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Filosofia (do grego philos - amor, amizade + sophia - sabedoria)
modernamente é uma disciplina, ou uma área de estudos, que
envolve a investigação, análise, discussão, formação e reflexão
de idéias (ou visões de mundo) em uma situação geral, abstrata
ou fundamental.
Originou-se da inquietação gerada pela curiosidade
humana em compreender e questionar os valores e as
interpretações comumente aceitas sobre a sua própria
realidade. As interpretações comumente aceitas pelo homem
constituem inicialmente o embasamento de todo o
conhecimento.
Estas interpretações foram adquiridas, enriquecidas e
repassadas de geração em geração. Ocorreram inicialmente
através da observação dos fenômenos naturais e sofreram
influência das relações humanas estabelecidas até a formação
da sociedade, isto em conformidade com os padrões de
comportamentos éticos ou morais tidos como aceitáveis em
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 2
FILOSOFIA
O homem sempre se questionou sobre temas como a
origem e o fim do universo, as causas, a natureza e a relação entre
as coisas e entre os fatos. Essa busca d e um conhecimento que
transcende a realidade imediata constitui a essência do pensamento
filosófico, que ao longo da história percorreu os mais variados
caminhos, seguiu interesses diversos, elaborou muitos métodos de
reflexão e chegou a várias conclusões, em diferentes sistemas
filosóficos.
O termo filosofia deriva do grego phílos ("amigo",
"amante") e sophía ("conhecimento", "saber") e tem praticamente
tantas definições quantas são as correntes filosóficas. Aristóteles a
definiu como a totalidade do saber possível que não tenha de
abranger todos os objetos tomados em particular; os estóicos, como
uma norma para a ação; Descartes, como o saber que averigua os
princípios de todas as ciências; Locke, como uma reflexão crítica
sobre a experiência; os positivistas, como um compêndio geral dos
resultados da ciência, o que tornaria o filósofo um especialista em
idéias gerais. Já se propuseram outras definições mais irreverentes
e menos taxativas. Por exemplo, a do britânico Samuel Alexander,
para quem a filosofia se ocupa "daqueles temas que a ninguém, a
não ser a um filósofo, ocorreria estudar".
Pode-se definir filosofia, sem trair seu sentido
etimológico, como uma busca da sabedoria, conceito que aponta
para um saber mais profundo e abrangente do homem e da
natureza, que transcende os conhecimentos concretos e orienta o
comportamento diante da vida. A filosofia pretende ser também
uma busca e uma
justificação racional dos
princípios primeiros e
universais das coisas,
das ciências e dos
valores, e uma reflexão
sobre a origem e a
validade das idéias e
das concepções que o
homem elabora sobre
ele mesmo e sobre o
que o cerca.
"A filosofia nasce de uma tentativa desusadamente
obstinada de chegar ao conhecimento real", diz Bertrand Russell.
Com efeito, o desejo de encontrar explicação para a própria
existência e a existência do mundo circundante, que já nas antigas
concepções míticas expressava-se por meio de elementos
simbólicos, está na origem da filosofia como tentativa de discernir
os princípios e fundamentos subjacentes à realidade aparentemente
caótica.
Segundo a tradição clássica, o pensador grego
Pitágoras foi o primeiro a denominar-se philosóphos, aquele que
ama ou procura a sabedoria, em oposição ao sophós, ou sábio que
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 3
se limitaria a entesourar conhecimentos sem se preocupar com sua
validade. Lendária ou não, essa distinção resultou correta na
caracterização essencial do espírito filosófico, cuja busca visa não ao
registro ou à descrição de fatos concretos, mas à conquista de um
saber unitário e abrangente sobre o homem e a natureza.
Desde seu nascimento na Grécia no século VI a.C.,
foram apresentadas inúmeras e freqüentemente contraditórias
definições de filosofia, entre elas a tradicional concepção de
Aristóteles, que entendia a filosofia como ciência dos princípios e
causas últimas das coisas; ou a concepção das escolas positivistas e
empíricas, que a viam como simples organizadora ou esclarecedora
dos dados proporcionados pela experiência e pelas ciências. Em
última instância, porém, a persistência histórica de tais polêmicas
contribuiu para destacar o caráter primordialmente crítico e
antidogmático da atividade filosófica, que faz da reflexão sobre si
mesma seu primeiro e fundamental problema.
Cabe, pois, usando as palavras do pensador alemão
Karl Jaspers, definir filosofia antes de tudo como "a atividade viva
do pensamento e a reflexão sobre esse pensamento", isto é, uma
investigação racional direcionada não só para a determinação dos
princípios gerais da realidade mas também para a análise crítica do
próprio instrumento -- a razão -- e das idéias, concepções e valores
elaborados pelo homem mediante o exercício da razão.
Traço também essencial para a compreensão da
filosofia é sua historicidade radical, que tem feito variar seus fins e
meios de acordo com as concepções de mundo próprias de épocas
distintas, cada uma das quais reorganiza os princípios e
conhecimentos vigentes no período anterior. Assim, no início
equiparada à totalidade do saber, a filosofia precisou subdividir-se
em diferentes disciplinas -- metafísica, epistemologia, ética --
voltadas para o estudo de áreas específicas do pensamento, e viu
desligar-se progressivamente de sua competência as ciências
particulares, que adquiriram identidade e metodologia próprias.
Essa característica não só explica a multiplicidade de
manifestações do espírito filosófico como garante sua unidade
interna, nascida do desejo de integrar os dados que os diferentes
ramos do saber proporcionam sobre o homem e o ambiente que o
cerca. No curso de sua evolução histórica, portanto, a filosofia
forneceu ao homem um instrumento essencial no esforço de
apreender a realidade com precisão cada vez maior e permitiu-lhe
aceder mais completamente à compreensão de si mesmo e de seu
lugar no universo.
Ao longo de sua evolução histórica, a filosofia foi
sempre um campo de luta entre concepções antagônicas --
materialistas e idealistas, empiristas e racionalistas, vitalistas e
especulativas. Esse caráter necessariamente antagonista da
especulação filosófica decorre da impossibilidade de se alcançar
uma visão total das múltiplas facetas da realidade. Entretanto, é
justamente no esforço de pensar essa realidade, para alcançar a
sabedoria, que o homem vem conquistando ao longo dos séculos
uma compreensão mais cabal de si mesmo e do mundo que o cerca,
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 4
e uma maior compreensão das próprias limitações de seu
pensamento.
ORIGEM DA FILOSOFIA
As culturas mais
primitivas e as antigas filosofias
orientais expunham suas
respostas aos principais
questionamentos do homem em
narrativas primitivas, geralmente
orais, que expressavam os
mistérios sobre a origem das
coisas, o destino do homem, o
porquê do bem e do mal. Essas narrativas, ou "mitos", durante
muito tempo consideradas simples ficções literárias de caráter
arbitrário ou meramente estético, constituem antes uma autêntica
reflexão simbólica, um exercício de conhecimento intuitivo.
Observando que os antigos narradores -- Homero,
Hesíodo -- só transmitiram tradições, sem dar nenhuma prova de
suas doutrinas, Aristóteles, um dos fundadores da filosofia
ocidental, distinguiu entre filosofia e mito dizendo ser próprio dos
filósofos o dar a razão daquilo que falam.
Estabeleceu-se assim na cultura ocidental uma primeira
delimitação do conceito de filosofia como explicação racional e
argumentada da realidade. No entanto, não havia sido definida
nesse momento a separação da filosofia e das diversas ciências.
Aristóteles, por exemplo, investigou tanto sobre metafísica
especulativa, como sobre física, história natural, medicina e história
geral, todas reunidas sob a denominação comum de filosofia.
Somente a partir da baixa Idade Média e mais ainda do
Renascimento, as diversas ciências se diferenciaram e a filosofia se
definiu em seus atuais limites e conteúdos.
Filosofia grega
Foi na Grécia, no século VI a.C., que nasceu a filosofia.
Ali, em apenas três séculos, foram propostos os grandes temas de
que se ocupou o pensamento filosófico ao longo da história. A figura
de Sócrates, cujos ensinamentos só são conhecidos por meio da
obra de seus discípulos, Platão e Xenofonte, tem servido
tradicionalmente de linha divisória para estabelecer as duas grandes
etapas da filosofia grega: o período pré-socrático e o da
maturidade, representado este, fundamentalmente, pelas obras de
Platão e Aristóteles.
Pré-socráticos. O objeto primordial da primitiva filosofia
grega foi a reflexão acerca da origem e da natureza do mundo físico
e dos elementos que o constituem e permitem explicá-lo. Isto é,
aquilo que em termos atuais seria denominado uma metafísica da
matéria. O pensamento pré-socrático desenvolveu-se entre uma
cosmologia monista e outra pluralista, entre o materialismo e o
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 5
idealismo, entre a afirmação dos grandes valores transcendentes e
o relativismo antropológico.
Cosmologias monistas. O primeiro pensador que,
segundo Aristóteles, pode ser considerado filósofo foi Tales de
Mileto, um dos chamados "sete sábios" da Grécia, que viveu no
século VI a.C. Como cientista, aplicou seus conhecimentos
matemáticos e astronômicos à medição de distâncias e à previsão
de eclipses; como filósofo, estabeleceu uma explicação racional --
sem apoio no mundo mitológico -- sobre a origem do mundo, que
disse ser formado de água.
Anaximandro, contemporâneo e concidadão de Tales,
escreveu o primeiro texto filosófico conhecido, que intitulou Sobre a
natureza. Ao estabelecer que o princípio (arké) de todas as coisas
seria o "indeterminado" (ápeiron), Anaximandro deslocou o
problema do plano físico material para o plano lógico. Anaxímenes,
seu discípulo, voltou a um princípio material, que ele identificou no
ar.
Cosmologias pluralistas. Empédocles, nascido na Sicília
no século V a.C., foi sacerdote, vidente, taumaturgo - realizador de
milagres --, político, médico, poeta e cientista. Estabeleceu como
princípio da matéria, quatro elementos ou raízes do ser: fogo, água,
ar e terra. As misturas ou separações entre esses elementos se
produziriam pelo efeito de duas forças cegas, o "amor" e o "ódio".
Por sua vez, Anaxágoras, seu contemporâneo, propôs uma
inteligência (nous) que teria agitado as partículas primitivas, de
modo que logo chegaram a formar as atuais combinações. Mais
tarde, Demócrito defenderia a existência de átomos de igual
natureza mas de diferentes formas e magnitudes, que, ao constituir
diversas combinações no espaço, dariam origem aos diferentes
corpos que se conhecem.
Realidade e aparências. Parmênides (século V a.C.),
fundador da escola eleática, pensava que nada pode começar a
existir, nem tampouco desaparecer, porque procederia do nada ou
se converteria em nada, o que não é possível porque o nada não
existe. Também não existe o movimento ou mudança, e somente,
portanto, um único ser, total, imutável e compacto. Seu discípulo
Zenão propôs o famoso argumento segundo o qual Aquiles, o mais
veloz entre os corredores, não poderia alcançar uma tartaruga,
porque lhe seria necessário para isso percorrer a metade do espaço
interposto entre eles, em seguida a metade da metade e assim por
diante interminavelmente. Desse modo, os filósofos eleáticos
separaram, de um lado, as aparências (doxá, "opiniões") que os
sentidos percebem e que se mostram contraditórias em uma análise
racional e, de outro lado, a realidade que a razão oferece e que é
objeto do verdadeiro conhecimento.
Heráclito de Éfeso (século VI a.C.) havia afirmado, pelo
contrário, que somente existia o movimento (a mudança, o devir).
Tudo flui e nada permanece: "Ninguém pode banhar-se duas vezes
no mesmo rio." O movimento se produz pela tensão entre os
contrários e provoca "o eterno retorno" de todas as coisas, regido
pelo logos, que constitui a lei do universo. Segundo interpretações
modernas, não há contradição entre Parmênides e Heráclito, uma
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 6
vez que suas respectivas doutrinas enfocam dois planos diferentes
do ser: o absoluto (metafísico) e o cosmos (físico).
Metafísica do número. Pitágoras de Samos (século VI
a.C.), bom conhecedor do Oriente e do Egito, fundador de um grupo
ao mesmo tempo científico e religioso, introduziu na Grécia a idéia
da reencarnação das almas, não sob a forma vulgar modernamente
conhecida, mas como transmigração por várias formas de
existência. Sua principal contribuição à filosofia foi considerar os
números, as relações e formas matemáticas como a essência e a
estrutura de todas as coisas. Cada coisa possui um número
(arithmós arkhé), que expressa a "fórmula" da sua constituição
íntima. De outro lado, as leis que governam o cosmos são também
relações matemáticas.
Relativismo antropológico dos sofistas. Os sofistas
fizeram do ato de pensar uma profissão remunerada. Seu ceticismo
em gnosiologia levou-os a uma moral oportunista. Se é impossível
conhecer o mundo real, o que importa são as aparências e, por
conseguinte, o êxito na vida e a influência sobre os outros. Daí o
valor que concederam à retórica e à oratória. A célebre máxima "o
homem é a medida de todas as coisas" constitui um resumo do
relativismo filosófico dos sofistas.
Grandes filósofos atenienses. Sócrates. Interessado,
como os sofistas no homem concreto, cujo saber interrogava,
Sócrates pretendeu, no entanto, exatamente o contrário deles.
Procurou demonstrar as incongruências entre idéias e atos, incitar o
homem a distinguir por si mesmo o justo do injusto e a agir
corretamente. A probidade ética de Sócrates desagradou tanto aos
conservadores quanto aos defensores da democracia, que o
acusaram de impiedade e o condenaram à morte. Ele poderia tê-la
evitado, mas aceitou-a por obediência às leis.
Platão. A teoria das idéias, uma das principais
contribuições filosóficas de Platão, procurava solucionar o problema
da realidade e das aparências, da unidade ou pluralidade do ser.
Platão considerava que as coisas que percebemos são imagens --
sombras projetadas em nossa estreita caverna -- de realidades
superiores que existem imutáveis no mundo das idéias, presididas
pela idéia do bem. O filósofo argumentava que, apesar de não
existirem duas figuras exatamente iguais, a matemática demonstra
a existência do princípio da perfeita igualdade, que deve existir para
que exista uma verdadeira ciência.
Toda a filosofia posterior continuaria a se questionar
sobre a localização das essências imutáveis que fundamentam uma
ciência ou uma ética, e sobre serem essas essências algo mais que
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 7
uma mera probabilidade. Os primeiros filósofos cristãos situaram o
mundo das idéias na mente divina, como causa exemplar
(arquétipo, modelo) de toda a criação. A filosofia de Platão --
idealista, simbólica, estética -- se desliga do mundo cotidiano, o
mundo das aparências, e estimula a penetrar num mundo mais
profundo, que de alguma forma estaria subjacente ao mundo de
cada dia e que seria estimulado por este último. Muitas das
contradições que aparecem nos escritos de Platão só poderiam ser
resolvidas mediante o conhecimento do ensino oral do filósofo, que
o considerava a parte mais importante de seu pensamento. Mas as
pesquisas que permitiriam reconstituir o conteúdo desse
ensinamento oral só puderam ser realizadas no século XX.
Aristóteles. Discípulo de Platão e preceptor de
Alexandre o Grande, Aristóteles foi o grande organizador da filosofia
ocidental e muito especialmente da metafísica (estudo do ente
enquanto tal) e da lógica, que, nas colocações formuladas por ele,
sobreviveu sem a mínima variação até a aparição da moderna lógica
formal ou matemática. O método aristotélico associa a observação
minuciosa com uma sistematização racional radical. Como a filosofia
depois se dividiu em empiristas e racionalistas, muito se veio a
debater se Aristóteles pertencia a uma ou outra dessas correntes,
porém o mais exato é dizer que ele tem uma posição intermediária:
o conhecimento vem pela experiência (como pretendem os
empiristas) mas só se torna válido quando está em conformidade
com os princípios lógicos. A contribuição mais duradoura de
Aristóteles foi a organização do sistema das ciências como
totalidade orgânica e o estabelecimento dos graus de confiabilidade
dos vários métodos e conhecimentos.
Últimas filosofias da antiguidade. A dissolução, em
primeiro lugar, da cidade-estado e a decomposição, mais tarde, do
império de Alexandre o Grande mergulharam a antiga Grécia numa
época de decadência e incerteza. Aos grandes sistemas filosóficos
anteriores sucederam outros de ambições mais modestas, cujo
objetivo fundamental era ajudar os homens a obter tranqüilidade.
Assim, enquanto a escola estóica preconizou a moderação das
paixões, o epicurismo enfatizou a busca da felicidade. O ceticismo,
por sua vez, negou a possibilidade de um conhecimento absoluto e
sublinhou a importância dos interesses individuais.
Outra corrente filosófica do final da antiguidade foi o
neoplatonismo, sobretudo com Plotino (205-270 da era cristã). De
índole simbólica e mística, essa filosofia muito influenciou o
cristianismo medieval, até a redescoberta da filosofia de Aristóteles.
Filosofia medieval
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 8
O cristianismo, que impulsionou a cultura ocidental
durante toda a Idade Média, trouxe uma nova visão de Deus, da
criação e do destino humano, na qual se destacavam temas
completamente estranhos à filosofia grega, como os da imortalidade
da alma individual, da autoconsciência como fundamento do
conhecimento etc. Foi muito forte, nesse período, a vinculação entre
filosofia e teologia.
Os primeiros padres da igreja recorreram à
terminologia conceitual da filosofia neoplatônica para explicar sua
própria fé. Destacou-se entre eles o pensamento de santo
Agostinho, retomado pela escola franciscana.
Filosofia escolástica. Traduções e comentários dos
textos aristotélicos, conhecidos em boa parte por intermédio dos
pensadores árabes, como Avicena e Averróes, e judeus
(Maimônides) deram na Idade Média nova orientação às escolas
teológicas e despertaram novo interesse pela lógica e a metafísica.
Santo Alberto Magno e santo Tomás de Aquino foram os principais
artífices da adaptação da filosofia aristotélica, que se impôs após
grandes dificuldades, entre elas condenações eclesiásticas.
Frente ao intelectualismo aristotélico-tomista
sobreviveu na filosofia medieval outra corrente voluntarista
augustiniana, cujos principais representantes foram são
Boaventura, John Duns Scotus e, em uma linha mística mais
neoplatônica, Mestre Eckhart e Nicolau de Cusa.
O século XIV representou a decadência da escolástica,
empenhada em controvérsias cada vez mais sutis e incapaz de
formular novas contribuições de interesse para a filosofia. Exceções
a isso foram Guilherme de Ockham, que propôs uma distinção mais
rigorosa entre teologia e filosofia, e a escolástica portuguesa, que
continuou a desenvolver-se até o século XVII, mas sem exercer, por
seu isolamento, qualquer influência no resto do pensamento
europeu.
DO RENASCIMENTO AO IDEALISMO ALEMÃO
Renascimento. As grandes transformações culturais,
econômicas e sociais dos séculos XV e XVI afetaram também a
filosofia, que, de monopólio até então quase exclusivo da classe
universitária ("escolástica" é o mesmo que "escolar") passou a
interessar a uma outra camada de intelectuais, sem vínculo com a
universidade e mais ligados à aristocracia e à cultura dos palácios.
O resultado foi a ruptura dos vínculos com a teologia e um
crescente processo de secularização da filosofia. Entre muitos dos
novos intelectuais, o interesse primordial já não era pelos temas
sacros (divinae litterae, "letras divinas") e sim pela literatura
secular (humanae litterae), daí seu nome de "humanistas". As
preocupações dos filósofos renascentistas, que seriam
desenvolvidas nos séculos posteriores, giraram em torno de três
grandes temas: o homem, a sociedade e a natureza.
Foram os humanistas que se encarregaram da reflexão
sobre o primeiro desses temas. A nova organização do pensamento
renascentista fez prevalecer Platão sobre Aristóteles, a retórica
sobre a dialética medieval, os diálogos literários sobre as disputas
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 9
lógicas escolásticas. Com a recuperação da literatura clássica,
manifestaram-se também as influências das filosofias do último
período da antiguidade, como o atomismo, o ceticismo e o
estoicismo.
No pensamento social, sobressaiu a figura de Nicolau
Maquiavel, que defendeu em O príncipe (1513) a aplicação da
"razão de estado" sobre as normas morais. No século XVII
destacaram-se no pensamento político as figuras do inglês Thomas
Hobbes e do holandês Hugo Grotius. O primeiro defendeu a
existência de um estado forte como condição da ordem social;
Grotius apelou para a lei natural como salvaguarda contra a
arbitrariedade do poder político.
Filosofia da natureza. Se os filósofos medievais haviam
concebido a natureza como um todo orgânico, hierarquizado
segundo uma ordem estabelecida por Deus, os renascentistas
conceberam-na como uma pluralidade regida pelas leis da mecânica
e presidida pela ordem matemática. Seu método consistia numa
fusão da experiência com a matemática, ora enfatizando esta
(Galileu), ora aquela (Bacon). A atitude científica do Renascimento
se manifestou sobretudo nas obras de Nicolau Copérnico e de
Galileu Galilei, e encontrou seu apogeu na figura de Isaac Newton,
que publicou em 1687 sua fundamental Philosophiae naturalis,
principia mathematica (Princípios matemáticos da filosofia natural).
Racionalismo. A natureza e a matemática, a observação
e a especulação racionalista, unidas em princípio, acabaram
separando-se em duas correntes distintas, o empirismo e o
racionalismo. Ambos os sistemas filosóficos se desenvolveram fora
das universidades, onde se continuou a ensinar um aristotelismo
cada vez mais diluído.
O racionalismo, em cuja base se encontra a confiança
na capacidade absoluta da razão para alcançar o conhecimento,
serviu-se do método dedutivo para suas elaborações teóricas. Seu
principal representante foi René Descartes, iniciador do subjetivismo
moderno. O pensamento de Descartes, desenvolvido sobretudo em
seu Discurso sobre o método (1637), fundamenta-se numa primeira
evidência -- "penso, logo existo" -- a partir da qual já era possível a
aquisição de novas idéias. A garantia da certeza dessas últimas se
produzia quando cumpriam a condição de serem claras, distintas e
não contraditórias. Importantes adeptos dessa corrente filosófica
foram também Spinoza e Leibniz.
Empirismo. O empirismo, que foi em suas origens
apenas um método de investigação científica, acabou por se
transformar, com o tempo, em uma corrente filosófica de suma
importância para o pensamento e a ciência posteriores. Seu
primeiro representante foi o inglês Francis Bacon, que propôs tal
método em seu Novum organum (1620), cujo título era um claro
convite à renovação do organum, ou seja a metodologia lógica de
Aristóteles. Bacon postulava como elementos fundamentais da
investigação científica a observação, a experimentação e a indução.
Figuras fundamentais do empirismo, além de Hobbes e
Newton, foram também John Locke e David Hume, que, na segunda
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 10
metade do século XVII e na primeira do XVIII, estabeleceram a
formulação definitiva dessa corrente filosófica.
Iluminismo. O século XVIII, conhecido como o Século
das Luzes ou Iluminismo, representou o apogeu do empirismo
clássico e do racionalismo. Mais do que a contribuição de novas
idéias filosóficas, o que caracterizou essencialmente esse período foi
a sistematização e divulgação das que haviam sido formuladas até
então. A publicação da Encyclopédie (1751-1772), sob a direção do
francês Denis Diderot, constitui exemplo excepcional desse
empenho. Seu compatriota Voltaire, literato, historiador e filósofo,
é, talvez, a personalidade que melhor representa o espírito do
Século das Luzes.
No terreno da filosofia social e política destacaram-se
Jean-Jacques Rousseau e o barão de Montesquieu, que defenderam
a liberdade e a igualdade entre todos os cidadãos. Montesquieu
propôs em L'Esprit des lois (1748; O espírito das leis) a divisão dos
poderes como garantia da liberdade política. Rousseau, por sua vez,
em Du contrat social (1762; O contrato social), reconheceu como
depositário do poder o povo, que o cede aos governantes mediante
uma delegação revogável segundo sua vontade. No campo da
filosofia especulativa, o século XVIII viu nascer um pensamento
materialista e ateu, cujo principal representante foi Diderot.
Idealismo alemão. Immanuel Kant, contemporâneo dos
iluministas e identificado com suas idéias políticas, foi também
fundador do idealismo alemão. Retratando sobre o modo pelo qual a
filosofia obtém seus conhecimentos científicos universais a partir
dos dados sensíveis particulares, Kant afirmou que a missão da
filosofia é determinar a capacidade da razão para alcançar a
verdade. Para ele, a razão aplica certas categorias -- condições a
priori, isto é, anteriores -- aos fenômenos da experiência. Não se
conhece, portanto, a coisa em si, mas seu "fenômeno", sua
manifestação. Esse modo de conhecimento não é aplicável aos
objetos da metafísica, como Deus ou a imortalidade da alma, que
não podem ser conhecidos pela razão teórica, mas somente pela
razão prática, que opera na ordem moral.
São também representantes destacados do idealismo
alemão Johann Gottlieb von Fichte, Friedrich Wilhelm von Schelling
e G. W. F. Hegel, filósofos que levaram a tal extremo o racionalismo
subjetivista iniciado no Renascimento que chegaram a beirar o
irracionalismo romântico. Romântica foi, efetivamente, sua
aproximação da religião e seu distanciamento da ciência
experimental; sua exaltação cósmica do eu e a preeminência que
concederam à vontade e à moral.
POSITIVISMO E CIÊNCIAS SOCIAIS
Positivismo. No tempo em que na Alemanha prevalecia
o idealismo, no Reino Unido e na França a evolução do empirismo
deu lugar à aparição do utilitarismo de Jeremy Bentham e de John
Stuart Mill e ao positivismo de Auguste Comte. O utilitarismo, que
propunha "a maior felicidade para o maior número possível de
indivíduos", negou a validade dos princípios abstratos e criticou o
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 11
autoritarismo. O positivismo, por sua vez, definiu a existência de
três estágios de desenvolvimento na história da humanidade -- o
teológico-mitológico, o metafísico e o positivo -- e considerou que,
já superados os dois primeiros, cabe ao pensamento filosófico, no
estágio positivo, unicamente a descrição dos fenômenos, abstendo-
se de interpretá-los metafisicamente.
Marxismo. Karl Marx propôs como objeto da reflexão
filosófica o estudo das relações econômicas e sociais e afirmou que
a missão da filosofia, que até então tinha sido a de pensar o mundo,
devia ser agora a sua transformação. Marx subverteu a dialética de
Hegel, segundo a qual a história culminava no estado, garantia da
liberdade do homem, e considerou a luta de classes como a força
motora da história.
Novas correntes. A segunda metade do século XIX
assistiu ainda ao surgimento de diversas tendências filosóficas,
entre as quais sobressaíram o pragmatismo de William James; o
irracionalismo de Søren Kierkegaard, que antepôs o mundo
emocional ao racional; a filosofia da vontade de Schopenhauer; o
vitalismo de Nietzsche, destruidor dos valores tradicionais e arauto
do super-homem; e, sob o impulso da obra do naturalista Charles
Darwin, o evolucionismo.
FILOSOFIA NA ATUALIDADE
A partir do começo do século XX teve início uma
reflexão radical sobre a natureza da filosofia, sobre a determinação
de seus métodos e objetivos. No que diz respeito ao método,
destacaram-se as novas reflexões sobre a epistemologia ou ciência
do conhecimento -- surgidas a partir do estudo analítico da
linguagem -- e o impulso dado à filosofia da ciência. As
preocupações fundamentais do pensamento filosófico foram as
concernentes ao homem e sua relação com o mundo que o cerca.
Dentro da chamada filosofia analítica, o empirismo
lógico do Círculo de Viena foi uma das correntes filosóficas que mais
ressaltaram ser a filosofia como um método de conhecimento. Para
essa corrente, o objeto da filosofia não é a proposição de um
sistema universal e coerente que permita explicar o mundo, mas
sim o esclarecimento da linguagem das proposições lógicas ou
científicas. Ora, para que elas tenham sentido, devem ser
verificáveis, de tal modo que as que não o forem -- por exemplo,
proposições acerca da ética ou da religião -- carecem de qualquer
interesse filosófico. Também a escola de Oxford considerou a
linguagem como objeto de seu estudo, se bem que tenha
concentrado sua atenção na linguagem comum, na qual quis
descobrir, latentes, as várias concepções elaboradas sobre o
mundo. O austríaco Ludwig Wittgenstein insistiu na importância
fundamental do estudo da linguagem e afirmou que ela participa da
estrutura da realidade, já que não é senão um reflexo, uma
"figura", da mesma.
A fenomenologia de Edmund Husserl propôs uma
análise descritiva que permitisse chegar à evidência da "própria
coisa", não como existente mas como pura essência. Para o
vitalismo de Henri Bergson há dois modos de conhecimento: o
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 12
analítico, no campo da ciência, e a intuição, própria da filosofia e
único meio de captar a profundidade do homem e do mundo.
No que diz respeito às inquietaçÕes e propostas da
moderna filosofia, cumpre citar o instrumentalismo de John Dewey,
que estabeleceu como orientação da filosofia e como critério da
verdade a utilidade de uma idéia face às necessidades humanas e
sociais; o existencialismo, que antepôs, na sua reflexão filosófica, a
própria existência do homem a qualquer outra realidade; ou o
estruturalismo, que postulou, no estudo de qualquer realidade, que
ela devia ser considerada nas suas inter-relações com o todo de que
faz parte.
Numerosos filósofos integraram em seu pensamento
elementos pertencentes a escolas filosóficas diferentes. Sartre, por
exemplo, foi existencialista e marxista, e os pensadores da
chamada escola de Frankfurt ensaiaram uma síntese de marxismo e
psicanálise.
Tanto o marxismo, que com sua pretensão de constituir
um instrumento transformador da sociedade, ultrapassou a simples
classificação de escola filosófica, quanto a psicanálise, que, ao
contrário, somente pretendeu em princípio ser uma teoria e uma
terapia psicológicas, exerceram influência poderosa no pensamento
filosófico contemporâneo.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 13
TRABALHO
Meio de sobrevivência, maldição bíblica pelo pecado
original ou medida de valor, o trabalho, seja como for encarado, é
sempre uma atividade que depende da habilidade manual e da
inteligência de quem o desempenha.
Trabalho é toda transformação que o homem imprime à
natureza para disso tirar algum proveito. Pode ser feito diretamente
com as mãos, com a ajuda de instrumentos, ferramentas e
máquinas ou ainda com a colaboração de animais. O processo de
trabalho voltado para a produção social inclui três elementos
fundamentais: o objeto de trabalho, matéria que o homem
transforma com sua atividade; os meios de trabalho, conjunto de
instrumentos com os quais o homem transforma a matéria; e a
atividade humana exercida sobre a matéria com a ajuda de
instrumentos. Esses três elementos são também conhecidos como
natureza (ou terra), capital e força de trabalho. O capital é uma
acumulação de trabalho anterior, ou seja é trabalho acumulado. O
trabalho é o elemento mais importante da produção social, condição
mesma de sua existência. É por ele que se obtém o produto.
Todo trabalho exige o dispêndio de certa quantidade de
energia física e psíquica. A essa energia despendida no processo de
produção chama-se força de trabalho. O trabalho é, assim, o
resultado mensurável da força de trabalho. Pode-se também falar
da força de trabalho global em determinada sociedade. Nesse caso,
trata-se da mão-de-obra total que a economia mobiliza ou pode
mobilizar. O trabalho, nesse caso, é visto em função do trabalhador
coletivo e supõe uma economia complexa, com avançada divisão do
trabalho.
Os elementos fundamentais do processo de trabalho --
objeto, meios e força de trabalho -- combinam-se em proporções
variáveis, que vão determinar o modo de produção de determinada
economia.
Evolução histórica do trabalho. Durante milênios, o
trabalho se limitou a garantir a manutenção e a reprodução
biológica da espécie humana e se desempenhou sob a forma de
coleta, trabalho extrativo que pouca ou nenhuma transformação
imprimia à matéria natural além de subtraí-la à natureza. Mais
tarde, a caça, a pesca, a utilização do fogo e o pastoreio
diversificaram o trabalho e possibilitaram seu progresso, com o
surgimento dos primeiros objetos úteis, como o arco e a flecha.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 14
Com a agricultura, que determinou a chamada
revolução neolítica, o homem tornou-se sedentário e passou a
fabricar instrumentos para o cultivo e a colheita. O trabalho tornou-
se mais organizado e coletivo. A possibilidade de plantar e colher
um excedente, ou seja, algo além do indispensável para sua própria
manutenção, tornou atraente a possibilidade de escravizar pessoas.
Prisioneiros capturados nas guerras de conquista e animais como o
boi e a lhama foram incorporados aos processos de produção. Os
instrumentos e o excedente de produção, a princípio riqueza social
dos membros da comunidade, foram privatizados, o que deu origem
primeiro às classes sociais e, mais tarde, ao estado.
Nas civilizações antigas, predominou a concepção do
trabalho material produtivo como degradante e próprio de escravos.
Em toda atividade produtiva, o trabalho era exigido pela força aos
submetidos. Foi provavelmente na agricultura que se tornou mais
nítida a separação entre homens livres e escravos. No mundo grego
e romano, só ao trabalho de direção das atividades agrícolas se
reconhecia dignidade e importância social, totalmente negadas ao
comércio, artesanato e atividades
manuais.
O processo de
liberalização do trabalho levou muitos
séculos e mesmo na atualidade é
impossível afirmar que
desapareceram as situações de
escravidão ou de exploração do
trabalho, até mesmo nos países de
economia avançada. Na Europa, na
transição do mundo antigo para a
Idade Média, o escravo foi substituído
pelo servo, ao qual se reconhecia como membro livre da sociedade,
embora estivesse adscrito à terra e fosse obrigado a realizar
trabalhos para o senhor feudal. A figura do servo desapareceu
lentamente dos países europeus, com a livre circulação de pessoas
e com o reconhecimento do direito de contratar livremente sua
capacidade produtiva.
Os europeus, porém, exportaram para outros pontos do
mundo a escravidão abolida em seu continente e basearam sua
economia colonial no trabalho escravo. A escravidão só foi abolida
nos Estados Unidos em 1865 e no Brasil em 1888, o último país
ocidental a mantê-la como sistema legal. A partir do final do século
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 15
XIX, o grande problema do trabalho não seria mais a liberdade, mas
a justiça, já que a revolução industrial traria consigo a massificação
proletária, a exploração econômica do trabalhador assalariado, o
desemprego e a miséria.
Evolução da produção social. Os alicerces da produção
social deslocaram-se da agricultura para a indústria quando o
comércio se sobrepôs ao trabalho agrícola e ampliou suas
atividades. A atividade manufatureira evoluiu a partir do século XIV,
notadamente em Florença, Itália, e em Bruges, Flandres, cidades
onde o comércio era mais ativo. Na revolução industrial que se
iniciou no século XVIII, as fábricas juntaram num só espaço
trabalhadores e os novos meios de produção, as máquinas.
O modo de produção social da época industrial
aumentou a especialização das tarefas e a divisão do trabalho. A
atividade industrial,
chamada secundária, tornou-
se o alicerce da sociedade;
com o tempo e a crescente
complexidade do processo
social, porém, foram
surgindo novas atividades,
chamadas terciárias,
voltadas para a prestação de
serviços. Dentre elas
destacam-se o serviço
público, o comércio e as instituições financeiras.
A sociedade industrializada foi definida como aquela em
que o setor terciário (serviços) é mais importante que o secundário
(indústria) e na qual o setor primário (agricultura) perde espaço.
Nesse caso, o setor terciário tem maior participação da força de
trabalho porque, no setor secundário, as máquinas se
aperfeiçoaram a tal ponto que passaram a exigir um mínimo
emprego de mão-de-obra.
Divisão do trabalho. Quanto mais complexo o modo de
produção, maior a divisão técnica do trabalho, ou seja, a
especialização dentro de um mesmo processo produtivo. Quanto
mais complexa e diversificada se torna uma sociedade, maior a
divisão social do trabalho, que segmenta a atividade em três
grandes setores -- agricultura, indústria e comércio --, por sua vez
subdivididos em ramos.
Outra forma de divisão do trabalho se dá segundo a
natureza das tarefas a realizar, que podem ser do tipo econômico,
ideológico ou político e se origina na divisão entre trabalho manual
e trabalho intelectual. Finalmente, pode-se falar da divisão
internacional do trabalho. Trata-se de um processo de
especialização de economias nacionais em determinados produtos
ou setores de produção, no quadro de uma economia cada vez mais
internacionalizada. É o sinal mais visível da relação de dependência
entre os países mais pobres, os chamados "periféricos", e os países
ricos, de economia "central". Nesse sistema, grandes
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 16
conglomerados multinacionais monopolizam determinados ramos da
produção social, absorvem a maior parte do mercado mundial e
liquidam as chances de evolução autônoma da industrialização dos
países periféricos.
Relações de trabalho. Aspecto primordial das relações
sociais de produção, as relações de trabalho variam segundo os
modos de produção. São modelos históricos de relações de
trabalho: (1) o escravagismo, que existiu desde que o aparecimento
do excedente produtivo, continuou na antiguidade greco-romana e
foi restabelecido, entre os séculos XVI e XIX, nas colônias da
Inglaterra, França, Espanha e Portugal; (2) o servilismo, que existiu
no modo de produção feudal, como na Europa medieval; e (3) o
trabalho assalariado, introduzido com o modo de produção
capitalista, que pressupõe trabalhadores livres, donos de sua força
de trabalho mas não donos de meios de produção, capazes de
vendê-la a quem lhes ofereça as melhores condições.
Teorias sobre o trabalho. As teorias econômicas
clássicas procuraram situar o papel do trabalho na produção social e
estudaram sua relação com a riqueza. As principais teorias sobre
trabalho, produção e riqueza são de Adam Smith, David Ricardo e
Karl Marx.
Para Smith, o trabalho é a verdadeira e única fonte de
riqueza das nações, pois os produtos industriais ou agrícolas são
obtidos pelo esforço humano, que se torna sempre mais eficiente
pela especialização. A divisão do trabalho, o mercado, as
instituições financeiras etc. se estabelecem espontaneamente, com
base no esforço natural feito pelo homem para melhorar sua
condição.
Ricardo afirmou que a base de todo valor econômico é
o trabalho-valor. O valor de troca de um produto se calcula pela
quantidade de trabalho empregado em sua produção. Para Ricardo,
as máquinas, que diminuem o tempo de trabalho necessário para a
produção, também são trabalho acumulado.
Para Marx, o trabalho não é a única fonte de riqueza,
pois a natureza também é fonte de valores de uso. O capitalismo
acumula mais capital
mediante a apropriação da
mais-valia, diferença entre o
trabalho efetivamente
materializado no produto e a
força de trabalho paga. Marx
afirmou que o trabalho é a
essência do homem, o meio
pelo qual ele se relaciona
com a natureza e a
transforma. Pelo trabalho o
homem se conscientiza de sua condição e promove as mudanças
políticas capazes de libertá-lo da exploração capitalista e conquistar
a posse coletiva dos meios de produção.
Trabalho nas sociedades modernas. A evolução dos
modos de produção deu lugar a novos conceitos sobre a função
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 17
social do trabalho. As grandes lutas sociais do século XIX e o
surgimento dos sindicatos permitiram ao trabalhador conquistar
uma capacidade relativa de regular sua própria oferta e melhorar
suas condições de trabalho e de vida. Com a legislação trabalhista,
hoje bastante avançada em todo o mundo, a força de trabalho tem
garantida uma série de direitos essenciais: jornada de trabalho fixa,
férias, repouso remunerado, aposentadoria, normas de segurança,
equipamentos de proteção, medicina do trabalho, seguro social,
salário-desemprego, regulamentação do trabalho feminino e de
menores etc. Dentre esses, merece destaque o reconhecimento,
pela legislação dos países democráticos, do direito à greve e à
negociação coletiva entre sindicatos e empresas.
O desemprego, porém, que acompanhou a evolução do
sistema capitalista, ainda é o permanente pesadelo do trabalhador.
Na última década do século XX, as economias mais ricas do mundo
apresentavam altos índices de desemprego, situação que se
agravava nas economias mais pobres. Continuava a existir o
"exército industrial de reserva" de que falava Marx, a massa de
trabalhadores sem emprego que constitui ameaça constante aos
trabalhadores empregados e colabora para a manutenção dos
salários em níveis ainda incompatíveis com os lucros do capital.
Trabalho da mulher e do menor. Com a evolução do
regime capitalista, na primeira metade do século XIX os homens
adultos começaram a ser substituídos nas fábricas pela mulher e a
criança, mão-de-obra mais dócil e mais barata, que se sujeitava a
salários menores e condições de trabalho perigosas, exaustivas e
muitas vezes insalubres.
Pesquisas realizadas em diversos países europeus
nesse período mostraram um quadro dramático de exploração do
trabalho da mulher e do menor. Na França, por exemplo, a mulher
empregada de fábrica trabalhava 16 horas por dia, por um salário
ínfimo, em péssimas condições de higiene e segurança. A criança
começava a trabalhar na indústria com seis ou sete anos de idade,
às vezes menos, e exercia funções cansativas e perigosas, sem
descanso e com remuneração extremamente baixa. Vivia muitas
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 18
vezes em instalações da própria fábrica, sujeito ao arbítrio do
patrão nas questões de jornada de trabalho, repouso noturno e
alimentação.Documentos oficiais, como o relatório do médico Louis-
René Villermé sobre o trabalho da mulher e da criança nas
indústrias francesas, e a literatura, nas obras de autores como
Charles Dickens, denunciaram essas condições. O tratamento
abusivo da mulher e do menor no trabalho só começou a ser coibido
no final do século XIX e, com mais intensidade, no século XX,
depois da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os países mais avançados elaboraram legislações específicas e
normas especiais de proteção para o trabalho da mulher e do
menor.
Trabalho no Brasil. As condições de trabalho típicas da
revolução industrial, iniciada na Grã-Bretanha no século XVIII e na
maioria dos países europeus no século XIX, não se verificaram no
Brasil no período da colônia e do império. A mão-de-obra escrava
foi utilizada no trabalho na economia essencialmente agrícola do
Brasil colonial desse período; o
comércio era prerrogativa dos
portugueses; e a indústria era
ainda muito incipiente até o final
do século XIX para ocupar uma
força de trabalho significativa.
A massa operária
começou a se formar com o
processo de industrialização iniciado principalmente em São Paulo
por imigrantes europeus no final do século XIX, que deram
prioridade ao emprego de operários também imigrantes. A mão-de-
obra operária começou a ser nacionalizada a partir da revolução de
1930. Nesse mesmo ano, legislação específica limitou a entrada de
estrangeiros no país e exigiu a proporcionalidade obrigatória de dois
terços de brasileiros natos para um terço de estrangeiros em cada
categoria de trabalhadores de certas empresas ou companhias que
tivessem negócios com o governo.
A partir de então, ampliou-se o leque de leis referentes
ao trabalho, sua regulamentação passou a ser feita por
instrumentos constitucionais, e criaram-se instituições para a
proteção dos direitos do trabalhador, inclusive da mulher e do
menor, como o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho.
Como nos demais países, porém, na última década do
século XX ainda existiam situações de trabalho escravo no Brasil,
especialmente nas zonas rurais, com a exploração da mão-de-obra
feminina, infantil e de homens adultos. O desemprego típico da
sociedade tecnológica, que se verificou na Europa e nos Estados
Unidos, repetiu-se no Brasil, agravado pelas condições muito
peculiares da economia brasileira, que alia a evolução tecnológica
de certos setores à economia de subsistência em outras.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 19
TECNOLOGIA
O avanço da
tecnologia trouxe inúmeros
benefícios para o homem, dos
quais o principal foi tornar o
trabalho mais fácil e mais
produtivo. Interpretadas
como motores do progresso,
as inovações tecnológicas
foram implantadas sem
cuidado com seus possíveis
efeitos prejudiciais. Nos
últimos anos do século XX, o
lado negativo do progresso
tecnológico tornou-se objeto
de reflexão nas sociedades
industrializadas, que se voltaram para a busca de tecnologias
alternativas menos agressivas ao meio ambiente.
Tecnologia é o conjunto de princípios, métodos,
instrumentos e processos cientificamente determinados que se
aplica especialmente à atividade industrial, com vistas à produção
de bens mais eficientes e mais baratos. O conceito de tecnologia
engloba, portanto, todas as técnicas e seu estudo. Assim, entende-
se por inovação tecnológica a aplicação de qualquer método ou
instrumento, descoberto por meio da pesquisa sistemática, à coleta,
fabricação, armazenamento, transporte etc. de bens, cujos
resultados sejam melhores do que os obtidos anteriormente.
Pode-se definir tecnologia também como a aplicação
das descobertas da ciência aos objetivos da vida prática. De fato, a
ciência teve quase
sempre um
importante papel
no
desenvolvimento
tecnológico, mas
nem toda
tecnologia
depende da
ciência, pois a
relação entre
ambas atravessou
diferentes
estágios. No
mundo clássico,
tanto no Ocidente quanto no Oriente, a ciência pertencia à esfera
aristocrática dos filósofos que especulavam sobre as raízes e a
substância do conhecimento, enquanto a tecnologia dizia respeito à
atividade dos artesãos. A partir da Idade Média, alguns filósofos e
cientistas defenderam a idéia da colaboração entre as duas
disciplinas, com a formulação de uma tecnologia científica e uma
ciência empírica baseadas nos mesmos princípios fundamentais.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 20
Essa tese frutificou sobretudo no século XIX, quando os
grandes inventores se inspiraram em idéias de cientistas: Thomas
Edison desenvolveu os sistemas de iluminação elétrica a partir dos
trabalhos de Michael Faraday e Joseph Henry; Alexander Graham
Bell inventou o telefone com base em Hermann von Helmholtz; e
Marconi construiu seu primeiro sistema de telegrafia sem fio
baseado nas pesquisas de Heinrich Rudolf Hertz e James Clerk
Maxwell.
Determinantes sociais na evolução tecnológica. A
evolução da tecnologia revela, a cada momento de sua história,
uma profunda interação entre os incentivos e oportunidades que
favorecem as inovações tecnológicas e as condições socioculturais
do grupo humano no qual elas ocorrem. Pode-se dizer que há três
pontos principais que determinam a adoção e divulgação de uma
inovação: a necessidade social, os recursos sociais e um ambiente
social favorável.
A necessidade social determina que as pessoas
desejem destinar recursos à aquisição de um objeto e não de outra
coisa. O objeto da necessidade pode ser uma ferramenta de corte
mais eficiente, um dispositivo capaz de elevar pesos maiores, um
novo meio de utilizar combustíveis ou fontes de energia, ou ainda,
já que as necessidades militares sempre serviram de estímulo à
inovação tecnológica, pode tomar a forma de armas mais potentes.
Na moderna sociedade de consumo, muitas necessidades são
geradas artificialmente pela publicidade e pelo desejo de
ostentação. Seja qual for a fonte da necessidade social, contudo, é
essencial a existência de uma quantidade suficiente de pessoas que
a manifestem, criando-se assim mercado para o produto desejado.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 21
Os recursos sociais são igualmente indispensáveis para
que uma inovação seja bem-sucedida. Muitas invenções fracassam
pelo fato de não haver recursos sociais indispensáveis para sua
realização -- capital, matérias-primas e mão-de-obra qualificada. Os
cadernos de Leonardo da Vinci, gênio do Renascimento, estão
repletos de idéias para a construção de helicópteros, submarinos e
aviões, mas a maioria delas sequer chegou ao estágio do protótipo
devido à falta de algum tipo de recurso social. A disponibilidade de
capital, por exemplo, depende da existência de um excedente na
produção, bem como de uma organização capaz de direcionar a
riqueza disponível para canais acessíveis ao inventor. Em suma,
uma sociedade deve estar suficientemente aparelhada para que
possa desenvolver e aplicar uma inovação tecnológica.
Um ambiente social favorável é aquele em que os
grupos sociais dominantes estão preparados para se empenhar na
defesa da inovação tecnológica. Essa receptividade pode se limitar a
determinados campos, como a perspectiva de aprimoramento das
armas ou das técnicas de navegação, mas também pode tomar a
forma de uma atitude questionadora mais generalizada. De
qualquer modo, não há dúvida de que a existência de grupos sociais
importantes interessados em incentivar o trabalho de inventores e
de aplicar suas idéias foi sempre um fator determinante da evolução
tecnológica.
Em qualquer estudo histórico dessa evolução se torna
inquestionável a existência de um elemento progressivo na
tecnologia que, em geral, evolui de forma cumulativa, à medida que
cada nova geração herda da anterior um estoque de técnicas --
sobre o qual trabalhará se sentir necessidade e se as condições
sociais permitirem. Embora isso se tenha registrado no passado, e
ainda na atualidade, não é porém intrínseco à natureza da
tecnologia que tal processo de acumulação deva ocorrer, e nem
sempre assim se dá a evolução. O fato de muitas sociedades terem
permanecido estagnadas por longos períodos, mesmo quando se
encontravam em estágios relativamente avançados da evolução
tecnológica, e de algumas terem chegado a regredir e a perder
técnicas que receberam e acumularam, demonstra a natureza
ambígua da tecnologia e a importância fundamental de relacioná-la
a outros fatores sociais.
Evolução histórica. O nascimento da tecnologia não
pode ser dissociado do próprio surgimento do homem no planeta.
Setenta mil anos antes da era cristã, o homem de Neandertal já
apresentava um grau de especialização que lhe permitia utilizar
materiais encontrados (pedra, osso, madeira, couro etc.) para
auxiliá-lo na sobrevivência. Depois de vários milênios de sociedades
tribais dedicadas à caça, à pesca e à coleta de frutos, deu-se a
primeira grande revolução tecnológica da história, no final da última
glaciação, de 15.000 a 20.000 anos antes da era cristã. Às vezes
chamada de revolução neolítica, essa fase marca a transição,
ocorrida em algumas comunidades humanas mais favorecidas pela
geografia e pelo clima, do nomadismo selvagem característico do
longo período do paleolítico para um modo de vida mais estável,
baseado na pecuária e na agricultura.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 22
O homem do período neolítico conheceu uma série de
transformações sociais e tecnológicas: aprendeu a domesticar
animais, descobriu que as sementes silvestres podiam ser plantadas
e que a irrigação era benéfica às áreas cultivadas. Desse período
datam as culturas de trigo, milho, arroz e alguns tubérculos. A
produção de excedentes de alimentos contribuiu para o
desenvolvimento da armazenagem de grãos e da preparação de
bebidas fermentadas, como a cerveja. Também começaram a surgir
as técnicas da fiação, da tecelagem e da cerâmica.
A idade do bronze, iniciada em 4000 a.C.
aproximadamente, foi prolífica em invenções e descobertas, o que
possibilitou a reorganização econômica e social conhecida como
revolução urbana. Entre suas contribuições tecnológicas de grande
alcance destacam-se o uso do cobre e do bronze; a prática da
fundição de metais; o emprego de veículos de roda; a invenção das
embarcações a vela; e o florescimento da cerâmica e da fabricação
de tijolos. A generalização da agricultura como meio de subsistência
favoreceu a criação de cidades, nas quais se desenvolveram
métodos de artesanato industrial, principalmente em cerâmica e
técnicas básicas de metalurgia.
Vales do Tigre-Eufrates e do Nilo. As primeiras grandes
unidades de sociedade organizada no Velho Mundo surgiram nos
vales do Tigre-Eufrates e do Nilo, áreas onde não apenas se gerou
um notável potencial técnico como ocorreu sua síntese na revolução
urbana. Surgiu assim uma nova forma de sociedade a que se pode
chamar civilização.
Na Mesopotâmia, o rio formado pela confluência do
Tigre-Eufrates corre para o golfo Pérsico e transporta ricos
sedimentos que formam extensos depósitos aluviais. A área era
sujeita a inundações periódicas, mas com o controle das águas e a
drenagem permitia a produção de substancial quantidade de
alimentos. As medidas destinadas ao controle das águas marcaram
o início da engenharia civil. Região pobre em pedras e madeira, a
Mesopotâmia tinha contudo amplas reservas de argila e cobre,
materiais usados na construção de veículos de rodas e pequenos
barcos que marcam a fundação da engenharia naval e da
engenharia mecânica. A arquitetura originou-se da necessidade de
construir grandes edifícios, como celeiros, oficinas, templos e
muralhas defensivas.
Ao explorar os recursos de seu vale, o povo da
Mesopotâmia construiu uma sociedade na qual os sacerdotes
desempenhavam importante papel, tanto no desenvolvimento da
economia quanto no da tecnologia. A organização da agricultura
era, em grande parte, responsabilidade de engenheiros-sacerdotes,
os quais também supervisionavam a edificação dos templos e das
imensas estruturas piramidais que dominavam as cidades, os
zigurates. Outros sacerdotes-técnicos orientavam oficinas de
artesãos especializados, como padeiros, ferreiros, cervejeiros,
fiandeiros, tecelões etc. Tanto instrumentos de trabalho quanto
carruagens, barcos, arados e outros meios de produção constituíam
propriedades do templo. A organização coletivista favoreceu a
exploração racional da terra, a conservação de canais e sistemas de
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 23
irrigação, e a produção de um excedente agrícola que foi destinado
ao comércio.
Essa complexa sociedade inventou uma escrita e criou
um sistema de pesos e medidas. Enquanto os agricultores
precisavam de um calendário para aperfeiçoar o controle das
colheitas, engenheiros necessitavam de métodos e instrumentos
para projetar canais e sistemas de irrigação, templos e muralhas
defensivas, bem como de uma matemática capaz de calcular áreas,
volumes e ângulos. As três principais realizações tecnológicas dessa
cultura foram os zigurates, as muralhas defensivas (que indicam a
instabilidade política existente na região) e os extensos sistemas de
irrigação e de controle das inundações, que constituíam o
sustentáculo de uma economia agrícola.
Os antigos egípcios habitavam uma área diferente sob
vários aspectos da região do Tigre-Eufrates, e por isso a tecnologia
que criaram não apresenta muitos pontos de contato com a da
Mesopotâmia. O vale do Nilo era mais estreito, e as águas do rio,
que fluíam mansa e regularmente, não criavam grandes problemas
de engenharia. As populações ribeirinhas limitavam-se a construir
diques e bacias de irrigação para que as terras recebessem suas
águas fertilizadoras. Por volta de 2000 a.C., os egípcios adicionaram
um sistema de canais, represas e reservatórios que permitiu a
irrigação de áreas não abrangidas pela bacia e tornaram possível a
irrigação durante todo o ano.
As grandes realizações da tecnologia egípcia, como os
processos de embalsamamento e a construção de pirâmides e
tumbas, estão mais diretamente relacionadas às crenças religiosas,
que aceitavam a ressurreição dos mortos, donde a necessidade de
preservar os corpos, abrigando-os no interior de construções sólidas
e monumentais. A economia egípcia se baseava na agricultura, mas
a fertilidade do delta do Nilo desestimulou o desenvolvimento de
uma tecnologia agrária de alto nível. Tão importantes quanto a
química e a arquitetura, ligadas às crenças religiosas, foram as
técnicas relacionadas às artes e o artesanato, particularmente no
que diz respeito à produção de tecidos, móveis, objetos de metal e
de cerâmica.
Grécia e Roma. Na antiguidade, a transmissão do
conhecimento era feita de um artesão para outro através das rotas
comerciais. Foi assim que as grandes inovações das duas principais
civilizações, Egito e Mesopotâmia, chegaram ao leste europeu e se
cristalizaram na florescente cultura grega.
Na Grécia, embora se dispusesse de instrumentos de
ferro e de vastos recursos naturais, o trabalho manual era
socialmente desprezado. Ao contrário dos egípcios, os gregos não
tinham idéias claras sobre a vida depois da morte e, portanto, não
atribuíam muita importância aos túmulos. As principais realizações
tecnológicas no domínio da engenharia grega foram templos,
aquedutos e pequenas embarcações. Os gregos tinham uma
tecnologia metalúrgica não muito avançada, praticavam a
tecelagem e foram responsáveis por alguns inventos, como a
prensa. Contribuíram para o desenvolvimento da engenharia naval
militar, da matemática e da mecânica.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 24
Com a morte de Alexandre o Grande (no ano 323 a.C.)
e o conseqüente colapso de seu império, diversos centros
herdaram, pelo menos em parte, os conhecimentos da Grécia
clássica. O mais importante desses centros, do ponto de vista
tecnológico, foi Alexandria, cuja sociedade helenística floresceu
entre os anos 300 a.C. e 300 da era cristã. Nesse período surgiram
os primeiros grandes nomes da história da engenharia, como
Arquimedes, Heron e Ctesibius de Alexandria, além de Fílon e
Vitrúvio, que empregaram dispositivos mecânicos como o parafuso,
a alavanca e a polia. Os engenheiros de Alexandria usaram também
equipamentos mecânicos para elevar água, inventaram a bomba
d'água e outros dispositivos complexos que já podem ser
considerados como máquinas.
A organização política, econômica e social de Roma
conduziu a um tipo particular de tecnologia, a ela adequado.
Essencialmente utilitário, o povo romano não se preocupou em
erigir grandes templos, túmulos monumentais ou muralhas
defensivas; ao contrário, usou seus recursos tecnológicos para
construir palácios, banhos públicos, anfiteatros, celeiros, pontes,
estradas, aquedutos e canais de dragagem. A engenharia foi a
ciência que mais se desenvolveu no Império Romano, que, com
grande extensão territorial e numeroso contingente demográfico,
tinha necessidade de complexa rede de estradas, aquedutos e
edifícios públicos.
No plano das edificações, os romanos introduziram o
uso do arco, da abóbada e da cúpula. Outros empreendimentos
foram os faróis, os portos, o abastecimento domiciliar de água e os
sistemas de aquecimento para banhos.
Idade Média. Entre os séculos V e XIV, a Europa
ocidental viveu um notável florescimento tecnológico. Por volta do
século X, os bárbaros, que haviam destruído o Império Romano,
erigiram uma civilização a partir de esforços próprios, de
conhecimentos herdados do passado e da assimilação das técnicas
romanas. A tecnologia do Oriente Médio e do Extremo Oriente
chegou ao Ocidente por meio do mundo bizantino e da Espanha
muçulmana. O comércio com os árabes resultou em contatos com a
Índia e a China, onde a tecnologia era mais avançada que no
Ocidente. Desse modo, os europeus tomaram conhecimento de
importantes invenções, tais como a fiação da seda, a fundição do
ferro, a pólvora, o papel, diversas modalidades de impressão e as
chamadas armações latinas para navios. A isso se somam as
contribuições autóctones, entre as quais se incluem o sabão, barris
e tubos, o arado, a ferradura para animais, o cultivo da aveia e do
centeio, além da rotação de culturas.
O grande feito tecnológico da Idade Média foi o
aproveitamento das fontes de energia, particularmente a eólica
(com os moinhos de vento) e a hidráulica (com as rodas d'água),
mecanismos que familiarizaram o homem com técnicas que iriam
contribuir para a transformação da Europa nos séculos XVIII e XIX.
O aproveitamento dessas fontes energéticas deu início ao processo
de libertação do homem do trabalho físico. Outra notável inovação
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 25
tecnológica da Idade Média foi a invenção e o aperfeiçoamento do
relógio mecânico.
Renascimento. Os conhecimentos acumulados desde
as origens de Roma, passando pela Idade Média, se aprimoraram
notavelmente a partir do século XV. De particular importância no
Renascimento europeu foram as realizações dos engenheiros e
arquitetos italianos, dos metalurgistas e impressores alemães e dos
engenheiros holandeses. Obras notáveis no campo da engenharia
hidráulica são os canais construídos por Bertola de Novate, em
Milão, e as eclusas, inventadas provavelmente por Leonardo da
Vinci. Coube igualmente aos italianos o privilégio de aperfeiçoarem
técnicas para a produção em grande escala, algumas das quais
foram descritas por Vanoccio Biringuccio em De la pirotechnia
(1540), importante obra sobre metalurgia.
Nos estaleiros de Veneza, a construção naval alcançou
alto grau de elaboração e eficiência. Leonardo da Vinci foi um dos
grandes inovadores da tecnologia da Itália renascentista e se
interessou particularmente por engenharia militar, embora suas
anotações sobre maquinaria fossem as mais completas. Desenhou
vários tipos de moinhos, bombas e aparelhos hidráulicos, máquina
têxtil, peças de artilharia, objetos de metal, máquina de polir e até
um aparelho para voar. Da Vinci já demonstrava preocupar-se com
problemas que somente séculos depois seriam solucionados, como a
redução do atrito e a construção de máquinas automáticas.
Importantes nos séculos XV e XVI foram os progressos
em metalurgia, especialmente do cobre e da prata, registrados na
Hungria e na Alemanha, bem como no domínio da análise dos
metais, técnica complexa que envolvia o emprego de fornos
especiais, pesos, balanças e fundentes. De maior importância ainda,
por seu ilimitado alcance cultural, foi a invenção da impressão com
tipos móveis, desenvolvida independentemente por Johannes
Gutenberg, Procopius Waldvoghel (de Praga) e construtores
holandeses. Cabem também a engenheiros holandeses as mais
notáveis realizações da engenharia civil no período pós-
renascentista: foram eles que elevaram a um nível sem precedentes
as técnicas de construção de diques, de canais de drenagem e de
moinhos de vento.
Revolução industrial. Embora a história da civilização
se confunda com a história das conquistas materiais, a tecnologia
em seu sentido atual só passou a apresentar progressos mais
constantes e significativos a partir da revolução industrial. Depois
da criação da máquina a vapor por James Watt, em 1769, as
técnicas que dependiam da energia evoluíram rapidamente e
trouxeram benefícios imediatos para a indústria têxtil e o setor de
transportes, com o surgimento das ferrovias.
Em seguida, teve especial importância a invenção de
geradores e de motores elétricos, aplicados de imediato à geração
de calor e à iluminação. Os estudos sobre motores conduziram ao
descobrimento da máquina de combustão interna, que inaugurou a
era dos combustíveis derivados do petróleo. Surgiu então o
protótipo do automóvel. As técnicas de aproveitamento da energia,
que favoreceram a exploração de novos recursos, tiveram grande
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 26
repercussão não só para a indústria, mas também para a sociedade
do século XIX. Na metalurgia, com a invenção dos fornos de
fundição Bessemer e Siemens-Martin, realizaram-se importantes
conquistas na indústria do ferro e do aço. As inovações na química,
com a identificação dos compostos orgânicos, influíram no
desenvolvimento da indústria têxtil e da agricultura, paralelamente
a uma revolução na medicina, originada pelo reconhecimento da
origem bacteriológica de numerosas doenças, e à fabricação de
vacinas.
A engenharia civil, com a construção de enormes
estruturas de ferro para pontes e edifícios; os transportes, com
novos projetos de trens e navios a vapor; e as comunicações,
favorecidas pelo surgimento do telefone, do telégrafo e do rádio,
representam uma síntese da acelerada evolução tecnológica do
século XIX.
Século XX. A explosão das primeiras bombas atômicas,
em 1945, foi o marco divisor das duas metades do século XX. Na
primeira, não houve alteração nas fontes de energia usadas no
século anterior, mas desenvolveu-se a aplicação da eletricidade à
indústria. As principais inovações tecnológicas desse período foram
a descoberta de substâncias antiinfecciosas, como a penicilina e
demais antibióticos, a obtenção de novos materiais de construção,
como o concreto armado, e têxteis, como as fibras sintéticas, além
da criação de uma grande variedade de materiais plásticos.
Ampliaram-se os conhecimentos nos ramos de agricultura,
alimentação e técnicas de conservação de alimentos. Ao fim da
primeira metade do século, o avião e o automóvel já se tinham
imposto como meios de transporte, e no setor bélico estavam em
uso os mísseis de longo alcance.
Os estudos sobre a energia atômica de fissão
procedente do urânio e do plutônio, iniciados durante a segunda
guerra mundial, desencadearam, a partir da década de 1950, uma
acelerada corrida armamentista entre os Estados Unidos e a União
Soviética, com repercussões globais sobre o desenvolvimento
tecnológico. As décadas seguintes se caracterizaram pela busca de
combustíveis alternativos ao petróleo, com vistas a reduzir a
poluição ambiental causada por sua queima e precaver-se contra o
fim das reservas; pela fabricação de materiais novos, como a fibra
de vidro; pelo progresso das técnicas de refrigeração e outros
sistemas de conservação de substâncias; e ainda pelo uso intensivo
dos produtos da recém-surgida indústria de computadores, que
desencadeou a era da informática.
Também representaram conquistas de extrema
importância o descobrimento de poderosos produtos farmacêuticos
e das técnicas de transplante de órgãos humanos, a engenharia
genética e os projetos de exploração espacial. Ao final do século
ampliavam-se, com a fabricação de novas cerâmicas, as
perspectivas de aplicação prática de materiais supercondutores.
Tendências. A explosão tecnológica ocorrida no
Ocidente desde o início da revolução industrial (no fim do século
XVIII) deu origem a duas tendências opostas na atitude social. As
melhorias registradas no rendimento do trabalho, o aproveitamento
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 27
da energia, a vitória sobre as doenças e o emprego de máquinas
para realizar as tarefas mais mecânicas do processo produtivo
implicam uma melhoria das condições de vida. Ao mesmo tempo, a
atividade industrial multiplicada causa focos de poluição da
superfície terrestre, do mar e da atmosfera; o consumo
indiscriminado dos recursos naturais prejudica o equilíbrio ecológico
do planeta; e o enorme poder destrutivo latente nas armas
nucleares e químicas suscitam dúvidas sobre os benefícios trazidos
pela tecnologia.
A transferência direta de tecnologia de países
industrializados para o Terceiro Mundo também passou a ser
severamente questionada, a partir da década de 1970, quando
tomou corpo a idéia segundo a qual as técnicas produtivas devem
ser adequadas ao modelo do país receptor, respeitados
principalmente seus recursos e matérias-primas, de modo a impedir
o aumento da dependência. Essa idéia já conduziu à criação de
soluções alternativas, como o uso de motores de combustão a
álcool e a reciclagem de materiais industrializados.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 28
CONHECIMENTO
O tema "conhecimento" inclui, mas não está limitado,
às descrições, hipóteses, conceitos, teorias, princípios e
procedimentos que são ou úteis ou verdadeiros. O estudo do
conhecimento é a epistemologia.
O conhecimento distingue-se da mera informação
porque está associado a uma intencionalidade. Tanto o
conhecimento como a informação consistem de declarações
verdadeiras, mas o conhecimento pode ser considerado informação
com um propósito ou uma utilidade.
A definição clássica de conhecimento, originada em
Platão, diz que ele consiste de crença verdadeira e justificada.
O conhecimento não pode ser inserido num computador
por meio de uma representação, pois neste caso seria reduzido a
uma informação. Assim, neste sentido, é absolutamente equivocado
falar-se de uma "base de conhecimento" num computador. No
máximo, podemos ter uma "base de informação", mas se é possível
processá-la no computador e transformar o seu conteúdo, e não
apenas a forma, o que nós temos de facto é uma tradicional base
de dados.
Associamos informação à semântica. Conhecimento
está associado com pragmática, isto é, relaciona-se com alguma
coisa existente no "mundo real" do qual temos uma experiência
directa.
O conhecimento pode ainda ser aprendido como um
processo ou como um produto. Quando nos referimos a uma
acumulação de teorias, idéias e conceitos o conhecimento surge
como um produto resultante dessas aprendizagens, mas como todo
produto é indissociável de um processo, podemos então olhar o
conhecimento como uma atividade intelectual através da qual é
feita a apreensão de algo exterior à pessoa.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 29
A definição clássica de conhecimento, originada em
Platão, diz que ele consiste de crença verdadeira e justificada.
Aristóteles divide o conhecimento em três áreas: CIENTÍFICA,
PRÁTICA e TÉCNICA.
O conhecimento é o ato ou a atividade de conhecer,
realizado por meio da razão e/ou da experiência.
• "Houve tempos assim, pessoas em pequeno
número, mas em grande influência; por sabedoras de quais
conseqüências seus atos gerariam mesclados aos outros,
saberiam ainda mais por conseguirem investir em seus
próprios atos o melhor de si, o desempenho, a inteligência, a
calma e a sabedoria de observar, criar, executar e transferir
à geração à frente".
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 30
ÉTICA
A finalidade dos códigos morais é reger a conduta dos
membros de uma comunidade, de acordo com princípios de
conveniência geral, para garantir
a integridade do grupo e o bem-
estar dos indivíduos que o
constituem. Assim, o conceito de
pessoa moral se aplica apenas
ao sujeito enquanto parte de
uma coletividade.
Ética é a disciplina
crítico-normativa que estuda as normas do comportamento
humano, mediante as quais o homem tende a realizar na prática
atos identificados com o bem.
Interiorização do dever. A observação da conduta moral
da humanidade ao longo do tempo revela um processo de
progressiva interiorização: existe uma clara evolução, que vai da
aprovação ou reprovação de ações externas e suas conseqüências à
aprovação ou reprovação das intenções que servem de base para
essas ações. O que Hans Reiner designou como "ética da intenção"
já se encontra em alguns preceitos do antigo Egito (cerca de três
mil anos antes da era cristã), como, por exemplo, na máxima "não
zombarás dos cegos nem dos anões", e do Antigo Testamento, em
que dois dos dez mandamentos proíbem que se deseje a
propriedade ou a mulher do próximo.
Todas as culturas elaboraram mitos para justificar as
condutas morais. Na cultura do Ocidente, são familiares a figura de
Moisés ao receber, no monte Sinai, a tábua dos dez mandamentos
divinos e o mito narrado por Platão no diálogo Protágoras, segundo
o qual Zeus, para compensar as deficiências biológicas dos
humanos, conferiu-lhes senso ético e capacidade de compreender e
aplicar o direito e a justiça. O sacerdote, ao atribuir à moral origem
divina, torna-se seu intérprete e guardião. O vínculo entre
moralidade e religião consolidou-se de tal forma que muitos
acreditam que não pode haver moral sem religião. Segundo esse
ponto de vista, a ética se confunde com a teologia moral.
História. Coube a um sofista da antiguidade grega,
Protágoras, romper o vínculo entre moralidade e religião. A ele se
atribui a frase "O homem é a medida de todas as coisas, das reais
enquanto são e das não reais enquanto não são." Para Protágoras,
os fundamentos de um sistema ético dispensam os deuses e
qualquer força metafísica, estranha ao mundo percebido pelos
sentidos. Teria sido outro sofista, Trasímaco de Calcedônia, o
primeiro a entender o egoísmo como base do comportamento ético.
Sócrates, que alguns consideram fundador da ética,
defendeu uma moralidade autônoma, independente da religião e
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 31
exclusivamente fundada na razão, ou no logos. Atribuiu ao estado
um papel fundamental na manutenção dos valores morais, a ponto
de subordinar a ele até mesmo a autoridade do pai e da mãe.
Platão, apoiado na teoria das idéias transcendentes e imutáveis,
deu continuidade à ética socrática: a verdadeira virtude provém do
verdadeiro saber, mas o verdadeiro saber é só o saber das idéias.
Para Aristóteles, a causa final de todas as ações era a felicidade
(eudaimonía). Em sua ética, os fundamentos da moralidade não se
deduzem de um princípio metafísico, mas daquilo que é mais
peculiar ao homem: razão (logos) e atuação (enérgeia), os dois
pontos de apoio da ética aristotélica. Portanto, só será feliz o
homem cujas ações sejam sempre pautadas pela virtude, que pode
ser adquirida pela educação.
A diversidade dos sistemas éticos propostos ao longo
dos séculos se compara à diversidade dos ideais. Assim, a ética de
Epicuro inaugurou o hedonismo, pelo qual a felicidade encontra-se
no prazer moderado, no equilíbrio racional entre as paixões e sua
satisfação. A ética dos estóicos viu na virtude o único bem da vida e
pregou a necessidade de viver de acordo com ela, o que significa
viver conforme a natureza, que se identifica com razão. As éticas
cristãs situam os bens e os fins em Deus e identificam moral com
religião. Jeremy Bentham, seguido por John Stuart Mill, pregou o
princípio do eudemonismo clássico para a coletividade inteira.
Nietzsche criou uma ética dos valores que inverteu o pensamento
ético tradicional e Bergson estabeleceu a distinção entre moral
fechada e moral aberta: a primeira conservadora, baseada no
hábito e na repetição, enquanto que a outra se funda na emoção,
no instinto e no entusiasmo próprios dos profetas, santos e
inovadores.
Até o século XVIII, com Kant, todos os filósofos, salvo,
até certo ponto, Platão, aceitavam que o objetivo da ética era ditar
leis de conduta. Kant viu o problema sob novo ângulo e afirmou que
a realidade do conhecimento prático (comportamento moral) está
na idéia, na regra para a experiência, no "dever ser". A vontade
moral é vontade de fins enquanto fins, fins absolutos. O ideal ético
é um imperativo categórico, ou seja, ordenação para um fim
absoluto sem condição alguma. A moralidade reside na máxima da
ação e seu fundamento é a autonomia da vontade. Hegel distinguiu
moralidade subjetiva de moralidade objetiva ou eticidade. A
primeira, como consciência do dever, se revela no plano da
intenção. A segunda aparece nas normas, leis e costumes da
sociedade e culmina no estado.
Objeto e ramos da ética. Três questões sempre
reaparecem nos diversos momentos da evolução da ética ocidental:
(1) os juízos éticos seriam verdades ou apenas traduziriam os
desejos de quem os formula; (2) praticar a virtude implica benefício
pessoal para o virtuoso ou, pelo menos, tem um sentido racional; e
(3) qual é a natureza da virtude, do bem e do mal. Diversas
correntes do pensamento contemporâneo (intuicionismo,
positivismo lógico, existencialismo, teorias psicológicas sobre a
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 32
ligação entre moralidade e interesse pessoal, realismo moral e
outras) detiveram-se nessas questões. Como resultado disso,
delimitaram-se os dois ramos principais da ética: a teoria ética
normativa e a ética crítica ou metaética.
A ética normativa pode ser concebida como pesquisa
destinada a estabelecer e defender como válido ou verdadeiro um
conjunto completo e simplificado de princípios éticos gerais e
também outros princípios menos gerais, importantes para conferir
uma base ética às instituições humanas mais relevantes.
A metaética trata dos tipos de raciocínio ou de provas
que servem de justificação válida dos princípios éticos e também de
outra questão intimamente relacionada com as anteriores: a do
"significado" dos termos, predicados e enunciados éticos. Pode-se
dizer, portanto, que a metaética está para a ética normativa como a
filosofia da ciência está para a ciência. Quanto ao método, a teoria
metaética se encontra bem próxima das ciências empíricas. Tal não
se dá, porém, com a ética normativa.
Desde a época em que Galileu afirmou que a Terra não
é o centro do universo, desafiando os postulados ético-religiosos da
cristandade medieval, são comuns os conflitos éticos gerados pelo
progresso da ciência, especialmente nas sociedades industrializadas
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 33
do século XX. A sociologia, a medicina, a engenharia genética e
outras ciências se deparam a cada passo com problemas éticos. Em
outro campo da atividade humana, a prática política antiética tem
sido responsável por comoções e crises sem precedentes em países
de todas as latitudes.
Estudo da ética
A ética pode ser interpretada como um termo genérico
que designa aquilo que é freqüentemente descrito como a "ciência
da moralidade", seu significado derivado do grego, quer dizer
'Morada da Alma', isto é, suscetível de qualificação do ponto de
vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade,
seja de modo absoluto.
Em Filosofia, o comportamento ético é aquele que é
considerado bom, e, sobre a bondade, os antigos diziam que: o que
é bom para a leoa, não pode ser bom à gazela. E, o que é bom à
gazela, fatalmente não será bom à leoa. Este é um dilema ético
típico.
Portanto, a ética juntamente a outras áreas tradicionais
de investigação filosófica, e devidas subjetividades típicas em si, ao
lado da metafísica e da lógica, não pode ser descrita de forma
simplista. Desta forma, o objetivo de uma teoria da ética é
determinar o que é bom, tanto para o indivíduo como para a
sociedade como um todo. Os filósofos antigos adotaram diversas
posições na definição do que é bom, sobre como lidar com as
prioridades em conflito dos indivíduos versus o todo, sobre a
universalidade dos princípios éticos versus a "ética de situação".
Nesta o que está certo depende das circunstâncias e não de uma
qualquer lei geral. E sobre se a bondade é determinada pelos
resultados da ação ou pelos meios pelos quais os resultados são
alcançados.
O homem vive em sociedade, convive com outros
homens e, portanto, cabe-lhe pensar e responder à seguinte
pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de uma
pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida. Ora,
esta é a questão central da Moral e da Ética. Enfim, a ética é
julgamento do caráter moral de uma determinada pessoa.