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PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM MEDIADOS PELA ARTE
NAS PESQUISAS EM MESTRADOS PROFISSIONAIS NO INSTITUTO
FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
O painel em tela pretende apresentar três pesquisas realizadas em mestrados
profissionais na área do ensino do Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória.
Essas pesquisas partem da premissa de que é necessário organizar processos coletivos
de ensino/aprendizagem nos quais professores e alunos interagem e produzem
coletivamente conhecimentos. Por esse motivo, as investigações aproximam-se das
metodologias participantes de pesquisa, tais como a Pesquisa-Ação. Pressupõem
também a integração de diferentes áreas do conhecimento com a Arte, a saber: o ensino
da Língua Portuguesa e de Ciências por meio da Arte Sequencial (histórias em
quadrinhos, tirinhas, charges e cartoons) e o ensino do Desenho Técnico mediado pela
História da Arquitetura e pelas Artes Visuais. A primeira pesquisa busca contribuir com
a formação do leitor crítico por meio da utilização sistematizada de Histórias em
Quadrinhos do Universo Macanudo, criadas pelo artista argentino Liniers; a segunda
pesquisa discute como a Arte Sequencial pode contribuir com a Educação Científica, no
ensino de Ciências, a partir dos conceitos do movimento que integra a Ciência, a
Tecnologia, a Sociedade e o Ambiente (CTSA); a terceira pesquisa propõe a elaboração
conjunta, entre professor e alunos, de uma proposta de Ensino de Desenho Técnico
mediada pela História da Arquitetura e pelas Artes Visuais. Com relação ao aporte
teórico as pesquisas têm em comum o diálogo com a Pedagogia Histórico Crítica e com
a Psicologia Histórico Cultural. Essas abordagens têm como pressupostos a valorização
da educação escolar e da mediação intencional do professor como modos de contribuir
com a formação integral dos educandos. As análises dos resultados das pesquisas
apontam que a Arte, nas suas diferentes linguagens, pode contribuir com o processo de
ensino/aprendizagem dos educandos de modo diferenciado pois estimula a criação e a
reflexão de forma inovadora, distanciando-se do ensino tradicional.
Palavras-Chave: Linguagens Artísticas, Mediação, Pesquisa-Ação
DIÁLOGOS ENTRE CIÊNCIA E ARTE: A ARTE SEQUENCIAL COMO
COMO MEDIADORA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11966ISSN 2177-336X
Tatiany Vittorazzi Vasconcellos
Priscila de Souza Chisté
IFES – Campus Vitória
Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Ensino de
Ciências e Matemática, do Instituto Federal do Espírito Santo, a qual propõe os diálogos
possíveis entre Arte e Ciência, por meio do uso da Arte Sequencial para a promoção da
Educação Científica. Objetiva entender como a Arte Sequencial (representada pelas
histórias em quadrinhos, tiras quadrinizadas, charges e cartuns) é capaz de mediar a
Educação Científica na formação docente, além de contribuir para construção
colaborativa de uma proposta pedagógica para o Ensino de Ciências, proporcionando a
apropriação do conhecimento científico pelos professores e pelos alunos. Desse modo,
apresenta os resultados de uma formação docente sob a perspectiva histórico-cultural e
as interações com o Ensino de Ciências com enfoque CTSA, composta por professores
do Ensino Fundamental do município de Cariacica/ES. A metodologia utilizada foi a
pesquisa colaborativa, com participação dos docentes de forma cooperativa e
participativa nas discussões e atividades apresentadas. A estrutura da formação bem
como as atividades propostas foram pensadas a partir dos momentos pedagógicos
sistematizados por Dermeval Saviani. Portanto, a pesquisa orienta-se pela Psicologia
Pedagogia Histórico-Crítica e pela Histórico-Cultural, que consideram o
desenvolvimento intelectual relacionado às interações sociais vivenciadas pelos sujeitos
em seu ambiente. Além disso, dialoga com as propostas de Waldomiro Vergueiro e
Francisco Caruso para as conexões entre arte sequencial e educação. Conclui que as
histórias em quadrinhos são uma ferramenta capaz de mediar a Educação Científica,
além de contribuir para um Ensino de Ciências mais crítico, participativo e conectado
com as questões histórico-culturais e artísticas.
Palavras-chave: arte sequencial; educação científica; formação docente.
Introdução
O artigo em tela apresenta uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemática, do Instituto Federal do Espírito
Santo (Educimat), que propõe o uso da Arte Sequencial (histórias em quadrinhos, tiras
quadrinizadas, charges e cartuns) como mediadora na formação docente, contribuindo
com a Educação Científica por meio do Ensino de Ciências com enfoque CTSA
(Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente).
Tal pesquisa surge dos questionamentos relativos ao trabalho educativo e sua
concepção mais humanizada e conectada com social. Neste contexto, concordamos com
Saviani (2011, p. 6) quando aponta que o trabalho educativo se fundamenta no “[...] ato
de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.
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Sendo assim, a experiência docente junto a turmas do ensino fundamental,
levou-nos a questionar a necessidade de um ensino de Ciências mais conectado com o
social, em especial com a arte, sem perder o dinamismo e a ludicidade. Neste contexto,
via-se a necessidade de contribuir com a educação científica de professores e alunos do
Ensino Fundamental. Pois, de acordo com Mazzeu (1998), para uma prática educativa
mais próxima da perspectiva histórico-crítica, é necessário que a formação docente seja
conectada aos processos de aprendizagem do aluno.
Por isso, observou-se a possibilidade de constituir um grupo de estudo, com o
objetivo de promover uma formação docente conectada com a perspectiva histórico-
cultural e mediada pela arte, contribuindo para um ensino mais próximo da realidade
dos alunos. Além disso, objetivou-se junto a estes professores a produção colaborativa
de uma proposta pedagógica para o ensino de Ciências, promovendo a Educação
Científica com enfoque CTSA na formação docente dos professores participantes.
Para alcançar tal objetivo, apresentaremos a seguir os estudos sobre o uso de
histórias em quadrinhos e suas relações com as diferentes áreas da Educação. Em
seguida, dialogaremos com o papel do ensino de Ciências na Educação Científica com
enfoque CTSA, além de debater as pesquisas recentes relativas a pedagogia histórico-
crítica e as contribuições para os processos de ensino e aprendizagem.
1 As histórias em quadrinhos e suas relações com a Educação
O homem se tornou um ser histórico com o surgimento da linguagem. A
necessidade de se comunicar o fez criar nas antigas cavernas sequências de imagens,
conhecidas como arte rupestre, que comunicavam o cotidiano dos primeiros homens.
Assim, a evolução da arte sequencial acompanhou a evolução da linguagem humana,
adquirindo maior notoriedade entre os anos 1940 e 1950, quando serviu de ferramenta
ideológica para o desenvolvimento capitalista nos países ocidentais, no período pós-
guerra (DANSA, 2013).
Gibis, comics strips, bandes desineés, historietas são alguns dos sinônimos para
as histórias em quadrinhos. Will Eisner, em 1940, redefiniu esta modalidade para o
termo Arte Sequencial que se definia como a “modalidade artística que usa o
encadeamento de imagens em sequência para contar uma história ou transmitir uma
informação graficamente” (DANSA, 2013, p. 1), englobando assim não apenas os
quadrinhos, mas também as tiras sequenciadas, os cartuns, charges e mangás. Desta
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maneira, as histórias em quadrinhos são uma expressão da arte que, além de divertir,
contribuem para o ensino e para os processos de aprendizagem.
O uso como ferramenta de aprendizagem é recente no cenário educacional
brasileiro, principalmente relacionadas ao ensino de Ciências. De acordo com Vergueiro
e Ramos (2013), o crescente uso dos quadrinhos é pertinente a indicações de novas
linguagens presentes nas Diretrizes Curriculares, além das iniciativas de incentivo a
leitura, promovidas no Programa Nacional da Biblioteca na Escola (PNBE), ampliando
a presença da arte sequencial nos ambientes educacionais.
Os quadrinhos nos espaços educativos podem dialogar com diferentes propostas,
como a alfabetização, a educação científica e a formação docente. Dentre as
interlocuções de Arte e Ciência, podemos citar os trabalhos de Carvalho (2009),
Carvalho e Martins (2009) e Nascimento Junior (2013), os quais utilizam a linguagem
imagética dos quadrinhos como uma estratégia lúdica para promover a educação
científica relativa a conceitos da Astronomia e da Física nos ensinos fundamental e
médio.
Existem pesquisadores, como Caruso, Carvalho e Silveira (2005), Silva e Santos
(2013) e Pena (2003), que dedicam-se a construir quadrinhos para divulgação científica,
cooperando com um ensino de Ciências mais participativo. Por isso, defende-se que a
arte sequencial têm potencialidades didáticas que melhoram o envolvimento do leitor,
auxiliam na descoberta e compreensão de conceitos científicos, permitindo uma
aprendizagem conectada com a Ciência (CARUSO, CARVALHO E SILVEIRA, 2005).
Sendo assim, faz-se necessário compreender que os quadrinhos, além de ilustrar
situações científicas, podem permear toda uma proposta didática. Entretanto,
concordamos que o uso desse instrumento não resolve as deficiências do Ensino de
Ciências. Para além disso, faz-se necessário repensar a formação docente, buscando
embasamento na educação científica e na interdisciplinaridade.
Considerando as atuais formações docentes, pesquisadores propõem o uso de
HQs para a obtenção de práticas dinâmicas e interdisciplinares. Com isso, Pessoa e
Utsumi (2009) e Silva e Costa (2012) concordam que os quadrinhos despertam o
interesse nos professores, entretanto, para obter um uso pedagógico eficaz dessa
ferramenta, não é necessário apenas distribuí-las nas salas de aula, mas sim “possibilitar
aos professores seja na formação inicial ou em cursos de formação continuada uma
aprendizagem através da leitura, contextualização e produção de quadrinhos” (SILVA e
COSTA, 2012, p. 11).
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Para tanto, é preciso pensar uma formação docente – inicial ou continuada –
mais conectada com a história do profissional, sem dissociá-la de sua vida pessoal,
evitando excluir a carga cultural que agregaria valores e novos conhecimentos ao
professor em formação e, consequentemente, implicaria uma educação mais
interdisciplinar e científica.
Diante do exposto em relação as conexões arte e educação, buscaremos ampliar
um pouco mais a discussão, ao apresentarmos o aporte teórico relacionado à abordagem
histórico-cultural e à pedagogia histórico-crítica que permeia nossa pesquisa.
2 A Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórico-Cultural: contribuições
para os processos de ensino e aprendizagem
O homem é um ser histórico, constituído a partir de suas apropriações e
objetivações do meio em que vive. Engels (1984) relata que a evolução humana foi
mediada pelo trabalho, permitindo a humanidade atingir um patamar científico e
cultural. Dentro dessa perspectiva, o homem, ao nascer, não recebe em sua carga
genética a herança cultural acumulada das geranções anteriores, necessitando aprender
pela interação com seu meio histórico-cultural. Neste ponto, a escola é – ou pelo menos
deveria ser – a instituição social capaz de promover as conexões histórico-culturais
necessárias para que o homem atingisse este patamar educacional, cultural e social.
Entretanto, como instituição social e direcionada pelo Estado, a escola
acompanha as correntes políticas e econômicas, moldando currículos e propostas
pedagógicas que direcionam a educação de toda uma população. Considerando o caráter
unilateral e descompromissado com a diversidade histórico-cultural recorrente na
educação, um levante educacional propôs uma educação democrática e dialética, que
respeitasse o cotidiano e a construção histórica do aluno. Essa é a Pedagogia Histórico-
Crítica (PHC), intituída por Dermeval Saviani (2011), em resposta ao movimento
educacional dominante, em uma tentativa de reinventar a escola e seu papel social.
Fundamentada no materialismo histórico-dialético, a PHC dialoga com a
Psicologia Histórico-Cultural de Lev Vigostki, trabalhando a dialética histórica a partir
das conexões sociais e culturais que permeiam os processos educativos. Orienta-se
através da práxis, entendida como ação transformadora, com base na tríade prática-
teoria-prática. Segundo Saviani (2011, p. 120), a práxis é “um conceito sintético que
articula a teoria e a prática”. Assim, a atividade prática sozinha não constitui a práxis,
tampouco, a atividade teórica também não a constituirá. Com isso, partindo da prática e
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interagindo com a teoria, as modificações causadas no processo educativo levarão a
uma nova prática modificada e transformadora.
De acordo com Saviani (2011), a educação é a ação mediadora no seio da
prática; ela se desenvolve à medida que as conexões dialéticas ocorrem entre professor e
aluno. Neste ponto, Saviani dialoga com um dos principais conceitos estudados por
Vigotski – a mediação – que tem elevada importância nos processos de ensino e
aprendizagem. Para Saviani (2008), o processo pedagógico da Pedagogia Histórico
Crítica está relacionado à prática – que é o ponto de partida e o ponto de chegada – e,
entre esses dois, há três momentos pedagógicos – problematização, instrumentação e
catarse – que são desenvolvidos à medida que ocorre a mediação entre professor e aluno
(SAVIANI, 2011).
Para facilitar o entendimento da PHC, Saviani (2008) instrumentaliza a tríade
prática-teoria-prática criando os 5 momentos pedagógicos, a saber: prática social
inicial, que é a descoberta do conhecimento prévio do aluno pela mediação. A
problematização ocorre quando se questiona a realidade a partir da prática. Na
instrumentalização, há a sistematização e a apropriação dos conteúdos pelo aluno. A
catarse é a síntese de todo o aprendizado, a partir das interações mediadas; é o
momento de efetiva aprendizagem. Por fim, no retorno à prática social, aluno e
professor reconstruíram seus conteúdos, passando a compreender realidade e
posicionar-se, com novas ações efetivas na sociedade.
Tal método pedagógico é facilmente relacionado com a Zona de
Desenvolvimento Iminente – a ZDI –, defendida por Vigotski (2010, p. 480), que afirma
que “o estado de desenvolvimento mental da criança pode ser determinado [...] através
da elucidação de dois níveis: do nível de desenvolvimento atual e da zona de
desenvolvimento imediato”.
Para ele é a transposição de um nível para outro que possibilita o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança, funções essas
essenciais ao desenvolvimento psicológico e educacional do aluno (VIGOTSKI, 2010).
Quando ocorre a transposição de conceitos espontâneos – que são aqueles relacionados
com empirismo vivenciado pelo indivíduo – para científicos é sinal de que as funções
psicológicas estão em desenvolvimento.
Assim, [...] os conceitos científicos transformam e elevam ao nível superior os
espontâneos, concretizando a zona de desenvolvimento imediato destes: porque o que a
criança hoje é capaz de fazer em colaboração, amanhã estará em condições de fazer
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sozinha (VIGOTSKI, 2010b, p. 351). Por isso a mediação é tão importante no processo
de ensino e aprendizagem, já que leva o educando a alcançar níveis mais elevados de
conhecimentos, aprendizagem e apropriação pela ação mediada (VIGOTSKI, 2010b).
Consideramos que pensar sob essa perspectiva é propor que a prática educativa
sistematizada e dimensionada na autonomia social do educando possa contribuir,
mesmo minimamente, para a transformação da realidade social. Portanto, em nossa
pesquisa nos embasaremos nesses referenciais teóricos do campo da educação para
planejar, executar, analisar e avaliar nossa intervenção na prática pedagógica. Para
tanto, contaremos com a mediação das histórias em quadrinhos, que, em tese,
contribuirão com a educação científica sob a perspectiva CTSA.
Diante dessas idéias, buscaremos na próxima seção ampliar um pouco mais a
discussão sobre o papel do ensino de Ciências na promoção de uma Educação Científica
com enfoque CTSA mais aproximada da perspectiva histórico-cultural.
3 O papel do ensino de Ciências na Educação Científica com enfoque CTSA
Com a perspectiva histórico-cultural, podemos compreender que a ciência é
produção histórica e humana que evoluiu paralelamente à evolução da humanidade.
É fato que o avanço científico na sociedade deveria ser acompanhado pelo
avanço no ensino das Ciências, entretanto, o ensino e a escolarização, durante um longo
período histórico, não foram destinados a todos na sociedade. Além desse fato, o ensino
de Ciências foi usado para responder às questões políticas e econômicas dos países,
incluindo o Brasil, visto que no período de 1950 a 1980 toda a produção e ensino
científico esteve destinado a contribuição de mão-de-obra especializada para responder
à necessidade de desenvolvimento econômico do país (DELIZOICOV; ANGOTTI,
1994).
Na contemporaneidade, o ato de ensinar é um desafio ao professor, visto que, o
educador não se restringe apenas a ensinar Ciências. Há a necessidade de estar
conectado as informações cada vez mais velozes e conhecer diferentes tecnologias que
se estabelecem e influenciam a sala de aula a cada dia. Neste caso, Delizoicov, Angotti
e Pernambuco (2007) afirmam ser necessário a atualização do professor das Ciências,
tanto em relação às teorias científicas quanto à tecnologia, uma vez que estas são a
objetivação do conhecimento cientifico acumulado desde os tempos mais remotos.
Consequentemente, considera-se a escola como primordial ambiente de
aprendizagem, apoiando-se em Saviani (2011) ao reconhecer que a educação é um
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processo natural e particular da espécie humana, e, por consequência, o ato de educar
está interligado às questões sócio-científicas, colaborando para o desenvolvimento
científico da sociedade. Todavia, devido à tradição científica recente no país,
percebemos que a atuação desses profissionais está mais ligada ao senso comum da
Ciência, distanciando-se das teorias e dos modelos que reforçariam as transformações
humanas (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1994).
Em relação ao Ensino de Ciências, existem duas discussões atuais que se
interconectam e o complementam: os debates do movimento CTSA e a Educação
Científica. A abordagem CTSA busca a preparação do aluno para a cidadania, a partir
do seu contexto histórico, conectando-o às questões sociais, tecnológicas e ambientais.
Tem como objetivo criar cidadãos capazes ler, compreender, expressar opiniões e
dialogar com seus pares a respeito de diferentes conceitos científicos e relacioná-los
com o cotidiano. Por isso, o movimento CTSA vislumbra que todos sejam capazes e
estejam preparados para a tomada de decisões quando necessário for, a respeito de
questões ambientais, cidadãs e da sociedade como um todo (SANTOS; MORTIMER,
2002).
O movimento CTSA possui um caráter crítico, relacionando-se com a
interdisciplinaridade e o questionamento das certezas absolutas da Ciência. Por isso,
tem aproximações com a Alfabetização Científica defendida por Chassot (2003, p. 63),
que seria “[...] o conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres
fazer uma leitura de mundo onde vivem [...] mas entendessem as necessidades de
transformá-lo, e transformá-lo para melhor”.
Entendendo a necessidade de o conhecimento científico não ficar restrito ao
cientificismo e percebendo que a ciência é prática social que deve ser usada para a
resolução ou encaminhamentos dos problemas da humanidade, acredita-se que mais do
que formar cidadãos capazes de ler o mundo científico, é preciso constituir um modelo
de educação que estimule a curiosidade e o espírito investigador do indivíduo (VALE,
2009). Para além disso, o aluno deve não apenas ler e observar o mundo, mas
naturalmente investigá-lo, questioná-lo, descobri-lo e principalmente, construir
conexões significativas entre fenômenos naturais e a produção científica humana,
percebendo que a ciência, para além de responder as dúvidas da humanidade, seja
contribuinte de uma sociedade mais justa e igualitária (VALE, 2009).
Enfim, a Educação Científica perpassa o ensino de Ciências, conecta-se ao
movimento CTSA e contribui para uma efetiva aprendizagem científica e crítica. Diante
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dessas ideias, apresentaremos na próxima seção a metodologia de trabalho de nossa
pesquisa, que propõe o uso dos quadrinhos como mediador do ensino de Ciências e da
Educação Científica em uma formação docente com perspectiva histórico-cultural.
4 Metodologia
Buscando uma interlocução entre pesquisa e prática docente, buscamos uma
metodologia de pesquisa que visasse à colaboração e que estivesse conectada a valores e
questões pedagógicas. Para tanto, aproximamo-nos da Pesquisa-Ação, defendida por
Thiollent (2011), que se refere à construção coletiva, buscando mudanças significativas
nas ações de seus participantes. Com o objetivo de responder aos objetivos elencados, a
pesquisa desenvolvida constituiu-se como participante, procurando envolver a práxis
educativa aliada à participação colaborativa dos participantes.
A escolha dessa orientação pedagógica deve-se às aproximações da perspectiva
histórico-cultural que adotamos em nossa intervenção. Diante do exposto, concordamos
com Thiollent (2011), quando aponta que as pesquisas participantes são mais
democráticas, permitindo mudanças planejadas e revistas sempre que necessário.
Com o objetivo de validar nossa proposta, planejamos uma formação docente
com professores do Ensino Fundamental do município de Cariacica/ES, que buscou a
promoção da Educação Científica, bem como a discussão das questões relativas ao
Ensino de Ciências com enfoque CTSA, mediadas pela Arte Sequencial. A orientação
metodológica de toda a formação e os materiais utilizados basearam-se nos momentos
pedagógicos de Demerval Saviani (2008).
O primeiro encontro e os materiais mediadores – tais como textos, histórias em
quadrinhos e slides – foram preparados previamente, ou seja, antes de conhecermos os
integrantes do curso. Contudo, na medida em que as mediações, os encontros e os
convívios foram ocorrendo na formação continuada, as atividades começaram a ser
pensadas coletivamente, de modo a acompanhar as discussões e a estimular o debate
sobre o ensino de Ciências e a Educação Científica por meio da Arte Sequencial. Diante
das atividades propostas em cada etapa do curso, como por exemplo a reconstrução de
diálogos em quadrinhos com base nos estudos sobre educação científica (Figura 1), os
professores foram analisando tais proposições e passaram a contribuir com a validação e
com o aprimoramento das sugestões.
Figura 1 - Parte interna da atividade “Um novo olhar sobre histórias em quadrinhos a partir da perspectiva
CTSA”.
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Fonte: Material adaptado e preparado pela autora.
Fonte das HQs: Carol, de Laerte Coutinho (Carol. São Paulo, Ed. Noohva América. 2010. 32p);
Tecnologia engraçada, de Clara Gomes (http://bichinhosdejardim.com/?s=tecnologia)
5 O relato de experiência
Quando foi proposta à Secretaria de Educação do município de Cariacica a
formação continuada de professores, tínhamos como objetivo constituir um grupo de
estudo para investigar, dialogar e construir colaborativamente todo o material do curso.
Entretanto, no primeiro encontro com os participantes, ao expor a proposta de pesquisa-
ação, houve rejeição do formato por parte dos docentes. Além disso, o dinamismo
presente no curso e a presença de atividades teóricas e práticas acabou afastando parte
do grupo.
Diante dessa negativa, propusemos ao grupo uma formação colaborativa onde
eles assumiriam o papel de analisar o material sugerido, além de testar as atividades e
propor modificações, se necessário fosse. Com isso, planejamos e executamos cinco
encontros, com métodos e atividades relacionadas a cada temática, específica para cada
momento (Tabela 1).
Tabela 1: Sequência de encontros e atividades desenvolvidas na formação docente.
Encontro Temáticas abordadas Material produzido e analisado
1º Encontro A linguagem dos quadrinhos e os
diferentes tipos de Arte Sequencial.
Produção de atividade a partir de diferentes charges,
tiras quadrinizadas ou histórias em quadrinhos.
2º Encontro
Temas Controversos.
O uso de quadrinhos na sala de aula.
Análise do livreto sobre temas controversos.
Produção de atividades do livreto.
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3º Encontro
Pedagogia Histórico-Crítica e os
Momentos pedagógicos.
Educação científica por meio da Arte
Sequencial.
Mapa mental: O que é Educação Científica.
Análise da instrumentalização dos momentos
pedagógicos de Saviani.
Quebra-cabeça de quadrinhos e produção de
sequência pedagógica fundamentada nos momentos
pedagógicos.
4º Encontro
Educação científica com enfoque
CTSA (Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente) a partir de
histórias em quadrinhos.
Análise do folder de divulgação científica.
Reconstrução de diálogos em quadrinhos.
Análise de uma charge com debate ambiental e
produção de uma sequência pedagógica
fundamentada nos momentos pedagógicos.
5º Encontro
Diálogos entre Arte e Ciência:
construção dos relatos de experiência
usando histórias em quadrinhos para
a promoção da Educação Científica.
Construção de uma proposta de intervenção usando
Arte Sequencial.
Construção do relato de experiência junto ao curso
de formação.
Fonte: Tabela elabora pela autora.
A negativa à formação do grupo de estudo foi ao encontro do que Thiollent
(2011) caracteriza como base para a pesquisa-ação: é preciso que o outro esteja
interessado em participar e colaborar. Não é possível fazer pesquisa-ação sem que os
participantes tenham a intencionalidade de querer participar e construir juntos. Por isso,
partimos para uma formação mais dinâmica e humanizada, que se aproximasse da
realidade escolar vivenciada pelos participantes (MAZZEU, 1998). Além disso,
buscamos ferramentas do universo da arte (Arte Sequencial, vídeos, músicas, poemas,
entre outros) para dialogar com a educação científica, contribuindo para a composição
de novos olhares voltados para a interdisciplinaridade.
Em muitos momentos da formação, os professores relataram que se sentiam
como alunos – em virtude das atividades práticas realizadas durante o curso – e, neste
momento, refletiram sobre a sua prática, visto que olharam para ela a partir de outro
ponto de vista. Por isso, concordamos com Mazzeu (1998), que justifica a necessidade
da formação docente ser conectada com os processos de aprendizagem do aluno, visto
que assim a mediação ocorre mais naturalmente.
Essa experiência colaborou para o entendimento da tríade (prática – teoria –
prática) defendida por Saviani (2008). Pois, elaborar os encontros e as atividades,
pensando em cada professor e em suas particularidades, levando até eles a teoria – que
foi analisada, discutida e reaplicada nas atividades –, nos permitiu aprender com eles
que, partindo da prática, a teoria é melhor apreendida; o que contribui com uma prática
reformulada e mais crítica.
À medida que os encontros iam acontecendo, as participações e as colaborações
foram se tornando mais presentes, os professores já assumiam posições no encontro e
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colaboravam de diferentes maneiras. Nos últimos encontros, a maneira de se expressar
em relação as questões científicas e sociais do cotidiano vinha acrescida de teorias e
estudos individuais que os mesmos traziam para o encontro. As catarses aconteciam em
diferentes momentos, demonstrando que a formação humanizada e sob a perspectiva
histórico-cultural é uma excelente opção para a formação docente, inicial ou continuada.
6 Considerações finais
Por meio das atividades sistematizadas, usando a Arte Sequencial, com enfoque
no Ensino de Ciências, foi possível a promoção da Educação Científica na formação
docente dos professores participantes do projeto. Além disso, ao trazer para a formação
teorias relacionadas às questões científicas e tecnológicas, buscamos contribuir com a
formação pessoal dos professores em relação ao universo científico e tecnológico tão
presente em nossas escolas.
Com isso, visamos colaborar com a formação de um docente que passa a refletir
não apenas sobre a sua prática educativa, mas também sobre o seu papel de cidadão. De
acordo com contatos posteriores ao curso, essa aprendizagem reverberou não apenas na
área profissional, mas também nos ambientes sociais.
Por isso consideramos que a formação docente em questão, além de trazer
informações acerca do Ensino de Ciências e temáticas afins, conseguiu ir além. Ela
contribuiu com a formação pessoal do educador. Isso porque observamos por meio das
falas dos professores durante o curso e de suas respostas às atividades propostas que o
conhecimento de novas teorias por meio de questionamentos, reflexões e
posicionamentos diante da questões histórico-culturais, tão presentes na sociedade em
que vivem, fomentaram uma nova forma de compreender a realidade.
Desse modo, acreditamos que nossa pesquisa colaborou com a promoção da
Educação Científica mediada pela Arte, a partir da formação de cidadãos críticos,
sensíveis e participantes da construção de uma sociedade menos desigual.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11978ISSN 2177-336X
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DO UNIVERSO MACANUDO: UM
CAMINHO PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS
Ana Carolina Langoni
IFES – Campus Vitória
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11979ISSN 2177-336X
Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Letras, do
Instituto Federal do Espírito Santo que propõe o ensino de Língua Portuguesa, mais
especificamente a formação de leitores críticos, mediado pela Arte Sequencial. Objetiva
compreender como a utilização sistematizada dos quadrinhos do Universo Macanudo
pode contribuir com a formação do leitor crítico, tendo sua importância no fato de o
ensino de leitura e a formação de leitores críticos serem preocupações constantes dos
educadores. A proposta envolveu a parceria entre duas professoras de Língua
Portuguesa e seis alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II de uma escola municipal
de Cachoeiro de Itapemirim/ES, os quais juntos constituíram um grupo de estudo que se
reuniu para participar de momentos de leitura em horário alternativo. A metodologia
utilizada foi a pesquisa participante ou colaborativa, com participação coletiva de forma
ativa, cooperativa e participativa na resolução de problemas identificados, visando à
ampliação do nível de consciência crítica desse grupo. As atividades desenvolvidas
foram pensadas a partir da importância da mediação do professor e dos momentos
pedagógicos de Saviani. O aporte teórico no campo de formação do leitor dialoga com
Ezequiel da Silva, Geraldi, Orlandi e Bakhtin. Quanto às Histórias em Quadrinhos, a
pesquisa dialoga com Vergueiro, com relação ao uso de quadrinhos em sala de aula, e
com Adorno e Horkheimer, no que se refere à indústria cultural. Parte do pressuposto de
que as Histórias em Quadrinhos tendem a contribuir com a formação leitora dos alunos,
por serem textos atrativos e presentes no cotidiano destes e por explorarem jogos de
linguagem capazes de aprofundar a leitura e aguçar o espírito crítico, bem como a
percepção das estratégias linguísticas para a produção de sentidos. Conclui que os
quadrinhos podem formar leitores críticos, desde que exista adequação temática e
formal em seu uso.
Palavras-chave: formação de leitores. histórias em quadrinhos. ensino de língua
portuguesa.
Introdução
O artigo em tela apresenta uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Letras do Instituto Federal do Espírito Santo (Profletras), a qual propõe a
utilização sistematizada das Histórias em Quadrinhos (HQs) do Universo Macanudo
como modo de contribuir com a formação crítica do leitor na disciplina de Língua
Portuguesa.
Os dados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil 3 (FAILLA, 2012) revelam
que a leitura no país não tem sido satisfatória e diminui com o passar do tempo,
alertando para a importância de incentivar a leitura e formar leitores, pesquisando novas
estratégias e novos caminhos para atingir esse objetivo.
Nesse contexto, os professores de Língua Portuguesa encontram um grande
obstáculo no distanciamento entre a língua usada pelos educandos e a língua ensinada
na escola, o que, consequentemente, gera um desinteresse dos alunos.
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11980ISSN 2177-336X
As HQs apresentam-se como alternativa viável nesse sentido, uma vez que
apresentam linguagem simples e acessível e são atrativas para os alunos, o que contribui
para despertar o interesse dos leitores e melhorar a fluência da leitura. De acordo com
Vergueiro (2014), o uso das histórias em quadrinhos faz com que os alunos estejam
propensos a participar mais ativamente das atividades propostas, por se tratar de uma
leitura com a qual eles já possuem familiaridade. Nesse sentido, a pesquisa em tela
insere-se na interface Arte e ensino de Língua Portuguesa, por utilizar a Arte Sequencial
(charges, cartuns, tirinhas etc.) para formar leitores críticos.
Ao pensar nas HQs mais adequadas para trabalhar a formação do leitor crítico,
deparamo-nos com os quadrinhos do argentino Liniers, autor das tiras Macanudo. Suas
tiras constituem o “Universo Macanudo”, assim chamado porque ele utiliza personagens
variados e foi criando galáxias de personagens dentro desse universo. Cada galáxia é
utilizada para expressar um estado de espírito. Esse Universo será apresentado de forma
mais detalhada na seção a seguir.
1 O Universo Macanudo
Macanudo é uma palavra em espanhol que significa “extraordinário”,
“estupendo”, “magnífico”. As tiras Macanudo são publicadas no jornal La Nación, da
Argentina, desde 2001. A tira foi batizada com esse nome porque, na época em que
começou a ser publicada, a Argentina passava por uma grande crise econômica e
encantava ao autor a ideia de ver uma palavra de alento impressa todos os dias no maior
jornal do país.
Em seus quadrinhos, Liniers utiliza personagens diversos e aborda variados
temas, como cotidiano, relações humanas e amor. Também critica a política, a mídia e o
consumismo e aborda problemas sociais. Algumas de suas tiras são apenas para divertir,
mas notamos em algumas um lado crítico e reflexivo, principalmente no que se refere à
indústria cultural e ao poder que ela exerce sobre as pessoas; como a tirinha da Figura 1,
que diz que a televisão atrofia a imaginação e, para demonstrar isso, o amigo imaginário
do menino vai atrofiando e só volta ao normal quando ele desliga a televisão.
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11981ISSN 2177-336X
Figura 1 - Exemplo de tira Macanudo que critica a influência negativa da
televisão
Fonte: Liniers. Macanudo, n.6. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2013, p. 56.
Além da temática, nossa escolha pelas tiras Macanudo para desenvolver
atividades que contribuam com a formação de leitores críticos deve-se também ao fato
de serem criativas e não seguirem um padrão, como acontece com a maiorias das tiras.
Apresentaremos na próxima seção o aporte teórico relacionado às Histórias em
Quadrinhos, compreendendo sua relação com a indústria cultural e com o ensino.
2 As Histórias em Quadrinhos
A Arte Sequencial faz parte das linguagens contemporâneas da Arte, assim
como as charges, os cartuns, as tirinhas, as histórias em quadrinhos, entre outros
gêneros híbridos oriundos desses. Para trabalhar com quadrinhos, é preciso
compreender o papel que cada linguagem (visual e verbal) ocupa na HQ. A
compreensão da linguagem dos quadrinhos é indispensável para que o aluno interprete
os múltiplos discursos neles presentes e para que o professor obtenha melhores
resultados na sua utilização (VERGUEIRO, 2014). Esses elementos da linguagem dos
quadrinhos precisam ser conhecidos pelo aluno para que ele consiga interpretá-los.
Além disso, é preciso entender a origem e a ideologia que permeia as HQs.
Grande parte das críticas ao uso das HQs no ensino deve-se ao fato de serem
produtos da indústria cultural à serviço da alienação das pessoas. Esse termo foi criado
por Horkheimer e Adorno para substituir a expressão “cultura de massas” e se referir à
cultura produzida em larga escala para as massas, buscando uma padronização e
reforçando os valores da classe dominante. Compreendemos que os quadrinhos
surgiram como produto dessa indústria, para entreterem os leitores e serem consumidos
em massa, mas observamos que muitos quadrinhos, apesar de serem “produto” dessa
indústria, vão além desse objetivo e apresentam temas e formas que levam à reflexão
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11982ISSN 2177-336X
crítica sobre a realidade, subvertendo a sua origem. Sendo assim, eles podem ser usados
para esse fim no contexto educacional.
Vergueiro (2014) aponta que inicialmente as HQs eram pouco utilizadas no
ensino e apenas ilustravam conteúdos. Essa utilização teve bons resultados, e os
quadrinhos passaram a ser incluídos com maior frequência em materiais didáticos.
O autor aponta algumas razões para o uso dos quadrinhos no ensino: os
estudantes gostam de ler quadrinhos; palavras e imagens, juntas, ampliam a
compreensão; existe um nível alto de informação nos quadrinhos; os recursos variados
dos quadrinhos possibilitam maior familiaridade com o gênero; o enriquecimento do
vocabulário; o estímulo ao exercício do pensamento para compreender o que não está
expresso; o caráter globalizador da temática dos quadrinhos; e o fato de eles poderem
ser usados em qualquer série, com qualquer tema. Além dessas razões, o autor inclui
duas outras muito importantes: a acessibilidade dos quadrinhos e seu baixo custo.
De certo que as HQs não devem ser o único gênero utilizado no ensino; elas se
constituem em mais uma forma de linguagem disponível, que está presente em quase
todas as áreas no processo de ensino/aprendizagem de conteúdos e na discussão de
temas específicos. Por esses motivos, optamos por utilizá-las na formação do leitor
crítico, tema que discutiremos na seção a seguir.
3 A formação do leitor crítico
No contato com o interlocutor, o texto adquire outro significado, pois muda o
contexto e muda também a consciência; o discurso deixa de pertencer ao locutor e passa
a ser visto pela consciência do interlocutor, que é constituída de outros discursos e
outras vozes. A compreensão é sempre dialógica; os sentidos são constituídos na troca,
no diálogo entre duas consciências. “Em toda parte temos o texto virtual ou real e a
compreensão que ele requer. O estudo torna-se interrogação e troca, ou seja, diálogo”
(BAKHTIN, 1997, p. 341).
Dessa forma, para formar leitores ativos, que assumam essa postura dialógica
com o texto, o professor precisa compreender essa relação de dialogismo e levar em
consideração que a compreensão de determinado texto para o aluno não será
necessariamente igual à sua, pois está diretamente ligada ao contexto em que o aluno se
insere, às suas vivências, às suas leituras e ao seu conhecimento de mundo, que não é
igual ao de ninguém (VIGOTSKI, 2010).
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11983ISSN 2177-336X
De acordo com Schwartz (2006), nota-se que a leitura tem sido trabalhada como
decodificação ou simples captura do sentido único do texto, desconsiderando seus
aspectos extralinguísticos e a experiência de vida dos leitores. Além disso, segundo
Orlandi (2012), existe uma certa imposição para que o aluno atribua ao texto apenas
alguns sentidos e não outros. Para a autora, existem leituras previstas para um texto,
mas há sempre novas possibilidades de leitura, que vão variar de acordo como contexto
sócio-histórico. Assim, cabe ao professor mediar o processo de construção da história de
leituras do aluno, estabelecendo desafios para a compreensão, sem deixar de fornecer
condições para que o aluno seja capaz de assumir esses desafios. Segundo Vigotski
(2010), a mediação do professor exerce papel fundamental no desenvolvimento do
educando. Com a ajuda de um indivíduo mais experiente, o aluno pode realizar
reflexões e atividades que não conseguiria fazer sozinho naquele momento, mas depois,
devido ao processo de apropriação do conhecimento, ele adquire autonomia para
desempenhar tais reflexões e atividades sozinho.
Geraldi (1984) alerta que, em meio a discussões de como, quando e o que
ensinar, esquece-se de questionar o objetivo do ensino, ou seja, para que ensinar. Esse
objetivo está diretamente ligado à concepção que o professor tem de linguagem e à sua
postura com relação à educação. Nesse sentido, concebemos a linguagem como forma
de interação, trabalhando a formação do leitor crítico dentro da concepção de linguagem
bakhtiniana, entendida como processo de interação verbal e considerando o leitor um
sujeito ativo que se constitui de forma dialógica. Nesse contexto, a leitura é
compreendida como prática social, auxiliando a pensar a realidade e desenvolver o
senso crítico do leitor, ampliando sua participação social.
Levando em consideração o objetivo de nossa pesquisa, compreendemos que
existe a necessidade de repensar as práticas de leitura na educação básica, na busca pela
formação de leitores críticos, e acreditamos que os quadrinhos podem contribuir nesse
sentido. Na proxima seção, apresentaremos a metodogia utilizada para atingir nosso
objetivo, os sujeitos da investigação e os materiais didáticos elaborados em nossa
pesquisa.
4 Metodologia
Uma das exigências do Mestrado Profissional em Letras é que sejam priorizadas
metodologias nas quais haja participação tanto do pesquisador quanto dos demais
envolvidos, partindo do pressuposto que o pesquisador não é o único detentor do
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11984ISSN 2177-336X
conhecimento e que todos podem contribuir com seus saberes. Além disso, espera-se
que a pesquisa gere um produto educacional que será disponibilizado para uso em
diferentes escolas. Objetivando atender aos requisitos do programa, a metodologia
utilizada é a pesquisa participante ou colaborativa, com participação coletiva na
resolução de problemas identificados em determinada realidade, visando à ampliação do
nível de consciência crítica desse grupo.
Nota-se, nessa metodologia, a presença dos conceitos bakhtinianos de
dialogismo, alteridade e exotopia, uma vez que propõe o diálogo constante, durante todo
o processo, entre pesquisador e participantes, e a construção conjunta do conhecimento.
Para Bakhtin (1997), os indivíduos se constituem na alteridade, são construídos e
transformados sempre através do outro, a partir de relações dialógicas. Desse modo,
veem o mundo também sob a perspectiva do outro, o que enriquece suas visões de
mundo e as transforma, contribuindo com a ampliação de suas consciências críticas.
Assim, o ponto de vista de ambos é transformado, nessa interação dialógica, tornando-
os mais conscientes e responsáveis por suas escolhas e atos.
Com o objetivo de validar nossa proposta de modo colaborativo, constituímos
um grupo de pesquisa pequeno, com duas professoras de Língua Portuguesa e seis
alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II. Essa série foi escolhida porque nessa fase
da adolescência os alunos já conseguem desenvolver melhor a atividade crítica,
participando mais intensamente da realidade social, o que possibilita o trabalho de
formação de leitores críticos.
Elaboramos materiais educativos para serem utilizados nos encontros do grupo
de pesquisa, seguindo os passos pedagógicos de Dermeval Saviani (2009): a prática
social (levando em conta a realidade social dos alunos); a problematização
(identificando os problemas postos pela prática social); a apropriação (oferecendo
condições para que o aluno adquira o conhecimento – é denominada
“instrumentalização” por Saviani, mas optamos pelo termo “apropriação”, por tratar-se
do momento em que o aluno se apropria do conhecimento); a catarse (momento em que
o aluno apreende o fenômeno de maneira mais complexa); e o retorno à prática social
(com modificação da prática social após as vivências).
Detalharemos a seguir os dois materiais elaborados para a intervenção.
4. 1 Os materiais didáticos elaborados
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11985ISSN 2177-336X
A fim de atender aos requisitos do programa com relação à criação de um
produto educacional, elaboramos dois materiais didáticos que serão disponibilizados no
site do programa e poderão ser utilizados por diferentes escolas. Esses materiais foram
elaborados a partir do conceito de dialogismo, de Bakhtin, propondo a construção do
conhecimento através das atividades e da mediação das professoras, evitando ao
máximo conceitos prontos. O primeiro material, “A linguagem dos quadrinhos”, foi
elaborado para favorecer o conhecimento dessa linguagem, considerando a interação,
estimulando a elaboração de conceitos e a sistematização do aprendizado de modo
interativo, porque acreditamos que o conhecimento deve ser construído de forma
conjunta. Esse material propõe a análise dos elementos formais da linguagem dos
quadrinhos separados do conteúdo, mas apenas para fins didáticos, pois não podemos
dissociar forma de conteúdo, uma vez que os dois formam um todo no processo de
produção de sentido do texto. Na Figura 2, apresentamos uma das atividades propostas,
elaborada para compreensão do conceito sobre as metáforas visuais, partindo dos
exemplos dados.
Figura 2 - Exemplo de atividade do material sobre a linguagem dos quadrinhos
Fonte: Material elaborado pela autora.
O segundo material, “Macanudo: formando leitores críticos”, foi elaborado com
tirinhas que fazem críticas a elementos da indústria cultural, para que os alunos
emitissem suas impressões sobre elas e, depois, discutissem as questões propostas e
desenvolvessem as atividades do material. Apresentamos também textos de outros
gêneros (música, charge, propaganda, poesia, filme etc.), para que os alunos os
relacionassem às tirinhas lidas. Um exemplo é a Figura 3, que contém uma das tirinhas
utilizadas para discutir o consumismo desenfreado.
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11986ISSN 2177-336X
Figura 3 - Exemplo de tirinha utilizada no material
Fonte: Liniers. Macanudo, n.2. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2009, p. 52.
Após a discussão da forma e do conteúdo da tirinha, foram apresentados o
poema “Eu, etiqueta”, de Carlos Drummond de Andrade, e duas imagens que
reforçavam a ideia do consumo nos dominando, para que fossem estabelecidas relações
entre eles e a tirinha. Após a discussão, os alunos foram convidados a produzir um
cartaz com um corpo preenchido por propagandas, para reforçar a crítica da tirinha.
Após a elaboração desses dois materiais didáticos iniciamos as atividades junto
ao grupo colaborativo conforme descreveremos na próxima seção.
5 Relato da experiência
Incialmente, fizemos uma identificação do problema que pretendíamos analisar,
a formação do leitor crítico por meio das HQs, bem como um primeiro contato com os
interessados que constituíram o grupo de pesquisa, uma divisão das tarefas e um
estabelecimento dos principais objetivos da pesquisa.
A proposta de intervenção foi dividida em duas etapas. A primeira consistiu no
conhecimento da linguagem dos quadrinhos, utilizando o material “A linguagem dos
quadrinhos”. Na segunda etapa, utilizando o material “Macanudo, formando leitores
críticos”, foram propostas atividades de leitura, interpretação e compreensão de alguns
quadrinhos Macanudo, buscando que a leitura promovesse o que Silva (2011) propõe:
uma forma de encontro entre o homem e a realidade sociocultural. O objetivo era que,
por meio dos quadrinhos, os alunos evoluíssem da leitura mecânica que costumam
realizar em suas práticas escolares para uma leitura que despertasse seu lado sensível,
que os fizesse refletir sobre sua realidade e o mundo que os cerca.
Antes da segunda etapa ser iniciada, os alunos analisaram uma tirinha sozinhos e
escreveram suas percepções sobre ela. Ao final da segunda etapa, eles analisaram mais
três tirinhas sozinhos, para que fosse possível comparar a análise que os alunos faziam
antes da intervenção com a análise após a intervenção. Para finalizar, eles produziram,
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11987ISSN 2177-336X
coletivamente, uma tirinha crítica, refletindo sobre algum problema da realidade deles, e
responderam a um questionário final, para avaliar as oficinas realizadas.
Ao trabalhar o material sobre a linguagem dos quadrinhos, os alunos
construíram, a partir dos exemplos dados e da mediação das professoras por meio de
perguntas, conceitos sobre a linguagem visual dos quadrinhos. Eles avaliaram o material
didático utilizado e, de todo o material, sugeriram apenas a troca das tiras cômicas, para
que o humor ficasse mais evidente. No final, preencheram os balões de uma história em
quadrinhos que não conheciam, para colocar em prática o que estudamos (Figura 4).
Figura 4 - Exemplo de atividade feita pelos alunos
Fonte: Material elaborado pelos alunos.
Fonte da tirinha: Will Tirando (http://ww2.willtirando.com.br/imagens/O-GRAMA.png).
Após a conclusão da primeira etapa, foi apresentada uma tirinha aos alunos
(Figura 5), para que eles registrassem suas impressões sobre os elementos que compõe
essa linguagem visual e sobre o conteúdo dessa tirinha, sem intervenção das
professoras, para compreender de que modo estavam sendo realizadas suas análises
críticas das tirinhas.
Figura 5 – Tira analisada pelos alunos
Fonte: Liniers. Macanudo, n.2. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2009, p. 54.
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11988ISSN 2177-336X
A partir das respostas dos alunos foi possível perceber que eles ainda liam os
quadrinhos de forma simplificada, sem refletir e posicionar-se sobre seu conteúdo, sem
relacionar os recursos visuais utilizados pelo artista ao conteúdo, fazendo apenas uma
leitura mecânica, procurando o traço de humor. Essa tira foi utilizada como parâmetro
para analisar, posteriormente, a evolução dos alunos na leitura crítica.
Após essa análise, iniciamos o estudo dos quadrinhos Macanudo. Todas as tiras
livres selecionadas fazem uma crítica (direta ou indireta) à indústria cultural,
principalmente a mídia televisiva. Propusemos a análise de cada tira, momento em que
os alunos fizeram comentários e observações, depois seguimos com a discussão das
perguntas relacionadas à tira e colocamos outros textos em diálogo com ela.
Os alunos conseguiram identificar a maioria das críticas feitas nas tirinhas,
poucas vezes precisaram de intervenção por meio de perguntas que os levassem a
analisá-las por outros ângulos até chegar à crítica que acreditamos que eles alcançariam.
Eles notaram críticas ao consumismo; à falta de individualidade e de personalidade de
pessoas que só copiam padrões divulgados pela mídia; às redes sociais, com a falsa
ideia de vida perfeita repleta de amigos; à mídia; à vontade de ser famoso a qualquer
preço; à corrupção em pequenos atos; às falsas propagandas políticas; aos conteúdos dos
programas de TV e à publicidade, que utiliza estratégias baseadas em mentiras, para nos
convencer a comprar e a sermos consumistas.
A partir das análises das tirinhas do material e das discussões feitas no grupo, foi
possível perceber que os quadrinhos podem contribuir com a formação de leitores
críticos, dependendo da forma como forem trabalhados; pois os alunos evoluíram na
análise dos quadrinhos, deixando de apenas decodificá-los e passando a buscar pistas e
marcas nas formas e no conteúdo que os levassem à interpretação. Conseguiram
também estabelecer relações tanto entre os quadrinhos e outros textos, quanto entre os
quadrinhos e sua prática social, alcançando o objetivo dos momentos pedagógicos de
Saviani (2006) que utilizamos na metodologia. Além disso, foram capazes de perceber
outras vozes nos textos das tirinhas.
Finalizamos o estudo com a análise de três tirinhas, sem perguntas ou
intervenção, a fim de verificar se houve evolução na leitura. Percebemos nas análises
feitas pelos alunos uma atividade crítica de leitura dos quadrinhos, com a expressão de
seus pensamentos, após uma reflexão acerca do que leram. Eles partiram de sua prática
social, refletiram e posicionaram-se sobre as tirinhas, assumindo uma atitude responsiva
ativa (BAKHTIN, 1997) diante da leitura, dando uma resposta ao texto.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11989ISSN 2177-336X
Além da análise de tirinhas, os alunos produziram em conjunto duas tirinhas
críticas que refletiam sobre algum problema da realidade deles. Em uma delas
desenharam um personagem tomando banho por duas horas e ficando sem água, devido
ao desperdício. Na outra (Figura 6), o personagem assiste à propaganda de um
desodorante que faria com que as mulheres caíssem em seus braços. Ele compra o
desodorante, mas nada acontece, e ele fica sem entender nada.
Figura 6 - Exemplo de tirinha produzida pelos alunos
Fonte: Material elaborado pelos alunos.
Nessa tirinha eles usaram diversos elementos da linguagem visual: balões do
som da TV e de pensamento; na transição do segundo para o terceiro quadrinho eles
utilizaram o recurso da elipse; e os personagens são desenhados em ângulos diferentes,
ora de perfil e ora de frente, o que dá um dinamismo aos quadros. O que nos faz
perceber que não foi só criação de um conteúdo crítico, mas a forma também
acompanhou a evolução dos alunos. Notamos que os alunos aprenderam sobre a
linguagem dos quadrinhos e compreenderam que eles não precisam ter como função
apenas a diversão e o entretenimento; eles podem fazer críticas à prática social, ainda
que de forma bem-humorada, como qualquer outro gênero textual. Essa atividade
permitiu observar um pequeno reflexo do estudo da linguagem dos quadrinhos e da
leitura crítica das tiras Macanudo que fizemos nos encontros do grupo de pesquisa.
Os alunos responderam a um questionário final, no qual avaliaram positivamente
as atividades e as consideraram importantes para seu aprendizado, reconheceram que
evoluíram na compreensão de tirinhas e afirmaram que se sentem mais preparados para
lê-las e identificar as críticas feitas. Assim, atingimos nosso objetivo de transformar,
ainda que minimamente, a realidade dos alunos, contribuindo com sua consciência
crítica na construção conjunta do conhecimento.
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11990ISSN 2177-336X
6 Considerações finais
É possível perceber que os quadrinhos podem formar leitores críticos, desde que
exista adequação temática e formal em seu uso. Em primeiro lugar, é preciso, como já
foi dito, apresentar aos alunos a linguagem que é própria dos quadrinhos e que está em
relação com o conteúdo apresentado, pois a forma reforça e dialoga com a ideia
apresentada pelo quadrinista. Não basta ler balões e ver a gramática que está posta no
texto. É preciso compreender o modo como os quadrinhos foram estruturados,
compreender os elementos visuais utilizados e colocá-los em diálogo com o conteúdo
apresentado na discussão da tirinha. O artista, por intermédio da forma, apresenta uma
ideia que critica a realidade. Os alunos têm que perceber isso, pois interfere no sentido
dado ao texto.
Além disso, é necessário esclarecer os objetivos do estudo dos quadrinhos e
conhecer melhor os alunos e seus gostos, para despertar neles o interesse pela leitura. Se
as atividades fazem sentido para o aluno, ele tem mais vontade de aprender, pois se
constitui, por meio de diferentes mediações, como um sujeito mais crítico diante da
realidade muitas vezes massificada pela indústria cultural.
Por meio de recorrentes atividades como essas, pode-se contribuir com a sua
formação crítica, por isso o processo é contínuo, não é pontual, e precisa ser
incorporado pelos sistemas de ensino. Para tanto, os materiais didáticos desenvolvidos,
após serem reavaliados na sala de aula regular, estão sendo disponibilizados aos
professores de Língua Portuguesa de Cachoeiro de Itapemirim, por meio de divulgação
virtual. Também realizamos uma formação de professores para compartilhar a pesquisa
desenvolvida, explicando a proposta e a forma como as atividades foram trabalhadas,
pois, muitas vezes, os professores recebem a tarefa de trabalhar com determinados
gêneros, sem ter a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre eles para que
esse trabalho seja melhor desenvolvido.
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O ENSINO DO DESENHO TÉCNICO MEDIADO PELA HISTÓRIA DA
ARQUITETURA E PELAS ARTES VISUAIS
Janaina Carneiro Marques
IFES – Campus Vitória
Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Educação em
Ciências e Matemática, do Instituto Federal do Espírito Santo, que propõe a
reformulação do ensino do Desenho Técnico, mediada pela História da Arquitetura e
pelas Artes Visuais. Objetiva investigar como o estudo dessas relações pode contribuir
na elaboração de uma proposta de ensino interdisciplinar, atrativa e contextualizada, que
se aproxime da realidade do estudante. Busca também desenvolver, por meio da
Computação Gráfica, animações e maquetes eletrônicas para ilustrar os conceitos de
Desenho Técnico, com ênfase nos conteúdos: proporção, perspectiva e projeção
ortogonal. O locus desse trabalho é o Instituto Federal do Espírito Santo e os atores
envolvidos são treze alunos do curso técnico em Eletrotécnica, os quais foram
convidados a formar um grupo de pesquisa, no intuito de construir, de forma
colaborativa, uma nova proposta para o Ensino do Desenho Técnico. A metodologia se
aproxima da pesquisa-ação porque tem como princípio a participação de todos os
integrantes do grupo e possibilita estabelecer a reflexão e a avaliação em todas as etapas
do processo. Como referencial teórico dialoga com a Psicologia Histórico-Cultural,
proposta por Vigotski, valorizando a mediação do professor. Adota a Pedagogia
Histórico-Crítica como teoria pedagógica da Psicologia Histórico-Cultural, assim como
os momentos propostos por Saviani. No campo da Arquitetura e Desenho Técnico, os
referenciais teóricos desse trabalho são: Argan, Ching, Heydenreich e Montenegro.
Conclui que a intervenção contribuiu com a proposta interdisciplinar para o ensino de
Desenho Técnico e colaborou também com o aumento do conhecimento técnico
relacionado aos conteúdos mediados, ampliando a formação profissional do estudante
de forma contextualizada.
Palavras-chave: Desenho Técnico, Artes Visuais, História da Arquitetura.
Introdução
Este artigo intenta apresentar uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-
graduação em Educação em Ciências e Matemática (EDUCIMAT), do Instituto Federal
do Espírito Santo. Consiste em uma proposta interdisciplinar para o ensino do Desenho
Técnico, relacionando-o com a História da Arquitetura e as Artes Visuais, em uma
tentativa de torná-lo mais atrativo e contextualizado.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11993ISSN 2177-336X
Busca utilizar a Computação Gráfica, por meio de maquetes eletrônicas e
animações, como ferramenta que aproxima o Desenho Técnico Instrumental da
realidade do estudante. Os conteúdos da disciplina Desenho Técnico elencados para
serem trabalhados na investigação são: proporção, perspectiva e projeções ortogonais.
De modo a apresentar tal pesquisa, esse trabalho será dividido em quatro seções:
na primeira construiremos um histórico do Desenho Técnico. Na segunda
relacionaremos o Desenho Técnico com a História da Arquitetura. Na terceira seção
apresentaremos a metodologia, que se aproxima dos princípios da Pesquisa-ação, e na
quarta relataremos a experiência com o grupo de pesquisa e a apropriação das Artes
Visuais como recurso didático para o ensino do Desenho Técnico.
1. O Desenho Técnico
O Desenho Técnico é uma ferramenta utilizada no desenvolvimento e na
comunicação de ideias, conceitos e projetos. Para Ribeiro et all (2011) é uma forma de
expressão gráfica que tem por finalidade a representação, a dimensão e o
posicionamento dos objetos, de acordo com as necessidades requeridas pela Arquitetura
e pelas várias modalidades de Engenharias. Utiliza linhas, números, símbolos e
indicações escritas normalizadas internacionalmente. É definido como linguagem
gráfica universal da Arquitetura e das Engenharias.
De acordo com Ching (2011), mesmo com o avanço da tecnologia, o desenho
manual tem o potencial de superar o achatamento de uma superfície bidimensional e
representar desenhos tridimensionais da Arquitetura de forma clara, legível e
convincente. Para tanto, é preciso aprender a executar e ler a linguagem gráfica do
Desenho. O ato de desenhar não é só uma questão técnica, é também uma ação
cognitiva que envolve percepção visual; avaliação e raciocínio de dimensões; e
relacionamentos espaciais.
Os primeiros registros de desenhos em forma de planta, elevação e cortes, ou
seja, a representação de edificações tridimensionais em duas dimensões aconteceu no
Renascimento, nos tratados de Arquitetura desse período. Observou-se na ocasião a
evolução do conceito de escala, que no caso dos projetos, passou a ser utilizada a escala
de redução, para que grandes obras pudessem ser representadas em uma pequena
superfície de papel. Nessa época também foi desenvolvida por Brunellesch a
perspectiva, o que possibilitou a execução de projetos complexos, por facilitar a
compreensão dos mesmos.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11994ISSN 2177-336X
No século XVIII, por intermédio dos trabalhos do matemático francês Gaspard
Monge, surgiu a geometria descritiva. O sistema criado por ele foi publicado em 1795,
com o título “Geometrie Descriptive”, e é a base da linguagem utilizada pelo Desenho
Técnico.
Com o advento da Revolução Industrial, ocorreu o fenômeno da
estandardização, que inclui a padronização da fabricação de mercadorias e a produção
em série. Houve a necessidade de normatizar a geometria descritiva a fim de se criar
uma forma única de interpretação de projetos para atender essas demandas. A comissão
técnica da International Organization for Standardization (ISO) o fez. Esse processo
ocorreu por meio do Desenho Técnico, que ganhou caráter de documento.
Assim, consideramos que o Desenho Técnico seja a aplicação dos princípios da
geometria descritiva. Ele obedece a regras estipuladas mundialmente, deve comunicar
uma ideia, conceito ou projeto de forma única, sem duplo significado ou múltiplas
interpretações (SILVA, 2006).
2. O Desenho Técnico, a História da Arquitetura e as Artes Visuais
Sabemos que desde os tempos antigos foram desenvolvidas relações, teorias e
novas técnicas de representação gráfica que ofereceram suporte à Arquitetura e às Artes
Visuais. De acordo com Ching (1999, p. 286), uma relação que tem sido utilizada desde
a Antiguidade é a proporção conhecida como Seção Áurea. Os gregos identificaram a
predominância dessa relação nas proporções do corpo humano. Passaram a considerar
esse sistema de proporção como algo divino, a Divina Proporção, devido à harmonia
visual que proporcionava. Acreditavam que tanto a humanidade quanto os santuários
deveriam pertencer a uma ordem mais elevada, logo utilizavam essas mesmas
proporções na Arquitetura.
Vitrúvio, arquiteto e engenheiro romano, escreveu o único tratado de Arquitetura
da Antiguidade de que se tem registro. Nesse ele descreveu características e técnicas da
Arquitetura grega e romana, suas proporções, assim como as do corpo humano,
baseados na Seção Áurea, conhecido como o homem vitruviano. Os projetos
arquitetônicos deveriam ser baseados nas dimensões do corpo. Esse tratado é composto
por dez livros e, segundo historiadores, foi descoberto no Renascimento e influenciou
significativamente a Arquitetura Renascentista.
No Renascimento os arquitetos e artistas também utilizavam a Divina Proporção
em suas obras. Segundo Ching (1999), eles consideravam que “A Arquitetura era
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11995ISSN 2177-336X
Matemática traduzida em unidades espaciais”. As partes e o todo das obras
arquitetônicas tinham proporções baseadas em relações matemáticas. Destacaram-se
vários arquitetos e artistas italianos como Brunelleschi, Alberti, Palladio e Leonardo da
Vinci.
Outra técnica desenvolvida na Renascença foi a perspectiva. Essa descoberta
representou um divisor de águas no que diz respeito à representação gráfica. Naquele
momento o arquiteto estabelecia uma nova forma de pensar o espaço, uma forma
mensurável. Essa nova técnica foi e é amplamente utilizada não só na Arquitetura e nas
Engenharias, como também nas Artes Plásticas (pintura, escultura, cenografia etc.).
Heydenreich (1998) afirma que Brunelleschi, homem de formação
multidisciplinar (ourives, com formação matemática e mecânica), criou uma maneira
própria de compatibilizar o conhecimento teórico e científico. Ele foi o inventor da
ciência da construção em perspectiva. Esse fato, além de representar um novo sentido
de proporções e harmonias arquitetônicas, possibilitou novas formas estruturais e
técnicas de construção.
Uma das características que faz da perspectiva uma técnica diferenciada é que
ela proporciona a possibilidade de representar um objeto que possui três dimensões
(largura, altura e profundidade) em uma superfície de duas dimensões (largura e altura).
Ao analisar a importância da perspectiva criada no Renascimento na concepção
de projeto de Arquitetura, Argan (1999) afirma que a perspectiva já não é considerada a
lei de sensação ótica, mas a lei construtiva do próprio espaço. Essa técnica passou a ser
utilizada nos estudos de proporções, de relação entre as partes e o todo, tornando-se
ferramenta fundamental na concepção arquitetônica.
Posteriormente, com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII,
contexto no qual a produção deixou de ser artesanal e passou a ser padronizada e em
grande quantidade através da utilização de máquinas, surge a Geometria Descritiva,
desenvolvida por Gaspar Monge. Por meio da Geometria Descritiva, foi desenvolvida a
técnica da Projeção Ortogonal, na qual se obtém a verdadeira grandeza dos objetos, o
que representou um grande avanço na padronização e aumento da produção industrial.
A Projeção Ortogonal é uma forma de representar objetos tridimensionais em
vistas bidimensionais, por meio de linhas que passam por esse objeto e são
perpendiculares ao plano de projeção e paralelas entre si. As faces do objeto são
orientadas paralelamente aos respectivos planos de projeção, representando assim suas
medidas, formas e proporções reais. Os desenhos resultantes dessa representação
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11996ISSN 2177-336X
possuem duas dimensões porque a terceira dimensão é achatada no plano de projeção
(CHING, 2011). Essa técnica possibilita desenhar os objetos e edificações, definindo
suas formas e medidas, atividade essencial para uma boa leitura e execução de projetos.
Diante do exposto, percebemos ser importante que o estudante não aprenda
somente as técnicas, como vem ocorrendo nos cursos técnicos, mas também estude o
contexto no qual determinada técnica surgiu, com qual finalidade, o que representou e
qual importância tem na atualidade e na sua realidade.
Assim, para a construção de uma nova proposta de ensino do Desenho Técnico,
interdisciplinar e contextualizada historicamente, detectamos a necessidade de levantar
os anseios dos alunos. Dessa forma, buscamos uma metodologia que sinalizasse nessa
direção, conforme descreveremos na próxima seção.
3. Metodologia
Por objetivar intervenção na realidade a ser pesquisada e a colaboração entre os
integrantes da pesquisa, o trabalho se aproxima da pesquisa-ação.
A colaboração entre os participantes da pesquisa no planejamento e na execução
das propostas possibilita estabelecer a reflexão e a avaliação em todas as etapas da
pesquisa. Assim, todos contribuem com a transformação de situações que se
configuraram como objeto de estudo (THIOLLENT, 2011).
A interação entre pesquisador e participantes, que no caso da pesquisa em tela
são os alunos, promove a troca de conhecimento e também a possibilidade de
diagnosticar os anseios dos estudantes. Tal prerrogativa é muito importante para se
atingir os objetivos do trabalho, que são reavaliados de acordo com os interesses de todo
o grupo.
Nesse sentido, convidamos alunos do curso técnico em Eletrotécnica, do qual
somos docentes, para formarmos um grupo de pesquisa, a fim de discutirmos seus
anseios, pontos de vista e sugestões para a construirmos juntos uma proposta de Ensino
do Desenho Técnico. Nas reuniões utilizamos os momentos propostos por Saviani na
Pedagogia Histórico-Crítica, detalhados na didática sugerida por Gasparim (2013), sem
esquecer da observação feita por Chisté (2015), de que esses momentos não seguem
uma ordem rígida, engessada. A seguir, uma síntese da didática escolhida:
Tabela 1: Síntese da didática sugerida por Gasparim (2013) para a Pedagogia Histórico-Crítica de
Saviani.
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11997ISSN 2177-336X
Prática Social Inicial
Diagnóstico do que os participantes já conhecem sobre o tema, assim
como dos seus anseios em relação a esse.
Problematização
Momento no qual o mediador lança desafios e questionamentos sobre o
tema, relacionando-o à realidade dos participantes.
Instrumentalização
Fase na qual o mediador atuará na Zona de Desenvolvimento Iminente,
transformando os conceitos cotidianos diagnosticados na prática social
inicial em conceitos científicos, associando ao conhecimento científico
construído historicamente pela humanidade (VIGOTSKI, 2010).
Catarse
Momento em que ocorre a elaboração da síntese, da nova postura
psíquica dos participantes. Isto é, o participante interioriza o
conhecimento consolidado de forma peculiar, particular,
subjetivamente. Ocorre a apropriação do conhecimento por parte do
estudante.
Prática Social Final
Fase em que os participantes expressam seus novos posicionamentos
acerca do tema. É a nova prática social do conteúdo. É o resultado das
ações realizadas nas etapas anteriores. Momento no qual o participante
expõe o conhecimento apropriado, associando à realidade, tornando-se
apto para atuar criticamente na transformação dessa.
Fonte: GASPARIM, 2013. Adaptação da autora.
A partir do conhecimento dos momentos pedagógicos, o grupo de pesquisa
construiu sugestões de atividades a serem aplicadas em sala de aula. Essas foram
debatidas, analisadas e avaliadas.
4. Relato de experiência
A intervenção foi composta por cinco partes nas quais abordamos os conteúdos
proporção, perspectiva, projeção ortogonal, modelagem em três dimensões e animações.
Na primeira parte, a fim de trabalhar a Prática Social Inicial, por meio do
trabalho cooperativo e da sensibilização no que diz respeito à importância do Desenho
Técnico e da sua relação com várias áreas do conhecimento, escolhemos como elemento
mediador uma das formas de arte, a poesia. Adotamos Cecília Meireles, escritora e
poetisa brasileira. Trabalhamos com o poema “O Desenho”, de 1963, que compõe o
livro “O Estudante Empírico”. Os versos foram distribuídos separadamente para os
estudantes que, em conjunto, os organizaram em uma ordem que eles achavam lógica e
posteriormente debateram sobre a mensagem da poesia.
Buscando atingir a formação integral, multidisciplinar, emancipadora e romper
com o ensino tecnicista, o qual trata o homem como máquina e defende cada vez mais a
especialização do conhecimento e do trabalho, proporcionando uma formação
desintegrada e alienada; para problematizar o assunto, recorremos ao cinema, outra
linguagem artística. Utilizamos um trecho do filme “Tempos Modernos” (1936), de
Charles Chaplin. Dialogamos sobre trabalho, ensino técnico e formação multidisciplinar
do estudante, possibilitando uma leitura crítica da realidade que circunda os discentes. O
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11998ISSN 2177-336X
grupo debateu e concluiu que a nova proposta de Ensino do Desenho Técnico deveria
caminhar nesse sentido.
No momento da Instrumentalização, utilizamos parte do desenho animado
“Donald no país da Matemágica” (1959), que de forma descontraída e divertida
relaciona a Matemática com diversos campos do conhecimento. Aborda assuntos da
matemática (pentágono, pentagrama, proporção áurea), contextualizando-os
historicamente e mostrando suas aplicações na natureza, na Arquitetura, na música etc.
A fim de aprofundarmos o conhecimento, fizemos uma breve apresentação, abordando
proporção e escalas e seu contexto histórico.
Com o intuito de aplicar os conceitos de escala e proporção, de modo a estimular
o momento catártico, utilizamos como recurso a arte em mosaico. Um dos arquitetos
que utilizou essa técnica foi Antoni Gaudi. Fizemos uma breve apresentação sobre o
arquiteto e exibimos uma animação sobre uma de suas obras, a casa Battló. Esse vídeo
foi produzido e premiado em 2013, no Festival de filmes turísticos de Riga (capital da
Letônia). Retrata a obra como um ser vivo, fazendo menção à grande imaginação e
criatividade de Gaudi. Também mostra a técnica do mosaico utilizada na Casa Batlló.
Posteriormente propusemos uma tempestade de ideias para a construção do
mosaico coletivo, a fim de que os estudantes pudessem vivenciar os conceitos de escala
e proporção. Em grupo, eles discutiram os conceitos, as didáticas apresentadas e, a
partir disso, buscaram apresentar, por meio de croquis feitos nos diários de bordo, suas
ideias para a criação do mosaico. Surgiram três ideias principais baseadas na Razão
Áurea que, posteriormente, foram mescladas e digitalizadas por meio do programa
AutoCAD. O projeto foi impresso e transferido para a base de madeira com folhas de
carbono. Os estudantes cortaram as peças cerâmicas, colaram na base de madeira e
rejuntaram o mosaico (Figura 1).
Figura 1- Mosaico baseado na Razão Áurea
Fonte: Material elaborado pelos alunos.
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11999ISSN 2177-336X
O retorno à prática social foi constituído por uma avaliação das didáticas. Visto
que a proposta de reformulação do ensino do Desenho Técnico é uma construção
coletiva, levar em consideração a opinião e as impressões dos participantes é
fundamental. Em geral, os estudantes aprovaram as atividades realizadas pelo grupo e
sugeriram que, em outras turmas, o mosaico fosse feito menor e por grupos com menos
integrantes, para diminuir o tempo gasto em sua execução. Fizeram também associações
espontâneas do conhecimento adquirido em sala de aula e o conhecimento cotidiano.
Um dos alunos associou o conhecimento apropriado nos encontros sobre proporção ao
livro “O Código da Vinci”, de Dan Brown, que, na trama, cita a Proporção Divina
(Razão Áurea).
Na segunda parte da intervenção, trabalhamos o conteúdo perspectiva. Na
prática social inicial, optamos por introduzir o tema por meio da música “Ponto de
Vista, de Edu Kriegger e João Cavalcanti. Após a exibição do vídeo do grupo Casuarina
interpretando a canção, abrimos um debate sobre o assunto. Nesse momento,
conversamos sobre “ponto de vista”, que é um dos conceitos básicos da técnica da
perspectiva. O objetivo era que os participantes identificassem o significado da palavra
perspectiva por meio da música, assim como percebessem que um termo criado
tecnicamente, no Renascimento, influenciou a linguagem e se tornou uma expressão
recorrente no cotidiano.
Após a primeira parte, na problematização, os participantes foram divididos em
dois grupos e convidados a buscar o conceito de perspectiva por meio de textos que
apresentavam sua definição e história. Em um varal foram penduradas imagens que
remetiam ao texto: fotos de obras arquitetônicas, de pinturas, esculturas etc. Imagens:
Catedral de Florença, Panteon, Coliseu, Pinturas de Escher, Vila Rotonda, Tempieto,
Vila Savoe, Croquis de Niemeyer etc. Cada participante escolheu duas imagens e
depois, em grupo, os alunos confeccionaram cartazes, relacionando o texto estudado
com as imagens e, após a confecção, fizeram a apresentação dos trabalhos.
A fim de ilustrar e complementar as informações observadas no texto e nas
imagens da dinâmica descrita, escolhemos uma animação criada pelo canal National
Geographic, que retrata como o arquiteto Bruneleschi, inventor da técnica de
perspectiva, projetou e executou o domu da Catedral de Florença, grande realização
para sua época.
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12000ISSN 2177-336X
Dando continuidade à problematização que, nesse momento, se mistura com a
instrumentalização, trabalhamos os conceitos envolvidos no conteúdo perspectiva.
Apresentamos os princípios básicos da técnica, como ponto de vista, ponto de fuga,
linha do horizonte, posição do objeto, perspectiva com um e dois pontos de fuga.
Baseados no debate construído na problematização e na técnica da perspectiva
estudada na instrumentalização, cada participante recebeu um material, a fim de praticar
os conceitos estudados. Para incentivar a formação da visão espacial, utilizamos como
recurso o desenho de observação à mão livre. Iniciamos o desenho de perspectiva com
um objeto simples, uma caixa. Na atividade seguinte, realizamos outra prática de
desenho de observação, cujo objeto era uma maquete cerâmica de uma casa. A atividade
em sequência foi o desenho da perspectiva da Vila Savoye, do arquiteto Le Corbusier.
Foi feita uma breve apresentação sobre o arquiteto e sua obra e, em seguida, os
participantes fizeram a perspectiva da edificação, a partir de uma foto projetada no
quadro.
Durante as três práticas foi possível observar a evolução tanto do traço como da
visão espacial dos participantes. Na perspectiva da caixa, os estudantes apresentaram
mais dificuldades, visto que ainda estavam se familiarizando com a técnica e seus
elementos. Apesar da Vila Savoye ser a proposta mais complexa, eles tiveram mais
facilidade do que nas demais. Acreditamos que as mediações durante as práticas e o fato
de utilizar como ponto de partida um objeto mais simples, seguir para um intermediário
e posteriormente um mais complexo, contribuiu com a evolução de cada um para o
domínio da técnica da perspectiva e o desenvolvimento da visão espacial, como é
possível observar nos desenhos de um dos participantes (Figuras 2, 3, e 4).
Figuras 2, 3 e 4: Evolução dos desenhos de um dos participantes do grupo de pesquisa
Fonte: Registro da autora.
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12001ISSN 2177-336X
Na terceira parte da intervenção, o assunto abordado foi projeção ortogonal ou
vistas ortográficas. A fim de verificar o conhecimento trazido pelos estudantes,
indagamos o que eles entendiam por projeção ortogonal. Então iniciamos uma
apresentação interativa sobre o assunto. Solicitamos que o diário de bordo estivesse em
mãos, pois, durante a apresentação, inserimos diversas atividades que envolviam
desenho de croquis.
Durante o encontro, utilizamos a Arquitetura e sua história para vivenciar o
conteúdo. Entre as obras escolhidas, as pirâmides do Egito. Por meio de perguntas,
provocamos um resgate histórico que envolvia denominação, localização, finalidade e
método construtivo das pirâmides de Gizé. Posteriormente, pedimos que cada aluno
desenhasse em seu diário de bordo as três vistas principais de uma das pirâmides (vista
frontal, vista superior e vista lateral esquerda). Solicitamos voluntários para irem ao
quadro desenhá-las e discutimos o resultado dessa atividade.
Na atividade seguinte, utilizamos uma maquete eletrônica (desenho digital em
três dimensões), elaborada no software “sketchup” e disponibilizada pelo site do
programa na internet. A maquete escolhida foi uma obra já estudada pelos alunos no
encontro sobre perspectiva: a Vila Savoye. No entanto, nessa atividade, baseados no
posicionamento da obra no “sketchup”, que nos possibilita ver casa de cima, de frente e
de lado, eles desenvolveram as vistas frontal, superior e lateral esquerda (Figuras 5 e 6).
A quarta parte da intervenção consistiu em um minicurso do software “sketchup”, que
foi uma das ferramentas para a preparação de maquetes eletrônicas para o Ensino do
Desenho Técnico. Na quinta parte, os estudantes aprenderam a desenvolver pequenas
animações relacionadas com retângulos e triângulos áureos, espiral áurea, conceitos dos
conteúdos de perspectiva e projeção ortogonal.
Figura 5: Estudantes desenhando a Vila Savoye.
Fonte: Registro feito pela autora.
Figura 6: Croquis de um dos alunos.
Fonte: Registro feito pela autora.
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12002ISSN 2177-336X
Conclusão
A pesquisa apresentou uma proposta de reformulação do ensino do Desenho
Técnico. Buscamos promover experiências que valorizassem os saberes trazidos pelos
participantes do grupo de pesquisa, aliamos o conhecimento técnico ao conhecimento
histórico e à arte. Foi perceptível o aumento do interesse dos estudantes pelo tema.
Mostraram-se mais participativos e empolgados. Muitos expressaram que não tinham
ideia de como a Arte, a Arquitetura e a História estavam tão ligadas e como era bom
estudar dessa forma interdisciplinar.
Nas oficinas de proporção, perspectiva e projeção ortogonal, os estudantes
realizaram atividades, aprenderam técnicas instrumentais que proporcionaram a
compreensão dos conteúdos e o desenvolvimento da visão espacial, habilidade
fundamental nos cursos técnicos ligados às Engenharias e à Arquitetura. A partir do
conhecimento apropriado, utilizamos a tecnologia como ferramenta. Por meio do
minicurso do software “sketchup”, os estudantes aprenderam a desenvolver maquetes
eletrônicas, a fim de serem utilizadas em dinâmicas em sala de aula.
Desse modo, acreditamos estar na direção certa rumo à construção de uma
proposta de Ensino do Desenho Técnico mais atrativa e emancipadora, que colaborará
com o aumento do conhecimento técnico, ampliando a formação profissional dos
estudantes. Além dos alunos que nos ajudaram a sistematizar essa nova proposta,
esperamos que outros estudantes que cursarem essa disciplina, agora reformulada,
possam aprofundar seus conhecimentos de forma contextualizada, passando a
considerar o Desenho Técnico uma linguagem capaz de contribuir com a sua formação
profissional, artística e tecnológica, estimulando-os a ter uma postura mais crítica e
compreensiva da realidade.
Referências
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