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UNIVERSIDADE SANTA CECILIA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM
NOVAS ABORDAGENS EM EDUCAÇÃO – PEDAGOGIA ESPÍRITA.
AUTOR:
IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA
TITULO:
Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e
evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta.
Santos – SP.
Fevereiro / 2009.
UNIVERSIDADE SANTA CECILIA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM
NOVAS ABORDAGENS EM EDUCAÇÃO – PEDAGOGIA ESPÍRITA.
IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA
TITULO:
Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e
evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Pós-Graduado (lato sensu) em Novas Abordagens em Educação – Pedagogia Espírita à Universidade Santa Cecília.
Santos – SP.
Fevereiro / 2009.
IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA
TITULO:
Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e
evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Pós-Graduado (lato sensu) em Novas Abordagens em Educação – Pedagogia Espírita à Universidade Santa Cecília.
Data da aprovação: __ / __ / ____.
Orientador: Prof. Dra. Dora Incontri.
DEDICATÓRIA
Aos educadores que escolheram a profissão por amor.
Aos profissionais de saúde que trabalham com crianças enfermas.
Aos voluntários e acolhedores da infância, independente de onde estejam atuando.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Santa Cecília, pelo acolhimento, a atenção dos funcionários, e o espaço
físico que utilizamos.
Aos professores, que se deslocaram de longe, sem medir esforços, para transmitir o
conhecimento necessário á nossa formação.
Ao Dr. Luiz Fernando de Andrade penteado, pela entrevista concedida e a colaboração
com riqueza de dados e experiências vividas em seu consultório.
Ao meu marido, que ajudou a tornar possível o meu projeto.
Á Prof. Dra. Dora Incontri, pela orientação ao meu trabalho e pela dedicação e o esforço
desmedido com que orientou e dirigiu a pós-graduação, superando todos os obstáculos que
surgiram durante o curso, sejam pessoais ou profissionais.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é alertar aos pais e familiares, sobre a importância do acolhimento oferecido á crianças no momento da perda, como trata os psicólogos. Tratamos aqui de diversos tipos de perdas, do material ao emocional. Buscamos mostrar também, através de consulta aos órgãos competentes, que o trabalho infantil é uma triste realidade no Brasil. Que se faz necessário a atuação destes órgãos e nossa atitude consciente para impedir que criança, a partir dos 5 anos de idade deixe de brincar e evoluir naturalmente para se expor a todo tipo de risco, durante o trabalho em canaviais, coleta de cizal, fabricação de carvão vegetal, coleta de laranja, de tomates e folhas de tabaco. Além de perder a infância, essas crianças perdem a saúde, pois são mutiladas pelas ferramentas, carregam peso excessivo, lidam com fumaça tóxica e agrotóxico, sem nenhum equipamento de proteção. PALAVRAS-CHAVE: Criança, Luto, Perdas, Trabalho.
ABSTRACT
The goal of this research is to alert parents and families on the importance of the host offered to children at the time of loss, as the psychologist deal. We deal here with different types of losses, from material to the emotional. We also show, by consulting the competent organs, that child labor is a sad reality in Brazil. What is needed the work of these bodies and our conscious attitude to prevent the child from the 5 years-old to play and let naturally evolve to expose the whole kind of risk, while working in sugar cane fields, cizal collecting, manufacturing charcoal, collection of orange, of tomatoes and leaves of tobacco. Besides losing their childhood, these children lose their health because they are disabled by tools, carry excessive weight, and deal with smoke and toxic pesticide, with no protective equipment. KEYWORDS: Child, Grief, Losses, Work.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Elizabeth Kubler-Ross. ..........................................................................
FIGURA 2. Família TAKAKURA no Brasil. ...........................................................
FIGURA 3. Família TAKAKURA no Japão. ...........................................................
FIGURA 4. Pestalozzi com os órfãos em Stans ........................................................
FIGURA 5. Aldeia de Stans em 1790, alguns anos antes da Revolução Helvética...
FIGURA 6. Castelo de Iverdon. ................................................................................
FIGURA 7. Dora Incontri. .........................................................................................
FIGURA 8. Gráficos do IBGE – Nível de Ocupação por faixa etária. .....................
FIGURA 9. Gráficos do IBGE – Trabalhos Domésticos a partir dos 05 anos de
idade. .........................................................................................................................
FIGURA 10. Gráficos do IBGE – Trabalhos a partir dos 05 anos de idade e a
posição na ocupação. .................................................................................................
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................
1. Crianças que Trabalham - Perda da Infância..................................................
1.1.Introdução ao Mundo das Letras. ....................................................
1.2.Desenvolvimento Cognitivo. ...........................................................
2- Mudança de Cidade ou País............................................................................
2.1.Perda do contato com entes queridos. ..............................................
3. Morte de Entes Queridos.................................................................................
3.1. Refletindo sobre a experiência do adoecimento e da morte. ...........
3.2. Falando da Morte com Crianças - Morte e criança. .........................
3.2.1. Perda e o Processo de Luto. ..........................................................
3.2.2. Luto da Criança. ............................................................................
3.3. Pais aidéticos - Filhos órfãos. .....................................................................
3.4. A casa abrigo. ..............................................................................................
4. Separação do casal - Perda da convivência com um dos pais. ........................
4.1.Papai – Liberdade Cerceada. .............................................................
4.2.O Casamento do Papai. ......................................................................
5. As Crianças de Pestalozzi. ...............................................................................
5.1. A Revolução Helvética e a Tragédia de Stans. ................................
5.2.Sistema de Educação de Pestalozzi. .................................................
CONCLUSÃO. .................................................................................................
REFERENCIAS. ...............................................................................................
ANEXOS:
A. Entrevista - Luiz Fernando de Andrade Penteado - psicólogo clínico. .........
A.1. Paciente com Hidrocefalia. .............................................................
A.2. Paciente – HIV – Soro Positivo. .....................................................
A.3.Como acolher as crianças na Casa Espírita? .....................................
B. Homenagem – Dra. Elisabeth Kubler-Ross. ...................................................
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INTRODUÇÃO:
O objetivo deste trabalho é alertar pais e familiares, sobre a importância do acolhimento
oferecido a crianças no momento de perda ou “Luto Infantil”, como denomina os psicólogos.
Tratamos aqui de diversos tipos de perdas, desde o bichinho de pelúcia destruído pelo
cachorro até a morte de entes queridos.
Fomos educados desde a mais tenra idade para ganhar, somar, conquistar e ampliar nossos
bens. Cobramos carinho e atenção de todos que nos rodeiam. Quando somos pequeninos, o
menor ser da família, atraímos todas as atenções. Entretanto, essa atitude dos nossos entes
queridos não nos ensina a dividir e compartilhar.
Ao longo de 15 anos trabalhando na “Educação Espírita Infantil”, venho observando o
comportamento das crianças. Temos de 02 a 15 anos de idade e com elas mantenho contato
uma vez por semana. Essa foi a razão que me levou a pesquisar um pouco sobre as perdas na
infância e como os profissionais da área da saúde, lidam com estas questões.
Muitos trabalhadores, mesmo demonstrando todo seu amor para com os pequenos, sentem-se
impotentes ao se depararem com uma criança triste, isolada das demais, sofrendo com a dor
da perda, e nesse momento tudo o que temos é nosso afeto, atenção e boa vontade.
Penso que seria diferente se o educador estivesse preparado para lidar com as emoções dos
seus assistidos. Seria importante que os adultos fossem preparados para explicar as crianças
porque ocorrem as perdas. A preparação adequada o tornaria um educador apto a responder as
indagações, assim como inspirar segurança aos pequenos, carentes de atenção, colo e calor
humano.
Por que nos separamos das pessoas a quem amamos?
Por que temos que abrir mão de coisas que gostamos?
Por que perdemos nossos bichinhos de estimação?
Por que as pessoas têm que morrer?
Começamos a coleta de dados, buscando informações junto a profissionais que trabalham com
perdas na infância, nas mais variadas situações.
Também vivenciei experiências de perdas na infância. A maioria foi superada, porém a
lembrança de outras ainda machuca. Seria a falta de orientação adequada na infância, ou é
normal que todos sintam saudades e sofram ao lembrar fatos tristes registrado na mente?
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Quando criança eu detestava ir a funerais A aparência do morto me dava medo, se por acaso
eu precisasse ir, depois não conseguia dormir. Isso durou até a adolescência.
Quando mocinha, eu que morava no interior de SP, vivi uma fase diferente. A ocorrência de
um funeral também era uma reunião social. Vinham os parentes e os amigos da família.
O problema não era medo de morrer e sim o de ficar só. Meu pai faleceu quando eu tinha
apenas seis anos de idade, vítima de um acidente, o que nos levou de volta a casa dos avós
maternos. Meses depois o avô também morreu, mas a família era grande e tinha muita gente
que poderia nos entreter ou nos ajudar.
Hoje com mais de 50 anos e com um conhecimento razoável sobre a “Doutrina dos Espíritos”,
codificada por Allan Kardec, já não tenho motivo para desespero na hora da partida de entes
queridos. A dor da separação, da saudade, é claro que sempre vai existir, pois somos sensíveis
e quando amamos alguém, queremos estar por perto, fazer uma visitas, dar um telefonema,
enviar cartas ou mensagens pela internet.
Não consigo imaginar os sentimentos que ficam com os familiares daqueles entes queridos
que partiram, levados pela morte, quando os seus não acreditam que a vida continua do outro
lado, ou ainda, como seria para as pessoas egoístas que não aceitam a separação, julgam que
Deus não deveria ter tirado do seu convívio, aquele ser amado que hoje se encontra distante
dos olhos.
Temos o caso da Aninha (ACSJ), ela tinha apenas três anos quando o pai faleceu após dois
meses doente. Filha de um casal católico, ela acreditava que o pai estava no céu.
Na ocasião, a mãe de Aninha a convenceu de que Deus gostava tanto do seu pai que o levou
para morar perto dele. No primeiro ano, ela encarou a perda de maneira surpreendente, pegava
o telefone e ficava conversando, em sua imaginação, com o pai distante. Depois foi para a
escolinha, fez novos amigos, trazia atividade escolar e as horas passavam mais rápido.
Para entender melhor o comportamento da Aninha, consultamos o trabalho realizado por
Cecília Casali Oliveira, “Visão da Criança sobre a Morte”, para o Simpósio de Medicina de
Ribeirão Preto (2005 p.38 (1)p.26-33) “MORTE: Valores e Dimensões” Logo no início,
encontramos os versos abaixo:
Amar o perdido / Deixa confundido / este coração.
Nada pede o olvido / Contra o sem sentido / Apelo do não.
As coisas tangíveis / Tornam-se insensíveis / Á palma da mão.
Mas as coisas findas / Muito mais que lindas / Essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade. “Memória”.
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O adulto subestima a inteligência e a percepção da criança diante da morte daqueles que lhe
são caros e entre estes estão inclusos os familiares, os amiguinhos, os bichinhos de estimação
e até seus brinquedos favoritos quando estes sofrem um acidente sem recuperação.
Acreditamos que não devemos dizer a uma criança “O cachorro morreu, mas nós lhe
compramos outro”, o mesmo com o peixe, o gato, o coelho ou qualquer bichinho de
estimação que o filho ou neto tenha perdido. Seria o mesmo que dizer à criança que o pai ou o
avô que morreu pode ser facilmente substituído por outro.
No caso de madrasta ou padrasto deve-se incentivar o respeito pelo novo cônjuge dos pais,
mas nunca tentar substituir aquele que faleceu. O carinho dedicado a um ente querido é
insubstituível.
Os adultos, muitas vezes, na tentativa de proteger a criança, tomam atitudes inadequadas.
Uns optam por mentiras fantasiosas dizendo que o falecido viajou de repente e escondendo o
funeral da criança. Assim ficam num corre-corre, de lá pra cá e de cá pra lá, enquanto
esperam o melhor momento para contar a verdade.
Iludem-se ao imaginar um momento melhor. A criança é muito sensível e o adulto se ilude
tentando esconder os fatos pois ao presenciar lágrimas e lamentos por todo lado, a criança
intui que há algo errado. Quando um familiar está com uma doença incurável é aconselhável
preparar a criança para a despedida do ente querido enfermo. Caso não saiba como lidar com
a situação, é preferível contar a ajuda de um profissional para orientar toda a família.
“... (Morienterapeuta (moriens – que está morrendo) Therapeuein – cuidar,
servir, curar). O Morienterapeuta entra em cena quando as esperanças se
foram. A despedida é certa. Ele ou ela tem de estar em paz com a vida e a
morte, tem de saber que a morte é parte da vida... é preciso que a despedida
seja mansa e sem dor”. (OLIVEIRA, 2005.p.32).
Durante um seminário, que a Dra. Elizabeth Kubler-Ross apresentou, foi questionada sobre o
comportamento das crianças que perdem pai ou mãe e com muita propriedade ela nos mostrou
que os pais que tem medo da morte passam o medo para os filhos. As famílias que tratam o
tema como tabu perdem a oportunidade preciosa de educar as crianças para a vida e para a
morte.
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Segundo Kubler-Ross, é importante apresentar o doente às crianças da família e se o caso for
grave, mostrar-lhes o que pode ser feito para tornar a vida do enfermo um pouco mais
agradável. Leve as crianças ao funeral de familiares, explicar a elas que a morte é um
processo natural, que algumas pessoas vivem mais outras menos, assim como os animais e as
plantas, o ser humano também vem e volta, transita entre os dois mundos assim chamados
“Mundo dos vivos e Mundo dos mortos”.
Kubler-Ross, em seu livro “ O Túnel e a Luz”, narra a história de Liz: “Algum tempo atrás,
fui chamada para ver uma menina de doze anos que estava morrendo. Conseguimos tirá-la do
hospital para morrer em casa. Sempre que humanamente possível, levo todas as minhas
crianças para morrer em casa, mas nunca coloco no quarto porque os quartos são com
freqüência usados para punir as crianças. Presumo que não seja diferente aqui, na Suécia.
Acho que todos se lembram que, ao desobedecer quando criança, eram mandados para seu
quarto e, ao se acalmarem, tinham permissão de sair dele novamente. Muitas crianças
associam os quartos com coisas indesejáveis, tabus, punições e isolamento”.
Por isso, continua Dra. Kubler-Ross, levamos as crianças para a sala e as colocamos em uma
grande cama de onde possam ver a floresta, o jardim, as nuvens ou as flores, os passarinhos
ou a neve.
“Liz estava em uma cama na sala; muito, muito lentamente morria de câncer.
A mãe conseguia se aproximar da menina de uma maneira muito bonita. Mas
o pai era incapaz de dizer qualquer coisa – (...)”. (KUBLER-ROSS, 2003,
p.37).
A família da menina, assistida por Kubler-Ross, era composta pelo pai, mãe e quatro irmãos.
Liz tinha 12 anos, os irmãos seis, dez e onze. Todos sabiam que a irmã estava morrendo e
procuravam estar em sua companhia, se despedindo a cada dia. Porém, o irmão caçula de seis
anos era o mais impaciente. Quando questionado pela Dra. Ross sobre seus sentimentos com
relação à irmã doente, ele foi simples e direto, disse que estava cheio daquela situação, pois
não podia bater a porta, não podia brincar com os amigos na sala e nem ver televisão.
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Figura 1. Dra. Elizabeth Kubler-Ross
Para uma criança de seis anos, perder a liberdade de fazer as coisas de que gosta é muito ruim.
A família voltou toda a atenção para a enferma, esquecendo que os outros filhos necessitavam
continuar suas vidas, e mesmo amando a irmã doente, não podiam deixar de lado as coisas
que eram importantes para eles.
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1. Crianças que Trabalham - Perda da Infância.
Fazer carvão,
Cortar cana-de-açúcar,
Preparar e carregar o Cizal,
Quebrar castanhas, cacau ou pedras,
Colheita de laranja, tomate ou folhas de tabaco,
Vender balas ou pedir esmolas nas grandes avenidas.
As crianças que trabalham principalmente as que ainda não freqüentaram o ambiente escolar
sofrem grandes prejuízos no seu desenvolvimento social e emocional. Ao iniciar seu período
de aulas, dentro da faixa etária adequada, entre 4 e 6 anos, ela será introduzida
progressivamente e naturalmente na dimensão da cultura humana. Esse período caracteriza o
despertar da curiosidade espontânea do ser humano.
O contato com o mundo das letras, o suporte oferecido pelos mestres e materiais didáticos, a
disputa saudável que acontece entre os colegas de aprendizagem, tudo concorre para que esta
criança tenha bases sólidas ao seu desenvolvimento posterior, seja na puberdade ou na fase
adulta. (RAPPAPORT,1982).
O trabalho infantil, além de provocar muitas perdas no desenvolvimento do ser humano, é
acima de tudo desumano. A criança tem o direito de ser feliz, e nem estamos nos referindo ao
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, pois se houvesse respeito pela infância, seria
dispensável criar estatutos que poucos obedecem.
Ao iniciar no trabalho precocemente ela perde a oportunidade de estudar e escolher a carreira
profissional, diferente daquela de que fora obrigada aceitar em troca do alimento, muitas
vezes escasso, insuficiente para toda a família.
É com pesar que assistimos as reportagens sobre o trabalho infantil. São constrangedoras as
imagens de crianças vendendo balas nos semáforos das grandes cidades, cortando e
carregando cizal no Nordeste, colhendo folhas de tabaco no Sul, fazendo carvão no Centro
Oeste, cortando cana de açúcar e colhendo café no Sudeste.
Citamos apenas o Brasil, mas o trabalho infantil existe no mundo todo. Exemplificamos
alguns trabalhos pesados ou insalubres que conhecemos como o contato com defensivos
agrícolas, utilizados nas lavouras de fumo, café, tomate, hortaliças e laranja, onde também se
utilizam mão de obra infantil.
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Vemos o horror da fumaça e o pó de carvão nos fornos, onde crianças e suas famílias que
trabalham sem nenhuma proteção. Nos canaviais, a situação não é diferente para as crianças
que trabalham. Quando a cana é cortada ainda verde, suas folhas cortam a pele até dos
adultos, imaginem a pele das crianças que é mais delicada.
Quando a cana é queimada antes do corte, ao bater o facão para cortar a cana bem rente ao
solo, o pó restante da queimada se movimenta e é inalado pelos trabalhadores ao respirar, é
cinza, é tóxico e prejudicial aos pulmões ao longo do tempo. Junte-se a tudo isso, a falta de
higiene, má alimentação, falta de socorro adequado quando ocorrem acidentes de trabalho,
etc.
Essas crianças serão os chefes de famílias do futuro.
Que futuro? Seus filhos seguirão os caminhos dos seus pais, seus netos também se esta
corrente infeliz não for quebrada.
É vergonhoso ter que convivermos com notícias e gráficos, que a primeira vista, quando
lemos somente o titulo, imaginamos que o trabalho infantil realmente diminuiu. Observem os
dados abaixo, divulgados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de geografia e Estatística.
TRABALHO INFANTIL CAI POUCO E AINDA HÁ 1,2 MILHÃO DE CRIANÇAS
EXPLORADAS
”Portanto, apesar do IBGE apresentar os dados relativos ao trabalho infantil dentro da faixa de 5 a 17 anos, é preciso considerá-los dentro das divisões por grupos de idade e situá-los nas determinações da legislação brasileira. ( Set/2008.)”
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Figura 8. Gráficos do IBGE – Nível de Ocupação por faixa etária.
Pesquisa nacional por amostra de domicílios 2006 - Aspectos complementares de
educação, afazeres domésticos e trabalho infantil-Código: 8954
GRÁFICOS DO IBGE – Pesquisa Divulgada em 2006
Figura 9. Gráficos do IBGE – Trabalhos Domésticos á partir dos 05 anos de idade.
“Para as crianças de 5 a 9 anos, o quadro era bastante diferenciado entre as regiões, com o Sudeste e o Sul apresentando, nessa ordem, o percentual mais baixo (21,2%) e o mais alto (30,3%).
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Aproximadamente nove em cada dez crianças e adolescentes que exerciam afazeres domésticos freqüentavam escola. Em todas as faixas de idade, a taxa de escolarização dos que exerciam afazeres domésticos era superior a dos que não exerciam”.
Figura 10. Gráficos do IBGE – Trabalhos á partir dos 05 anos de idade e a posição na ocupaçao.
“O trabalho agrícola não-remunerado estava intensamente presente entre as crianças e adolescentes ocupados, sobretudo entre os mais novos: dos ocupados com 5 a 13 anos de idade, 95,1% estavam em atividades agrícolas e sem remuneração. Para o universo de pessoas de 5 a 17 anos de idade, essa situação se verificava em todas as regiões brasileiras, com destaque para o Sul, onde 91,0% das crianças e adolescentes ocupados desempenhavam atividades agrícolas não-remuneradas. Além desse elevado percentual de crianças e adolescentes em atividades agrícolas sem remuneração, aproximadamente 79,0% dos adolescentes de 16 a 17 anos de idade que estavam trabalhando como empregados ou trabalhadores domésticos não tinham carteira de trabalho assinada em 2006. No Nordeste, foi encontrado o menor percentual de pessoas nessa faixa etária com carteira assinada (3,8%); e no Sul, o mais alto (33,1%)”.
E assim, após observarmos os gráficos coloridos, os noticiários da TV, ficamos tristes, mas
em seguida, o telejornal apresenta uma noticia alegre, festiva e muito se esquecem das
criancinhas com suas mãos sujas e feridas pela violência do trabalho infantil.
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1. 1. Introdução ao Mundo das Letras
É no período escolar que a criança vai sendo introduzida progressivamente a cultura humana.
Também neste período que a criança desenvolve suas relações emocionais conforme podemos
constatar na teoria Piagetiana. (RAPPAPORT,1982, p.2).
É também o período da organização de pequenos grupos “As Panelinhas”, onde ocorrem as
trocas de conhecimentos, as fofocas, a proteção entre os amigos, em alguns casos, para se
defender do grupo rival. É também no ciclo básico escolar que ocorre o envolvimento com o
mundo das letras, indispensável para a transformação formal do conhecimento.
“A escola lhe será um ponto de múltiplas cobranças e realizações. Uma nova
figura, vinda de fora, complementa ou até substitui os pais na implantação dos
modelos de lei e de realizações. A competição contra as tarefas e contra os
colegas é efetuada com uma proteção apenas relativa. Se seu desenvolvimento
físico, psicomotor, intelectual e afetivo é normal, estará apto para as batalhas.
Se atrasado ou perturbado, o mundo das letras será impenetrável fonte de
frustrações, estará frágil para os embates sociais e, frequentemente, só lhe
restará o retorno a um infantilismo emocional pelas cobranças que não poderá
atender”. (RAPPAPORT,1982, p.3).
1.2. Desenvolvimento Cognitivo
Dos 7 aos 12 anos a criança passa a desenvolver as operações concretas. (RAPPAPORT,1982,
p.45).
O pai será o primeiro exemplo a ser seguido pelo filho e a mãe, pela filha. O menino busca no
pai os valores morais, o programa de TV, o futebol nos finais de semana e o interesse pelas
conversas do pai com os amigos. A menina desenvolve interesse voltado para a mãe e para a
professora, na escola. A menina veste as roupas da mãe, coloca sapatos de salto alto,
maquilagem, jóias e adereços que a torne semelhante à imagem da mãe.
“Existem algumas propostas específicas derivadas dos estudos de psicanalistas
seguidores de Melanie Klein, como por exemplo, M. Langer, R. Soifer etc.
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Nestas propostas, fica clara a importância do relacionamento menina-mãe,
desde a mais tenra infância, para aquisição de uma identidade feminina
saudável, de um sentimento de bem-estar em relação a si própria, a seu corpo, a
menstruação, as manifestações de sua sexualidade, á gravidez, parto,
desempenho do papel maternal, etc.” (RAPPAPORT,1982, p.46).
A criança obrigada a trocar os livros escolares pelas ferramentas de trabalho na infância,
obrigatoriamente, será forçada a pular etapas importantes do seu desenvolvimento de modo
geral. Quando observamos o rosto da criança entrevistada durante uma reportagem sobre
trabalho infantil, notamos que ela, além de tímida, sente vergonha pela sua ignorância, pela
dificuldade de se expressar ao responder as perguntas do repórter, sente tristeza pela falta de
opção.
Hoje, com a expansão da energia elétrica, mesmo sem freqüentar escola, muitas crianças tem
acesso a informação pela TV. Sentem desejos de possuir bens como brinquedos, roupas,
calçados, freqüentarem o colégio, ter amigos, poder dizer que é um estudante, mas olhando
suas mãos, no lugar do lápis encontramos as bolhas e calos provocados pelos instrumentos do
trabalho pesado que as crianças vem executando junto aos adultos.
Os pais, na maioria analfabeta, conforme assistimos nas reportagens da TV, acham normal ver
seus muitos filhos no trabalho para ajudar no sustento da família e alguns pais ainda
respondem que é bom ter muitos filhos, assim, na mesma proporção, tem muitos braços para o
trabalho, mas se esquecem que mais filhos, mais necessidades a serem suprida, e assim como
foram criados os seus antepassados, também seus filhos o serão se nada for feito agora para
ajudar esta geração, quebrando a corrente da ignorância.
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2. Mudança de Cidade ou País.
2.1.Perda do contato com entes queridos.
Perda do carinho, do toque físico, da companhia dos entes queridos que mudam de País ou
para um local distante, seja definitivo ou a trabalho. No documentário seriado, exibido pela
TV Bandeirante em 2008, em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa para o Brasil –
“Haru e Natsu, as cartas que não chegaram” nos deparamos com inúmeras perdas na Infância
dos personagens na dramatização de uma história real.
Vejamos aqui a saga da família TAKAKURA do Japão. No porto de Kobi no Japão, a família
Takakura se preparava, junto a outros imigrantes para embarcar no navio Kasatu Maru com
destino ao Brasil. Quando chegaram para inspeção de saúde, o médico percebeu que a irmã
menor, Natsu, estava com Tracoma Ocular, um tipo de conjuntivite. Na época em 1934 não
havia remédio eficaz e a contaminação do navio seria inevitável.
A garotinha foi deixada na hospedaria para ser retirada por um familiar que viria busca-la e
assumir sua educação até o retorno dos pais que estava programado para três anos mais ou
menos. Temos duas histórias de perdas na infância, vividas pela mesma família, uma parte de
cada lado do Oceano. Eram quatro filhos; Shigeru, Minoru, Haru e Natsu.
Figura 2. Família TAKAKURA no Brasil.
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No Brasil, a irmã mais velha sofre com a saudade da irmã menor, a falta da escola, agravada
pela dura vida na lavoura de café. Seu irmão Shigeru contraiu febre amarela e veio a falecer.
Figura 3. Brasil Japão
No Japão, a irmã mais nova, Natsu, que havia ficado com a avó, sofria a saudade dos pais, a
falta da companhia da irmã, a falta de alimentos para todos e os maus tratos causados pela tia
e pelos primos. As cartas da família, enviadas do Brasil, nunca chegaram para Natsu, pois a
primeira carta continham dinheiro japonês dentro dela, fora enviados a Natsu, já que a moeda
japonesa não podia ser usada no Brasil, a tia usou o dinheiro e escondeu todas as outras
cartas com medo de ser descoberta.
Com a morte da avó, a pequena Natsu foge da casa dos tios e é encontrada e protegida pelo
Sr. Tukoji, um velho fazendeiro viúvo cuja única filha também tinha morrido. O Sr. Tukoji
cuidou de Natsu como neta, ensinando a lidar com a fazenda, as vagas e a produzir queijos
caseiros, para ganhar algum dinheiro.
A menina era muito feliz com o avô adotivo, até que a febre espanhola o levou também.
Novamente, Natsu, com apenas 10 anos, se achava sozinha no Japão, com um sítio e algumas
vacas para ordenhar e alimentar, e tinha também os queijos. Dois amigos, filhos de
fazendeiros vizinhos, foram designados para ajudar nas tarefas deixadas pelo Sr. Tukoji, após
sua morte. Então explodiu a Segunda Guerra Mundial em 1939.
Os soldados confiscavam tudo em nome de Sua Majestade o Imperador. Todo o leite era
levado pelos soldados, os jovens, agora adolescente, já estavam muito fracos para suportar o
trabalho pesado da fazenda. Ao terminar a guerra em 1945, um soldado nisei, naturalizado
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americano, se apaixonou pela jovem japonesa Natsu, mesmo contra a opinião dos seus dois
amigos, ela pretendia casar-se. Então ela sofreu uma grande decepção, quando o jovem
soldado foi convocado para retornar aos Estados Unidos da América, deixando sua amada
grávida e sem família.
Para evitar que seu filho crescesse sem pai e ainda ter que enfrentar todo tipo de preconceito,
ela se casa com um jovem japonês que estava interessado apenas na sua pequena fábrica de
biscoitos construída com o apoio do seu namorado americano. Natsu teve mais um filho, pois
seu marido reconheceu o filho bastardo e sugeriu que tivessem um filho legítimo. Ela não foi
feliz no casamento. Durante anos conviveu com a infidelidade do companheiro, e também não
educou seus filhos de maneira correta, transformou os jovens em garotos mimados que só
sabiam gastar o dinheiro da mãe.
Dentro do seu coração havia muita mágoa pelo abandono da família, sentimento que fez com
que ela oferecesse aos filhos tudo o que lhe fora negado na infância solitária e de muita
miséria. Quando imigraram para o Brasil, a promessa era de voltar em três anos e com muito
dinheiro. No Japão, Natsu imaginava que sua família estava rica e não se importavam com
ela. Mal sabia da miséria que eles suportavam em terras distantes, sem ao menos dominar o
idioma da nação onde viviam. Após 70 anos, quando sua irmã Haru finalmente consegue ir ao
Japão com seu neto, procurar pela irmã que nem quer ouvir falar de sua família, a dor era
tanta que ela preferiu se convencer de que todos estavam mortos.
Natsu só fica sabendo a verdade quando sua prima a procura para entregar as cartas de sua
infância. Graças as cartas, as duas irmãs puderam terminar seus dias juntas no Brasil. Para
Natsu que cresceu longe dos pais, os danos foram bem maiores. Faltou amor, faltou proteção
e sobraram dores e sofrimentos por uma vida inteira de abandono.
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3. Morte de Entes Queridos.
3.1 . Refletindo sobre a experiência do adoecimento e da morte.
“A doença e a morte não são temas que associamos á infância.
Tradicionalmente espera-se que os velhos morram antes do que os novos”. (...)
“Antes de mais nada, adoecer nas primeiras fases da vida está:” Fora do
planejamento da vida – achamos que tudo tem seu tempo e adoecer ou morrer
não faz parte da infância ou adolescência, mas somente da velhice; Mudanças
no desenvolvimento normal – a criança e o adolescente devem passear e se
divertir, estudar e não ter preocupação, mas frente á doença tudo muda, eles
passam a pensar e refletir sobre situações adversas e doloridas que
transformam sua visão de vida;” (SCHLIEMANN apud INCONTRI,
SANTOS, 2007, p.50).
Como se sentem os irmãos menores ao observar as mudanças no comportamento dos pais, a
ausência do irmão hospitalizado, a tristeza que ronda a aparência de todos os envolvidos?
Independente da idade da criança doente, não podemos ignorar seus sentimentos de perda. Se
o doente está em idade escolar e deixa de freqüentar o colégio, se afasta dos amiguinhos, fica
privado de acontecimentos importantes para o aspecto cognitivo e a maturação emocional da
criança doente. É preciso ficar atento, buscar ajuda profissional e terapias com psicólogos
para evitar problemas futuros depois que a criança for curada, cuidar da recuperação da
identidade que foi modificada durante o período que ela estava doente.
3. 2. Falando da Morte com Crianças - Morte e criança.
Morte e criança parece tratarem-se de assunto incompatíveis. Será? A maioria
das pessoas diz que esse não é assunto do universo infantil, somente dos
adultos. Porém, estamos constantemente expostos a morte: seja nas ruas
(violência, homicídios, acidentes...), ou nos meios de comunicação, dentro de
nossas próprias casas (rádios, jornais e nos noticiários na TV: nas cenas de
violência física, nas cenas de acidentes, catástrofes, homicídios, guerras,
atentados...) E a criança faz parte desse cenário. (PAIVA in INCONTRI,
SANTOS, 2007.p.179).
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3.2.1. Perda e o Processo de Luto
Quando nos referimos ao LUTO, logo surge a idéia de que alguém morreu, mas o luto pode
ocorrer em outras situações de perdas. Para a criança, quando morre seu animal de estimação,
ela fica de luto e não adianta prometer outro animal de imediato, devemos ser sensíveis ao seu
sentimento de luto, deixar que a criança experimente a dor da perda oferecendo nossa
compreensão e apoio pela morte do cachorro, gato, peixinho ou qualquer outro animalzinho
de estimação, caso contrário, quando acontecer a morte física de um ente querido, como
iremos substituir a pessoa amada que partiu?
3.2.2. Luto da Criança
“É importante ressaltar que as crianças no período pré-operacional ainda não
tem conhecimento de que a morte é irreversível e da qual não há volta.
Precisam ser informadas do fato. Surgem sentimentos ambivalentes em
relação a perda, mas o sentimento de culpa pode aparecer com muita força
relacionada com a influência do pensamento mágico onipotente tão presente
nas crianças nesta fase do desenvolvimento. (...) A criança sabe que algo
aconteceu, e busca as informações que precisam para entender o que está
acontecendo, o que pode causar mais medo e insegurança”. (KOVÁCS in
INCONTRI, SANTOS, 2007, p.228).
3.3. Pais aidéticos - Filhos órfãos.
Como trabalhar as perdas com os filhos de pais aidéticos na fase terminal? Como trabalhar o
emocional dos pais, cujos filhos serão entregues aos cuidados de terceiros? Outro trabalho
muito interessante que nos chamou a atenção foi o livro “MORTE” da Psicóloga Maria Elisa
Pessoa Labaki. Ela relata o período em que atuou como psicóloga no ambulatório de Aids do
Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina (1986 a 1990).
Em 1990, a AIDS assustava bem mais as pessoas e seus familiares, o que com o tempo já não
estão sendo levados á sério como deveria ser. Hoje, em 2008, as pessoas ignoram os efeitos
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colaterais dos medicamentos, acreditando que o “Coquetel” pode fazer milagres, o que
infelizmente é utópico. (LABAKI, 2006, p.32).
Para trabalhar em um ambiente tão hostil, onde a emoção é o principal ingrediente a ser
manipulado, somente um Espírito cuja compreensão das dores humanas é inata, e a perfeição
deste sentimento vem sendo burilado ao longo dos anos. O texto abaixo remete-nos a uma
reflexão sobre a tarefa assumida por esta profissional.
“Acrescentam-se fatos pessoais. Há muito tempo me pergunto sobre a morte.
Criança, me dei conta de que as feições emolduradas dos mortos que
habitavam meu ambiente familiar eram figuras dos que já não estavam mais
ali porque doenças os fizeram desaparecer, sumir. Como era terrível ver
realizada a fantasia de perda da mãe – em geral contrariada com o repetido
regresso dela – e testemunhar a comprovação de que ela podia, de fato, deixar
de existir, apagar-se! O terrível sumiço, que os retratos dos mortos revelam,
devolvia ao sonho a eficácia perdida, a porção de mistério, trazendo a tona a
fantástica mistura de realidade com ilusão. Transporta-me, também, o quebra-
cabeça de reminiscências para os dias de feira livre, cujo acesso possível
levava-me a travessia – voluntária; não obrigatória – de, como não bastasse
um, dois cemitérios próximos a minha casa. As missas fúnebres com corpo
presente tanto me atraiam que, certa vez, me aproximei de uma delas cantando
em alto e bom som a seguinte cantiga de ninar: “Boi, boi, boi, boi da cara
preta, pega esta menina que tem medo de careta”. (LABAKI, 2006, p.33).
3.4. A casa abrigo.
Conhecemos uma casa abrigo para crianças soro positiva para o vírus HIV. Tentamos realizar
um trabalho com outros voluntários, mas fracassei, então busquei ser útil em outra ocupação
que exigesse menos do meu emocional. Na época, a minha formação era apenas na área de
ciências exatas, talvez hoje eu pudesse tentar novamente trabalhar com esse grupo de
crianças, visto que já consigo fazer visitas periódicas.
Acreditamos na importância de se fazer a escolha certa para ter êxito no trabalho escolhido,
seja ele remunerado ou voluntário. Em outubro de 2007, uma empresa doou vários bichinhos
de pelúcia recusados pelo controle de qualidade, cujo defeito era imperceptível. O gerente me
pediu colaboração na distribuição deles para crianças carentes. O primeiro lugar que passamos
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foi na Casa Abrigo, onde 20 crianças e jovens menores de idade são acolhidos com seus
acompanhantes, durante o tratamento no Hospital das Clínicas em São Paulo.
Uma jovem de 16 anos portadora de leucemia recebeu de presente uma gata branca de
aproximadamente 50 cm, com música em uma das patas. Quando acionou a patinha da gata, a
paciente começou a chorar, perguntamos o porquê da sua emoção e a resposta foi direta
“Nunca ganhei um bicho de pelúcia grande e nenhum brinquedo com música”. Essa
adolescente reside em uma cidade do interior de Rondônia, soubemos que estava afastada por
um período, fazendo tratamento á distância.
É necessário se preparar antes de se lançar nesse tipo de trabalho, é muito sofrido estar com as
crianças sem poder dar esperança de que elas seriam curadas, o grupo continua, mas por hora
estou afastada.
Hoje, temos uma aliada importante para nos ajudar a adquirir o conhecimento sobre o ser
humano e o equilíbrio necessário para lidar com questões morais e espirituais, a “Pedagogia
Espírita”, que nos faz perceber, principalmente, que se aprende mais, onde julgamos ensinar,
que se somos ajudados onde nos colocamos para ajudar e que se dividirmos um pão ao meio,
ficaremos apenas com a metade dele, mas se dividirmos amor e atenção com outros seres,
ambos sairemos com o dobro do conteúdo que tínhamos no inicio.
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4. Separação do casal.
4.1. Perda da convivência com um dos pais
Outro trabalho bem interessante que pesquisamos “PERDAS NECESSÁRIAS” de Judith
Viorst. Como é difícil aceitar que perder é necessário, é importante para o nosso crescimento
e é inevitável que se perca algo ou alguém.
“Quando pensamos em perda, pensamos na morte das pessoas que amamos.
Mas a perda é muito mais abrangente em nossa vida. Pois perdemos, não só
pela morte, mas também por abandonar e ser abandonado, por mudar e deixar
coisas para trás e seguir nosso caminho. E nossas perdas incluem não apenas
separação e partidas dos que amamos, mas também a perda consciente ou
inconsciente de sonhos românticos, expectativas impossíveis, ilusões de
liberdade e poder, ilusões de segurança – e a perda do nosso próprio eu jovem,
o eu que se julgava para sempre imune as rugas, invulnerável e imortal”.
(VIORST, 1986, p.13).
4.2. Papai – Liberdade Cerceada.
Observando o comportamento das crianças com as quais trabalhamos e percebendo suas
mudanças, logo começamos a investigar. Trabalhamos na casa espírita, com educação infantil.
Entre todas as crianças do curso, havia uma que se destacava pelo comportamento alegre,
participativa, muito falante, estava sempre cantando ou dançando durante as aulas.
Um dia ela chegou com uma carinha triste que dava pena, abriu uma revistinha e se isolou do
grupo. Esperamos pelo melhor momento, não queríamos chamar a atenção dos outros alunos,
fomos investigar a ocorrência, saber por que ela estava triste.
- Estou com saudade do meu pai, disse ela baixando os olhos.
- Que houve com seu pai (NGR), está viajando?
- Não – falou bem baixinho para não ser ouvida - ele foi preso, fiquei sem meu pai.
Nesse momento, buscamos a intuição divina com um pedido de socorro aos céus, como
tranqüilizar aquela inocente criança, sem contar mentira e ao mesmo tempo colocar alguma
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esperança em seu coração. Não poderíamos ficar calados diante dos fatos, a notícia chocou,
então perguntamos:
- Você já ficou de castigo em sua casa?
- Já. Quando eu e meu irmão brigamos, minha mãe nos coloca de castigo para pensar
que é errado brigar e bater um no outro.
- Então minha querida, seu pai fez uma coisa errada e a justiça dos homens o colocou
de castigo, só que castigo de gente grande demora mais pra acabar, tenha paciência, quando
terminar, ele volta pra casa.
4.3. O Casamento do Papai.
Outro garoto, filho único do primeiro relacionamento dos pais, com quem tínhamos muita
liberdade de diálogo, também nos colocou numa situação delicada. Um dia ele chegou com
uma expressão eufórica, um misto de excitação e tristeza que não entendemos muito bem.
Perguntamos se estava tudo bem, então ele respondeu sacudindo os ombros.
- Está sim, meu pai vai casar! Que legal, respondi, pois entendi que os pais iam se casar e até
fiz um comentário do tipo: - Que bom que você vai ao casamento dos seus pais, é diferente!
Não, só o meu pai é que vai se casar com a tia fulana, não é com minha mãe.
Semanas depois, vimos as fotos do nosso aluno, com traje á rigor, junto ao pai e a madrasta,
uma família feliz. Seria precisamos ouvir a opinião das crianças, não é justo impor aquilo que
achamos que está bom pra nós, a criança é um ser individual.
Não confundir proteção com posse, os filhos não são propriedade dos pais, eles foram
colocados sob suas responsabilidade para educar e orientar, receber as primeiras diretrizes
para sua jornada evolutiva.
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5. As Crianças de Pestalozzi
“Johann Heinrich Pestalozzi, pedagogo, nasceu em Zurique na Suíça em 12 de Janeiro de 1746. Casou-se com Anna Schultherss em 1769 com teve um filho único, Hans Jakob, cujo nome faz homenagem á Jean-Jacques Rousseau. Pestalozzi, sempre preocupado com a educação dos pequenos mais desfavorecidos, fundou o instituto para pobres, cujas instalações ficavam na fazenda Neuhof na região de Birrfeld, aliando educação e trabalho, uma maneira de manter os internos ocupados enquanto aprendiam as letras e os cuidados com a natureza. Seu projeto foi à falência em 1780, fim do Instituto Neuhof, as crianças voltam para a miséria do antigo lar ou para as ruas onde pediam esmolas para entregar aos seus pais”. (INCONTRI,1996.p.09).
O texto abaixo nos ajuda na compreensão do trabalho do mestre Pestalozzi com as crianças de
Stans. Segue na íntegra, visto ser impossível suprimir qualquer informação contida no texto.
5.1. A REVOLUÇÃO HELVETICA E A TRAGÉDIA DE STANS
“Em seu projeto de expansão revolucionaria, a França encontrou na Suíça um campo desguarnecido, no qual foi fácil instalar uma nova ordem social, sua influencia e a presença militar, extremamente vantajosa ás ambições napoleônicas”. Na verdade, a situação político-social da Suíça no século XVIII era bastante confusa. Preponderava ainda o sistema confederativo, em que os cantões conservavam grande autonomia, embora algumas regiões detivessem predominância político-econômica sobre outras. Nos cantões rurais, ainda vigorava a democracia direta, através das Landesgemeinde (comunas regionais, cujas reuniões, aliás, Pestalozzi descreve em Leonardo e Gertrudes), embora em algumas prevalecesse o domínio dos sensores semifeudais. Em cidades industrializadas, como Zurique, por exemplo, uma forte oligarquia já se estabelecera, mantendo o poder de decisão e de voto estritamente nas mãos dos mais abonados, que geralmente faziam parte das tradicionais famílias que comandavam as corporações de ofícios. Formara-se aí o conselho dos Burger (burgueses), em que alguns poucos cidadãos representavam o restante da população urbana, que perdera a participação política. Há muito, as elites intelectuais suíças clamavam por reformas, pedindo a abolição, ou pelo menos a diminuição, dos privilégios aristocráticos e oligárquicos. Desde a década de 60, tanto a Sociedade Helvética como os chamados patriotas – grupos de que Pestalozzi fez parte ao lado de Lavater – pretendiam promover alguma espécie de mudança social. No caso de Pestalozzi, como já foi visto, houve uma evolução de um ponto de partida paternalista para uma democracia liberal. Entretanto, como bem observa Dierauer, pouca ou quase nenhuma ação concreta foi desencadeada por esses grupos.
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Pestalozzi, com o apoio do editor Iselin e como membro da sociedade secreta dos iluministas (cuja proposta era essencialmente influenciar e esclarece os que detinham o poder), tentou, durante mais de década, ganhar a simpatia dos aristocratas, para que estes encetassem as mudanças necessárias. No plano prático, não obteve nenhuma adesão de vulto, tanto que não conseguiu nenhum apoio para concretizar as experiências pedagógicas com que sonhava. “Mas, sem duvida, seus escritos publicados durante os anos 80 e 90 tiveram uma grande influência na difusão de ideais reformistas, que conclamavam a consciência das elites a dar maior importância ás necessidades e aos anseios da população.” (INCONTRI,1996.p.78).
Figura 4. Pestalozzi com os órfãos em Stans.
Após a guerra, o governo convoca os voluntários para reerguer Stans e Pestalozzi retoma seus
projetos educacionais como “Mestre-escola”. Pestalozzi que não desisti nunca, então com 53
anos, inaugura o Instituto de Stans em 7 de dezembro de 1798, dentro de um convento em
construção que lhe fora emprestado, e novamente Pestalozzi recolhe as crianças
desamparadas, sujas, cobertas por piolhos e feridas causadas pela falta total de higiene e a
miséria do pós-guerra. Com apenas uma criada e quase 80 crianças famintas de alimento e
afeto, encontraram no bondoso educador, o carinho, a compaixão e o instinto materno, que
havia em seu coração, soma-se á tudo isso as experiências dolorosas vividas nos últimos
acontecimentos em Stans.
“Conforme ele mesmo conta em sua carta, às condições de miséria, ignorância e embrutecimento do povo local, até mesmo das crianças, era algo pavoroso. Isso, porém, não o impressionou. Fez o que pode para acabar com a sujeira física que envolvia as crianças de feridas e piolhos e ensinar-lhes algo. As
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múltiplas pressões sofridas vão-lhe causar muito maior prejuízo”. (INCONTRI,1996.p.85).
Para defender seu projeto educacional, Pestalozzi tem que enfrentar os mais variados
obstáculos. Trabalhava com o pouco dinheiro que recebera do governo para cuidar e alimentar
quase 80 crianças, enfrentando a desconfiança generalizada da sua capacidade administrativa,
embora essa desconfiança fosse injustificada, pois Rufer já havia provado que Pestalozzi usou
de maneira sensata o dinheiro que o governo lhe confiou em outra empreitada. Havia também
a oposição da população que via em Pestalozzi um representante do governo que mandara as
tropas francesas massacra-los durante a rebelião. Havia os católicos que discordavam da
presença de um protestante assumindo a educação de seus filhos a mando do governo.
“Nem todas as crianças assistidas pelo instituto eram completamente órfãs: algumas tinham pai ou mãe. Havia crianças exploradas pelos pais, para mendigar e esmolar em seu favor. Pestalozzi, coadjuvado pelo governo, pretendia por um fim a essa situação e isso evidentemente feria os interesses escusos de certas famílias, afeitas á exploração das crianças e aos maus-tratos”. (INCONTRI,1996.p.86).
Todo o esforço de Pestalozzi para proteger as crianças não foi o bastante, pois se sabe que
após cinco meses de muito trabalho, quando os frutos começam a aparecer, o abrigo
improvisado das crianças no convento de Stans foi solicitado pelas tropas francesas e suíças
em guerra com a Áustria. Pestalozzi é afastado de suas funções de educador, doente e abatido.
Figura 5. Aldeia de Stans em 1790, alguns anos antes da Revolução Helvética.
24
Pestalozzi retoma seu projeto educacional em 1804 com a reabertura do instituto em Iverdon e
em 1806 funda também um instituto para meninas no mesmo local.
Figura 6. Castelo de Iverdon.
Graças a persistência deste educador incansável, já com 58 anos de idade, crianças suíças e
estrangeiras, encontraram em Pestalozzi os métodos revolucionário de aprender, mas até se
firmar como educador, lutando contra inúmeros obstáculos, muitas crianças sofreram com as
perdas cada vez que um instituto era extinto até que outro fosse inaugurado. Percebe-se que
apenas Pestalozzi estava realmente preocupado com o destino dessas crianças, durante e no
pós-guerra.
Trechos da carta de Marc-Antoine Jullien (1775-1848) sobre o Instituto de Iverdon.
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5.2. “SISTEMA DE EDUCAÇAO DE PESTALOZZI”
“Os arredores do Instituto de Iverdon oferecem caminhos deliciosos, que parecem dispostos expressamente para os jogos e os prazeres da infância. Um grande lago, em cujas ribeiras foram plantadas largas alamedas de álamos, possibilita ao mesmo tempo banhos cômodos e seguros para as crianças e locais favoráveis para formá-las no exercício da natação”... “Todas as crianças, que formam uma só família, são tratadas com a maior doçura pelos preceptores, escolhidos, em sua maioria, entre os alunos mais antigos, nos quais, muito mais que mestres, elas encontram amigos e companheiros”. (INCONTRI,1996.p.165).
Figura 7. Profª Drª. Dora Incontri
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CONCLUSÃO:
“ACOLHIMENTO”. Esta é a palavra que melhor define um dos objetivos da Pedagogia
Espírita. Através do acolhimento, muitos sentimentos de dor podem ser amenizados,
independente da idade do ser sofrido.
Esse trabalho dá uma atenção especial às crianças e adolescentes e foi por eles que iniciamos
este trabalho que agora estamos concluindo, por exigência e necessidade de concluir o curso
de pós-graduação, mas isso não significa que nossos interesses por eles terminaram por aqui.
As perdas na infância ou o “LUTO INFANTIL” como define os psicólogos, podem e devem
ser tratados com carinho, valorizando o sentimento de quem perdeu. Cada ser humano elege
algo que seja importante, durante um período da sua vida, os valores mudam com o tempo,
mas enquanto durar respeite-o, pois é muito importante para quem o elegeu.
Vejamos o exemplo de um homem ou uma mulher aos 40 anos, quando começa a aparecer os
primeiros cabelos brancos e acentuam as marcas de expressão, são os sinais que a juventude
se foi e com ela, outras perdas virão. A diferença é que o adulto já estava ciente que esta fase
ia chegar, ele já está maduro e pode encarar outras perdas ao longo do caminho.
Com as crianças é diferente, toda perda é importante, elas tem suas posses, seus objetos e
animais de estimação, seus amigos e familiares queridos, elas só não tem, ainda, a convicção
de que tudo é finito na vida.
Quando morre um bichinho de estimação, evite oferecer outro de imediato, pois se fosse um
familiar que tivesse morrido como faria a substituição? Seja solidário, aproveite a
oportunidade pra falar sobre vida e morte, começo, meio e fim das coisas.
Quando morrer alguém da família, não esconda das crianças, busque alto controle, mostre que
enquanto morre um aqui, nasce outro acolá, e isso é fácil de ser demonstrado ou
exemplificado.
Se a família for cristã, comente sobre a passagem do evangelho “Na casa de meu pai há
muitas moradas” e que estas moradas estão por todo o universo. Dê uma explicação
convincente, não minta, pois a descoberta da mentira gera a dúvida e a desconfiança da
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criança naqueles que ela deveria confiar e se sentir segura e num momento de perda pode ter
conseqüências ainda piores.
A Dra. Elisabeth Kubler-Ross, era contraria a mentira, quando tratava de crianças com câncer
ou leucemia, em fase terminal. Ela colocava as crianças doentes, sempre que possível, de
maneira confortável, em uma cama grande no meio da sala, onde a vista externa fosse a mais
bela possível, e preparava toda a família para o momento final desta vida.
Nunca deixava o doente no quarto, pois na maioria das famílias, quando as crianças faziam
algo errado, eram mandadas para o quarto de castigo.
Vejamos a história de um garoto em situação de rua dos 6 aos 13 anos, o nome dele é Roberto
Carlos Ramos, depois de recolhido pela FEBEM (Fundação do Bem Estar do Menor), em
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de onde ele fugiu mais de 100 vezes.
Como ele mesmo relata, sua vida era um verdadeiro inferno, ele só conhecia perdas até que
num abençoado dia, a FEBEM foi visitada por uma pedagoga francesa, a Sra. Marguerit
Duvas que se apaixonou com aquela criança adolescente e disponibilizou toda a ajuda
necessária para reverter um quadro muito triste de perda e abandono.
A primeira travessura que ele fez, foi encher a pia do banheiro e deixar escorrer pela casa toda
e ficou esperando pelo castigo, pois era a reação que ele estava acostumado.
A pedagoga Duvas, contrariando as expectativas de Roberto, o abraçou carinhosamente junto
ao peito e falou baixinho aos seus ouvidos “Ninguém mais vai te magoar, eu cuidarei de você
enquanto precisar de mim”.
Para um garoto que sofreu com o abandono desde os seis anos de idade, nesse momento, o
amor era tudo o que precisava para se sentir seguro e quem sabe ser feliz a partir daí.
A Sra. Marguerit Duvas, transformou “Robertô”, como ela o chamava, que era um garoto sem
norte em um homem de visão e sentimentos nobres.
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Na reportagem “Meninos de rua que viram heróis” e no site -
www.robertocarloscontahistoria.com.br, vimos que é possível modificar a história de vida de
quem perdeu muito ou se perdeu de si mesmo.
A História só não revela a intensidade das lembranças doloridas que este ser levará pela vida a
fora.
29
BIBLIOGRAFIA: BETTELHEIM, Bruno, A Psicanálise dos Contos de Fadas, Ed.Paz e Terra, Tit. Original The Uses of Enchantment The Meaning and importance of fairy Tales,1903, tradução CAETANO, Arlete, 1978, Rio de Janeiro, Brasil. INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklin Santana, A Arte de Morrer-Visões Plurais, Ed. Comenius, 2007, Bragança Paulista, SP, Brasil. INCONTRI, Dora, Pestalozzi Educação e ética, Ed. Scipione, 1996,SP,Brasil. KUBLER-ROSS, Elisabeth, O Túnel e a Luz, Tit.Orig. TheTunnel and the Light, 1999, Trad. Ed.Verus-2003, LOPES, Magda França. LABAKI, Maria Elisa Pessoa, Morte, 3 Ed.São Paulo.Casa do Psicólogo, 2006. Casa Psi Livraria, Editora e Gráfica. PIRES, José Herculano, O Mistério do Ser Ante a Dor e a Morte, 2 Ed. Editora Paidéia, 1990, SP, Brasil. RAPPAPORT, Clara Regina, FIORI, Wagner Rocha, DAVIS, Claudia, Psicologia do Desenvolvimento Vol.4, A Idade Escolar e a Adolescência, Ed.EPU, 1982, SP, Brasil. VIORST, Judith, Perdas Necessárias, Tit.Orig. Necessery Losses, 1986 Nova York. Trad. RODRIGUES, Aulyde Soares, 22 Ed. Editora Melhoramentos, 2002. WINNICOTT, D. W, Tit. Orig. Playng and Reality,1953, Trad. ABREU, José Octavio de Aguiar e NOBRE, Venade, O Brincar & a Realidade, Ed. Imago, 1975, RJ, Brasil. ENTREVISTA: Luiz Fernando de Andrade Penteado – psicólogo clínico – SP / 06/02/2009.
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ARTIGOS: ALVES, Murilo Neto, “Meninos de rua que viraram heróis” Disponível em 21/07/2008 as 18:02, < http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2007/07/388566.shtml > ou <www.robertocarloscontahistoria.com.br> Acesso em:. Set/2008. IBGE – Suplemento Trabalho Infantil – PNAD, Disponível em 2006, acesso Set/2008. <http://www.ibge.com.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1117&id_pagina=1> OLIVEIRA, Cecília Casali, “Visão da Criança sobre a Morte”, para o Simpósio de Medicina de Ribeirão Preto (2005;38 (1): 26-33) “MORTE: Valores e Dimensões” < http://www.pet.vet.br/puc/apegoinfantil.pdf> Acesso em:. Set/2008. UCHINAKA,Fabiana,IBGE,Trabalho infantil no Brasil, Disponível em 18/09/2008 - 10h00, Acesso Set/2008. <http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/ultnot/2008/09/18/ult6843u4.jhtm> SCHLIEMANN, Ana Laura, A Morte e o Morrer na Infância e Adolescência, in INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklim Santana, Ed.Comenius, 2007, A Arte de Morrer, Visões Plurais, 2007,p.50. PAIVA, Lucélia Elizabeth, Falando da Morte com Crianças, in INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklim Santana, Ed.Comenius, 2007, A Arte de Morrer, Visões Plurais, 2007,p.179. KOVÁCS, Maria Julia, Perdas e o Processo de Luto, in INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklim Santana, Ed.Comenius, 2007, A Arte de Morrer, Visões Plurais, 2007,p.228.
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ANEXO A.1
ENTREVISTADO: Dr. Luiz Fernando de Andrade Penteado, psicólogo clinico.
Realizada em 06/02/2009.
A.1. PRIMEIRO CASO – PACIENTE COM HIDROCEFALIA.
PERGUNTA:
Dr. Luiz Fernando, durante os seus 32 anos entre o consultório e o Departamento de Recursos
Humanos das empresas, eu penso que deve ter vivido muitas experiências com pacientes
vítimas das mais variadas situações de perdas.
O meu interesse em especial é com os indivíduos que sofreram perdas significantes na
infância e por absoluta falta de atendimento adequado dos pais, dos familiares e de
profissionais de saúde mental, terminaram no seu consultório, seja na fase da adolescência ou
até mesmo na idade adulta, vítimas das conseqüências traumáticas que as perdas mal
resolvidas ocorreram num determinado momento em suas vidas.
É possível relatar um caso clínico, que possa ser inserido no meu trabalho de pós-graduação?
RESPOSTA:
Acho que você tem vários aspectos que pode trabalhar. Estou pensando naquilo que pode te
ajudar mais.
São 32 anos de consultório, preciso tomar cuidado para não misturar os casos, mas eu acho
que tem um que me chamou muito a atenção, que é uma forma de lidar, onde a criança tem
que aprender a lidar com a perda, uma série de perdas.
É de uma garota, que quando chegou para mim já estava com 23 anos aproximadamente, e
sofria de Hidrocefalia.
Então você imagina uma garota filha de pais importantes na sociedade, economicamente
muito bem colocados, e que o pai não aceitava em hipótese alguma que tivesse tido uma filha
com esse tipo de problema.
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A menina apresentou os primeiros sintomas de hidrocefalia quando ela tinha 2 anos de idade.
Eles correram com ela, fizeram as cirurgias necessárias, colocaram a válvula para que líquido
não ficasse parado na cabeça. Nesse primeiro quadro ela teve uma perda no desenvolvimento,
inclusivo no cognitivo, ela passou a apresentar limitações, isso fez com que ela não crescesse,
ela ficou baixinha, fez com que ela tivesse dificuldade de compreensão das coisas, dificuldade
de aprendizado, e a família fez com ela perdesse uma série de coisas em relação ao processo
natural para o desenvolvimento da criança.
O pai não aceitando esse tipo de coisa, passou a rejeitá-la, bem, ela sofreu ali a primeira
perda, e ele passa a desenvolver uma atitude de tentar cobrar dela um processo de evolução á
qualquer custo, ela tinha que ter sucesso em algo.
Ela tinha mais duas irmãs, uma mais velha e outra mais nova, perfeitas, para as quais o pai
sem dúvida nenhuma dava toda a atenção possível, imagine.
Ela tinha uma mãe que a acolhia, mas acolhia de uma forma super protetora, em vez de ajudar
ela sufocava, e essa luta fez com ela que tivesse mais dificuldade de evolução. Pela própria
formação da estrutura física, ela passa a ser rejeitada na escola, a ter problema de
relacionamento, não ser aceita em uma série de lugares, mesmo porque esse pai queria que ela
fizesse o que ele queria, que freqüentasse a mesma escola que as irmãs.
Ele tinha umas atitudes agressivas com ela, no sentido de exigir que ela fizesse que ela
realizasse que acontecesse. Isso foi um processo complicado, ela foi para terapia desde
pequena, tendo dificuldades, mais em função da estrutura sócio econômica da família.
Ele manipulava as situações, então quando ele achava que a terapeuta não estava fazendo o
que ele queria, ele simplesmente tirava a menina do tratamento, pois o objetivo dele era que a
filha fosse uma pessoa de sucesso.
Quando ela chegou a mim ela já estava com vinte e poucos anos, mas a idade mental dela
estava por volta dos 11 anos, e o desenvolvimento emocional também, ela era uma criança,
ela falava como criança, o jeito dela era como se você estivesse na frente de uma criança de
10 ou 11 anos de idade, e ela já tinha 23 anos.
33
O processo de hidrocefalia faz com que você tenha de tempos em tempos que substituir a
válvula, há o desgaste da válvula, ela entope, aí tem que operar e colocar nova válvula. Ela já
tinha feito duas cirurgias, a segunda aos 10 anos de idade e teria que fazer a terceira e isso era
traumático, a situação de hospital, toda pressão que sofreu desde os 3 anos de idade, gerava
um trauma danado.
Mais uma vez a família se posicionava dessa forma, o pai numa postura extremamente
distante, dizendo que ela era normal e que tinha que se desenvolver, a mãe pelo contrário
incentivava o processo da doença porque ela super protegia e ela ficava mais doente ainda.
Ela passou a ficar, depois de certa idade, arredia.
Em uma das escolas que passou a freqüentar, uma professora tomou uma atitude diferente
com ela, estimulando-á, mostrou que ela tinha algumas condições, que algumas coisas ela
podia vencer, e ai ela já com todo desequilíbrio presente, ela acaba se apaixonando por esta
professora, desenvolve um processo de transferência.
Era uma paixão infantil, não tinha nada absolutamente de erótico na história, era uma
necessidade premente de estar junto dessa professora em tempo integral porque ela tinha sido
a única a dar atenção, tinha dado limite, mostrando que ela tinha condições de vencer algumas
coisas então ela trabalhar o alto estima de forma pró ativa, de forma produtiva e ela
obviamente direcionou a essa professora toda a sua afetividade, ela se sentiu aceita.
Ela adorava escrever e a professora foi incentivando isso nela e ela passou a escrever poema,
ela foi escrevendo poesia, a professora foi incentivando e ela foi nutrindo por esta professora,
sentimento cada dia mais intenso, fazendo com que isso chegasse o momento em que a
professora pedisse a família que era melhor afasta-la porque ela estava confundindo as
situações.
Ela ficava o dia inteiro na escola esperando a professora. Ela seguiu a professora até a casa,
ficou plantada do outro lado da rua, horas. Um dia ela chegou a ir quando a professora não
estava, tocou a campainha, contar uma estória, a empregada bota ela pra dentro de casa, ela
conheceu os filhos da professora, conheceu o marido, quando a professora chegou deu com
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ela lá dentro. Ela invadiu completamente a privacidade da professora, e isso obviamente
começou gerar dificuldades na professora.
Como ela não era uma profissional da área, era uma educadora, ela tentou botar limites,
explicar que aquilo não era possível, e ai nesse contesto todo ela é afastada da professora,
proibida pelo pai de ir procurar a professora e ela veio parar no meu consultório por conta
disso, um amigo comum, meu e dele convenceu o pai traze-la ao meu consultório e ela veio
com esse quadro.
Ai ela começou a entender o que eles estavam achando que acontecia, isso cria nela uma
sensação de revolta muito grande porque ela não tinha nenhuma ação, nenhum
comportamento em nenhum momento nenhuma ação erótica com relação á professora, era
uma relação de carinho, a professora tinha virado a mãe, mas não a mãe que era uma pessoa
assim que só a cobria de presente e tudo bem, disfarçava a estória, mas uma mãe que
conversava que estimulava as coisas certas, que repreendia na hora que era necessário, a mãe
que ela queria.
Infelizmente nesse período ela tinha uma terapeuta que colocou essa estória de que ela
poderia estar tendo uma ação homossexual em relação á professora, isso pirou a cabeças dos
pais de uma vez.
Um quadro complicadíssimo, nesse sentido ela chega, uma criança sentada ai na frente, uma
criança que dirigia, tinha o próprio carro, eu rezava quando ela vinha e quando saia porque ela
não tinha total controle sobre os movimentos dela, ele enfiou um carro nas mãos dela, pagou
pra ela aprender a dirigir e tirar a carta e tinha que dirigir. Ela andava com aquele carro
batendo pelo meio do caminho e isso era um caos.
Ai começa o trabalho de fazê-la trabalhar essa situação toda, que ela acaba descobrindo que a
família, os amigos e a própria professora que acaba induzida pela terapeuta de que a menina
podia ter interesses outros por ela, isso deu um nó.
Óbvio que nesse contexto, nem a família e nem a professora não tinham preparo, menor
preparo teve a terapeuta que estava acompanhando o processo, eu nunca iria relatar tal coisa
sem entender os meandros dessa estória objetivamente.
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Bem, ai ela entra numa depressão profunda porque ela se sente rejeitada, independente da
minha vontade ela teve aqui as primeiras seções, ai ele resolve que o melhor pra ela era estar
longe por um tempo grande.
Ele veio conversar comigo, eu andei puxando a orelha dele em algumas coisas, (o relato
anterior ao meu trabalho com a paciente foi passado pelo pai, a outra pela mãe, pela terapeuta
e pela paciente com o pai). O pai resolve afasta-la de tudo aqui pra ver se ela esquecia da
estória, ou seja, ele resolveu tira-la do caminho, pra que ninguém fosse atrás dela, deixa-la
escondida em algum lugar e resolve que ela vai estudar inglês nos Estados Unidos, e ai ele
despacha essa menina daqui pra São Francisco.
Aluga um apartamento, soca essa menina pra morar sozinha nos Estados Unidos, e ela fica um
ano morando lá sozinha, matriculada numa escola que ela raramente ia, óbvio, ela não tinha
nenhuma condição de interação com as pessoas.
Ela mora num lugar onde tem um café em baixo no edifício, um Coffee Shop, e lá passa a ser
o lugar onde ela passa a maior parte do tempo dela, os proprietários a acolhe, ela entrava de
manhã e passava o dia inteiro por lá, eles tinham paciência, acolhiam, de vez em quando ela
ajudava no balcão, e aquilo passou a ser a vida dela ali.
Algumas vezes ela ia a escola. O inglês que ela aprendeu foi o inglês do café, foi aprendendo
lá, ela já falava um pouco de inglês quando foi morar nos Estados Unidos, o pai já tinha
obrigado ela estudar aqui, mas ela voltou falando o inglês de rua, falando gírias e palavrões,
era o inglês que ela aprendeu ali no café durante um ano.
A mãe foi vê-la uma vez e da segunda foi o pai, que descobriu que ela não estava assistindo
aula nenhuma, que tinha ido poucas vezes a escola e que ela ficava lá no café ou sozinha no
apartamento, imagino o perigo dessa menina sozinha, numa cidade americana totalmente
estranha, sem amigos.
Eu disse a ela que era uma pessoa extremamente protegida, porque os proprietários do café
acolhera e a adotara, é óbvio que ela devia gasta uma fábula, uma vez que ela fazia todas as
suas refeições no café, mas de qualquer forma eles acabaram sendo os elementos protetores
36
dela, era onde ela ficava, eram raros os passeios, alguns clientes do café que ficaram amigos
dela a levavam para conhecer um lugar ou outro.
Ai ela volta para o Brasil e acaba voltando pro meu consultório.
Ela volta com a idéia de montar aqui um café, queria comprar um quiosque desses de
Shopping para vender café, era só isso que ela queria, não queria mais nada além do café.
Um detalhe da estória dela que era interessante é que ela cantava muito bem, ela tinha uma
voz linda, isso também tinha virado um trauma, quando foi percebido que ela tinha essa voz, a
mãe era artista, pianista, concertista, uma serie de coisas do gênero, a mãe tocava e ela
cantava em casa.
O pai simplesmente resolve que ela tinha que se transformar em cantora Lírica, ai ele contrata
a maior professora lírica de São Paulo pra dar aulas pra filha dele.
Ela não queria ser cantora lírica, não era isso que ela queria, mesmo porque ela não queria
essa estória de ser exposta cantando, se todo mundo já a tratava como ET, imagine ela no
palco cantando musica lírica.
Ela era obrigada, o motorista a fazia ir a marra. Provavelmente a mulher só aceitou-a como
aluna, primeiro porque ela tinha potencial de voz, segundo porque ela estava sendo bem paga
para ensinar. Ela brigava com a menina o tempo todo por causa do comportamento, da
postura, ela tinha limitação, ela não tinha condições de acompanhar aquilo, essa foi a ajuda
que convenceu o pai a tirar da professora.
Outra confusão que o pai me armou foi que ela escreveu nos Estados Unidos, um monte de
poesias, lógico, ela tinha um tempo homérico para não fazer nada, ai ele pega as poesias dela,
manda pra corrigir, montar pra ficar com cara melhor possível e edita um livro, publica o
livro, me faz uma noite de autógrafos, expõe ela na frente de todo mundo com o livro dela.
Cria uma fantasia incrível na estória dizendo que de agora em diante ela ia viver de poesias,
de escrever livros.
É obvio que ele fez a noite de autógrafos pra ele, fez “oba-oba”, convida toda a sociedade de
São Paulo, mais sofisticados que foram lá, compraram o livro da menina só pra agradá-lo, não
estavam nem um pouco preocupados com a menina, muito menos com que a menina tinha
escrito, e ela percebe isso, aquele monte de gente.
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Os que faziam parte da família foram mais por piedade, e aqueles amigos que não tinham
absolutamente nada a ver ou porque, foram por causa de um super coquetel, cheio de gente
importante.
Ela não tinha nenhum amigo, porque ela não conseguia se comunicar com o povo da idade
dela, só conseguia interagir com os muito mais novos, mais com crianças e adolescentes que
ela conseguia interagir razoavelmente.
Era pequena no tamanho, mas o físico e o rosto começou a ficar mais velho, e o pai ainda
agindo dessa maneira, ela só se relacionava com os amigos da família, na maior parte eram
aqueles indivíduos que faziam “oba-oba” social e alguns amigos da conveniência, da hora.
Durante o tempo em que ela esteve comigo eu raramente vi algum relato de pessoas com as
quais eles tinham alguma troca realmente profunda, tudo era muito superficial, tudo tinha
muito a ver com interesses, com dinheiro, com negócios, coisas do gênero ou projeção social.
Ele projetou em cima dela, transformou-a em macaquinho do circo, ele expõe ela naquele dia
e no meio do coquetel ele a faz cantar, havia um piano no local, ele obriga a esposa tocar e ela
cantar, aquilo pra ela foi o fim, ela sai de lá, louca.
Ela queria o café, ele resolveu o problema dela, já que ela queria um café, ele montou um
restaurante, ele não deu só o café, óbvio que ela não ia conseguir lidar com um restaurante,
ela não ia conseguir levar aquilo á frente, ela só queria um quiosque pra vender café de
máquina, o cara me monta um restaurante com 40 mesas, tinha que manter cozinheiro,
empregados, tinha que administrar só que ele a deixa lá e quer que ela administre.
Pra ele, na concepção dele era assim “Isso não vai dar certo mesmo, vai dar prejuízo, eu cubro
o prejuízo e ela para de me encher”, e foi exatamente o que aconteceu. Em termos de perda,
ela vai perceber na relação com o pai, perdas e frustrações, tudo o que ela sonha ele derruba
esse sonho porque ele cria uma megalomania no lugar do sonho, ela não é capaz de
desenvolver, e ela perde.
Ele não facilitava em nada, e na concepção dele, ele estava fazendo de tudo pra ela, ele estava
ajudando e ainda afirma “Mas eu estou fazendo Tudo”! Só que estava fazendo tudo errado.
Ela pede um quiosque de café, ele dá um restaurante, ele descobre que ela canta bem, ela
gosta de cantar junto a família, ele obriga ela a fazer curso pra cantora lírica, mais uma
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frustração ai ela para, depois ele a expõe em mais uma exposição pública e faz com que ela se
frustre de novo.
Ela começa a escrever alguma coisa que era muito dela, como se fosse um diário que ela
estava fazendo em poesia, ele pega o material e publica, e expõe ela na frente de todo mundo
com as coisas mais pueris e mais íntimas dela, ela sofre, perdeu a identidade, perdeu o sentido
das coisas não confiava mais em ninguém, ninguém entendia o que acontecia com ela, ela
começou a se tornar difícil, algumas vezes ela manifestou vontade de morrer de se matar,
coisas do gênero, porque a grande preocupação dela era que ele a aceitasse.
O processo era óbvio, ela vivia a rejeição dele desde que ela nasceu, desde o primeiro
problema que ela teve, o sonho da vida dela era ser tratada da mesma forma que ele tratava as
irmãs, e ela era a irmã do meio “Irmã Sanduíche”, então o trabalho que foi feito, foi mostrar
pra ela primeiro é que as irmãs não eram tão alegres e felizes do jeito que ela estava
imaginando não.
O fato dela não ter a atenção dele era melhor do que ter, pois quando ela tinha, ela só se
frustrava, que as irmãs por sua vez não tinham a autonomia e a independência que ela achava
que tinha, elas também eram obrigadas a fazer o que ele queria, ele fazia da mesma maneira
mas de outra forma, mas ele obrigava a fazer o que ele queria, até namorar com quem ele
queria, sempre que havia alguma vantagem comercial na estória, é o interesse na estória.
Isso ele fazia com suas irmãs, fazia com a mulher, ele também tinha frustrado toda a carreira
da mulher, ela era artista, pintora, pianista e ele transformava aquilo em algo menor.
Ela fazia uma série de quadros, ele criava a VERNISSAGE, convidava quem ele queria pra
vernissage, ele comprava todos os quadros sem ela saber, contratava alguns laranjas pra
retirar. Ela ficava feliz da vida por ter conseguido vender todos os quadros.
Isso ele fez várias vezes, até que um dia ela descobre que uma parte estava guardado no
estoque da empresa dela e que outra parte tinha sido distribuída de brinde de fim de ano na
empresa, ele nem teve o cuidado de sumir com os quadros. Ele deixava lá, quando surgia a
oportunidade de dar um presente, ele dava os quadros dela, ou seja, não dava valor nenhum
aquilo, era o “Hobbyzinho” dela, mas ele armava o circo cada vez que ele queria.
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Ela brigou com ele naquele momento e ele se justifica, diz que ela não estava entendendo, ele
queria fazer uma surpresa pra ela, ai ele monta uma galeria pra ela. Abre a galeria, (ele é
comprador de afeto), contrata o melhor curador pra tomar conta da galeria pra ela, e ainda diz
“Você vai fazer a inauguração da galeria com seus próprios quadros, era uma surpresa que eu
queria fazer pra você”.
Tudo mentira. Era assim o contexto da família, e essa garota foi perdendo, ela não sabia mais
quem ela era, pra ela passou a ser nada, um objeto que era jogado daqui pra lá e que ninguém
aceitava.
Fazê-la resgatar esse processo todo foi um caminho muito complicado e na medida em que ela
foi conseguindo entende uma série de coisas, trabalhar essas coisas, começar dentro das
limitações dela conseguir interagir com algumas pessoas, aliás, ela teve uma pessoa durante o
processo terapêutico comigo, ela teve a madrinha dela que foi a avó, já com muita idade, mas
que de repente assume essa postura, ela começa procurar essa vó, e a vó passa a ser o
elemento de ajuda pra ela no sentido de começar a se entende.
Nesse período ela já está com 24 anos de idade cronológica, mas a idade mental/emocional
entre 16 e 17 anos, uma adolescente, com uma defasagem grande.
Ai ela começa interagir com essa vó, e a vó foi muito feliz na escolha, talvez a única coisa que
a vó sabia.
Então ela começa a ensiná-la a fazer doces, a vó era especialista em doces. Pra quem queria
vender café de maquina, fazer doces tinha muito a ver, e era fácil de assimilar, e era isso que o
pai não conseguia entender.
Ela começa a fazer os docinhos junto com a vó, e a vó fazia doce especial para casamento que
é raríssimo quem faça, é uma espécie de “Bem-Casados”, só que muito chique e caro, e a vó
vai ensinado pra ela fazer, pois eram pouquíssimas pessoas que ainda fazia.
Daí dá um Start nela, ela chega perto de mim e diz “Eu aprendi a fazer doce, será que eu
consigo vender esses doces”? “Esses doces que você esta fazendo são muito gostosos, mas
são muito caros, você tem que vender pra que possa pagar, tem pessoas que não tem
condições de comprar”.
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Ela me disse “Já que meu pai me esfregou na cara desse povo todo, no meio deles tem
promouter que realiza grandes festas na sociedade, responsáveis pelos casamentos chiques da
cidade, e se eu procurar por eles”? Digo, tudo bem, se você tem como fazer, faça, e ela foi.
Entrou em contato com esses promouter, a vó fez uma série de cestinhas e ela levava como
amostra, oferecia e dizia que ela estava aceitando encomenda pra doces, e a coisa pegou, eu só
disse pra ela, não abra a boca pro seu pai, senão ele acaba montando uma fábrica de doces pra
você.
Ai ela começou fazer por conta própria, ela pediu a ele pra mudar de casa, ela queria morar
sozinha, e agente incentivava ela a fazer isso, “Afinal de contas eu já morei sozinha nos
Estados Unidos, porque não posso morar sozinha aqui”?
O pai não concordou de imediato, mas ela e a avó conseguiram convencer a mãe, e ai a mãe
disse pra ele ou você dá ou eu dou.
Com muito custo ele deu um Flat, e ali começou o drama, como fazer doces num Flat, mas de
qualquer maneira vou fazer os doces no Flat, óbvio que ele não deu um “Flatizinho” e sim de
2 dormitórios, sala, banheiro, cozinha, e ela transformou a cozinha e a sala num espaço pra
fazer doces.
Como ela fazia especificamente aquele doce que era especial, ela começou receber
encomendas.
Ai ela começa criar o processo de Independência dela e desvincular da aprovação dele, porque
isso não interessou muito pra ele, então ele ignorou o fato, ou seja, ela fazer doces não dava
nenhum status pra empresa dele, ele até comentava nas festas “Esses doces são da minha
filha”, mas era só.
Esse processo de autonomia dela acabou gerando uma série de ações. As irmãs também deram
seus gritos de liberdade, enfrentando o pai, e a mulher se divorciou dele, deu uma virada
completa e total na vida deles.
O divórcio na vida dele foi um desespero, se refletiu na empresa, pois ela era dona da maior
parte das ações, o dinheiro veio do pai dela, ai pegou no bolso, ai ele teve que assumir, eles
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continuam sócios na empresa, mas ele não faz mais o que ele quer, ela contratou outro
profissional que a representa na empresa e envia relatório de tudo, assim ele não pode mais
tomar atitudes sem o consentimento dela, ele tinha procuração, mas com o divórcio ela tirou a
procuração dele, fora que todo Status criado teve que ser refeito.
Para as filhas e principalmente pra minha cliente foi ótimo, a melhor coisa que podia
acontecer, porque aquele medo todo que existia, primeiro porque ele teve que mudar de
comportamento com as filhas, porque a coisa inverteu e ele precisava delas para que a mulher
concordasse com algumas coisas.
Ele voltou e tentou se reaproximar das filhas e ficar amiguinho delas, segundo elas, ganharam
autonomia, “somos donas do nosso nariz, vamos fazer o nos queremos” e a outra passou a
viver das vendas dos doces, nem precisava usar a mesada dos pais, ela estava vivendo dos
doces que ela fazia.
A ultima vez que eu tive contato com ela, já tinha 03 pessoas trabalhando com ela, a mãe já
tinha dado outro espaço pra ela trabalhar, não precisava mais fazer doces no Flat, ela tinha
pegado outras receitas da avó e tinha mais três pessoas pra dar conta das encomendas.
Então ela consegue, através de uma ação afetiva, aprender uma atividade que a envolveu e
que a fez se sentir importante com as vendas e ai ela consegue ir superando essas perdas.
A última vez que eu me encontrei com ela, ela estava super bem e me disse “Eu sinto muita
pena dele, eu não tenho mais raiva, porque ele é infeliz, eu hoje sou feliz, faço meus doces,
todo mundo conversa comigo por conta dos meus doces, estou bem”.
Isso deu a ela um estímulo de vida, um sentido na vida, ela aprendeu a fazer mais doces, e
outra, ela faz alguma coisa que não precisa se sentir exposta, está lá na cozinha dela, a mãe
ajudou em alguns contatos, agora ela tem as pessoas que fazem a divulgação pra ela, então ela
coordena a cozinha.
Isso fez com que ela se sentisse realmente feliz, ela está ajudando gente, porque ela deu
emprego e trabalho pra algumas pessoas e ensinou as pessoas o que fazer. Coisa que ela
jamais imaginou que fosse possível, ensinar algo pra alguém.
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Ela esta propiciando que essas pessoas cresçam, está realizando a vida dela, está fazendo
alguma coisa de produtivo, ela se sente útil hoje, mesmo com todas as limitações que ela tem.
PERGUNTA:
Quando esses pais começaram o tratamento da filha, principalmente quando ela estava na pré-
adolescência, pois imagino que na infância seria bem mais fácil, mas o adolescente
normalmente já tem mais dificuldade pra aceitar opinião, o terapeuta da época não sugeriu o
tratamento para os pais? Como cuidar de uma criança especial?
RESPOSTA:
Sim, foi sugerido, mas imagina você compartilhando, convivendo com pessoas, primeiro
porque elas se acham acima do bem e do mal, e que elas são perfeitas, elas não precisam de
nada. Então eles aceitavam ir ao consultório apenas porque eles tinham que ser orientados de
como lidar com ela.
Eles não se trabalhavam, a minha grande luta com eles foi essa. Pra você ter uma idéia de
como ele não me enfrentava, ele fugia mesmo, ele não aceitava a menina, ele queria apenas
uma forma de se ver livre dela, de modo que a sociedade não o culpasse por isso.
Por ele já teria internado ela numa instituição e largada lá, estava resolvido o problema.
Tinha muitos eventos que ele nem dizia que tinha 3 filhas, ele aparecia com as 2 normais e
pronto, só falava na terceira se alguém perguntava “Você tem mais uma, não tem ? Ah, tenho,
mas essa outra é como a mãe, é artista”.
Mesmo no processo dela comigo, eu também cobrava deles, eu dizia que eu acompanharia o
caso se eles também fizessem o tratamento, teríamos que fazer um tratamento num contexto
familiar.
Primeiro porque pra você conseguir um horário...! Ele nunca tinha um horário, ele era muito
ocupado, tinha atividades mil, ai tinha que ser do jeito dele, ligava a secretaria dele pra cá e
dava os horários que ele tinha disponível, eu é que tinha que tinha que me encaixar nos
horários dele.
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Um dia eu liguei pra ele e disse que eu não podia mais encaixar horários, afinal quem está
precisando do tratamento é você, não sou eu, você vai encaixar no meu horário, não eu no seu,
não é porque você está me pagando que você pode chegar na hora que você quiser, você não é
meu único paciente.
Ai ele pediu mil desculpas, afinal nós tínhamos um amigo em comum que me apresentou á
ele, e não queria criar embaraços.
PERGUNTA:
Uma coisa que me chamou a atenção é que quando ela era jovem, ela transferiu a carência
afetiva para a professora, isso aconteceu no seu caso como terapeuta?
RESPOSTA:
Não, porque no primeiro momento, já sabendo dessa estória, já comecei trabalhar isso logo
de cara.
Ela criou um vínculo de amizade comigo, e até hoje a gente mantém contato. Ela me manda
E-mail, me manda doces.
No processo da professora ela estava no inicio da adolescência, era carência mesmo, comigo o
vínculo não chegou a esse nível, e também nesse momento, na minha fase, teve o contexto da
entrada da avó na estória.
Ai a avó tinha ficado viúva, não tinha mais nenhum filho com ela, então essa avó elegeu a
neta, a avó deixava claro isso, ela queria – aliás a avó era uma figurinha, tive oportunidade de
conhecê-la – a avó queria deixar aquelas receitas que tinha recebido da mãe, que recebeu da
avó, eram receitas de família, ela queria deixar isso pra alguém, mas nenhuma das filhas dela
quis aprender, ela descobre na neta a continuidade delas.
Então é o que eu digo, o vínculo afetivo se estabeleceu dento de uma estória forte, a avó viu
nela a possibilidade dela ser aquela que daria continuidade e isso fez ela se sentir
extremamente importante por conta disso. Esse vínculo delas foi muito positivo, e acabou de
uma forma muito simples dando uma condição profissional de sobrevivência pra neta, tanto
que quando ela contou pra avó que ela estava vendendo os doces, a avó não acreditava, eu só
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te ensinei pra você saber e passar para a próxima geração. “Não só vou passar para a próxima
geração, mas também estou vivendo dos doces”.
A presença da avó nesse momento foi muito boa, muito positiva, o que não gerou este vínculo
tão forte comigo, tanto que quando ela foi para o Flat, ela ia do Flat pra casa da avó, ela quase
não ia à casa da mãe, só ia quando era pra bater o ponto ou porque ela estava precisando de
um dinheirinho extra.
Ela mesma dizia “Eles só me servem pra isso, me levar ao médico e custear minhas coisas, só
isso, eu só vou lá pra buscar dinheiro mesmo”.
O final dessa estória foi ótimo, é um processo onde o afeto gera a recuperação de alguém e
essa é a grande vitória, quando o processo terapêutico funciona. Você conseguir que a pessoa
crie seus vínculos e retorne.
Óbvio que você tem uma infinidade de outras situações onde isso não aconteceu.
Rejeição materna ou paterna onde a pessoa não conseguiu resgatar isso, então descarrega de
uma forma pesada.
Você tem situações, por exemplo, de indivíduo que é adotado, escondem dele que é adotado, e
num momento de dificuldade no relacionamento você joga na cara dele que ele é adotado e
naquele momento ele se sente perdendo tudo, aquela família não era dele, ninguém sabe nada
da estória dele e ele começa a viver uma nova vida com a pergunta “Quem sou eu? Todas as
minhas raízes, toda a minha estória, não são reais”? Ai você tem um conflito e é difícil a
pessoa reagir á esse processo. FIM
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ANEXO A.2
ENTREVISTADO: Luiz Fernando de Andrade Penteado, psicólogo clínico.
Realizada em 06/02/2009.
A.2. SEGUNDO CASO – PACIENTE – HIV – SORO POSITIVO.
PERGUNTA:
Dr. Luiz Fernando, como o senhor mesmo comentou no final do primeiro caso clínico
relatado, existem situações onde não é possível o retorno ou o tratamento do trauma causado
no indivíduo em formação.
Faltou o aconchego na infância ou na adolescência, quando ele mais precisava de apoio diante
de uma perda importante pra ele, mas que não foi percebido pelos pais ou profissionais de
educação, portanto esse ser não teve a oportunidade de ser tratado por um profissional de
saúde mental ou emocional.
Poderia me relatar um caso onde ocorreu a impossibilidade do retorno, da cura do seu
paciente?
RESPOSTA:
Em 1984, há aproximadamente 25 anos, eu comecei atender os primeiros portadores do vírus
HIV, os primeiros que assumiram que tinham o vírus HIV. Os médicos começaram a
identificar que era HIV.
Eu me lembro muito bem de um que era um jovem, homossexual, 22 anos, que descobre a
doença e a primeira reação que a família tem ao descobrir a doença, ao constatar que estava
diagnosticada a doença nele é fazer com que ele passe a morar na edícula. Põe ele do lado de
fora da casa e proíbe-o de usar as coisas de dentro de casa. Foi morar no quarto da empregada.
Uma coisa muito louca. Puseram a empregada pra dentro de casa e ele no quarto da
empregada.
Mandaram modificar para que o banheiro não fosse usado por mais ninguém, medo do
contágio, e ai você imagina a cabeça dele.
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Ele já sofria desde pequeno, todo o preconceito da orientação sexual, dos sentimentos que ele
tinha, das coisas que ele não podia comungar com ninguém, todo esse sofrimento. Ele
conhece um companheiro, se apaixona por esse companheiro, vive um relacionamento intenso
com ele, só que era portador do vírus e passa pra ele e depois o companheiro morre.
Ai ele perde tudo de novo, nessa fase ele estava morando na casa da pessoa, tinha saído da
casa dos pais dele pra morar com essa pessoa, ele era adolescente, e quando ele volta os pais
descobrem que o parceiro morreu em decorrência do vírus. Os pais descobrem que ele
também estava infectado, eles descobrem a estória toda, a família simplesmente o rejeita.
Ele passa a morar no quintal e proíbe ele de usar copos, pratos e talheres da casa, a
justificativa deles era essa, ninguém conhecia essa doença direito, ele podia passar para a
família, mesmo explicando a forma de contágio, ele é rejeitado completamente.
Ele entra numa depressão profunda, tenta se matar e numa dessas tentativas ele foi resgatado e
veio parar aqui no consultório. Mas era assim, eu deveria prepará-lo para a morte, vamos
dizer assim, se é que isso é possível, prepara-lo para ter uma morte tranqüila, uma morte
assumida.
Naquele momento do tratamento não tinha nada que eu pudesse fazer. Nesse período ele já
estava com 27 anos. Não tinha nada que pudesse ser feito; os coquetéis que existiam na época,
ele já estava tomando. Ai o processo vai e na hora que começa aparecer os tumores começa
cair cabelos, a aparência é difícil.
Eu acompanhei todo o processo, até quase o finalzinho, ele só dizia que não queria que eu o
visse próximo á morte, ele queria morrer sozinho.
Depois ele passou mal, foi para o Hospital Emílio Ribas e lá ele partiu. Daí você trabalhar
essa perda toda. Pra trabalhar, ele trouxe toda a estória dele pra mim, a doença, o processo
emocional, os conflitos, os pais distantes, tudo.
A mãe o teve quando ela já tinha 40 anos, então ele tinha uma distância dos pais, os pais eram
muito velhos, ele cresce com dificuldade de compreensão, de comunicação, de troca.
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Ele tinha irmãos bem mais velhos, a diferença de idade entre ele o irmão mais próximo era de
18 anos, ele foi um temporão.
Fico pensando entre nós que ele era um temporão não aceito, essa mãe deve ter rejeitado essa
gravidez de todas as formas, é óbvio que ele deveria ser um espírito que veio pra acertar
dívidas. Ele foi um indivíduo rejeitado desde criança, ele percebeu na infância que era
homossexual. Ele começou a perceber que sentia atração pelos meninos e não pelas meninas.
Durante uma fase da vida dele, ele tinha uma empregada da casa que era meio mãe dele, era
quem o conduzia, mas essa mulher também tinha muita idade ai quando ele começou a chegar
aos 14 ou 15 anos, ela faleceu.
Dali pra frente ele caiu no mundo e a família pouco se lixava, onde ele estava ou deixava de
ir, com quem ele estava ou o que estava fazendo. Foi assim, quando ele tinha 18 ou 19 anos,
foi quando ele conheceu outro rapaz e foi viver com o cara, pegou as coisas dele e foi embora.
Ele relatava todos esses momentos e tudo estava relacionado a carência afetiva, as pessoas
que não deram afeto pra ele. Ele gerou a doença dele, ele buscou a doença e obviamente no
final ele dizia pra mim.
Nós trabalhamos muito o processo da morte e do morrer, ele dizia assim pra mim “Não vou
morrer, eu acho que na hora que eu morrer, eu vou pra vida”, ele foi aprendendo a se libertar.
Gozado que, no consultório eu raramente misturo estações, mas ele foi parar na Federação por
livre e espontânea vontade. Ele trazia as coisas que ele ouvia na Federação pra conversar
comigo, me deu abertura pra nós podermos trabalhar o processo do não acabar da vida, da
continuidade, ciclos e etc. Isso foi ajudando ele a lidar com essa estória.
Ele tinha mais preocupação com a mãe que já era muito velhinha e que ia ficar ai meio
sozinha, os irmãos não davam a mínima pra ela, enquanto ele, continuava morando com ela –
ele no quartinho dos fundos e ela dentro da casa. Ela parte alguns dias depois que ele morre.
Então foram situações que foram vividas dentro do consultório, não sei se isso te ajuda.
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Em muitos casos temos que lidar com situações de perdas muito fortes. Perda afetiva, perda
de vida, mas essa perda existencial eu acho que é mais triste.
Nesse processo todo, a maior perda é quando a pessoa se perde de si própria, quando ela perde
o sentido da existência, tudo aquilo com que ela tinha se colocado, ela descobre que não era
vida, isso é mais difícil. FIM
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ANEXO A.3
ENTREVISTADO: Luiz Fernando de Andrade Penteado, psicólogo clínico.
Realizada em 06/02/2009.
A.3. TERCEIRO CASO – Como acolher as crianças nos Centros Espíritas?
PERGUNTA:
Tenho observado na educação espírita infantil, do nosso centro, que algumas crianças chegam
querendo quebrar tudo. Quando essas crianças faltam a aula, algumas colegas se sentem
aliviadas, com crianças mais calmas, é mais fácil trabalhar.
Eu penso que o atendimento fraterno deve começar pela infância, observando o
comportamento das crianças, conversando com os pais “Sem magoá-los”, pois senão eles
somem da casa espírita. Qual a sua opinião sobre esse assunto?
RESPOSTA:
Você não consegue que alguém aprenda acolher, se essa pessoa não se acolhe. Quem precisa
ser tratado é o educador, é a pessoa que está ali, está doando do tempo dela por alguma razão,
mas na verdade ela não esta inteiramente comprometida com a idéia, com a proposta.
Por quê? Porque ela deve ter alguma barreira pessoal que a impede disso, então o grande
problema dessa situação é que as pessoas devem ser trabalhadas por inteiros, têm que ser
treinadas antes. Elas têm que encarar as limitações delas, então elas estariam voltadas
voluntariamente de forma clara e comprometida com a estória. O que acontece é que nós não
temos muitas vezes, condições para poder fazer isso.
A pessoa que escolhe que se destina a ser voluntário dentro de um trabalho desses, a primeira
coisa que ela tem de fazer, é o processo de auto-educação, porque se a criança chegar
desestimulada ela deve ser incentivada pelo educador, porque muitas vezes a atividade
dentro do espaço é que chama a atenção dela.
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O que eu tenho pra dizer é o seguinte, a pessoa não está fazendo isso por maldade, não está
madura o suficiente para o trabalho, então ela se coloca numa situação difícil como voluntário
ou de atuar em algum lugar.
Dentro da sua limitação, toda vez que sai do roteiro, ela não tem culpa, você pode dizer pra
ela “Não, mas você não pode fazer isso, você tem que pensar que você tá aqui pra outros
fins”.
Ela até tenta colocar na cabecinha dela que o novo Script é assim, o script da boazinha, então
normalmente ela pega o script errado, porque ela vai super proteger ou vai paparicar aquela
criança pra mantê-la quieta ou se ela não tiver o senso crítico da estória, ela pode chamar os
pais e descascar o verbo em cima deles, porque é assim “Eu quero tirar a responsabilidade de
cima de mim, já que eu tenho que estar aqui, ser boazinha, cumprir meu papel”. Espera ai,
com esse pepino eu não sei lidar, chamo os pais, então eu devolvo. “O problema é de vocês”.
E ai some os pais e a criança que estava ali para receber orientação moral cristã. Você tem que
sacar o jogo, dar oportunidade dos pais conversarem e ajudar na orientação do seu filho.
A maioria não age assim. “Seus filhos quebram as coisas, ele não tem disciplina, precisa dar
disciplina”, acaba com os pais, chamam os dois de incompetentes de forma indireta, e ai você
acha que eles vão reagir como?
O problema maior é que os educadores não estão preparados. Precisa preparar os educadores
para receber as crianças na Casa espírita também.
É preciso ter um trabalho de formação de educadores, aliás, essa é a minha briga.
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HOMENAGEM
A Dra. Elisabeth Kubler-Ross acompanhou varias crianças acometidas de doenças como
Câncer e Leucemia até seus últimos momentos. Para conhecermos um pouco desta figura
maravilhosa como ser humano, dedico algumas linhas sobre sua Biografia.
08/07/1926 – 24/08/2004 - 78 anos.
“Elisabeth Kubler-Ross, psiquiatra, ocupa lugar de destaque como autoridade das mais
queridas e respeitadas no que se refere ao tratamento de pacientes em estado terminal. Cursou
medicina em Zurique, Suíça, local de seu nascimento. Em 1958, ano seguinte á sua
graduação, mudou-se para os Estados Unidos e começou a trabalhar em um hospital onde
ficou horrorizada com o tipo de tratamento dedicado ao pacientes terminais. “Eram
marginalizados e enganados, ninguém usava de honestidade para com eles”, observou ela.
Diante dessa realidade, decidiu agir de forma diferente: sentava-se ao lado dos pacientes e se
punha a ouvi-los enquanto eles lhe abriam o coração. Atenta aos pacientes que sofriam,
acompanhando-os nas varias etapas pelas quais passavam, foi aprendendo formas especificas
e eficazes de prestar-lhes ajuda. Logo passou a fazer conferencias, workshops e retiros
destinados não apenas aos pacientes, mas também a profissionais de saúde, religiosos,
professores, assistentes sociais, familiares e pessoas em geral que se conscientizavam da
necessidade de se aprimorarem para atuar nessa área. Elisabeth Kubler-Ross, profissional
dedicada á valorização da vida, acreditava fundamentalmente que “as pessoas que vivem
plenamente nunca terão medo de viver nem de morrer”.