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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Punição para todos os pecados...americanos?
Não é uma questão de direitos.É
só uma questão de guerra.
Não têm uma razão para lutar
Eles nunca tiveram um antes
Você é apenas uma máquina de
matar.
Trecho da múscia Hero, da Banda Ministry.
E eu continuei dirigindo pelas
sombras da América... através da
longa e fria escuridão em que
transformei minha vida.
Garth Ennis por meio do personagem Frank Castle, O Justiceiro.
“
Punição para todos os meus
pecados
Refrão da música Punishment, da Banda de Hardcore Biohazard
Tomemos como princípio uma questão militar fundamental: a imagem. Melhor: a
representação pública de um exército. Quando pensamos nas dinâmicas de um exército os
leigos têm uma visão de que um soldado se mantém apenas com apenas a sua truculência e
com sua violência vermelha (JANOWITZ, 1967:11-24). Mas assim qualquer indivíduo
munido de alguma força bruta seria um soldado. Assim como qualquer um que pina-se um
quadro poderia ser caracterizado como pintor. Ou alguém que conserta o encanamento de sua
casa poderia ser chamado de encanador: habilidades eventuais e que sim, resolvem problemas
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do cotidiano, mas que ainda assim evitaríamos utilizar essas pessoas que tem alguma
habilidade para resolver nossos problemas.
Recorreríamos para nossos interesses outro tipo de pessoa. Alguém que julgássemos
estar preparados para resolver as diversas contingências possíveis de uma dada situação, ou
melhor, conjunto de contingências reunidas sobre uma única abstração organizadora:
problemas hidráulicos domésticos são resolvidos por indivíduos munidos de treinamento (em
um método) para resolvê-los. Penso então que cometemos uma série de incorreções quando
pensamos a figura do soldado: ele não é um homem violento meramente, é sim, um
profissional da violência. Alguém dotado dos meios mais diversos de coerção, intimidação e
execução de inimigos (se necessário).
Devemos manter a mente aberta para tal questão ou então não conseguimos analisar
adequadamente a formação da imagem pública do soldado. Também poderíamos chamar essa
imagem pública de propaganda1 um instrumento bastante útil para convencer uma massa da
legitimidade de uma instituição: por meio de recursos sensíveis teríamos a aceitação de uma
abstração que serviria como modo a justificar as ações de uma instituição.
Aliás, a visão do “soldado valentão” é uma construção feita na América Latina
devido a esta ter padecido de toda uma série de regimes militares e é claro o questionamento
pelos movimentos de contracultura que explodiram em 1968. Um movimento de contestação,
entre outras coisas, de um militar no poder o General De Gaulle na França (HOBSBAWN,
1995:289-296). Depois de delimitados tais limites, podemos continuar nossa discussão.
Pensar que a estimulação, sedução e tentativa de orientação do imaginário social é
sem dúvida uma grande vantagem é uma prática bastante difundida pelo menos em temos
ocidentais desde as cruzadas: pensar que o herege deve ser punido, que a guerra é justa foi
uma estratégia, em temos psicológicos, fundamental para que o cavaleiro se mantivesse
centrado em sua missão: a fé em uma abstração é mais fácil de ser construída se a mesma for
1 “Observador cuidadoso dos acontecimentos políticos, sempre me interessou vivamente a maneira por que se
fazia a propaganda de guerra. Eu via nessa propaganda um instrumento manejado, com grande habilidade,
justamente pelas organizações sociais comunistas. Compreendi, desde logo, que a aplicação adequada de uma
propaganda é uma verdadeira arte, quase que inteiramente desconhecida dos partidos burgueses. Somente o
movimento cristão social, sobretudo na época Lueger, aplicou êste [sic] instrumento com grande eficiência e a
isso se devem muitos de seus triunfos” in (HITLER, 1983: p120).
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o mais simples possível. E para tanto é preciso projetá-la dentro de um universo sensível
aceitável e reconhecido pelo público ao qual se destina tal premissa de pensamento.
Um dos recursos possíveis pode ser o medo, o sentimento de insegurança (bem
explicado por Jean Delumeau em sua História do Medo no Ocidente (DELUMEAU, 2009).
Esse sentimento que pode ser corporificado em estereótipos que confirmem a representação.
Para esses medos pode existir um antídoto: o herói, ou pelo menos o mito (algo que tem
lógica e verossimilhança, embora tais características literárias lhe garantam sua existência
factual) deste herói. Ou ainda de algo que não seja tão heroico: penso que muitas vezes o
herói é apenas um monstro que está lutando ao nosso lado ou por nós. Em caso de descrença
dessa elucubração convém verificar o mito de Hércules, e, seu tratamento para com as
Amazonas. Creio que isso dará uma boa visão sobre o que aqui escrevo
(BULFINCH,1999:176-184).
Assumamos então que o ocidente tem uma grande tendência a criar heróis míticos
sobre os chamados profissionais da violência. Mais conhecidos por nós como soldados.
Pensando em termos de uma produção contemporânea que valoriza tais pessoas poderíamos
pensar no Cinema americano como um desses exemplos: desde diretores como Alfred
Hitchcock a atores como Charles Chaplin (PINCAS, 2012:34-37).
A imagem então é uma arma de coerção do imaginário combinada, também, com
outros recursos narrativos, sejam eles som ou texto os quais podem cooptar opiniões ou no
mínimo influenciá-las. Apenas por curiosidade: esse é basicamente a premissa da obra de
Paul Virilio que o cinema (a câmera) e as armas parte do mesmo princípio prático: a
orientação do braço (VIRILIO, 1993). Mas até ai podíamos pensar o mesmo da escrita desde
os tempos mesopotâmicos. Apenas outra curiosidade: o primeiro capítulo do livro de Virilio é
tirado de uma citação de Sun Tzu “a força militar é determinada pela aparência” (IDEM,
1993:09).
Sem mais introduções nos dediquemos ao que nos orienta nesse texto: uma pequena
discussão, se é que pode ser chamada assim, sobre a criação de uma aparência sobre o a força
militar do soldado: uma série de Histórias em Quadrinhos2 sobre o personagem Justiceiro
(The Punisher em seu nome original). Aqui vamos trabalhar com a linha de pensamento de
Róman Gubern que as HQs são parte dos chamados meios icônicos de massa, em que estão
2 Daqui para frente, para conforto tanto da leitura quanto da escrita usarei a abreviação “HQs”.
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compreendidos as imagens impressas, a fotografia, o cartaz, o cinema, a televisão e as
chamadas imagens eletrônicas (GUBERN, 2008). Agora suponho ter ficado mais claro o
porquê deste texto dedicar algumas linhas ao cinema. Embora não citemos aqui que todos os
meios acima citados dedicaram-se ao elogio do soldado, quando seus Estados-Nação julgaram
por bem incentivar tal conduta.
Em mente com essa informação pensemos na construção do personagem que iremos
denotar. O Justiceiro apareceu pela primeira vez na revista Amazing Spider-Man 129 em
1974. Ele foi criado pelos roteiristas Gerry Conway e Ross Andru com desenhos de John
Romita. A fábula é está: o fuzileiro naval Frank Castle está de licença do exército e vai até o
Central Park de Nova York com sua família (esposa e dois filhos pequenos) para um
piquenique. Uma gangue estava executando uma chacina e a família Castle testemunha tal ato
o que decreta seu extermínio. Castle é o único que sobrevive. Desertando dos fuzileiros meses
depois esse pai de família e soldado retorna como o Justiceiro, declarando uma sistemática
guerra do crime.
Figura 01: Capa da Amazing Spider-Man 129 em 1974.
Em um primeiro momento ele era apenas um personagem secundário das HQs do
Homem-Aranha da editora Marvel, a famosa “casa das idéias” onde vários temas políticos e
do cotidiano são discutidos. Essa editora tem uma tradição e um catálogo de heróis de cunho
militar: O Capitão América (1941), Sargento Fury (1960), ou vítimas desses militares como, o
Quarteto Fantástico (1961) e Hulk (1962).
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Contudo um o inesperado sucesso e a aparente empatia entre o público e o
personagem fazem com que o mesmo seja promovido à condição de herói? Não. O Justiceiro
seria encaixado no setor dos anti-heróis: ele é um mal necessário.
Não esqueçamos: o conflito do Vietnã (que por sinal é o nome de uma publicação da
Marvel) só havia terminado em 1975, além das questões referentes à crise do modelo
econômico de Keynes que levaram a uma volta ao liberalismo na forma o chamado
neoliberalismo influenciado por Hayek (SADER; GENTILI, 1995: 9-37).
Uma imensa sensação de insegurança deve ter tomado o mundo ocidental. Embora
isso não seja exatamente uma novidade, como vimos acima. Parece que a única noção de
segurança do ocidente é que nada é seguro.
Nesse momento temos uma produção HQs bastante sombria: Frank Miller lança o
seu Cavaleiro das Trevas em 1985; onde o antes engraçado Batman agora tem contornos
republicanos, para não usarmos o nome inspirado em outra instituição romana o fasci. Neil
Gaiman lança o depressivamente onírico Sandman (1985) um conjunto de narrativas no
mínimo reflexivas e, ao extremo, melancólicas. Serpieri lança a deliciosamente ingênua e
pornográfica Drunna , a qual o pudico Nelson Rodrigues iria aplaudir com uma mão.
Figura 02: Cena de Batman, o Cavaleiro das Trevas de Frank Miller publicado
1985.
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A crítica ao Cavaleiro das Trevas vem do polêmico, e brilhante, Alan Moore (um
autêntico produto de 1968 inclusive em seu visual hippie “irritado”) em seu Watchmen
(1988). No mesmo ano este autor lança V de Vingança narrativa de cunho orweliano que hoje
inspira jovens liberais contra o capitalismo. Moore afirmou detestar o conceito de super-
heróis por vê-los com um escapismo próximo demais do fascismo. A premissa de todos esses
autores é de HQs que discutam o cotidiano em um viés mais próximo possível da realidade,
mesmo quando as mesmas tratem de temas fantásticos, como magia ou viagens no tempo.
Figura 03: Cena de V de Vingança de Alan Moore publicado em 1988.
Voltemos ao nosso foco o Justiceiro: no decorrer outras características lhe são
acrescentadas: uma origem italiana e um forte catolicismo, chegando ao ponto do mesmo ter
tentado ser padre. Desistiu por achar que a punição deve vir antes do perdão. Esse é outro
fator que parece aproximar o personagem com seu público: seus fãs estão nas classes baixas,
economicamente falando, chegando mesmo a tatuar seu símbolo (uma caveira) ou a fazer
músicas inspiradas em seu primeiro filme (a música Punishment da banda Biohazard de
1992).
Porém em abril de 2000 o Justiceiro tem um de seus melhores argumentistas: o
norte-irlandês Garth Ennis. Nascido em 1970 esse roteirista trabalhou em diversas revistas em
quadrinhos: a 2000 AD (1977 (?)) até outras publicações como a Vertigo Comics uma
publicação centrada no público adulto. Esse selo tenta repetir o sucesso da chamada “invasão
inglesa”, por conta do sucesso de autores como Grant Morrison, Warren Ellis, e o já citado
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Alan Moore. Com este último Ennis tem uma concordância: não gostar de super-heróis, e,
uma discordância: Ennis tem um longo currículo de histórias envolvendo assuntos ligados à
guerra e ao pensamento bélico.
Com o intuito de competir com o selo Vertigo a Marvel cria seu próprio selo de HQs
adultas: o selo MAX que tem um subtítulo chamado Marvel Knights. Nesse selo o Justiceiro
tem sua nova versão nas mãos de Ennis a partir de 2005: o Justiceiro passa a ser desapartado
do convívio dos super-heróis para se tornar uma máquina de matar: seus temas e a violência
das ilustrações levaram o personagem para uma discussão da validade da violência para a
solução de problemas do cotidiano. E se é necessário usar a violência, nada melhor que um
profissional no assunto. As narrativas de Ellis são construídas usando o cotidiano como
argumentos para a aceitação e transformação dessa ideia em um conceito. Mas também
parecem ter outro efeito que discutiremos no final deste pequeno opúsculo.
Ennis produziu para a Marvel Max/Knights 11 conjuntos de histórias. As relaciono e
lhes dou uma sinopse abaixo.
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Figura 04 – Capa de Born de Garth Ennis feita por Tim
Bradstreet.
01- Born3 (de junho de 2003 a janeiro de 2004): onde a origem do Justiceiro é
recontada mostrando traços de suas tendências a fazer justiça com as próprias mãos e sua
extrema disciplina e compromisso como soldado. Detalhe para uma estranha Força
extranatural não muito bem identificada que a todo momento tenta cooptar Castle para se
tornar um soldado mais frio e dedicado ao combate, que em verdade é um desejo secreto do
mesmo.
02- In the Beggining ( de março de 2004 a junho de 2004), em que a narrativa
original do personagem é retomada com detalhes mais sanguinolentos. Também um ex-
parceiro de Castle, Microchip, tenta cooptá-lo para uma obscura agência de inteligência
americana.
03- Kitchen Irish ( de agosto de 2004 a novembro de 2004) em que um atentado
terrorista no bairro irlandês acaba por ter como efeito colateral atingir o próprio Justiceiro. A
crueldade das várias gangues que estavam em uma espécie de “caça ao tesouro” e sua
ingenuidade mostra a fragilidade do pensamento criminoso. O Justiceiro passa a trabalhar
com um agente da S.A.S em busca dos suspeitos.
04- Mother Russia (de janeiro de 2005 a maio de 2005) em que o Justiceiro e
cooptado pelo agora Coronel Fury para resgate de uma garotinha na Rússia. No melhor estilo
da Guerra Fria, uma mistura de horror a contaminações biológicas e de armas nucleares
termina por redundar em uma conspiração armada por generais americanos que criaram um
grupo terrorista árabe próprio com o intuito de atacar a Rússia e aumentar as próprias verbas
militares.
05- Up is Down and Black is White (de junho de 2005 a outubro de 2005) em que
um dos gangsteres que tentaram eliminar o Justiceiro em In the Beggining tentam eliminar o
Justiceiro desenterrando os restos de sua família e... Urinando nesses últimos, e por fim
enviando uma gravação desse ato para a televisão. Retorna uma das agentes de In the
Beggining O’Brien (que busca um relacionamento carnal com o Justiceiro) e Rawlins (que
busca se vingar do Justiceiro pelo fracasso do atentado em Mother Russia). Tentativa
3 Preferi aqui os nomes em inglês, a título de não perdermos o sentido original de seus títulos.
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fracassada os gangsteres são mortos Rawlins é torturado pelo Justiceiro que extrai uma
confissão onde são implicados os generais que armaram a ação russa. O’Brien foge.
06- The Slavers (de novembro de 2005 a março de 2006) onde o Justiceiro fica
sabendo de uma gangue de leste-europeus que está traficando mulheres em Nova York.
Narrativa densa e sombria em que a brutalidade contra a mulher e a corrupção policial
culminam com a execução de um líder da gangue com suas víscera arrancadas e outro
queimado vivo.
07- Barracuda (de maio de 2006 a outubro de 2006) uma sequencia cômica onde o
Justiceiro enfrenta um soldado a sua altura e de certa forma uma versão corrompida dele
mesmo: um mercenário negro conhecido como Barracuda que trabalha para uma empresa de
fornecimento de energia que tenciona provocar um blecaute em larga escala para obter lucro.
08- Man of Stone ( de novembro de 2006 a fevereiro de 2007) o general que
apareceu em Mother Russia volta a cena graças a Rawlins em busca de capturar o Justiceiro e
leva-lo a julgamento pela ação russa. O’Brien também retorna buscando se vingar de
membros do Taliban que a haviam estuprado anos atrás graças a imcompetência de seu
marido: o famigerado Rawlins. Todos os três acabam mortos e o Justiceiro retorna a suas
atividades. Uma visão bastante caústica do combate no Afeganistão desde a ocupação e
desocupação russa é traçada.
09- Widowmaker (de março de 2007 a agosto de 2007) viúvas de gagsteres se
unem para assassinar o Justiceiro. No entanto são impedidas por uma outra viúva, que foi
abusada pelo marido, e este por sua vez, foi assassinado pelo Justiceiro. Atitude a qual ela se
mostra agradecida. Essa viúva elimina as outras viúvas por vingança e depois se suicida.
Paralelamente a história de um policial negro é narrada em que o mesmo se sente atraído pelo
estilo de ação do Justiceiro. Levados em rota de colisão o Justiceiro o convence que o policial
não quer se tornar igual a ele.
10- Long Cold Dark (de outubro de 2007 a março de 2008) Barracuda retorna e
graças a um e-mail sigiloso descobre informações valiosas para atacar o Justiceiro: antes de
morrer O’brien teve uma filha, a qual entregou a sua irmã. Depois de uma violente e
estratégica perseguição o Justiceiro consegue eliminar Barracuda e devolve usa filha para a
tia. O fechamento da história é interessante: os fatos da vida de Castle o levaram para um
ponto sem volta. Ele não conseguiria mesmo se quisesse deixar de ser o Justiceiro.
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11- Valley Forge, Valley Forge (de maio de 2008 a outubro de 2008) os generais
de Mother Russia retornam buscando eliminar o Justiceiro. Eles enviaram o e-mail com
informações para Barracuda. Com a falha do mercenário traçam um plano que acreditam
perfeito. Enviar o único alvo que o Justiceiro não eliminaria: soldados americanos, fuzileiros.
O plano fracassa devido a um golpe do destino: o coronel destacado para liderar o grupo
contra Castle havia sido salvo pelo esquadrão deste, durante o conflito do Vietnã. Castle é
libertado e mata os generais. O detalhe interessante nessa narrativa é que ela e entrecortada
com trechos de um suposto livro que conta a origem do Justiceiro a partir do ponto de vista do
irmão de um soldado que foi comandado por Castle na narrativa Born. Outro detalhe é que
Valley Forge é o nome do acampamento onde George Washington montou seu acampamento
durante a guerra de independência americana.
Ennis é sem dúvida competente. No entanto podemos deduzir cinco linhas básicas de
trabalho em seus roteiros: humor negro, fatos históricos, conhecimentos tecnológicos,
violência extremada e figuras femininas. O uso desses elementos é pesado de acordo com a
necessidade do autor.
E aqui é que está a questão: o Justiceiro deste roteirista é construído como uma forma
de “operário da guerra”, onde o uso da tecnologia fundamenta sua autoridade enquanto
profissional, o humor negro garante o esvaziamento de seus adversários, os fatos históricos
são usados como forma a garantir legitimidade a suas narrativas, a violência extremada
mantém a tensão e o suspense necessário para que o leitor mantenha-se atento e finalmente as
figuras femininas estão lá pelo mesmo motivo que estariam em qualquer show televisivo: são
meros enfeites, que mesmo quando tentam ser independentes e letais não passam de pessoas
que tem necessidades sexuais negligenciadas. Os negros são incompetentes ou não estão
dispostos a seguir o “mal necessário” que demanda para chegarem ao nível de Castle.
Os antagonistas e personagens secundários são versões ineficazes do Justiceiro: só
ele tem a adequada mescla de vontade, treinamento, ideal ingênuo, resistência altíssima a dor,
e, é claro, crueldade. O idealismo do Justiceiro (talvez a força extranatural de Born ou outra
força apresentada como metafísica, o nacionalismo americano?) não questiona as
consequências práticas de suas ações: o crime e as repercussões do mesmo como efeitos de,
por exemplo, medidas econômicas neoliberais, não são questionadas. Os serviços secretos, os
liberais, a alta cúpula do exército eles é que são corruptos e que não permitem aos soldados
cumprirem seu dever. O Justiceiro está em paz consigo mesmo e com sua Guerra, seu duelo
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como diria Von Clausewitz (GALLIE, 1979:57), outros assuntos não o interessam desde que
não produzam inimigos em sua guerra. O General Patton ficaria orgulhoso. Sarres também.
Creio que Rommel não.
O Justiceiro de Ennis é o perfeito soldado universal (leia-se ocidental) em uma
cruzada contra os bárbaros modernos: todos aqueles que ameaçam o sonho americano. É uma
representação em quadrinhos do príncipe maquiavélico: que faz o mal em nome do bem. O
mal necessário.
Não podemos esquecer-nos dos desenhistas que garantem a adequada transposição
dos argumentos em imagens fascinantes. São eles Darick Robertson, Leandro Fernandez,
Goran Parlov, Lan Medina, Howard Chaykin, Lewis Larosa e Dougie Braithwaite.
E finalmente: mas é só esse otimismo sombrio o sentido das narrativas de Ennis?
Pensemos o começo e fechamento de suas histórias no selo Max: juntas fecham um círculo de
revelação do Justiceiro (embora aqui não esteja levando em conta alguns especiais feitos no
decorrer desses anos, que também ajudariam a dar luz a essas afirmações). E esse círculo é o
Vietnã. Então a pergunta é...
Se ninguém pode deter o Justiceiro porque ele perdeu, junto com tantos soldados
ocidentais, o conflito com os pequenos Vietcongues? Citando Ennis em Born
Não podemos perder no Vietnã. Por mais que a gente tente. Apesar de nossos generais serem idiotas;
nossa estratégia, cretina, indicando apenas a derrota garantida... De nosso moral estar jogado na vala mais
profunda, malhado com heroína e por muitos fracassos... De enfrentarmos os mais corajosos e esforçados
combatentes do mundo, estranhos homenzinhos com coração de tigre... Apesar de fazermos o mundo inteiro nos
odiar... de fazermos coisas que vão macular nossas almas pra sempre... da américa devorar a si mesmo em torno
disto, com cidades intranquilas e líderes que inspiram asco e desconfiança... Nós não podemos perder. Porque
quando tivermos partido... Quando os bravos combatentizinhos nos expulsarem e nós finalmente perdermos o
ânimo pra travar esta maldita e enrolada guerra... Ninguém... Ninguém... no sudeste da Ásia ou em qualquer
parte da terra, vai olhar pro que restou do Vietnã... E pensar que é boa ideia folgar com os Estados unidos.
(ENNIS, 2003:3-6).
Essas são falas da narrativa Born, que estão distribuídas em quadros narrativos do
personagem Stephen Albert Godwin cujo personagem Michael Godwin de Valley Forge
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Valley Forge4. Creio que Osama Bin Laden teria algo a falar sobre isso. Se não estivesse no
fundo do mar.
O grande inimigo do Justiceiro é o grande trauma do poderio americano ter sido
frustrado pelo pequeno Vietcongue: parece que “profissional da violência” foi derrotado pelo
“amador da resistência”. Ennis parece ter entendido que essa é a função do Justiceiro:
exorcizar o fantasma da derrota norte-americana no Vietnã.
Será que o Justiceiro conseguirá se punir mais ainda por esse pecado?
Bibliografia
(?). Enciclopédia Marvel. Barueri, Panini, 2005
BULFINCH, Thomas. O Livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) história de deuses e
heróis. Trad.: David Jardim Júnior. Rio de Janeiro, Ediouro, 1999, 8ª Ed.
DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada. Trad.:
Maria Lucia Machado; trad. De notas Heloísa Jahn. São Paulo, Companhia das Letras,
2009.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Perspectiva. Trad.: Pérola de Carvalho, São
Paulo, 2004.
EISNER, Will. Narrativas Gráficas. Trad.: Leandro Luigi Del Manto. São Paulo: Devir,
2005.
EISNER, Will.Quadrinhos e Arte Seqüencial. Trad.: Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins
Fontes, 1999.
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41-46, jun. a set. de 2005.
ENNIS, Garth ; ROBERTSON, Darick. Born. Marvel Max, Barueri, n 10-13, jun. a set. de
2003.
4 Devido ao espaço limitado escolhi apenas as falas e não scanners das páginas completas. Houve sim, uma
perda de significado, mas não do sentido essencial proposto na narrativa.
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