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NITRITOS E NITRATOS: VENENOS OU NUTRIENTES?1
Introdução
Quando se fala em nitritos e nitratos podemos imaginar uma grande variedade de compostos e
múltiplos usos. O nitrato de titânio é usado em ligas metálicas, o teor de nitrito NO2 é usado na
aquariofilia como um indicador da qualidade da água, como adubo nitrogenado em cultivos tradicionais e
em hidropônica, o nitrato de sódio (NaNO3) e o nitrito de sódio (NaNO2) possuem ação conservantes e
utilizados na indústria alimentícia na produção de embutidos e podem ser utilizados na alimentação
animal como nitrogênio não protéico (NNP).
O nitrogênio é um elemento essencial para a vida na forma como nós a conhecemos e dentro de
um sistema de produção animal onde a alimentação representa a maior parcela dos custos de produção o
uso de NNP se torna uma ferramenta importante para a diminuição destes.
Diferentes espécies respondem diferentemente a inclusão de fontes de NNP na dieta, sendo que
para alguma delas estes compostos não são aproveitados, alem de que independentemente da espécie uma
dose elevada causa intoxicação podendo causa morte dos animais (Ribeiro, 2008).
O objetivo deste seminário é dissertar a respeito do uso de nitritos e nitratos na alimentação
animal desde a absorção pelas plantas, os efeitos desses compostos nos animais, e os efeitos ambientais
que podem resultar o uso indiscriminado desses elementos nos sistemas de produção.
Química dos nitritos (NO2) e nitratos (NO3)
Ciclo do Nitrogênio
O nitrogênio é o elemento químico com maior concentração na atmosfera porem os animais e as
plantas não conseguem absorvê-lo diretamente do ar, sendo fornecido exclusivamente pela dieta no caso
dos animais ou da absorção através dos pelos radiculares pelas plantas.
Para ser absorvido o gás nitrogênio N2 deve ser fixado ao solo, isso ocorre na natureza através de
descargas elétricas, fixação biológica através de bactérias de vida livre ou bactérias simbióticas como as
1 Seminário apresentado pelo aluno GABRIEL COLOMBO PONTALTI na disciplina de BIOQUÍMICA DO
TECIDO ANIMAL, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, no primeiro semestre de 2011. Professor responsável pela disciplina: Félix H. D. González.
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do gênero Rhizobiun, ou através de um processo industrial na produção da uréia, o adubo mais utilizado
mundialmente.
No solo o nitrogênio na forma de amônio (NH4+) ou amônia (NH3) é rapidamente oxidado a
nitrito através das bactérias dos gêneros Nitrossomonas e Nitrossococcus, o nitrito por sua vez é
rapidamente oxidado a nitrato pelas bactérias do gênero Nitrobacter, sendo que o nitrato é a principal
forma de nitrogênio encontrado no solo. O processo de redução do nitrato a nitrito e este a amônia, gás
nitrogênio ou oxido nítrico é chamado denitrificação e ocorre em solos saturados com água ou realizado
pelas bactérias do gênero Pseudomonas que podem ser usadas para retirar nitrato e nitrito da água
(Meurer, 2004).
A maioria das plantas absorvem nitrato, uma exceção é o arroz (Oryza sativa, L.) que devido ao
seu sistema de produção sob lamina de água se adaptou a absorver amônio (Meurer, 2004).
Assimilação de nitrato pelas plantas
Apesar da absorção de nitrato, as plantas não conseguem assimilar este composto e produzir
biomassa a partir dele, para a assimilação de nitrogênio é necessário que este esteja reduzido a amônia,
por isso as plantas desenvolveram um complexo metabólico enzimático que consegue reduzir nitrato a
amônio, este processo ocorre em duas fazes (Taiz & Zieger 2009).
Primeiramente no citosol o nitrato é reduzido a nitrito com a ação da enzima nitrato redutase com
gasto de NADH ou NADPH de acordo com a equação abaixo.
1) NO3- + 2H
+ + 2e
- NO2
- + H2O (Enzima: nitrato redutase)
A segunda reação ocorre no cloroplasto dos tecidos clorofilados ou nos plastídios de tecidos
aclorofilados, e o nitrato é reduzido a amônio com a ação da enzima nitrito redutase. Em células
fotossintéticas, essa redução pode ser considerada um processo genuinamente fotossintético, pois
consome poder redutor diretamente do fluxo fotoquímico de elétrons, através da ferredoxina. No
escuro, ou nos tecidos aclorofilados, o poder redutor é gerado pela oxidação de carboidratos na
via glicolítica e na respiração aeróbia. A reação de redução do nitrito pode ser observada na
equação abaixo.
2) NO2- + 8H
+ + 6e
- = NH4
+ + 2H2O (Enzima: nitrito redutase)
Precursores de aminoácidos
Após assimilado o nitrato na forma de amônio, este composto deve ser convertido em
aminoácidos, o primeiro aminoácido formado é o glutamato, precursor direto da prolina e da arginina, e
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através de longas e complexas rotas metabólicas os demais 20 aminoácidos são produzidos (Campbell,
2006).
Armazenamento de nitratos
Para absorver o nitrato do solo, este deve estar diluído em água, como nem sempre as condições
do solo são favoráveis a absorção, as plantas desenvolveram um mecanismo de reserva de substâncias
necessárias a sua sobrevivência, em relação aos compostos nitrogenados, não é diferente. Nas condições
ambientais favoráveis a planta absorve nitrato em quantidades maiores que a sua capacidade de
processamento, este excesso de nitrato é então armazenado nos vacúolos para posterior utilização (Taiz &
Zieger, 2009).
Intoxicação por nitratos/nitritos em ruminantes
Animais ruminantes que consomem plantas com altos teores de nitratos podem apresentar um
quadro de intoxicação, pois no rumem às bactérias conseguem reduzir o nitrato a nitrito. E os animais
intoxicados apresentam uma série de sintomas, entre eles: anorexia, dispnéia, tremores, salivação, ranger
dos dentes, contrações abdominais, andar cambaleante, as mucosas apresentam-se cianóticas, prostração,
escurecimento do sangue devido a baixa oxidação e morte (Gonzalez & Silva, 2006).
A intoxicação aguda ocorre com animais que se alimentam com plantas com mais de 1% de
nitratos ou que beberem água com 1500 ppm de nitratos. Porém animais que recebem dietas ricas em
carboidratos solúveis apresentam maiores tolerâncias a nitratos e nitritos devido a avidez das bactérias do
rumen por fontes de nitrogênio, as bactérias acabam reduzindo o nitrato e o nitrito a amônia e proteína
microbiana, se tornando em fonte de proteína ao animal.
A intoxicação por nitritos e nitratos pode causar aborto em bovinos, que ocorre alguns dias após a
ingestão (Riet-Correa, 2007). Estes íons possuem ação sobre o sistema nervoso central e na corrente
sanguínea pode haver transformação de nitrato em óxido nítrico atuando no receptor de guanililciclase,
promovendo vaso dilatação e relaxamento muscular.
Assis et al. (2010) relatam em levantamento realizado no período de 2000 a 2007 no estado da
Paraíba, que 7,4% dos surtos de intoxicações foram causados por contaminação por plantas, sendo que de
21 surtos, 3 foram causados por gramíneas contendo nitratos. Estudando esses casos, Medeiros et al.
(2003) relata que a intoxicação ocorreu após as primeiras chuvas que seguiram a um prolongado período
de estiagem. Um surto teve como agravante a fertilização do solo com esterco o que aumentou os teores
de nitrato no tecido vegetal. Estes três surtos de intoxicações foram responsáveis pela morte de 29
animais, causando uma perda considerável de renda aos produtores lesados.
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Mecanismos de ação toxicológica do nitrito
Independente da espécie o mecanismo de ação toxicológica do nitrito é semelhante. O nitrito
oxida o Fe2+
da hemoglobina a Fe3+
transformando–a em metahemoglobina (Fernicola & Azevedo, 1981).
A metahemoglobina não possui capacidade de transportar o O2 causando anoxia tissular. Há relatos de
morte dos animais com 80-90% da hemoglobina oxidada. Os níveis normais de metahemoglobina variam
de 0,6 até 1,4%, sendo menor em suínos e maior em cavalos (GONZALEZ & SILVA, 2006).
Tratamento
O tratamento para essa intoxicação consiste em o Fe+3
para Fe+2
. O antídoto mais usado é o azul
de metileno que funciona como uma ponte de poder redutor. Ou seja, consegue receber um H+
proveniente do NADPH se reduzindo a azul de leucotoleno, composto que consegue entregar o H+
para a
metahemoglobina convertendo-a em hemoglobina funcional (Figura 1).
Figura1. Mecanismo de redução da metahemoglobina mediado pelo azul de metileno
Nitritos e nitratos na alimentação de animais
A produção animal busca a todo o momento melhorar a eficiência produtiva do sistema,
diminuindo os custos de produção. O uso de NNP, apesar dos riscos de possíveis intoxicações, podem ser
usados na alimentação de ruminantes desde sejam levados em conta alguns fatores de risco (Ribeiro,
2008). Os animais alimentados com nitratos e ou nitritos devem receber uma dieta rica em carboidratos
solúveis, passar por um período de adaptação a essa dieta sendo que as doses devem ser ofertadas
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progressivamente, deve-se atentar para que nos primeiros sinais de intoxicação o ingrediente deve ser
reduzido da dieta.
Para animais monogástricos, os nitratos não são aproveitados, sendo excretados na urina, gerando
gasto energético para o animal e diminuindo a produtividade. Nitritos são altamente tóxicos para
monogástricos (Macari et al. 2002). Os equinos são animais monogástricos diferenciados, por isso
merecem maior atenção, visto que no seco, e no intestino grosso ocorre a redução de nitrato a nitrito,
causando toxidez. Os sintomas de envenenamento por nitrato ou nitrito são parecidos com os relatados
para bovinos, quais sejam salivação espumosa, ofegação, mucosas cianóticas, tremores, diarréia,
coloração sanguínea escurecida e pode levar a óbito (Reyes, 1988).
Nitritos e nitratos na aquicultura
Em sistemas de peixes e outros animais aquáticos, nitritos e nitratos, de uma forma geral, não são
afetam a produção e a produtividade. Porém, a oxidação da amônia a nitrato causa uma diminuição do pH
da água. Essa acidificação da água de cultivo pode causar perdas econômicas consideráveis se o pH cair
para menos que 6,5 e pH inferiores a 4,0 causam mortalidade de peixes (Souza, 2010). Baixo O2
dissolvido, menos que 1,0 mL/L, causa problemas de metahemoglobinemia (Arana, 1997).
A concentração letal de nitrito na água de cultivo varia conforme a espécie, tipo de água (doce,
salgada, salobra) e idade dos animais (Tabela 1).
Tabela 1. Espécies e tamanho de animais aquáticos, concentração de NO2, tempo de exposição, mortalidade e meio
(adaptada de Arana, 1997).
Espécie e tamanho NO2 (mg/L) Tempo (h) Mortalidade (%) Meio
Salmo gairdneri (adulto) 0,55 24 55 Doce
Salmo gairdneri (12 g) 0,19 96 50 Doce
Oncorhnchus tshawstscha (32 g) 0,50 24 40 Doce
Oncorhnchus tshawstscha (alevino) 0,88 96 50 Doce
Oncorhnchus tshawstscha (alevino) 1070,00 48 10 Mar
Oncorhnchus kisutch (adulto) 3,80 12 58 Doce
Macrobrachium rosembergii (alevino) 8,60 96 50 Salobra
Um fator que aumenta a importância do nitrito como agente de diminuição da produtividade na
aquicultura é o teor de O2 nas águas de cultivo, pois em ambientes pobres em oxigênio as bactérias do
gênero Nitrobacter são desfavorecidas diminuindo a volatilização do nitrogênio na forma de N2 ou N2O, o
que resulta em acúmulo de compostos nitrogenados na água. De acordo com Arana (1997) sistemas
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de produção super-intensivos que apresentam recirculação da água também são mais suscetíveis a
apresentar problemas com nitrato. De uma maneira geral, a dose letal para mortalidade de 50% é 1.000 a
3.000 mg/L de NO3.
O NO3- como contaminante ambiental
Um ponto importante na questão do nitrato na alimentação animal é a capacidade poluidora deste
íon na natureza. O nitrato é a principal forma de nitrogênio associada a contaminação da água (Resende,
2002), O nitrato é a forma de nitrogênio mais abundante no solo, porém ele é fracamente ligado à matéria
orgânica e aos argilominerais do solo, além disso, esse íon possui uma solubilidade elevada sendo
facilmente arrastado pelas águas das chuvas através do fenômeno de lixiviação indo, juntamente com
parte do solo, para os corpos hídricos, podendo causar contaminação das águas de superfície (Meurer
2004).
Segundo Resende (2002), outro fator importante é a capacidade de percolamento dos nitratos
através das camadas mais de solo podendo causar contaminação dos lençóis freáticos.
Consequências da acumulação de nitritos e nitratos na saúde publica
No Brasil existem problemas de contaminação da água destinada ao consumo humano com doses
crescentes de nitritos e nitratos2. De acordo com Mahler et al. (2007), conforme o U.S. Public Health
Service, dificilmente ocorrem problemas com nitratos em humanos adultos, porém deve-se ter muita
atenção com crianças menores de seis meses de idade, visto que como o sistema gastrointestinal ainda não
está plenamente desenvolvido e funcional e a presença de algumas bactérias redutoras podem resultar na
chamada “síndrome do bebê azul”. A criança apresenta-se azulada devido ao quadro de anaerobiose
provocado pela ineficiência no transporte de O2.
Dados do INCA (Instituto Nacional de Câncer), apontam que o consumo elevado de alimentos
contendo nitrato ou ingestão de água com alta concentração deste íon está relacionado com a incidência
de câncer de estômago. No Brasil, a concentração de nitrato para consumo humano não deve exceder os
10 mg/L de acordo com o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Brasil, 1986) e o Ministério da Saúde
(Brasil, 2001).
2 No Minuto. Contaminação do nitrato na água no RN continua em 20%. Disponível em:
http://www.nominuto.com/noticias/cidades/contaminacao-do-nitrato-na-agua-no-rn-continua-em-20/49518/. Acesso
em: 26/05/2011.
Tribuna do Norte. Contaminação por nitrato é crescente. Disponível em:
http://tribunadonorte.com.br/noticia/contaminacao-por-nitrato-e-crescente/144104 Acesso em: 26/05/2011.
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Na tabela 2, adaptada do U.S Public Health Service, podem se observar as recomendações de
uso da água de acordo com a quantidade de nitrato dissolvida.
Tabela 2. Guia de uso de água de acordo com a concentração de nitratos.
Conclusões
O uso de nitritos e nitratos na alimentação de ruminantes pode ser usado como ferramenta de
manejo na produção destes animais desde que sejam administrados em doses pequenas, em animais
adaptados a esse tipo de dieta e que seja fornecido uma fonte rica de carboidratos solúveis juntamente
com estes compostos. Animais monogástricos não devem receber dietas ricas em nitritos e nitratos pois
não possuem capacidade de sintetizar proteínas a partir destes ingredientes.
O uso de adubação nitrogenada química e/ou orgânica deve ser criterioso, pare evitarmos
problemas ambientais de contaminação da água com nitritos e nitratos.
Crianças menores de seis meses são grupo de risco em se tratando de intoxicações por nitratos.
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