Post on 10-Jul-2022
O ENTORNO DA ACRÓPOLE DE ATENAS: UM OLHAR PARA O PROJETO
PAISAGÍSTICO DE DIMITRIS PIKIONIS
Thais Piffano Oliveira
Doutoranda em Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ (PROARQ-UFRJ)
na área de Teoria e Ensino de Arquitetura. Mestre em Arquitetura pela mesma Instituição. Arquiteta e
Urbanista pela FAU-UFRJ.
E-mail: thaispiffano@gmail.com
INTRODUÇÃO
O arquiteto grego Dimitris Pikionis (1887-1968) possui grande influência na
arquitetura produzida na Grécia até os dias atuais. Nos últimos anos, pesquisadores
tiveram acesso aos desenhos originais do arquiteto devido à divulgação de seus trabalhos
pelo Museu Benaki de Atenas, que o inclui em seus arquivos de arquitetura neo-helênica
e da arquitetura grega moderna. Outras divulgações também foram feitas pela Escola de
Belas Artes de Atenas (ASPA). Pikionis nasceu em Pireu e se graduou em Engenharia
Civil pela Universidade Técnica Nacional de Atenas (NTUA). Seguiu, então, para estudar
desenho e pintura em Munique e, depois, Paris, na Académie de la Grande Chaumière.
Retornou à Grécia em 1912 para concluir sua formação em arquitetura e deu início aos
primeiros estudos das tradições arquitetônicas neo-helênicas. Contemporâneo a Le
Corbusier e Mies van der Rohe, Pikionis se posicionava em favor de uma arquitetura
grega que fosse capaz de “reestabelecer uma harmonia moderna para o lugar em que o
próprio conceito de harmonia teve sua origem” (GARCÍA-SÁNCHEZ, 2011, p.106). Foi
professor da NTUA desde 1925 até sua aposentadoria, tendo o cargo de presidente em
19301. Entre seus projetos mais conhecidos, estão a Escola Experimental de Tessalônica
(1933), o Delphi Xenia Hotel (1951-1955) e o projeto de intervenção paisagística da
Acrópole de Atenas e do Monte Filopappou (1951-57), sendo este último o objeto de
estudo do presente artigo.
No famoso texto “The Grid and the Pathway” (1981), publicação da revista
Architecture in Greece, nº. 5, conhecida por apresentar pela primeira vez o termo
1 Informações de biografia disponível em benaki.org. Acesso em março/2021.
“regionalismo crítico” pelo arquiteto grego Alexander Tzonis e pela historiadora da
arquitetura Liane Lefaivre, a obra de Dimitris Pikionis é apresentada como inspiração
para a produção arquitetônica grega à época, além de outros nomes como Aris
Kontantinidis. O termo “regionalismo crítico” foi criado por Tzonis e Lefaivre e
empregado para descrever a obra dos arquitetos gregos Dimitris e Suzana Antonakakis
que, segundo os autores, tinham uma prática arquitetônica moderna capaz de valorizar a
cultura local grega através das influências dos caminhos de Dimitris Pikionis e do grid
racionalista presente na obra de Aris Kontantinidis. Posteriormente, Pikionis foi também
estudado por Kenneth Frampton, principal divulgador do conceito de “regionalismo
crítico” na década de 1980. Após serem apresentadas manifestações críticas ao conceito
por diversos teóricos, Frampton e os arquitetos criadores apresentaram algumas revisões
do conceito em suas publicações. Entretanto, entender a metodologia de projeto utilizada
por Dimitris Pikionis nos leva à compreensão de que sua obra assume diferentes formas
de expressão muito além de um conceito.
Os teóricos Tzonis e Lefaivre (1981, p.21) descrevem a obra de Dimitris Pikionis
como pioneira na crítica ao modernismo, tendo este reconhecimento também por Aldo
van Eyck e Lewis Mumford. Para os autores, o trabalho de Pikionis era livre do
“exibicionismo tecnológico” e do conceito de composição tão típicos das principais obras
dos anos 1950. Porém, antes de se estabelecer uma reflexão sobre o conceito de
composição desenvolvido na intervenção paisagística no sítio histórico de Atenas, é
necessário reconhecermos no projeto de Pikionis a existência de uma organização
geométrica cujo traçado determina a relação entre os edifícios e a forma. É importante
observar que Tzonis e Lefaivre não mencionaram a utilização do “método Doxiadis” em
suas análises das obras de Pikionis, apenas destacam a existência de uma “precisão
projetual”. Kenneth Frampton (1983, p.518) também não trata diretamente do assunto,
mas afirma “uma atitude completamente diversa, [...] um método friamente empírico”.
Sendo assim, através deste breve estudo buscamos analisar o método utilizado por
Pikionis no projeto de intervenção paisagística nos arredores da Acrópole de Atenas
através da análise de plantas, fotografias e publicações de pesquisas já desenvolvidas. Ao
invés de reconhecermos um “método friamente empírico”, podemos encontrar a
sensibilidade do arquiteto na escolha de evidenciar o sítio histórico nos caminhos
projetados da Acrópole até o Monte Filopappou. O estudo da obra de Dimitris Pikionis é
de grande importância no tema da valorização do patrimônio cultural e este artigo
apresenta parte de uma pesquisa mais ampla que confere influências filosóficas, artísticas
e seus desdobramentos na prática de ensino do arquiteto e em sua produção projetual.
Este artigo tem por objetivo contribuir para o reconhecimento e investigação das obras de
Pikionis no Brasil no âmbito das pesquisas acadêmicas em Arquitetura.
O arquiteto e urbanista grego Constantinos Doxiadis (1913-1975), que foi aluno
de Pikionis na NTUA, propôs ao final da década de 1930 um conceito matemático a partir
de uma análise compositiva de vinte e nove locais da Grécia Antiga. Doxiadis reconhecia
nos sítios históricos uma teoria geral para organização espacial baseada na seção áurea,
aplicando sistemas radiais e pontos focais que coincidiam com os pontos de vista do
espectador. Assim, tratava-se de demonstrar a existência de um sistema geométrico cujo
traçado relacionava todo o conjunto arquitetônico. A utilização do “método Doxiadis” na
obra de Dimitris Pikionis já é reconhecida por diversos pesquisadores e uma análise mais
detalhada pode ser conferida na pesquisa realizada por Kostas Tsiambaos2,
principalmente na publicação mais recente “From Doxiadis’ Theory to Pikionis’ Work”
(2018), considerando uma abordagem sobre os fios teóricos que conectam as estruturas
da arquitetura antiga aos da arquitetura moderna.
Segundo Tsiambaos (2018, p.68), o próprio Dimitris Pikionis relata em seus textos
que teve “a oportunidade de ‘praticar’, testar e verificar pessoalmente o valor da teoria de
Doxiadis”. A utilização do método na obra de Pikionis também é investigada nas
publicações de Alexander Papageorgiou-Venetas (2002) e García-Sánchez e Darío
Álvarez (2015), sendo consideradas outras influências das artes e filosofia em suas obras.
De fato, para se compreender o caráter das obras de Pikionis se deve ir além do que se
compreende como o conceito de “regionalismo crítico”. O reconhecimento de sua
2 Kostas Tsiambaos ocupa atualmente a presidência do DO.CO.MO.MO Grécia. Atua como professor
assistente de História e Teoria da Arquitetura na Escola de Arquitetura da Universidade Técnica Nacional
de Atenas (NTUA).
produção é, também, de grande importância para o debate sobre práticas arquitetônicas
modernas que consideravam especificidades locais ou regionais.
O “MÉTODO DOXIADIS” DE CONSTANTINOS DOXIADIS
Doxiadis teve seu trabalho reconhecido, principalmente, nas décadas de 1950 a
1960, quando desenvolveu projetos e planos urbanos para diversas cidades.
Anteriormente, o arquiteto e urbanista desenvolveu em 1936 uma pesquisa sobre os
espaços arquitetônicos da Grécia Antiga, a qual foi defendida em sua tese de doutorado
na Universidade Técnica de Berlim Charlottenburg. Doxiadis se tornou, então,
responsável pelo setor de planejamento da Região da Grande Atenas e a partir de 1940
por órgãos relacionados ao planejamento urbano e habitacional na Grécia.
A pesquisa elaborada por ele e publicada no livro intitulado “Architectural Space
in Ancient Greece” (1937) defendia que a localização dos edifícios e a organização dos
complexos templários na Grécia antiga guardavam regras baseadas na função da
percepção visual. Segundo a publicação, os gregos empregavam um sistema uniforme na
disposição dos edifícios no espaço, baseado nos princípios de cognição humana. As
poucas variações no sistema estariam relacionadas, principalmente, a fórmulas
matemáticas. Doxiadis (1972, p.3) ressalta ainda que seu estudo demonstra que grande
parte das mudanças ocorridas ao longo dos anos nos recintos sagrados e sítios históricos
da Grécia obedeceram às mesmas regras básicas de espaçamento arquitetônico.
Para argumentar a favor de sua teoria, Doxiadis (1972, p.4) relembra que o sistema
retangular de coordenadas, tão utilizado nos projetos urbanos à época, era completamente
desconhecido nos períodos arcaico, clássico e helenístico. Diferentemente de sistemas
projetados sob as leis das coordenadas axiais, os layouts urbanos investigados utilizavam
um sistema natural de coordenadas, conhecido como coordenadas polares, que formou a
base do planejamento local na Grécia Antiga e tinha como fator determinante o ponto de
vista humano. Seriam, então, definidos por esse sistema os lados e limites dos templos,
bordas dos altares, eixos das estátuas e assim por diante. Ou seja, o projeto arquitetônico
estava fundamentado no olhar humano e o local construído deveria coincidir com o campo
visual determinado por um ponto previamente estabelecido.
Sendo assim, Doxiadis (1972, p.5) desenvolveu princípios básicos para organizar
estruturas no espaço com base em suas análises, sendo alguns deles: os raios do ponto de
vista determinavam a posição de três cantos de cada edifício para que pudessem ser vistos
três quartos de cada edifício; as distâncias entre o ponto de vista e o objeto foram baseadas
em razões geométricas derivadas dos ângulos de visão; um ângulo era deixado livre de
edifícios e aberto diretamente para a paisagem circundante. Frequentemente este ângulo
estava no centro do campo de visão, representando um “caminho sagrado”; os edifícios
eram frequentemente dispostos de modo a acentuar características da paisagem existente
e criar uma composição unificada.
Podemos conferir a análise de Doxiadis sobre a Acrópole de Atenas (figura 01).
O teórico afirma que a posição do Erecteion, Partenon e da Calcoteca, edificação mais
próxima ao Partenon destinada ao armazenamento de bronze e objetos sagrados, foi
determinada por sua equidistância do ponto A. Segundo Doxiadis (1972, p.6), foram
utilizados dois sistemas matemáticos para edificações com dois estilos arquitetônicos
diferentes. Em geral, foram utilizados os ângulos de 30° próprios do sistema de doze
partes e proporções 1:2 no grupo de edifícios em estilo dórico. Já no espaço destinado ao
Templo Erecteion, que apresenta estilo puramente jônico, foram utilizados os ângulos de
18° e 36° do sistema de dez partes com a seção áurea.
Fig. 01: Sistema de coordenadas polares utilizado na Acrópole de Atenas. Disponível em:
https://www.doxiadis.org/ViewStaticPage.aspx?ValueId=4314. Acesso em: 02/04/2020.
São muitas as publicações que questionam as constatações de Doxiadis e sua
pesquisa gerou um debate com críticas opositoras entre historiadores da arquitetura. O
pesquisador Kostas Tsiambaos se dedicou à análise da obra de Doxiadis e observa que
sua teoria não deve ser entendida como um discurso arqueológico sobre arquitetura antiga
ou uma pesquisa que revela “segredos” da antiguidade. O autor afirma que a proposta de
Doxiadis forneceu uma ferramenta de projeto para os arquitetos modernos e só pode ser
entendida como uma “teoria do projeto que reflete o impacto da antiguidade na
modernidade”. Tsiambaos (2018, p.2) defende que a teoria de Doxiadis trata da
arquitetura grega antiga como “ideal estético para a arquitetura moderna”.
A INTERVENÇÃO DE DIMITRIS PIKIONIS NA ACRÓPOLE DE ATENAS
A intervenção de Dimitris Pikionis no sítio histórico de Atenas teve seu processo
de projeto iniciado em 1951. A ideia de intervir nos acessos da Acrópole de Atenas teria
sido do próprio arquiteto com o objetivo de retirar uma estrada asfaltada construída na
década de 1930 junto ao lado sul da colina da Acrópole para facilitar o acesso de turistas
ao local. A estrada passava pelo Teatro de Dyonisius, continuava até a Stoa de Eumenes,
cruzava a colina ao lado da entrada para o teatro de Herodes e terminava em uma rotatória
de grande tráfego logo abaixo do Propileu. Em descrição da obra iniciada em 1951,
Tzonis e Lefaivre (2003) relatam que a estrada e o estacionamento foram removidos
graças à campanha feita por Dimitris Pikionis juntamente com Prokopis Valileleadis,
então diretor de Planejamento Urbano do Ministério de Obras Públicas, solicitando que o
acesso direto ao local por automóveis fosse substituído por um caminho de pedestres. A
proposta, então, foi aceita pelo Ministro da Obras Públicas da Grécia, Konstantine
Karamalis, e o projeto se tornou parte do processo geral de recuperação da zona
arqueológica do centro da cidade. Envolveu a retirada da estrada asfaltada e sua
substituição pelo caminho projetado por Pikionis estendido até a área verde, cobrindo a
Acrópole até a colina de Filopapo (figura 02).
Fig. 02: Vista da estrada principal nas obras. Disponível em: https://www.documenta14.de/en/notes-and-
works/24119/dimitris-pikionis-1887-1968-. Acesso em: 02/04/2021.
O desafio de Pikionis era de sistematizar os acessos e as conexões entre as colinas
da Acrópole e de Filopappou. Ao longo de todo o processo, o arquiteto defendia sua
enorme responsabilidade em projetar uma paisagem nova que estivesse em conformidade
com a presença tão carregada de significados da Acrópole. Para Pikionis a natureza da
Grécia era singular e sagrada em todos os seus aspectos: luz, clima, na sua vegetação e
topografia. Era conhecida sua afeição pelo bizantino, pós-bizantino, pela arte folclórica e
pela tradição grega. Sua intervenção era uma aproximação interpretativa do arquiteto
diante de todos esses aspectos. É interessante perceber que a “invisibilidade” da obra e a
aparente irregularidade da disposição das pedras em mármore escondem um obsessivo e
rigoroso desenho. Os teóricos Tzonis e Lefaivre afirmam a importância daquele caminho
no contexto da prática arquitetônica dos anos 1950:
O caminho não é simplesmente uma instalação, não é apenas um corredor, uma
estrada conectando dois espaços. Como o padrão do grid, é um objeto cultural;
carrega em sua textura um comentário sobre a arquitetura contemporânea, a
vida e a sociedade. É um fluxo petrificado de passagens e lugares, lugares
feitos pelo homem que carregam uma declaração moral. Mesmo quando vazio,
eles têm uma voz. Eles são um protesto contra a destruição da comunidade, a
divisão de associações humanas, a dissolução do contato humano, a
transformação do encontro em transação (TZONIS, LEFAIVRE, 1981, p.21).
Fig. 03: Desenho da área ao redor da Acrópole e do monte Filopappou. Disponível em:
https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=159552&Item
id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.
Em todo o caminho projetado da colina de Filopappou e nos acessos dos pedestres
para a Acrópole, Tzonis e Lefaivre defendem que, opostamente à arquitetura dominante
da década de 1950, Pikionis apresenta um projeto livre de qualquer “opressão”, quase
“desmaterializado”. Esta característica de se desmaterializar estaria na capacidade de a
obra exprimir uma aparente ausência de intenção projetual. Para eles, o arquiteto teria se
apropriado do que os autores chamam de “componentes do lugar” e afirmam que o
vínculo com o “regional” não teria se baseado em nostalgia. Pelo contrário, em um
aspecto diferente, apresentam-se como plataformas para serem usadas no cotidiano e para
suprir o que a arquitetura contemporânea não ofereceria mais na vida cotidiana. Segundo
os autores (1981, p.21), “esta pesquisa em elementos locais é uma pré-condição para
alcançar o concreto e o real, e para reumanizar a arquitetura”.
Contudo, o aspecto mais relevante da obra está na completa capacidade do
arquiteto conciliar a utilização do método matemático baseado na disposição do
complexo templário com uma subjetividade quase pessoal de composição das pedras ao
longo do caminho, organizando um sistema em que se sobrepõem memória individual e
coletiva do lugar. Ao invés de ser conduzido por uma metodologia histórica rigorosa e
provável, as intervenções de Pikionis na paisagem histórica de Atenas foram guiadas por
sua sensibilidade artística:
Para sua proposta de design, ele introduziu referências mnemônicas a formas
familiares e queridas da antiga tradição arquitetônica grega [...]. Ele
discretamente tentou nos oferecer um acesso espacial à herança antiga. No
entanto, sua atitude em relação à antiguidade não foi assombrada. Ele estava
familiarizado com a pesquisa arqueológica e é uma metodologia rigorosa, mas
não era pessoalmente interessado nela (PAPAGEORGIOU-VENETAS, 2002,
p.5, tradução nossa).
Segundo Tsiambaos (2018, p.159), de toda a composição realizada no caminho da
Acrópole e no monte Filopapo, Pikionis aplicou o sistema de alinhamentos ópticos de
Doxiadis com mais detalhes em duas áreas: o pátio da Igreja de San Dimitrios
Lombardiaris (figura 4) e o mirante do monte Filopappou. Apesar da polêmica em torno
do método, Pikionis soube fazer uso da teoria de Doxiadis e defendeu tais proporções
com completa habilidade. Já na descrição feita por Álvarez sobre a obra de Pikionis,
podemos perceber a capacidade do arquiteto de ir além de uma mera aplicação de regras:
A planta do recinto é uma aplicação do "método Doxiadis". Dois focos
organizam a composição: um está localizado na porta de entrada e o outro no
centro do recinto. [...] Nos dois casos, o piso e os elementos complementares
também estão sujeitos a essa geometria visual, forçando os olhos do espectador
a seguir aquelas linhas quase invisíveis. Nada escapa à organização milimétrica
que relaciona formas plásticas ao local, incluindo a própria Acrópole. O
pavimento também é guiado pelo "método Doxiadis", resultando em uma
harmonização de pedra e mármore pensada até os últimos detalhes
(ÁLVAREZ, 2011, p.44, tradução nossa).
Fig. 04: Planta da área de intervenção junto à Igreja de San Dimitrios Loumbardiaris. Disponível em:
https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=158722&Item
id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.
Enquanto o caminho da Acrópole foi pensado para ser cuidadosamente discreto
para o pedestre (figura 05), o caminho da colina até o monumento de Filopappou recebeu
um outro tratamento. Neste caso, foi necessário utilizar o concreto em algumas áreas
devido ao acesso de veículos que foi permitido em alguns pequenos trechos. Aqui,
Pikionis estabeleceu um diálogo mais forte entre o regular e o irregular ao longo do
caminho de passeio e contemplação (figura 06). O arquiteto utilizou materiais
procedentes da demolição de casas do século XIX, sendo seu posicionamento
extremamente crítico a este processo de destruição. O uso das pedras recicladas foi uma
homenagem do arquiteto ao lugar. Nesta parte do caminho, é possível analisar e
compreender suas referências, uma proposta de cruzamento entre a imagem, a identidade
e a memória do lugar (GARCÍA-SÁNCHEZ, 2015, p.233).
Fig. 05: Caminho de acesso à Acrópole. Disponível em:
https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=160162&Item
id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.
Fig. 06: Detalhe do piso e bancos de mármore no monte Filopappou. Disponível em:
https://revistas.unav.edu/index.php/revista-de-arquitectura/article/view/4942. Acesso em: 02/04/2021.
Segundo Tsiambaos (2018, p.161), a implantação de bancos semicirculares pode
também possuir uma característica simbólica na função de um espelho óptico, uma
ferramenta em que cada local oferece uma perspectiva diferente do espaço. Dessa forma,
a planta do banco semicircular corresponderia ao campo visual em 180°. O percurso do
monte Filopappou irá culminar em um planalto com bancos de mármores e estruturas de
pedras (figura 07). Todos estão direcionados para a Acrópole, como se posicionassem o
visitante em pontos onde a vista fosse a melhor possível, buscando a imagem ideal.
Fig. 07: Desenho de Dimitris Pikionis para a posição de bancos no mirante. Disponível em:
https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=159566&Item
id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.
O arquiteto desenvolveu uma composição que é um diálogo aberto com as
preexistências locais, monumentos com indiscutível valor de antiguidade, que se
relacionam neste projeto com a paisagem e o tempo. Além da preocupação com o aspecto
visual dos caminhos, o corpo está fenomenologicamente engajado em suas escolhas:
Nós nos regozijamos no progresso de nossos corpos através da superfície
irregular da terra e nosso espírito é alegrado pela interação sem fim das três
dimensões que encontramos a cada passo [...]. Aqui o chão é duro, pedregoso,
íngreme, e o solo é quebradiço e seco. Lá o chão é plano; a água surge das
manchas de musgo. Mais adiante, a brisa, a altitude e a configuração do solo
anunciam a proximidade do mar. (PIKIONIS, Apud Frampton, 1995, p. 9,
tradução nossa).
De fato, a essência de Pikionis está na junção das características físicas de seus
materiais com as sensações produzidas ao pedestre ao longo do caminho. A forte relação
do arquiteto com as pedras é relatada em seu texto “Topografia sentimental” (1935) e nos
direciona a compreender sua preocupação projetual e sua supervisão prática constante na
execução do projeto. Pikionis entendia que a relação entre o arquiteto e a obra era
condição para que fosse produzida uma “arquitetura sensível e viva”, em lugar de uma
obra desprovida de imaginação. A pedra se torna protagonista da paisagem em sua razão
de ser e em sua identidade.
As bordas do seu perfil tornam-se encostas de uma colina, cristas de uma
montanha, encostas e precipícios abissais, suas cavidades são grutas e, das
fendas da rocha rosada, a água flui silenciosamente. Na parte esconde o todo.
E o Todo é a Parte. Você, pedra, desenha o diagrama de uma paisagem. Você
é a própria paisagem. Além disso, você é o templo que coroará as rochas da
sua Acrópole (PIKIONIS, Apud ÁLVAREZ, 2011, p. 38, tradução nossa).
A vegetação foi objeto de estudo especial sobre a composição, a forma, a cor e
qualidade simbólica das árvores. Foram eliminadas as árvores que, segundo o arquiteto,
não eram adequadas ao caráter do lugar. As espécies que haviam sido utilizadas em
grande quantidade foram reduzidas, como os ciprestes que competiam com as imagens
das colunas em ruínas antigas. Em uma de suas cartas para Karamanlis, Pikionis solicitou
que se atendesse fundamentalmente o reforço da vegetação baixa existente e a plantação
de oliveiras, pois eram consideradas mais adequadas para os lugares sagrados. Foram
criadas bifurcações em pontos estratégicos para marcar visões sugestivas e diversas para
a Acrópole. Todos os elementos eram posicionados detalhadamente para conduzir o
pedestre ao conjunto arquitetônico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo desta obra de Dimitris Pikionis para o entorno do sítio histórico da
Acrópole de Atenas apresenta o valor do exercício do arquiteto na relação respeitosa entre
o antigo e o novo, na consideração do corpo que percorre o caminho e na ênfase à
Acrópole de Atenas. A perplexidade produzida ao pedestre está na mistura das pedras
com o concreto, na trama geométrica que se funde à paisagem, no abstrato dos fragmentos
de restos arqueológicos entre símbolos conhecidos da cultura clássica mediterrânea que,
ao longo do caminho, jogam com a memória individual e coletiva dos que experimentam
o trajeto.
É possível perceber que o “método Doxiadis” poderia facilmente ser reduzido a
uma aplicação formal de regras projetuais, o qual se encerraria em leis matemáticas por
trás da organização de edifícios. Contudo, a capacidade de Pikionis associar um sistema
objetivo às especificidades do lugar permitiu novas percepções para o sítio histórico a
partir da sua intervenção paisagística (figura 08).
Fig. 08: Acrópole vista do topo da colina de Filopappou - Atenas, 1953-7. Disponível em:
https://archinect.com/news/bustler/5817/2017-norden-fund-awarded-to-pikionis-pathway-paving-the-
acropolis-and-deep-skins-roger-anger-s-fa-ade-operations. Acesso em: 02/04/2021.
Certamente são relevantes os aspectos que nos apontam para o estudo da obra de
Dimitris Pikionis e sua contribuição para o tema da consideração da cultura local na
produção contemporânea que, ao mesmo tempo, dialoga com a cultura arquitetônica mais
ampla. Percebemos uma prática projetual para além da sensibilidade e intuição do
arquiteto, um exercício rigoroso e dedicado. Por se tratar de um projeto de intervenção
paisagística em um sítio histórico tão consolidado, não há que se classificar a obra à luz
de um único conceito ou de um único método projetual, ainda que o conceito de
“regionalismo crítico” tenha sido o propulsor do reconhecimento internacional da obra de
Dimitris Pikionis na década de 1980. Entre a singeleza e a complexidade de seus projetos,
encontramos a busca por um diálogo entre o tempo, memória e história.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁLVAREZ, Darío Álvarez. El paisaje como obra de arte total. Dimitris Pikionis y el
entorno de la Acrópolis. Ra. Revista de Arquitectura, v. 13, 2011, p.37-49. Disponível
em: https://revistas.unav.edu/index.php/revista-de-arquitectura/article/view/4942.
Acesso em: 05 mai.2020.
DOXIADIS, Constantinos A. Architectural Space in Ancient Greece. MIT Press,
Cambrigde, 1972.
FRAMPTON, Kenneth. “Perspectivas para um regionalismo crítico” (1983). In:
NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995).
São Paulo: Editora Cosac, 2006.
FRAMPTON, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in the
Nineteenth and Twentieth Century Architecture. Cambridge, London: MIT Press, 1995.
GARCÍA-SÁNCHEZ, José F. Dimitris Pikionis: la alfombra pétrea. Revista PH, n. 87,
2015. Disponível: https://www.iaph.es/revistaph/index.php/revistaph/article/view/3568.
Acesso em: 05 mai.2020.
PAPAGEORGIOU-VENETAS, Alexander. The architect Dimitris Pikionis (1887-
1968). Memorial lecture by the author at the Architectural School of the National
Technical University of Athens. March, 2002. Disponível em: http://www.papageorgiou-
venetas.com/site/ergasies/4%20Dimitris%20Pikionis.pdf. Acesso em: 02 abr.2021.
PAPAGEORGIOU-VENETAS, Alexander. The “Athenian Walk”: a new pedestrian
approach to the Acropolis of Atens. Athens, 2002. Disponível em:
http://www.papageorgiouvenetas.com/site/ergasies/3%20The%20Athenian%20walk.pdf
. Acesso em: 05 mai.2020.
PIKIONIS, Demetrios et al. Dimitris Pikionis, architect 1887-1968: a sentimental
topography. London: The Architectural Association, 1989.
TSIAMBAOS, Kostas. From Doxiadis’ Theory to Pikionis’ Work: reflections of
Antiquity in Modern Architecture. London and New York: Routledge, 2018.
TZONIS, Alexander; LEFAIVRE, Liane. "The Grid and the Pathway: An Introduction to
the Work of Dimitris and Suzana Antonakakis", 1981. In: FRAMPTON, Kenneth. Atelier
66. New York: Rizzoli, 1985, p.14-25.
TZONIS, Alexander; LEFAIVRE, Liane. Critical Regionalism: architecture and
identity in a globalized world. University of Michigan: Prestel Publishing, 2003.
TZONIS, Alexander; LEFAIVRE, Liane. “Por que regionalismo crítico hoje?” (1990).
In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-
1995). São Paulo: Editora Cosac, 2006.