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O Uivar
Thiago Pined
1ª Edição
Rio de Janeiro / 2010
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Esse livro é relacionado á uma história fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, fatos e acontecimentos é mera coincidência sem nenhu-
ma intenção do autor.
Copyright © 2010 de Thiago Pined. Tudo reser-vados a Thiago Pined. A obra não pode ser copi-ada nem parcial nem totalmente, os infratores
serão processados na forma da lei. TÍTULO
O Círculo Noturno Vol. 1: O Uivar Pined, Thiago Thiago Pined / O Uivar – Rio de Janeiro; 2010.
1. Ficção; 2. Lobisomens ; 3. Literatu-
ra Infanto-Juvenil; 4. Literatura Brasi-
leira
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Para minha avó One
— não se esqueça de
rezar
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Agradecimentos especiais
a minha mãe, meu pai, tia
Andrea, meus professores
de Português - antigos e
novos - e a todos os
outros que me ajudaram
á realização desse sonho.
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Mamãe disse que tínhamos que nos mudar, mas eu realmente
não queria. Eu estava bem na minha casa no meio do nada em
Minas – para quem não sabe Minas Gerais, aquele estado do
Brasil.
Mas ele insistiu em ir para o Rio. Se alguém conhece o Rio de
Janeiro e Minas Gerais vai saber que não existe nada tão movi-
mentado como essa cidade. Está bem! Eu nunca fui a São Paulo
(porque dizem que é pior do que o Rio).
O engraçado era que o temos que nos mudar só caía a mim
porque eu que tive que me mudar, deixar as minhas vaquinhas,
boizinhos, cavalinhos, patinhos, galinhazinhas, para trás para
poder ir morar com a chata da minha tia Abigail que agora não
tem esse nome. É claro, porque é uma socialite das grandes.
Por isso que, bem… eu não quero mesmo ir!
Eu nunca fui bom em ser um socialite como minha tia. Eu
sempre usei meus jeans surrados e minha camisa de botão xa-
drez – o que minha tia dizia que parecia um pano de piqueni-
que (o que ela não sabia é que eu tinha fotos dela com a mesma
camisa de piquenique que eu estava usando). E ela sempre ves-
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tia as mais belas roupas de lojas que eu nem conhecia, com co-
lares e brincos de ouro e tudo que se tinha direito.
Mas, vamos lá… eu estava andando de avião com um frio
horrível na barriga (você sabe, aquele frio que você tem quando
está com medo de alguma coisa não dá certo), e eu não queria
beber nada que as aeromoças me davam, porque eu estava mor-
rendo de medo de passar mal.
E do avião eu conseguia ver a única coisa que eu achava linda
no Rio: o mar.
Não era o Cristo nem o Pão de Açúcar — eca! —, mas aquele
lindo mar verdinho… e as praias cheias de gente com aquelas
roupas de banho.
O problema de morar na roça é que você não tem uma praia
tão bonita como aquela. Nós só tomávamos banho num rio que
passava perto da nossa casa e que tinha a cor de barro – mas não
era sujo, ok?
O avião pousou com uma tremedeira que me fez sentir que
estava caindo, e, com a sorte que eu tenho, eu fui u único que
gritou e todos – não to brincando, não; TODOS – olharam pa-
ra mim.
— Há — eu disse ficando muito, mas muito vermelho. —
Me desculpem.
Ninguém disse nada, felizmente. Será que eles viram como
cara de caipira e descobriram que era a minha primeira vez que
eu estava voando?
Mas não parecia; eu estava com meu típico jeans e minha blu-
sa de gola meio xadrez – não era muito xadrez!
Quando a voz de uma das aeromoças disse que já estava na
hora de sairmos. Levantei-me, mas antes tive que sentir aquela
mesma dos bem no estomago, e uma tonteirinha minúscula,
para quase cair e uma aeromoça – bonita, por sinal – perguntar
se eu estava bem e eu dizer que sim, me levantar e continuar á
andar para fora daquele canário voador.
No saguão de desembarque olhei para todos os lados à procu-
ra de algum sinal dos meus parentes. Mas, não sei se felizmente
ou não, eu não encontrei.
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Por isso pude pegar minhas malas calmamente e depois me
sentar em uma das milhões de cadeiras do aeroporto, que eu
não pensava que era tão grande assim.
E eu esperei.
Bastante tempo pelo que eu contei. E nada de ninguém, eles
deviam ter se esquecido de mim ou algo aconteceu para que
chegassem 3 da tarde e ninguém.
Três e meia, e nada ainda. Eu estava pensando que teria que
ficar esperando até amanhã ali, se eu não fosse andar sozinho
pelo Rio de Janeiro inteiro à procura de Cecily – o outro nome
da minha tia (eu ainda acho que Abigail é mais legal do que esse
nome estranho).
De repente eu senti alguma mão em meu ombro direito. Vou
te dizer a verdade, eu estava dando uma cochiladinha, então eu
pulei de susto pensando que era algum policial querendo me
dispensar dali – eu estava bem arrumado! Eu só parecia um cai-
pira, pelo menos era o que os outros achavam.
Olhei para o vulto atrás de mim com um terno preto, uns ócu-
los de sol bem escuro, que não dava para ver nem vestígio dos
seus olhos, e um fone de ouvido. Com certeza ela era um poli-
cial.
Levantei-me já me desculpando por estar ali e fui andando,
sem deixar que ele falasse nada.
— O senhor é o senhor Bruno? — disse o homem.
Eu me senti pior ainda; como que ele sabia o meu nome?
— Si… sim — eu disse.
Fiquei parado no mesmo lugar na metade do caminho, espe-
rando que ele falasse alguma coisa. Enquanto isso ele se esguei-
rava para tentar pegar alguma coisa o bolso de seu terno. Ok,
pensei. Eu mal cheguei nesse drago de Rio de Janeiro e já fui
mandado para ser morto? Minha sorte não pode ser pior, não?
Quando ele foi pegando algo no bolso, eu fui me esgueirando
para o chão calmamente para fugir, é claro. Mas ele fez um som
com a garganta e eu tive que olhar para ele, vendo que o que ele
estava na mão não era nenhuma arma bombadona de nenhum
matador de aluguel; ele só estava com um papel na mão.
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— Querido Bruno — ele começou á ler a carta —, sua tia Ce-
cily e seu tio Mike têm o prazer em lhe dar as boas vindas a esse
fabuloso Rio. Infelizmente não pudemos ir te buscar no aero-
porto, mas nosso chofer, Hugo, está aí para te ajudar em tudo.
Abraços Fo seus tios que te amam.
Há, amam muito, to vendo!, pensei.
Enquanto o homem alto que dava mais para um matador de
aluguel ou um policial, estava guardando a carta, eu disse:
— Ok, vamos?
Ele olhou para mim, andou um pouco para minha frente, eu
cheguei para trás tropeçando na mala e caindo de costas no
chão. Ele olhou para mim bem na minha frente e apenas disse:
— O senhor quer que eu leve sua mala?
Eu engoli em seco, ri um pouco envergonhado, e disse:
— Sim, por favor.
Ele pegou agora olhando estranhamente para mim (como se
eu fosse morder), o que eu achava o contrário: eu pensava que
ele é quem ia me atacar.
— Siga-me — ele disse apenas, andando para fora do aeropor-
to. Naquela hora, quando estava anoitecendo, muitas pessoas já
saiam e entravam do aeroporto. O forte sol da cidade já batia na
minha vista, me machucando.
Felizmente eu fui inteligente e comprei uns óculos de sol
com o dinheiro que eu tinha guardado para o final do mês. Os
óculos eram da marca Ray-Ban. Eu nunca ouvi falar nessa mar-
ca, mas porque eu sabia que minha tia adorava tudo que era de
marca.
Eu estava olhando para todos os lados como um bicho-do-
mato. Mas eu era! Eu era muito esquisito para ficar andando
por aí, em lugares que eu nunca ia.
A única cidade grande que eu ia era uma pracinha cheia de
gente à noite, porque íamos eu e meus amigos conversar e co-
mer alguma coisa. Mas é muito engraçado um garoto de 16 a-
nos como eu com aquela cara de assustado que eu estava fazen-
do olhando para todos, como se eles fossem canibais e fossem
me comer.
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O chofer Hugo parou na frente de um carro, bem… enorme!
Não era uma limusine – como eu pensei que seria por cause da
minha ria que quer sempre do bom e do melhor –, mas era um
carro bastante grande.
O homem abriu a porta par mim olhando para minha cara.
Pela primeira vez eu o vi dar um sorriso, era meio torto, mas
era um sorriso, ele estava rindo de mim, mas, mesmo assim, era
um sorriso. El disse:
— Entre — olhei para dentro do carro pensando que algo ia
pular em cima de mim.
Aí não é a mata, Bruno.
Depois pulei para dentro do carro. Fechei a porta e esperei.
Preferi não falar para não atrapalha o cara. Mas ele parecia não
estar nem aí se como que eu estava fazendo.
— Sua tia me disse para te mostrar o cristo ou dar uma volta
pelo Rio; o que você preferir — ele me disse.
— Eu prefiro ir para casa! — exclamei, mas com minha voz
um pouco assustada. Então eu continuei para enganar um pou-
quinho: — Eu estou meio cansado, se puder…
— O senhor é quem manda!
Então ele começou á andar. Eu não sou do tipo de roceiro que
nunca andou num carro; o meu pai tinha uma Pick-up bem
grande que ele usava para levar as coisas para o gado e comprar
na vendinha do Seu Joaquim.
Mas a Pick-up do mau pai não era nem comparado àquele
carro. O estofado era bem confortável, diferente do meu pai,
que estava todo estragado. As ruas da cidade não tinham quase
buraco, o que era estranho para mim que só andava em terra
cheia de buracos que os carros grandes deixavam. Era como se
eu estivesse andando de avião.
Tirando a parte em que eu tinha que parar num engarrafa-
mento e esperar horas até poder andar. Esse era o problema do
Rio de Janeiro: muito acúmulo de carros num mesmo lugar, o
que dá igual à engarrafamento.
Felizmente naquele lugar havia um eletro-alguma-coisa cha-
mado ar condicionado. Eu não sou burro, posse ter sotaque cai-
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pira. Mas eu sei sobre essas coisas. O problema era que onde eu
morava não era tão quente como o Rio, então eu não precisava
de ar condicionado.
Ele ligou essa coisa quando estávamos parados no primeiro
engarrafamento porque ele sabia que iríamos ficar ali por um
bom tempo, e ele estava certo; ficamos ali parados por, mais ou
menos, uns vinte minutos até conseguirmos sair desse primeiro
engarrafamento para poder pegar outro bem na boca de um tú-
nel para ir para a Barra – que era onde minha tia tinha o aparta-
mento.
Eu estava me lembrando da última vez que minha tia foi para
minha casa…
Ela não queria ir, mas era aniversário da vovó e ela teve que ir
porque minha avó é a mãe dela – isso é obvio. Então ela chegou
lá com meu tio Mike, que ela conheceu no Rio (minha tia foi
para o Rio de Janeiro bem cedo, quando ela tinha uns 18 anos
para fazer faculdade lá. Ela fez faculdade e depois nunca mais
voltou, porque conheceu meu tio Mike e se casaram só no ci-
vil), então nossa família conheceu ele pela primeira vez. Ele nos
adorou, o que não podemos falar o mesmo da nossa tia Cecily –
foi aí que descobrimos o novo nome dela.
Bem no dia seguinte, quando o galo estava cantando, tia Cecy
e tio Mike estavam voltando para casa. Eu os vi indo embora
quando eu estava tirando leite da vaca (isso não é nada nojento,
é até legal!).
De repente eu vi.
Eu estava em cima de uma ponte e o sol bateu bem em cima
dos meus olhos. Como qualquer um, eu tive eu virar para ver
de onde estava vindo aquele reflexo do sol quando vi aquela
grande e infinita massa azul esverdeada.
— Posso abrir o vidro? — eu perguntei para o chofer.
Ele não respondeu, só assentiu com a cabeça. Mas, mesmo
assim, eu abri.
O cheiro de água salgada entrou pelo vidro e foi direto no
meu nariz. Respirei fundo só para sentir aquele cheiro delicioso
– para mim, porque era a primeira vez que eu sentia: e eu já ou-
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vi falar muito do cheiro do mar.
— Bom… — eu suspirei.
— É, eu também senti isso da primeira vez que eu senti — o
chofer disse.
Olhei para ele; ele não tinha nenhum sotaque de alguém de
fora. Quer dizer, ele não falou tanto para eu poder apontar al-
gum sotaque nele.
— Eu não sou do Brasil — ele continuou —, eu vim para o
Brasil com vinte anos. Agora estou com vinte e nove e já me
acostumei.
— Hmm… — era a única coisa que eu poderia dizer.
— Você vai se acostumar também — ele continuou. — Aliás,
por que você veio para cá?
— Há… — eu comecei. Eu não queria me lembrar porque eu
tiver que ir para lá. Sério, aquilo era quase um segredo e eu não
queria que todos ficassem sabendo que eu era meio que, como
se pode dizer, ma…
Não!
Eu não vou me lembrar de nada que aconteceu na minha vida
passada, agora eu só vou para frente. Só que eu não queria me
mudar. Eu prometi para minha mãe que nada de mais iria acon-
tecer comigo, e que eu iria parar de…
Eu já disse que eu não ia me lembrar daquele acontecimento
que me fazia sentir um arrepio novamente na espinha. Mas eu
tinha que falar algo para o chofer; eu não podia ficar com cara
de babaca (como eu estava tendo naquele momento.
— Eu… — eu continuei. — Eu queria mudar, mas acabei me
arrependendo, porque eu não gosto muito de cidade grande.
— Hum! — ele riu. — Você com certeza vai se dar bem aqui,
é só se vestir bem.
— C… como assim? — eu gaguejei coçando minha franja pa-
ra trás.
Ok, eu me esqueci de contar minhas características, porque
eu me detesto. Sem nenhuma letra a mais: M-E-D-E-T-E-S-T
-O. Sem brincadeira.
Eu tenho os cabelos lisos, loiros – como todos da minha famí-
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lia – tenho os olhos de um azul meio estranho, em minha opi-
nião, sou branco que nem a neve – mesmo eu nunca tendo vis-
to neve. E tenho aqueles músculos estranhos – definidos – do
trabalho braçal com meu pai na roça.
— Você é o tipo do garoto daqui! — ele continuou. — Você
só tem que falar melhor e se vestir melhor, mas isso sua tia vai
dar um jeito.
Engoli em seco. Eu não queria ficar parecendo àqueles mauri-
cinhos que eu ouvia falar do Rio. Já chega eu ter que freqüentar
uma escola particular – a mais cara dali, pelo que minha tia me
disse na carta.
De repente tudo ficou negro novamente; um túnel. Então ra-
pidamente eu conseguia ver a luz do sol e o céu sem nenhuma
nuvem.
Bocejei, o sono estava me pegando. Hugo me viu bocejar pelo
vidrinho visor – pelo menos eu achei que ele viu, porque ele
disse:
— Dorme um pouquinho, temos mais alguns minutos para
chegar.
— Ok — eu respondi — eu vou… dormir.
Aconcheguei-me com o meu casaco de algodão – estava frio
quando eu saí de casa, ok? — e fechei os olhos. O sono estava
intenso mesmo, porque eu dormi.
— Senhor, senhor…
— Hum?
— Chegamos.
Eu não me mexi. Pensei que estava sonhando ou algo pareci-
do. Por isso quando eu disse hum? Eu não estava nem aí. Então
senti aquela mão em cima de mim, então eu me levantei rapidi-
nho.
Eu não gostava muito de que as pessoas se encostassem em
mim – isso tudo por cause do que aconteceu comigo.
— Há — eu disse assustado. O carro estava parado e estáva-
mos num lugar meio claustrofóbico.
Mas o tal lugar que dava claustrofobia era apenas uma gara-
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gem de um prédio. A garagem era bem grande, como a de um
shopping – ok, eu já fui, sim, há um shopping. Existe uma cida-
de perto da minha que tem um desses negócios cheios de lojas.
É cansativo tudo isso.
— Chegamos? — eu perguntei dando aquela minha risada
meio estranha.
Levantei-me, saindo do carro, mas caindo novamente, porque
eu escorreguei em alguma coisa e comecei á ir para o chão. Fe-
lizmente Hugo me segurou, senão eu já estaria no chão.
— Há — eu disse sem-graça. — Desculpe.
Ele apenas eu um sorriso e me ajudou á levantar fechando a
porta. Eu fiquei parado no mesmo lugar enquanto ele abriu o
porta-malas do carro e pegou e minha mala de rodinha – que eu
tinha comprado um dia antes para esse evento – e depois depo-
sitou no chão.
— Hugo — eu comecei e ele olhou para mim. Meus pensa-
mentos sempre me deixam estranho.
— Algum problema senhor? — ele perguntou.
— Não, nenhum — eu respondi. — Sabe o que eu estava
pensando? Que nós vamos nos dar muito bem.
Eu disse que eu era maluco; para uma pessoa falar isso do na-
da, ela não pode ser normal.
— Eu espero, senhor — ele disse baixinho.
— Não, é verdade! — eu continuei. — Veja bem: nós temos
quase a mesma história.
— É — ele disse e depois que eu descobri o que eu tinha fala-
do, eu, com certeza, fiquei com vergonha.
Ele começou á levar a minha mala para um lado da garagem e
eu fui junto. Olhando para todos os cantos com medo de… sei
lá o que, eu estava andando rápido para poder ficar junto com
ele.
Chegamos em uma porta e começamos á subir umas escadas.
Eu não estava cansado; tinha ficado sentado á tanto tempo que
minhas partes traseiras estavam até dormentes. Então chegamos
ao que parecia ser o hall do prédio. Era lindo, não to brincando:
ele tinha uns azulejos brancos, com um tapete vermelho nele, e
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ele era todo decorado a lá grega. Vou te falar a verdade: eu achei
que minhas roupas tinham estragado toda a decoração.
— Oi Morrrrga, o que conte de novo? — falou Hugo, então
eu pude perceber o sotaque francês dele.
— Nada, querido — uma mulher que estava como porteira
disse. — Aliás, to te esperando hoje lá em casa, ok?
— Ok, pode deixar que eu vou.
Ok, agora eu sabia que, ou o chofer tinha um caso com a por-
teira ou… sei lá!
Ele apertou o botão do elevador e esperamos. Não muito
tempo depois a porta do elevador já estava se abrindo e nós está-
vamos entrando. O elevador era encapado com um tecido meio
de camurça vermelho.
Percebi que ele apertou o botão 12; ok, é o décimo segundo
andar – esse prédio tem quantos andares…? Olhei devagar para
os botões de andares: 15 andares. Ótimo, não era tão alto assim,
era?
Bem, eu não tenho a mínima noção porque tudo que eu subia
era em cima da casa ou em cima de uma árvore, e nós não me-
díamos a altura igualando os andares de um prédio, como eu via
na TV – por que EU tinha televisão.
Pín!
A porta do elevador se abriu e chegamos ao hall do décimo
segundo andar. Não era nem um corredor, em nada normal –
como eu pensei que era normal –, o hall do andar 12 era arre-
dondando com um lustra bonito no meio e umas mesinhas
com jarros com flores em cada uma das cinco portas desse cir-
culo.
— A casa da sua tia é bem na frente — Hugo disse. — Eu não
vou poder ficar, tenho que fazer umas coisas importantes como
pegar seu tio no trabalho. É só tocar a campainha e esperar a
empregada atender.
— OK — eu disse olhando-o voltar no mesmo elevador que
subimos.
Andei um passo pra frente. Respirei fundo. Andei mais outro.
Respirei fundo novamente. Eu tinha que ir em frente porque
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ele tinha me dito que era o apartamento da frente. A porta era
linda – pelo tamanho dela dava para passar um móvel enorme.
A campainha era bem no canto; um pontinho dourado na pare-
de. Respirei fundo novamente e apertei a campainha.
Esperei.
Eu não sabia o que fazer; se ficava parado ali, ou se me mexia
para me descontrair. Não, o melhor era ficar parado ali; eu não
queria parecer maluco novam…
De repente ouvi a porta fazer um barulho de chave se abrindo
e abri um sorriso. Então vi. Ela estava com aquela roupa, por
isso eu sabia que ela com certeza era a empregada. Seus cabelos
eram bem crespos – em comparação ao meu, é claro; éramos
descendentes de Russos – e ela tinha muitas rugas.
— Sim? — ela disse.
— Bo… — eu comecei á gaguejar. Eu não sabia o que falar,
estava muito assustado com ela para poder falar alguma coisa.
— Boa tarde, aqui que é a casa de tia Cecily?
Ela me olhou de cima para baixo, envergando o canto superi-
or direito dos lábios enrugado. Sem brincadeira, ela tinha uma
verruga no nariz! Não é loucura! Eu estava torcendo para que
não fosse lá a casa da minha tinha – como você vê que minha
sorte é uma beleza, para não dizer o contrário.
— Não — ela disse amargamente. — Cecily mora ao lado.
Ela apontou para o apartamento número 1203, ao lado esquer-
do do dela.
De um sorriso, por educação, e disse:
— Obrigado.
Ela fechou e trancou a porta na minha cara, sem deixar nem
mesmo eu andasse nem um passo.
Quando fui para a porta respirei bem fundo, pensando em não
ter uma babá como aquela. Toquei a campainha sem interrup-
ções e esperei.
Ouvi a porta sendo trancada e aberta e eu dei um passo para
trás para dar mais espaço para quem fosse abrir. Quando vi a
pessoa que estava atendendo suspirei de alivio. Ela era a empre-
gada, como dava para ver pela roupa, mas ela parecia mais a lin-
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da e elegante Mary Poppins do que a Nanny Mcphee sem fazer
plástica.
Ela olhou para mim, Sem precisar olhar para minha roupa,
deu um sorriso e disse:
— Olá! Você deve ser o senhor Bruno, não é? Dê-me a sua
mala e entre.
Eu dei um sorriso para ela começando á falar que não precisa-
va, mas ela já estava pegando a minha mala da minha mão e me
empurrando para entrar na casa.
Entrei na sala que tinha uma decoração moderna e bem con-
fortável. Uma janela grande estava aberta mostrando o céu azul
e uma manche ao longo, meio azul brilhando com a luz do sol.
Será aquilo o mar?
Aqui também? Que maneiro! Eu estava começando a gostar
dali e me sentindo em casa.
Havia uma escada de vidro na minha frente, então percebi
que a casa dos meus tios era um bonito, novo e elegante duplex.
— Quem é Anna? — eu ouvi uma voz conhecida vinda de
cima e percebi uma mulher elegante, um pouco gordinha, mas
usando roupas de sair em casa, descendo as escadas de vidro.
— É o seu sobrinho, senhora — disse a empregada com o no-
me Anna, que eu descobri.
Ela desceu as escadas todas e parou no último degrau olhando
para mim. Ela olhou de cima abaixo percebendo o tipo de roupa
caipira que eu estava usando (e que eu adorava) e depois falou
em sua voz emocionada que eu nunca a tinha ouvido falar:
— Querido! — ela correu para me abraçar e me dar uns beijos
no rosto, como ela tinha costume de fazer. — Eu estava com
tantas saudades de você!
Uma coisa eu posso falar da minha tia Cecily, como ela é cha-
mada agora: ela pode ser o pior tipo de gente metida que todos
podem achar, mas eu nunca encontrei alguém que fosse tão fa-
miliar como ela. Ela só era meio nojentinha, mas todos tinham
os seus defeitos.
— Tia… — eu disse, quer dizer… tentei dizer, porque ela
estava me abraçando tanto que eu estava parecendo sufocado.
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Depois ela parou de me abraçar e começou á me olhar de ci-
ma para baixo.
— Meu Deus, querido! — ela começou. — Vamos ter que
comprar umas roupinhas para você amanhã! Querida Anna, po-
de, por favor, colocar na minha agenda que eu tenho que ir ao
shopping com o meu sobrinho amanhã?
— Sim, senhora — Anna disse com sua voz doce. — Vou le-
var a mala do seu sobrinho para o quarto dele?
— Sim, por favor, querida. Depois eu o levo.
Anna começou á subir as escadas puxando minha maça. Fi-
quei olhando para ela querendo ajudar, mas minha tia disse:
— Vamos lá, como está minha irmã, e mamãe?
— Humm… — eu comecei tentando me lembrar do que mi-
nha mãe me mandoueu falar para ela, mas não consegui. – Es-
tão bem.
— Que bom! — ela foi andando para um corredor no nosso
lado direito e eu fui atrás dela, pensando que eu devia segui-la.
— Quer um chá, um café, alguma coisa?
— Não, obrigado — eu disse educadamente.
— Humm… — ela continuou pegando uma xícara de café
bem quente (dava para ver pela fumaça que subia da xícara) e
bebendo um gole sem parecer que ela se machucou. Depois
voltou para mim. — Você deve estar cansando, vamos par seu
quarto; eu vou mostrá-lo.
Ela começou á subir as escadas e eu fui atrás ouvindo o baru-
lho do vidro nos meus pés, com medo de que quebrasse.
Chegamos a um corredor com quatro portas. Tia Cecy nunca
teve filhos, mas queria ter, por isso eu pensei que ela tinha
comprado aquele apartamento pensando nos filhos que ela teri-
a. Mas, por enquanto, eu seria seu novo filho, já criado e com
uma idade boa – pelo menos eu achava que era –; eu tinha 16
anos.
— Aqui é o banheiro. — ela apontou para a primeira porta. —
Aqui é o meu quarto e do tio Mike — ela continuou —, aqui é
quarto da empregada, e aqui… é o seu quarto!
Ela abriu a última porta para que eu visse o meu lindo quarto
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todo decorado ao mar. Eu não sabia que ela sabia que eu gostava
do mar, mas ela tinha acertado: as cortinas eram de um azul cla-
ro, como os lençóis da cama. O restante Ra tudo branco com
cor de areia. A janela estava fechada porque eu estava sentindo o
frescor do ar condicionado ligado, mas as cortinas estavam aber-
tas e o sol batia perfeitamente no me quarto, deixando-a paradi-
síaco. Havia algumas conchas e carcaças de estrelas do mar nas
paredes de cor de areia.
— E então? Gostou? — ela perguntou.
— Adorei! — eu disse.
E comecei a andar para o frescor do ar condicionado do meu
quarto. Sentei-me na cama e fiquei olhando para o golfinho co-
mo lustre.
Aquilo era a única coisa infantil ali, restante parecia ser bem
adolescente – e bem caro, também.
Mas de repente eu senti.
Era o que eu pensei que eu não ia sentir se fosse ali e, com
certeza, eu ia me esquecer. Mas não. Aquilo estava na minha
cabeça novamente e eu senti o arrepio percorrer minha espinha.
E em algum lugar eu ouvi um barulho. Não era um barulho,
era um…
Uivo.
Aquilo me fez lembrar da noite em que tudo aconteceu. Co-
mo um flash na minha cabeça. Olhei para minha tinha com os
olhos arregalados.
— Algum problema? — ela perguntou.
— Na… não — eu respondi.
Mas eu a enganei, porque, se eu estava ouvindo aquele uivo,
havia muitos problemas em mim.