trabalho pedagógico encontra obstáculos em sua
101
efetivação, quer seja curricular ou do processo de formação dos professores tanto
por parte das instituições superiores responsáveis pelo processo de formação inicial
dos professores quanto por parte das políticas públicas e secretarias de educação.
Esta última, juntamente com os sistemas de ensino, tem a função de promover
formação continuada para capacitar os educadores a fim de gerar uma discussão
sobre a educação para o reconhecimento étnico-racial. Nesses termos, as Diretrizes
apontam indicativos sobre a necessidade de formação, ao considerar que
[...] sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes níveis converterãoas demandas dos afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ouinstitucionais, ao tomarem decisões e iniciativas com vistas a reparações,reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, àconstituição de programas de ações afirmativas, medidas estas coerentescom um projeto de escola, de educação, de formação de cidadãos queexplicitamente se esbocem nas relações pedagógicas cotidianas. Medidasque, convém, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino,estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade,professores, alunos e seus pais (BRASIL, 2004, p. 17).
A escola assume, então, um papel determinante na efetivação das
Diretrizes, desde a educação básica, compreendendo esta a educação infantil, o
ensino fundamental e o ensino médio, na viabilização de formação continuada aos
professores no fomento das questões referentes ao preconceito e à discriminação
racial; no redimensionamento do currículo que valorize e que reconheça as
discussões da diversidade cultural, e na promoção de práticas pedagógicas que
fortaleçam de modo afirmativo o respeito ao outro.
Para tanto, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica, por meio do Parecer CNE/CEB nº 7/2010, o qual define princípios e objetivos
que devem orientar a elaboração de propostas curriculares para a educação infantil,
ensino fundamental e educação de jovens e adultos que valorizem seus atores
sociais.
A Educação Básica é direito universal e alicerce indispensável para acapacidade de exercer em plenitude o direto à cidadania. É o tempo, oespaço e o contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir asua identidade, em meio a transformações corporais, afetivo-emocionais,socioemocionais, cognitivas e socioculturais, respeitando e valorizando asdiferenças. Liberdade e pluralidade tornam-se, portanto, exigências doprojeto educacional (BRASIL, p. 12, 2010).
No âmbito da educação infantil, a Resolução CNE/CEB nº 5/ 2009 define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e orientam para a
102
promoção de propostas pedagógicas que considerem os princípios éticos, políticos e
estéticos na relação com a criança, conforme sinalizado no art.6º, a saber
Art. 6º As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar osseguintes princípios:I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e dorespeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas,identidades e singularidades.II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e dorespeito à ordem democrática.III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdadede expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, p.2, 2009b).
Ao conceber estes princípios, parte da compreensão de criança como sujeito
histórico-social, em pleno desenvolvimento, que constitui sua identidade a partir da
relação que estabelece com o outro e com si mesma. Então, o desafio está na
constituição de propostas pedagógicas que respeitem suas particularidades e
singularidades, valorizando o diálogo positivo com as diversidades e as diferenças
presentes em nossa sociedade sejam de classe, gênero, raça ou religiosa.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil preveem a
organização de propostas pedagógicas que garantam o respeito ao desenvolvimento
social, emocional, cultural da criança na promoção de sua identidade. Para tanto,
estabelece no art. 8º, § 1º, inciso IV – o reconhecimento, a valorização, o respeito, e
a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras,
bem como o combate ao racismo e à discriminação (BRASIL, p.3, 2009b). Portanto,
a educação infantil assume um espaço-tempo ímpar para a troca de experiência, de
sociabilidade, de vivência com o outro, de aprendizagem e de sensibilidade do
respeito às diferenças.
Destacamos, o proposto no Art. 8º, no que tange às propostas pedagógicas,
as quais devem ser implementadas pelas instituições que ofertam a educação
infantil e que prevê
Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve tercomo objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação,renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferenteslinguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, àconfiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e àinteração com outras crianças.
§ 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas dasinstituições de Educação Infantil deverão prever condições para o trabalho
103
coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos queassegurem:
I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algoindissociável ao processo educativo;
II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva,linguística, ética, estética e sociocultural da criança;
III - a participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e avalorização de suas formas de organização;
IV - o estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e demecanismos que garantam a gestão democrática e a consideração dossaberes da comunidade;
V - o reconhecimento das especificidades etárias, das singularidadesindividuais e coletivas das crianças, promovendo interações entre criançasde mesma idade e crianças de diferentes idades;
VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaçosinternos e externos às salas de referência das turmas e à instituição;
VII - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos einstruções para as crianças com deficiência, transtornos globais dedesenvolvimento e altas habilidades/superdotação;
VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dospovos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros paísesda América;
IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das criançascom as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como ocombate ao racismo e à discriminação;
X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contraqualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interiorda instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos deviolações para instâncias competentes (BRASIL, 2009b).
Damos ênfase, porém, aos itens VIII e IX da referida diretriz, que preveem a
constituição nas propostas curriculares das instituições de educação infantil da
apropriação, do reconhecimento e da valorização das contribuições históricas dos
povos indígenas, africanos, etc. visando a combater, desde a mais tenra idade,
qualquer forma de preconceito e de discriminação racial.
Essa demanda ainda recente no âmbito da educação, principalmente no que
se refere à educação infantil, uma vez que requer a formação e a reflexão dos
educadores, no intuito de implementarem, por meio do currículo, o reconhecimento e
a valorização da cultura dos povos historicamente excluídos, bem como na
104
promoção de uma prática pedagógica que promova a manifestação de atitudes
positivas no trato com as questões da diversidade étnico-racial.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,1998)
orienta para a implementação pelas instituições de educação infantil de propostas
pedagógicas e curriculares que respeite a criança como sujeito de direito,
valorizando sua especificidade e singularidade, contribuindo para a formação de sua
identidade. Para tanto, estabelece os seguintes objetivos gerais:
• desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez maisindependente, com confiança em suas capacidades e percepção de suaslimitações;
• descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suaspotencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos decuidado com a própria saúde e bem-estar;
• estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças,fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suaspossibilidades de comunicação e interação social;
• estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aospoucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais,respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda ecolaboração;
• observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-secada vez mais como integrante, dependente e agente transformador domeio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para suaconservação;
• brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos enecessidades;
• utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita)ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma acompreender e ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos,necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção designificados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva;
• conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes deinteresse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade(BRASIL, 1998, p. 63).
Os marcos legais instituídos no Brasil, apesar dos avanços, apresentam um
discurso ideológico fundamentado na política pluralista multicultural de caráter
neoliberal, que se diferencia dos pressupostos do multiculturalismo crítico.
Delinearemos, a seguir, o cenário da política multicultural, defendendo a
perspectiva crítica e intercultural como possibilidade de diálogo entre as culturas, e
105
como estratégia de intervenção nos espaços educacionais da educação infantil na
garantia do respeito e reconhecimento das diferenças.
4.2 O cenário da política multicultural/intercultural
Os estudos sobre o multiculturalismo no contexto educacional é recente,
tendo ainda um reduzido número de pesquisas que discutem esta temática. A escola
surge na perspectiva multicultural como espaço em que transitam diversas culturas,
permeadas de conflitos, de resistências, de disputas, marcado também pela
supremacia da cultura branca, masculina e cristã (McLAREN, 1997).
O multiculturalismo emerge, então, em um contexto político, econômico e
cultural marcado pela globalização, pela desigualdade social e econômica e pela
segregação entre as culturas. Surge nos Estados Unidos, como movimento social de
luta em defesa dos movimentos sociais, como dos movimentos dos negros, dos
homossexuais, dos indígenas e de outras minorias oprimidas. Movimentos estes que
visam a combater o preconceito e a discriminação seja racial, seja de gênero, seja
de classe, seja religiosa, enfim, múltiplas formas de exclusão sofridas pelos povos
oprimidos historicamente.
O multiculturalismo vem também suscitar novas e diferentes atitudes por
parte da escola e de seus educadores, visando, a partir do reconhecimento e da
valorização das diferenças, a romper com a lógica excludente, favorecendo uma
educação que contribua para a promoção de sujeitos críticos, participativos e
construtores de sua realidade.
McLaren (1997) estabelece uma análise do multiculturalismo a partir de
quatro abordagens, a saber: multiculturalismo conservador; multiculturalismo
humanista liberal; multiculturalismo liberal de esquerda; multiculturalismo crítico e de
resistência. O multiculturalismo conservador enfatiza a soberania de uma cultura
comum, hegemônica, com supremacia da cultura branca, visando à padronização e
à legitimação de uma única língua oficial em detrimento da negação das diversas
culturas, como as africanas, indígenas, e seus dialetos. Já o multiculturalismo
humanista liberal sustenta a ideia de uma “igualdade natural”, onde não há uma
supremacia intelectual entre as raças.
Essa premissa defende que brancos, negros, indígenas, asiáticos, latinos e
etc. teriam as mesmas condições intelectuais de buscarem na sociedade capitalista
106
melhorias de vida, de emprego e de moradia. No entanto, a desigualdade econômica
se intensifica na sociedade capitalista, acabando por negar o acesso aos bens
sociais e à educação, negando também a cultura, os valores e as crenças dos
grupos excluídos.
Em contraposição, o multiculturalismo liberal de esquerda reconhece a
pluralidade cultural entre as raças, no entanto, nega que esta se constitua histórica e
socialmente, tendo, assim, um caráter meramente essencial. A abordagem do
multiculturalismo crítico e de resistência vem superar essa visão essencialista ao
situar a questão da diferença a partir do debate político constituído em um contexto
histórico, social, cultural, em que as relações entre as diferentes culturas
estabelecem disputas que envolvem ideologias, discurso e poder. Rompe com a
visão de que as relações entre as culturas ocorrem de maneira idílica, dentro do
ideal de igualdade preconizado pelas abordagens liberais, estando carregadas de
conflitos, de resistências e de disputas que passam fundamentalmente por questões
ideológicas e de poder.
Todo esse movimento do multiculturalismo, iniciado em territórios
estadunidenses, avança fronteiras e alcança ecos pelo mundo. Nesse contexto, o
Brasil, não muito diferente do ocorrido nos Estados Unidos, também no século XX, a
partir do movimento negro, em defesa da valorização e do reconhecimento da
cultura afrodescendente, amplia as discussões para o combate ao preconceito e à
discriminação étnico-racial.
Estudos e pesquisas sobre essa temática tiveram grande repercussão a
partir da década de 80 com a redemocratização política e a luta de diferentes
movimentos sociais em defesa de uma sociedade justa e igualitária. Autores como
Freire (2005); Candau (2008); Oliveira (2011) e Fleuri (2003) trazem importantes
contribuições para o estudo do multiculturalismo crítico e intercultural no contexto
educacional brasileiro.
Para Candau (2008), o multiculturalismo apresenta duas abordagens, a
primeira na perspectiva descritiva, o multiculturalismo se configura como movimento
estático dado em um contexto histórico. A segunda na perspectiva propositiva
compreende o multiculturalismo como dinâmico, construído historicamente a partir
das relações entre os sujeitos e suas culturas, que requer atitude crítica, interventiva
e transformadora pelos seus atores, visando, por meio da educação, propor
mudanças estratégicas de luta e combate ao preconceito e à discriminação.
107
A partir da abordagem propositiva, ela defende um multiculturalismo crítico e
interativo, que promova o diálogo entre as culturas, enfatizando a interculturalidade
como possibilidade de reconhecimento e valorização de identidades.
A perspectiva intercultural que defendo quer promover uma educação parao reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupossociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrentaos conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupossocioculturais nas sociedades e é capaz de favorecer a construção de umprojeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente incluídas(CANDAU, 2008, p.23).
A educação assume, então, um caráter transformador, provedora da troca
entre as diferentes culturas presentes no ambiente escolar, favorecendo o respeito à
diversidade cultural e à valorização do “outro”. Exige-se, portanto, uma prática
pedagógica problematizadora, emancipatória e libertadora que não exclua e não
reproduza o preconceito, mas que promova o diálogo crítico e autônomo entre os
sujeitos. Freire (2005) corrobora com esta premissa ao situar o debate sobre a
interculturalidade a partir do princípio da troca e da negociação permanente entre as
culturas quando afirma que
A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelocontrário, se funde nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. Oque ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá a outra (FREIRE, 2005,p. 210).
Oliveira (2011) argumenta que a origem deste debate sobre a
interculturalidade no Brasil está estritamente relacionado à luta preconizada pelos
movimentos sociais na década de 60 por equidade social, representadas no
pensamento educacional de Freire, por meio de categorias fundantes, as quais
constituem, segundo a autora, os conceitos que embasam a concepção freireana
sobre a interculturalidade, a saber:
Considero que desde as suas primeiras produções, a questão dainterculturalidade está presente na educação de Paulo Freire em torno decategorias fundantes presentes no seu pensamento educacional entre asquais: oprimido, cultura, invasão cultural, síntese cultural, diálogo,autonomia, e, posteriormente, nas obras dos anos 90, ao tratar do tema domulticulturalismo, em que problematiza questões como a diferença, aidentidade cultural, relações de gênero e de raça, a tolerância, entre outras.Além disso, por meio da tese unidade na diversidade, Paulo Freirefundamenta o debate sobre a diferença na perspectiva intercultural crítica(OLIVEIRA, 2011, p. 38).
108
A partir dessas categorias, Oliveira (2011) destaca que a educação de Paulo
Freire, além de fazer a denúncia de uma pedagogia bancária e excludente, promove
o anúncio da possibilidade da promoção de uma pedagogia crítica e dialógica, que
inclui e liberta da opressão, por meio do diálogo que humaniza, e permite a
transformação da sociedade com “outro”, conforme argumenta:
No meu modo de ver existe aproximação entre os pressupostos teórico-metodológicos da educação de Paulo Freire com a educação interculturalpelos seguintes aspectos: a cultura e o diálogo são centrais no debate ético-político na educação e na promoção do encontro entre as diferenças e asrelações interculturais; a educação, pela reflexão crítica e por meio damatriz liberdade, é vista como capaz de viabilizar a autonomia e oempoderamento dos sujeitos que sofrem opressão e exclusão social; e nodebate sobre o multiculturalismo são fundamentais as questões sobre adiferença, a alteridade, a solidariedade, classe, gênero, etnia, tolerância,entre outras (OLIVEIRA, 2011, p. 54).
Vale dizer que estabelecer o diálogo cultural é um desafio, por tratar-se de
uma tarefa complexa que requer escuta, troca, conflito, disputa, tensão, mas,
sobretudo, a manifestação plena de cada cultura, não recaindo mais na negação, na
exclusão e na discriminação dos diversos grupos sociais.
Nesse contexto, a escola assume um papel de mediação na proposição de
uma prática pedagógica reflexiva e interventora na construção do respeito e da
valorização cultural entre os agentes sociais, segundo considera Walsh (2009, p.25)
a interculturalidade crítica como ferramenta pedagógica que questionacontinuamente a racialização, subalternização, inferiorização e seuspadrões de poder, visibiliza maneiras diferentes de ser, viver, e saber ebusca o desenvolvimento e criação de compreensões e condições que nãosó articulam e fazem dialogar as diferenças num marco de legitimidade,dignidade, igualdade, equidade e respeito, mas que – ao mesmo tempo –alentam a criação de modos “outros” – de pensar, ser, estar, aprender,ensinar, sonhar e viver que cruzam fronteiras.
Fleuri (2003) alerta para o cuidado em não se construir práticas que visem a
homogeneizar as culturas em tempos de globalização; isto porque, a tendência da
sociedade atual é a instituição de uma cultura universal, em defesa da superioridade
da identidade branca e eurocêntrica em contraposição às culturas ditas como
inferiores, como as das diversas raças e etnias. Ao invés de uma visão binária, entre
brancos e índios, brancos e negros, etc., o autor propõe a existência de uma
109
fronteira cultural, entendendo esta como um constante jogo político, bem como um
complexo campo de forças que envolvem as relações entre as culturas e a
construção histórico-social de identidades.
A identidade, sendo definida historicamente, é transformada continuamenteem relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nossistemas culturais que nos rodeiam, de tal forma que, à medida que ossistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somosconfrontados por uma multiplicidade desconcertantes e cambiantes deidentidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar.Na maioria das vezes, as relações entre sujeitos e entre culturas diferentessão consideradas a partir de uma lógica binária (índio X branco, centro Xperiferia, dominador X dominado, sul X norte, homem X mulher, criança Xadulto, normal X deficiente...) que não permite compreender a complexidadedos agentes e das relações subentendidas em cada pólo, nem areciprocidade das inter-relações, nem a pluralidade e a variabilidade dossignificados produzidos nessas relações. Entretanto, a complexidade darelação entre culturas evidencia a necessidade de analisar a abordagem daexistência de uma fronteira cultural, uma borda deslizante e intervalar nasrelações, para além de uma simples divisão e classificação binária daexistência humana. Esse espaço intervalar da cultura aparece como umespaço de intervenção (tensão-negociação-tradução) que introduz areinvenção criativa da existência, fundada num profundo desejo desolidariedade social: a busca do encontro (FLEURI, 2003, p. 11).
O multiculturalismo vem configurando, assim, em diversos territórios do
cenário global, a partir dos contextos históricos, políticos, sociais de cada sociedade
um movimento em defesa dos grupos oprimidos em oposição à discriminação de
raça, gênero, classe, religiosa.
A educação na perspectiva multicultural/intercultural requer novas práticas
que valorizem o saber de cada cultura, implicando, nesse sentido, uma mudança
radical na organização do currículo, não mais tomando o modelo eurocêntrico, único
e universal. Outra exigência refere-se à formação dos professores, a qual é
imprescindível para contribuir na efetivação de uma prática crítica, transformadora,
libertadora que reconheça e favoreça, dialeticamente, o diálogo entre as diversas
culturas.
Moreira (2010) considera a escola como espaço de crítica e questionamento
ao existente; espaço de formação de indivíduos não conformistas, rebeldes,
transgressores, que combatem todas as formas de opressão. A escola, então, como
espaço público, em que são estabelecidas relações sociais, produtora de
significados e identidades. Assim, o autor destaca quatro aspectos importantes na
promoção da educação multicultural no espaço escolar, a saber:
110
Pode-se promover a educação multicultural para desenvolver sensibilidadepara a pluralidade de valores e universos culturais, decorrente do maiorintercâmbio cultural no interior de cada sociedade e entre diferentessociedades. Pode-se também empregá-la para resgatar valores culturaisameaçados, visando-se a garantir a pluralidade cultural. [...] Pode-se, com oauxílio da educação multicultural, destacar a responsabilidade de todos noesforço por tornar o mundo menos opressivo e injusto (MOREIRA, 2010, p.176).
Para a efetivação de uma educação multicultural, Moreira (2010) propõe
uma interseção entre o multiculturalismo e o currículo, ao pressupor o currículo como
um instrumento privilegiado na orientação de propostas e práticas multiculturais. O
autor concebe, então, o currículo como
Todas as experiências organizadas pela escola que se desdobram em tornodo conhecimento escolar. Incluo no âmbito do currículo, assim, tanto osplanos com base nos quais a escola se organiza, com a materializaçãodesses planos nas experiências e relações vividas por professores noprocesso de ensinar e aprender conhecimentos. Nessa perspectiva, oprofessor encontra-se necessariamente comprometido com o planejamentoe com o desenvolvimento do currículo (MOREIRA, 2010, p. 179).
Nas últimas décadas vem se despontando a formulação de leis e de
diretrizes que objetivam reorientar o currículo escolar e a prática pedagógica, no
intuito de contribuir para a formação de cidadãos críticos que valorizem e respeitem
as diversas culturas que permeiam o ambiente escolar.
Delinearemos, a seguir, os desafios para a promoção de uma prática
docente intercultural no espaço educacional.
4.3 Desafios para uma prática docente intercultural no espaço educacional
Nas últimas décadas, a questão racial no Brasil tem sido palco de inúmeras
discussões por parte dos grupos historicamente marginalizados, como os negros,
tendo em vista a necessidade emergente de se colocar em pauta na educação
discussões acerca da discriminação racial, social, cultural, política e econômica
sofrida pela população negra neste país.
A escola apresenta-se como cenário que vislumbra a possibilidade de
construção de uma política afirmativa para a igualdade racial, tendo como principal
ator a figura do professor, atuando ora como veiculador da promoção do
reconhecimento e da valorização da diversidade étnico-racial, por intermédio de uma
111
educação que permita a emancipação da cultura negra, ora para a negação desse
direito, por não conceber a existência do preconceito racial no contexto educacional.
O professor, em geral, não percebe as graves diferenças existentes nosresultados escolares de crianças negras e brancas. Não estabelecerelações entre raça/ etnia, gênero e desempenho escolar, e não percebetambém como essa não-percepção interfere na sua própria conduta.Entretanto, sabe-se que as representações determinam as relações, oscomportamentos, as expectativas e as interações sociais. Assim, odespreparo constitui campo fértil para que o racismo se perpetue e adiscriminação racial sofra mutações próprias do ambiente escolar (SILVA,2001, p. 66-67).
Então, a educação infantil é concebida no amplo contexto da educação
formal e considerando-a como uma das primeiras etapas do processo de
aprendizagem e de formação do ser humano como sujeito sociocultural, que
estabelece interação com seu meio e com sua cultura, com base em Vygotsky.
Em síntese, na perspectiva vygotskiana o desenvolvimento das funçõesintelectuais especificamente humanas é mediado socialmente pelos signose pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, acriança reconstrói individualmente os modos de ação realizadosexternamente e aprende a organizar os próprios processos mentais. Oindivíduo deixa, portanto, de se basear em signos externos e começa a seapoiar em recursos internalizados (imagens, representações mentais,conceitos etc.) (REGO, 1995, p. 62).
Nessa perspectiva, a educação infantil cumpre um papel socioeducativo
próprio e indispensável ao desenvolvimento da criança, valorizando as experiências
e os conhecimentos que ela já possui, fomentando a construção de novos
conhecimentos por meio da interação que estabelece com o outro, reconhecendo
sua diversidade cultural e étnico-racial.
Considerando as ações que promovam a discussão da cultura racial na
educação infantil, bem como a postura do professor diante dessa necessidade,
torna-se fundamental a formação de sujeitos críticos, tendo como alicerce o
processo de inclusão racial na educação infantil, por meio de práticas de
reconhecimento e de valorização de sua história, cultura e identidade no seu
cotidiano, favorecendo a apropriação da função social dessas práticas.
[...] a prática pedagógica deve considerar a diversidade de classe, sexo,idade, raça, cultura, crenças etc., presentes na vida da escola e pensar(repensar) o currículo e os conteúdos escolares a partir dessa realidade tãodiversa. A construção de práticas democráticas e não preconceituosas
112
implica o reconhecimento do direito à diferença, e isso inclui as diferençasraciais (GOMES, 2001, p. 87).
Uma das principais tarefas do educador é propiciar um ambiente que permita
este reconhecimento da cultura e da identidade negra, no qual as relações
estabelecidas entre os sujeitos, nas atividades que envolvam a oralidade, o brincar,
o jogo, a escrita, o desenho e o lúdico tenham como alvo a formação de cidadãos
que respeitem esta diversidade étnica e cultural.
Pesquisas realizadas, como a de Cavalleiro (2001), revelam que a questão
racial está presente no cotidiano da escola, nela inserida a educação infantil, e são
vivenciados por professores e crianças mecanismos sutis de exclusão, de
preconceito e de discriminação. Para romper com esta situação, a autora propõe
[...] a elaboração de um cotidiano escolar que contemple as necessidadesespecíficas de alunos/as negros/as, a saber: a) reconhecimento daproblemática racial na sociedade; b) desenvolvimento de estratégiaspedagógicas que possibilitem o reconhecimento da igualdade entre osgrupos raciais e paralelamente, a aceitação positiva dos alunos negrospelos demais alunos; c) provimento de alternativas para a construção deautoconceito positivo e auto-estima elevada para crianças e adolescentesnegros, incentivando-os a construir projetos de vida. (CAVALLEIRO, 2001,p.149).
Daí compreender o papel social da educação infantil como possibilidade de
que sejam organizados, planejados e avaliados pelo educador tempos e espaços em
que se valorizem os diversos tipos de linguagem, expressões e culturas,
contextualizando-as com a realidade social na qual a criança está inserida,
contribuindo para seu desenvolvimento socioeducativo.
Reconhecer o papel das instituições de educação infantil significa reafirmarsua função de atender as necessidades das crianças constituindo umespaço de socialização e de convivência. Espaço este de cuidar e educar,que possibilite explorar o mundo, novas vivências, trocas de experiências,ter acesso a livros, no qual brincar de boneca, casinha, soltar pipa, jogarbola de gude, amarelinha, entre outras, signifique o resgate dasbrincadeiras infantis, como realidade de inserção, integração, transformaçãoe interação das crianças no mundo (SOUZA, 2002, p. 58).
Essa interação também inclui a presença da criança negra nos espaços da
educação infantil, devendo ser uma questão que envolva educadores, pais, alunos,
comunidade e a sociedade em geral. Sendo assim, para os educadores se torna um
desafio a abordagem da questão racial em suas propostas pedagógicas, bem como
113
na organização dos conhecimentos considerando a rotina em creches e pré-escolas,
conforme estabelecido pelas Diretrizes da Educação Infantil (2009b) e
consubstanciado nas Diretrizes para as Relações Raciais (2004).
A partir da inserção no projeto político pedagógico das unidades de
educação infantil em garantir à discussão da questão cultural e étnico-racial, aos
educadores caberá o desafio em incorporá-las em suas propostas de ensino, de
modo que possa garantir às crianças o diálogo com a diversidade cultural brasileira.
Nessa discussão relativa à educação às ações culturais, não podemos abrirmão de pensar criticamente nosso tempo, produzindo teorias e práticasemancipadoras, que provoquem a reflexão e instrumentalizem-nos paracombater a discriminação e a exclusão de muitos. Enquanto lutamos paraconquistar condições concretas de democratizar a cultura, precisamosenfrentar este que talvez seja um dos mais pesados e difíceis problemas danossa própria condição humana e que é, sem dúvida, um dos maioresdesafios deste século: a dificuldade de aceitar as diferenças e dereconhecer que aquilo que caracteriza nossa singularidade é justamentenossa pluralidade. Contra perspectivas educacionais e culturaishomogeneizadoras, difundidas cada vez mais pela mídia em tempos deglobalização, cabe – em todas as instâncias da vida educacional e cultural –aprender a lidar com a heterogeneidade como riqueza, e não comoobstáculo (KRAMER, 1998, p. 213).
Portanto, a relevância de refletirmos acerca da interculturalidade tendo como
eixo central a reflexão sobre a percepção do educador sobre a questão étnico-racial
e sobre a importância em demonstrar uma atitude de respeito às diferenças, é
crucial, já que, para formar crianças que valorizem sua cultura no que tange à
questão racial, o educador precisa, primordialmente, reconhecer sua identidade
cultural.
Além disso, trabalhar a questão das relações raciais no contexto da
educação infantil é fundamental para o desenvolvimento e a aprendizagem das
crianças, bem como para a sua formação enquanto sujeitos, pois contribui para que
a criança seja capaz de entender, de refletir, de interferir e de construir um mundo
melhor.
Romper com a dificuldade de conviver com as questões raciais entre ascrianças e entre nós mesmos, a fim de que se construa uma práticapedagógica voltada para o respeito mútuo, conscientizando-se de que éfundamental lidar com as diferenças, partindo do princípio de que elas sãoriquezas e precisam ser respeitadas (SOUZA, 2002, p. 14).
114
Pensar como se constituem as práticas pedagógicas no trato com a questão
étnico-racial é fundamental, por se considerar a ausência de discussão,
questionamentos, dúvidas sobre o que e como abordar esta questão, o que constitui
campo fértil para disseminação de práticas discriminatórias e excludentes desde a
pré-escola. Dessa forma, a omissão em considerar a discriminação e o preconceito
no ambiente escolar leva à perpetuação de práticas de exclusão.
Nosso argumento se encaminha no sentido de afirmar a omissão presentenos processos de formação – planos e na bibliografia de formação, emrelação à questão racial. Argumenta-se ser crucial a preparação dosprofessores para o trato da questão, uma vez que a ausência desta leva àreprodução do preconceito em sala de aula (COELHO, 2008, p. 82).
Considerando não só a necessidade de o educador investir
permanentemente em seu processo de formação, mas ainda a contribuição dos
sistemas de ensino em assegurar a reflexão, a troca de experiências entre os
educadores, posto que a formação é contínua, inconclusa e esta deve ser realizada
a partir do contexto histórico-social no qual os sujeitos estão inseridos, é necessária
a mobilização para uma prática compartilhada na qual se favoreça a construção de
uma práxis pedagógica para a inclusão.
Por essa ótica, formação assume uma posição de “inacabamento”,vinculada à história de vida dos sujeitos em permanente processo deformação, que proporciona a preparação profissional. O processo deformação é multifacetado, plural, tem início e nunca tem fim (VEIGA, 2008,p. 15).
Concebendo a escola enquanto espaço de cultura, em que a pluralidade de
raça, gênero, religião, de classe se entrecruzam formando redes de saberes, o
desafio em fortalecer o reconhecimento desses saberes, a inclusão ao invés da
exclusão, a valorização em detrimento da discriminação, enfim, para alcançarmos
estas demandas postas atualmente para a escola e para o trabalho docente, faz-se
necessário repensar o processo de formação do professor, como elemento
determinante na constituição de uma educação dialógica e transformadora, para a
garantia da valorização da diversidade, conforme defende Pimenta (2008, p. 15):
Tenho investido na formação de professores, entendendo que na sociedadecontemporânea cada vez mais se torna necessário o seu trabalho enquantomediação nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, para queconcorre a superação do fracasso e das desigualdades escolares. O queme impõe a necessidade de repensar a formação de professores.
115
Santos (2007) entende como fundamental a realização de formação
continuada considerando as necessidades dos professores, o contexto no qual estão
inseridos, de modo que estes sejam reconhecidos e valorizados, e possam contribuir
para a construção de uma sociedade crítica, reflexiva e democrática.
Entende-se a formação continuada como um processo em construção edesenvolvimento de identidades e cultura dos professores que criam ereproduzem o conhecimento historicamente e socialmente construído poruma sociedade (SANTOS, 2007, p. 52).
As políticas de formação devem primar pela qualificação dos educadores
que os capacite na mediação das relações raciais de modo positivo. A escola
também deve cumprir sua função social, pois a ausência dessa discussão pode criar
um ambiente propício para a reprodução do preconceito e de práticas
discriminatórias.
As poucas mudanças agem muito lentamente e o espaço escolar continuapropicio à naturalização e à banalização da discriminação e do preconceito,os quais passam a ser codificados nas relações interpessoais, familiares econfundidos com gestos de confiança, intimidade, “afeto”. Enquadrados noscomportamentos “dentro da normalidade”, evitam enfretamentos, conflitospessoais e institucionais, punições e terminam por acobertar violênciasverbais e simbólicas (MARIM, 2008, p. 67).
Eis o desafio e a necessidade de ampliar estudos e pesquisas que reflitam
sobre a importância do modo como os educadores percebem a questão étnico-racial
e manifestam isso no cotidiano da educação infantil para o combate ao preconceito
racial em busca de uma educação para a diversidade racial, contribuindo para
demarcar espaço no cotidiano escolar para a valorização da cultura africana, cujas
raízes culturais impregnam a cultura de nosso país.
Gomes e Silva (2011) destacam a necessidade ímpar do reconhecimento
pelos professores da diversidade no cotidiano escolar.
[...] os profissionais que atuam na escola e demais espaços educativossempre trabalharam e sempre trabalharão com as semelhanças e asdiferenças, as identidades e as alteridades, o local e o global. Por isso, maisdo que criar novos métodos e técnicas para se trabalhar com as diferençasé preciso, antes, que os educadores e as educadoras reconheçam adiferença enquanto tal, compreendam-na à luz da história e das relaçõessociais, culturais e políticas da sociedade brasileira, respeitem-na eproponham estratégias e políticas de ações afirmativas que se coloquem
116
radicalmente contra toda e qualquer forma de discriminação (GOMES eSILVA, 2011, p. 16).
A partir do exposto esperamos que o presente estudo possibilite um
aprofundamento da temática em questão, assim como favoreça novas reflexões
para os profissionais de educação, especialmente àqueles que atuam na educação
infantil, orientando-os no repasse de suas concepções e práticas pedagógicas junto
às crianças no trato com a questão da diversidade étnico-racial.
Concebemos que esses elementos são significativos para ampliar a
compreensão sobre os desafios de uma prática pedagógica na perspectiva do
multiculturalismo crítico/ intercultural no contexto da educação infantil, considerando
que a problemática da sociedade capitalista exclui, segrega, discrimina.
Instituir práticas que incluam, acolham e valorizem a diversidade é um papel
desafiador para as instituições educacionais. Compreender como se constitui os
mecanismos de exclusão presentes nas relações de poder favorecerá a ruptura de
práticas discriminatórias.
O caminho está delineado pelas leis e diretrizes. No entanto, para uma
mudança efetiva nas propostas pedagógicas, curriculares e de formação, serão
necessários que haja uma conscientização teórico-metodológica, política e cultural
pelos educadores, para que a mudança em suas práticas possibilite o diálogo, a
troca, a negociação, o reconhecimento da diferença no contexto educacional,
contribuindo para a formação crítica de crianças, jovens e adultos.
Necessário se faz, então, compreender as crianças enquanto atores sociais,
produtoras de culturas, e que, como tais, interagem no e com o mundo, sujeitos da
história. As crianças se formam, criam, recriam diferentes maneiras de interpretar e
resignificar o mundo, sendo agentes sociais que estabelecem relações com o outro
e com seu ambiente.
117
5 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃOINFANTIL EM RELAÇÃO À CRIANÇA NEGRA E SUA SOCIALIZAÇÃO NOCONTEXTO DA UNIDADE EDUCACIONAL INVESTIGADA
Nesta seção, procederemos a análise dos dados obtidos, a partir da
observação de campo e das entrevistas semiestruturadas, visando a refletir sobre
como são construídas as representações sociais dos professores de educação
infantil sobre a criança negra e sua socialização na escola, por meio de sua prática
pedagógica na unidade investigada . Para tanto, partimos dos referenciais teóricos
adotados a partir dos estudos da Teoria das Representações Sociais; do
Multiculturalismo Crítico e das Relações Raciais na Escola. Assim, tendo como base
este corpus, elegemos cinco categorias temáticas, a saber:
(1) Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar;
(2) Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na
escola;
(3) Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola;
(4) A contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a superação
dos preconceitos e discriminações raciais na escola;
(5) A formação dos professores e as relações raciais na escola.
Ao organizamos as categorias não as colocamos em ordem hierárquica, pois
consideramos que todas são importantes para refletirmos sobre as representações
sociais dos professores de educação infantil e sobre a criança negra.
Neste sentido, situarmos a temática das representações sociais dos
professores de educação infantil em relação à criança negra, constitui-se um desafio
no sentido de identificarmos os processos em que ocorrem a ancoragem e a
objetivação na construção das representações, partindo do contexto de produção e
de circulação dos discursos consensuais elaborados pelos participantes sobre o
objeto de estudo.
118
A fim de analisarmos e de refletirmos sobre o modo como os professores
produzem suas representações sociais em relação à criança negra, lançaremos mão
das Teorias das Representações Sociais, que contribuem significativamente para tal,
pelo fato de ser um fenômeno que emerge em um contexto social na interação entre
o sujeito e o objeto investigado. Sobre isso, Moscovici (2003, p. 41) enfatiza que as
Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduoisoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria,circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade aonascimento de novas representações, enquanto velhas representaçõesmorrem. Como consequência disso, para se compreender e explicar umarepresentação, é necessário começar com aquela, ou aquelas, das quaisela nasceu. Não é suficiente começar diretamente de tal ou tal aspecto, sejado comportamento, seja da estrutura social. Longe de refletir, seja ocomportamento ou a estrutura social, uma representação muitas vezescondiciona ou até mesmo responde a elas. Isso é assim, não porque elapossui uma origem coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo,mas porque, como tal, sendo compartilhada por todos e reforçada pelatradição, ela constitui uma realidade social sui generis. Quanto mais suaorigem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, maisfossilizada ela se torna. O que é ideal, gradualmente torna-se materializado.Cessa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se imortal.
Nas categorias temáticas deste estudo, iremos situar as objetivações e as
ancoragens que caracterizam as representações dos professores sobre a criança
negra, buscando evidenciar as redes de significações que dão sentido e significado
ao objeto de estudo, destacando de que modo às professoras orientam suas
práticas pedagógicas no trabalho desenvolvido com a criança negra.
5.1Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar
Esta categoria busca levantar a partir do corpus da pesquisa, as
representações sociais das professoras em relação a criança negra no espaço de
educação infantil.
No primeiro dia em que começamos nossas observações no turno da tarde,
as duas professoras da turma, Profª. Rosa (JIM - DIÁRIO DE CAMPO, 2011) e Profª.
Margarida (JIT- DIÁRIO DE CAMPO, 2011) estavam organizando uma atividade na
área livre de lazer. As crianças foram acordadas para participarem da atividade, e
uma a uma, iam saindo devagar da sala, e ainda com sono se dirigiam ao pátio da
unidade. As professoras informaram à pesquisadora que não era ainda o horário das
119
crianças acordarem, mas que era necessário, porque a atividade visava uma
apresentação de uma peça a ser encenada na mostra da educação infantil, e, para
tanto, as crianças precisavam de muitos ensaios. A peça em questão tratava-se de
um ensaio musical com o título da letra da música: “A Linda Rosa Juvenil”, que
destacamos, a seguir, a letra:
A Linda Rosa Juvenil
A linda Rosa juvenil, juvenil, juvenilA linda Rosa juvenil, juvenil, juvenilVivia alegre no seu larNo seu lar, no seu larVivia alegre no seu lar
Um dia veio a bruxa máMuito má, muito má
Que adormeceu a Rosa assim,Bem assim, bem assim,Adormeceu a Rosa assim, bem assim
O mato cresceu ao redor, ao redorAo redor, ao redorO mato cresceu ao redor
O tempo passou a correr, a correrA correr, a correrO tempo passou a correr
Um dia veio um belo ReiBelo rei, belo ReiUm dia veio um belo Rei
E despertou a Rosa assim,Bem assim, bem assim
E os dois puseram-se a dançarA dançar, a dançarE os dois puseram-se a dançar
(Diário de campo, 2011)
Antes do início do ensaio, as professoras foram organizando as crianças
conforme os personagens presentes na letra da música. Apresentamos no registro a
seguir este momento:
120
(Diário de Campo, 2011)
Os diálogos entre as professoras e as crianças e seus pares, acima descritos,
revelam que não existe nada de inocente naquilo que as crianças aprendem sobre a
questão racial, tal como retrata as histórias infantis. Além de que são profundamente
ideológicas as histórias infantis que apresentam um determinado tipo físico como
portador de beleza, da bondade, da riqueza ou da pobreza. A escola tem uma
Profª. Rosa: - Vamos ver quem veio hoje, quem eu chamar levanta a mão.
Profª. Rosa: - F (menina) Está presente? (a menina levanta timidamente a mão).
Profª. Rosa: - Você já sabe né? Fará papel da “Rosa”, e tem que estar bem sorridente. (a
menina confirma com a cabeça que “sim”).
Profª. Rosa: - a R1 (menina) está aí? (procurando pela menina que ainda não havia
acordado). Alguém pode acordá-la, porque ela fará o papel da “Bruxa” e não tem ninguém
com o cabelo igual o dela (se referindo ao cabelo crespo e volumoso). (Logo R1 (menina)
aparece no pátio com cara de emburrada por ter sido acordada).
Profª. Rosa: - Não adianta ficar emburrada, pode ajeitar a tua cara, porque hoje temos que
ensaiar, e tu terás que ensaiar com a capa da bruxa que fizemos pra ti.
Profª. Rosa: - Cadê o “Rei” (P1- menino)? Ele também ainda não acordou? (e pede pra Profª.
Margarida acordá-lo).
Profª. Margarida: - Ele não quer acordar. É melhor escolhermos outro menino pra fazer o
papel do “Rei”. (As duas professoras ficam olhando e observando quem poderia substituí-lo, e
prosseguem dizendo).
Profª. Rosa: Acho que é melhor chamá-lo (se referindo a P1- menino), porque acho que ele
representa melhor o papel do “Rei”, e acho que os outros meninos não saberão fazer. (os
meninos ficam com ar de decepcionados, olhando uns para os outros e abaixando a cabeça,
como se concordassem com a professora. Logo aparece o P1 (menino)).
P1 (menino): - eu tô com sono, e não quero fazer isso (se referindo ao seu papel na peça).
Profª. Rosa: (insistindo): - Olha P1 (menino), você faz tão bem o papel do “Rei”, e hoje
fizemos uma coroa pra colocar em você. (O menino olhou a coroa e pegou-a com a
professora).
Profª. Margarida: - Vocês (se referindo as outras crianças) serão o matinho, depois vamos
explicar como deverão fazer. (Durante o ensaio, as crianças ficavam puxando e rindo do
cabelo da “Bruxa”- menina R1).
Crianças (Gritavam): - Olha o cabelo da “Bruxa”!
R1 (menina): - Deixa o meu cabelo! (fazendo caretas e colocando língua para seus colegas.
As professoras continuaram o ensaio, alheias aos conflitos envolvendo as crianças).
121
responsabilidade grande em desmistificar estas representações sociais na ação
pedagógica desenvolvida junto às crianças.
Observamos que na escolha das crianças para representarem os papéis da
“Rosa”, da “Bruxa” e do “Rei” havia certa preocupação das professoras com as
características estéticas destes personagens, pois a “Rosa”, assim como o “Rei”
eram brancos, no entanto ao escolher qual a criança representaria o papel de
“Bruxa”, as professoras enfatizaram que deveria ser uma criança com “cabelos bem
crespos e volumosos”, tal como representados nos contos infantis. As crianças
ratificavam a escolha, ao dizerem que o cabelo da R1 (menina) parecia mesmo ao
de uma “bruxa”.
Tal fato, nos leva a refletir que trabalhar com a diversidade racial,
especialmente na educação infantil exige, sim, que o professor tenha um
compromisso ético e político. A escolha feita pelas professoras da unidade
investigada e ratificada pelas crianças, deixam bem evidente a representação social
presente na prática das professoras e cultivada no imaginário das crianças em
relação à questão racial. Ressaltamos que as professoras, nestes momentos de
construção do ensaio musical, poderiam ter conduzido à atividade e a escolha dos
personagens de outra forma, ou seja, refletir com as crianças sobre estas
representações presentes nos contos infantis, na perspectiva de desconstruir e
romper com a lógica de reprodução do racismo e preconceito. Situação que
evidencia que as professoras, ao trazerem o estereótipo do “Rei” e da “Bruxa”,
reforçam uma lógica de discriminação e colocam a criança negra em situação de
constrangimento.
Este primeiro contato possibilitou a observação das interações e das
socializações das professoras com as crianças e destas com seus pares. Permitiu
identificar, também, indícios de que as crianças já em idade de 4 anos conseguem
manifestar seus gostos e preferências estéticas, ao que é belo e feio, pois ao se
referirem ao cabelo da criança que representava a bruxa, suas expressões faciais
revelavam a rejeição às características do tipo de cabelo mais crespo, enquanto
manifestavam admiração em relação ao cabelo da menina que representava a
“Rosa”, tocando levemente em seus cabelos bem lisos. Não obstante, verificamos
na representação das professoras, em relação à criança negra, a manutenção dos
padrões clássicos de beleza, sustentados ainda hoje pelos livros didáticos e pelos
contos clássicos, como por exemplo, o rei ser sempre representado por
122
personagens brancos, enquanto que a bruxa, com todas as suas características
peculiares, dificilmente é representada por uma personagem branca e de cabelos
lisos.
Segundo Silva (2008), os discursos presentes nos livros didáticos e nas
literaturas infanto-juvenil acabam por legitimar o padrão de beleza do homem
branco, o que “naturaliza a branquidade” (p. 18) em nossa sociedade. Este autor
analisa os discursos sobre o negro e o branco em seu livro intitulado “Racismo em
Livros Didáticos”, e constata, com base na revisão bibliográfica realizada sobre seu
objeto, que na literatura infanto-juvenil os personagens negros estiveram sub-
representados, e quando apareciam no texto ou em imagens, representavam
profissões socialmente desvalorizadas e, muitas vezes, ocorria a estereotipia do
negro associado à criminalidade e ao exercício de funções desvalorizadas pela
sociedade, dentre outros aspectos identificados em sua pesquisa. Assim, o autor
ressalta que
As ilustrações dos livros didáticos mantiveram as desigualdades nasproporções de personagens brancas e negras; tenderam à diferenciação donegro, ilustrado particularmente em situações de miséria social; mantiverama naturalização da condição do branco como representante da espécie,estabelecendo contextos de valorização do branco e propondo interlocuçãocom leitores brancos, promovendo a universalização desta condição(SILVA, 2008, p. 195).
As instituições de ensino tendem a naturalizar as diferenças no cotidiano
escolar, seja nas relações estabelecidas com o outro, seja no currículo escolar que
legitima a cultura eurocêntrica. Assim, o modo como às professoras estabelecem
relação em sua prática pedagógica com a criança negra, poderá evidenciar uma
relação de manutenção de desigualdades raciais na rotina da educação infantil; ou
de uma prática pedagógica que subverta toda forma de preconceito e de
discriminação em relação à criança negra.
Apesar de existir nas propostas oficiais recomendações para que as
instituições assumam práticas que contemplem a diversidade racial, especialmente
na educação infantil, percebemos que incluir tais ações pedagógicas, ainda se
mostra como um desafio a ser enfrentado pelas professoras na instituição
pesquisada.
Há uma preocupação com o cumprimento dos horários, principalmente com
os horários das refeições e do banho, como forma de garantir o horário de saída das
123
crianças, situação que faz com que as professoras interrompam uma sequência de
atividades com as crianças, a fim de garantir o cumprimento da rotina da unidade
investigada, o que de certo modo contribui para práticas pedagógicas rígidas e
padronizadas, o que faz com que as crianças vivenciem “rotinas de espera: a espera
do banho, da comida, da troca de fraldas.” (ROSEMBERG, 1996, p.64)
comprometendo a efetivação de uma ação pedagógica crítica e criativa. Destacamos
que a rotina na unidade investigada é vivenciada pelas professoras como o modo de
organização do espaço/ tempo das atividades de refeições, atividades pedagógicas,
recreação e hora do banho e sono, bem como considerando a entrada e a saída das
crianças.
Apesar da preocupação no cumprimento da rotina da unidade, as crianças
buscavam formas de romper com as regras impostas pelas instituições e pelas
professoras, seja individualmente ou com os seus pares, a brincadeira e a
inventividade rompem com a monotonia do cumprimento das normas. É neste
momento de interação e de socialização que também evidenciamos indícios de
conflitos entre as crianças com relação à manifestação de discriminação racial,
conforme alguns episódios observados na pesquisa de campo, que destacamos a
seguir:A professora Rosa libera as crianças para a área livre, elas saem correndoda sala, com muita euforia gritando: - vamos brincar! Durante a recreação,cada criança vai aos poucos se inserindo nos grupos, mas no balanço acriança negra R2 novamente brinca sozinha, com um olhar triste e distante.As professoras das demais turmas chegam ao pátio com as outras crianças,formam uma roda de professoras e acompanham distantes as brincadeirasdas crianças (Diário de Campo, 2011).
No decorrer da observação, constatamos que há pouca ou nenhuma
intervenção das professoras em relação às situações de conflito entre as crianças,
mesmo aquelas que envolvem rejeição e discriminação racial. Percebemos também,
que a pouca intervenção do professor provoca sofrimento e contribui para reforçar a
baixa autoestima da criança negra e incentiva a exclusão e o pouco convívio entre
os pares.
Esses episódios se repetiam com certa frequência, no entanto, as professoras
se limitavam a observar, indiferentemente, aos conflitos que iam surgindo na
interação entre as crianças, não realizando mediação no processo de interação e de
socialização da criança negra na unidade investigada. Na realidade percebemos que
124
estas situações são naturalizadas como se fossem normais e comuns, não existindo
uma ação de reflexão por parte das professoras acerca desta problemática.
Observamos, ainda, em algumas interações entre as professoras com as
crianças, a evidência de falas que ratificam as representações das professoras em
relação à criança negra, ancoradas em aspectos biológicos (tipo de cabelo); sociais
(pobreza) e estéticos (belo/feio). Um desses momentos em que pudemos observar o
modo como as professoras revelam suas representações ocorreram na hora do
banho. As próprias professoras reforçavam de modo negativo, as características
estéticas do tipo de cabelo das crianças negras, como destacamos nas falas a
seguir:
Olha o cabelo dela (R2), apesar de ser muito crespo é macio. (PROFª.MARGARIDA/JIT- DIÁRIO DE CAMPO, 2011)
O cabelo dela é muito embaraçado e vem sempre de casa despenteado.(PROFª. ROSA/JIM - DIÁRIO DE CAMPO, 2011)
A água aqui na unidade é muito fraca, e fica muito difícil de tirar o creme docabelo dela (R2), pois é muito embaraçado. PROFª. ROSA/JIM - DIÁRIODE CAMPO, 2011)
Teu cabelo é muito difícil de pentear (se referindo à criança negra R2).Desembaraça primeiro, depois ponho as xuxinhas. ((PROFª.MARGARIDA/JIT- DIÁRIO DE CAMPO, 2011)
As representações das professoras em relação à criança negra se ancoram
em aspectos que envolvem uma relação de conflito e de tensão na relação
estabelecida com o cabelo e com o corpo da criança negra. Isto porque, ao se
referirem ao cabelo da criança negra, as professoras se reportam ao mesmo de
modo negativo, acabando, assim, legitimando um padrão de beleza do cabelo do
homem branco, como o belo, e o cabelo do negro, como feio. Deste modo, a
tentativa das professores em se familiarizarem com o fenômeno investigado geram
conflitos que levam os indivíduos a buscarem elementos e categorias visando a
apropriação do objeto desconhecido. Este processo de formação das
representações sociais é denominado por Moscovici (2003, p. 61) como um
mecanismo de ancoragem, defino pelo autor como:
Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não sãoclassificadas e não possuem nome são estranhas, não existem e ao mesmotempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um
125
distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-loa nós mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essaresistência, em direção à conciliação de um objeto ou pessoa, acontecequando nós somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa em umadeterminada categoria, de rotulá-lo como um nome conhecido. [...] Pelaclassificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao quenão tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo.
A representação do professor no trato com o cabelo da criança negra nega
também a contribuição da cultura africana na formação da nossa sociedade,
dificultando ou até mesmo impedindo que a criança negra construa uma identidade
positiva sobre si mesma. Sobre isto, Gomes (2008a, p.20) compreende que
A construção da identidade negra como um movimento que não se dáapenas a começar do olhar de dentro, do próprio negro sobre si mesmo eseu corpo, mas também na relação com o olhar do outro, do que está fora.É essa relação tensa, conflituosa e complexa que este trabalho privilegia,vendo-a a partir da mediação realizada pelo corpo e pela expressão daestética negra. Nessa mediação, um ícone identitário se sobressai: o cabelocrespo. O cabelo e o corpo são pensados pela cultura. Por isso não podemser considerados simplesmente como dados biológicos.
Gomes (2008a) considera que o corpo e o cabelo são expressão da
identidade do negro no Brasil e, como tal, revelam a beleza dessa raça como
resultado da construção social, política, cultural e ideológica da comunidade negra.
No entanto, o processo de construção da identidade do negro no Brasil esteve e
ainda está sendo construída numa zona de conflito, tensão, resistência e
negociação, pois estamos ainda ligados ao mito da democracia racial, que legitima
um padrão eurocêntrico em nossa sociedade, oprimindo e negando outras culturas,
enraizando ainda mais a inferioridade e as desigualdades da cultura negra. Deste
modo, Gomes (2008a, p. 21) explicita que
O cabelo do negro, visto como “ruim”, é expressão do racismo e dadesigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negrocomo “ruim” e do branco como “bom” expressa um conflito. Por isso, mudaro cabelo pode significar a tentativa do negro de sair do lugar da inferioridadeou a introjeção deste.
Gomes (2008a) ressalta que no Brasil há um padrão de beleza corporal
considerado real e o outro ideal, sendo este último genuinamente branco, no
entanto, a sociedade brasileira é formada realmente pelo negro e mestiço, sendo
que a relação entre os padrões de beleza real e o ideal marcam a exclusão e a
disseminação do racismo no Brasil.
126
A escola acaba por reproduzir um padrão de beleza legitimado pela
sociedade. Destacamos, a seguir, um fato observado em que as professoras não
realizaram intervenção no que se refere à relação com a criança negra, a saber:
No início da manhã, após o desjejum, a Profª. Dália informou às criançasque ela e outra professora (do jardim I) iriam fazer o ensaio da festa junina.As crianças pulavam de alegria, neste momento, foram conduzidas para ocentro da sala, onde, inicialmente, foram orientadas a aguardaremsentadas. As turmas do jardim I e jardim II foram agrupadas para arealização do ensaio. Assim, a professora do jardim I trouxe seus alunos eexplicou que iria formar os pares para a dança, e assim o fez. No primeiromomento, a professora foi chamando um menino e uma menina, e assim,sucessivamente, os pares foram se formando, somente duas crianças (doismeninos) manifestaram que não queriam dançar e a professora pediu queeles aguardassem nas últimas cadeirinhas, e, então, ela continuou. Nessemomento, observamos que a uma das crianças negras a R1 (menina)esperava com os olhos elevados para a professora, ansiosa para serescolhida, no entanto, ao final, 12 pares foram formados, e a única que nãofoi escolhida, foi ela. A professora então disse: - R1 não tem par para você.A menina abaixou a cabeça e curvou o seu ombro desolada, então nosaproximamos e perguntamos: - você não quer dançar? Ela respondeu: -quero, mas a professora disse que não tem par para mim. O ensaiocomeçou e, durante a dança, uma das meninas pediu para sair da dança, ea R2 pulou e disse eu fico no teu lugar; entretanto, o menino da outra turmaolhou para a professora e disse:- eu não quero dançar com essa piolhenta,ela é feia (apontando para o cabelo dela), as professoras olharam entre si, edisseram para a R2, não podemos fazer nada. (Diário de Campo, 2012)
Diante do exposto, percebemos uma dupla rejeição para com a criança negra.
Na primeira, as duas professoras, de modo indiferente, não escolhem a menina
negra para a dança; na segunda, quando houve a verbalização pela criança,
alegando que a menina era piolhenta, as professoras se mantiveram em silêncio. O
silêncio que segrega, que oprime, que exclui, conforme a denúncia realizada nos
estudos de Cavalleiro (2007, p.100).
“Silencia” um sentimento de impotência ante o racismo da sociedade, quese mostra hostil e forte. “Silencia” a dificuldade que se tem em se falar desentimentos que remetem ao sofrimento. “Silencia” o desprezo do grupopara o enfrentamento do problema, visto que essa geração tambémapreendeu o silêncio e foi a ele condicionada na sua socialização.
E prossegue afirmando que
Ao silenciar, a escola grita inferioridade, despeito e desprezo. Neste espaço,a vergonha de hoje somada à de ontem e, muito provavelmente, à deamanhã leva a criança negra a represar suas emoções, conter os seusgestos e falas, quem sabe, passar despercebida num “espaço que não é oseu”. (idem)
127
Conforme estes registros das falas das professoras, as características do tipo
de cabelo da criança negra R2 são reforçadas nas falas de modo negativo. Além
disso, essas falas são lançadas na frente da criança negra, bem como das demais
crianças, que acabam assimilando e posteriormente reproduzindo-as de modo
pejorativo. O que mais nos chamou a atenção, e que nos incomodou muito, foi
observar o quanto estas atitudes das professoras deixavam a criança sem poder
reagir, ficando calada e de cabeça baixa, ouvindo as constantes reclamações quanto
à dificuldade no trato ao seu cabelo. Os conflitos vivenciados pela criança negra com
relação a sua “estética do corpo negro marca a vida e a trajetória dos sujeitos”
(GOMES, 2008a, p.21), por estar estritamente relacionada à construção de sua
identidade.
O modo como as professoras tornam natural os conflitos vivenciados no
processo de socialização da criança negra faz com que as diferenças se tornem
invisíveis. As diferenças passam a ter forma e cor dos muros da escola para fora,
isto porque, quando indagamos sobre como as professoras veem a criança negra na
sociedade brasileira, as representações são objetivadas em uma imagem de uma
criança sem oportunidades, carente e excluída de nossa sociedade. No entanto,
quando esta criança adentra a escola, as diferenças são naturalizadas. Essas
representações evidenciadas no discurso das professoras revelam a compreensão
que elas possuem sobre o objeto de estudo, o que segundo Moscovici (2003, 46):
As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específicade compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, comefeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm comoseu objetivo abstrair sentido do mundo de uma forma significativa. Elassempre possuem duas faces, que são interdependentes, como duas facesde uma folha de papel: a face icônica e a face simbólica. Nós sabemos que:representação = imagem/significação; em outras palavras, a representaçãoiguala toda imagem a uma idéia e toda idéia a uma imagem.
A representação social do professor sobre a imagem da criança negra no
Brasil é objetivada nos relatos a seguir:
Sabemos assim que muitos estão sofrendo com a questão racial. Seriamuito bom se fosse diferente, em todos os ângulos, mas principalmente naaceitação do outro, pois a partir do momento que a gente começa a aceitaro outro muda muita coisa, na vida da criança, porque ele vê que ele tem umvalor, e essa valorização nós temos que dar, por amor. Então eu acreditoque a educação muda. Qualquer ser humano que não se aceita, ou não éaceito por seus pares este fato causa danos, um trauma que vai pelo resto
128
da vida. Então a escola e a educação têm esse papel (COORDENADORA,ENTREVISTA, 2012).
Neste depoimento da coordenadora da unidade, inferimos que apesar de
demonstrar em sua fala momentos de consciência da situação vivenciada pelas
crianças, não consegue superar uma visão ingênua em relação à questão racial em
nossa sociedade, no momento em que acredita que “por amor” devemos valorizar o
outro, impedindo que se promova uma prática pedagógica mais crítica, livre de
preconceito e discriminação. A compreensão sobre a questão racial fica no nível do
discurso, sem que as professoras consigam transpor e efetivamente intervir no
cotidiano escolar. Tal situação não é surpreendente, pois, a origem que faz com que
o racismo, o preconceito e a discriminação racial persistam está estritamente
relacionada à construção ideológica do mito da democracia racial difundido há
décadas na sociedade brasileira.
A professora Rosa, aponta em sua fala abaixo, uma compreensão da criança
ancorada em aspectos sociais que retratam a pobreza e a carência da criança negra
na sociedade brasileira:
Vejo a criança negra como carente, que não tem condições, que não temapoio de lugar nenhum, e onde penso que podemos encaixá-la com algumaajuda, não sei como, porque vejo o preconceito em relação a elas na própriaescola, já na matrícula a pessoa já começa a olhar com um jeito estranho evejo uma discriminação aí. A criança negra muitas vezes não tem apoio daprópria família, não tem um lugar pra morar, pra comer, não tem umaboa saúde e alimentação (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012 – grifonosso).
O jeito estranho de olhar o “outro”, sinalizado na fala da professora Rosa,
parte muitas vezes do próprio professor. No momento, em que atribuem as
situações de rejeição ao “outro” e se eximem de culpa e responsabilidade em mediar
e intervir, por meio de uma prática pedagógica que subverta todas as formas de
discriminação racial no espaço escolar.
Nos depoimentos a seguir, as professoras Margarida, Dália enfatizam a
compreensão sobre a criança negra, ancorada em uma representação de que a
criança negra está imersa em uma situação de pobreza, miséria, sem perspectiva
nos estudos, ocupando quando adultas posições sociais subvalorizadas em nossa
sociedade, como os exemplos de profissões citadas pelas professoras, como a de
empregada doméstica e chofer, quando muito as crianças são apontadas em
situações de criminalidade.
129
Toda criança independente de sua raça, cor, credo tem seus direitosgarantidos por lei, infelizmente, apesar da aprovação da lei 10.639, existegrande preconceito por parte da sociedade, não só pela criança, mas peloadulto. Vou contar uma experiência pessoal, eu estava passeando em umcarro de luxo com minha filha e meu marido junto com outras pessoas, e sóo motorista era negro, quando mandaram que descêssemos do carro emuma blitz, eles só revistaram o negro. Então hoje a sociedade é assim,acha que pela cor pode julgar quem é ladrão, quem é pivete, e eu achoque independente da cor as pessoas tem que respeitar, que valorizar, quedar oportunidade, para que as pessoas negras possam mostrar seupotencial e que independente de qualquer coisa eles são seres humanosque merecem respeito (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012 –GRIFO NOSSO).
A imagem que tenho da criança negra no Brasil é de uma criança pobre,da periferia, com recursos de estudos carentes, alimentação carente,educação carente, pais que não têm educação, nem formação, e por issonão prosperam isso para os filhos porque eles não têm. A mídia divulgauma imagem pejorativa do negro, porque ele só aparece na televisão comoum chofer, como empregada doméstica, como ladrão e traficante, pois éisso que eles representam nas novelas, é raro o negro que é doutor(PROFª. DÁLIA, ENTREVISTA, 2012 – GRIFO NOSSO).
Diferentemente dos relatos descritos acima, é o depoimento da professora
Hortência, que argumenta não haver hierarquia social, econômica e de classe entre
negros e brancos na sociedade brasileira, no momento em que a mesma considera
que não deveriam existir políticas públicas que garantisse um maior acesso do negro
as universidade, isto porque, para a professora independente da “cor” todos
possuem as mesmas condições de acesso por “sermos todos iguais”:
Hoje eu vejo assim, essa questão do negro no Brasil, ela ainda vem sendotrabalhada de uma forma pouco assim deixada realmente de lado, porquevai desde a educação da criança até quando chega a faculdade, tem aquelataxa que é pra negro, e eu creio que independente da cor se é branco, se énegro, se é pardo, todos nós somos capazes, desde crianças até nostornarmos adultos. Então, eu não vejo porque ter essa discriminação, detratarmos diferenciados porque todos nós somos iguais, independenteda nossa cor, somos capazes de tudo, somos inteligentes. Vejo que aquestão do racismo vem sendo muito debatida, sendo que, pelo governoainda há coisas que eu não concordo, uma delas é essa taxa paraestudantes negros terem acesso à faculdade, eu não concordo com isso(PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012 – GRIFO NOSSO).
As representações expressas nos depoimentos acima descritos, revelam a
presença de discursos ideológicos ainda existentes sobre a superioridade e a
hierarquização das raças, em que o negro, é visto como inferior, incapaz e carente.
Assim, a escola e seus agentes sociais acabam por reproduzir uma das vertentes do
multiculturalismo, denominado de conservador e liberal, por essencializar e por
naturalizar as diferenças em nossa sociedade e no espaço escolar (McLAREN,
1997).
130
5.2 Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na
escola
Nesta categoria, trataremos do modo como as relações sociais entre os
professores com a criança e destas com seus pares são estabelecidas no cotidiano
da Unidade de Educação Infantil Cirandinha, buscando evidenciar em que
circunstâncias as representações sociais dos professores são produzidas no
processo de socialização da criança negra no espaço da educação infantil.
Para Berger e Luckmann (1998, p. 173), “o indivíduo não nasce membro da
sociedade”. Assim, o que há na verdade é uma “predisposição” do indivíduo em se
socializar e assim constituir-se membro desta sociedade. Desse modo, faz-se
necessário a ocorrência de processos de socialização que possibilitem a integração
do indivíduo em uma comunidade. Para tanto, esses processos de socialização do
indivíduo são viabilizados a partir das relações sociais estabelecidas desde os
primeiros anos de vida, na interação da criança com a sua família, com a escola e,
posteriormente, com a sociedade de um modo geral. Assim, os autores definem a
socialização como “a ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo
objetivo de uma sociedade ou de um setor dela” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p.
175).
Berger e Luckmann (1998) estabelecem dois processos de socialização
vivenciados pelos indivíduos, a saber: a socialização primária e a socialização
secundária. Na socialização primária “é construído o primeiro mundo do indivíduo”
(BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 182), ou seja, como o nome já indica é o primeiro
estágio em que ocorre a socialização na infância, em que ocorre a interiorização e a
apreensão pelo indivíduo de si e do outro, bem como a compreensão por este das
normas, dos valores e dos costumes da sociedade na qual está inserido, dando
sentido e significado às coisas e aos objetos existentes no mundo. Portanto, a
interiorização constitui “a base primeiramente da compreensão de nossos
semelhantes, e em segundo lugar, da apreensão do mundo como realidade social
dotada de sentido” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 174), contribuindo, assim,
para a socialização do indivíduo.
A socialização secundária corresponde a “qualquer processo subsequente
que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo da
sociedade” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 175). Sendo assim, o indivíduo já
131
nasce em uma estrutura social objetiva, estabelecendo por meio da socialização
primária as aproximações e as percepções sobre os significados dos objetos e do
ser humano nesta realidade objetivada, ampliando, progressivamente, por meio
desta socialização e da interação sua visão de mundo. Isto não ocorre de modo
estático e mecânico, ao contrário, as relações estabelecidas pelo indivíduo nesses
processos de socialização estão permeadas por conflitos e são dialeticamente
construídas, corroborando para a construção de sua identidade. Conforme
enfatizado por Berger e Luckmann (1998, p. 176-177), a saber:
A criança absorve os papéis e as atitudes dos outros significativos, isto é,interioriza-os, tornando-os seus. Por meio desta identificação com os outrossignificativos a criança torna-se capaz de se identificar a si mesma, deadquirir uma identidade subjetivamente coerente e plausível. Em outraspalavras, a personalidade é uma entidade reflexa, que retrata as atitudestomadas pela primeira vez pelos outros significativos com relação aoindivíduo, que se torna o que é pela ação dos outros para ele significativos.Este processo não é unilateral nem mecanicista. Implica uma dialéticadentre a identificação pelos outros e a auto-identificação, entre a identidadeobjetivamente atribuída e a subjetividade apropriada. A dialética, que estápresente em cada momento em que o indivíduo se identifica com os outrospara ele significativos, é, por assim dizer, a particularização na vidaindividual da dialética geral da sociedade [...].
A identidade enquanto fenômeno social é construída a partir da relação
dialética entre um indivíduo e uma dada sociedade, por meio dos processos de
socialização deste nas instituições como a família, a escola e a igreja. São nessas
instituições que as identidades são formadas, nos processos de socialização e de
interiorização dos códigos, da linguagem, das regras que o indivíduo encontra o
sentido e o significado de ser e representar o mundo. Assim, Berger e Luckmann
(1998, p.228) definem o que seja a identidade.
A identidade é formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, émantida, modificada ou mesmo remodelada pelas relações sociais. Osprocessos implicados na formação e conservação da identidade sãodeterminados pela estrutura social. Inversamente, as identidadesproduzidas pela interação do organismo, da consciência individual e daestrutura social reagem sobre a estrutura social dada, mantendo-a,modificando-a ou mesmo remodelando-a.
Afirma, também, que nessa construção da identidade
O homem é biologicamente predestinado a construir e habitar um mundocom os outros. Este mundo torna-se para ele a realidade dominante edefinitiva. Seus limites são estabelecidos pela natureza, mas, uma vezconstruído, este mundo atua de retorno sobre a natureza. Na dialética entrea natureza e o mundo socialmente construído, o organismo humano se
132
transforma. Nesta mesma dialética o homem produz a realidade e com issose produz a si mesmo (BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 240-241).
Hall (2006, p.9) argumenta que na sociedade moderna a identidade está
constantemente sendo transformada, “abalando a ideia que temos de nós próprios
como sujeitos integrados”, é o que ele denomina como “crise de identidade”. Isto
ocorre, segundo o autor, por se conceber esta identidade não como algo fixo,
estável e permanente, ao contrário, a identidade é construída partindo da incerteza e
da dúvida, promovidas pelas constantes mudanças das complexas sociedades
modernas. Assim, Hall (2006, p.13) enfatiza que
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é umafantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação erepresentação cultural se multiplicam, somos confrontados por umamultiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, comcada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menostemporariamente.
Explicita, ainda, que
Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, atravésde processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência nomomento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiadosobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “emprocesso”, sempre “sendo formada”. As partes “femininas” do eu masculino,por exemplo, que são negadas, permanecem com ele e encontramexpressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida adulta.Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamosfalar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. Aidentidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro denós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” apartir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos servistos por outros (HALL, 2006, p. 38-39)
A família e a escola assumem um papel central no processo de socialização
primária do indivíduo (BERGER e LUCKMANN, 1998), contribuindo também no
processo de construção da identidade do indivíduo.
A socialização da criança nem sempre ocorreu do mesmo modo no percurso
da história do Brasil, bem como do mundo. Conforme abordamos na terceira seção
deste estudo sobre a infância, vimos que nem sempre esta era reconhecida. Ariés
(2006) destaca que o surgimento de um sentimento sobre a infância ocorreu a partir
do fim do século XVII, isto implicava no modo como esta infância era concebida, e
no modo como ocorria a socialização da mesma na sociedade. O período da
infância se reduzia aos seus primeiros anos, momento em que, após o período de
amamentação, a criança adentrava no mundo adulto, vivenciando e compartilhando
133
seus ofícios e suas atividades cotidianas, não sendo, assim, assegurado à criança
um amplo processo de socialização seja na família, seja na escola, considerando
suas particularidades e singularidades (ARIÉS, 2006).
No Brasil, a socialização da criança ocorreu de diferentes modos conforme o
contexto histórico da sociedade. Logo nos primórdios de 1549, com a chegada dos
primeiros jesuítas e a criação de escolas para doutrinar os nativos, as crianças,
principalmente às indígenas, eram ensinados os conhecimentos, por meio da
disciplina e do comportamento, para manutenção do domínio sobre elas. Já no
período colonial, Góes e Florentino (2010) descrevem que as crianças escravas
eram criadas pelo “adestramento”, sendo inseridas nas atividades e nas tarefas
domésticas, juntamente com os escravos adultos. A instrução destinava-se às
crianças livres, as quais aprendiam as primeiras letras no seu próprio ambiente
familiar. No império, as crianças da elite eram inseridas no mundo adulto desde
cedo, participando de suas rotinas e costumes. No convívio familiar, aprendiam os
princípios morais que eram socialmente válidos na sociedade; na escola,
enfrentavam um ensino enciclopédico que exigia um rigoroso disciplinamento
(MAUAD, 2010).
No Brasil República, a ideia de infância está relacionada ao progresso e
esperança de uma nação. Isto marca a criação e a expansão das instituições de
atendimento à criança, tendo um caráter eminentemente assistencialista,
destinadas, principalmente, às crianças pobres, abandonadas e negras (KRAMER,
2011).
A partir das lutas dos movimentos sociais em defesa dos direitos das
crianças, foi promulgada a Carta Magna de 1988, reconhecendo a criança como
sujeito de direito e garantindo o acesso à educação infantil às crianças de zero a
seis anos. Com a atual LDB, houve uma nova reconfiguração com relação à política
educacional das crianças pequenas, pois a educação infantil passa a ser a primeira
etapa da educação básica.
A trajetória da infância no Brasil revela, dentre outros aspectos, o modo como
a criança foi concebida e socializada em nossa sociedade. Na atualidade, alguns
estudos revelam como esse processo de socialização da criança negra vem
ocorrendo nas instituições educacionais. A escola tem a incumbência de contribuir
nesse processo de socialização, devendo favorecer um espaço lúdico de
aprendizado, de experiência e de desenvolvimento da criança. Para tanto, Cavalleiro
134
(2007) enfatiza sobre a importância na socialização da criança no espaço
educacional, a saber:
A socialização torna possível à criança a compreensão do mundo por meiodas experiências vividas, ocorrendo paulatinamente a necessáriainteriorização das regras, afirmadas pela sociedade. Nesse início de vida afamília e a escola serão os mediadores primordiaisapresentando/significando/o mundo social (CAVALLEIRO, 2007, p.16).
Ainda enfatiza que
A experiência escolar amplia e intensifica a socialização da criança. O contatocom outras crianças de mesma idade, com outros adultos não pertencentesao grupo familiar, com outros objetos de conhecimento, além daquelesvividos pelo grupo familiar vai possibilitar outros modos de leitura do mundo(CAVALLEIRO, 2007, p. 17).
Os processos de socialização vivenciados pelas crianças nas instituições
escolares são determinantes para a construção de uma identidade positiva pela
criança, dependendo, é claro, das intervenções e mediações realizadas pelos
professores nas interações envolvendo a relação adulto-criança e criança-criança.
Na unidade investigada, observamos algumas situações que demonstram
como ocorre o processo de socialização das crianças, como nesse processo as
crianças negras são acolhidas e participam das atividades vivenciadas pela turma
participante da pesquisa. Isto contribuiu para desvelarmos, por meio da prática
pedagógica, as representações sociais que os professores têm em relação à criança
negra e como estas orientavam o professor no trato e na socialização desta criança.
No episódio destacado abaixo, observamos que a criança negra no espaço
escolar de sala de aula tem dificuldade de se socializar e se “enturmar” como os
demais colegas, apesar da criança manifestar o interesse em participar das
brincadeiras que acontecem no cotidiano de sala de aula.
Após o desjejum, as crianças livremente escolhiam o que queriam fazer noespaço de sala de aula. Alguns brincavam com carrinhos, brincavam decasinha, e começamos a observar certo distanciamento de uma dascrianças negras (R2 - menina), a qual se encontrava no canto da sala emcima de uma mesinha, sem interagir com as outras crianças. Quando amesma resolve entrar na brincadeira e pegar uma cadeira para sentar, oscoleguinhas imediatamente gritaram: - Professora a R2 pegou nossacadeira. A professora solicitou que ela devolvesse a cadeira para oscolegas, no entanto, R2 alegou que queria apenas sentar. As criançascontinuaram a brincadeira alheias a R2, que ficava ao redor a espera de
135
que alguém a chamasse para brincar. Mas as crianças diziam: - nós nãoqueremos você na brincadeira, e tomavam a cadeira dela, não a deixandobrincar. Ainda assim, ela indiferente aos colegas, por diversas vezes,tentava se inserir na brincadeira (Diário de Campo, 2011).
Nesses momentos de interação, no qual todas as crianças deveriam ser
incentivadas a compartilharem seus brinquedos e brincadeiras, os processos de
seleção, de inclusão e de exclusão de uma ou mais crianças no grupo ocorre sem a
devida mediação e intervenção dos professores, os quais em diversos momentos
deixavam que as crianças “livremente” estabelecessem suas escolhas, conforme
ilustrado no registro a seguir:
A professora Margarida, durante o momento pedagógico, realizou a leiturade algumas histórias infantis, como por exemplo, a do Lobisomem. Após aleitura, a professora liberou as crianças para brincarem na área derecreação. E logo elas foram escolhendo quem iria entrar ou não nasbrincadeiras, dizendo: - não queremos brincar com R2 (menina), porque elatem piolho e porque ela bate em nós. (Diário de Campo, 2011).
Este registro revela a presença de conflitos que envolvem a socialização da
criança negra desde a educação infantil, e vai ao encontro dos resultados de
pesquisa realizada por Cavalleiro (2007, p.98), a qual afirma que “[...] as crianças da
pré-escola, além de já se darem conta das diferenças étnicas, percebem também o
tratamento diferenciado destinado a elas [...]”. A criança negra percebe que não é
aceita do mesmo modo que as demais crianças. Percebe ainda, que as professoras
não intervêm para mediar a situação de conflito, restando para a criança se isolar
das demais ou tentar, sem muito sucesso, se inserir no grupo, além de ter que ouvir
os constantes xingamentos à estética do seu corpo e de seu cabelo, visto pelas
expressões e verbalizações das crianças como sujo, e, portanto, passível de possuir
piolho.
O silêncio diante da questão racial, no ambiente escolar, interfere
decisivamente no processo de socialização da criança negra, e contribui para a
construção de sua identidade permeada pelo sentimento de inferioridade,
principalmente relacionada à sua estética, como no caso do cabelo. Isto se torna
ainda mais preocupante quando alguns professores naturalizam as diferenças,
conformando o pensamento de igualdade no processo de socialização da criança
negra no espaço escolar. Constatamos assim, que os discursos de aceitação das
136
diferenças se contrapõem a prática pedagógica do professor, conforme exposto no
depoimento a seguir:
Entre as crianças há uma boa socialização, eles se aceitam bem. Acriança negra é mais bem aceita entre as crianças do que em relação aospróprios adultos. Eles se aceitam normalmente, porque para mim elessão iguais, assim como nós temos crianças especiais, que também sãobem aceitas entre as crianças, pois as crianças agradam, fazem tudo comela, temos uma cadeirante, e se ela se arrasta no chão eles fazem omesmo, então acredito que há uma boa socialização (PROFª. DÁLIA,ENTREVISTA, 2012 – GRIFO NOSSO).
Para a professora Dália “eles se aceitam normalmente, porque para mim eles
são iguais”, discurso que além de reforça uma representação que naturaliza as
diferenças, pouco se evidencia na prática, pois as crianças não se aceitam não se
respeitam e a ação do professor deveria ser decisiva neste processo de mediação
da socialização da criança no espaço escolar. As observações realizadas apontam
que a muitos desafios a serem enfrentados pelas professoras, em sua prática
pedagógica para superar as representações sociais em relação às questões raciais
presentes na escola e na sociedade.
Apesar de observamos a necessidade de uma maior intervenção e medicação
das professoras no processo de socialização, a professora Hortência ratifica, no
depoimento abaixo, o discurso da professora Dália, ao considerar que não existe
nenhum tipo de dificuldade em relação ao processo de socialização da criança na
escola. A professora ressalta, entretanto que ocorrem problemas na turma, isso
significa que existe consciência das situações de discriminação entre as crianças.
Para ela, estes episódios que são isolados do contexto da escola são devidamente
trabalhados pelos docentes, apesar de não termos percebido uma intervenção
efetiva das professoras nos conflitos envolvendo as crianças no cotidiano da
unidade investigada.
Aqui na unidade, o processo de inclusão da criança negra ocorre desde omomento em que ela tem acesso e direito à vaga, isto é feito de formanormal. Eu enquanto professora da unidade nunca notei nem por parte deprofessores, nem por parte de funcionário nenhum, algum tipo depreconceito, pois a criança ela é acolhida de maneira normal como qualqueroutra criança, eu nunca vi nenhuma discriminação, o que pode acontecer éno decorrer do ano há entraves e problemas na turma, problemas que agente soluciona, que trabalhamos para melhorar a socialização e o convívioentre as crianças (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012 – GRIFONOSSO).
137
Evidenciamos nas falas das professoras, que o processo de socialização da
criança negra no espaço escolar, ocorre de modo natural, tranquilo, sem maiores
percalços em relação à questão racial. Estas representações das professoras sobre
o modo em que a criança se socializa na escola estão pautadas no mito da
democracia racial, que camufla e forja os conflitos e as diferenças entre o negro e o
branco. Conforme relatado pela coordenação da unidade, a socialização da criança
negra deve ser tratada pelos professores e demais funcionários como algo natural,
no entanto, esta postura nega a presença das diferenças existentes entre as
crianças, dificultando o processo de socialização da criança no espaço escolar.
5.3 Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola
Nesta categoria temática, retomamos alguns conceitos sobre racismo,
preconceito e discriminação, para que possamos avançar em nossa análise sobre a
construção das representações sociais dos professores sobre a criança negra,
situando os modos como são manifestadas ações de preconceito e de discriminação
no espaço escolar investigado.
Entendemos como Guimarães (2004) que no Brasil, popularmente, diz-se que
existe o “preconceito de cor” (p. 17), o qual se caracteriza por atitudes e preferências
relacionadas à ideia de raças superiores e inferiores, considerando, então, o negro
como feio e inferior, seja no “campo moral, estético, físico ou intelectual” (idem).
Guimarães (2004, p. 18) enfatiza que
A discriminação racial consiste no tratamento diferencial de pessoasbaseado na ideiia de raça, podendo tal comportamento gerar segregação edesigualdades raciais. E o preconceito seria apenas a crença prévia(preconcebida) nas qualidades morais, intelectuais, físicas, psíquicas ouestéticas de alguém, baseada na ideia de raça. Como se vê, o preconceitopode manifestar-se, seja de modo verbal, reservado ou público, seja demodo comportamental, sendo, que só neste último caso é referido comodiscriminação.
Segundo Schwarcz (1993), as teorias raciais começam a ser discutidas no
Brasil no final do século XIX, seguindo um modelo científico liberal adotado na
Europa. Nesse período, o Brasil era tido pela elite intelectual como uma nação
caracterizada pela miscigenação racial, onde a hibridização das raças servia como
justificativa para o discurso ideológico do atraso do país, bem como justificava a
superioridade da raça branca, como possibilidade do progresso da nação.
138
Schwarcz (1993) argumenta que a saída encontrada pela elite intelectual para
o destino da nação foi agregar o modelo de ciência positiva e determinista como
orientadora do pensamento racial brasileiro, sendo que o “esforço de adaptação,
atualizou o que combinava e descartou o que de certa forma era problemático para a
construção racial no país” (p.19).
As teorias advindas do darwinismo social e do evolucionismo contribuíram,
então, para os intelectuais do fim do século XIX e início do século XX, dentre eles
políticos, cientistas e pesquisadores, para afirmarem a hierarquia natural entre as
raças, em que, de um lado, a raça branca representava a raça superior, enquanto,
de outro lado, as demais raças caracterizavam o atraso e a estagnação da nação
por sua inferioridade. Esse era o discurso ideológico que tentava solucionar os
“problemas da miscigenação”, conforme explicita o excerto a seguir:
É na brecha desse paradoxo – no qual reside a contradição entre aaceitação da existência de diferenças humanas inatas e o elogio docruzamento – que se acha a saída original encontrada por esses homens deciência, que acomodaram modelos cujas decorrências teóricas eramoriginalmente diversas. Do darwinismo social adotou-se o suposto dadiferença entre as raças e sua natural hierarquia, sem que seproblematizassem as implicações negativas da miscigenação. Das máximasdo evolucionismo social sublinhou-se a noção de que as raças humanasnão permaneciam estacionadas, mas em constante evolução e“aperfeiçoamento”, obliterando-se a idéia de que a humanidade era una.Buscavam-se, portanto, em teorias formalmente excludentes, usos edecorrências inusitados e paralelos, transformando modelos de difícilaceitação local em teorias de sucesso (SCHWARCZ, 1993, p.18).
É nesse cenário que deflagramos a “originalidade do pensamento racial
brasileiro” (SCHWARCZ, 1993, p.19), após a abolição da escravatura e a
promulgação da República, tendo o intuito de dar a esses novos tempos pós-
escravista a identidade de uma nova nação. Nação mestiça, mistura de índios, de
negros, de portugueses, de espanhóis, dentre outros. Essa mistura representava, o
desafio em buscar a identidade do país em meio à diversidade. Para tanto, tornou-se
fundamental a absorção das teorias raciais europeias a fim de se inviabilizar o mal-
estar trazido pela miscigenação, visando à construção de uma nova nação, tento a
raça branca a superioridade e a garantia de progresso do país, seguindo, assim, a
“doutrina do branqueamento”. Isso é corroborado por Silva (2008, p. 68) quando
afirma que
139
A doutrina do branqueamento pendeu para uma explicação inversa aoracismo científico. Mantendo a hierarquia em relação ao branco e apontou-ocomo ideal, considerou que a inferioridade da raça negra seria abrandadacom a miscigenação, à medida que os traços fenotípicos deixassem de sermarcados. Essa concepção influenciou para um alto grau de importância dacor da pele na hierarquização das pessoas, que é tomada, no Brasil comouma das marcas corpóreas de raça.
Guimarães (2003) enfatiza que a questão das desigualdades raciais deve ser
entendida no contexto social onde são produzidas, representadas e modificadas.
Assim, no Brasil, não só a doutrina do branqueamento, mas também o ideal de
democracia racial sustentaram os discursos excludentes de hierarquia entre as
raças, sendo a raça negra excluída de necessidades básicas como moradia,
emprego, saúde e educação, funcionando como um novo processo de colonização,
consoante demonstra o excerto abaixo do referido autor.
Essa democracia seria basicamente um modo diferente de colonizar quesignificou miscigenar-se, igualar-se, integrar os culturalmente inferiores,absorver sua cultura, dar-lhes chances reais de mobilidade social no mundobranco (GUIMARÃES, 2003, p. 102).
O referido autor considera os conceitos de raça sob uma perspectiva
analítica, e, como tal, deve partir do contexto histórico em que foi produzida. Para
tanto, define o termo “raça” como
Um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se,ao contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma declassificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupossociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algoendodeterminada. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundosocial. Mas por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de“raça” permite – ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos,interesses e valores sociais negativos e nefastos -, tal conceito tem umarealidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele ensejaé impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade socialque só o ato de nomear permite (GUIMARÃES, 2009, p.11).
Como realidade social, o conceito de raça se materializa no processo das
relações sociais estabelecidas pelo indivíduo nas instituições como a família, a
escola e a igreja. No entanto, a ideia do mito da democracia racial, vivenciado nos
primórdios da primeira república, no qual se acreditava na inexistência do racismo
no Brasil, serve ainda na atualidade como discurso ideológico para justificar e
reforçar ainda mais a naturalização das diferenças entre negros e brancos. O
racismo ocorre, então, de forma velada, naturalizada e, muitas das vezes, tido como
140
inexistente, segundo enfatiza Guimarães (2009, p. 11-12) ao discorrer sobre o
conceito de racismo e suas manifestações em nossa sociedade:
O racismo é, portanto, uma forma bastante específica de “naturalizar” a vidasocial, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e culturais a partir dediferenças tomadas como naturais. A atitude na qual se baseiam o racismo,assim como todas as outras formas de naturalização do mundo social, estápresente – para ficar com exemplos corriqueiros, banais e, para muitos,inofensivos – quando se considera que alguém, portador de uma certaidentidade racial ou regional (como um baiano, por exemplo), deva reagir acondições climáticas ou sociais de uma certa maneira “predita” por suaidentidade social (sentir mais frio ou menos calor que um gaúcho, porexemplo), independentemente da história de vida e da compleição física eorgânica dos dois indivíduos; ou ainda quando se acha que um certo Estadoda Federação é menos desenvolvido que o outro porque primeiro é povoadopor mestiços; ou quando se consideram os naturais de um Estado maismusicais que os de outro Estado, em razão do sangue negro que corre emmaior quantidade nas suas veias. Em todos os exemplos, encontra-sepresente, de modo implícito, a ideia de uma natureza geral que determinaaspectos individuais ou sociocuturais.
A fala da coordenadora abaixo retrata de forma explícita este processo de
naturalização das relações raciais no espaço da escola.
Aqui na unidade quando percebemos as questões sobre a aceitação dacriança negra buscamos intervir e estamos até hoje tralhando. É um desafioconstante, é o dia-a-dia. Não posso afirma que já alcançamos o ápice detudo não, estamos em desenvolvimento. Quando recebemos a criançanegra, parda, branca, seja o que for, a criança é a criança. Então a gentebusca trabalhar desta forma, receber a criança, acolher, socializar a criançae tentamos passar isso para os pais, porque às vezes acontece de os paisserem racistas. Então tentamos ao máximo estar passando essasituação como natural, porque é natural, então tentamos fazer o trabalhocom a criança independente da cor, da raça, da religião, de como ela seja,tentamos fazer um trabalho direto com ela, socializá-la, fazer com que elase sinta bem na unidade, porque aqui é uma parte da casa dela, ela passaaqui em torno de 12 horas, Então se aqui nós ainda fizermos diferenças issoirá repercutir por toda vida da criança, na infância, fase adulta, na velhice, epelo resto da vida, o trauma vai seguir com ela. Então, nós procuramosalcançar ao máximo a atenção, a garantia de carinho, de que aqui é o lugardela e que nós estamos aqui por ela (COORDENADORA, ENTREVISTA,2012 – GRIFO NOSSO).
Ressaltamos, que a questão da socialização da criança negra no espaço de
educação infantil investigado, deve ser problematizada tanto pela coordenação,
quanto pelas professoras, não como algo “natural”, mas reconhecendo as diferenças
e os conflitos acerca da questão racial, principalmente, porque conforme relatado
pela coordenadora as crianças ficam em torno de 12 horas por dia na unidade,
tempo este que deve ser planejado e organizado de modo a favorecer uma
141
socialização de respeito e valorização da diversidade na escola. Caso contrário, a
escola, enquanto espaço social poderá reproduzir e conformar práticas de racismo,
muitas vezes, de forma velada e silenciada, naturalizando as diferenças no ambiente
escolar.
Na unidade investigada, quando perguntamos se as crianças agiam de modo
depreciativo entre si, as professoras foram unânimes em afirmar que as crianças,
independentemente de se referirem à questão da “cor”, constantemente se ofendem,
por diversas razões, conforme destacamos nos seguintes depoimentos:
Esses conflitos ocorrem na sala de aula quando um colega senta na cadeirado outro, aí eles se ofendem dizendo sai daí seu feio, seu cabelo não sei doquê, assim que eles vão se xingando, e às vezes há o uso de apelidos entreeles como forma de ofensas verbais. (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)
Sim, as ofensas ocorrem por meio de apelidos, às vezes eles se batem,seja por causa de um brinquedo que eles trazem de casa que o outro queirapegar. Eu ensino muito através do lúdico, um dia desses fiz uma atividadeonde trouxe uma cartola com um pouco de purpurina e um pauzinho demágico, onde íamos jogando e tirando as palavras mágicas, como eles nãosabem ler, eu ia falando, olha essas são as palavras mágicas e fiz umaencenação dizendo este é o João, ele está na nossa frente, que palavradevemos usar? - com licença! Então, quando uma criança está sentada emuma cadeira e a outra quer sentar, digo vamos nos lembrar das palavrasmágicas, e existe um retorno sim das crianças. (PROFª. MARGARIDA,ENTREVISTA, 2012)
Às vezes eles se ofendem porque eles escutam os adultos falarem certascoisas, então eles reproduzem aqui, e é nessa hora que eu, enquantoprofessora, entro e faço a intervenção e explico o porquê daquilo, porqueaquela forma de conduta é errada. Tem certas crianças que chegam aofender o colega e muitas vezes não sabem nem o que estão falando parao outro. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)
As falas expressam o princípio de que a ideia da diferença deve ser
construída como algo positivo, que deve ser trabalhada pelas professoras junto com
as crianças. Construir entre as crianças no espaço de educação infantil a concepção
de que as diferenças observadas no cotidiano é algo que pode ser pensado e
refletido de modo positivo, respeitando e valorizando a diversidade cultural no
espaço escolar. Este reconhecimento das diferenças se contrapõe a representação
de que existem hierarquias entre as pessoas em função de sua cor de pele, cabelo
ou classe social.
O depoimento da professora Hortência revela que as crianças reproduzem,
muitas vezes, o comportamento dos adultos. Isso significa que a omissão dos
professores e de outros adultos, seja no espaço da escola ou fora dela, são
142
determinantes e contribuem para a ocorrência de conflitos e comportamentos das
crianças em relação ao outro.
Entendemos que uma instituição de educação infantil, ao direcionar sua ação
pedagógica nesta perspectiva de reconhecimento, respeito e valorização das
diferenças, estará questionando a sua própria prática em relação ao trato com a
questão racial, garantindo que as crianças, os professores, os funcionários pensem
nas diferenças como uma experiência construída de forma coletiva entre os sujeitos
e não se constitui a partir de um comportamento, traço ou característica de algum
sujeito específico da sociedade.
No mesmo espaço social, verificamos que existem discursos, práticas sociais
e representações diferenciadas acerca da questão racial. Assim, quando
questionamos se as ofensas e apelidos estavam relacionados a atitudes de
preconceito e de discriminação, houve divergência por parte de uma professora, a
qual afirma não haver conflitos envolvendo a questão racial, conforme verificamos
no seguinte depoimento:
Não que eu observe. Observei uma vez, mas foi de uma aluna novata quechegou este ano com a gente, mas eu e a outra professora conversamoscom ela e hoje em dia, graças a Deus, ela não faz mais esse tipo decomentário em relação ao cabelo da criança que é negra. (PROFª.HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)
No entanto, as outras professoras relataram que observam na interação e na
socialização das crianças certas atitudes de repulsa em relação à criança negra,
seja pela sua cor, seja por suas características corporais como o tipo de cabelo,
nariz e boca. Evidenciamos este fato nos seguintes relatos:
Sim, apesar de que muitas vezes a própria criança negra age de formapreconceituosa, por ter um cabelo mais solto do que o da colega que era“pixaim”, então existe sim, às vezes, essa diferença; ela querer mostrar parao outro a sua inferioridade pelo tipo de cabelo, “pixaim” e “grudadinho”, pornão ter o cabelo solto. Assim a criança busca mostrar que ela é mais bonita,ajeitada. (COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)
Há, sim, a partir do momento porque ela não chega no horário, e o queacontece é quando ela vem chegando os colegas vão se afastando dela, aíé o meu momento de intervenção, eu vou, sento e coloco ela ao meu lado, evou conversar a respeito de determinada criança. Neste momento, observoque há o preconceito das crianças em relação à criança negra, eles nãorespeitam nem a criança, nem o próprio professor dentro de sala de aula ecomeçam a xingar e a criança negra se sente ofendida, e percebe também,pois sabe que é com ela. (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)
143
Entre eles como um todo, mas em relação ao preconceito com a criançanegra eu percebia no toque das mãos, quando ela ia dançar, ela eraexcluída. Por exemplo, eu percebia isso, mais nos momentos em queenvolviam ensaios de danças, muitas vezes chamavam ela de piolhenta ede outras coisas também. (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012).
Observamos nesses relatos que a criança negra, além de sentir a rejeição
pelas outras crianças, sofre com ela. Isto porque a criança negra se sente
inferiorizada, pelo seu tipo de cabelo, afetando sua autoimagem diante do “outro”
que a exclui. Portanto, as crianças materializam em suas ações, comportamentos e
atitudes as representações que possuem sobre as diferenças no espaço escolar.
Sobre isto, Moscovici (2003, p.48) afirma que “a característica específica dessas
representações é precisamente a de que elas “corporificam idéias” em experiências
coletivas e interações em comportamento [...]”.
Os estudos de Cavalleiro (2007) revelaram que as crianças pequenas na
“fase pré-escolar percebem as diferenças étnicas” (p.52). No entanto, há ausência
destas discussões no ambiente escolar, assim, “o silêncio sobre o tema aparece
aqui como indicador da inexistência do problema (p.56)”.
A despeito da lacuna na formação dos professores no trato com a questão
racial destacada por Coelho (2006), observamos na unidade investigada uma
unanimidade nos relatos da coordenação e das professoras sobre a relevância em
se abordar esta temática desde a educação infantil, pelo fato de observarem nas
relações sociais da unidade manifestações de atitudes de discriminação em relação
à cor entre as crianças. Isto é enfatizado no seguinte depoimento:
Sim lógico, com certeza. Não só com essas informações que temos aqui naunidade, mas conversando também com outras coordenadoras eu já fiqueisabendo de casos em outras unidades que a criança era totalmente racista,entendeu, ela não gostava de sentar perto de uma criança negra, ela nãogostava nem de pegar no lápis da criança negra, de compartilhar algo comela por ela ser negra. Então, eu acredito que sim, eu acredito que isso sãovalores e valores têm que ser ensinados desde o início, desde o berço naverdade. Você vê que é claramente perceptível à criança fazer diferença deum porque é negro, e de outro porque é branco, ela consegue fazer essadiferença. Hoje a criança mostra isso facilmente para nós.(COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)
Para a professora Rosa é possível trabalhar a questão racial com as crianças
desde os seus primeiros anos de vida, considerando que as crianças já começam
desde cedo “a identificar as diferenças entre um e outro”.
Eu creio que é possível trabalhar a questão racial com as crianças a partirdos seus dois anos de idade. Assim, a criança identifica a diferença entre
144
um e outro, sendo que nós não temos só a questão racial, nós temostambém a questão das deficiências, porque é o segundo ano que a unidadeestá trabalhando com crianças deficientes, então nós não temos todoaquele acompanhamento que nós precisamos, sendo que agora a unidadeestá em reforma e agora eles estão apropriando o espaço para podermostrabalhar com estas crianças que são deficientes, no caso os cadeirantes.(PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)
A compreensão de que a educação infantil constitui-se um espaço fértil para
que as crianças se apropriem dos conhecimentos sobre as diferenças, é ratificada
também nas falas das professoras Dália e da professora Margarida.
Sim é importante e relevante introduzir um trabalho sobre a questão racialdesde a educação infantil. Acho que qualquer idade, desde os bebezinhosaté os que já estão no jardim, ou seja, a educação infantil como um todo.(PROFª. DÁLIA, ENTREVISTA, 2012)
Sim, é importante introduzir a temática desde a educação infantil, porqueela é a primeira etapa da educação básica, e com essa lei 10.639/96 queobriga que as instituições federais, estaduais e municipais incluírem nassuas disciplinas o ensino da africanidade, então a educação infantil é abase, e a criança tem que ter esse preparo, e serem introduzidas asquestões raciais desde a educação infantil (PROFª. MARGARIDA,ENTREVISTA, 2012)
Já a professora Hortência considera que este trabalho de conscientização
acerca da questão racial deva envolver a família das crianças, para que haja “algum
respaldo e apoio, tanto na escola, como em casa”.
Bem, considero importante sim, porque desde a infância a gente já vaipoder trabalhar não só com as crianças, mas com os próprios familiaresessas questões, porque sabemos que o racismo ainda mais com crianças,ofende e machuca, então começando a trabalhar desde a infância,possivelmente no futuro, talvez essa criança não sofra nenhum tipo deretaliação, e não vá ter muitos entraves na vida. Ela vai superá-los de umamaneira melhor se ela tiver algum respaldo e apoio, tanto na escola, comoem casa também. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)
Nesse sentido, há uma preocupação por parte das professoras em incorporar
as discussões em seus currículos, no planejamento, bem como em sua prática
pedagógica, considerando que, na educação infantil, as crianças já manifestam
ações de preconceito e de discriminação racial. Todas são unânimes em enfatizar
que a reflexão e mudança de concepção e de representação tem início desde a
educação infantil e perdura em todo o processo de formação humana. Destacam
também que o conteúdo trabalhado nos espaços educacionais deve refletir esta
preocupação.
145
Quando os conflitos entre as crianças se referem à questão da “cor” as
professoras são unânimes em afirmar que há, sim, a presença de conflitos e o
quanto é difícil intervir e orientar as crianças a respeitarem e valorizarem as
diferenças referentes à questão de raça/cor. Evidenciamos isto no relato abaixo:
Sempre eu busco estar chamando eles pra estar conversando, voumostrando figuras, imagens e explico que não é para acontecer atitudes dediscriminação porque nós todos somos iguais, então não tem porque haverdiferença, eu acho incrível é como eles conseguem detectar a diferençaentre cores, entre um e outro. E eu acho incrível as crianças de 3 e 4 anosconseguirem diferenciar, e é tipo assim há sempre uma liderança, um líder,que é o cabeça que puxa as outras crianças e diz olha não chega pertodaquela menina porque ela é isso e aquilo, então eu penso, meu Deuscomo eu vou trabalhar, aí procuro conversar explicando que não é dessamaneira, não é dessa forma, e vou tentando amenizar a situação, é difícil,porque vem de dentro de casa também, tem toda essa questão. (PROFª.ROSA, ENTREVISTA, 2012)
No relato da professora Margarida, descrito abaixo, reside um dos aspectos
fundamentais para a professora que desejar trabalhar na perspectiva de repensar as
suas representações sociais negativas em relação a discriminação racial. O
professor ao considerar a criança sujeito ativo e reflexivo, não pode tão somente
obrigar que a criança assuma uma postura favorável em relação ao outro, ainda que
consideremos ser mais viável que as crianças se aceitem e se respeitem. Diante do
observado, inferimos que as situações apontadas merecem intervenção, ações e
práticas mais positivas na abordagem das questões raciais no ambiente escolar.
Vou te dar um exemplo, ano passado nós fizemos uma peça musical, ondeeu tentei que a criança negra, ela tivesse um papel importante, fundamentalna peça. Então, eu a arrumei, não desprezando as outras crianças, mas euqueria elevar a autoestima dela, que ela se sentisse bem, porque eu vejotambém que ela mesma tem a autoestima baixa. Então eu arrumei umaroupa bem bonita pra ela, estilo bailarina, e que na minha opinião, ela era amais bonita, para que ela se sentisse valorizada perante os colegas, e paraque os colegas soubessem que ela poderia fazer parte do grupo, eu achoque deu certo porque vi a felicidade estampada nos olhos dela, eu vi queela gostou da roupa, porque anteriormente tinha falado de um outro tipo deroupa, que na peça ela seria um matinho, depois eu percebi que teria quever uma forma dela se sentir valorizada, eu tenho esse olhar. (PROFª.MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)
Para a professora Hortência é importante mediar as situações de conflito para
que as diferenças e discriminações no espaço da educação infantil sejam
superados, ressaltando que a importância do papel da família neste processo de
146
combate à discriminação e preconceito racial, conforme explicitado no depoimento a
seguir.
Bom, a forma que procuro mediar essas situações de discriminação racial,não só na minha turma, mas também se observo alguma criança de outraturma tendo algum tipo de conduta errada é claro que a gente chama aatenção. Agora é difícil sim quando a questão já vem enraizada de casa,que a criança já vem com aquele conceito pré-concebido de casa, dafamília, porque tem criança que já chegou a comentar assim que não gostado colega por causa do seu cabelo pixaim, do cabelo ruim, então é difíciltrabalhar assim, porque a gente trabalha aqui na unidade, mas quandochega em casa a criança ouve certos tipos de comentários, é claro que elavai trazer para o cotidiano dela na UEI, vejo que devemos trabalhar nãosomente com as crianças, mas também com os familiares. A criança podeaté não entender a questão racial, mas por ela ouvir certos tipos decomentários ou perceber certos tipos de ações dos adultos, ela acaba portransportar isso nas suas atitudes com os colegas no seu dia-a-dia, tantoque eu já tive problema com crianças que diziam para o colega: - eu nãogosto de ti porque tu és escurinho, meu pai disse que não gosta de genteescura, mas era o pai dele. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)
.Dessa maneira, mesmo que a coordenadora e as professoras afirmem nas
entrevistas que percebem, observam, e tentam mediar os conflitos envolvendo
situações de discriminação e preconceito racial nas relações sociais entre as
crianças dentro da unidade investigada, isto é colocado como um “problema” não
somente da escola, mas que deva ser trabalhado com a família. Nesse sentido, o
professor percebe a importância de sua prática na relação com a criança negra,
sendo primordial sua mediação para que ela seja aceita e valorizada pelo grupo.
Constatamos também que as ações são pontuais, alusivas as datas
comemorativas e que não existem conteúdos, projetos de ações definidos a priori
em relação ao trato com as questões de raça, credo, etnias. Presentemente existe
certo espontaneísmo nas ações, intervenções pedagógicas do professor no espaço
da escola.
Apontaremos, a seguir, algumas contribuições verificadas na prática
pedagógica do professor visando à superação de ações de discriminação e de
preconceito em relação à criança negra, destacando os limites e avanços, bem
como os desafios que ainda precisam ser enfrentados pelas professoras na
abordagem da questão racial no espaço da educação infantil.
5.4 A contribuição do professor, por meio de sua prática pedagógica, para a
superação dos preconceitos e discriminações raciais na escola
147
Nesta categoria, buscamos compreender de que modo as representações
sociais sobre a criança negra são objetivadas e materializadas nas práticas
pedagógicas das professoras, analisando a forma em que as questões raciais são
abordadas nas ações propostas no projeto político-pedagógico e no plano de ensino
da unidade investigada, visando destacar as contribuições, os avanços e desafios
para a prática pedagógica das professoras no trato com a questão racial.
Neste item enfatizamos o modo como os professores encaminham sua prática
pedagógica considerando o evidenciado no projeto político-pedagógico e nos planos
de ensino no trato com as questões raciais, visando a superação do preconceito e
da discriminação na defesa de uma ação pedagógica que promova uma educação
intercultural no espaço escolar.
Para tanto, tomamos como referência os pressupostos dos marcos legais,
que orientam para uma educação das relações raciais na educação básica na
perspectiva da educação infantil.
No decorrer da pesquisa percebemos na escola pouca circulação de
informação e entendimento em relação às questões legais que orientam a temática
investigada, apesar de desde 1988 a Constituição Federal considerar a prática de
racismo como crime. Bem como no campo da educação, a atual LDB ter sofrido
alteração pela Lei 10.639/03, em seus art. 26 e 27, tornando obrigatório aos
sistemas de ensino a inclusão em suas propostas curriculares o ensino da história
da África e da cultura afro-brasileira, e com a Lei 11.645/08 tornou obrigatório o
ensino da cultura dos povos indígenas. Inferimos assim, que os marcos legais
necessitam serem de fato introduzidos nas discussões e reflexões dos professores
para que possibilitem a viabilização de uma prática pedagógica que contemplem
ações estruturantes no combate a exclusão no espaço escolar.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – DCNRER
(2004) enfatiza o papel da escola e dos profissionais nelas envolvidos, como
responsáveis na promoção de uma educação antirracista. Desse modo, as diretrizes
orientam para que se promovam uma educação de respeito às diferenças desde a
educação básica, a qual tem início na educação infantil.
Segundo Santos (2005), esta mudança ocorrida na legislação é fruto de mais
de meio século de luta por parte dos movimentos sociais negros e seus intelectuais
em defesa do reconhecimento da cultura negra brasileira e da contribuição do negro
148
na formação de nossa nação, bem como da luta em defesa dos direitos sociais
secularmente negados aos negros, como saúde, moradia e educação, dentre outros.
Santos (2005) ressalta que apesar da mudança na forma da lei, isto não é
garantia para que as instituições de ensino implementem em seus currículos e
práticas pedagógicas as intervenções necessárias para uma educação que se
pretenda antirracista. Isto porque, segundo o autor, a legislação se apresenta de
forma genérica, não aprofundando no cerne dos problemas, no que tange ao modo
em que ocorrerá a implementação pelas instituições de ensino de currículos
orientados para a valorização e o reconhecimento sobre a História e Cultura Afro-
Brasileira, bem como a lei não ressalta sobre a necessidade de qualificação dos
professores no trato com esta demanda, secularmente silenciada nos currículos e
nas práticas escolares.
Santos (2005) destaca, ainda, outra fragilidade para a implementação da Lei
nº 10.639/03, no tocante à necessidade da reformulação dos programas de ensino
das universidades, na inserção dos conteúdos sobre a história da cultura negra e
indígena, bem como a preparação da formação dos futuros profissionais. Deste
modo, o autor afirma que a ausência de uma formação inicial para o trato com a
diversidade cultural poderá inviabilizar a implementação da lei, conforme podemos
depreender do excerto abaixo:
Segundo o nosso entendimento, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,apresenta falhas que podem inviabilizar o seu real objetivo, qual seja, avalorização dos negros e o fim do embranquecimento cultural do sistema deensino brasileiro. A lei federal, simultaneamente, indica uma certasensibilidade às reivindicações e pressões históricas dos movimentos negroe anti-racista brasileiros, como também indica uma certa falta decompromisso vigoroso com a sua execução e, principalmente, com suaeficácia, de vez que não estendeu aquela obrigatoriedade aos programasde ensino e/ou cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, dasuniversidades públicas e privadas [...] (SANTOS, 2005, p. 34 e 35).
O autor ressalta ainda que
Pensamos que é preciso não somente melhorar esta lei [...], masprincipalmente, que é preciso uma pressão constante dos movimentossociais negros e dos intelectuais engajados na luta anti-racismo junto aoEstado Brasileiro para que esta Lei não se transforme em letra morta donosso sistema jurídico. Ou seja, é preciso mais do que nunca pressão sobreos governos municipais, estaduais e federal para que esta Lei sejaexecutável (SANTOS, 2005, p. 35).
149
Gomes (2008b) argumenta que a implementação da Lei nº 10.639/03 e a
instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 17
de março de 2004, representam uma vitória das lutas historicamente travadas pelo
Movimento Negro no Brasil. Luta em prol da superação do racismo na sociedade
brasileira, e de uma escola que construa uma representação positiva dos afro-
brasileiros.
Ao invés de apontar as lacunas presentes na lei, Gomes (2008b) alerta sobre
a necessidade de investirmos esforços nos aspectos positivos, visando à superação
dos obstáculos para a efetiva implementação da lei nas instituições de ensino.
Gomes (2008b) destaca alguns aspectos positivos que culminaram com a
promulgação da lei e das diretrizes curriculares e que merecem destaque. Dentre os
aspectos, a autora destaca que a Lei 10.639/03 encontra-se no bojo das políticas de
ação afirmativa, tendo como eixo central o combate e a correção das desigualdades
para os povos socialmente excluídos de nossa sociedade, como os negros e os
indígenas.
O Estado assume um novo papel na viabilização de políticas de
enfrentamento e de reconhecimento da história, da cultura e da identidade dos
povos excluídos. A autora destaca como aspecto positivo da lei e das diretrizes essa
nova postura do Estado diante da diversidade étnico-racial de nossa sociedade. Ele
se apresenta como um instrumento de intervenção na promoção de políticas
educacionais que orientem as propostas curriculares e a prática pedagógica dos
professores.
Neste sentido, participamos, atualmente, de um momento de redefinição dopapel do Estado. Não mais o Estado totalmente neutro diante da complexainter-relação entre classe, raça, gênero e desigualdades, mas sim, comopropulsor de transformações sociais, reconhecendo as disparidades entrebrancos e negros no Brasil e a sua responsabilidade de intervenção nessequadro. A superação das desigualdades raciais começa aos poucos a serincorporada como uma das tarefas do Estado brasileiro, problematizando,aprofundando e ampliando o debate sobre a garantia dos direitos humanosbásicos e fundamentais, não de forma abstrata, mas incluindo a diversidade(GOMES, 2008b, p. 79-80).
Outro aspecto positivo e que, como tal, contribui para o avanço da lei, na
construção de uma política educacional democrática e inclusiva, refere-se a uma
mudança de postura diante de nossa própria história. Isto permite, segundo Gomes
(2008b), que ao introduzirmos nos currículos escolares e nas práticas pedagógicas
150
dos professores as discussões sobre a história do negro e dos povos indígenas, não
mais em uma visão idealizada e folclórica, mas evidenciando as contribuições
sociais e culturais destes povos na constituição da formação de nossa sociedade,
corrobora, assim, para a formação da identidade positiva de crianças, jovens e
adultos nas instituições de ensino. A autora enfatiza, no entanto, para não
reduzirmos as discussões sobre a história dos povos africanos e indígenas em
conteúdos escolares fragmentados e descontextualizados. Para tanto, adverte que,
Se reduzirmos a discussão trazida pela Lei. 10.639/03 e suas respectivasdiretrizes curriculares em “conteúdos” escolares, corremos o risco de apagara riqueza desta proposta. Corre-se o risco de inserir as múltiplaspossibilidades que essa discussão nos traz em uma ou duas aulas, umapalestra com militante do Movimento Negro ou um estudioso do tema, umdia de comemoração sobre a África ou reduzi-la à Semana da ConsciênciaNegra. É fato que os alunos e alunas terão de ler, pesquisar, estudar,discutir, assistir filmes, documentários e debater. Muito mais do que umconteúdo curricular, a inserção da discussão sobre a África e a questão donegro no Brasil nas escolas da educação básica têm como objetivopromover o debate, fazer circular a informação, possibilitar análisespolíticas, construir posturas éticas e mudar o nosso olhar sobre adiversidade (GOMES, 2008b, p.81).
Gomes (2008b) ressalta ainda a importância das diretrizes nos processos que
envolvem a educação para as relações raciais nas instituições de ensino, pois a
construção de uma educação que respeite as diferenças não acorre com ações e
indivíduos isolados, ao contrário, a “relação” com o “outro” é o alicerce de uma
política de valorização e reconhecimento da diversidade. Para a autora, as diretrizes
orientam para uma ação pedagógica pautada na ética, ou seja, no diálogo com o
“outro”, no respeito de suas particularidades e singularidades.
Por isso, a ética é a casa ou a morada da liberdade. Ela não se fecha nanorma moral do certo e do errado, mas na capacidade de problematizar, derefletir e tomar decisões. E é no campo da liberdade que a questão racialdeve ser pensada. Ser negro, reconhecer-se negro e ser reconhecido comotal, na perspectiva ética, nunca deveria ser motivo de vergonha, negação eracismo, mas de reconhecimento, respeito e valorização. Significa trazer nocorpo, na cultura e na história a riqueza de uma civilização ancestral e umprocesso de luta e resistência que continua agindo no mundocontemporâneo (GOMES, 2008b, p. 82).
Construir uma postura pedagógica pautada na ética, requer que, diante dos
conflitos, possamos estabelecer uma relação de diálogo e negociação na promoção
de uma educação que emancipe e liberte os agentes sociais de práticas de
preconceitos e de discriminação com o “outro”.
151
Um dos critérios da escolha da Unidade de Educação Infantil Cirandinha
como locus de nossa investigação, foi sinalizar se em seu projeto político-
pedagógico e planejamentos a presença de conteúdos e práticas voltados para o
trato com as questões raciais. Na pesquisa exploratória realizada, a coordenadora
da referida unidade nos informou que já haviam incluído este tema no currículo
desde o ano de 2010. Todavia, identificamos que no Projeto Político-Pedagógico
(2007) as questões acerca das relações raciais são apontadas de forma
generalizada, diante de outras problemáticas, como por exemplo, sobre as questões
de gênero e religião, conforme identificamos no objetivo indicado no projeto, a saber:
Respeito à diversidade dos alunos é parte integrante da nossa proposta.Para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outroem suas diferenças e particularidades precisa estar presente nos atos eatitudes dos adultos com os quais convivem na instituição. Começandopelas diferenças de temperamento, de habilidades e de conhecimentos, atéas diferenças de gênero, de etnia e de credo religioso, o respeito a essadiversidade deve permear as relações cotidianas (PROJETO POLÍTICOPEDAGOGÍCO, 2007, p. 5).
Apesar de o projeto indicar o trato com as diferenças, não há nenhuma
referência ao proposto tanto na atual LDB quanto pela Lei nº 10.639/03 e das
Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais, que orientam
para a implementação nos currículos escolares e na prática pedagógica dos
professores de uma ação que valorize, reconheça e promova o respeito à
diversidade étnica, de raça e de culturas no espaço educacional. A coordenadora
justifica estas lacunas pelo fato deste projeto ter sido elaborado em 2007 e, portanto,
necessitar de uma reformulação para que se contemple, com maior profundidade, o
tema da questão racial, conforme destacado na fala a seguir:
Quando eu assumi a unidade, eu juntamente com a equipe e algunsmembros da comunidade, nós formulamos o projeto político-pedagógico,logicamente houve nosso interesse com este assunto, como outrosassuntos também, a questão da inclusão social, das crianças ditasespeciais, então, nós tivemos essa preocupação, mas eu acredito que hoje,é muito interessante até diante do trabalho que nós desenvolvemos fazeruma reformulação deste projeto algo mais detalhado, mais claro, maisvoltado claramente para este assunto. Eu acredito, então, que realmenteprecise de uma reformulação, até porque o projeto foi feito em 2007, entãomuitas coisas se fortificarão dentro da educação aqui na unidade, entãotemos que fazer uma reformulação até mais sólida sobre este assunto noprojeto político-pedagógico. (COORDENADORA, 2012)
152
Essa ausência no corpo do texto do projeto político-pedagógico sobre os
marcos legais que orientam a política para a educação das relações raciais se
materializam também nos discursos dos professores, que, em sua maioria, alegam
desconhecerem o proposto pelo projeto, conforme apresentados nos relatos abaixo
da professora Margarida e da professora Dália.
Para ser sincera, eu não li o PPP, já conversei sim com a coordenadora arespeito dessa questão, eu também não sei se foi falta de interesse meu ouda unidade, mas ela já conversou comigo e me disse que no projeto estaquestão é abordada de uma forma geral, não tem aquilo minucioso, ou seja,um projeto direcionado para essa questão do respeito da valorização donegro, do deficiente [...]. (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)
Não li ainda o projeto da unidade, não tenho conhecimento. (PROFª. DÁLIA,ENTREVISTA, 2012)
Nesse sentido, há ainda no projeto político-pedagógico da unidade
investigada uma lacuna no que se refere ao conhecimento dos marcos teóricos e
legais que contribuem para o direcionamento de uma nova postura tanto nos
currículos quanto na prática pedagógica dos professores para o trato com a questão
racial. Isto contribui, de certo modo, para a implementação de uma ação pedagógica
destituída de elementos estruturais para o enfretamento do racismo no espaço
escolar, como a formação, o conhecimento e o reconhecimento da diversidade racial
nas instituições de ensino.
Destituídos de uma formação teórica e de um embasamento das leis que
legitimam o combate ao preconceito racial no ambiente escolar, identificamos na
unidade de educação infantil investigada práticas pedagógicas descontextualizas de
uma proposta efetiva de combate às desigualdades raciais, que acabam se
esvaziando na realização de atividades que envolvem datas comemorativas em
alusão à semana da consciência negra, como destacado na seguinte fala:
Bem, nós realizamos um trabalho sobre a questão racial com ascrianças, durante o mês de novembro, eu só não estou bem lembradaa data, mas é no mês de novembro que nós trabalhamos a questãoda consciência negra, todo ano nós trabalhamos. ((PROFª. ROSA,ENTREVISTA, 2012)
Na unidade investigada desde a fase em que ocorreu a pesquisa exploratória
para definição do locus do presente estudo, observamos na fala tanto da
coordenação quanto das professoras, a indicação da ocorrência de conflitos sobre a
questão racial na socialização das crianças. A unidade elaborou um projeto desde
153
2010, intitulado: “Iguais ou diferentes, que diferença faz?”, como forma de inserir na
prática pedagógica do professor, bem como em sua proposta curricular a questão
racial. Assim, o referido projeto objetivava: abordar as diversidades culturais bem
como suas particularidades; entender e valorizar o respeito de si e do outro;
pesquisar as diferentes culturas da Instituição para serem trabalhadas nas
atividades; trabalhar a interação família-escola; estimular o respeito às diferenças;
aprender a viver junto aceitando a opinião dos outros e expondo as suas com
clareza e detalhes, com afetividade, colaboração e entender que precisamos
resolver os conflitos por meio de negociação pacífica.
Observamos a execução deste projeto no ano de 2011, durante o
acompanhamento da turma de 4 anos – jardim I. O projeto estava previsto para ser
realizado durante uma semana, mais precisamente na semana da consciência
negra. Porém, segundo as professoras, não seria possível a realização de todas as
atividades previstas, porque uma das professoras que havia elaborado o projeto
estava de licença saúde, ficando destinado apenas um dia para sua execução. Isto
evidenciou o quanto o trabalho com a questão racial ainda necessita de um maior
comprometimento coletivo e de um maior conhecimento por todos os profissionais
para que não seja um trabalho fragmentado e esvaziado de sentido e significado.
Não obstante, o projeto se resumiu à realização de uma atividade de exibição
de um filme: “O patinho feio”, no qual todas as crianças da unidade assistiram juntas
à sessão do mesmo. O filme narrava a história de um patinho que ao nascer foi
rejeitado pela mãe pata e pelos seus outros irmãos, que nasceram belos e robustos,
enquanto o patinho, pela diferença em sua penugem acinzentada, era tratado por
todos com desprezo por sua feiura e diferença dos tidos como “iguais”. No filme, o
patinho feio cresce e vira um belo cisne, no então, carregava a dor pela rejeição e
pelo desprezo sofrido em sua infância. Assim, durante a exibição do filme, as
crianças riam da história, outras logo se dispersavam pela sala, enquanto isso as
professoras na entrada da sala, conversavam sem fazer inferência sobre os fatos
apresentados no filme.
Após o filme, não houve discussão sobre a problemática apresentada sobre
as diferenças. As crianças foram encaminhadas para a área de recreação. Então,
perguntamos para a Profª. Rosa qual seria a atividade seguinte para a continuidade
do projeto e a mesma respondeu que achava que seria somente essa, por conta de
não haver tido tempo para o planejamento das demais, devido à ausência da
154
professora que estava de licença saúde, justificando que no ano anterior o projeto foi
melhor organizado, e que as professoras procuraram trabalhar a questão das
diferenças todos os dias.
No entanto, percebemos que o trato com a questão racial fica à margem das
preocupações e das intervenções realizadas junto às crianças, conforme
observamos na condução do projeto. Porém, quando perguntadas se consideravam
que a intervenção e a orientação do professor no trato com as questões raciais
poderiam contribuir para a manifestação de atitudes positivas pelas crianças em
suas relações sociais, as professoras ressaltaram de forma unânime que o papel do
professor é fundamental para a promoção e a garantia do respeito às diferenças no
ambiente escolar, conforme expresso no depoimento da coordenadora e da
professora Rosa, abaixo.
Sim, com certeza. Até porque a gente sabe que nós adultos somos oexemplo da criança, se a criança percebe esse comportamento positivo doprofessor, com certeza ela vai começar a avaliar aquele comportamentodela, o professor é sempre aquele que a criança quer ser, quer imitar, querfazer, quer falar igual, e isso é muito importante que o professor tenha essapostura de combater, combater não no combate direto, mas voltado praeducação, por meio de orientação, com dedicação, não fazendo diferençaentre eles, a partir daí a criança vai avaliar que não tem porque ser dessejeito, se todos estão fazendo, ela começa a pensar na ação dela,principalmente se o professor coloca esse tipo de dúvida na cabeça dacriança, será que o que eu “tô” fazendo “tá” correto? A forma como estoupensando está certa? Então existem meios para isto, e o papel do professoré importantíssimo nesse momento, não só do professor, como dooperacional, do servente, do coordenador, de todos aqueles que estãoinseridos na unidade em prol da educação daquela criança.(COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)
A intervenção do professor contribui muito, porque nós temos que trabalharem conjunto a família e a escola, então eu creio que vai contribuir bastantepara esta criança, desde o momento em que ela sai ali de casa ela já tem asua cultura. Então é o momento de trabalharmos juntos, porque eu perceboque a família se afasta muito, ela joga toda responsabilidade pra escola.(PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)
No entanto, a professora Margarida ressalta que se faz necessário “um
trabalho contínuo” que deve ser iniciado nos primeiros anos da educação infantil,
considerando que a ação positiva do professor, respeitando e valorizando as
diferenças desperta na criança atitudes de reconhecimento de modo positivo em
relação à criança negra.
155
Percebemos na fala da professora, que a mesma conduz sua prática
pedagógica no trato com as questões raciais de modo isolado, no momento em que
a professora ressalta que tenta fazer a sua parte independente dos outros
professores, caracterizando um trabalho fragmentado, sem um maior envolvimento
do coletivo dos professores na abordagem das questões raciais. O que inferimos ser
um dos entraves que podem dificultar a efetivação de uma prática pedagógica que
possibilite combater o preconceito e a discriminação no espaço escolar, como
descreve em seu relato abaixo.
Com certeza, mas que seja um trabalho contínuo, por exemplo, que venhadesde lá do maternalzinho e que vá seguindo uma linha, infelizmente euestou respondendo aqui por mim, eu não sei se o outro profissional vaifazer, mas eu estou fazendo a minha parte. E a atitude do professor vaidespertar na criança atitudes positivas com relação à criança negra. Porqueeu sei que eles demonstram certas atitudes principalmente em relação aocabelo da criança, que é um cabelo estilo blak power, mas procuro sempremediar essas situações. Percebia que tinha outra criança que é negratambém, e na hora do banho como o cabelo dela é muito cheio eu via queela ficava com vergonha, porque ela era bem magrinha e com um cabelograndão, então eu incentivava vamos tomar banho com os coleguinhas,tentando integrá-la para que ela se sentisse parte efetiva do grupo. (PROFª.MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)
A professora Hortência, em seu depoimento abaixo, ressalta a importância do
papel do professor no reconhecimento das diferenças no espaço escolar,
destacando que o professor “se torna um espelho pra criança” e que a postura e
conduta da ação pedagógica do professor reflete no modo como as crianças
constroem suas identidades positivas de si e do outro.
A gente acaba se tornando um espelho nas nossas ações com as crianças,eu penso assim, se eu tiver uma boa conduta em qualquer ação que eu vádesenvolver com a criança vai refletir sim, poxa a tia agiu daquele jeito,então eu não vou agir assim se não vou estar errado. Então a gente setorna um espelho pra criança, e se tivermos uma boa conduta ou aocontrário, a criança vai se achar no direito de fazer algo errado também, aha tia vez eu também posso fazer. Então penso que eu sou o espelho paraos meus alunos, e tenho que trabalhar da melhor forma possível se queropassar para eles boas condutas, boas ações e a questão do respeito paracom o outro. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)
Destacamos nas falas da coordenadora e das professoras o reconhecimento
acerca do papel do professor, por meio de sua prática pedagógica, na promoção e
na viabilização de uma educação que garanta o respeito e a valorização do “outro”.
No entanto, o discurso necessita ser materializado em ação, o projeto proposto pela
unidade necessita ser revisto, planejado e organizado pelo coletivo dos professores,
156
para que a intervenção destes tenha um rigor teórico-metodológico, e de fato ocorra
uma mediação positiva no trato com a questão racial, principalmente quando
ocorrem os conflitos envolvendo as crianças.
Ressaltamos como avanço a iniciativa da escola em elaborar uma proposta
de intervenção no trato com as questões raciais. No entanto, identificamos uma
ausência de um suporte teórico-metodológico que possibilite uma intervenção
positiva, planejada e orientadora da prática pedagógica sobre a questão racial.
Deste modo, ações sistemáticas e contínuas são necessárias no contexto da escola
investigada a fim de superar as práticas pontuais e pouco contextualizadas.
Isto impede, ainda, que se promova uma educação multi/intercultural, que não
torne invisível as diferenças, mas que esta seja o centro das discussões, do diálogo,
do reconhecimento e da valorização. Uma educação com todos, onde o professor
tem um papel fundamental na mediação e intervenção de modo positivo na
socialização da criança negra no espaço educacional, tendo, assim, uma “postura
crítica das diferenças” (GONÇALVES e SILVA, 2003, p. 120). A presença de uma
proposta multi/intercultural ainda é o desafio posto para a educação e para os
professores, conforme destacado por Gonçalves e Silva (2003, p. 121):
Observando mais de perto a expansão do movimento multicultural naeducação no Brasil, é possível vislumbrar, para os próximos dez anos,mudanças significativas nas nossas práticas escolares. Porém, uma lição daqual não podemos nos esquecer é a de que uma educação multiculturalexigirá, de nós, um enorme trabalho de desconstrução de categorias.
Promover uma prática pedagógica que garanta o reconhecimento e a
valorização das diferenças no espaço escolar, é um desafio posto aos professores e,
como tal, necessita ser repensado desde a formação do educador. Apontaremos a
seguir os desafios para a formação dos professores na abordagem da questão das
relações raciais no interior das escolas.
5.5 A formação dos professores e as relações raciais na escola
Compreender como o professor constrói suas representações sociais sobre a
criança negra pressupõe uma reflexão sobre o modo como se deu sua formação
inicial e continuada, entendendo-as como determinantes na constituição de suas
157
representações no trato com as questões que envolvem as relações raciais no
espaço educacional.
No decorrer da análise realizada constatamos que há especificidades nas
apropriações de cada uma das professoras, também é possível evidenciar as
diferenças dos discursos, apesar de viverem sob o mesmo construto ideológico.
Fato que possibilitou conhecer as representações dos professores, por meio das
suas práticas e intervenções realizadas no âmbito da escola de educação infantil e
da sala de aula em relação ao trabalho desenvolvido com a criança negra. Deste
modo, as construções dessas representações, configuram-se segundo Jodelet
(2001, p.22):
Como fenômenos cognitivos, envolvendo a pertença social dos indivíduoscom as implicações afetivas e normativas, com as interiorizações deexperiências, práticas, modelos de condutas e pensamento, socialmenteinculcados ou transmitidos pela comunicação social, que a ela estãoligadas.
Constatamos que os pressupostos pedagógicos que orientam os modos de
fazer e pensar a educação e refletem a concepção de educação e de sociedade dos
professores, incidindo no processo de construção das representações sociais sobre
o objeto investigado.
Ao longo do processo de investigação, percebemos certa preocupação por
parte dos professores em exporem suas práticas pedagógicas para “alguém
desconhecido”. Esse estranhamento foi necessário e com o tempo superado, tanto
pelas professoras quanto pelas crianças, o que de fato foi fundamental para que a
pesquisadora tivesse cautela e cuidado com a inserção no ambiente investigado,
delimitando com as professoras os dias e os horários em que ocorreria o
acompanhamento da turma.
A formação, seja ela inicial ou continuada, deve contribuir na orientação da
prática pedagógica do professor, direcionando-o em quais caminhos percorrer na
definição do currículo e processos avaliativos que devem ser implementados,
influenciando-o no modo como estabelecem suas relações com os demais
profissionais do espaço educacional, com os pais, com a comunidade extraescolar
e, principalmente, na interação com as crianças, com os jovens e com os adultos, na
viabilização de um ensino que valorize e respeite as diferenças, que contribua para a
construção de cidadãos críticos e participativos.
158
Dessa maneira, temos clareza da importância do processo de formação
inicial e continuada para a prática pedagógica do professor, Pimenta (2008, p. 17-
18) destaca que
Para além da finalidade de conferir uma habilitação legal ao exercícioprofissional da docência, do curso de formação inicial se espera que formeo professor. Ou que colabore para sua formação. Melhor seria dizer quecolabore para o exercício de sua atividade docente, uma vez queprofessorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquireconhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Dada a natureza dotrabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo dehumanização dos alunos historicamente situados, espera-se da licenciaturaque desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valoresque lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino comoprática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilize osconhecimentos da teoria da educação e da didática necessários àcompreensão do ensino como realidade social, e que desenvolva neles acapacidade de investigar a própria atividade para, a partir dela, constituíreme transformarem os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuode construção de suas identidades como professores.
O processo de formação do professor emerge em um dado contexto histórico,
político e econômico, e de acordo com as demandas e necessidades da sociedade.
A profissão docente configura-se, então, enquanto prática social, por partir desta
realidade cotidiana e nela buscar os elementos norteadores de sua prática,
resignificando, assim, sua formação tendo como base as teorias e seu fazer
pedagógico.
A formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professoresreelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiênciaspráticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares. É nesseconfronto e num processo coletivo de troca de experiências e práticas queos professores vão constituindo seus saberes como praticum, ou seja,aquele que constantemente reflete na e sobre a prática (PIMENTA, 2008,29).
Na sociedade atual, novos dilemas são impostos ao professor e por meio
destas constantes mudanças e desafios, novas indagações surgem acerca de sua
identidade, mobilizando outros modos de ser e viver a profissão docente. Quanto à
identidade profissional do professor, Pimenta (2008, p.19) enfatiza que
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação socialda profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; darevisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas
159
culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem ainovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades darealidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemáticadas práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias.Constrói-se também, pelo significado que cada professor, enquanto ator eautor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores,de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suasrepresentações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentidoque tem sua vida o ser professor.
A identidade do professor neste sentido vai se consolidando na prática social,
tendo como referência a sua formação inicial e continuada, o professor em contato
com os desafios que envolvem a profissão docente, a saber: organização do
currículo, dos processos avaliativos, a relação professor-aluno, professor-professor,
etc., isto colabora para a problematização de sua prática pedagógica orientando-o
para ação crítica e reflexiva sobre seu fazer docente. Sobre a necessidade desta
valorização e investimentos na formação do professor Pimenta (2010, p. 44-45)
argumenta que
Estamos nos referindo a uma política de formação e exercício docente quevaloriza os professores e as escolas como capazes de pensar, de articularos saberes científicos, pedagógicos e da experiência na construção e naproposição das transformações necessárias às práticas escolares e àsformas de organização dos espaços de ensinar e de aprender,compromissados com um ensino com resultados de qualidade social paratodas as crianças e os jovens. Os professores e as escolas não sãoconsiderados, portanto, como meros executores e cumpridores de decisõestécnicas e burocráticas gestadas de fora. Para isso, o investimento na suaformação inicial e no desenvolvimento profissional e o investimento nasescolas, a fim de que se constituam em ambientes capazes de ensinar coma qualidade que se requer, é grande. São necessárias condições detrabalho para que a escola reflita e pesquise e se constitua num espaço deanálise crítica permanente de suas práticas.
Mobilizar esforços para viabilizar uma prática pedagógica que atenda os
novos desafios que a sociedade impõe requer uma permanente reflexão e ação
sobre ela. Neste sentido, a formação assume uma conatação imprescindível quando
pensamos na importância de quais conhecimentos e competências deve dispor o
trabalho do professor no trato com a diversidade, seja ela de gênero, de raça, de
religião ou de classe nas instituições de ensino. Sobre isto, Gomes e Silva (2011,
p.11) ressaltam que
Quanto mais complexas se tornam as relações entre educação,conhecimentos, e cotidiano; cultura escolar e processos educativos; escolae organização do trabalho docente mais o campo da Pedagogia é desafiado
160
a compreender e apresentar alternativas para a formação dos seusprofissionais. Os pesquisadores e as pesquisadoras da área também sãodesafiados a realizar estudos e pesquisas na tentativa de melhorcompreender esses processos. Porém, ainda faltam estudos que articulema formação de professores/as e outras temáticas tão caras à escola e aosmovimentos sociais. A diversidade étnico-cultural é uma delas.
Gomes e Silva (2011) explicitam, ainda, que é recente o reconhecimento da
relevância em se discutir a questão da diversidade cultural, tanto por parte das
instituições formadoras de professores, quanto pela instituição escolar. No entanto,
ressaltam que apesar dos avanços em se promover estudos e pesquisas acerca
desta questão da diversidade no campo da educação, ela já tem sido há muito
tempo objeto de interesse, por parte das Ciências Sociais, mais especificamente da
Antropologia.
Esta nova maneira de refletir sobre a formação docente, permite que o
professor alcance novos olhares sobre a sua prática social, entendendo os desafios
e as demandas sobre as questões concernentes à diversidade cultural para o campo
da educação. Permite, ainda, que o professor ultrapasse a mera reprodução de uma
prática pedagógica dissociada da realidade dos educandos, tendo condições, então,
de mobilizar uma ação crítica, reflexiva e, sobretudo, transformadora de práticas
excludentes e discriminatórias.
Considerando a inserção desta questão no campo da educação, Gomes e
Silva (2011), destacam que a relevância dos estudos sobre a formação dos
professores para atuarem na valorização da diversidade étnico-cultural teve seu
destaque a partir de 1996, no campo da Didática e Prática de Ensino, com a
realização do VII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE, com
a temática sobre Formação e Profissionalização do Educador. Observou-se,
segundo as autoras, a inclusão de temáticas sociais e culturais, a saber: “trabalho e
subjetividade, avaliação, subjetividade e poder, representação de alunos,
sexualidade, memória de professores, espaço e tempo, cultura, marginalidade,
gênero e raça” (GOMES e SILVA, 2011, p. 14-15).
Gomes e Silva (2011) enfatizam que estas novas demandas estão
diretamente relacionadas com a escola e com o fazer educativo, com todas as
nuanças que esta relação pode ter, ou seja, estes novos enfoques sobre o estudo da
formação e da prática dos professores foi ao encontro de suas reais necessidades
de compreender a profissão docente permeada por conflitos, disputa de poder,
161
tensões, dúvidas sobre como realizar um trabalho que contribua para superar os
dilemas vivenciados no cotidiano escolar.
Os referidos autores destacam, ainda, que no XI ENDIPE, o tema foi sobre a
Igualdade e Diversidade na Educação, demonstrando, assim, o avanço do debate e
da reflexão sobre esta questão para a promoção de uma prática docente que
emancipe.
O desafio para o campo da didática e da formação dos professores no quese refere à diversidade é pensá-la na sua dinâmica e articulação com osprocessos educativos escolares e não escolares e não transformá-la emmetodologias e técnicas de ensino para os ditos “diferentes”. Isso significatomar a diferença como um constituinte dos processos educativos, umavez que tais processos são construídos por meio de relaçõessocioculturais entre seres humanos e sujeitos sociais. Assim, podemosconcluir que os profissionais que atuam na escola e demais espaçoseducativos sempre trabalharam e sempre trabalharão com assemelhanças e as diferenças, as identidades e as alteridades, o local e oglobal. Por isso, mais do que criar novos métodos e técnicas paratrabalhar com as diferenças é preciso, antes, que os educadores e aseducadoras reconheçam a diferença enquanto tal, compreendam-na à luzda história e das relações sociais, culturais, e políticas da sociedadebrasileira, respeitem-na e proponham estratégias e políticas de açõesafirmativas que se coloquem radicalmente contra toda e qualquer forma dediscriminação (GOMES e SILVA, 2011, p. 16).
A questão da formação do professor para uma educação que valorize e
respeite as diferenças encontra-se, segundo Gomes e Silva (2011), no bojo das
discussões das propostas de uma prática pedagógica multicultural, por compreender
que a partir da realidade social, política e cultural que são travadas as lutas pelos
movimentos sociais, em defesa de igualdade e de justiça social que possibilitará aos
professores a construção de práticas pedagógicas que promovam a inclusão destes
processos sociais no ambiente educacional. Arroyo (2007) corrobora com este
argumento, ao apontar a possibilidade do diálogo entre uma pedagogia multirracial
popular e as propostas pedagógicas desenvolvidas nos sistemas de ensino, visando
à superação e à transformação de práticas excludentes. Para tanto, destaca que
Levar um diálogo multirracial ao sistema significará tentar que saia dessemonoculturalismo e reconheça o caráter multicultural de nossa sociedade,que reconheça como legítimas as diversas culturas e os diversos valores ereferentes morais dos coletivos diversos que fazem parte de nossasociedade. Coletivos e povos que mesmo tratados de forma discriminatóriamantiveram suas identidades e culturas como coletivos. Nas fronteiras dasescolas está instalada uma fecunda tensão que exige equacionar essadiversidade de identidades e culturas (ARROYO, 2007, 129).
162
Romper com um currículo monocultural e vivenciar uma prática pedagógica
que reconheça a diversidade cultural e racial nos sistemas educacionais requer que
a escola e que os professores garantam a promoção do diálogo com as diversidade
cultural, racial, política e social que estão enraizados no seio de nossa sociedade
plural. Isto não isenta, segundo Arroyo (2007), os conflitos e as tensões no espaço
educacional, mas ao contrário, são esses mecanismos de tensões e de dúvidas que
proporcionam uma ação crítica, reflexiva e transformadora por parte dos educadores
diante da problemática da diversidade cultural. Situação que os professores na
pesquisa sobre a representação social de professores da educação infantil não
conseguem realizar a contento.
Candau (2008, p. 24) afirma que a promoção de uma prática pedagógica na
perspectiva multi/intercultural é uma “tarefa complexa e desafiante”, pois exige
esforço coletivo dos sujeitos e não somente ações isoladas e descontextualizadas
da realidade, que não combatem as relações sociais hierarquizadas tanto no espaço
escolar quanto na sociedade.
Candau (2008) propõe a implementação de ações que corroborem para a
construção de práticas pedagógicas que assumam a perspectiva intercultural, a
saber: o primeiro elemento para alcançar essa perspectiva é Reconhecer Nossas
Identidades Culturais, partindo, assim, da tomada de consciência de quem somos,
em que contexto estamos situados, o que contribui para a construção e a
valorização de nossa identidade. A autora destaca, ainda, que o que tem constatado
É a pouca consciência que em geral temos destes processos e docruzamento de culturas presentes neles. Tendemos a uma visãohomogeneizadora e estereotipada de nós mesmos, em que nossaidentidade cultural é muitas vezes vista como um dado “natural”. Desvelaresta realidade e favorecer uma dinâmica, contextualizada e plural dasnossas identidades culturais é fundamental, articulando-se a dimensãopessoal e coletiva destes processos. Ser consciente de nossosenraizamentos culturais, dos processos de hibridização e de negação esilenciamento de determinados pertencimentos culturais, sendo capazes dereconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los constitui um exercício fundamental(CANDAU, 2008, p. 26).
O segundo elemento em busca de uma prática intercultural exige Desvelar o
Daltonismo Cultural Presente no Cotidiano Escolar, rompendo com o caráter
monocultural da cultura escolar que acarreta o distanciamento das experiências
vivenciadas dentro e fora da escola pelos alunos provenientes de grupos
163
historicamente excluídos, como os negros, favorecendo neste sentido, a sua baixa
autoestima, bem como uma maior probabilidade do seu fracasso escolar.
O daltonismo cultural tente a não reconhecer as diferenças étnicas, degênero, de diversas origens regionais e comunitárias ou a não colocá-lasem evidência na sala de aula por diferentes razões: a dificuldade e falta depreparo para lidar com estas questões, o considerar que a maneira maisadequada de agir é centrar-se no grupo “padrão”, ou, em outros casos, por,convivendo com a multiculturalidade quotidianamente em diversos âmbitos,tender a naturalizá-la, o que leva a silenciá-la e não considerá-la como umdesafio para a prática educativa.Trata-se de um “dado” que não incide nadinâmica escolar. Não corresponde à escola trabalhar estas questões(CANDAU, 2008, p. 28).
Eliminar o daltonismo permite que novas maneiras de “olhar” o outro sejam
possíveis, para além de práticas que naturalizam as diferenças. A partir desta
reflexão, destacamos o terceiro elemento: Identificar nossas representações dos
“outros”, que se refere ao modo como nos relacionamos com o “outro”, nossos pré-
conceitos para com ele. Isto ocorre porque certas práticas de cunho etnocêntrico
tendem a situar o “outro” em um contexto histórico e social distante do que somos,
das nossas crenças e valores. Assim,
Incluímos na categoria “nós”, em geral, aquelas pessoas e grupos sociaisque têm referenciais culturais e sociais semelhantes aos nossos, que têmhábitos de vida, valores, estilos, visões de mundo que se aproximam dosnossos e os reforçam. Os “outros” são os que se confrontam com estasmaneiras de nos situar no mundo, por sua classe social, etnia, religião,valores, tradições, etc. (CANDAU, 2008, p. 29).
O quarto aspecto destacado por Candau (2008) orienta quanto ao modo de
Conceber a Prática Pedagógica como um Processo de Negociação. Para tanto, faz-
se necessário compreender outros elementos que estão estritamente relacionados
com a prática docente. O currículo é um desses elementos que orientam e
ressignificam a prática pedagógica, revelando as representações dos professores
acerca dos conhecimentos e dos saberes que devem ou não compor o currículo
escolar. Porém, esse currículo nem sempre atende às reais necessidades dos
educandos, por estar centrado em uma visão a-histórica, universal e eurocêntrica.
Garantir uma prática pedagógica na qual os processos de construção de
conhecimentos são permanentemente problematizados e negociados é, portanto,
ainda um desafio para a promoção de práticas docentes que valorizem e respeitem
as diversidades nas sociedades multiculturais.
164
Nessa perspectiva, conceber a escola como espaço de crítica e produção
cultural corrobora para a reflexão sobre uma prática pedagógica que valorize as
diferenças, que proponha o diálogo e a negociação na organização do currículo, e
que tome a realidade de crianças, jovens e adultos como referência na produção do
conhecimento escolar. Compreendemos a escola como interventora e mediadora
das diversidades culturais, tendo como eixo central a prática docente na fomentação
de conhecimentos contextualizados histórico e politicamente. Esses elementos são
desafios ainda impostos pelas sociedades multiculturais e que necessitam ser objeto
de estudo e de reflexão na formação dos professores. Sobre isto, Candau (2008, p.
35) enfatiza que
As relações entre cotidiano escolar e cultura (s) ainda constitui umaperspectiva somente anunciada em alguns cursos de formação inicial e/oucontinuada de educadores/as e pouco trabalhada nas escolas. No entanto,considero que esta perspectiva é fundamental se quisermos contribuir paraque a escola seja reinventada e se afirme como lócus privilegiado deformação de novas identidades e mentalidades capazes de construirrespostas, sempre com caráter histórico e provisório, para as grandesquestões que enfrentamos hoje, tanto no plano local quanto nacional einternacional.
No contexto da unidade investigada, a formação tanto inicial quanto
continuada foi apontada pelos professores participantes da pesquisa como
fundamental nos processos de compreensão e elaboração das representações
acerca das relações raciais no espaço educacional. Neste sentido, a coordenadora e
as professoras relataram durante a realização das entrevistas o modo como a
questão das relações raciais foram introduzidas na ocasião de suas formações
iniciais e destacaram ainda a relevância desta para o trabalho docente com as
crianças, conforme o seguinte depoimento, a saber:
Em relação a minha formação acadêmica, eu acredito que por eu ter meformado em uma instituição religiosa, porque o NASP é a UniversidadeAdventista de São Paulo, e lá desde o início já vem se trabalhando essasquestões. Hoje sabemos que é bem mais marcante trabalhar essasquestões, mas por ser uma instituição religiosa, de filosofia religiosa, que agente sabe que para Deus não existe essa diferença entre os sereshumanos, e a instituição também teve essa preocupação em trabalhar coma gente essas questões das relações raciais, sem fazer diferença racialprincipalmente. Então eu acredito que na instituição isso foi muito bemtrabalhado. (COODENADORA, 2012).
165
A coordenadora da unidade afirma que na sua formação inicial teve
oportunidade de refletir sobre questões relacionadas ao tema das diferenças e
discriminação racial. Ela atribui ao fato de ter cursado pedagogia em uma instituição
religiosa.
Pensamento e depoimento diferente tem a professora Hortência que relata
não ter tido oportunidade em discutir o tema das relações raciais durante sua
formação inicial, entretanto apesar de não ter abordado o tema em sua formação
percebemos que tem ao longo da entrevista um posicionamento crítico em relação à
questão racial.
Na minha formação acadêmica, pelo que eu lembro, não foi abordado assimde forma ampla a questão das relações raciais, foi assim abordado de formabem restrita, pouco voltado para a educação infantil a questão de temasraciais, mas eu lembro que alguns seminários, algumas mostras que nóstivemos foi abordado, mas assim de uma forma muito restrita. (PROFª.HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)
A professora Margarida, no depoimento abaixo, considera importante a
abordagem das questões raciais em sua formação inicial, no entanto, ressalta que
esta abordagem foi realizada somente em uma disciplina. Fato que consideramos
ser limitado para um aprofundamento do tema pelo professor em seu processo de
formação.
A questão das relações raciais foi abordada nas disciplinas durante agraduação, na disciplina de educação infantil e é muito importante sim nanossa formação a gente ter essa base. É muito importante para nossaformação que tenha uma disciplina, que tenha um seminário que abordeessas questões, esse olhar que deveríamos ter em relação à criança negra,porque as pessoas dizem que a criança em si não tem preconceito, mas eutenho uma filha e por experiência própria eu acho que a criança tem sim.(PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)
Já a professora Dália enfatiza a necessidade de uma formação mais
sistemática sobre as questões raciais, ressalta também a necessidade do professor
rever os seus posicionamentos e representações para poder trabalhar de modo
crítico e reflexivo junto às crianças na educação infantil.
Na minha formação acadêmica a questão sobre o racismo foi abordadoatravés de seminário. Considero importante a discussão no ensino superior,para não termos atitudes referentes ao preconceito racial, pois, acredito quesomos todos iguais, independente de qualquer coisa. Eu acho quedeveríamos ter uma melhor preparação para trabalhar com essas questões,porque ainda existe o preconceito racial, e temos que ser trabalhados parapodermos estar preparados para ensinar as nossas crianças e eliminar toda
166
e qualquer forma de discriminação, porque nós somos iguais independentesde cor, raça, credo. Acredito que as crianças em si não tem preconceito,quem tem somos nós que muitas vezes crescemos com isso, daí serimportante trabalhar com as crianças desde já, pois são os adultos quedemonstram atitudes de preconceito para a criança. ((PROFª DÁLIA,ENTREVISTA, 2012)
A professora Rosa ratifica a importância da formação do professor para o
trato com a questão racial, e do mesmo modo que a professora Dália considera
fundamental que no processo de formação, a abordagem sobre o tema ocorra com
maior profundidade, para além, da realização de seminários, que apesar de trazer
reflexões na abordagem do tema, pouco contribui para o conhecimento teórico-
metodológico no processo de formação do professor.
Tenho 5 anos de experiência na educação infantil, incluindo a realização deestágios, e na minha formação a questão das relações raciais não foiabordada enquanto disciplina, mas sim em momentos de seminários. Esteseminário foi importante para minha formação, mas não foi suficiente por tersido somente um momento, foi questão de uma semana a duração doseminário. Creio que deveríamos ter trabalhado mais, um mês, ou até muitomais pela importância do tema. (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)
Entretanto apesar de identificarmos que apenas a coordenadora relatou ter
tido acesso a um processo de formação sistemática sobre as questões raciais, as
demais professoras enfatizam que não tiveram acesso a essa discussão no período
da formação inicial e continuada, afirmando que as discussões, quando ocorreram,
ocorreram de modo isolado, com a realização de seminários de curta duração.
Identificamos nas falas descritas alguns elementos que necessitam de uma
maior análise. O primeiro elemento que destacaremos refere-se ao consenso
apresentado nas falas das entrevistadas sobre a relevância da formação inicial para
o trato com a questão racial no ambiente educacional. Isto reflete a importância
teórica que a questão racial exige para a atuação positiva do professor no trato com
a criança negra. A formação assume um papel determinante na reflexão e na
tomada de consciência por parte dos professores na valorização da diversidade
racial. Para Gomes e Silva (2011, p. 14),
Entre as perspectivas que se têm aberto para o estudo da formação deprofessores/as, vêm encontrando interesse crescente aquelas quefocalizam as histórias de vida, o desenvolvimento profissional, a formaçãode professores reflexivos e de novas mentalidades. Questões, até poucotempo, não levadas seriamente em conta, mas que as pesquisas e osdebates de caráter pedagógico relativos à construção das identidades,
167
valores, ética, religião, relações de gênero, de raça, de trabalho têmmostrado serem relevantes dimensões na atuação profissional dos/asprofessores/as. É nesse ponto que a diversidade étnico-cultural começa aser reconhecida como uma questão (mais do que uma temática) queprecisa ser articulada à formação de professores/as e às práticaseducativas escolares e não escolares.
A formação do professor para o trato com esta diversidade constitui-se ainda
um dos desafios para o campo da educação, na construção de práticas pedagógicas
que promovam o respeito ao “outro” em suas particularidades e singularidades, que
estabeleça o confronto com base no diálogo e na negociação dos conhecimentos
socialmente construídos.
Destacamos o segundo elemento evidenciado nas falas das entrevistadas, o
qual aponta que a temática sobre as relações raciais esteve de certo modo ausente
nos currículos dos cursos de formação de professores, na medida que, quando
apresentada como discussão e reflexão, era de modo fragmentado, por meio de
seminários e debates que acabavam por diluir a questão racial no bojo de outras
temáticas tanto quanto importantes nos processos que envolvem a exclusão escolar
como a questão das necessidades especiais. Isto acaba por destituir a importância
da questão racial no processo de formação de professores, ocasionando a ausência
de uma ação formativa que garanta subsídios teóricos capazes de contribuir para a
intervenção na prática pedagógica dos professores para as questões raciais.
Coelho (2006), em estudo realizado em uma instituição de formação de
professores, adverte que a ausência da reflexão sobre as questões raciais nestes
cursos contribui para a reprodução da discriminação e do preconceito, por parte dos
futuros profissionais que atuarão como professores nas instituições escolares.
Assim, argumenta que
Como a quase totalidade das instituições de formação de professores temfeito, furtou-se a desenvolver nos seus alunos um novo habitus. Ele nãodesenvolveu neles uma prática profissional que viabilizasse o enfretamentoda questão racial e a sua abordagem como um problema do sistema deensino. Ao agir dessa forma, permitiu que as concepções incorporadas dosdiversos agentes sociais se manifestassem recorrentemente, por meio deações de discriminação e práticas de preconceito (COELHO, 2006, p. 231).
As professoras enfatizam em suas falas a ausência de uma abordagem
teórico-metodológica acerca das questões raciais no seu processo de formação. Tal
situação corrobora, então, para a reprodução de práticas sociais excludentes e
discriminatórias no interior dos sistemas de ensino, evidenciando, assim, uma prática
168
pedagógica que concebe as diferenças culturais de modo essencializado, onde não
há diferenças entre as mesmas, prevalecendo uma postura harmoniosa. Isto
contribui para um enraizamento de práticas pedagógicas de exclusão e de
reprodução das desigualdades no ambiente escolar.
Temos, no entanto, que destacar a iniciativa por parte dos professores em
trabalhar com a temática da questão racial, pois, ainda que não haja um
aprofundamento das leis e diretrizes e muito menos uma formação inicial e
continuada que possibilite um aprofundamento do tema, os mesmos organizam,
planejam e executam ações que visam, minimamente, ao enfrentamento. Os
depoimentos das professoras abaixo relevam que há a necessidade da viabilização
de um processo de formação continuada, por parte da Secretaria Municipal de
Belém, que garanta a reflexão e a orientação para as questões raciais, conforme
previsto nas diretrizes curriculares para a educação das relações raciais.
Não me lembro da secretaria municipal ter enviado algo sobre estasDiretrizes, o que temos e sabemos foi a partir do que pesquisamos para aconstrução de nossos projetos, mas que tenha sido enviada para nossoconhecimento, ela não foi enviada, apesar disso temos ciência do que trataa lei. (COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)
Pelo que eu me lembre, não houve momento de discussão sobre essasDiretrizes. Nós só trabalhamos a questão racial no mês de novembro, ondetrabalhamos a consciência negra, é o único momento que eu estoulembrada. ((PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)
Essas diretrizes precisam ser introduzidas de uma forma mais direcionada,porque as crianças sofrem esse tipo de preconceito. Então, essas questõesprecisam ser trabalhadas não só na época da semana da consciêncianegra, mas introduzidas diariamente. (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA,2012)
As professoras afirmam que percebem a discriminação racial no cotidiano
escolar, mas se ressentem de oportunidades institucionais de formação.
As professoras entrevistadas, de um modo geral, apresentaram um discurso
marcado pelo compromisso com o combate ao racismo e discriminação no espaço
escolar, entretanto, não conseguem extrapolar este discurso para a prática
pedagógica. Um dos entraves para a efetivação de uma prática pedagógica de
reconhecimento e intervenção, é apontado pelas professoras que requerem um
maior investimento por parte das secretarias de educação na formação continuada
em relação a temática da questão racial.
169
As falas das professoras revelam a necessidade de um maior fomento no
processo de formação inicial e continuada sobre as questões raciais, suscitando,
portanto, uma mudança de postura diante da problemática da questão racial no
contexto escolar, tanto por parte das instituições superiores e das secretarias de
ensino quanto da postura do próprio professor, que deve assumir, em seu processo
de formação continuada, a necessidade de estudar, de refletir e de reconhecer que
sua mediação na relação com a criança negra é primordial para a promoção de uma
educação de respeito às diferenças.
Contata-se também, que no processo de formação de professores não é
suficiente a discussão das questões relativas a discriminação racial, exclusão social
e educacional se não forem acompanhadas de um suporte teórico crítico que as
levem a refletir e construir valores e crenças diferentes das presentes no seu meio
social e educacional. Neste sentido a que se construir um conjunto de práticas que
tragam o debate acerca do multiculturalismo e educação que permita seguir por
novos paradigmas que possibilitem a reflexão critica do contexto histórico, político e
cultural de formação da sociedade brasileira, em um movimento que problematize a
influência da sociedade neoliberal e capitalista para a difusão da miséria, exclusão,
discriminação e preconceito reproduzidos por instituições sociais, entre estas a
escola.
170
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo, intitulado: “A criança negra: representações sociais de
professores de educação infantil”, o objetivo geral que orientou a pesquisa foi
conhecer as representações sociais dos professores de educação infantil em relação
à criança negra, a partir da prática pedagógica do professor, visando compreender
as interferências destas representações na socialização da criança no espaço
educacional.
Indicamos como objetivos específicos: a) Identificar as representações sociais
manifestadas nas práticas pedagógicas dos professores de educação infantil em
relação à criança negra e sua socialização no espaço escolar; b) Perceber como as
representações sociais em relação à criança negra e sua socialização ocorrem nas
interações entre professor e a criança e das crianças com seus pares no espaço
educacional de educação infantil; e c) Verificar se/ e como os professores de
educação infantil promovem a socialização da criança negra no espaço educacional,
possibilitando o respeito à diversidade racial e multi/intercultural.
Para tanto, realizamos cinco meses de observação, em uma unidade de
educação infantil do município de Belém em uma turma de crianças de quatro anos
com atendimento de quinze crianças, no ano de 2011, e prosseguimos
acompanhando a mesma turma no ano de 2012, com as crianças já em idade de
cinco anos, tendo o envolvimento de quatro professoras e a coordenadora da
unidade investigada. Além da pesquisa de campo, realizamos entrevistas
semiestruturadas com quatro professoras que atendiam as referidas turmas e uma
coordenadora, com o intuito de nos familiarizarmos com o fenômeno objeto de
estudo acerca das práticas pedagógicas das professoras em relação à criança
negra.
A relevância do estudo caracteriza-se pelo contexto histórico, político e social
em que as sociedades multiculturais assentam-se, ou seja, as lutas históricas
promovidas pelos grupos socialmente excluídos, dentre eles, o movimento negro em
busca de justiça por seus direitos e equidade social.
A escola tem um papel fundamental no reconhecimento e na valorização das
diferenças. As representações que têm orientado os currículos e as práticas
pedagógicas das escolas e dos professores tem como base uma concepção de
171
conhecimento universal eurocêntrico e, portanto, com uma visão fragmentada e a-
histórica da formação da nação brasileira.
A relevância de tratarmos estas questões no ambiente escolar deve-se à
compreensão que temos da criança enquanto sujeito histórico e social, que produz e
é produtora de cultura e, como tal, em seu processo de socialização desde os
primeiros anos, apresenta manifestação de ações de preconceito e discriminação
com o “outro”, seja na família ou na escola. Isso nos remete à reflexão sobre a
importância do papel dos professores de educação infantil no estabelecimento de
práticas pedagógicas, na perspectiva da interculturalidade, que orientem para o
reconhecimento, a valorização e o diálogo crítico com a diversidade racial espaço
escolar.
Destacamos que as representações sociais das professoras pautam-se em
representações já familiarizadas e, portanto, cristalizadas em nossa sociedade,
baseadas no mito da democracia racial, que concebe a inexistência do racismo na
sociedade brasileira. É neste movimento de tensão e conflito com as representações
já consolidadas nos discursos sociais, portanto familiares, e com as novas
representações que vêm surgindo de diversas frentes, como as lutas dos
movimentos sociais, as mudanças na Constituição Federal, bem com as recentes
políticas educacionais, que apontam novas possibilidades no trato com as
diferenças, que as professoras vão paulatinamente (re)construindo suas
representações sobre o fenômeno estudado.
Neste sentido, buscamos investigar sobre os sentidos e significados que
orientaram a construção das representações dos professores de educação infantil
em relação à criança negra. A partir do corpus deste estudo elegemos cinco
categorias temáticas, a saber: (1) Representações dos professores sobre a criança
negra no espaço escolar; (2) Representações dos professores sobre a socialização
da criança negra na escola; (3) Ações de discriminação e preconceito racial na
prática pedagógica na escola; (4) A contribuição do professor, por meio da prática
pedagógica, para a superação dos preconceitos e discriminações raciais na escola;
(5) A formação dos professores e as relações raciais na escola.
A primeira categoria trata sobre as Representações dos Professores sobre a
criança negra no espaço escolar. Esta categoria revela que há especificidades no
modo em que as professoras se apropriam do tema investigado, bem com
172
evidenciamos posicionamentos e discursos diferenciados sobre as representações
em relação à criança negra.
Identificamos que as representações dos professores em relação à criança
negra, encontram-se ancoradas em aspectos biológicos (tipo de cabelo); sociais
(pobreza) e estéticos (belo/feio). Isto se justifica pelo fato de tanto as professoras,
quanto as crianças da turma se referirem de modo negativo às características
estéticas do corpo e do cabelo da criança negra.
O cabelo da criança negra é considerado esteticamente como feio e sujo,
ocasionando o isolamento e rejeição desta criança por parte das demais crianças da
turma na unidade investigada. Verificamos que as professoras não realizam uma
mediação efetiva de combate aos conflitos entre as crianças, tanto os verbais,
quanto os não verbais. Ao contrário, as professoras reforçam em suas práticas
pedagógicas a desvalorização do cabelo negro, no momento em que enfatizam o
quanto é trabalhoso o cuidado com o cabelo da criança negra. Essa desvalorização
acaba por legitimar um padrão de beleza do homem branco, inferiorizando no
interior da escola a cultura negra, que tem no cabelo a expressão de sua beleza.
Esse padrão de beleza é manifestado também nas literaturas infanto-juvenis,
que legitimam a branquidade como algo natural nos contos infantis. Isto, de certo
modo, é reproduzido nas ações e escolhas realizadas pelas professoras ao se
reportarem às características estéticas dos personagens, considerando os padrões
de beleza legitimados em nossa sociedade.
Inferimos que as representações das professoras em relação a criança negra,
ancoradas no aspecto social, partem da crença da criança negra como um ser sem
oportunidades, carente e excluída de nossa sociedade. No entanto, essas
desigualdades sociais são silenciadas no cotidiano da unidade investigada, pois as
professoras consideram que “todos são iguais” e, portanto, possuem as mesmas
condições de sucesso escolar.
Consideramos que a escola e seus agentes sociais ao naturalizarem as
questões das diferenças, contribuem para a manutenção e reprodução de processos
de exclusão e discriminação em relação ao acesso e permanência com sucesso da
criança negra no espaço escolar.
Na segunda categoria, que trata das Representações dos professores sobre
a socialização da criança negra na escola, verificamos que as representações
expressas pelas professoras e pela coordenadora, tanto nas entrevistas, quanto na
173
observação, revelaram que as mesmas consideram que o processo de socialização
da criança negra ocorre de modo natural, pois, segundo as professoras, as crianças
são consideradas “todas iguais” e, portanto, não existem diferenças na socialização
da criança negra em relação à criança branca. Entretanto, observamos que em
vários momentos, a criança negra é excluída das brincadeiras e interações pelas
outras crianças e, que as próprias professoras acabam excluindo à criança negra
“naturalmente” de suas atividades.
Constatamos que a criança negra na unidade investigada não é socializada
de modo positivo, uma vez que há a evidência de conflitos que a excluem da
participação e interação com seu grupo sem, no entanto, haver uma devida
intervenção pelas professoras.
Na terceira categoria, que trata das Ações de discriminação e preconceito
racial na prática pedagógica na escola, apontamos como essas ações ocorrem na
prática pedagógica do professor em relação à criança negra. Observamos, então,
que para a Coordenadora as diferenças são consideradas como algo “natural” e que
as crianças são acolhidas na unidade independente de sua cor. Porém, as
professoras Rosa e Margarida afirmam, nos relatos realizados, que há sim a
manifestação de ações de preconceito e discriminação entre as crianças no
cotidiano da unidade, uma vez que há ofensas referentes ao tipo de cabelo, bem
como certa rejeição no simples toque de mãos em relação à criança negra. No
entanto, a uma unanimidade entre as professoras e a coordenadora no sentido de
reconhecerem que as crianças desde a educação infantil manifestam ações de
preconceito e discriminação em relação à criança negra. Inferimos que as
professoras e a coordenadora necessitam problematizar e, sobretudo, reconhecer
de fato a ocorrência de ações de preconceito e discriminação no espaço escolar
para que as mesmas possam mediar os conflitos e intervir de modo crítico e reflexivo
em suas práticas pedagógicas no cotidiano da unidade investigada.
Na quarta categoria, que trata da Contribuição do professor para a superação
dos preconceitos e discriminações raciais por meio da prática pedagógica,
destacamos que as professoras ao perceberem os conflitos envolvendo a questão
racial na educação infantil, tentam elaborar, a partir do seu projeto político
pedagógico e dos planos de ensino, intervenções que visam a superação de práticas
de racismo e preconceito em relação à criança negra. Contudo, o que podemos
observar na unidade investigada é que apesar da iniciativa dos professores em
174
elegerem a questão racial como pauta de interesse e intervenção no processo de
socialização da criança negra, verificamos que estas propostas necessitam ser mais
bem estruturadas, considerando os marcos legais que orientam as práticas
pedagógicas no trato com as questões raciais, pois ao desconsiderarem os
dispositivos legais em seus projetos políticos-pedagógicos, em seus currículos e
planos de ensino, isto contribui para a realização de uma prática pedagógica
reprodutora das desigualdades no cotidiano escolar.
Na quinta categoria, sobre A formação dos professores e as relações raciais
na escola, evidenciamos que na formação inicial das professoras participantes deste
estudo, as questões raciais foram silenciadas nos currículos dos sistemas de ensino
superiores, com exceção da Coordenadora que afirmou que a questão racial foi
abordada em sua formação inicial, atribuindo isto ao fato de ter realizado sua
graduação em uma instituição religiosa. As demais professoras relataram que a
abordagem das questões raciais, quando discutidas nos cursos de formação inicial,
ocorreu de forma restrita, geralmente abordada em seminários que ocorriam durante
uma semana, sendo necessário, segundo as professoras, um aprofundamento desta
temática, tanto pelas instituições superiores quanto pelas secretarias de educação,
visando um maior enfrentamento desta questão no espaço escolar.
As representações sociais dos professores em relação à criança negra e sua
socialização no espaço escolar estão ancoradas em três aspectos, a saber:
aspectos biológicos (tipo de cabelo); aspectos sociais (pobreza) e no aspecto
estético (belo/feio). Com isto, inferimos que estas representações têm como suporte
o proposto pelo mito da democracia racial, que naturaliza as diferenças, negando
deste modo a cultura, a arte e, sobretudo, a identidade negra.
A criança negra no espaço escolar da unidade investigada tem sua identidade
negada, principalmente no tocante aos aspectos estéticos de seu cabelo, que é
inferiorizado e tido como sujo e feio. Não obstante, para os sujeitos investigados, as
representações são objetivadas por uma imagem da criança negra no cenário
brasileiro relacionada a uma criança desprovida de saúde, moradia, educação e,
portanto, carente e em estado de extrema pobreza. Estas constatações pelas
professoras não são mantidas quando perguntamos sobre a existência de
preconceito e discriminação no espaço escolar, pois as docentes, apesar de
afirmarem a ocorrências destes tipos de conflitos nas relações entre as crianças,
175
consideram que os mesmos se dão de modo “isolados”, tão pouco realizando uma
intervenção crítica e transformadora no trato com as diferenças.
O não reconhecimento das diferenças no espaço escolar, bem como a
ausência de uma mediação efetiva por parte das professoras no trato com as
questões raciais, contribui para que a criança negra não seja aceita, reconhecida,
respeitada tanto pelos professores quanto por seus pares, influenciando para um
difícil processo de socialização, no qual a criança se sente inferiorizada construindo
uma identidade negativa de si diante do outro que a exclui.
Os desafios evidenciados no presente estudo pressupõem um repensar
acerca das ideias, opiniões, atitudes e representações sobre a criança negra e sua
socialização no espaço da educação infantil na unidade investigada. Para tanto, um
dos desafios que se faz necessário é a tomada de consciência de que as diferenças
são produzidas nos processos de interação entre o professor e a criança e da
criança com seus pares e, portanto, não podem ser negadas.
Outro desafio parte desta tomada de consciência para uma mudança de
postura no trato com as diferenças, buscando um permanente diálogo entre o
coletivo de professores para que as propostas pedagógicas sejam de fato efetivas,
não de modo isolado e fragmentado, mas que seja viabilizada uma ação pedagógica
que subverta todas as formas de discriminação e preconceito no espaço escolar,
contribuindo para a transformação e inclusão das diferenças na escola.
Contudo, para que ocorram mudanças nas posturas das professoras, a que
se transpor outro desafio ainda maior, aquele que de fato encontra-se na base
estruturante da problemática das questões raciais apresentadas em pesquisas
anteriores e reafirmadas no presente estudo, a saber: o processo formativo do
professor. Este desafio é apontado pelas próprias professoras, que sentem a
necessidade de um processo formativo contínuo no trato com as questões raciais.
As lacunas no processo de formação do professor, seja na formação inicial, seja na
formação continuada, corroboram para a reprodução de práticas excludentes no
interior das escolas.
Concluímos reiterando que a escola e, mais precisamente, as instituições de
educação infantil, tem um papel importantíssimo no trato com as diferenças,
considerando que as crianças são sujeitos de direitos e como tal participam do
processo de construção de conhecimento no espaço educacional. As instituições
superiores e as secretarias de educação devem garantir um processo de formação
176
inicial e continuada para que o professor seja agente ativo na mediação e
intervenção no trato às diferenças, garantindo que este espaço/tempo vivenciado
pelas crianças brancas e pelas crianças negras na educação infantil, seja constituído
pelo diálogo, negociação, reconhecimento e respeito à diversidade racial na escola,
a partir de uma prática pedagógica transformadora, inclusiva e libertadora
contribuindo, deste modo, para a efetivação de uma sociedade intercultural.
177
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APÊNDICES
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GOVERNO DO ESTADO DO PARÁUNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃOCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-MESTRADO
APÊNDICE A – INSTRUMENTAL DE ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
Aspectos que orientaram o registro das observações
a organização da prática pedagógica do professor no trato com a questão
racial;
as intervenções estabelecidas entre o educador e a criança no trato com as
questões que envolvem a manifestação de atitudes de preconceito e de
discriminação racial;
o modo em que ocorrem a socialização da criança negra nas atividades
desenvolvidas nas turmas de educação infantil.
DATA DA OBSERVAÇÃO: ___________TURMA/TURNO: ___________________PROFESSORA:____________________ASPECTOS OBSERVADOS:
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
CONSIDERAÇÕES DA PESQUISADORA:
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃOCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-MESTRADO
APÊNDICE B – INSTRUMENTAL DAS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS
I – IDENTIFICAÇÃO
1.1 NOME:____________________________________________________
1.2 FAIXA ETÁRIA
( ) até 20 anos
( ) entre 21 e 25 anos
( ) entre 26 e 30 anos
( ) entre 31 e 35 anos
( ) entre 36 e 40 anos
( ) entre 41 e 45 anos
( ) entre 46 e 50 anos
( ) entre 51 e 55 anos
( ) acima de 56 anos
1.3 SEXO: ( ) Masculino ( ) Feminino
1.4 COR/RAÇA:
( ) Branco
( ) Preto
( ) Pardo
( ) Amarelo
( ) Indígena
( ) Outros. Qual? ____________
190
1.5 FORMAÇÃO ACADÊMICA
( ) Ensino Médio/ Sem Magistério
( ) Ensino Médio/ Com Magistério
( ) Graduação Cursando? Qual: _____________ Início em: _______.
( ) Graduação Concluída? Qual: _____________ Término em: ______.
( ) Especialização Cursando? Qual: _____________ Início em: ______.
( ) Especialização Concluída? Qual: _____________ Término em: _____.
( ) Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) Cursando? Qual: ___ Início em: ___.
( ) Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) Concluída? Qual: __Término em: __.
1.6 ATUAÇÃO PROFISSIONAL
1.6.1 EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
( ) até de 2 anos
( ) entre 3 a 5 anos
( ) entre 6 a 8 anos
( ) entre 8 a 10 anos
( ) entre 11 a 15 anos
( ) entre 16 a 20 anos
( ) entre 21 a 25 anos
( ) acima de 25 anos
1.6.2 OUTRAS EXPERIÊNCIAS
( ) Ensino Fundamental. Quanto tempo? ______________.
( ) Educação de Jovens e Adultos. Quanto tempo? _____________.
( ) Ensino Superior. Quanto tempo? _____________.
1.7 ATUALMENTE TRABALHA
( ) apenas na educação infantil
( ) na educação infantil e no ensino fundamental
191
( ) na educação infantil e na educação de jovens e adultos
( ) na educação infantil e no ensino superior
( ) Outros. Quais: _______________________________.
1.8 TURNO (S) DE TRABALHO
( ) apenas pela manhã
( ) apenas pela tarde
( ) apenas pela noite
( ) manhã e tarde
( ) tarde e noite
( ) manhã e noite
( ) Outros. Quais? ______________________________.
1.9 CARGA-HORÁRIA DIÁRIA DE TRABALHO
( ) até 4 horas
( ) entre 4 e 6 horas
( ) entre 6 e 8 horas
( ) acima de 8 horas
1.10 RENDA MENSAL
( ) menor que um salário mínimo
( ) um salário mínimo
( ) dois salários mínimos
( ) três salários mínimos
( ) acima de quatro salários mínimosII
- TRAJETÓRIA ACADÊMICA/ PROFISSIONAL E A QUESTÃO RACIAL NAEDUCAÇÃO INFANTIL
2.1 - Na sua formação acadêmica como foi abordada a questão das relaçõesraciais?
192
2.2 - Você considera importante introduzir a temática da questão das relações
raciais desde a educação infantil?
2.3 - De que maneira, a unidade de educação infantil aborda a questão das relações
raciais em seu projeto político pedagógico?
2.4 – Como as questões raciais são discutidas/ trabalhadas nas turmas de educação
infantil?
2.5 - Você já vivenciou situações de discriminação entre as crianças nas atividades
desenvolvidas no cotidiano da unidade (acolhida, momento pedagógico, momento
de lazer, hora do banho, refeições, momento do descanso, etc.)?
2.6 - Como você media as relações com as crianças envolvendo a manifestação de
discriminação racial?
2.7 - Você acredita que a intervenção do professor a partir das propostas
pedagógicas desenvolvidas com as crianças no trato com as questões raciais pode
contribuir para a manifestação de atitudes positivas nas relações sociais entre as
crianças?
2.8 - As crianças na rotina da UEI costumam se referir de forma depreciativa entre
si?
2.9 - E em relação à criança negra, há alguma atitude de preconceito pelos seus
pares?
2.10 - Tem conhecimento do que as Diretrizes da Educação Infantil propõe para o
trato com a questão da diversidade étnico-racial a serem implementadas pelas
instituições de educação infantil em suas propostas pedagógicas?
2.11 – Em relação às Diretrizes Curriculares para as Relações Ético-Raciais, em
algum momento você teve conhecimento por meio de sua unidade ou pela
Secretaria Municipal de Educação sobre o que esta propõe para a educação infantil?
2.12. Como ocorre a socialização/ inclusão da criança negra nas atividades
pedagógicas e na interação com seus pares na unidade de educação infantil em que
você trabalha?
2.13 – Como você vê hoje a criança negra na sociedade brasileira?
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GOVERNO DO ESTADO DO PARÁUNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃOCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-MESTRADO
APÊNDICE C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE EESCLARECIDO
Vimos, por meio deste termo, convidá-lo (a) a participar da pesquisa de dissertação
de mestrado, intitulada: “A Criança negra: as representações sociais deprofessores de educação infantil”, vinculada ao Programa de Pós-Graduação da
Universidade Estadual do Pará, na linha de pesquisa Formação de Professores, sob
a responsabilidade da pesquisadora Regiane de Assunção Costa, orientada pela
Profª Drª Tânia Regina Lobato dos Santos. A pesquisa tem por objetivo geral
investigar a percepção dos educadores acerca das relações étnico-raciais em
uma unidade de educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Belém.
Os participantes da pesquisa, serão quatro professores de educação infantil e a
coordenadora da Unidade de Educação Infantil- UEI, da Rede Municipal de Ensino
de Belém. Sendo assim, a sua participação se dará pela concessão de entrevista ao
pesquisador a fim de que se obtenham informações sobre o objeto de estudo. Para
tanto, no momento da entrevista, que temos previsão de duração de 1 hora,
utilizaremos um gravador e câmera digital.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos
o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de forma a
possibilitar a sua identificação. Esclarecemos ainda que estas informações serão
veiculadas apenas no meio científico. A participação também não traz riscos aos
participantes.
Ao participar desta pesquisa você não deverá ter nenhum benefício direto,
compensações pessoais ou financeiras relacionadas à autorização concedida.
Entretanto, nós esperamos que esta pesquisa nos dê informações importantes sobre
a percepção dos professores sobre as relações étnico-raciais na educação infantil,
as quais poderão subsidiar reflexões aos profissionais que trabalham na educação.
194
Bem como contribuir para o redimensionamento das propostas pedagógicas
implementadas nas instituições de educação infantil do município de Belém.
Os professores participantes não terão nenhum tipo de despesa por participar desta
pesquisa. E nada será pago por sua participação.
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu interesse e autorizo a minha participação neste estudo.
__________________________________________REGIANE DE ASSUNÇÃO COSTA(Pesquisadora responsável)Res. Natália Lins, Bl D, aptº 104, Mangueirão2323-1029 / 96034994
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDODeclaro que li as informações acima sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamenteesclarecida sobre o conteúdo da mesma, assim como seus riscos e benefícios.Declaro ainda que, por minha livre vontade, autorizo o uso das informações,manifestando o meu consentimento em participar da pesquisa.
_______________________ ______________________Participante da Pesquisa Local e Data
________________________ ______________________Assinatura da Pesquisadora Local e Data
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Universidade do Estado do ParáCentro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação – MestradoTv: Djalma Dutra s/n – Telegrafo
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