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O FIO DA HISTÓRIA, FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRIMÁRIOS NO CURSODE MAGISTÉRIO NA ESCOLA 28 DE NOVEMBRO
Ivone Goulart Lopes45
José Carlos da Silva46
Lakslau Luz Pereira47
GT – 05
Resumo: O trabalho analisa o processo de formação de professores no curso de magistério nomunicípio de Ouro Preto do Oeste/RO, (1983-1988), buscando compreender o projetoeducativo da Escola Estadual “28 de Novembro”. Fontes privilegiadas são os documentosescolares, depoimentos de ex-alunos e antigos professores, levantamento bibliográfico quecaracterizam um acervo importante do ponto de vista da história da educação regional.Verifica-se que a profissionalização do magistério significou a conformação progressiva deum corpus de conhecimentos relacionados ao ofício docente, transmitidos no interior daEscola. Experiência pedagógica pioneira de formação de professores na cidade e quebeneficiou grandemente o município. Compreender como esta escola traduziu, mediante suaspráticas, seus métodos de ensino, sua ambiência, o movimento de modernização escolar daépoca. Perceber as formas de socialização escolar que compõem a identidade dos discentesque impregnava a configuração social, a experiência profissional. Apoia-se na abordagem deFrançois Dubet sobre as profissões que se remetem ao trabalho sobre o outro, que parte dopressuposto de que o trabalho no e sobre o outro nas suas origens, foi concebido como umprograma institucional. Em Claude Dubar sobre o processo de profissionalização, entendidocomo um processo de socialização, que s e desenvolve ao longo de toda a trajetóriaprofissional do indivíduo.
Palavras-chave: Formação de Professores; Curso de Magistério, Ouro Preto do Oeste/RO.
45Professora Doutora em Educação, ivone.goulart@hotmail.com, Faculadade Uneouro/RO.
46Professor Especialista, zecarlo7@hotmail.com, Faculadade Uneouro/RO.
47Aluno do 7º semestre de Pedagogia, lakslauluz@hotmail.com, Faculadade Uneouro/RO.
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III EHECO – Catalão‐GO, Agosto de 2015
Introdução
Este artigo analisa o processo de formação de professores no curso de magistério no
município de Ouro Preto do Oeste/RO, (1983-1988), buscando compreender o projeto
educativo da Escola Estadual “28 de Novembro”. As fontes primárias investigadas foram os
documentos da escola. Verifica-se que a profissionalização do magistério significou a
conformação progressiva de um corpus de conhecimentos relacionados ao ofício docente,
transmitidos no interior da Escola. Experiência pedagógica pioneira de formação de
professores na cidade.
O Grupo de Estudo e Pesquisa sobre História da Educação e Memória do município de
Ouro Preto do Oeste/RO, ligado a Faculdade Uneouro, busca compreender como esta escola
traduziu, mediante suas práticas, seus métodos de ensino, sua ambiência, o movimento de
modernização escolar da época, as formas de socialização escolar que compõem a identidade
dos discentes que impregnava a configuração social, a experiência profissional.
As fontes privilegiadas são os documentos escolares, depoimentos de ex-alunos e
antigos professores, levantamento bibliográfico que caracterizam um acervo importante do
ponto de vista da história da educação regional.
Trata-se de uma pesquisa sócio-histórico, documental de uma instituição educativa, de
formação de professores, na perspectiva de Magalhães (1999), Antonio Nóvoa (1991-1992),
que têm na instituição escolar seu foco de estudo, estabelecendo um referencial teórico
metodológico para análise da organização educativa, enquanto espaço de produção de
práticas.
Este estudo apoia-se também na abordagem de François Dubet (2002) sobre as
profissões que se remetem ao trabalho sobre o outro, que parte do pressuposto de que o
trabalho no e sobre o outro nas suas origens, foi concebido como um programa institucional.
Em Claude Dubar (1997) sobre o processo de profissionalização, entendido como um
processo de socialização, que se desenvolve ao longo de toda a trajetória profissional do
indivíduo.
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O curso de Magistério na Escola 28 de Novembro
Amanhã, novos caminhos serão abertos. Amanhã, quando os Educadores construírema estrada larga, duplicada, de fácil acesso, asfaltada com risos e lágrimas, saberemosque foi rastreada ontem e hoje, rasgada na floresta de obstáculos e conflitos, que é ocaminho da educação (SÁ, 2001, p. 3).
É importante localizar, no tempo e no espaço, a trajetória da formação de professores
neste município. De início, impõe-se uma retrospectiva histórica, desde o surgimento da
primeira Escola de Magistério na Escola “28 de Novembro” (1983-1988), passando para a
Escola Joaquim Avelino de Lima que ofertou o curso Magistério entre os anos 1989-2001,
dando sequência na formação de professores na região, bem como a formação nos cursos de
Logus II e outras modalidades ofertadas por faculdades de várias localidades através de
módulos, até chegar a Faculdade Uneouro que está ofertando o curso de Pedagogia, neste ano
formando o primeiro grupo.
A história da formação de professores no Brasil demonstra que os cursos
profissionalizantes - habilitação Magistério - tiveram um papel fundamental na formação de
recursos humanos habilitados para atuação nas séries iniciais do primeiro grau, atual ensino
fundamental. Foram os cursos denominados “Normal” até os anos 60; de “Magistério”, a
partir dos anos 70; e de “Normal”, novamente, após 1996, que possibilitaram a passagem do
ensino realizado por leigos para o ensino assumido por profissionais qualificados para o
exercício desta importante função (PIMENTA, 1997).
No início da implantação do o Projeto Integrado de Colonização Outro Preto, ou
simplesmente, PIC Ouro Preto os professores eram na sua grande maioria sem formação
adequada, vários quase sem instrução. Os cursos de Magistério contribuíram para melhoria
dos procedimentos pedagógicos nas escolas e imprimiram um caráter científico e profissional.
Pouco a pouco, a atividade de ensinar crianças foi sendo percebida como uma atividade
complexa, que necessitava de profissionais capazes de dominar as teorias pedagógicas e
metodológicas, além dos conhecimentos científicos de cada disciplina curricular da pré-escola
até a 4ª série.
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Fig.1 - Fonte: SEMECE, Ouro Preto do Oeste/RO.
A regra geral para a formação do professor, ditada pelo artigo 30 da Lei 5.692/71
evidencia a existência de dois esquemas: o primeiro, correspondente à formação dada por
cursos regulares e, o segundo, correspondendo à formação regular acrescida de estudos
adicionais, pressupondo a existência de 5 níveis de formação de professores, a saber: 1)
formação de nível de 2º grau, destinada a formar o professor polivalente das quatro primeiras
séries do 1º grau; 2) formação de nível de 2º grau com 1 ano de estudos adicionais, para
formar o professor apto a lecionar até a 6ª série do 1º grau; 3) formação superior em
licenciatura curta, destinada a preparar o professor para uma área de estudos e a torná-lo apto
a lecionar em todo o 1º grau; 4) formação em licenciatura curta mais estudos adicionais,
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preparando o professor de uma área de estudos com alguma especialização em uma disciplina
dessa área, apto a lecionar até a 2ª série do 2º grau; 5) formação em nível superior em
licenciatura plena, destinada a preparar o professor de disciplina, apto a lecionar até a última
série do 2º grau.
A Escola “28 de Novembro”, ofertava formação de nível 2º grau, destinada a formar o
professor polivalente das quatro primeiras séries do 1º grau.
Ata de resultados finais, alunos do curso de Magistério da Escola “28 de Novembro”:
Fig.2 - Fonte: SEMECE, Ouro Preto do Oeste/RO. 1988
A formação docente, profissionalização-socialização
A gênese da profissão docente é anterior à estatização da escola, pois, desde o séculoXVI, vários grupos sociais, leigos e religiosos, consagram cada vez mais tempo eenergia à atividade docente (NÓVOA, 1991, p.118)
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Do ponto de vista da temática “formação docente”, Lopes (2013, p. 28) coloca que
Dubet em seu livro, El declive de la institución (2002), traz como tema central o trabalho
realizado no/sobre o outro, entendido dentro de uma transmissão de hábitos, costumes,
valores e formas de ação e disposições adquiridas pelo processo de socialização. Para ele, o
programa institucional da modernidade seria a tentativa de combinar socialização dos
indivíduos e formação de um sujeito em torno de valores universais, para articular a sua
integração social e sistêmica na sociedade.
A categoria de trabalho sobre o outro não só nos parece explicativa de certas
especificidades da profissão docente, como é sugestiva a diferenciação que Dubet estabelece
entre os professores primários (instituteurs) e os professores secundários (professeurs). Sob o
influxo do ideário da Escola Nova, que trouxe a criança para o centro da escola primária, os
professores desse nível passaram a se constituir em especialistas da infância, da psicologia e
da didática e o que identifica esse professor é o cuidado com a criança (idem, p. 94 apud
Mendonça, 2012, p. 14).
Jean Claude (1997) na sua abordagem sociológica sobre o processo de
profissionalização, entendido como um processo de socialização, que se desenvolve ao longo
de toda a trajetória profissional do indivíduo, tem como ponto central a articulação entre dois
processos identitários heterogêneos. Lopes (2013, p. 34) comenta que o primeiro, que diz
respeito à atribuição de identidade pelas instituições e pelos agentes diretamente em interação
com o indivíduo. Só pode ser analisado dentro dos sistemas de ação no qual o indivíduo está
inserido e resulta de relações de força entre os atores envolvidos e da legitimidade das
categorias utilizadas, que são impostas coletivamente e que levam a formas variáveis de
etiquetagem. O outro processo refere-se à incorporação da identidade pelos próprios
indivíduos, e só pode ser analisado considerando-se as trajetórias sociais por meio das quais
os indivíduos constroem identidades para si. Nesse caso, a legitimidade irá depender daquilo
que tem subjetivamente importância para o indivíduo.
A construção das identidades para Dubar (1997) se faz, portanto, na articulação entre
os sistemas de ação que propõem identidades virtuais e as trajetórias vividas pelos sujeitos,
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por meio e no seio das quais se formam as identidades reais, em um processo constante de
negociação, que se realiza dentro de um determinado campo de possibilidades. Para esse
autor, tanto as esferas do trabalho e do emprego, quanto a da formação constituem domínios
pertinentes das identificações sociais dos indivíduos, sempre pensadas como configurações
relativamente estáveis, mas igualmente evolutivas. Essa análise é muito sugestiva para pensar,
no caso dos professores das escolas normais, ou seja, a relação entre biografia e identidade
profissional e, igualmente, a relação inter-geracional. Para Dubar, desse último ponto de vista:
A identidade social não é “transmitida” por uma geração à seguinte,ela é construída por cada geração, com base em categorias e posiçõesherdadas da geração precedente, mas também através das estratégiasidentitárias desenroladas nas instituições que os indivíduos atravessame para cuja transformação real eles contribuem (opus cit., p. 118).
O curso de magistério da Escola “28 de Novembro” passa, então, a ser interpretado
não apenas segundo seus condicionantes externos – as relações dessa modalidade de ensino
com as políticas educacionais, por exemplo - mas, fundamentalmente, segundo as maneiras
pelas quais seus docentes e discentes se relacionam no interior desse espaço social. Assim, as
identidades, fruto dos processos de socialização, são “o resultado simultaneamente estável e
provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos
processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as
instituições” (DUBAR, 1997, p. 115).
Reconhece-se a organização hierarquizada do ambiente escolar, mas também sua
vinculação com a sociedade mais ampla na qual a própria escola encontrava-se inserida, e, no
mesmo movimento de análise, busca-se, na coerência de sua estrutura organizacional, suas
práticas, seu cotidiano, seus níveis de flexibilidade diante das normas impostas (VIÑAO
FRAGO, 1995).
Identificamos como esses professores foram constituindo uma cultura docente
específica desse segmento da categoria, objetivada nas suas práticas e transmitida de geração
a geração, através da memória da corporação, configurando uma tradição inventada, na
perspectiva proposta por Escolano (1999). Partimos do pressuposto de que esses professores
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construíram historicamente uma identidade profissional distinta, com implicações tanto na
dimensão deontológica (referida a valores), quanto na dimensão epistemológica (da relação
com o saber) da profissão, constituindo uma cultura docente (ou culturas) diferenciada. Essas
duas dimensões interferem nas práticas desenvolvidas por esses professores no que se refere
ao seu trabalho especificamente docente.
A organização escolar, como expressão e ao mesmo tempo produtora da cultura
escolar, deve ser compreendida como um conjunto de normas e práticas produzidas
historicamente por sujeitos e grupos determinados com finalidades especificas, que estão
relacionadas à definição dos saberes a serem ensinados, das condutas a serem modificadas e
de todo um processo não só de transmissão de saberes, mas de modificação do habitus
pedagógico. Modificar o habitus é um ato de (re) criação e trabalho de produzir novos
sentidos e formas de inteligibilidade.
Considerações Finais
Este texto se dedicou a apresentar o curso de Magistério da Escola “28 de Novembro”
na cidade de Ouro Preto do Oeste, 1º curso de formação de professores organizado num
estabelecimento da rede pública do Estado no município, se deteve sobre os anos 1983-1988,
período de funcionamento do curso neste colégio. Buscou entender a construção da identidade
institucional, o seu programa institucional, (seu projeto educativo), “o trabalho realizado
no/sobre o outro”, entendido dentro de uma transmissão de hábitos, costumes, valores e
formas de ação e disposições adquiridas pelo processo de socialização no dizer de Dubet
(2002) e de Dubar (1997).
O colégio preparou muitos professores para o mercado de trabalho, fez de muitos de
suas egressos universitários e educadores que mudaram o perfil dos profissionais da educação
deste rincão.
A escola construiu um caminho bastante peculiar, em que a tensão entre o tradicional e
o moderno constantemente se mantiveram presentes, como por exemplo, o controle
disciplinar, a presença vigilante em vista do bom costume e a preocupação e adoção de136
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métodos pedagógicos próprios da modernidade (métodos que privilegiavam o interesse e o
cotidiano da criança), para que os alunos tivessem uma formação à altura dos professores que
eram formadas pelas escolas das cidades maiores.
Seria vão voltar as costas ao passado para só pensar no futuro. É uma ilusão perigosaacreditar que haja aí uma possibilidade. O futuro não nos dá nada; nós é que, paraconstruí-lo, devemos dar-lhe tudo, dar-lhe nossa própria vida. Mas para dar é precisoter, e não temos outra vida, outra seiva, a não ser os tesouros herdados do passado edigeridos, assimilados, recriados por nós. De todas as necessidades da alma humananão há outra mais vital que o passado. (WEIL, 1996, p.418)
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