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ROMED Volume 2 | Número 2 | Set. 2016
O PANORAMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA E O MODELO
BUROCRÁTICO ESTATAL PROPOSTO POR MAX WEBER
PANORAMA OF BRAZILIAN PUBLIC ADMINISTRATION AND
BUREAUCRATIC MODEL STATE PROPOSED BY MAX WEBER
Paola Caroline Canto LENZ1
RESUMO: Max Weber (1864/1920) considerado como o pai da sociologia moderna sempre desenvolveu seus estudos a partir de uma realidade concreta, tendo o método compreensivo como base de seus estudos. Um destaque de sua vasta obra são suas considerações a respeito da burocracia como mecanismo institucional de governança. Assim, como instituto exemplar dos estudos weberianos, o presente artigo expõe sobre as características do modelo burocrático e suas possíveis disfunções, além de discutir brevemente sobre o panorama do Estado Burocrático no Brasil, propondo uma análise crítica sobre o tema no âmbito da Administração pública. Palavras-chave: Administração Pública. Burocracia. Estado. Max Weber.
ABSTRACT: Max Weber (1864/1920) considered the father of modern sociology always developed his studies from a concrete reality, having the comprehensive method as a basis for their studies. A highlight of his vast work is his remarks about the bureaucracy as an institutional mechanism of governance. So, as an exemplary institute of Weber´s studies, this paper expounds on the characteristics of the bureaucratic model and its possible disorders, and discusses briefly about the outlook of the Bureaucratic State in Brazil, proposing a critical analysis on the topic within the public administration. Keywords: Bureaucracy. Max Weber. Public Administration. State.
INTRODUÇÃO
O alemão Karl Emil Maximilian Weber (Max Weber) é considerado um dos
fundadores do estudo sociológico moderno, também foi jurista, historiador e
1 Acadêmica do 10° período do curso de Bacharelado em Direito da FAE Centro Universitário. E-mail paolaccanto@gmail.com
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economista. Nascido em Erfurt – Alemanha em 21 de abril de 1864, seus estudos
referenciam até hoje a sociologia e a ciência política moderna.
O essencial de suas análises relaciona-se com o papel da burocracia em
uma democracia. Ele elaborou um conceito de burocracia baseado em
elementos jurídicos do século XIX, concebidos por teóricos do direito. Para o
sociólogo, a máquina política era indispensável na democracia de massas
modernas, analisando, porém, a formação do sistema de modo dialético onde a
democracia deveria opor-se à burocracia como tendência racional.
E, embora fosse um intelectual envolvido com a política da época, Weber
era um entusiasta da objetividade e da racionalização do aparato estatal.
Através dessa racionalização destacava a impessoalidade, o formalismo,
a previsibilidade e a aptidão técnica do modelo burocrático ao mesmo passo que
temia pelo alcance da rigidez do sistema sobre as liberdades públicas e sobre a
atividade política.
Weber introduziu pinceladas de pensamentos de Marx, Durkheim e
Nietzche em seus estudos, partilhando suas abordagens sociológicas das ideias
e, especialmente, acerca do materialismo histórico tão presente nas análises de
Marx.
A sociologia de Max Weber auxilia-nos a entender o mundo social com
base nas ações dos indivíduos inseridos no contexto, baseando-se em métodos
compreensivos.
Vindo a falecer em 1920, os estudos weberianos foram amplamente
diversos e caracterizam uma herança histórica que serve como pilar para a
compreensão de fenômenos sociais da contemporaneidade (WEBER, 1982)2.
1. TEORIA DA BUROCRACIA NA ADMINISTRAÇÃO – MAX
WEBER
2 Estudos executado com base na Introdução da obra “Ensaios de Sociologia” de Max Weber desenvolvida por HANS GERTH e C. WRIGHT MILLS (WEBER, 1982).
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A burocracia como uma formação social se insere em um vasto transcurso
histórico, o qual tangencia a necessidade de um processo de racionalização da
sociedade. Essa ideia de racionalização advém dos estudos de Max Weber, em
meados do século XIX, a qual ocorre no plano da organização ou da estruturação
social, devido à fragilidade das Teorias Clássicas e das Relações Humanas. Na
seara administrativa, a burocracia surgiu conjuntamente com o Estado liberal,
como uma forma de defender a coisa pública contra o patrimonialismo (BRASIL,
1995 apud MEDEIROS, 2006).
Thiry-Cherques (2009) menciona que a racionalidade formal weberiana é
composta pela calculabilidade e predicabilidade dos sistemas jurídico e
econômico. No âmbito das organizações, a racionalidade formal remete aos
aparelhos como o contábil e o burocrático, implicando em regras, hierarquias,
especialização e treinamento técnico. A racionalidade substantiva, por sua vez,
relaciona-se ao contexto dos fins operacionais dos sistemas legal, econômico e
administrativo.
Para Weber (1982) burocracia é o instrumento de administração,
localizado nas mais diversas instituições, a qual inclui o Estado, sendo a forma
mais eficiente e eficaz de uma organização. Max Weber, como bem define
Queiroz (2011), realiza uma análise da burocracia de forma típico-ideal, ou seja,
no sentido lógico, buscando “tipos” ideais que, se assim construídos e utilizados
servem de grande valia para investigação e exposição através de suas
características.
Assim, o tipo ideal de burocracia weberiana rege-se essencialmente pela
organização sistemática baseada na racionalidade. Tal organização vale-se do
princípio da hierarquia de cargos, da avaliação fixa de receitas e gastos, de
profissionais especializados, da divisão de tarefas e de critérios racionais e
estáveis de desempenho (WEBER, 1982).
A administração burocrática clássica foi implantada nos principais países
europeus no final do século XIX e nos Estado Unidos no começo do Século XX
(PEREIRA, 1996). Segundo Torres (2004, p.13) os estudos weberianos são
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extremamente pragmáticos, por compreender “os avanços organizacionais do
modelo burocrático como uma resposta moderna aos complexos e crescentes
problemas administrativos, causados pelo crescimento vertiginoso das
instituições públicas e privadas”, assim como o crescimento exponencial das
demandas estatais.
Não sendo diferente no Brasil, a instituição de uma burocracia orgânica
foi fruto do esgotamento do modelo de Estado até então adotado, visando o
exercício do poder público de forma mais eficiente (GUERZONI FILHO, 1996).
Mais precisamente, a administração burocrática foi implantada em 1936, com a
Reforma Administrativa promovida por Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes,
durante o governo de Vargas (PEREIRA, 1996).
A criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil3 em 1936 deu
origem ao Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), o qual tinha
como objetivo promover o desenvolvimento de uma máquina administrativa nos
moldes do modelo weberiano (TORRES, 2004). Torres (2004, p.153) menciona,
ainda, que:
Nesse contexto, um Estado mais racional e eficiente seria fundamental para o êxito do intervencionismo estatal, que visava garantir o desenvolvimento econômico e a incorporação político-social da burguesia nacional e de setores operários urbanos.
E é justamente pelas progressivas demandas estatais que surge a
necessidade de tornar a máquina administrativa mais ágil e eficiente, o impute
inicial para os estudos de Weber.
Weber (1982, p.247) cita que o desenvolvimento social causa uma
“crescente exigência subjetiva de satisfação organizada, coletiva e,
consequentemente burocrática das necessidades mais diversas”.
O historiador acreditava que “o mecanismo burocrático é para as demais
organizações como a máquina o é para os modos de produção não
mecanizados” (WEBER, 1982, p.249). Assim, o modelo de gestão pública
burocrática é baseado em métodos e técnicas nos quais o agente público fica
3 Lei n°184 de 28 de outubro de 1936.
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atrelado e deve seguir sistematicamente para atingir os fins a que almeja, além
de basear-se na meritocracia para o crescimento pessoal.
2. CARACTERÍSTICAS – FORMALIDADE / IMPESSOALIDADE
/ PROFISSIONALISMO
A organização burocrática baseada em métodos sistemáticos e racionais
possui três características fundamentais, quais sejam: a formalidade, a
impessoalidade e o profissionalismo.
Formalidade no sentido de haver uma estrutura burocrática repousada em
normas e regulamentos específicos, ou seja, registros escritos, que estipulem
direitos e deveres de seus agentes, os quais geram um aumento intensivo e
qualitativo do desenvolvimento interno das tarefas administrativas. Destaca-se a
necessidade de continuidade e controle, no sentido de ser a produção de bens
e serviços continuada, o que comporta um corpo administrativo qualificado e
constante (TORRES, 2004).
De acordo com Weber (1982), as organizações formais modernas
baseiam-se em leis rígidas, das quais a sociedade aceita, uma vez que se
entende que são definidas em função do interesse comum e não, apenas para
satisfazer aos caprichos arbitrários de um dirigente. Na sociedade burocrática,
de maneira formal, todos são iguais perante a lei, as regras e procedimentos são
aplicados de maneira uniforme e imparcial. Nesse sentido, o comportamento
sempre estará subordinado a regulamentos de maneira explícita, além de existir
um rígido controle para o seu funcionamento.
Segundo Torres (2004), no caso da administração pública, o
estabelecimento dessas regras tende a ser especialmente intenso, tendo em
vista que a maioria das ações do agente público deve estar previstas expressa
e analiticamente em uma vasta legislação. Assim, restringe a discricionariedade
do administrador e vincula seus atos às leis, gerando maior transparência e
facilitando seu controle.
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A relação entre as pessoas que integram as organizações burocráticas
são regidas por cargos definidos dentro de uma estrutura hierárquica, havendo
uma cadeia de comandos com responsabilidades, deveres e privilégios
específicos. No Estado burocrático, a avaliação fixa de receitas e também dos
gastos torna a utilização do orçamento público, por exemplo, extremamente
regulado e incumbindo à figura da autoridade o seu controle.
Ademais, a burocratização está diretamente ligada ao princípio da
especialização das funções administrativas conforme normatizações prévias e
objetivas, para Weber (1982, p.250):
As atividades particulares são confiadas a funcionários especializados que, com a prática, vão aprendendo cada vez mais. A resolução “objetiva” dos assuntos pressupõe primeiramente uma resolução conforme as normas calculadas e “sem levar em conta as pessoas”.
Nesse sentido, a posição do funcionário tem natureza de dever, existe um
compromisso profissional para com cada função de modo que administradores
ganham salários fixos e gerentes são treinados para melhor qualificação e
eficiência organizacional. Portanto, o tipo ideal seria o funcionário que cresce na
organização através de sua experiência e qualificação, sendo sua competência
a única base para manutenção de um cargo (Weber, 1982).
Weber (1982) cita ainda que, o normal seria que a posição de funcionários
públicos fosse vitalícia, de forma a assegurar uma atuação objetiva e rigorosa
específicas do cargo, livre de toda opinião pessoal, características inerentes ao
profissionalismo e a impessoalidade, sempre voltados ao desenvolvimento
racional da justiça. Como menciona o autor, uma vez que na administração
pública prevalece o técnico sobre o cidadão, ela é organizada de modo
hierárquico e não democrático.
3. EXERCÍCIO DO CONTROLE ATRAVÉS DO
CONHECIMENTO
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A administração burocrática significa, ainda, a dominação em virtude do
conhecimento, caráter, este, essencialmente racional.
A profundidade das análises de Weber consiste na relação por ele
estabelecida entre os fundamentos que legitimam o exercício do poder ao
aparato administrativo, sobretudo entre a dominação racional-legal e o modelo
burocrático (TORRES, 2004).
Max Weber prevê três tipos de dominação legítima: 1. dominação legal,
racional ou burocrática; 2. dominação tradicional; 3. dominação carismática. A
dominação legal, do qual seu tipo mais puro é a dominação burocrática, ocorre
em virtude da hierarquia nas funções e da observação imperativa de normas,
leis e regulamentos (TORRES, 2004).
Ensina Weber que a burocracia é baseada na dominação legal em
decorrência do estatuto, assim, explica Vasconcelos (2004, p.204):
A ideia básica é que qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à “lei” ou “regulamento” de uma norma formalmente abstrata. O tipo daquele que ordena é o “superior”, cujo direito de mando está, legitimado por uma regra estatuída, no âmbito de uma competência concreta, cuja delimitação e especialização se baseiam na utilidade objetiva e nas exigências profissionais estipuladas para a atividade do funcionário.
Portanto, esse processo de dominação racional tentaria eliminar da vida
na organização todos os elementos humanos e emocionais, passando a
administração burocrática a funcionar com base no formalismo impessoal
(WEBER, 1982).
A burocracia notoriamente por ser fundada em uma preparação
especializada, uma divisão funcional do trabalho, e uma infinidade de atitudes
metodicamente integradas e previsíveis faz com que ela seja um meio de poder
efetivo a serviço do homem que controla a organização. Torres (2004, p.18),
acerca do poder, assimila que “a relação entre burocracia e controle é intensa e
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conhecida: níveis mais elevados e sofisticados de controle exigem, quase
automaticamente, maiores e melhores estruturas burocráticas”.
Nesse viés, a geração de poder do Estado pressupõe o monitoramento
do sistema, envolvendo a coleta, o armazenamento e o controle regulares da
informação aplicada para os fins administrativos (BURKE, 2003), gerando uma
convergência tênue entre a relação política e burocrática.
Já com a especialização de conhecimentos objetiva-se diretamente o
crescimento da produtividade. Weber (1982) menciona, ainda, que a experiência
tende universalmente a mostrar que o tipo de administração de organização
puramente burocrático é, do ponto de vista técnico, capaz de alcançar o mais
alto grau de eficiência e é, nesta acepção, formalmente o meio mais racional de
levar a efeito um controle imperativo sobre os seres humanos. É justamente esse
exercício do controle através do conhecimento, ou seja, da competência técnica
que torna a administração burocrática essencialmente racional.
Portanto, o conceito de racionalidade dentro dos estudos de Max Weber
é um fundamental procedimento de controle para dominar as relações internas
administrativas e, principalmente, da sociedade como um todo. Nesse viés, a
obra weberiana permite estabelecer as características centrais da burocracia
moderna, inclusive no processo democrático contemporâneo, de modo a
compreender o papel do controle na gestão pública.
4. DISFUNÇÕES DA TEORIA BUROCRÁTICA – BREVE
CONTEXTO HISTÓRICO DAS REFORMAS NO BRASIL
O senso comum refere-se a burocracia como um lento e excessivo
processo de controle, ou seja, com uma percepção pejorativa do termo, uma vez
que o conceito de burocracia é comumente associado à hipertrofia de
composições administrativas, ou à superexposição de excesso de trâmites
desnecessários ao longo da execução de um procedimento administrativo
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(TORRES, 2004). Essa noção pejorativa é comumente percebida através do
estudo das disfunções de sua teoria.
Ao longo da história, o Estado assume várias feições. Essas mudanças
constantes fazem parte do processo de acompanhamento e conformação às
demandas da sociedade com novos atores e novas classes sociais. Como
mencionado, o Estado burocrático comportava instituições, em suma,
hierarquizadas, normatizadas e com rígido controle.
Ocorre que os modelos ideais e teóricos analisados por Weber muitas
vezes não correspondiam à realidade prática, principalmente se pensada de
forma apolítica. Ademais, a rigidez do modelo burocrático começou a provocar
ineficiências administrativas, verificou-se que o modelo possuía limitações que
traziam prejuízos à gestão das organizações públicas (MEDEIROS, 2006). O
declínio do modelo burocrático se deu, sobretudo, pela crise do Welfare State, a
qual abrangeu elementos econômicos e políticos relacionados a mudanças das
sociedades capitalistas (OFFE, 1985 apud FILGUEIRAS, ARANHA, 2011).
Nesse sentido, a teoria weberiana foi severamente criticada pelo seu amontoado
de disfunções.
Segundo Pereira (1996), a administração pública burocrática clássica foi
abraçada porque era uma opção muito superior à administração patrimonialista
do Estado. Porém, o pressuposto de eficiência em que se repousava não se
revelou real. O exagero no controle reservada às mãos dos mais altos
administradores, devido ao sistema hierárquico, gerava abusos de poder,
tornando as relações burocráticas tipicamente autoritárias. O excesso de
formalismo e a rigidez dos procedimentos ocasionava uma morosidade no
andamento da máquina pública. Por haver um vasto número de regras, leis e
regulamentos pré-determinados, o conformismo às rotinas e procedimentos era
uma consequência, que por sua vez gerava uma grande resistência à mudanças
(TORRES, 2004).
Ainda, segundo Freitas (1997, apud MEDEIROS, 2006) o destaque do
fator impessoalidade na administração burocrática, pode não ser a melhor
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maneira de guiar a administração estatal, caso sejam considerados contextos
culturais específicos. O estímulo à impessoalidade vai de encontro à expectativa
do Estado Moderno de incentivar a participação de seus servidores. Os modelos
burocráticos tradicionais, pela sua neutralidade e mentalidade, abafariam essa
motivação (MARCELINO, 1998, apud MEDEIROS, 2006).
Assim, a centralização administrativa do clássico Estado burocrático de
cunho intervencionista não mais atendia as demandas sociais de
democratização e eficiência do serviço público. Para atender o esgotamento do
modelo burocrático weberiano, através da reforma do Estado no século XX, a
administração pública passou a adotar padrões gerenciais. Padrões estes
seguidos inicialmente em países como Estados Unidos, Austrália e Nova
Zelândia, e posteriormente na Europa Ocidental e no Canadá (ABRUCIO,1997
apud REIS, 2014, p.106).
Para Pereira (1996), a premência de uma administração pública
gerencial, inspirada na administração de empresas privadas, decorreu de
problemas não só de crescimento e da consequente distinção de estruturas e da
complexidade exponencial dos inúmeros problemas a serem enfrentados, mas
também de legitimação da burocracia diante das exigências sociais.
No Brasil, ainda segundo Pereira (1996), a ideia de administração
pública gerencial começou a ser esboçada na primeira Reforma Administrativa
em 1967, com a edição do Decreto-Lei n°200 de 25 de fevereiro de 1967, no
governo militar. O Decreto-Lei buscava introduzir práticas mais gerenciais na
esfera pública. Em seus 215 artigos, normatizava e padronizava procedimentos
nas áreas de pessoal, compras governamentais e execução orçamentária, além
de estabelecer cinco princípios fundamentais para a estruturação pública, quais
sejam – planejamento, coordenação, descentralização, delegação de
competências e controle (TORRES, 2004).
De 1967 até 1988, com a promulgação da Constituição Federal
Brasileira, o processo de descentralização da administração pública se
acentuou. No contexto dessa nova ordem as mudanças não se deram apenas
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na estruturação do Estado, mas, principalmente, na relação que este mantinha
com a sociedade. Em 1979, inclusive, foi criado o Ministério da
Desburocratização4, voltado a ressaltar a importância do cidadão como
contribuinte e não mero espectador dos atos estatais, abreviando soluções para
casos em que a interferência do Estado fosse necessária (TORRES, 2004).
Em 1896, o então Presidente José Sarney extinguiu o Dasp, criando a
Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap), a
qual ficou encarregada dos esforços de modernização e racionalização da
administração pública federal, diretamente relacionada ao Presidente (TORRES,
2004).
Em 1988, contrariamente ao ideal de desburocratização, a Constituição
Federal revelou-se um retrocesso, sobre esse ponto leciona Pereira (1996,
p.13/14):
Em um momento em que o país necessitava urgentemente reformar a sua administração pública, de forma a torná-la mais eficiente e de melhor qualidade, aproximando-a do mercado privado de trabalho, o inverso foi realizado. O serviço público tornou-se mais ineficiente e mais caro, e o mercado de trabalho público separou-se completamente do mercado de trabalho privado. A separação foi proporcionada não apenas pelo sistema privilegiado de aposentadorias do setor público, mas também pela exigência de um regime jurídico único, que levou à eliminação dos funcionários celetistas, e pela afirmação constitucional de um sistema de estabilidade rígido, que tornou inviável a cobrança de trabalho dos servidores.
Assim, em 1995 o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, pelo
governo do Fernando Henrique Cardoso, retomou as atenções para a
necessidade de se adotar medidas administrativas no sentido de possuir
instrumentos eficientes que resguardassem êxito nas demandas içadas pelo
processo de globalização e pela redefinição na maneira de atuação do Estado
(TORRES, 2004). Pereira (1996) menciona que esta Reforma possuía, a curto
prazo, o objetivo de facilitar o ajuste fiscal e, a médio prazo, de tornar mais
eficiente e moderna a administração pública.
4 Instituído através do Decreto n°83.740 de 18 de julho de 1979.
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Em termos gerais, esta transição de modelo burocrático weberiano para
a administração administrativa gerencial ficou muito aquém dos objetivos
esboçados no Plano Diretor. Portanto, às mudanças para os novos modelos de
gestão serviram como uma melhoria do modelo burocrático, especialmente em
sua dimensão cultural, com a inserção do tema da reforma da administração
pública na agenda de debates do país (MEDEIROS, 2006).
Para Abrucio (1997, apud MEDEIROS, 2006, p.150):
O gerencialismo seria um “pluralismo organizacional sob bases pós-burocráticas vinculadas aos padrões históricos (institucionais e culturais) de cada nação”, não se constituindo num novo paradigma capaz de substituir por completo o antigo padrão burocrático weberiano.
Apesar dos entraves pelos quais a reforma administrativa do governo de
Fernando Henrique Cardoso passou, houve avanços nos instrumentos de gestão
e uma mudança cultural notável no interior do serviço público brasileiro
(ABRUCIO, 2007 apud FILGUEIRAS, ARANHA, 2011).
Mais recentemente, alguns autores trazem o entendimento da era
administrativa pós-burocrática. Vasconcelos (2004, p.216), estudando tais
doutrinadores, revela que o tipo organizacional pós-burocrático representa-se
por “organizações simbolicamente intensivas, produtoras de consenso através
da institucionalização do diálogo”. Continua o autor, são características de tais
organizações: a constituição de trabalhos de grupos flexíveis e forças-tarefas
temporárias com objetivos claramente delineados, a disseminação de
informações, a prática do feedback e avaliações de performance, ou seja, o
desenvolvimento de uma capacidade de resiliência e maleabilidade na
organização.
Vasconcelos (2004) menciona, ainda, que a proposta primordial contida
no ideal desses autores é que o comportamento pós-burocrático ainda permeia
as entrâncias das próprias estruturas burocráticas e que, possivelmente poderão
evoluir em direção a um modelo organizacional estável e consolidado, capaz de
se institucionalizar como modelo dominante. E este modelo tem legitimidade na
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recuperação da autoridade carismática, o que demonstra não haver atualmente
organizações puramente pós-burocráticas, como explica o autor:
Esta hipótese explicaria por que organizações puramente pós-burocráticas não existem (por não ser possível construir duravelmente organizações de grande porte baseadas exclusivamente em padrões de autoridade carismática). A organização pós-burocrática permanece assim limitada a enclaves não-burocráticos (legitimados carismaticamente) dentro de um universo ainda largamente normativo, legitimado pela autoridade racional-legal (VASCONCELOS, 2004, p.217).
Assim, nesse contexto mais amplo de transformações do Estado
brasileiro advindas do declínio do modelo burocrático weberiano, observa-se
uma premência na tentativa de eliminação de um passado patrimonialista. Nesse
contexto, as reformas administrativas no Brasil tem, desde então, papel
fundamental no projeto de modernização, buscando respeitar um processo
planejado de transformação (FILGUEIRAS, ARANHA, 2011).
CONCLUSÃO
É cristalino que a percepção pejorativa da palavra burocracia é a mais
difundida atualmente, não obstante, como visto, os estudos weberianos nos
levam a um entendimento muito mais profundo e totalmente contrário à lentidão
da máquina pública. Para Weber a administração burocrática significava
fundamentalmente o exercício do controle baseado no conhecimento
(competência técnica), aspecto este que a faz especificamente racional e com o
objetivo de tornar a administração ágil e eficiente.
O autor idealizou, justamente, a burocracia como otimização dos meios
para consecução de seus objetivos. Contudo, por mais que fosse um defensor
da burocracia no sentido técnico da palavra, o autor era contra que o aparato
burocrático ganhasse ênfase no jogo político, ou seja, ele defendia o controle
político da burocracia, e não o inverso. E ficava nítido o interesse dos
governantes em preservar e fortalecer uma burocracia pública, uma vez que
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esse processo lhes aumenta os poderes políticos, posto a premência de um
controle inerente ao sistema.
Assim, com os processos de transformação do Estado a rigidez do
modelo administrativo burocrático proposto por Weber se viu absorto da
realidade prática, não mais atendendo as demandas sociais, o que gerou as
diversas Reformas no Estado em decorrência de suas disfunções.
De outro viés, em um Estado onde a corrupção é cada vez mais presente
e o controle dos atos estatais está em constante esquecimento no dia-a-dia da
Administração Pública e, com a herança do Patrimonialismo português ainda
arraigado em nossa cultura pertinente se faz o entendimento de que não foi a
Teoria que apresentou disfunções, mas a prática da máquina pública que a
corrompeu.
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