Post on 08-Oct-2020
Outros Amores*
Ibiporã
2010
*Todos direitos reservados ao autor
“Tudo o que sabemos do amor, é que o amor é tudo que existe.”
Emily Dickinson
I
Aos que nutrem ódio por mim,
Os que com bocas espumosas dilaceram meu nome
E desfraldada deixam minha alma nas tristes ruas,
Entrego meu canto de amor e paz.
Não está em mim a pérfida vingança
Nem raízes estabeleceu a amargura
Em meu peito claro e aberto
Habitat dos pássaros, dos peixes, dos seres terrestres
Minha bandeira dilatada é o verso
A luz sulcada nos campos da Terra
E contida secreta nos olhos dos pequeninos.
Juntos, enlacemos os fogos os sonhos, meu povo:
A evolução ainda é máximo mistério
Que só cardume de mãos pode singrar.
II
Estes olhos, este pouso contido
Em seu colo e em sua madura boca
Não cabem em mim, não me são cativos;
São livres em teu corpo: palavras acesas num livro.
Ainda que as aves voem perto
E, junto ao mar; levem meus olhos
Como vampiros tardios, não temerei
Pois teu rosto pertence aos sonhos
Pertence ao pacífico silêncio dos anos,
Às estrelas pastoras das noites insones
Aos recifes que revelam teus segredos
Tua lembrança a mim pertence
Como o gosto da semente
Cálida adormecendo num solo adubado.
III
Não tragas nas mãos o canto,
Os rígidos ventos que emite o outono;
Não tragas, não é tempo…
Ainda respira o amor
Como o planeta recém nascido
Ainda caminha o sentimento
Entre as almas de vinho e fel
Seguindo ninfas e arvoredos
Não encerres com um beijo o fruto
A ilusão perdida nos séculos
E nas pradarias de luas eternas
Cantes tu o momento
O embate lascivo dos corpos
A entrega dos poetas à flor.
IV
Guerra de ríspidas línguas
Salgando os indóceis espinhos
Sentinelas das ocas torres
Que são o fogo e o beijo
Preciosidade! Nome caliente e profundo!
Enlace de rosas, feras no cio!
Maior que o combate dos anjos
É o sumo do amor saciado!
Nem os leões regurgitando a carne,
O doce perfume das presas,
Propagam tamanha sorte
De morrer suspirando sonhos,
Nem mesmo as eternas águias
Recolhem na boca o doce gosto de Deus.
V Alados virão os anos
Um a um suplicar teus lábios,
Carnívora planta que devora meus olhos
Minha sombra derramada ao sol.
Contínuos, irão requerer teus sorrisos
Que alimentam o brilho das manhãs
As noites que se perdem em brumas
E as tardes que velam meus medos
O tempo cairá em armadilhas
Na condição de caça e puma
Aguardando o teu trinar,
Desejando a essência fresca de tua boca
A alma que sobe aos céus
E faz do meu coração habitat de tua voz.
VI Segredos não há no enlace dos dedos
Nem nas gaivotas que desafiam rochedos:
Amor e entrega flamejam nas veias
Como o doce barulho do silêncio.
Não há mistérios em sentar-se nas nuvens
Tendo lágrimas como travesseiro nem
Buscam respostas os olhos
Sorrindo debilmente no espelho
Nada dito e ainda assim solucionado:
Eis a fórmula das almas
Colhendo os pomos humanos,
Cruzando calor e fatos
Como avançadas raízes sacras
Atrás de simples e híbridos amores.
VII Em cordas de violoncelos arrebentadas
Imagino teus cabelos lisos e presos
A um canto de harpia
Esquecida nos campos da infância
Recordo o livre vôo de teus pêlos
Buscando em minha pele a permissão
Para adormecer criança
E ressurgir linda primavera
Ainda ouço o gozo
O corpo repleto de orvalho
Kiwi mágico que se exibe
Aos olhos do mundo incrédulo. Ainda
Lavo nos cúmplices ventos
A lembrança da vida revigorada.
VIII
Quem são os druidas
Que, sem se despedirem, partem
E levam consigo as fases da lua,
Os sonhos, os desejos e o abrigo ?
Que pensam? Que fazem
Os ateadores de medos?
Acaso são macabros deuses
Que fogem em desespero?
O certo é que o amor é eterno
E que juntos bem e mal caminham
Espreitando corações vazios.
Que pensas tu seguindo alheios?
Paraíso ou sombras só cabem
A teus próprios conselhos.
IX
Comparam à fogueira as cinzas? Assim Deves seguir a rota dos teus dias
Sem olhar para as pegadas de teus descalços pés,
Sem ferir os sonhos com sombras.
Deves respeito às musas e aos beijos
Colhidos numa orla contínua
Onde os anjos desafiam o mar
E os mar desperta os anjos.
Mesmo que com o coração sangrando
Deves esquecer os erros puídos
Como um prisma que, de repente, evapora
E, em vida nova, deves continência
Amor às bases de um castelo
Onde, revigorado, surgirá o amanhã pleno.
X
Eternos são teus delicados braços Derivando estações ao pôr do sol; são
Lindos laços aromáticos que carregam
Firmes e plácidos os meus gestos esquecidos
Igualam-se à chuva num páreo
Precioso como as rosas atiradas ao mar,
À terra que abraça seus filhos
Antes mesmo deles acordarem.
Sinto-me menino num colo de amante:
Quero arrancar meus olhos com os dedos
Só para ver crescer no tato o sentido,
A busca desesperada pelo corpo feminino
E nele sepultar meu descanso
Prazeroso caminho da eternidade.
XI
No acaso estão os retratos Eriçados como aéreas orquídeas
Espalhando ramas e versos
Entre o silêncio e o espaço
Teu rosto preso no ar fica
Etéreo, luminoso feito o dia
Em que por leves passos
Abandonei o gosto de viver.
Ah! Se meu peito falasse…
Dava-lhe um fone de ouvido e uma faca
Para que juntos dançássemos uma valsa,
Um tango cretino como as últimas palavras
Usadas para plantar desespero
E despedida nas frias calçadas.
XII
Que não me detenham os desejos Os erros que se sobrepõem nos caminhos,
As frases que se exibiram malfadadas,
Os gestos contidos por medo
Trago aberto ainda no peito
Um amor que vulcaniza as palavras
Um passo de nova alvorada, um
Beijo que se manteve secreto pássaro
Ao puro ninho de tua boca,
Ao teu formoso corpo exposto,
Frescor da luzidia aurora e,
De olhos fechados, trago
Uma paixão que incendeia tempos
Com precisão e claridade.
XIII
Morte só é justa morte Quando dois amantes morrem
Juntos e ao mesmo tempo
Em que o amor de ambos se recolhe;
Só é brilhante quando
Um coração para trás não fica
Sozinho navegando na vida
Triste nos portos a sofrer.
A morte- aberta armadilha aos corpos
Apenas encontra digno sentido
Quando o amor une as almas
E acompanha seus silentes discípulos
Numa oração de desafio onde
Frios lábios permanecem unidos.
XIV
Tuas mãos de nuvens, quero sobre mim A acalmar os devaneios que descarregam
Sobre o meu corpo a tua ausência;
Quero o destino dos pássaros
Quando suaves retornam ao ninho
Afoitos por um afago conciliador
Onde as batalhas fiquem esquecidas
Como palavras silentes
Quero que, de quando em quando,
Repouse em meu peito os teus sonhos,
Tua razão feminina que embriaga os ares
E assim, quando todos dormirem,
Sairemos únicos pelas ruas
Pulverizando nas flores o mesmo e límpido amor.
XV
Para que vivas, eu morro Para que flutues eu corro,
Para que cantes eu, em silêncio, choro
Porque nos áridos solos anjos não pisam
Nem levam da terra os olhos
Dos homens consumidos em chamas
Em ofícios de amor desordenados
Como as rochas curando o mar;
Anjos não atinam palavras
Onde poetas sangram e dançam
Sigilosos e precisos quanto os beijos
Florescendo dentro das humanas bocas,
Nem desconfiam que entristecidos
Os amantes sonham com eles.
XVI
Tu me deste a brisa Que os elfos calados levam
Em cálidos selos sobre o horizonte
Sobre o despertar dos fúlgidos raios.
Me deste a razão do meu sangue
Correr sigiloso e impresso
Nos rostos, nos traços
Das multiplicadas e sumarentas coisas
Indo vagar seus destinos
Numa interminável estação de bem-querer,
De crédito aos nobres sentimentos.
Tu me deste a mão ruborizada
Suarenta e trêmula.
Mão que afaga o início, a vida.
XVII
Edificados os cardumes do teu corpo vi-me presa rasa, homem
feito em líquidas forças e taras
aprendendo mistérios de pescador.
Meus férreos braços de anzol
Nada querem nada buscam
A não ser um mergulho calado
Neste riacho que é fêmea e fogo
Abrasando os olhos cerrados,
Os corações que se fazem vasos
A espera de aquáticas flores.
Navegar na saliva de tua boca…
Quantas lendas, quantas vezes
Afundou-se o barco nos portos fechados?
XVIII
Religiosa experiência este suor Este desejo queimando na noite
Duas doces feras e um silêncio
Adestrando fôlego e sonhos
Crepitam as luzes do âmago
O sabor único que segue
Descoberta de errantes estrelas
Caindo aos pés da amada
Cortejando o alvo e puro ventre
Onde a eterna chama se esconde
Se guarda em valioso diamante.
De mãos unidas oro
Selo-me em sangue cristalizado
À catarse dos bruscos gestos pagãos.
XIX
Ouço o sussurro da chuva e corro Fujo- águia celeste sem rumo
Vou, cabisbaixo e sereno
Polir lembranças no meu quarto
Vou, ao som da líquida cortina
Incitar risos ao espectador espelho
Com meus desgovernados passos
Atrás dos teus molhados beijos
Na solidão não há esconderijo maior
Que o próprio peito ferido, o próprio
Tempo que segue e solidifica
Seu contínuo castelo de tormento,
Sua triste voz que cai água
Nas ruas e aqui dentro.
XX
Fresca face de romã, quão Belos são teus alvos braços abertos
Amim: são celestes tesouros
Calmo amor que não se encerra;
São redes dando abrigo e paz
Aos ínfimos e tristes peixes,
Imensa luz de um farol
Armazenando aromas e abrigo
Linda rosa dos trópicos,
Por ti palavras e luas se curvam
Se mesclam aos meus dias
Onde não mais sou poeta:
Sou de sonhos, sou de gesso
Pira acesa por claros braços.
XXI
Ainda que com o coração cravado Não busque em outras estradas
Novos terremotos de uma paixão
Arrebatamento de bosques tolhidos por lavas,
Sóis crispados em porosas chuvas.
Não ouça o interno grito
Dilacerando as tardes e os ouvidos,
Extirpando da razão as tripas.
Para existir o amor tem motivos
Como os felinos cuidando das próprias feridas
Ao seguir o mesmo destino:
Sinceridade não brota das ruas
Nem em inúmeras moradas;
Amor só é maduro na própria casca.
XXII
Pensar em ti, faz-me fantasma Ungido por santos e pálidos raios
Trazidos frescos e serenos de tua lembrança,
De teus gemidos íntimos, dourados
À luz dos gestos secretos,
Cravados no ar e nos sonhos
Como as pedras instalando seus nomes
Nos encontros diários com o mar.
Ando solto nas águas e na terra
Faminta por minhas leves pegadas,
Meu caminhar polido
Correto ao traduzir ao mundo
Os mistérios de ser-me vivo
Vivendo pluma e sombra do teu corpo.
XXIII
Violinos atados em rabos de cães Também tocam sussurros sentimentais
Também retiram lágrimas das luas pálidas
Com acordes feitos no cio.
Ser besta de amor: ninguém carece
De luz aos nobres modos.
Paixão só pede sentidos
Alma aberta, entrega ao fogo
Clareira acesa nos corpos
Bocas e mãos cegas, loucas
Como banho de lago no inverno
Como cães comendo desconhecidas ervas
Para as dores eternas
Que são a solidão e a vida.
XXIV
Das sombras criei um coral Que constantemente lançava teu nome
Contra os eriçados abismos
Flutuantes em meu corpo e tua ausência
Raízes fincou nos olhos do sol,
Fez ressurgir os antigos mistérios
Que as tardes e as bocas
Jamais tocar ousaram
E desta plúmbea sorte
Recolhi vida e ecos passados
Para que a noite pudesse chegar
Afável , madura e lenta
Nos povoados ermos e sombrios
E quebrasse, de vez, os meus labirintos
XXV
Com anchovas saúdo a noite Os órfãos filhos da penumbra
As híbridas luas e suas linhas
Coroando os beijos vazios.
De vinho encho as taças e rio
Dos saltos que os frios corações dão
Frentes aos lindos olhos falsos,
Do carvão fingindo anda ser madeira
Verde e nobre como a inocência;
Vejo nas risadas cósmicas
As sombras baterem à porta
E bêbado de amor novamente respiro
Canto às fêmeas do tempo
Antes que verdade e estrelas venham.
XXVI
Em idiomas de aroma e mel
Teu ventre eu quero eternizar
Para que, ao esconder do sol,
Recaia em mim tua essência de mulher
E inundados de perfume meus olhos
Contemplem a natureza viva
As lágrimas oferecidas à saudade
Que os sopros da brisa trazem.
Teu ventre é doce coluna
Onde se instalam meus beijos
Volúpia de guerreiro vencido,
Farol que acena aos meus dedos
E incita as revoltas do mar
Enciumado por não ser barco aéreo.
XXVII
Concentra sempre nas mãos A delicadeza das pétalas marinhas
Os resquícios dos perfumes segredados
E mesmo pequeninas, nelas leva a vida
Os meus límpidos sorrisos
Cujo segredo é amá-la mais e mais
Profundamente até que das palmas só reste
A certeza de só eu poder tocá-las.
Mãos de raízes planetárias
E órbitas que a mim fazem
Abrigo castigo morada,
Há noutros vales sulcados
Tanta dedicação e afagos
Quanto esta fina chuva de dedos?
XXVIII
Talhadas em luas claras e pêssego Vieram saudar o mundo tuas pernas
Tua mínima e macia relva dourada
Por onde desejos famintos trafegam
Ansiosos por um pouso eterno.
Tuas pernas- roliças vigas do universo
Cujo Deus, num descontrole de tino,
Concebeu mistério e perfeição.
Por certo elevadas torres
Armadas de pureza e rosas as tenho
Como distintas águas cristalinas
Que, nas planícies dos meus sonhos
Correm, viajam livres e leves;
Alvas, vêm ao meu encontro.
XXIX
Entre os anjos que busquei, amados Por tempos e orlas distantes,
Por seres límpidos e sacros,
Eu acolhi a luz que eu sonhava
E ela fez-me alma iluminada.
Escolhi-a não pelas brancas asas
Ou pela fogueira dos finos cabelos,
Amei-a por ser mulher amiga e companheira.
Deusa que retira das noites
As azuis lágrimas selvagens
Que caem em boca de chuva.
Acolhi num beijo a namorada
E entre gestos, silvos e palavras
Adormeci entregue ao justo destino.
XXX
Não são os teus pés de espáduas flamejantes Passando graciosos pelos caminhos que eu desejo
Nem tuas bocas mescladas de mel
Arrebatamento e alegrias contínuas
Eu busco. Também tua alva pele
Produzida em longínquas e celestes pradarias
Onde os anjos armazenam desejos
Ainda pouco me servem.
Procuro e espero somente em ti
O enlace, saudável encontro das almas claras:
Minha vida dentro da tua vida
Jorrando sussurros secretos e poesia
Como se fossem verdades cristalizadas
Surgindo azuis da mesma e única fonte.
XXXI
Avancemos os remos na palavra amor E ao cair da última estrela
Antes que os exaustos corpos floresçam
Teremos na mente e nos sonhos novo ser
Mistura de âmbar e luzente aurora
Que por si caminha para as multidões:
Se projeta invisível e serena
No silêncio armado dos povos;
Teremos de um crime a prova
Capaz de cobrir e apascentar os dias sombrios
Onde a dor é maior quando sozinhos,
Teremos aberto a fonte e o espaço
Por onde claro nascem os mistérios
A pureza da vida e o amor vivificado.
XXXII
Estatura de oceanos, de planetas E pouco para cobrir a rasa palma da mão
Assim é e será o amor infinito
Atravessando corpos universo e tempo,
Atravessando todos os sonhos
Daqueles que se fazem portos e maresias,
Revoltas de areia e vida
Ouvindo breves conselhos ao vento.
Amor de luz e brisa que varre pensamentos
Nos quintais onde séculos brincam
De revelar aos homens seus mistérios.
Amor que transcende coragem e medos
Guardados num vermelho gênio vadio,
Amor que me é a própria vida.
XXXIII
Caso uma mortífera lança Perfurasse de leve os ossos do espelho
E ferisse os órgãos, internos mistérios
Esta noite ainda não grite
Quase louco ou traído, enfim, talvez descobrisse
Que amor, às vezes, rima melhor com fel;
Talvez os lhos quisesse arrancar
E entregá-los à adoração dos corvos sentinelas
Tais furacões talvez fossem conselhos e,
Em verdade, a morte lhe cuspisse certas cinzas
Mas esta noite não morra: resista.
Talvez as direções apenas mudaram
Os sentimentos e os secretos planos.
Talvez dor seja recomeço, digna vida.
XXXIV
As ramas enveredadas da primavera Conspiram pela luz de tuas narinas
Descendo de flor em flor, de relva em relva
A mágica aprendida: brisa das fadas
Esperam teu fôlego alado os botos
Os tritões aflitos a nadar em turvas águas
Em mares de líquidos pensamentos
Velados em infantis sorrisos
A terra os moinhos os pássaros
Rituais e cantos a ti consagram;
Curvam as vidas e deitam pontes
Para que tuas narinas, sentidos sacros
Exerçam tua realeza nos prados
Caminho livre à deusa dos ventos.
XXXV
Noturnos mistérios crispados no ar Revelador de sombrias idéias marinhas
Cuja língua de sal não cobriu o tempo:
Tenho-os como fumegantes tatuagens internas.
Dentro de mim estão as falas do vento
A aconselhar os passos de pluma
As fugitivas pegadas que conservam
O espírito morno e aceso.
Tenho intactas marcas de sombra
Transbordando dúvidas num chafariz de medos
Serenos e pretos como uma ferida
Exposta gritante e viva em meu peito:
Em qual labirinto o amor se perdeu?
Por quais países quedaram as vozes, os femininos cheiros?
XXXVI
Para que se manifeste o meu amor por ti Tenho eu que amar-me por inteiro
Assim como o fogo beijando o papel
Consumindo sua essência deixa-se ser consumado.
Outra maneira de labareda interna não há
Nem ouso deflorar neste mundo obscuro
Onde os corpos gladiam-se em trevas
E, na luz, murcham sôfregas as almas.
Amo-te porque sem orgulho me amo
Não sinto medo ou enjôo
Quando encontro cativa tua língua em minha boca,
Quando teu suor fresco sai do meu corpo
Molhando em êxtase os astros
E num único arco formado cruzamos os céus.
XXXVII
Antes que o sol quebrasse o silêncio das frutas,
Acendesse o canto nas asas dos pássaros,
Na clareira que o horizonte planejava expor
Meus olhos acolheram o sonho
A doce visão de uma mística estrela
Sem formas sem rostos e repleta de aromas
Firmes como sagrados solos
Cravando nas flores sua milenar existência
Assim, antes que o mar despertasse
Com seu reino meus eternos pés descalços,
Eu caminhei solto no ar dos amantes
Fui nuvem vagando na luz
Tendo nas fibras cardíacas a certeza
De em ti, amada minha, encontrar um dia de paz.
XXXVIII
Fogueira de cerejas maduras São os seus cálidos seios
Abrindo clareiras nas sombras das tardes
Em minhas mãos de humilde lavrador
São-me a mesa farta
Merecedora de elevadas preces e lágrimas
Nos altares de luas claras
Onde o amor assinala os sermões.
Montes onde as cruzes hereges
Não atinam vozes ou sentidos:
Apenas veneram a força das luzes
Coroam as alianças em fachos
Que servem de vigas celestes,
Escadaria no caminho dos homens errantes.
XXXIX
Estrela fundida em meus ossos Em emaranhados rios de veias
Cuja direção e sentido é dos dias
Retirar os aromas e a alma
Desconheço as terras de sua constelação
As areias verdes que seus pés assinaram
Livre infância de perfumadas pétalas
Que o tempo a mim trouxe
Analfabeto sou de seu remoto universo
Mas cuido, respeito o que vejo
Cintilando em minhas águas de outono
Sou grato, amado astro,
Por suas formas de lua prata
Abrirem janelas em meu peito: pleno pouso.
XL
Por entre florestas de silêncio Caminho reto cabisbaixo e sereno
Sem que antigas canções de elfos
Alcancem e enlouqueçam restos de pensamentos.
Palavras de claras nuvens não tenho
Comigo levado no eterno vagar:
Não são-me bagagens leves ou fartas
Ou abrigos de ventos ou descampados aflitos;
Apenas taciturno eu sonho e sigo
Arrastando imensas correntes vazias.
Não disponho de portos vorazes
Risadas que acordem centauros;
Não quero respostas. Quero uma alma
Que me aguarde amadurecendo exausto.
XLI
Sem freios invades as fronteiras Existentes entre o inferno e os beijos
E com o fogo demarcas o meu corpo
Em macias mãos de artesã
Recrias a paz extirpada
Por sombras oriundas dos mudos tormentos;
Esmagas da solidão os olhos
E, na cama, desenvolves teu alvo trinado.
Sem medo, és selvagem pássaro
Trazendo no bico as florestas acesas
Que ateiam luzes nos poros
Tu és a magma rocha desenhando
Com lavas e puros desejos
O destino ardente dos séculos.
XLII
Discutiam verdades os quartos Zumbindo suas falas de tempos e gemidos
Quando os amantes, ainda adormecidos,
Descobriram nos olhos sigilosos mútuos segredos
De tal modo que o silêncio revelado
Como valiosos vasos abertos ao amor
Alçou no espaço um vôo azul
Até pousar nas lágrimas dos anjos
E delas fez um rio de esperança
Pronto para acolher barcos de sonhos.
Assim mulher e homem desenovelaram seus medos
Confiantes como os peixes incitando o mar;
Iluminados e serenos compreenderam
Que juntos permaneceriam uma vida.
XLIII
Esta maneira suave que tu tens De constantemente lavar e amar a vida
Espraiando auxílio e largos sorrisos
Em chãs que em teu precioso olhar se fundem
Se confunde com meus gestos de polvo
Retirando dos múltiplos mundos
Coroas e espinhos amargos
Correntes de erros nos pés humanos.
Tu me és mais que claro espelho
Mais que as belas águas dos olhos
Regando valentes flores nos sombrios caminhos.
És me a mulher amada
A voz mansa, a estrela próxima e distante
Que meu coração na vida clama.
XLIV
A primeira vez dos amantes,
Como dois astronautas escoltados,
Provoca no espaço um silêncio calcinado
Rastro que o piedoso tempo cauteriza
Com sua língua de vidas e borracha
Com seu zelo contínuo que almas demarcas.
Não pela tentativa em si consiste
Erro o carnal e fátuo enlace,
Dá-lhe descrédito a famigerada pressa,
O furto, o abuso dos curtos sonhos e dedos
Longe das orquídeas douradas e violinos
E sim, próximos aos nebulosos vazios
Que espreitam e revelam a jornada
Caminho impúbere de corpos e nave.
XLV
Os cães domésticos abanam as estações Cobrindo tórridas lágrimas com seus latidos,
Sua essência de trovões e relâmpagos
Chovendo nos donos a confiança leal
Animais cuja realeza é o escudo
O afago tardio e incerto de humanos dedos.
Suas lanças são seus dias de neve
Onde o frio lhes aquece os úmidos olhos
Seus castelos alicerçados no ar
São pequenos: quase não se escuta
O crepitar bravio dos nobres corações
Que avançam contra as horas e a morte
Para trocarem seus sonhos e reinos
Por um instante junto aos tristes donos.
XLVI
Recordo teus cabelos e neles monto Cavalgo num quadro aberto aos anjos,
Num quadro dourado feito de sorrisos e quenturas
Seladas nas ancas do veloz passado.
E nestes negros pêlos as estrelas
Galopam baixo num páreo de cavalos marinhos,
Vão por entre pistas de mãos estendidas
Alvejar as líquidas lembranças,
Vão com seus martelos de lume
Retirar as empedernidas ferraduras do tempo.
Nesta negra moldura onde cintila tua face
Tuas cores de mulher e primavera
Recolho meus pincéis de poeta
E no coração admiro e levo teu retrato.
XLVII
Nada mais almejo de ti Senão a razão dos seres existirem
A resposta que esperam estrelas e bardos
Vagando em longo caminho: Amor,
Tuas torres de águia caçadora
Sozinhas, sem precisos motivos ficam.
Isolada, tua imensa e isotérmica inteligência
Fogueira crepitante de palavras azuis
Dirigida em ondas, a mim não serve:
Preciso de céu aromas e sentimentos
Um palco aberto iluminado e tranqüilo.
Necessito da revolta dos teus cabelos
Esculpindo luzes em meu peito,
Teus cálidos lábios recitam Eu te amo.
XLVIII
Escolho a ti pela breve vida Alva e calma que sustentas nas mãos
Nas palavras douradas que acordam quintais
E dos jardins ressuscitam o canto de flor
Em tua estrelada chama encontro
A força sagrada, aéreo escudo de sonhos
A proteger-me os dias sem fôlego
Os olhos exaustos de tanta água salina
Meus gelatinosos joelhos não mais sangram
Não colorem estradas com rubra penitência
Pois em ti recebo a purificação das flores,
Os largos sorrisos que adornam paz.
Entre musas celestes, ciências femininas
E precisas não sofro: escolho a ti.
XLIX
Estive marchando não somente na quentura da neve Feminina,
No alvo corpo esculpido formoso no Olimpo
Região onde as delícias apresentam-se suaves sob as narinas.
Teus labirintos oníricos também conheceram meu canto.
Navegando em teus mistérios e secretos abrigos,
Também senti o hálito fresco de tua rosa
Flor renascida em fantasias e lágrimas
Nos campos luzentes que te saudaram mulher.
Nos teus cerrados olhos aportei
Com minha bagagem de compreensão e desejos
E sincero, finquei a etérea bandeira do amor.
Em tuas terras de orvalho
Depositei meu fulgor e meu caminho
Lavando no rio dos teus lábios minha vida.
L
Tua pele, motivo para eu beber saliva Inundar a casa com salinas águas
Que trovejam nos eclipsados olhos
Onde, onde secreta foi flutuar?
Ainda percebo no ar teu aroma de pluma
Fragrância que vulcaniza meus sentidos
E deixa meus sonhos em estado de alerta
Desespero lúcido ante a mágica ausência.
A primavera do teu corpo
É janela aberta serenamente aérea
Cuja raiz cristalizou-se em meus olhos,
É a brisa que infla meus braços de vela
E incita minhas mãos sem direção
A remar em teus claros lagos.
LI
Tão logo se dissipem as neblinas, As teias emaranhadas que retardam os passos,
Negros fios equilibrados em abismos,
Novamente eu buscarei o teu céu.
És-me tormento e paraíso absoluto
Estações claras e multiplicadas
Que além da razão e do fôlego me levam
Inerte e leve feito folhagem ao vento.
Tão logo as penumbras se calem
Eu, cego na luz dos teus olhos,
Despertarei meus sonhos em teus femininos vales,
Em cestas de vime guardarei teu sumo
Tuas essência reveladora de intermináveis sóis
E desperto, seguirei tua eterna estrela.
LII
A lua remete seus raios de prata Nas almas caladas que incitam a noite
Com seus internos cantos de tristeza e solidão.
Mistérios de estátuas que solitárias sangram.
Os humanos bosques silentes balançam
Seus corações de rede vazada
E como metálicas parabólicas serenas
Aguardam as ilusões que trazem os ventos.
Seus braços verdes, suas raízes de sonhos
Plantadas nas rasas planícies orvalhadas
Esperam o celeste e maduro pomo
O tempo secreto onde os corpos se aquecem
Os desejos crescem livres e desenfreados
E os corações apaixonados, enfim, se encontrem.
LIII
Constantemente e tanto amo a ti Que, quando desperto, abro teus olhos
Respiro com tuas narinas perfumadas
As luzes do vento saltando as janelas.
Amo-te em vida e cinza morte
E em qualquer região revelada
Me descubro cativo alimento em teus
Lábios
Vermelho e suave fruto
No espelho das almas te encontro
Fogueira de canto e estrelas
Reflexo dos meus alegres dias;
Abraço o meu corpo e sinto
O mel que emana do teu corpo
Capricho celeste que nos une.
LIV
Rasante trator que sulca os torrões da alma Com seu arado de sensações e enigmas,
Seu constante labor de cultivar sonhos
E esperança nos olhos humanos.
Por sobre os solos dispersos
Pulveriza o seu líquido canto de ilusão
Aduba e acalenta a semente
Lançada no ar como felicidade que brilha
Em esquinas feitas de dias e ventos.
Nos braços, ergue o desejo bravio
Latente vontade de os céus desvendar.
Com a boca recolhe os frutos
As riquezas da farta seara
E o seu nome, amor, no coração é armazenado.
LV
Outras praias enluaradas,
Outros recantos onde os amores se banham
Se encontram e se fundem num mesmo corpo
Não ouso, não quero descanso.
Tuas mãos de palmeiras são-me suficiente:
Abrigam-me dos seguidos maus tempos
Põem em meus olhos serenos
O desejo de querer-te a cada pôr do sol.
E é na tua desafiadora boca
Que o mar recita segredos do infinito,
Fala dos poéticos e etéreos ventos.
Não quero outros paraísos, outros amores
Senão a cabana de tua companhia,
A segurança tranqüila dos teus beijos.
Copyright® Rogério Germani
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