Post on 29-Nov-2015
Patriotismo, um sentimento em extinção
Publicado em Ambiente Legal*
O orgulho pelos símbolos nacionais está cada dia mais em baixa no
Brasi l
Por Alexandre Fogaça e Soraia Sene
O patr io ta é aquele que ama seu país e procura servi - lo da melhor foram
possíve l , mas cuidado com idé ias u l t rapassadas, que podem invadi r sua
mente neste exato momento. Na acepção contemporânea, esse c idadão
é um ser pensante, não se submete a toscos fanat ismos e está d isposto
a par t i c ipar de mudanças que conduzam, de fa to , a comunidade onde
vive para um patamar de v ida melhor .
Nesse contexto , os símbolos nacionais de um país e seu s igni f i cado
h is tór ico, especia lmente a ba ndei ra nacional e o h ino que lhe
corresponde, não são co isa do passado. Ao contrár io , reve lam mui to da
educação e do que va i na mente e coração de um povo e de sua
capacidade, como nação, de t r i lhar um dest ino comum. O lema “ordem e
progresso” , es tampado em nossa bandei ra , cons iderada uma das mais
be las do mundo, evidencia o va lor e o obje t ivo que os brasi le i ros
abraçam com pr ior idade. Mas uma co isa é a teor ia , outra , a prát ica.
Basicamente, só em temporada de Copa do Mundo o orgulho de ex ib i r o
verde-azu l -amarelo v ivos de nossa f lâmula ganha os corpos, as mentes
e os corações da brava gente bras i le i ra .
Há, a inda, outras pedras nesse caminho: a le t ra do h ino nac ional é
conhec ida e cantada corre tamente por pequena parcela da população. O
governo também abol iu do calendár io nacional a data comemorat iva do
D ia da Bandei ra ( le ia quadro nesta matér ia) e nas escolas, do ens ino
fundamenta l ao super ior , n inguém mais fa la do s ign i f i cado e impor tância
dos s ímbolos nacionais . Há repar t ições públ icas que nem mesmo
hasteam a bandei ra nac ional e outras inst i tu ições pr ivadas que o fazem,
mas às vezes ex ibem, de forma inconsciente , mas desrespei tosa,
bandei ras desbotadas pe la ação do tempo.
“O orgu lho nacional é para os países o que a auto -es t ima é para os
indivíduos: uma condição necessár ia para o aperfe içoamento. O
patr io t ismo é uma forma de or ientação po l í t i ca” , af i rma o f i lósofo nor te -
amer icano Richard Ror ty, pro fessor de l i te ra tura comparada e f i losof ia
da Univers idade de Stanford e autor de vár ios l i vros – o mais recente
de les, lançado no Bras i l , é Ensaios Pragmatis tas, pub l icado pe la DP&A
Edi tora .
Heródoto: s ímbolos apropr iados pela di tadura
Por aqu i , os estud iosos do fenômeno são unânimes: o sent imento
patr ió t ico está em ext inção no Bras i l . E isso não é bom, po is s ina l iza
uma sér ie de prob lemas.
Confusão com a ditadura – Para o jornal is ta e his tor iador Heródoto
Barbei ro , da Rádio CBN e TV Cul tura de São Paulo , c i rcunstânc ias
his tór icas f ragi l i zaram o sent imento patr ió t i co em nosso país . “A d i tadura
mi l i tar se apropr iou dos s ímbolos nacionais . Então, a oposição e quem
era contra a di tadura rechaçaram completamente essas demonstrações
cív icas” , exp l ica Barbe i ro .
Perspect iva semelhante é da psicóloga soc ial Nanci Gomes, da
Univers idade Metod is ta de São Paulo .
Patr io t ismo é pleno exerc íc io da c idadania para Nancy
“Após a di tadura mi l i ta r , ocorreu em nossa soc iedade um movimento
para abol i r a expressão do nac ional ismo e desvincu lar os s ímbolos
nac ionais do exerc íc io da c idadania” , af i rma Nanc i .
O procurador de Just iça, Rober to Liv iano, membro do Movimento do
Minis tér io Públ ico Democrát ico e secretár io geral da Federação de
Assoc iações e Juízes para a Democrac ia da América Lat ina e Car ibe,
d iz que a ausência de patr io t ismo é um fenômeno que va i a lém de
nossas f ronte i ras e tem a ver com a febre do ind iv idual ismo. “As
pessoas deixaram de co locar o in teresse co le t ivo como pr ior idade,
fazendo preva lecer os in teresses indiv idua is” , aponta o procurador .
Para Liv iano, fa l ta c lareza entre públ ico e pr ivado
Educação – Um dos aspectos mais destacados pe los entrevistados fo i a
impor tânc ia da educação no desenvolv imento de um genuíno
comportamento c ív ico. Va le lembrar que, a té meados da década dos 80,
os então chamados cursos pr imár io e secundário (a tuais fundamental e
médio) e a té super i or , de ins t i tu ições de ens ino públ ico ou pr ivado,
t inham na grade curr icular d iscip l inas como Educação Moral e Cívica ou
Organização Soc ia l e Pol í t i ca Bras i le i ra , cu jo ob je t ivo era promover o
conhec imento e sent imento de patr io t ismo nos alunos desde tenra idade.
Taxat ivo, o jornal is ta Heródoto Barbe i ro diz que ressusc i tar essas
matér ias não sur t i r ia o e fei to dese jado.
“É hora de entendermos a expressão patr io t ismo sob o olhar da
c idadania , e não de uma c lasse soc ia l , que se apropr ia d isso e aqueles
que forem contrár ios à sua perspect iva são t idos como ant i -
nac ional is tas , ant i -bras i le i ros e por a í afora” , comenta Heródoto.
“Se hoje estamos fa lando sobre a fa l ta de patr io t ismo do povo bras i le i ro
é porque essas aulas não deram cer to . Esse não é o caminho. O
patr io t ismo não é para ser imposto, mas s im conquis tado pelas pessoas
por meio de acesso a educação de boa qual idade, emprego, v ida digna” ,
aponta o jornal is ta , enfa t izando que é prec iso manter essa questão
longe do uso pol í t i co.
D imov quer aulas de c idadani a no ensino fundamental
Outra op inião tem o governador do Dis t r i to LC2 do L ions C lube de São
Paulo , Freder ico Dimov Jún ior , para quem não se pode dissoc iar o
processo educacional do sent imento de patr io t ismo.
“A forma como é t ra tada a educação no país a in da é mui to ru im. O
ens ino fundamenta l dever ia t rabalhar nas cr ianças os va lores de
c idadania , que são cruc ia is para uma boa atuação em soc iedade e para
cr iar laços de amor pe la nossa pátr ia” , argumenta D imov.
Quem também defende a impor tância da educação n o desenvolv imento
do patr io t ismo é o tenente -coronel I ldefonso Bezerra Fa lcão Jun ior ,
comandante do 2º Bata lhão de Pol íc ia do Exérci to de São Paulo . O
mi l i ta r c i ta o exemplo das Forças Armadas no desenvolv imento do
sent imento de patr iot ismo em seus soldado s.
“O Exérc i to é uma grande escola de c idadania . Aqui os jovens aprendem
va lores c ív icos e mora is , que fazem toda d i ferença para um bom
convív io em soc iedade. E levam isso para o resto de suas v idas” , a f i rma
o coronel , que entende o c iv ismo como um sent ime nto de amor à pátr ia
e de respei to uns pelos outros que deve ser semeado desde a mais
tenra idade.
Tenente -coronel Falcão: d i ferença para o resto da v ida
C ivismo saudável – Nos dias de ho je , o que ser ia então um bom,
equi l ib rado e saudável patr io t i smo? P ara a ps icó loga soc ia l Nanc i ,
necessar iamente a lgo capaz de mot ivar sent imentos e a t i tudes de todo
povo em decorrênc ia não apenas de sua ident i f icação com os
t rad ic iona is s ímbolos nac ionais , mas de sua percepção, enquanto
co le t iv idade, que o país e seus go vernantes va lor izam as pessoas,
combatem a corrupção, promovem par t ic ipação e inclusão de todos os
nac ionais no acesso às r iquezas, no respei to à natureza e
desenvolv imento econômico que resul ta em ordem e progresso.
“É preciso promover um amplo proje to de desenvolv imento nacional . O
verdadei ro patr io t i smo acontece quando não houver , por exemplo,
cr ianças pedindo esmolas nas ruas” , resume a docente.
Mantovani aposta num patr io t ismo p lanetár io
Patr iot ismo planetár io – Não se pode perder de v is ta que as mud anças
t razidas pela g lobal ização também contr ibuem para a forma como hoje
se pensa e prat ica o patr io t ismo. “Em um mundo cada vez mais
i n ter l igado econômica e cu l turalmente, a conscient ização e os cu idados
em relação à preservação dos recursos natura is têm força para
desper tar , em todo um povo, o sent imento de amor e responsabi l idade
por sua pátr ia” , a f i rma o ambiental is ta Már io Mantovani , da Fundação
SOS Mata At lânt ica. E conclui :
“Os governos e seus in teresses menos nobres, os nac ional ismos
xenófobos, i sso tudo ca i por ter ra . O patr io t ismo ambienta l é , sem
dúvida, o caminho para superarmos todas as a tua is barrei ras e lacunas” .
Desconhecimento gera flagrante desrespeito
A bandei ra brasi le i ra fo i ins t i tu ída pelo Decreto n . 4 , do governo
provisór io chef iado pe lo Marechal Deodoro da Fonseca, em 1889. Sua
cr iação é do professor Raimundo Teixe i ra Mendes.
Os 26 estados e o Dis t r i to Federa l es tão representados nas estre las ,
d is t r ibuídas em sua exata local ização na esfera ce leste , daí o c i rculo em
azu l . As cores verde e amare la , ao contrár io do que o le igo pode
imaginar , não representam nossa far tura de ouro, sol e f lo restas. São as
cores dos brasões das casas rea is de Bragança, da qual fazia par te o
imperador Dom Pedro I , e dos Habsburg, à qual per tencia sua consor t e ,
a imperatr iz Dona Leopold ina.
Entre nós, 19 de novembro é o Dia da Bandei ra , mas a data não é um
fer iado nacional fes t ivo, como é o 7 de setembro. Só as Forças Armadas
a inda seguem à r isca o que determina a le i : no d ia 19/11, a bandei ra é
hasteada ao me io dia , em solen idade espec ia l . Nessa ocas ião são
incineradas as f lâmulas consideradas inservíve is devido ao desgaste
natura l ou defei tos de fabr icação, entregues por qua lquer in teressado na
corporação (descar tá - las no l ixo é cr ime contra a pátr ia) .
O que também pouca gente sabe: em dias normais , onde est iver
exposta, a bandei ra bras i le i ra deve ser hasteada d iar iamente. Entre 8h
e 18h é permi t ida sua ex ib ição e, após esse per íodo, deve ser reco lhida.
Em h ipótese a lguma a bandei ra pode pegar chuva ou f i car e m local
desproteg ido.
Coração e mente de um patriota
O Sr . Gino, ex -combatente condecorado, t raba lha para que as novas
gerações tenham orgu lho patr ió t ico .
O senhor Gino St t ru fa ld i , de 92 anos, lu tou na Revolução
Const i tuciona l is ta de 1932, movimento que se t ransformou em uma
bata lha sangrenta do povo paul is ta contra os desmandos de Getú l io
Vargas (sa iba mais na seção Um Ambiente Legal ) .
“Naquela época, as pessoas t inham orgulho do Brasi l e davam a própr ia
vida para proteger os in teresses da sociedade. No s dias a tua is , esse
patr io t ismo parece ter desaparecido” , lamenta o ex -combatente.
E le recorda o hábi to , especialmente entre cr ianças, que cantavam
diar iamente o h ino nac ional nas escolas onde estudavam. “Exis t ia
i ns t rução de mora l e c ív ica nos estabelecim entos de ens ino. Era um
aprendizado agradável e dava para cada um de nós a medida e
impor tânc ia do in teresse comum. Durante a Revolução de 32, o povo
paul is ta co laborou mui to porque t inha a noção do que estava em jogo.
Quem não se a l i s tou, ped ia para prest ar serviços para o movimento.
Eram barbe i ros, enfermei ras e costurei ras querendo nos a judar de
alguma forma”, lembra o veterano de inve jáve l memór ia e lucidez.
A inda segundo o Sr . Gino, os combatentes de 32 eram vis tos com
grande s impat ia pe la população, p o is todos estavam l igados por um
fo r te sent imento de amor à pátr ia . “É por i sso que, a inda hoje, nossa
associação empenha-se em levar para as esco las e outras ent idades
essa conscient ização c ív ica. Temos o compromisso de não de ixar o
sent imento de patr iot i smo morrer” , conclu i .