Post on 16-Dec-2018
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró
Defesa do Consumidor
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA____ VARA CIVEL DA COMARCA
DE MOSSORÓ.
Realmente, o Ministério Público entende que o fornecedor de serviço de
urgência e emergência deve realizar sua prestação de serviço nos termos da
Resolução n. 1451/1995-CFM. Temos conhecimento, todavia, de que uma
parcela considerável de conselhos regionais entende que um estabelecimento
cadastrado como Pronto Atendimento no Ministério da Saúde deve, pelo
menos, cumprir a Portaria n. 2224/2002-MS (que exige somente pediatra e
clínico médico em plantão presencial ininterrupto).
Nessa ordem de idéias, afigura-se insofismável que o fornecimento pelo Centro
Médico Rodolfo Fernandes de atendimento de urgência e emergência em
desacordo com a Resolução n.1451/1995-CFM e também com a Portaria n.
2224/2002-MS consiste em serviço viciado, nos termos do art. 20,§2º., do CDC,
já que todas as normas regulamentares de prestabilidade foram
descumpridas.(Petição inicial desta ação, fls.12 – grifo nosso.)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE, através da Promotoria do Consumidor da comarca de Mossoró (2ª
Promotoria de Justiça), com esteio na Constituição Federal - arts. 6°, caput,
127, caput e 129, incisos I, II e III -, e na Lei n° 7.347, de 24.07.1985 - art. 1° -
, propõe a presente AAÇÇÃÃOO CCIIVVIILL PPÚÚBBLLIICCAA COM PEDIDO DE
LIMINAR em face da Fundação Ana Lima, pessoa jurídica de Direito
Privado, com sede em Fortaleza/Ce. à Av. Heráclito Graça n. 406, Centro,
C.N.P.J.63554067/0001-98, representado por seu Diretor-Presidente Jorge
Pinheiro F. de Lima, em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir
delineados.
I – DOS FATOS
A requerida é proprietária do Centro Médico Rodolfo Fernandes e do Plano
de Saúde Hap Vida de Mossoró, com endereço na Rua Dr. João Marcelino, nº 429,
Centro, CEP: 59611-200, Mossoró-RN.
A Promotoria do Consumidor da comarca de Mossoró instaurou o
PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DE INQUÉRITO CIVIL n. 017/2009, com o
objetivo de realizar apuração preliminar acerca da falta de médicos especialistas nas
áreas de clinico geral, pediatra, ortopedista, anestesista e cirurgião trabalhando em
regime de plantão presencial no atendimento de urgência e emergência do Centro
Médico Rodolfo Fernandes.
Realmente, há cerca de um ano a Promotoria do Consumidor vem recebendo
informações no sentido de que vários estabelecimentos hospitalares que não
cumprem a obrigação contratualmente assumida de fornecer atendimento de
urgência e emergência ao violarem o disposto na Resolução n. 1451/1995-CFM.
A aludida resolução do Conselho Federal de Medicina define o que é
atendimento de urgência e emergência e determina que (art. 2º.) a equipe médica
presente no interior do estabelecimento de saúde que presta atendimento de urgência
e emergência deve ser constituída, „no mínimo‟, de 1 anestesiologista, 1 clínico
médico (geral), 1 pediatra, 1 cirurgião geral e 1 ortopedista.
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPE-RN)
instaurou o PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DE INQUÉRITO CIVIL, sob o
registro cronológico nº 017/2009 – 2ª PJM, com o objetivo de realizar apuração
preliminar acerca da falta de médicos especialistas nas áreas de clinico geral,
pediatra, ortopedista, anestesista e cirurgião trabalhando em regime de plantão
presencial no Hospital Rodolfo Fernandes da HAPVIDA em Mossoró.
O Hospital Rodolfo Fernandes (HRF), em sua manifestação, afirmou que atua
com 12 (doze) médicos que se revezam em regime de plantão presencial, e mais 22
(vinte e dois) médicos que se revezam em regime de plantão de sobreaviso.
Conforme depreende-se da escala anexada às fls. 14 e 15 pela requerida, em
regime de plantão presencial só há especialistas nas áreas de clínica geral e pediatria,
e que em regime de plantão de sobreaviso há especialistas nas áreas de ortopedia,
anestesiologia, cirurgia geral, ginecologia, obstetrícia e neonatologia.
O atendimento de urgência e emergência do Centro Médico Rodolfo
Fernandes está registrado no CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Saúde do Ministério da Saúde – na modalidade „Pronto Atendimento‟, e, consoante a
Portaria n. 2.224/2002 do Ministério da Saúde, os hospitais classificados como „de
porte I‟ podem realizar atendimentos de urgência e emergência genérica (não
voltados a uma área específica da medicina) na forma de Pronto Atendimento, o que
demanda a presença ininterrupta e simultânea, no mínimo, de 1 (um) médico com
residência em pediatria e 1(um) médico com residência em clínica médica.
Embora a Promotoria do Consumidor entenda que o hospital da ré em
Mossoró, apesar de consistir em pronto atendimento, deve obedecer a Resolução n.
1451/1995-CFM devido aos contratos que celebra com os consumidores do plano de
saúde Hap Vida (também pertencente à Fundação Ana Lima), a requerida, em suas
manifestações no âmbito do PPIC n. 17/2009-2ª.PJM, deixa claro que sequer cumpre
a Portaria n.2224/2002-MS, pois não disponibiliza no plantão realizado no interior do
Centro Médico Rodolfo Fernandes pediatras e clínicos médicos de maneira
simultânea e ininterrupta.
Realmente, a requerida vem sustentando no âmbito do PPIC n. 17/2009-
2ª.PJM (v.g. fls. 12 e 13) que a recente Resolução n. 1834/2008 autoriza a realização
de plantão de urgência e emergência com qualquer médico presente, podendo os
médicos especialistas exigidos – seja pela Resolução n. 1451/1995-CFM seja pela
Portaria n. 2.224/2002-MS – trabalharem em regime de sobreaviso.
II– DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O artigo 129, III, da Constituição Federal de 1988, prevê ser função
institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil
pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.
Além disso, a Carta Magna, em seu artigo 127, caput, atribui ao Parquet a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Seguindo a presente análise, o artigo 82 do CDC confere a essa instituição
legitimidade para defender interesses e direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos (descritos no artigo 81, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90). Da mesma
forma, a Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) autoriza o Parquet a intentar
ação para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1o., IV), bem como
aos interesses individuais homogêneos, em virtude da previsão contida no artigo 21
da referida lei e da plena interação existente entre a Lei da Ação Civil Pública e o
Código de Defesa do Consumidor.
Na doutrina, Aluísio Gonçalves de Castro Mendes corrobora que :
Figuram, em síntese, como legitimados a pessoa natural, para a
defesa dos direitos ou interesses difusos; o membro do grupo,
categoria ou classe, para a proteção dos direitos ou interesses
coletivos e individuais homogêneos; o Ministério Público, para a
defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos; a Defensoria Pública; as pessoas jurídicas de direito
público interno; as entidades e órgãos da Administração Pública; as
entidades sindicais, para a defesa da categoria; os partidos políticos
e as associações e fundações provadas legalmente
constituídas.(Grifo nosso). 1
O art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor aduz que:
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.2
Tendo em vista que o atendimento de urgência e emergência do Centro Médico
Rodolfo Fernandes é utilizado tanto pelos usuários do plano de saúde Hap Vida
(coletividade determinável) quanto também por consumidores particulares
indeterminados e indetermináveis ligadas por circunstâncias de fato (qual seja a
utilização dos serviços do réu em um contexto de desrespeito, por parte de tal
nosocômio, à legislação que disciplina seus serviços), verifica-se que existem
interesses/direitos coletivos e difusos tutelados nesta demanda, sendo portanto o
Parquet legitimado a postular sua proteção.
III- DO DIREITO
O plantão de urgência e emergência não especializado deve ser
obrigatoriamente realizado por esses cinco especialistas (médicos com residência
em) - 1 anestesiologista, 1 clínico médico (geral), 1 pediatra, 1 cirurgião geral e 1
ortopedista – ‘em conjunto’ e em regime ‘presencial’, nos termos da Resolução
1 DIDIER JR., Fredie; MOUTA, José Henrique (coordenadores). Tutela Jurisdicional Coletiva. Salvador: Editora
Jus-PODIVM,2009. p. 102.
2 Lei n. 8.078/1990, art. 81.
n. 1451/1995-CFM.
Todavia, a Portaria n. 2.224/2002 do Ministério da Saúde abre aos
hospitais que classifica como ‘de porte I’ a possibilidade de prestarem
atendimento de urgência/emergência genérica na forma de Pronto Atendimento,
o que demanda a presença ininterrupta, no mínimo, de 1 (um) médico com
residência em pediatria e 1(um) médico com residência em clínica médica.
III.1-Normas regulamentares expedidas pelo CFM para prestação do serviço de
plantão genérico.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1451/1995, em seu
art. 2º, determina que:
Art. 2º – A esquipe médica do Pronto Socorro deverá, em regime de
plantão no local, ser constituída, no mínimo, por profissionais das
seguintes áreas:
Anestesiologista;
Clínica Médica;
Pediatra;
Cirurgia Geral;
Ortopedia.
Ademais, o referido diploma legal determinou, em seu art.1º, que:
Os estabelecimentos de Prontos Socorros Públicos e Privados deverão
ser estruturados para prestar atendimento a situações de urgência-
emergência, devendo garantir todas as manobras de sustentação da
vida e com condições de dar continuidade à assistência no local ou
em outro nível de atendimento referenciado. ( Grifo nosso).
III.2- Alegação improcedente e insustentável de que a Resolução n. 1451/1995-CFM
foi revogada pela Resolução n. 1834/2008-CFM.
Os hospitais e pronto-socorros investigados pela Promotoria do Consumidor
geralmente argumentam que a recente Resolução n. 1834/2008 alterou a Resolução n.
1451/1995 para permitir que os médicos anestesistas, pediatras, ortopedistas, clínicos
gerais e cirurgiões gerais possam atuar no plantão em regime de sobreaviso. Essa
tese, porém, não se sustenta ante uma simples leitura de ambas as resoluções.
Com efeito, a Resolução CFM nº 1834/2008 adota já em seus
„considerandos‟ a Resolução n. 1451/1995-CFM, ao enunciar expressamente:
CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 1.451/95; (…)
Tal remissão à Resolução n. 1451/1995-CFM, em conjunto com a análise do
teor da Resolução n. 1834/2008, levam inexoravelmente à conclusão de que as
referidas resoluções são complementares, não tendo a Resolução n. 1834/2008-CFM
revogado em nada a Resolução n.1451/1995-CFM.
Realmente, enquanto a Resolução n. 1451/1995-CFM fornece os conceitos
de atendimento de urgência e emergência e determina quais especialidades médicas
devem, simultânea e presencialmente, integrar o plantão genérico - não destinado a
atendimentos em uma única área da medicina (ou, mais tecnicamente, a uma única
clínica médica) -, a Resolução n. 1834/2008-CFM regulamenta a atuação dos
médicos que podem prestar seus serviços em regime de sobreaviso nos plantões.
A Resolução n. 1834/2008 define o que é „disponibilidade médica em
sobreaviso‟ e estatui em seu artigo 6º. que a decisão acerca de quais especialidades
devem atuar no plantão em regime de „disponibilidade em sobreaviso‟ deve
submeter-se à legislação vigente, no âmbito da qual figura a Resolução n.
1451/1995. Senão vejamos:
Art. 6º Compete ao diretor técnico e ao Corpo Clínico decidir as
especialidades necessárias para disponibilidade em sobreaviso, de
acordo com a legislação vigente. (Grifo nosso).
Prova inequívoca de que a Resolução n. 1834/2008-CFM harmoniza-se com
a Resolução n. 1451/1995-CFM sem revogar esta última em nada é a Exposição de
Motivos da Resolução n. 1.834/08-CFM, a qual declara que:
Nas unidades de Pronto-Socorro, o atendimento às emergências
deve ser previsto e assegurado nas 24 horas do dia, com alocação de
recursos humanos conforme estabelecido na Resolução CFM nº
1.451/95.
Outras especialidades médicas não exigidas in locum podem,
entretanto, estar disponíveis por intermédio do sobreaviso
previamente definido, o que atenderia perfeitamente as necessidades
técnicas de demanda não-eletiva, além de não acarretar prejuízo ou
riscos aos pacientes.3
Dessarte, é insustentável a alegação de que a Resolução n. 1834/2008-
CFM revogou a Resolução n. 1451/1995-CFM, passando a ser permitida a
existência de plantão genérico sem a equipe de médicos exigida por esta última
in locu.
A verdade insofismável – emergente da leitura da Exposição de Motivos da
Resolução n.1834/2008-CFM (que anexamos a esta petição) é a de que a Resolução
n. 1451/1995-CFM estabelece o mínimo para o funcionamento de plantão oferecido e
prestado de forma genérica, vale dizer, não voltado exclusivamente ao atendimento
em uma única especialidade (uma única clínica médica).
Esse mínimo, porém, não vem sendo cumprido pela ré, a qual não contratou
anestesistas, pediatras, ortopedistas e cirurgiões gerais para realização de plantões, de
maneira que haja, ininterruptamente (no plantão), no interior do hospital (in locu), a
seguinte equipe: 1 anestesiologista, 1 clínico médico (geral), 1 pediatra, 1 cirurgião
geral e 1 ortopedista.
III.3 – Harmonização das resoluções 1451/1995-CFM e 1834/2008-CFM pelos
CRMs do Brasil.
Dando a devida importância ao assunto, o Conselho Regional de Medicina da
Paraíba promulgou a Resolução nº 125/2005, cujo art. 3º dispõe:
3 http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2008/1834_2008.htm (acesso em 08/06/10 às 14:40)
Art. 3º- Os serviços que anunciarem atendimento de emergência e que
não caracterizarem emergência de especialidade específica, deverão
cumprir o que determina a Resolução do Conselho Federal de Medicina
nº 1451/95, a qual exige a presença de equipe mínima de plantão no
âmbito da instituição composta por Anestesista, Cirurgião, Pediatra,
Clínico e Ortopedista. (Grifo nosso).
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará também promulgou a
respeito a Resolução CREMEC nº 07/1994 (anterior à Resolução n. 1451/1995), cujo
art. 2º dispõe:
Art. 2º - As instituições que anunciarem a existência de plantões estão
obrigadas a manter o profissional na especialidade anunciada, durante
toda a jornada do plantão, no âmbito da instituição.
§ 1º - Em casos de anúncio de serviços de Emergência exige-se a
presença de plantonista(s) na(s) especialidade(s) anunciada(s).
§ 2º - Quando o anúncio de Emergência for genérico é exigida a
presença de plantonistas nas seguintes especialidades: Clínica Médica,
Cirurgia Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e Anestesiologia.
Verifica-se que o CRM do Ceará deixou de exigir apenas uma das
especialidades dentre as exigidas, um ano depois, pela Resolução n. 1451/1995, a
saber, a ortopedia, donde verifica-se que não se concebe plantão genérico com
somente um ou dois médicos in locu e tampouco plantão genérico sem a presença de
todas as especialidades exigidas pela Resolução n. 1451/1995, mesmo após a edição
da Resolução n. 1834/2008-CFM.
Tal ocorre porque a Resolução n. 1834/2008-CFM simplesmente regulamenta
a prestação de serviços de médicos com outras especialidades (diferentes das
especialidades exigidas pela primeira resolução para plantão presencial ou in locu),
nos plantões, em regime de „disponibilidade em sobreaviso‟, estatuindo basicamente
que deve haver sempre remuneração para o médico de sobreaviso,
independentemente de seus serviços serem efetivamente utilizados ou não e que
compete ao diretor técnico e ao corpo clínico, respeitada a legislação em vigor (v.g. a
Resolução n.1451/1995-CFM), estabelecer quais especialidades prestarão serviços
médicos em regime de „disponibilidade em sobreaviso‟.
No Parecer nº 1058/984 do Conselho Regional de Medicina do Paraná, em
resposta à pergunta “ O médico pediatra de plantão pode ausentar-se do hospital
mantendo-se de sobreaviso à distância?” , aduziu que:
O Código de Ética Médica não estabelece em nenhum de seus
dispositivos o chamado 'plantão à distância' como princípio de atuação
do médico em hospitais. Essa prática tem sido tolerada em grande
número de estabelecimentos de saúde. Em alguns, por deficiência de
pessoal em seu corpo clínico. Em outros, por uma distorção, uma
deformação, uma disfunção, mesmo que seja o plantão médico. A
unidade hospitalar é obrigada a ter em seus quadros o médico
responsável pelo plantão. E nos serviços de urgência o não atendimento
a essa regra é simplesmente inadmissível.(...) Conforme enfatiza
Genival Veloso de França, “há, inclusive, serviços que os plantões
não podem ser ‘à distância’, como, por exemplo, os de obstetrícia, de
traumatologia e de medicina intensiva, pelas compreensíveis
exigências das muitas ocorrências emergenciais e pelos cuidados
imediatos que certos casos exigem”. Isto posto, cabe à equipe médica e à
Direção Médica do Hospital se organizarem para que as atividades em
setores de urgência não se vejam desfalcadas para os primeiros socorros
básico.
À luz da análise de tal parecer, torna-se mais evidente que as exigências da
Resolução n. 1451/1995 chegam a ser modestas, pois, embora ela também exija
traumatologista ao demandar a presença de ortopedista, nela não se impõe aos
plantões genéricos a presença de intensivista nem de obstetra.
A Resolução n. 1451/1995, portanto, é o mínimo do mínimo exigível para
funcionamento de um plantão genérico e, infelizmente, não vem sendo cumprida
pelo réu.
III.4 – Descumprimento contratual e violação a direito coletivo dos consumidores do
plano de saúde - vício do serviço de plantão genérico por desobediência a
disposições regulamentares (art. 20 CDC).
4 http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CRMPR/pareceres/1998/1058_1998.htm (acesso em 08/06/10 às 14:40)
Mas a violação da Resolução n.1451/1995-CFM pelo réu não consiste
somente em irregularidade administrativa sujeita a sanções por parte do Conselho
Regional de Medicina.
Com efeito, ela configura também um grave descumprimento contratual
relativamente aos usuários do plano de saúde Hap Vida, pois o contrato do plano de
referência (plano básico) do mencionado plano de saúde – por exigência do
Ministério da Saúde – obriga a operadora a prestar atendimento de urgência e
emergência a seus usuários de Mossoró.
Mesmo que os contratos firmados pelo Plano de Saúde Hap Vida – também
pertencente à Fundação Ana Lima – não prevejam expressamente a prestação de
atendimento de urgência e emergência, tal cláusula deve ser tida como escrita em
todos os seus contratos de plano de saúde, pois, desde que a Agência Nacional de
Saúde Suplementar regulamenta o conteúdo mínimo de contratos de plano de saúde,
estipula que o atendimento de urgência e emergência é coberto pelo que denomina
„plano de referência‟.
Atualmente através da Resolução Normativa n. 211/2011, a Agência Nacional
de Saúde Suplementar continua exigindo que as operadoras de plano de saúde
prevejam em seus planos „referência‟ ou planos „básicos‟ o atendimento de urgência e
emergência.
Dessarte, todos os usuários do plano de saúde Hap Vida em Mossoró têm
garantidos em seus contratos a cobertura de atendimento de urgência e emergência, o
que só pode ser efetivado através da oferta de atendimento de urgência e emergência
nos moldes da retrocitada Resolução n.1451-CFM.
Além do descumprimento contratual puro e simples praticado em prejuízo
dos usuários do plano de saúde Hap Vida, relativamente a estes e a todos os outros
consumidores dos serviços do Centro Médico Rodolfo Fernandes, o atendimento de
urgência e emergência em desacordo, seja com a Resolução n. 1451/1995-CFM, seja
com a Portaria n. 2.224/2002-MS, configura violação a direito transindividual dos
consumidores de usufruir serviço isento de vício.
O art. 20 do CDC estabelece que:
Art.20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade
que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor,
assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações
constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor
exigir, alternativamente e à sua escolha:
(...)
§2º. São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os
fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não
atendam às normas regulamentares de prestabilidade. (Grifo
nosso).
Realmente, o Ministério Público entende que o fornecedor de serviço de
urgência e emergência deve realizar sua prestação de serviço nos termos da
Resolução n. 1451/1995-CFM. Temos conhecimento, todavia, de que uma
parcela considerável de conselhos regionais entende que um estabelecimento
cadastrado como Pronto Atendimento no Ministério da Saúde deve, pelo menos,
cumprir a Portaria n. 2224/2002-MS (que exige somente pediatra e clínico
médico em plantão presencial ininterrupto).
Nessa ordem de idéias, afigura-se insofismável que o fornecimento pelo
Centro Médico Rodolfo Fernandes de atendimento de urgência e emergência em
desacordo com a Resolução n.1451/1995-CFM e também com a Portaria n.
2224/2002-MS consiste em serviço viciado, nos termos do art. 20,§2º., do CDC,
já que todas as normas regulamentares de prestabilidade foram descumpridas.
Logo, estamos diante de um caso de vício do serviço previsto no art. 20,
§2º., do CDC.
Conforme esclarece Rizzato Nunes, vício do serviço e fato (ou defeito) do
serviço distinguem-se porque, no primeiro caso (vício), a falha é do serviço em si,
que em razão dela passa a ser inadequado ou tem seu valor diminuído,
independentemente de qualquer prejuízo adicional causado ao consumidor, ao passo
que, quando ocorre fato ou defeito do serviço, além do vício que acarreta a
inadequação ou diminuição do valor do serviço, há um dano adicional causado ao
consumidor. 5
Existe, portanto, vício sem fato do serviço, porém o contrário não sucede, vez
que todo fato do serviço „pressupõe o vício‟, pois consiste em fato jurídico
decorrente do vício que caracteriza-se pela circunstância de causar prejuízo adicional
ao consumidor.
Na hipótese destes autos, a Promotoria do Consumidor instaurou o PPIC
n.17/2009 de ofício, pois os cidadãos prejudicados pela ilegalidade apontada
recusaram-se a figurar como testemunha no aludido procedimento, o que difuculta a
comprovação da ocorrência de prejuízos adicionais causados aos consumidores em
pelo apontado vício do serviço – de forma a que pudéssemos enquadrar os fatos
supra delineados como „fato ou defeito do serviço‟.
A ausência de comprovação do fato do serviço (in casu, danos adicionais em
razão da impropriedade ou inadequação do serviço), todavia, não impede a prestação
da tutela jurisdicional para coibir o vício do serviço, nos termos pleiteados pela
Promotoria do Consumidor nesta demanda.
O fornecimento do serviço de plantão médico genérico em desacordo com
as normas regulamentares do Conselho Federal de Medicina enquadra-se
milimetricamente na previsão contida no final do §2º. do art. 20 do CDC,
correspondendo, segundo o magistério de Rizzato Nunes, a um caso de inadequação
do serviço.
A norma do caput do art. 20 fala em vício como aquele que torne o
serviço “impróprio”. No caput do art. 18 aparece uma distinção. Lá
está colocado que o vício torna o produto “impróprio ou inadequado”.
5 NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 4 ed., 2009, págs. 180/183.
Já vimos que há diferença entre os termos “impróprio” e
“inadequado”. “Impróprio” é a característica que impede o uso ou
consumo do produto. “Inadequado” é a que faz com que o produto
possa ser utilizado, mas com eficiência reduzida. Isto é, o consumidor
pode dele se servir, mas há alguma perda na eficiência da qualidade
ofertada.6
III.5- Resumo da situação jurídica da ré.
Dessarte, em razão da incidência das supramencionadas normas jurídicas,
a Promotoria do Consumidor de Mossoró entende que a Fundação Ana Lima –
proprietária do Plano de Saúde Hap Vida e do Centro Médico Rodolfo
Fernandes – deve ser compelida a prestar atendimento de urgência e
emergência conforme dispõe a Resolução n. 1451/1995 (ou seja, com pelo menos
1 pediatra, 1 clínico médico, 1 ortopedista, 1 cirurgião geral e 1 anestesiologista,
todos atuando simultaneamente, em plantão ininterrupto e presencial no
interior do Centro Médico Rodolfo Fernandes).
Caso o Poder Judiciário não adote esse posicionamento, pugnamos que a
ré seja compelida, pelo menos, a cumprir, no âmbito do Centro Médico Rodolfo
Fernandes, o que determina a Portaria n. 2.224/2002 do Ministério da Saúde -
ou seja, que forneça pronto-atendimento com pediatra e clínico médico, ambos
atuando simultaneamente, em plantão ininterrupto e presencial no interior do
Centro Médico Rodolfo Fernandes.
III.6 – Responsabilidade civil do fornecedor de serviços.
A responsabilidade do fornecedor é objetiva, pois na sistemática do CDC
apenas o profissional liberal responde subjetivamente quando demandado.
No caso destes autos, além da condenação a obrigação de fazer/não fazer
(tutela inibitória), postula-se também a condenação a indenização (tutela
6 Idem. Ibidem, pág. 247.
ressarcitória) pelo dano moral transindividual causado aos consumidores que
utilizaram o serviço de atendimento de urgência e emergência (viciado) do Centro
Médico Rodolfo Fernandes.
Conforme o art. 6º., VI, do CDC, a tutela dos direitos do consumidor tem -
como princípio básico – a reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais e
transindividuais.
A prestação do serviço inadequado – plantão médico em desacordo com as
normas regulamentares – acarretou e continua acarretando prejuízo patrimonial aos
consumidores particulares ou conveniados a planos de saúde que acorrem ao Centro
Médico Rodolfo Fernandes visando usufruiu um atendimento de urgência e
emergência médica em conformidade com as normas regulamentares, pois pagam a
mensalidade do plano de saúde ou o valor particular do atendimento em questão para
usufruir atendimento de urgência e emergência dentro dos padrões mínimos de
qualidade impostos pela legislação e, quando recebem serviço inadequado,
evidentemente estão „pagando mais e levando menos‟.
Mas não é só. Tal situação acarreta, outrossim, um inegável dano moral
difuso – espécie de dano moral transindividual -, pois uma quantidade indeterminada
e indeterminável de pessoas que utilizaram e utilizam o serviço de atendimento
médico (genérico) de urgência e emergência do réu vêm sentindo-se lesadas,
desrespeitadas e humilhadas pelo malogro de que são vítimas ao descobrirem, v.g.,
que não há pediatras, nem ortopedistas, nem anestesiologistas no plantão e que,
mesmo estando necessitando de um desses profissionais, e (no caso dos usuários do
plano de saúde Hap Vida de Mossoró) apesar de terem celebrado um contrato que
lhes garante o atendimento de urgência e emergência, terão que conformar-se com
atendimento prestado por médico sem especialização nessas áreas.
O dano moral difuso é flagrante, pois essa situação tem causado revolta,
indignação, decepção nos consumidores dos serviços do Centro Médico Rodolfo
Fernandes, predominando nesses consumidores o sentimento de que foram vítimas
de um malogro.
Realmente, os consumidores dos serviços do Centro Médico Rodolfo
Fernandes sentem-se desprezados, impotentes, mal atendidos e desrespeitados em
seus direitos básicos ao depararem-se com a conduta ilícita retrodescrita.
O dano moral é difuso porque existe a oferta pública de atendimento
médico de urgência e emergência pelo hospital da ré, de maneira que o referido
nosocômio atende a usuários do plano de saúde Hap Vida e também a não-
usuários, indistintamente, não sendo possível quantificar quantas pessoas já
foram lesadas pelo fornecimento desse serviço viciado.
III.5.1- A responsabilização pelo dano moral difuso e teoria do damnum in re
ipsa.
Consoante Carlos Alberto Bittar:
Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais
prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do
agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso,
verificado o evento danoso, surge, ´ipso facto´, a necessidade de
reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa
ponderação, emergem duas conseqüências práticas de
extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a
dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a
desnecessidade de prova de prejuízo em concreto.7
Luiz Antônio de Souza e Vitor Frederico Kümpel8 esclarecem que “um dos
direitos básicos do consumidor é a efetiva reparação dos danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos ou difusos (art. 6º, VI, do CDC), daí porque, em caso e
danos derivados de relação de consumo, deve o fornecedor repará-los”.
È cediço que a comprovação exigida em razão de dano difuso difere dos
7 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais, Revista dos Tribunais, 1993, p. 202.
8 SOUZA, Luiz Antônio de e Vitor Frederico Kümpel, Direitos difusos e coletivos, 2009, p.25.
requisitos exigidos para a comprovação individual pela própria natureza jurídica do
direito postulado.
A responsabilidade civil em face de danos difusos ampara-se na trilogia
dano-agente-nexo causal. O dano encontra-se evidenciado no descumprimento da
Resolução n. 1451/1995-CFM (e/ou da Portaria n. 2224/2002-MS), bem como do art.
20 do CDC pelo Centro Médico Rodolfo Fernandes, comprovado pelos documentos
anexados ao PPIC n.17/2009-2ª.PJM, que segue em anexo.
Cumpre ressaltar que o entendimento predominante no STJ é no sentido de
acolhida aos pleitos indenizatórios difusos mesmo quando inexiste qualquer dano
individual concretizado e identificado.
Em conformidade com essa senda jurisprudencial, cito jurisprudência do
TJRN:
EMENTA: Direito do Consumidor. Ação Civil Pública.
Bomba medidora de combustível que causa prejuízo aos
consumidores.
- Não existe julgamento "ultra petita" quando o Juízo "a
quo", ao prolatar a sentença, apenas acolheu o conteúdo do
pedido exordial.
- A responsabilidade pela prática de atos ofensivos aos
direitos consumeristas é objetiva, não se cogitando da
necessidade de comprovação de culpa.
- A condenação em compensação pecuniária mostra-se
devida em razão da extensão do dano, praticado a um
número indeterminado de consumidores.
- Não tratando, o caso, de dano moral, é devida a correção
monetária a partir da data de aferição do evento danoso,
conforme dicção da Súmula 43 do Superior Tribunal de
Justiça.
- Apelação Cível conhecida e improvida.9
O STJ figura na vanguarda dos tribunais que vêm reconhecendo a
reparabilidade do dano difuso com base exclusivamente na prova da conduta ilícita,
9 BRASIL, TJRN. Apelação Cível n.° 2006.002016-5, Rel. Des. Aécio Marinho, data de julgamento 21/09/2006.
conforme se observa abaixo:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE -
IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO -
DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E
DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO
DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE
IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO -
ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE
TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO
– LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é
transindividual e atinge uma classe específica ou não de
pessoas, é passível de comprovação pela presença de
prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos
enquanto síntese das individualidades percebidas como
segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da
comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico,
suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas
inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos
idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do
benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado
pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º
exige apenas a apresentação de documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o
sistema normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou
as
circunstancias fáticas e probatória e restando sem
prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a
decisão.
5. Recurso especial parcialmente provido.10
Por último, mas não menos importante, os próprios juízes em primeira
instância desta comarca já vêm reconhecendo a existência e a necessidade de efetiva
reparação do dano difuso sem necessidade de comprovação da dor moral da
coletividade atingida:
COMARCA DE MOSSORÓ – TERCEIRA VARA CÍVEL
JUIZ DE DIREITO EM SUBSTITUIÇÃO LEGAL: Dr.
MANOEL PADRE NETO.
DIRETOR DE SECRETARIA: AIRTON BASÍLIO DE
10 BRASIL. STJ. Recurso Especial 2008/0104498-1, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ªTurma, data de julgamento
01/12/2009, publicação DJe 26/02/2010.
SOUZA.
Avenida Rio Branco, 1902, Centro, Mossoró RN – CEP:
59.611- 400, Fone: 84-3315-7170.
Nota de Foro n° 197/2009.
(01) – Processo nº 106.04.008710-1. Ação Civil Pública.
Requerente: O Representante do Ministério Público do Estado
do Rio Grande do Norte.
Requerido: Francisco Ailson Ferreira (Firma Mercantil
Individual).
Advogado: Aldo Fernandes de Sousa Neto, OAB/RN- 4.414.
Sentença: (...) III – DISPOSITIVO. Isto posto, JULGO
PROCEDENTE, em parte, os pedidos veiculados na
petição inicial, e, por conseguinte, DETERMINO que a empresa
promovida FRANCISCO AILSON FERREIRA, qualificada nos
autos, abstenha-se de comercialização combustível adulterado,
sob pena de multa diária (astreintes) no valor de R$ 1.000,00
(hum mil reais). CONDENO a promovida ao pagamento de
INDENIZAÇÃO DOS DANOS DIFUSOS aos consumidores,
no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser depositado na
conta nº 15154-8, Agência 3795-8, do Banco do Brasil S/A, em
benefício do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.
CONDENO-A, por fim, ao pagamento das custas e despesas
processuais.
Fica a promovida ciente de que o não pagamento voluntário da
obrigação resultante desta sentença, no prazo de 15 (quinze)
dias, após o trânsito em julgado, acarretará a aplicação de multa
de 10% (dez por cento),
prevista no art. 475-J, do CPC, além do desencadeamento das
medidas de execução, se requeridas. Após o trânsito em julgado,
e pagas as custas, arquive-se, com a baixa respectiva, se nada
mais for requerido. Publique-se. Registre-se. Intimemse.
Mossoró, 11 de agosto de 2009. (Ass.) Manoel Padre Neto. Juiz
de Direito em Substituição Legal.11
No caso em exame, desnecessária a apresentação de prova da dor moral difusa
(cuja testificação seria, por sinal, sempre uma amostragem), já que demonstramos
nesta ação a violação das normas regulamentares de prestabilidade na execução do
serviço fornecido pelo réu, o que caracteriza tal serviço como serviço inadequado,
nos termos do art. 20 do CDC.
Assim, a responsabilização pelo dano moral difuso, que dispensa a
11 DJE, Nota de Foro nº 197/2009, Publicada em 13-08-09, Edição nº 429. Disponível no sítio
https://www.diario.tjrn.jus.br/djonline/goto.jsf (acesso em 30/04/2010 às 16:22).
demonstração da dor moral das inúmeras vítimas difundidas na cidade de
Mossoró/RN, exige, tão só, a demonstração do ilícito, qual seja o desrespeito
contínuo ao consumidor ou à coletividade de pessoas a ele equiparada, na forma
do CDC.
III.5.2 – Possibilidade de cumulação de pedidos de obrigação de fazer/não
fazer (tutela inibitória) com os de obrigação de indenizar (tutela ressarcitória).
A Constituição Federal elenca como direito fundamental em seu art. 5º a
defesa do consumidor, vinculando ao Estado o dever de promovê-la e,
consequentemente, em caso de dano à relação de consumo, de garantir a sua efetiva
reparação.
Com o fim de garantir essa reparação integral, o legislativo ordinário editou
leis que prevêem instrumentos processuais aptos a tutelar, com o máximo de
amplitude, a defesa não só da relação de consumo, como também dos interesses e
direitos difusos e coletivos como um todo. Dentre essas leis processuais destacam-se
a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor.
Ao interpretar o art. 3º da LACP, que trata do objeto da ação, não podemos
desconsiderar a ampliação advinda do art. 83 do Código de defesa do Consumidor.
Neste sentido escreve Milaré :
O art. 3º da Lei 7.347/85, que só previa ações condenatórias (ao
pagamento em dinheiro ou às obrigações de fazer ou não fazer), ficou
ampliado a todas as espécies de ações capazes, no caso, de propiciar
adequada e efetiva defesa do ambiente (sejam elas de conhecimento,
de execução, cautelares ou mandamentais), por força do disposto no
art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à lei da Ação
Civil Pública. 12
Nesta exordial, observamos o disposto no art. 292 do CPC, que dispõe:
Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o
12 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2ª ed. rev. atual e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos tribunais. 2001.
mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:
I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de
procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o
procedimento ordinário.
Acerca do tema, a jurisprudência do STJ aponta no sentido da possibilidade
de cumulação, senão vejamos:
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES
DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.
POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA
LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º,
DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI
8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO
POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.
1. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em
normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei
6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da
prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles
decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e
obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais,
positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia
(indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura),
prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se
cumulam, se for o caso.
2. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a
propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Como todo
instrumento, submete-se ao princípio da adequação, a significar que
deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano
jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente
assim será instrumento adequado e útil.
3. É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação
civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou”
deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a
cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de
alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento
inadequado a seus fins). É conclusão imposta, outrossim, por
interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o
art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa
dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis
todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela.") e, ainda, pelo art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual
incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a
ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e
reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.
4. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação civil pública
autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e
da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças
contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes,
com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de
tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos,
consistentes em prestações de natureza diversa. A proibição de
cumular pedidos dessa natureza não existe no procedimento comum, e
não teria sentido negar à ação civil pública, criada especialmente
como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o
que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer
outro direito.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
desprovido.(REsp605323/MG - 2003/0195051-9 – 1ª Turma - Relator
Ministro José Delgado -18/08/2005)
Logo, não há dúvida quanto à possibilidade de cumulação de pedido de
satisfação de obrigação de fazer com pedido de satisfação de obrigação de indenizar
no bojo de ação civil pública.
IV- DA MEDIDA LIMINAR
Conforme dispõe o art. 84, caput e §§3º., 4º. e 5º., do CDC:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
do adimplemento.
(...).
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível
com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como
busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra,
impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.
A Resolução CFM 1451/95 é clara em determinar que a equipe médica do
Pronto Socorro deverá, no mínimo, ser constituída por médicos com residência nas
áreas de anestesiologia, clínica médica, pediatra, cirurgia geral e ortopedia, atuando
simultaneamente e ininterruptamente em regime de plantão presencial através de
escala de turnos elaborada pela direção do estabelecimento de saúde.
A Portaria n.2224/2002-MS, por seu turno, exige dos „pronto-atendimentos‟,
pelo menos, a presença simultânea e ininterrupta de 1 pediatra e 1 clínico médico.
O desrespeito aos postulados dessa resolução do CFM e/ou dessa portaria do
Ministério da Saúde configura ilegalidade documentalmente comprovada no bojo do
PPIC n.17/2009-2ª.PJM, que segue em anexo, de sorte que configura-se plenamente a
existência do denominado relevante fundamento da demanda, que parte da
doutrina identifica com o fumus boni iuris exigido pelo art. 4º. da Lei de Ação Civil
Pública para concessão de liminar.
A desobediência a essas normas regulamentares de prestabilidade, outrossim,
coloca em grave risco a saúde dos consumidores que acorrem ao atendimento de
urgência e emergência do Centro Médico Rodolfo Fernandes, os quais muitas vezes
são encaminhados às pressas a outras instituições, razão pela qual é forçoso
reconhecer que a omissão do Poder Judiciário em coibir imediatamente a falta da
equipe de plantão presencial completa no mencionado nosocômio certamente dará
azo ao perecimento do objeto desta demanda.
Com efeito, a liminar deve ser deferida em razão dos retrocitados §§3º. e 4º.
do art. 84 do CDC devido ao justificado receio de ineficácia do provimento final,
que parte da doutrina identifica com o periculum in mora exigido pelo art. 4º. da Lei
de Ação Civil Pública para concessão de toda e qualquer medida liminar antes da
positivação do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.8.078/1990.
Dessarte, a prestação de tutela jurisdicional no âmbito desta demanda só
poderá realizar o Princípio do Acesso a Justiça previsto no art. 5º., XXXV, da
Constituição Federal, segundo o qual a tutela jurisdicional deve ser útil e eficaz para
as partes, se for concedida liminar determinando ao réu que contrate os profissionais
que faltam para que seu atendimento de urgência e emergência conte com equipe
plantonista completa exigida pela Resolução n. 1451/1995 ou, pelo menos, de acordo
com a Portaria n.2224/2002-MS, com equipe de plantão presencial ininterrupto
composta por 1 pediatra e 1 ortopedista.
V- DO PEDIDO
ANTE O EXPOSTO, o Ministério Público requer que:
1. Seja concedida medida liminar antecipatória, inaudita altera parte ou
após oitiva da ré, determinando-se à mesma que contrate – para o
Centro Médico Rodolfo Fernandes - os médicos necessários para a
realização do atendimento de urgência e emergência com a equipe
completa (1 anestesista, 1 clínico geral, 1 pediatra, 1 cirurgião e 1
ortopedista) prevista na Resolução n. 1451/1995-CFM, e passe a
ofertar o atendimento de urgência e emergência genérico com esses
cinco tipos de médicos, simultaneamente, em regime de plantão
presencial, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil
reais);
Ou : que seja concedida medida liminar antecipatória, inaudita
altera parte ou após oitiva da ré, determinando-se à mesma que
contrate – para o Centro Médico Rodolfo Fernandes - os médicos
necessários para a realização do atendimento de urgência e
emergência em regime de pronto-atendimento, com a equipe
completa (1 pediatra e 1 clínico médico), conforme prevê a Portaria
n. 2224/2002-MS, e passe a ofertar esse atendimento com esses dois
tipos de médicos, simultaneamente, em regime de plantão
presencial, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil
reais)
2. Seja o demandado citado para, querendo, contestar a presente ação, sob
pena de revelia;
3. Seja ao final julgado procedente o pedido, tornando definitiva a decisão
liminar, afim de que seja determinado à Fundação Ana Lima, proprietária do Centro
Médico Rodolfo Fernandes, que contrate os médicos necessários para a realização do
atendimento de urgência e emergência no Centro Médico Rodolfo Fernandes nos
termos da Resolução n.1451/1995-CFM – ou seja, com a equipe completa composta
por cinco tipos de médicos (1 anestesista, 1 clínico geral, 1 pediatra, 1 cirurgião e 1
ortopedista), em regime de plantão presencial ininterrupto, sob pena de multa diária
no valor de R$ 1.000,00 (mil reais);
Ou: que seja ao final julgado procedente o pedido, tornando definitiva a
decisão liminar, afim de que seja determinado à Fundação Ana Lima, proprietária do
Centro Médico Rodolfo Fernandes, que contrate os médicos necessários para a
realização do atendimento de urgência e emergência no Centro Médico Rodolfo
Fernandes nos termos da Portaria n. 2224/2002-MS – ou seja, com a equipe completa
composta por dois tipos de médicos (1 pediatra e 1 clínico médico), em regime de
plantão presencial ininterrupto, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00
(mil reais);
5. Seja a Fundação Ana Lima condenada a pagar indenização pelo dano
moral difuso causado, no valor de R$450.000,00, acrescida de juros legais e correção
monetária a partir do trânsito em julgado, indenização esta a ser revertida para o
Fundo Municipal de Direitos Difusos criado pela Lei Municipal nº 2.190/2006 (conta
nº 91-9, agência nº 05-60, operação 006, Caixa Econômica Federal);
6. Seja deferido ao autor o direito de utilizar todos os meios de prova
previstos na legislação e necessárias à comprovação de suas alegações;
7. Seja determinada a inversão do ônus da prova, com base no artigo 6º,
VIII, do Código de Defesa do Consumidor, diante da explícita vulnerabilidade dos
consumidores prejudicados – que, numa cidade com tão poucos hospitais, receiam
até mesmo firmar representação contra o réu – e das provas documentais ínsitas no
PPIC n. 17/2009-2ª.PJM, que não deixam dúvidas sobre a verossimilhança das
alegações que formulamos nesta exordial.
8. Seja a ré condenada ao pagamento de custas e demais despesas
processuais.
Atribuindo à causa o valor de R$450.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais),
N. Termos.
P. Deferimento.
Mossoró (RN), 11 de novembro de 2010.
Ana Araújo Ximenes Teixeira Mendes
Promotora de Justiça