Post on 30-Oct-2015
1A Engenharia
em Gois
CONFEAConselho Federal de Engenharia
e Agronomia
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3Goinia, 2013
4Fotos da capa:
Centro de Goinia Fonte: Arquivo Crea-GO
Usina Corumb IVFonte: Corumb Concesses
Barragem do Joo LeiteFonte: Saneago
Estdio Serra DouradaFonte: Agel
Minerao de AmiantoFonte: Gabinete de Gesto da Minerao
Ponte Afonso PenaFonte: Prefeitura de Itumbiara
5APRESENTAO
Quando os portugueses vieram para o interior do Brasil, trouxeram com eles os
engenheiros para traar os caminhos, construir fortificaes e depois prdios pblicos.
Foram as primeiras participaes de uma categoria que estaria presente em todas as
etapas do desenvolvimento do Estado.
A Histria de Gois marcada por duas decises polticas marcantes: a cons-
truo de Goinia e de Braslia. A participao da engenharia foi decisiva em ambas,
permitindo a execuo de projetos que teriam ampla repercusso no futuro do Estado e
do Pas. Para viabilizar a mudana da sua capital, Gois teve que criar a infraestrutura
que ainda no existia e deu grande contribuio anos depois, na construo de Bras-
lia. O primeiro engenheiro de Braslia, Joffre Mozart Parada, que demarcou o traado
do Plano Piloto, era goiano de Vianpolis e Bernardo Sayo, smbolo do arrojo e do
ritmo alucinante da construo, era vice-governador de Gois. A maior parte do mate-
rial de construo foi transportada atravs dos terminais ferrovirios de Anpolis e de
Vianpolis.
Registramos tambm a participao decisiva do Clube de Engenharia de Gois
em momentos importantes como a iniciativa de fundar uma Escola de Engenharia e a
criao do Crea-GO.
A minerao, importante na origem de Gois, retornou na era moderna dissemina-
da por todo o Estado, com alto nvel tcnico e explorando uma grande diversidade de
minrios com resultados interessantes para a economia que incluem alguns elementos
qumicos estratgicos para a fabricao de equipamentos eletrnicos de alta tecnolo-
gia.
A engenharia est presente no dia-a-dia de todas as pessoas e o Crea-GO preten-
de, com este trabalho, mostrar um pouco do que os engenheiros vieram fazendo desde
a colonizao de Gois.
Eng. Civil Gerson de Almeida Taguatinga
Presidente do Crea-GO
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71. Capitania e Provncia
2. Transportes
2.1 Navegao do Araguaia / Estrada de Ferro Tocantins
2.2 Estrada de Ferro Gois
2.3 Malha Rodoviria
3. Construo de Goinia
4. Escola de Engenharia
5. Clube de Engenharia de Gois
6. Crea-GO
7. Gois na Construo de Braslia
8. Energia Eltrica
9. Outras Obras
10. Minerao
11. Anexos
11.1 Relatrio Armando Godi
11.2 Relatrio Atlio Corra Lima
11.3 Contrato Coimbra Bueno para a Construo de Edifcios
11.4 Contrato Coimbra Bueno para a Direo Geral das Obras
11.5 Relatrio Eurico Vianna sobre Fornecimento de gua
11.6 Relatrio Coimbra Bueno sobre o Andamento das Obras
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A ENGENHARIA EM GOIS
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9Batalho, o coletivo dos primeiros engenheiros brasileiros
O termo engenheiro passou a ser usado na lngua portuguesa por volta do scu-
lo 17 para denominar os profissionais habilitados para a construo de fortificaes
e armamento blico. Muitos dos engenheiros militares enviados de Portugal para o
Brasil no perodo colonial eram designados por termos como engenheiro-arquiteto ou
arquiteto-mor. Os engenheiros militares eram chamados, dentro do exrcito, de oficiais
de engenheiros, pois tinham sob seu comando diversos homens responsveis pela
execuo das construes e engenhos; ou seja, os soldados que exerciam a funo de
pedreiros eram indistintamente denominados como engenheiros.
Os batalhes de engenheiros do exrcito portugus passaram a existir somente a
partir de 1763, durante o reinado de D. Jos I, sob a gesto do Marqus de Pombal,
responsvel por promover uma srie de mudanas administrativas em Portugal e nas
colnias, tornando a explorao dos territrios coloniais mais eficiente. A utilizao dos
batalhes de engenharia, promovendo uma empresa colonial racionalizada e planejada,
foi uma das medidas tomadas nesse contexto. Mesmo aps a independncia estes ba-
talhes permaneceram ativos. As mudanas na estrutura e na forma de funcionamento
dos batalhes comearam a partir do incio do sculo 20, com a profissionalizao do
exrcito nacional j que durante um longo perodo ele se manteve como uma guarda
nacional. Somente no sculo 20 o corpo tcnico militar seria novamente requisitado
pela Histria de Gois como protagonista, na construo da ferrovia ligando Braslia
malha ferroviria nacional.
Conhecer, mapear, construir e proteger o novo territrio compunham a misso dos
batalhes de engenheiros militares. Essas eram as atividades exercidas pelos destaca-
mentos portugueses que chegavam s terras brasileiras.
No que se refere construo, havia tambm outros responsveis pela execuo
das edificaes que no eram engenheiros, conhecidos como mestres pedreiros ou,
ainda, mestres de risco, chamados construtores, profissionais do ofcio de construir.
No existia a figura do arquiteto, que s surgiria no final do sculo 19.
CAPTULO 1 - Capitania e Provncia
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Em Gois, estes batalhes marcharam serto adentro, fizeram estradas, construram
fortes, pontes, igrejas, prdios, elaboraram mapas e relatrios, registrando para sempre
seu olhar e sua percepo sobre a realidade da poca. Foram os primeiros tcnicos que
estiveram em Gois. Deixaram como herana para a engenharia contempornea a cora-
gem, a determinao e a persistncia no grande empreendimento do senhorio sobre a
paisagem dos sertes no corao do Brasil.
Sculo 18 De entradas e bandeiras aos presdios: a ati-vidade da engenharia na conquista do serto dos goyazes.
O sentido da evoluo da engenharia em Gois durante o sculo 18.
A engenharia em Gois esteve presente desde o incio da construo da histria da
capitania, no sculo 17. Da aventura das primeiras expedies dos militares enviadas pela
Coroa Lusa s regies dos chapades, at as construes, a conquista do cerrado brasi-
leiro teve a participao importante da engenharia que veio das terras alm-mar.
O engenheiro Militar era um funcionrio do governo, subordinado ao Conselho Ul-
tramarino. Participava das misses oficiais de responsabilidade do exrcito portugus e
tambm de empreendimentos privados, como as bandeiras. Com a engenharia Militar
portuguesa, vieram para o Brasil os primeiros conhecimentos tcnicos em cartografia,
geologia e construes.
Durante o estabelecimento da economia de extrao de ouro e pedras preciosas, a en-
genharia e suas obras contriburam estrategicamente para a formao do territrio goiano
e suas fronteiras atravs da produo de mapas e para a integrao das regies das minas
atravs das estradas, sendo a mais importante a Estrada Real. Houve tambm construes
dos mais diversos tipos nos povoados e arraiais. Todos estes elementos contriburam para
a criao da identidade, da cultura e da economia em Gois.
A engenharia era uma atividade exercida por oficiais que participavam da estruturao
do Plano de Colonizao da Coroa Portuguesa. At a metade do sculo 19, em 1852, com
a contratao do engenheiro Civil Ernesto Valle, os engenheiros militares atuaram ampla-
mente em tudo que dizia respeito s construes oficiais: estradas, pontes e edificaes, e
tambm na produo cartogrfica.
A linha mestra que ligava os eventos histricos dos sculos anteriores chegada da
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Os lugares assinalados em vermelho so Paracatu, Vila Boa, Cuiab e Vila BelaFonte: www.ibsweb.com.br
Coroa Portuguesa em terras brasileiras, sendo o principal desses eventos a navegao,
imps engenharia um carter desbravador, leal a um plano maior da metrpole lusitana
nos novos territrios. A colonizao foi um processo amplo que ocorreu no sculo 16,
culminando na integrao de mundos diferentes, integrao na qual a engenharia seria um
dos elos.
Naval e blica, a engenharia portuguesa chegou s terras brasileiras com a misso de
reconhecer, legitimar e proteger o novo territrio portugus. Ela se estruturou e evoluiu
em sintonia com acontecimentos que mudaram o sentido da histria de Portugal no final
do sculo 16. O pas avanou suas fronteiras europeias e se lanou ao mar. Tornar-se uma
potncia martima exigiu investimentos intensos no desenvolvimento das cincias, fazen-
do com que estas dessem um salto tecnolgico, num surto de progresso.
A necessidade de conhecimentos tcnicos fomentou a fundao de centros de es-
tudos para a formao em engenharia. O Colgio de Santo Anto, dos padres jesutas,
a partir do sculo 16 foi uma dessas instituies. A escola tinha o ensino fundamentado
no aprendizado de diversos conhecimentos, entre os quais se destacavam a geometria, a
cartografia, a cincia dos materiais, o estudo das estruturas, da hidrulica, da hidrologia e
da geologia, alm de matemtica, astronomia e qumica, aplicadas construo de fortifi-
caes, vias e produo de mapas.
Nesta escola foi instalado, em 1739, um dos melhores observatrios astronmicos
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da Europa, que contribuiu para o ensino e formao dos engenheiros com o que havia de
melhor em termos de tecnologia na poca.
Aliado s estratgias militares, este conhecimento tcnico fazia com que o corpo de
engenheiros militares mantido por Portugal tivesse destacamentos eficientes, compostos
por formaes que variavam entre 25 e 40 homens, constitudos por praas (soldados e
cabos, militares sem patente e que no eram engenheiros) e oficiais engenheiros.
Esses profissionais foram os responsveis por tarefas como a produo de mapas,
construo de fortificaes (obras de defesa no litoral e no interior do territrio), pontes,
estradas e aquedutos, fornecendo a infraestrutura que tornou possvel o sucesso do em-
preendimento portugus no Brasil. Em Gois, destacou-se a cartografia, de cujo servio
tcnico dependia o povoamento e o estabelecimento da colnia e suas fronteiras no sculo
18.
O governo necessitava dispor de informaes precisas e confiveis. Dados sobre o
relevo e a vegetao, a distncia entre as cidades, formaes geolgicas, gua potvel,
locais adequados para a construo de edificaes, postos de controle e instalaes mi-
litares; de todos esses elementos dependia o sucesso do empreendimento portugus. A
produo dessas informaes era uma das misses designadas ao exrcito portugus, que
destacava engenheiros militares para a execuo da tarefa.
medida que o Estado Portugus entendia que ocupar somente o litoral no bastava
ao Plano Colonial, comeava a epopeia de desbravamento dos sertes. Determinada a am-
pliar seu domnio sobre o territrio, descobrir novas riquezas e legitimar sua posse sobre
a colnia, a metrpole mandou seus destacamentos se embrenharem matas adentro. Par-
tiram da capital da colnia os pioneiros nos territrios bravios. Do olhar dos engenheiros
seriam conhecidas as primeiras paisagens do corao do Brasil.
Os mapas militares: as bandeiras no caminho do ouro de GoisAs bandeiras se aproveitavam dos mapas produzidos pelas expedies militares que
as antecederam para a execuo de seus empreendimentos privados, que acabavam ga-
rantindo a realizao dos objetivos centrais de Portugal em seus esforos coloniais duran-
te o sculo 18. Assim, suas viagens garantiram, a um s tempo, a legtima posse da coroa
portuguesa sobre o serto brasileiro e a explorao, com sucesso, dos recursos naturais
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dessa regio.
As expedies dos bandeirantes custavam caro, pois contavam com muitos homens,
escravos, mantimentos, alguns animais de carga e, obviamente, enormes riscos. Os recur-
sos para que fossem empreendidas as viagens eram levantados mais ou menos da mesma
forma como os das sociedades por aes. Assim, diversos investidores contribuam com
algum valor, recebendo os lucros (caso houvessem) de forma proporcional quantia ini-
cialmente investida.
Nesses empreendimentos que pisaram em solo goiano vieram engenheiros militares.
O primeiro registro de 1722: a participao do oficial e engenheiro Militar Manuel de
Barros na bandeira liderada por Bartolomeu Bueno da Silva Filho. Sua presena teve gran-
de influncia no andamento da expedio e na posterior identificao dos veios de ouro.
Os conhecimentos tcnicos do engenheiro Barros indicaram o norte da expedio do
Anhanguera filho possibilitando, a partir das informaes contidas nos mapas advindos
do ofcio da engenharia, o reconhecimento de padres geolgicos que levaram Bartolomeu
Bueno e seus scios at as margens do Rio Vermelho. L, convicto de ter encontrado uma
mina de ouro produtiva, Bartolomeu fundou as povoaes de SantAnna (que mais tarde
se tornaria a cidade de Gois), Ferreiro, Barra e Ouro Fino.
A estrada dourada dos sertesA economia de explorao do ouro foi requisito fundamental para a ocupao do pla-
nalto central. Todo o processo de explorao do ouro requereu infraestrutura das estradas
para que a riqueza chegasse ao destino final, que era a metrpole.
As Estradas Reais tambm foram estratgicas para assegurar a fixao da populao
na regio das minas do centro-oeste da colnia durante todo o sculo 18 e incio do sculo
19. Eram obras ligadas ao centro do governo da Coroa Portuguesa no litoral, inicialmente
em Salvador e depois no Rio de Janeiro.
A participao da engenharia Militar portuguesa na economia da minerao dos ser-
tes dos goyazes teve na Estrada Colonial, cuja execuo foi de total responsabilidade do
exrcito lusitano, um marco primeiro da interveno tcnica na cadeia produtiva do ouro.
O propsito desta obra era estabelecer e oficializar o trajeto do ouro entre os povoados, por
onde toda a produo deveria ser escoada. O projeto contemplava a diminuio dos riscos
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de roubos, uma vez que a Estrada Colonial era toda patrulhada, e o que fosse transportado
fora dela poderia ser caracterizado como contrabando.
A Estrada Colonial ou Estrada Geral do Serto foi aberta em 1736, por ordem do rei
de Portugal. Seu traado percorria 3.000 quilmetros pelos chapades (regio que vai de
Mato Grosso, passando por Gois, ao Oeste da Bahia). Seu incio, no extremo oeste do
Pas, ficava s margens do Rio Guapor, onde mais tarde, em 1752, foi fundada Vila Bela
da Santssima Trindade, e o final no Oceano Atlntico, em Salvador, Bahia.
Em Gois, o trajeto passava pelas povoaes mais estabelecidas: Vila Boa, Meia
Ponte, Santa Cruz, Pilar e Cavalcante. Mais tarde foram includas tambm Santa Luzia
(Luzinia), Traras, Arraias e Natividade, atravessando todo o planalto central (onde hoje
est localizada Braslia). Alm do ouro, a Estrada Geral era o meio utilizado pelas comu-
nicaes oficiais, trnsito de mantimentos e gneros fundamentais, e viagens at a capital
da colnia poca, Salvador.
Essa estrada vinha de Vila Bela, na divisa com a Bolvia e passava por Cuiab e Vila
Boa. Pirenpolis (Meia Ponte) era o centro de convergncia das estradas que iam para
o Norte (Cavalcante, Arraias, Natividade); para a Bahia, atravs de Formoso, em Minas,
passando por Planaltina e Formosa; para o Rio de Janeiro, passando por Luzinia e Para-
catu; e para So Paulo, passando por Silvnia, Santa Cruz e Catalo. O mapa mostra que a
situao muito semelhante das rodovias radiais que convergem para Braslia.
De 1726 a 1752, perodo do incio da minerao, ainda no haviam sido estabeleci-
das as fronteiras das capitanias. As primeiras referncias cartogrficas sobre o territrio
goiano s comearam a ser elaboradas em meados de 1750, no governo de dom Marcos
de Noronha, o conde dos Arcos. Tudo era a imensido dos sertes, regidos pela capitania
de So Paulo. A estrada foi a primeira estrutura oficial do governo luso que deu a esta
regio a condio de pertena Coroa Portuguesa. Os conhecimentos tcnicos aplicados
pela engenharia Militar do sculo 18 a faziam completamente distinta dos caminhos aber-
tos pelo mato, das picadas e atalhos na mata.
Foram observados nesta obra cuidados com a drenagem, o encabeamento de pon-
tes, a construo de cortes e arrimos, o assentamento de pedras. Estes procedimentos da
engenharia a caracterizavam como um feito tcnico e aumentavam o tempo til das condi-
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es de trafegabilidade, alm da
segurana.
O historiador Paulo Bertran
(2000), ao estudar a ocupao
dos cerrados brasileiros, ressal-
tou a importncia das estradas
coloniais em Gois, e como,
coincidentemente, elas iriam se
encontrar na regio do quadril-
tero de Cruls, local que viria a
ser escolhido para a capital fe-
deral moderna, Braslia.
Como que prenunciando
o futuro, entroncavam-se no
Distrito Federal, h dois sculos
e meio, duas das mais impor-
tantes estradas da histria da
colonizao brasileira, autnti-
cas vigas mestras soldando por
dentro a unio do pas, e curio-
samente ligando Braslia as ca-
pitais que a antecederam: Salvador e Rio de Janeiro. (BERTRAN, 2000,p.139)
Pelos caminhos do ouro, viajantes, aventureiros, comerciantes e oficiais puderam
contemplar as paisagens do serto. Por esta obra de engenharia, caminharam ideias, ri-
quezas, notcias. Foi o incio da integrao de Gois ao territrio do Brasil Colnia.
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De madeira, adobe e taipa de pilo: a construo da capitania do serto
Depois da descoberta das riquezas minerais, houve migrao intensa para os sertes
dos chapades e ocupao das terras dos goyazes, medida que se ia penetrando em
direo ao Tocantins.
Inmeros povoados surgiram entre 1727 e 1740. Nesses locais, a comunidade se es-
truturou para a sobrevivncia durante a explorao do ouro. Foram desenvolvidas ativida-
des como agricultura rudimentar, criao de animais domsticos e manufaturas de objetos
essenciais, tais como ferramentas e utenslios domsticos, alm da estrutura religiosa que
acompanhou a colonizao brasileira.
Nesse perodo a paisagem foi modificada rapidamente, com a formao dos primeiros
aglomerados urbanos. A necessidade de se construir casas para abrigar a nova sociedade
que ia se estabelecendo nas regies das minas fez surgir intensamente conhecimentos
construtivos que tornassem possvel edificar com rapidez, atendendo s condies dos
terrenos e aproveitando os materiais disponveis.
Entre 1727 e 1732 surgiram diversos arraiais, alm de Santanna (posteriormente
Vila Boa de Gois), em consequncia das exploraes aurferas ou da localizao na rota
de Minas para Gois. Nas proximidades de Santanna surgiram os arraiais de Anta e Ouro
Fino; mais para o norte, Santa Rita, Guarinos e gua Quente. Na poro sudeste, Nossa
Senhora do Rosrio da Meia Ponte (atual Pirenpolis) e Santa Cruz.
Outras povoaes surgidas na primeira metade do sculo 18 foram: Jaragu, Corum-
b e o Arraial dos Couros (atual Formosa), na rota de ligaes de Santanna e Pirenpolis a
Minas Gerais. Ao longo dos caminhos que demandavam a Bahia, mais ao norte, na bacia
do Tocantins, localizaram-se diversos ncleos populacionais, como So Jos do Tocan-
tins (Niquelndia), Traras, Cachoeira, Flores, So Flix, Arraias, Natividade, Chapada e
Muqum.
Na dcada de 1740 a poro mais povoada de Gois era o Sul, mas a expanso rumo
ao setentrio prosseguia, com a implantao dos arraiais do Carmo, Conceio, So Do-
mingos, So Jos do Duro, Amaro Leite, Cavalcante, Palma (Paran) e Pilar de Gois.(O Dossi de Gois,1996)
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No sculo 18, em Gois, nos primeiros ncleos urbanos podiam-se identificar os
seguintes tipos de edificao: construes militares, igrejas e os Prprios Nacionais, (edi-
fcios destinados ao poder pblico), alm das residncias e comrcios.
No incio do processo de ocupao do territrio goiano, as construes dos povoados
usavam tcnicas idnticas ao mtodo primitivo dos indgenas: casas de pau a pique ou de
taipa, cobertas de palha, usando os materiais disponveis no local. Depois das primeiras
dcadas do sculo 18, com a intensificao da minerao, comearam a surgir nos centros
urbanos novos tipos de construo, mais elaborados e confortveis do que as choupanas
construdas inicialmente.
A taipa de pilo era o principal mtodo construtivo conhecido pelos bandeirantes e
engenheiros militares portugueses. Segundo Neiva (2007), com o aumento da ocupao
do territrio em Gois, no sculo 18, houve a necessidade de adaptao das tcnicas de
construo aos elementos da regio, de modo a atender as exigncias das condies
Planta e sistema construtivo de casa tpica de Vila Boa Bico de pena de Hlder Rocha Lima Fonte: LIMA, Helder Rocha Guia Afetivo da Cidade de Gois. Braslia: IPHAN, 2008
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locais. Surgiu, portanto, uma arquitetura herdeira das caractersticas das construes por-
tuguesas, mas com elementos brasileiros.
Inmeros construtores foram os responsveis pelas obras. A atuao dos profissio-
nais era pertinente demanda de servios e regida por contratos de mo de obra. Eram
artesos, mestres de ofcio, pedreiros e engenheiros militares, sendo estes os nicos a ter
os conhecimentos tcnicos necessrios para o planejamento e a construo.
Este detalhe acabou por influenciar a arquitetura das edificaes, que tiveram seus
desenhos muito prximos aos das construes militares de ento: fortes e quartis. Nas
plantas das residncias possvel perceber o recorte de quartel, onde se tem um conjunto
de alcovas separadas por um corredor, ou sala praa, que vai da entrada ao final da casa.
A cozinha e o depsito eram um anexo, parte da planta principal. A adaptao deste
projeto acrescentou as varandas ou alpendres como rea social da famlia. A impregnao
das tcnicas militares deu arquitetura das construes coloniais um discreto carter de
padronizao, que pode ser observado nas igrejas do sculo 18, cujo p direito era alto,
com um campanrio, que servia tambm como observatrio de segurana. A arquitetura
de fortes ainda permanecia na construo civil.
As construes residenciais e comerciais do sculo 18 eram comumente executadas
com fundaes de pedra, sobre as quais se erguia uma estrutura de madeira, chamada de
gaiola. As paredes eram de meia-vez, de alvenaria de taipa ou adobe, com revestimento de
argamassa de cal. A cobertura era de telhas de argila cozida, o que conferia s construes
certo conforto trmico. Nos pisos das edificaes, que no incio eram de cho batido, j
na metade do sculo 18 comearam a ser usadas tbuas de madeira-de-lei. Outro material
utilizado para piso foi o lajeado ou tijoleira, empregado largamente em construes reli-
giosas.
Alm das construes para abrigar a populao, e dos quartis e fortes para acomo-
dar a segurana da colnia, foram edificados os prdios oficiais, chamados de Prprios
Nacionais, que sediariam o poder pblico estabelecido na Capitania de Gois. Eram cons-
trues austeras e simples, que legitimaram a identidade do governo dentro da unidade
territorial da colnia portuguesa. Nelas o poder habitou at a mudana da capital no sculo
20.
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Os Prprios Nacionais: O Governo da Capitania em casa
O termo Prprio Nacional empregado pela Fazenda Nacional no sculo 19 para
identificar os prdios pblicos onde funcionavam as atividades referentes ao Governo, na
antiga Vila Boa. Em 13 de junho de 1890, Jos Joaquim de Souza, representante da Fazen-
da Nacional, solicitou ao Juiz de Direito dos Feitos da Fazenda Nacional a contratao de
dois engenheiros civis, Pedro Dias Paes e Joo Jos de Campos Curado, para fazer uma
avaliao dos prdios pblicos, alguns dos quais - justamente os que abrigaram a estrutu-
ra de governo colonial e imperial sobre Gois - j tinham mais de 100 anos de construo.
Os Prprios Nacionais eram os seguintes edifcios, listados nesse documento:
- O Palcio do Governo;
- O Quartel do 20;
- A Casa da Fundio;
- A Casa de Intendncia;
- O Depsito de Artigos Blicos;
- O Lyceu;
- O Quartel dos Aprendizes Artfices;
- O Seminrio Episcopal;
- A Tesouraria da Fazenda.
Destes, foram construdos no sculo 18 o Palcio do Governo, o Quartel do 20, a
Casa de Fundio e a Casa da Intendncia. O nico prdio oficial que est fora dessa lista
a Casa de Cmara e Cadeia, que tambm um Prprio Nacional. A histria da construo
destes prdios, em especial, confunde-se com a criao da Capitania de Gois e com o
estabelecimento do governo em Vila Boa.
Nesse documento, pode-se tambm resgatar a descrio das construes onde fun-
cionaram o governo da Capitania e o governo da Provncia. O relatrio descreve as estru-
turas e, no final, apresenta o parecer dos engenheiros sobre as condies das edificaes
e o valor de cada imvel em contos de ris. Era preciso avaliar se, em prdios to velhos,
caberiam as jovens aspiraes da Primeira Repblica.
A criao da Capitania de Gois e a escolha de Vila Boa como sua capital data de
1748, quando dom Marcos de Noronha, Conde dos Arcos, designado como seu primeiro
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governador. A implantao do governo autnomo exigiu a instalao de diversos servios
destinados administrao, fiscalizao e proteo dos negcios da coroa portuguesa.
Entretanto, em concorrncia com a fora da mo de obra ocupada nas minas, o governador
obrigado a adquirir imveis de terceiros e adapt-los aos fins requeridos.
As fachadas das edificaes oficiais so sbrias, com linhas retas e simples. O ma-
terial empregado nas construes no difere do que foi usado largamente no sculo 18: a
alvenaria de taipa de pilo ou adobe com estrutura de madeira de lei, em gaiola.
O primeiro deles foi o quartel do XX Destacamento Militar, em 1748. Em 20 de dezem-
bro, dom Marcos atendeu ao requerimento do capito da Companhia de Drages de Gois,
Antnio de S Pereira, que havia solicitado o pagamento dos aluguis das casas que ser-
viam como instalaes militares provisrias. O comandante aproveitou para indagar sobre
a possibilidade da aquisio das mesmas, a fim de que fossem feitas as adaptaes para
torn-las adequadas s demandas militares. Depois deste fato, mediante a possibilidade
de construo, as casas foram compradas e demolidas, e em seu lugar foi edificado o
prdio do quartel.
Esta obra foi o primeiro prdio oficial da Capitania. Suas caractersticas construtivas
remetem s tcnicas de construo dos fortes do sculo 18: fundao de base larga, em
pedra de mo, com dimetros variando entre 50 e 80 cm, paredes externas em taipa de
pilo, paredes internas em tijolos de adobe assentados em argamassa de cal. Tesouras da
cobertura em madeiras-de-lei, jatob e ip, precisamente posicionadas para dar estabili-
dade ao telhado. A cobertura era de telhas de cermica cozidas em forno, que possibilita-
vam o conforto trmico nas edificaes.
Assim como o quartel foi uma obra de reforma de muitas casas, tambm a edificao
do Palcio do Governo, ou Casa do Governador, e a da Casa de Fundio foram resultado
da aquisio e reforma de imveis residenciais.
A promulgao da lei real das Casas de Fundio (dezembro de 1750) substituindo
a capitao, antigo sistema de coleta do quinto, obrigou o governador a providenciar a
rpida instalao da Casa da Fundio de Ouro em Gois.
Dom Marcos de Noronha, governador da Capitania, quando chegou a Vila Boa, em
1748, alugou uma casa de Domingos Lopes Fogaa. Esta casa, mais quatro que estavam
conjugadas (uma ao lado da outra), foram objeto de uma importante negociao para o
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estabelecimento de dois prdios que se tornariam dois Prprios Nacionais: o Palcio do
Governo e a Casa de Fundio de Vila Boa.
A compra destas casas foi um processo minucioso, que se iniciou em vinte de julho
de 1751. Para que se efetivasse a compra pela Fazenda Real foi providenciada uma avalia-
o dos imveis, realizada pelos mestres carpinteiros (tambm conhecidos como mestres
de ofcio) Manoel de Souza, Manoel Fernandes Lima, Matheus da Sylva, Geraldo Fernan-
des de Oliveira e Antnio Matheus.
Um detalhe importante deste procedimento oficial o juramento sobre os Santos
Evangelhos. A necessidade reflete a condio de no tcnicos, e para remediar a situao
e tornar fidedigna a informao gerada pelos leigos, este juramento d um carter de
credibilidade avaliao que ir abalizar o negcio da Fazenda Real. Por este trabalho os
mestres de carpinteiros receberam a quantia de seis mil e oitocentas e trinta e duas oitavas
de ouro, e vinte e quatro gros; uma pequena fortuna poca, como se pode observar no
trecho transcrito da comunicao oficial do Conde dos Arcos.
Termo de declarao e avaliao do que se contem no termo antecedente
Aos vinte dias do ms de Julho do anno de mil e settecentos e sincoenta e hum nes-
tas cazas da Real Intendencia de Villa Boa de Goyz donde se achava o Illmo. e Exm Snr.
Conde dos Arcos Governador e Capito General desta Capitania e o Doutor Agostinho
Luis Ribeyro Vieyra do Dezembargo de Sua Magestade Seo Ouvidor Geral e Corregedor
desta Comarca que Serve de Intendente do Ouro, e Provedor da Real Fazenda, e os mais
officiais da Intendencia, e Provedoria, Comigo Escrivo della, e sendo ahy apparecero
prezentes, Manoel de Souza [...], Manoel Fernandes Lima, e Matheus da Sylva, Geraldo
Fernandes de Oliveira, Antonio Matheus, Mestres, Carpinteyros, de obras, e por elles foi
ditto que havendo ido tres medir, e avaliar as sinco moradas de Cazas de que se trata no
termo antecedente, e os acrescimos, e concertos que de novo nas mesmas se precizo
fazer para servirem para a fabrica da Fundio, e nas mesmas poder abitar o Illmo. e Exm
Snr. Conde dos Arcos, Como Governador, e Capito General destas minas, feita a Conta
pello [...], tudo avaliaro em seis mil oitocentos, e trinta e duas oitavas de Ouro, e Vinte e
quatro graons; em cuja quantia com effeyto fario a ditta avaliao: e que assim declararo
22
A antiga Casa da Cmara e Cadeia hoje o Museu das BandeirasFonte: Fernando Estankuns in caliandra do cerradogo.blogspot.com.br
debaixo de juramento que recebido tinho para effeyto de fazerem a ditta avaliao: do que
tudo fiz este termo em que com o ditto Illmo. e Exm Snr. Conde dos Arcos Governador, e
Capito General desta Capitania, e Sobreditto Minystro, e mais officiais desta Intendencia
assignaro e eu Francisco Angelo Xavier de Aguirre Escrivo da Real Intendencia que o
escrevi.
Mas, sem dvida o prdio mais importante e imponente da Capitania foi a Casa de
Cmara e Cadeia de Vila Boa. Solicitada ao rei Dom Joo V em 1746, esta edificao foi
realizada durante o governo de Joo Manoel de Mello.
Em 1765, demoliu-se o prdio da antiga priso. Os alicerces foram preservados. Todo
o projeto da nova cadeia foi pensado para se resolver, de maneira eficiente, questes rela-
tivas segurana, acomodao dos presos e agilidade nos julgamentos. Sua construo
foi em taipa com madeiramento em aroeira, inclusive para a escada de acesso ao piso
superior; cobertura em telha cozida, paredes com largura de 1,10 metros e p direito de
3,5 metros.
Para a Coroa era imprescindvel uma nova estrutura, prova de fugas, o que restitua
sociedade a imagem de um poder real austero e justo, no qual se cumpria o que se es-
tabelecia em lei.
23
Uma das estratgias do projeto, que denota a particularidade da obra e que remete
a essa necessidade da Coroa, a posio dos crceres (embaixo, no primeiro piso) com
acesso pelo andar de cima atravs de um calabouo, pelo qual se descia por meio de uma
escada mvel, que ficava fixada ao teto, com uma articulao que permita moviment-la
para se adentrar o piso inferior e depois suspend-la novamente. O p direito da enxovia
foi executado com aproximadamente quatro metros o que tornava o acesso ao alapo
impossvel para quem estava preso.
O estado de desordem era to grave que, durante as obras, criminosos considerados
autores de crimes graves foram mantidos em casas alugadas at que ficasse pronto o pri-
meiro cmodo da Casa, a casa forte ou enxovia, destinada ao confinamento destes presos.
A Casa da Cmara e Cadeia obedecia funo social desse tipo de obra e s carac-
tersticas comuns neste tipo de projeto: piso trreo destinado s celas e o funcionamento
do judicirio no andar superior. No Plano Baxo, esto localizadas a entrada do edifcio e,
esquerda, uma escada de aroeira com espelhos de 20cm, que d acesso ao segundo
pavimento. Ainda no primeiro pavimento, tem-se duas entradas: direita a Cadea das
Mulheres, mais ao fundo duas celas especiais: a do carcereiro e a Prizao Particullar, ambas
para presos com delitos leves, sendo a do carcereiro usada na maior parte do tempo como
alcova do funcionrio da Cadeia.
No pavimento superior, o Plano Alto, esto projetadas as salas de audincia. Havia
neste andar tambm a previso para uma cela temporria onde os presos aguardariam
julgamento, a Salla Livre, onde os presos de qualificao ficavam, e a cela para mulheres.
Havia tambm a Salla de Entrada e a Salla de Espera. E ainda o Oratrio, ao qual se enca-
minhavam os condenados forca para que tivessem seus ltimos momentos amparados
pelo conforto religioso.
O prdio foi concludo em 18 de julho de 1766, conforme comunicao oficial do
Ouvidor Geral de Gois, o desembargador Antnio Jos de Arajo.
O governador de Gois, Joo Manoel de Mello, pretendia a todo custo restabelecer
a ordem na capitania em meio retomada da minerao e a consolidao dos ncleos
urbanos. Fez uma reforma importante nos destacamentos militares, suspendendo postos
e patentes e criando um novo regimento de cavalaria auxiliar. Estas medidas, mais a cons-
truo do prdio novo da cadeia, estavam subscritas no projeto reformista das colnias
24
portuguesas empreendido pelo marqus de Pombal, que entendia a necessidade da ex-
tenso territorial e o fortalecimento das estruturas administrativas, judicial e militar, com o
propsito de se garantir o poder absoluto da monarquia.
As fontes, os tubos de pedra sabo e a sede de Vila Boa
Encravada em meio Serra Dourada, Vila Boa pagou um alto preo pela proximidade
das minas de ouro: a contaminao de seus mananciais. O mercrio envenenou no s o
rio Vermelho, mas toda a sua frgil bacia. Como a minerao em todo o territrio era de
ouro de aluvio, toneladas de mercrio foram despejadas nos rios. Foi um flagelo. Matar
a sede era um feito e tanto para o goiano. As guas das cisternas eram salobras ou con-
taminadas por fossas negras. E para agravar ainda mais a situao, uma grande estiagem
castigou a populao com total falta de gua nas dcadas de 1760 e 1770. A soluo para
se resolver a questo da disponibilidade de gua boa para o consumo foi a construo de
fontes urbanas.
Em Vila Boa, a primeira fonte inicialmente foi chamada de Cambaba, e depois teria
o nome de Carioca. Foram eleitas as guas das propriedades de Jos Moreira e Anna da
Costa, que resistiram grande seca de 1772. A Cmara decidiu edificar a fonte no cercado
de Anna da Costa, mandando construir uma fonte pblica, sendo o encarregado da em-
preitada o pedreiro Loureno da Cruz Leal.
Em fevereiro de 1778, foi definida a construo da segunda fonte, chamada de Boa
Morte, localizada no largo da Praa da Casa de Cmara e Cadeia.
A escolha pela construo de fontes que servissem gua potvel populao foi uma
medida de engenharia, adotada ainda no sculo 18, sendo o engenheiro Tomaz de Souza
um dos responsveis pela investigao de possveis fontes, uma vez que o arraial no
dispunha de fartura de gua de boa qualidade. Nos outros arraiais, esta dificuldade se
apresentava de maneira menos grave, e as principais fontes de abastecimento para a popu-
lao eram cisternas e pequenos audes, muitas vezes construdos por mestres de ofcio.
A construo das fontes em Vila Boa requisitou uma srie de solues tcnicas, em
especial para o material das tubulaes. Com um oramento apertado, e uma demanda
emergencial, empregar tubulaes e conexes de cobre (carssimas poca) inviabiliza-
25
riam a obra. A opo foi usar um material abundante na regio: a pedra-sabo. Mas este
material tinha um inconveniente: a baixa resistncia ao aumento da presso, comum na
poca das chuvas. Foram executados inmeros reparos, sendo mantido o material original
at o inicio do sculo 20.
As fontes de abastecimento sofreram numerosas runas e reformas. Estas obras de
reconstruo foram providenciadas medida que o abastecimento ficava comprometido.
Trabalharam nestas obras diversos profissionais: mestres de risco, engenheiros militares,
pedreiros. A contratao do executor destas obras dependia essencialmente da disponibi-
lidade de mo de obra qualificada e dos oramentos para contratao.
A produo cartogrfica Definio dos limites da Capitania
O mapa uma construo social que no neutra, e atravs de seu estudo possvel
descrever o mundo, considerando relaes de poder e prticas culturais, preferncias e
prioridades. (HARLEY, 2001)
Mapas so representaes sociais. E foram elementos importantes na construo da
identidade da capitania de Gois e na legitimao da estrutura de poder. Para compreender
a importncia da contribuio da engenharia para a histria de Gois, necessrio olhar
para o mapa e o que emerge de sua iconografia: uma representao da relao da paisa-
gem com a sociedade.
As representaes do mundo social assim construdas, embora aspirem universa-
lidade de um diagnstico fundado na razo, so sempre determinadas pelos interesses do
grupo que as forja.
(CHARTIER, 2004)
A primeira Carta da Capitania de Goyaz, de 1749, foi elaborada pelo secretrio da
Capitania de So Paulo, Antnio Cardozo. O desenho identificou os caminhos de Vila Boa
26
para os arraiais, para Cuyab, notificou com pontilhados os acessos entre os stios, com
indicao das lguas marcando as distncias. Assim como todos os caminhos levavam a
Roma no imprio antigo, todos os caminhos dos sertes partiam do arraial de Vila Boa.
Esta representao reflete o interesse poltico de um discurso, que oportunamente, ilustrou
o arraial como centro poltico e econmico em detrimento de outros, como Jaragu e, prin-
cipalmente, Meia Ponte. A carta apresentou uma percepo social, uma estratgia e uma
prtica que contriburam para a estruturao do poder da Coroa nas terras dos chapades.
Em 1751, outro mapa apresentado ao governo da Coroa. O cartgrafo Francisco
Tosi Colombina, engenheiro Militar italiano, foi contratado por dom Marcos para elaborar
a carta. Este documento uma compilao do elaborado em 1749, com o acrscimo das
rotas fluviais. Neste mapa, quarenta e nove localidades so apresentadas: vilas, arraiais
com freguesia, arraiais
sem freguesia, stios e Vila
Boa. As apresentaes do
primeiro e segundo planos
da perspectiva remetem
ideia de civilizao que
Dom Marcos empreendia
poca de estruturao da
capitania. Para o projeto
de colnia ser bem suce-
dido, apropriar-se do ter-
ritrio era um paradigma
fundamental. Evidenci-lo
em produes cartogrfi-
cas fortalecia o discurso
de poder que se estabele-
cia na recm-fundada ca-
pitania.
Com Tosi Colom-
bina, a engenharia, cuja
Mapa elaborado por Tosi Colombina em 1751
27
contribuio para a Histria de Gois at ento era essencialmente tcnica, comeou a
atuar tambm na construo da identidade e do territrio goianos.
Em 4 de agosto de 1772, o governador capito-general, Baro de Mossmedes, re-
latou a necessidade de se contratar um engenheiro para uma produo cartogrfica que
estabelecesse os limites da capitania. Segundo Jos de Almeida, o extravio de ouro pelas
fronteiras, as disputas por minas nas regies do Mato Grosso, nas margens do Araguaia,
e com Minas Gerais, nas cabeceiras do Paranaba, davam muitos prejuzos a Gois.
Em 1774 o governador da Capitania de Gois, Jos de Vasconcellos Almeida, redigiu
um ofcio solicitando a contratao de um oficial engenheiro, cujo objetivo seria estudar
os limites da capitania e apresent-los ao governo. Este governador havia tomado posse
em 26 de julho de 1773, com plenos poderes da Coroa para inclusive renegociar e perdoar
as dvidas dos mineiros. A situao estava tensa, e as intrigas e disputas das fronteiras,
intensificadas. Os veios aurferos se exauriram e a capitania mergulhou em um empobreci-
mento veloz. As minas ainda produtivas eram disputadas ferozmente pelos governadores,
e estabelecer limites era uma prioridade para o governo de Gois.
Foi nomeado o engenheiro do Corpo de Engenheiros Auxiliares, o capito Tomaz
de Souza, que mais tarde receberia a patente de Major. Era carioca, com formao na Es-
cola de Oficiais do Rio de Janeiro e em 1774 se encontrava em servio em Cuiab, vindo
em 1776 para Gois. Este oficial engenheiro seria encarregado da cartografia oficial, do
estudo e construo de uma fonte para o abastecimento de gua potvel em Vila Boa e de
outro importante empreendimento, que foi o desvio das guas do Rio Maranho em 1779,
j no governo de Luiz da Cunha.
As mos que desenhavam os mapas eram importantes. Mas era o olhar para a paisa-
gem que iria dar s cartas o carter informativo, e, histria, os rastros da compreenso
do espao, paisagem e sociedade de Gois em tempos de capitania.
Durante um ano, o engenheiro militar percorreu toda a capitania. Fez o que chamou de
Caminho das guas, visitando toda a hidrografia goiana. Em janeiro de 1778, apresen-
tou os mapas produzidos pela expedio militar ao Conselho Ultramarino.
A construo cartogrfica da Carta ou Plano da Capitania de Goyaz de 1778, docu-
mento oficial da Coroa Portuguesa, reunia elementos da paisagem, representava o relevo
e as bacias hidrogrficas, as construes como interveno no territrio e apropriao
28
do espao, as estradas que liga-
vam Gois a Minas, a Cuiab e a
Salvador. Apresentava uma hie-
rarquia para classificar os povo-
amentos conforme sua insero
na economia da minerao: Vila
Boa, arraiais com freguesia, ar-
raiais sem freguesia e as aldeias
(estas por ltimo, representando
onde a sociedade mineira de Goi-
s enxergava o ndio).
Ao inserir a identificao
poltica, os 13 julgados e os ele-
mentos de fronteiras que faziam
emergir Gois como territrio, o
arranjo de todas estas informa-
es indicava a quem remetia: a
Coroa Portuguesa e seu projeto
de colonizao.
por trs de cada cartgrafo
existe um patrono. Logo, o mapa
possui necessidades externas a ele, e se torna uma ferramenta para a manuteno do po-
der governamental, para gerenciar suas fronteiras, comrcio, administrao interna, con-
trole de populaes e fora militar, atravs de um discurso social, ideolgico e retrico.
Nessa concepo, o mapa uma construo social que no neutra, e atravs de seu
estudo possvel descrever o mundo considerando relaes de poder e prticas culturais,
preferncias e prioridades.
(HARLEY, 2001)
O mapa De Tomaz de Souza definiu as fronteiras de Gois, estabelecendo limites iden-
tificados em coordenadas astronmicas, conhecimento tcnico avanado poca. Seu tra-
balho foi to preciso que em 1920, quando houve um questionamento das fronteiras pelo
29
Projeto do Ten. Cel. Eng. Oliveira Lobo de uma Igreja para o Presdio de Leopoldina
governador de Mato Grosso, em uma discusso que foi levada ao Congresso Nacional,
o preciosismo de Tomaz de Souza foi decisivo para a manuteno da fronteira. A modifi-
cao do territrio goiano s ocorreu em 1989, com a criao do estado do Tocantins. O
desenho feito por esse engenheiro prevaleceu oficialmente at o sculo 20.
Os presdios a fortificao militar para a posse das guas do serto
Chamadas de fortificaes tranquilizadoras, essas construes foram implantadas
durante o processo de povoamento em todo o Brasil colnia. Era a unidade da Coroa que
garantia a posse de terra em detrimento de invases estrangeiras que porventura ousas-
sem penetrar pelo Brasil via regio central, atravs da navegao das bacias amaznicas
e goianas.
Estas construes ti-
nham um projeto padro, que
era enviado pela Coroa Portu-
guesa e adaptado pelo corpo
de engenheiros do destaca-
mento militar responsvel pela
construo dos presdios no
Brasil Colnia. Estas unidades
foram adotadas por Sebastio
Jos de Carvalho, o Marqus
de Pombal, a partir de 1750.
Como ocorreu uma
grave invaso espanhola na
colnia de Sacramento, em
1745, a Coroa Portuguesa fi-
cou temerosa em perder as
terras da colnia, da transfor-
mou os presdios como uma
30
estratgia de ocupao e segurana. Em Gois, o primeiro presdio seria o de So Joo
da Barra, cuja construo comeou em 1798 e terminou em 1802. Depois se seguiram a
construo de mais 21 unidades em toda a Capitania, preferencialmente s margens do
Araguaia e do Tocantins. Foram estas fortificaes as principais obras de engenharia da
segunda metade do sculo 19, tendo Ernesto Valle, um engenheiro Civil, como seu prin-
cipal administrador.
31
CAPTULO 2 - Transportes2.1 A Navegao no Araguaia / Estrada de Ferro Tocantins
O Difcil Caminho de Desenvolvimento
A navegao nos rios Araguaia e Tocantins estava interrompida desde 1733 devido
ao contrabando de ouro, mas foi liberada em 1782 e teve grande impulso no sculo 19. O
Governo Imperial incentivou a navegao fluvial como uma maneira de melhorar as trocas
comerciais entre o interior e o litoral atravs de Belm.
A produo de ouro estava em declnio e os dois rios passaram a ser vistos como o
caminho para o desenvolvimento, integrando uma vasta regio do Brasil Central com o
Par e seus portos. No havia estradas e este era um dos grandes entraves ao crescimento
da economia. Os insumos necessrios produo e os produtos para consumo chega-
vam a Gois por um preo muito alto e as mercadorias vendidas pelo Estado no tinham
preo competitivo. Gois no tinha ainda nada para substituir o ouro como base de sua
economia.
Para que fosse possvel essa navegao comercial, no entanto, era necessrio garantir
sua segurana e o governo comeou ento a construir s margens do Araguaia algumas
fortificaes militares a que se dava o nome de Presdios. Esta construo inicial depois
evoluiu para pontos de abastecimento e pernoite, ncleos de aproximao com os indge-
nas, catequese e posteriormente transformaram-se em aldeamentos. Um dos primeiros
a serem construdos, com o nome de Leopoldina para homenagear a Imperatriz, hoje a
cidade de Aruan. Outro que teve funo importantssima no meio do trajeto, Santa Maria,
hoje Araguacema, no Tocantins.
A Capitania nada exportava; o seu comrcio externo era absolutamente passivo, os
gneros da Europa vinham em bestas do Rio de Janeiro, ou Bahia pelo espao de 300
lguas, chegavam carssimos; os negociantes vendiam tudo fiado: da a execues, da a
total runa da Capitania [] (Joaquim Teotnio Segurado Memria Econmica e Poltica
sobre o Comrcio Ativo da Capitania de Gois, 1806, Apud Carvalho (2008).
A navegao foi o caminho procurado para o desenvolvimento de Gois, principal-
32
mente atravs dos negcios com o Par e tambm para negcios com o exterior atravs de
seu porto. Para isto era preciso remover todos os obstculos, melhorar as passagens nas
corredeiras e catequizar os ndios. A implantao de presdios militares era o primeiro pas-
so para viabilizar essa rede de navegao e o governo da Capitania concedeu at iseno
de impostos para as pessoas que se mudassem para as margens dos rios. Estava claro
para o Governo que a navegao era o caminho que traria o desenvolvimento para Gois.
Na segunda metade do sculo 19 houve um grande desenvolvimento da navegao a
vapor no Brasil, cobrindo toda a regio costeira entre o Par e o Rio Grande do Sul. O Mato
Grosso se comunicava com todo o litoral brasileiro atravs do Rio Paraguai e da Bacia do
Prata. O Amazonas tambm articulou, atravs do Madeira e do Negro, suas ligaes com
o restante da Regio Amaznica.
Couto Magalhes foi o grande defensor da navegao do Araguaia, consciente que
essa era a sada para a explorao do grande potencial econmico de Gois e seria o
indutor do seu desenvolvimento. A exportao se desenvolveria a partir da fabricao de
produtos utilizando as riquezas vegetais e minerais de Gois. S faltava o transporte ba-
rato e essa era a sua luta.
Aos 24 anos, Couto Magalhes foi nomeado presidente da Provncia de Gois em
outubro de 1862. No ano seguinte ele fez uma viagem pelo Araguaia, saindo do porto de
Manoel Alves no dia 25 de setembro e voltando no dia 31 de outubro. Ele descreveu esta
viagem no livro Viagem ao Araguaia, publicado pela primeira vez em 1863.
Para ter uma viso mais precisa do trajeto das embarcaes e das providncias tc-
nicas que deveriam ser tomadas para viabilizar a navegao comercial no Araguaia/To-
cantins, no dia 10 de julho de 1863 ele havia designado o diretor geral dos presdios, o
engenheiro Ernesto Vale, para fazer um estudo detalhado do roteiro desde o Ponto do
Travesso, no Rio Vermelho, at Belm, registrando principalmente as dificuldades que
seriam encontradas no perodo da estiagem.
Vale dividiu o trajeto em quinze trechos e o resultado de seu trabalho foi publicado
no Jornal da Provncia de Goyaz no dia 5 de novembro de 1870. O primeiro trecho est no
Rio Vermelho, do segundo ao nono esto no Araguaia e o restante est no Rio Tocantins.
33
Jos Vieira Couto de Magalhes nasceu em Diamantina, Minas Gerais,
no dia primeiro de novembro de 1837 e faleceu no dia 14 de setembro de
1898. Cursou o Seminrio de Mariana e a Faculdade de Direito de So Pau-
lo, formando-se em 1859, e foi um incansvel estudioso dos nossos sertes.
Estudante dedicado e pesquisador de lnguas estrangeiras e indgenas,
foi uma pessoa de grande atividade intelectual. Estudou astronomia, fsica e
mecnica, tendo posteriormente seus instrumentos para experincias cient-
ficas sido doados ao Instituto Politcnico de So Paulo. Fundou o Clube de
Caa e Pesca de So Paulo e organizou a Sociedade Paulista de Imigrao.
Colaborou com muitos jornais, principalmente no Jornal do Comrcio e no
Dirio Popular, tendo tambm pertencido ao Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro. Deixou indita uma gramtica da lngua geral indgena.
Exerceu o cargo de Secretrio do Governo de Minas Gerais entre 1860
e 1861. Envolvido na poltica do Imprio, e afiliado ao Partido Liberal, foi
Presidente das Provncias de Gois, Par, Mato Grosso e So Paulo. Aps
a Guerra do Paraguai, na qual foi o comandante em chefe no Mato Grosso e
participou da batalha de reconquista de Corumb, ganhou do governo im-
perial o ttulo de Baro de Corumb mas o recusou, preferindo o de General
Brigadeiro, distino que raras vezes se concedia a civis.
Escritor e folclorista, teve obras importantes publicadas: O Selvagem,
obra escrita a pedido de D. Pedro II para figurar na Exposio de Filadlfia
em 1876, tratando do idioma, dos costumes, mitos e usanas dos nossos
ndios; Viagem ao Araguaia; A Revolta de Felipe dos Santos em 1720, que
abriu-lhe as portas do Instituto Histrico Geogrfico; Os Guaianases (ro-
mance histrico) ou a Fundao de So Paulo; Anchieta e as Lnguas Ind-
genas, por ocasio do tri-centenrio do famoso jesuta.
34
A distncia total de pouco mais de 400 lguas, ou 2.640km.
No dia 24 de janeiro de 1864, o engenheiro terminara os estudos tcnicos, acompa-
nhados da cartografia hidrogrfica e apresentou-os a Couto Magalhes, observando que
a navegabilidade do Araguaia, durante todo o ano, restrita ao trecho Leopoldina Santa
Maria e tambm que, nos meses de dezembro a maio (poca das enchentes) o rio Verme-
lho navegvel do Ponto do Travesso a Leopoldina.
Bastante conhecedor do sistema de presdios, Vale observou que os principais pres-
dios, Santa Maria (atual Araguacema - TO), Leopoldina (atual Aruan - GO) e So Joo do
Araguaia, poderiam ser pontos de abastecimento para a tripulao e para o fornecimento
de lenha aos barcos, sendo tambm portos de embarque e entrepostos comerciais. Ele
sugeriu ainda que a lenha pudesse ser fornecida pelos ndios.
O Presdio de Santa Maria tinha vantagens especficas como localizao estratgica,
regio de solo frtil, rica em fauna e flora, abundncia de peixes. De acordo com Vale,
provavelmente ele se tornaria o maior centro abastecedor e props que se promovesse o
fortalecimento do Presdio de Santa Maria e de So Joo e a criao de novos ncleos.
Atendendo s sugestes, o presidente da Provncia Jos Martins Pereira de Alencastre de-
terminou, em 1861, que os negros sentenciados fossem trabalhar na defesa dos presdios
juntamente com os soldados.
Os Presdios de Santa Maria e de So Joo so indispensveis, porque esse terreno
compe-se de 150 lguas, inteiramente deserto de gente civilizada e povoado de selva-
gens. Nele existem as cachoeiras do Araguaia, que, dificultando a viagem, exigem mais
demora e maior nmero de socorros (MAGALHES, 1957: 194).
Levando-se em conta os esforos que ele fez e o trabalho permanentemente dirigido
para sua viabilizao, podemos afirmar que se deve a Couto de Magalhes o estabeleci-
mento da navegao a vapor no Araguaia. Ele sempre teve como objetivo estabelecer um
caminho fluvial entre Mato Grosso, Gois e Par, comunicando a bacia do rio da Prata
com a do Amazonas atravs de um pequeno trecho de terra. Mesmo utilizando-se barcos
a remo no trecho onde a navegao a vapor no era vivel, o tempo de viagem entre Leo-
poldina e Belm deveria cair de sete para trs meses.
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Antes da navegao a vapor ele j era entusiasta da ligao de Gois com o litoral
atravs do Araguaia. Para mostrar a vantagem de adotar esta sada, no segundo captulo
do seu livro Viagem ao Araguaia, publicado em 1863, ele apresentou planilhas para
comparar o preo do frete, comentando tambm as vantagens adicionais. Veja nas pala-
vras dele mesmo:
Sempre que se fala na navegao do Araguaia apresentam-se logo dois ar-
gumentos, que aos olhos de muitos parecem irrespondveis: as cachoeiras do
Tocantins e o deserto das margens do Araguaia.
Entretanto estes argumentos de nada valem.
No se trata de saber se a navegao ou no dificultosa; trata-se, sim, de sua
convenincia. Quando que um meio comercial qualquer convm? Todos sabem
que quando deixa lucro. Desde que se demonstre que o transporte por via do
Araguaia muito mais barato do que outro qualquer meio, est demonstrado que
o Araguaia o melhor dos meios de transporte.
Falar em cachoeiras, em praias desertas, pedantismo prprio de quem no
v as questes por sua verdadeira face.
Eu, que sou consumidor, que me importa se o ferro que eu compro custou a
quem o conduziu muitos trabalhos e lutas? Para mim a nica questo interessante
a do preo do ferro.
Se, por via do Araguaia, compro-o por preo inferior ao que compraria por
meio das estradas do sul, o Araguaia me deixa um grande benefcio.
Por outro lado, o transportador pe em linha de conta todos os trabalhos por
que passa e se, mesmo assim, ele vende o frete, por via do Araguaia, mais barato
do que por via das estradas do sul, claro fica que por lhe fazer conta.
o que justamente acontece.
Com todas as dificuldades que existem atualmente na navegao do Araguaia,
e que sero removidas desde o momento em que a navegao se estabelea mais
regularmente, a arroba chega muito mais barata, vinda do Par, do que do Rio de
Janeiro.
Fiz um clculo minucioso destas despesas, e a o deixo, a fim de que o leitor
36
Item Preo unitrio Preo total
2 arrieiros 150$000 300$000
2 ajudantes 80$000 160$000
2 camaradas dianteiros 60$000 120$000
18 tocadores de lote 50$000 900$000
1 cozinheiro 40$000 40$000
1 ajudante de cozinheiro 35$000 35$000
Raes dos camaradas $240 864$000
Despesas com as bestas de carga 40$000 7:080$000
Despesas com 26 bestas dos camaradas 26$000 676$000
Amortizao do valor da tropa 6$250 1:112$500
Juro do valor da tropa, a 5 % por viagem 895$000
Soma 12:182$500
Importncia do frete por arroba 6$411
DESPESAS COM UM BOTE E UMA IGARIT, QUE CONDUZEM 1.900 ARROBAS, NUMA VIAGEM DE IDA E VOLTA DO PORTO DE SANTA LEOPOLDINA AO PAR.
Item Preo unitrio Preo total
1 piloto de bote 300$000 300$000
1 piloto de igarit 150$000 150$000
2 proeiros 120$000 240$000
2 contraproeiros 100$000 200$000
2 popeiros 90$000 180$000
1 caador 100$000 100$000
1 ajudante de caador 80$000 80$000
20 remeiros 80$000 1:600$000
Sustento de ida e volta 800$000 800$000
Calafetagem no Par 100$000 100$000
Calafetagem em Santa Leopoldina 25$000 25$000
Cordas de piaaba 60$000 60$000
Passaporte e visita 50$000 50$000
Amortizao do valor do bote 250$000 250$000
Juro do valor do bote, da igarit e de uma montaria a 10% 120$000 120$000
TOTAL 4.255$000
Preo do frete por arroba 2$239
aprecie cada um dos dados em que me baseei:
Por esse clculo, v-se que a arroba, partindo do Par, chega a Gois com a
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despesa de 2$239; que a arroba, partindo do Rio de Janeiro, chega a Gois com a
despesa de 6$411, isto , o transporte por via do Rio de Janeiro mais caro quase
300%, do que pelo Araguaia.
Note-se que, neste clculo, s compreendo e comparo peso com peso; exis-
tem, porm, muitas outras coisas que valeria a pena mencionar-se e que, entre-
tanto, no ponho em linha de conta, tais como: o transporte pelas bestas no pode
carregar volumes superiores a seis arrobas; o transporte por barcos pode carregar
de 20, 30 e mais; resulta:
1, que,por viadasestradasdosul,muitosobjetosessenciais nossaindstria aqui no podem chegar, como sejam grandes alambiques, cilindros de
ferro etc. e mil outros instrumentos necessrios para a indstria da cana, da ex-
trao do ouro e diamante e para outras que jazem inexploradas at hoje por esse
obstculo;
2,desdequeosvolumessomenores,opesodoscaixesmuitomaior;assim, se houvermos de transportar cem arrobas em um s caixo e cem arrobas
em dez caixes, o peso do primeiro ser aproximadamente cinco vezes menor do
que dos dez. Ora, esse peso carregado no frete da arroba vendvel, de modo que
o negociante que transporta por via das estradas do sul paga em cem arrobas perto
de 25 de peso intil, o que faz com que, para no perder, carregue sobre o preo
da mercadoria a quantia assim despendida.
Ao trmino de seu governo foi chamado ao Rio de Janeiro. Para fazer esta viagem foi
novamente de barco, descendo os rios Vermelho, Araguaia e Tocantins at chegar a Belm
e pegar o navio para a capital federal onde recebeu a nomeao de presidente da Provncia
do Par. Enquanto esteve frente do governo desta Provncia mandou construir um vapor
e tentou com ele subir o Tocantins, mas naufragou nas corredeiras em um canal chamado
Inferno. Terminado seu perodo de governo voltou para o Rio, onde foi nomeado para a
presidncia da Provncia do Mato Grosso, nos anos em que se desenrolava a Guerra do
Paraguai e parte da Provncia estava em poder do inimigo.
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Transcrevemos um trecho do relato do prprio Couto de Magalhes para que se possa
apreciar sua personalidade:
Para desalojar os paraguaios de Mato Grosso e cortar-lhes as comunicaes com
a Bolvia, fui eu escolhido, em falta de melhor, porque todos os nossos generais vlidos
estavam no sul, empenhados na guerra, e c s tnhamos os velhos, de todo imprprios
para fazer a viagem dificlima daqui a Cuiab, por terra, e os quatro que me antecederam
ficaram no caminho, e foram: o sr. coronel Carneiro de Campos, que ficou preso em As-
suno; o sr. general Visconde de Camam, que morreu creio que sem ter passado alm
de Campinas; o sr. general Drago, que no passou, creio eu, alm de Uberaba; o sr. general
Galvo, que morreu no Daboco, se me no falha a memria, pois estou escrevendo sem
documentos, e a mais de 20 anos de distncia.
Segui para l, alegre e contente, certo de que, se houvesse rios cheios e sem pontes,
eu os passaria a nado; se os bugres me quisessem estorvar, eu os afugentaria a bala... Que
que a gente no imagina na dezena dos 20 aos 30 anos, quando tem boa sade?
Efetivamente, fui mais que feliz; em pouco mais de dois meses, fiz a viagem, e em
menos de um ano tinha conseguido derrotar os paraguaios, libertar a provncia e impedir
os auxlios que da Bolvia pudessem ir aos paraguaios, como consta dos relatrios dos
ministros da Guerra desse tempo.MAGALHES (1957)
ROTEIRO DE FILME
Terminada a guerra no territrio do Mato Grosso, depois da tomada de Co-
rumb e do Rio Apa, Couto Magalhes considerou que o vapor de guerra Antonio
Joo era dispensvel e conseguiu autorizao do Governo Federal para desarmar o
vapor e traz-lo para o porto de Itacayu, na margem esquerda do Araguaia. O navio
foi desmontado e colocado em 14 carros de boi para a viagem e rodaram cerca de
cem lguas (660 quilmetros) em estradas que no existiam, atravessando rios sem
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Cena do filme Fitcarraldo, em que um navio transportado atravs da floresta
pontes. Os caminhos foram abertos por eles para trazer o vapor, sob o comando
do capito paulista Antonio Gomes Pinheiro.
Em Itacayu ele foi montado e colocado para navegar. Nesse porto, a recons-
truo do vapor foi feita sob a direo do capito de mar e guerra, comendador
Balduno Jos Ferreira de Aguiar, do primeiro tenente Peixoto e do maquinista
Felisberto Newzam, auxiliados pelos soldados de linha do comando do capito
Lima e operrios trazidos de Cuiab (MAGALHES,1957: XXXVII).
No dia 28 de maio de 1868 foi inaugurada a navegao a vapor no rio Ara-
guaia, no Porto de Santa Leopoldina. O vapor Antnio Joo teve na inaugurao
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o nome de Araguay-ner-a, mas depois foi simplificado para Araguaya. Estavam pre-
sentes Couto Magalhes, Presidente da Provncia de Mato Grosso, o desembargador Joo
Bonifcio Gomes de Siqueira, vice-Presidente da Provncia de Gois, acompanhado do
funcionalismo oficial, outras autoridades e cidados que foram assistir quele ato hist-
rico.
Estava dado o primeiro passo para a navegao do Araguaia. Se fosse confirmada a
expectativa de Couto Magalhes, a partir da seriam mais viveis os negcios da Provncia
e maiores as chances de prosperidade. Parecia a todos que, resolvido o problema do frete
barato, estariam superados todos os problemas causados pela distncia do litoral. Ernesto
Augusto Pereira, presidente da Provncia de Gois em 1870, relata:
A navegao do Araguaya dever sem dvida abranger a do Tocantins e estender-se
at o Par, de modo que o negociante desta Provncia apenas tenha o trabalho de remeter a
sua encomenda ao seu correspondente no Par e receber os gneros em Santa Leopoldina
ou em outro ponto mais prximo. [...] Os gneros do comrcio viro mais bem acondi-
cionados, menos sujeitos deteriorao e estragos, chegaro pelo menos cento por cento
mais baratos; viro para o comrcio objetos que atualmente impossvel trazer do Rio de
Janeiro; toda a provncia de Goys gozar do benefcio, e a exportao, quase nula do sul
desta provncia, aumentar assim como a importao. (Trecho do Relatrio da Presidncia
Ernesto Augusto Pereira
Como previsto pelo enge-
nheiro Ernesto Vale, os pres-
dios do vale do Araguaia tor-
naram-se portos de embarque
e entrepostos comerciais. Ali
era o referencial da navegao.
Ali acontecia o reabastecimento
dos barcos e o apoio s peque-
nas embarcaes.
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Demonstrando tambm o acerto das previses de Couto Magalhes, os povoados
criados em torno dos presdios tiveram grande desenvolvimento econmico, principal-
mente por causa da facilidade no transporte. Havia mais viajantes e hspedes e o inter-
cmbio com outros povoados aumentou, com ligaes terrestres do Presdio de Santa
Maria com Pedro Afonso e Porto Imperial (hoje Porto Nacional), e tambm do Presdio de
Santa Leopoldina com a cidade de Gois.
Em 1870 Couto Magalhes foi novamente ao Par e de l trouxe outro vapor, o Co-
lombo. Segundo as palavras dele foram os primeiros vapores que jamais chegaram em
cima do plateau central da Amrica do Sul.
Ele era um entusiasta das viagens:
Cortar o plateau central no rumo Norte a Sul em uma extenso de duzentas lguas. A
o vapor, passando por entre as numerosas aldeias de ndios que ainda andam nus, apre-
senta em contraste os dois extremos da cadeia humana: a raa civilizada que usa desse
primeiro agente do progresso e o homem nu, imagem viva da primeira rudeza e barbarida-
de selvagem de nossos maiores. (MAGALHES, 1957: 103)
No dia 24 de novembro de 1870 o Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pbli-
cas publicou o edital da concorrncia para a navegao a vapor no Araguaia, entre os por-
tos de Itacayu e Santa Maria, com escalas em So Jos de Jamimbu, Luiz Alves ou Foz de
Crixs, So Jos dos Martrios, So Vicente e So Joo do Araguaia. Passageiros e cargas
que iam para Belm seguiam de bote a partir de Santa Maria. As viagens de Leopoldina a
Belm duravam em mdia seis meses.
A direo do servio de navegao foi entregue a Couto Magalhes, e Joo Jos
Corra de Moraes foi contratado para explorar a navegao comercial. Dentre outras con-
dies, o contrato estipulava que a companhia tinha uma subveno anual de 40 contos
de reis e se obrigava a fazer seis viagens de ida e volta por ano entre os portos de Itacayu
e Santa Maria, um percurso de 1.200 km, com escalas em So Jos dos Martrios e Santa
Leopoldina. Os navios teriam capacidade mnima de quatro mil arrobas (60 toneladas) e
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o preo do frete e das passagens devia ter aprovado pelo governo, que teria frete gratuito
para os malotes do correio.
O empresrio, no entanto, trs anos depois devolveu a navegao no Araguaia ao Go-
verno e assumiu a do Baixo Tocantins, fazendo por ano doze viagens entre Patos e Belm,
com subveno de oitenta e dois contos de reis por ano.
Aps dez anos do funcionamento da navegao, havia progresso nos neg-
cios de Gois com outras regies do Brasil e at com o exterior. Na cidade de
Gois era possvel encontrar vrios produtos importados, como por exemplo:
VinhodoPorto(2$500agarrafa) CervejaTivole(2$000agarrafa) Azeitonas,latagrande(3$000)Alm desses, havia bolachas americanas, molho ingls, conserva inglesa,
azeite francs e machados americanos marca Collins.
(DOLES, 1973: 119, Apud Carvalho, 2008).
O fortalecimento dos presdios era uma necessidade constante para viabilizar
a navegao. Couto Magalhes tambm percebia que a navegao s se consolidaria se
o Vale do Araguaia estivesse povoado.
O Presdio de Santa Maria, por sua comunicao com o rio do Sono, no Tocantins,
de que dista apenas trs dias de viagem e, finalmente pela fertilidade do seu solo, passou a
ser a mais importante povoao do Araguaia. Com a interrupo da navegao e a ameaa
dos ndios Caiaps caiu em decadncia, porm parece reanimar-se, e, com efeito, de
esperar que isso acontea, se a empresa de navegao florescer.
(Relatrio do Sr. Dr. Aristides de Souza Spindola, presidente da provncia Assem-
blia Provincial de Goyaz, de 1 de maro de 1880 Livro de Relatrios da Presidncia,
1880 - Presdios. Arquivo do Museu das Bandeiras).
No final da dcada dos anos de 1870 a companhia de navegao tinha trs vapores,
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vrias embarcaes menores e mais de 150 funcionrios. Alm do pessoal administrati-
vo havia tambm tcnicos responsveis pelas mquinas, marinheiros, foguistas e todo o
pessoal necessrio para um bom desempenho da navegao. Alm desse pessoal empre-
gado, havia necessidade de grande nmero de fornecedores e a navegao trouxe novas
fontes de trabalho e de renda para a populao. Nesta poca os presdios de Santa Maria e
Leopoldina haviam se tornado importantes aglomeraes, verdadeiros centros de comr-
cio e prestao de servios.
Um relatrio da presidncia da provncia reflete o bom momento para os negcios
causado pela navegao:
O movimento de impor-
tao e exportao realiza-
do entre esta provncia e do
Par, pelo Araguaya, affirma
o desenvolvimento da nave-
gao e progresso da empre-
za proporo que as foras
productoras da Provncia se
augmentam, corresponden-
do s suas exigncias. A ex-
portao realizada de 1879
de 167.234 kilos de peso de
gneros; a importao, no
mesmo perodo, de 120.000
Kilos (Trecho do Relatrio da
presidncia Dr. Joaquim de
Almeida Leite Moraes 10 de
fevereiro de 1881).
No final dessa dcada foi
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assinado novo contrato com Joo Jos Correia de Moraes, mas a qualidade dos servios
comeou a entrar em declnio, aparentemente por problemas administrativos da empresa
e falta de fiscalizao.
Mesmo contando com o apoio estratgico dos presdios militares, havia outros gran-
des obstculos navegao no trecho completo, principalmente os ndios e as cachoeiras.
Abaixo de Santa Maria, onde s se utilizava os barcos movidos a remo, era grande o risco
para vidas, mercadorias e embarcaes.
O governo e os empresrios vinham h algum tempo estudando a possibilidade de
uma ligao terrestre entre Santa Maria e algum ponto do Xingu onde pudesse ser feito um
transbordo para navegao at Belm.
Em um relatrio feito pelo Vice-Presidente da Provncia no dia 10 de fevereiro de
1881, ele registrou:
Ou a comunicao do Araguaya com o Xingu, no ponto em que ambos so naveg-
veis a vapor, salvar a empreza, e com ella os grandes interesses comerciaes e polticos
que repousam sobre a ligao do norte ao sul do Imprio, ou ento sua impossibilidade
aniquilar a empreza no dia de amanh.
Em 1878 Joo Jos de Moraes havia transferido a companhia de navegao para uma
empresa americana, a The Par Transportation and Trading Company, que tinha capital
de sete milhes de dlares para a desobstruo dos vrios canais de navegao. Aps
estudar as condies econmicas da regio atendida pela hidrovia e tomar conhecimento
dos elevados investimentos que seriam necessrios para que o empreendimento fosse
operado de maneira adequada, levando em conta tambm que vrias iniciativas deveriam
ser dos governos das provncias e do Imprio, a empresa desistiu dos investimentos e foi
extinta ao final do contrato, em 1.888, entregando o equipamento em pssimo estado de
conservao.
A navegao foi suspensa e os presdios ficaram sem comunicao, causando enor-
me retrocesso no sistema que tinha sido criado com base na navegao.
Em setembro de 1889 o presidente da Provncia de Goyaz, Loureno Cavalcante de
Albuquerque, enviou ofcio ao ministro responsvel pelas obras pblicas, solicitando que
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fosse aberta nova licitao para o servio de navegao. O ministro at que atendeu o pe-
dido no dia 23 de outubro, mas eles no sabiam que o Imprio iria acabar no ms seguinte.
A Intermodalidade a SoluoEm 1873, a Comisso Pereira do Lago props a construo de uma ferrovia no trecho
de corredeiras de Chambios a Alcobaa, no Par, que resolveria o antigo problema de se
estabelecer o transporte confivel entre Gois e o Par. Seria a concretizao do sonho de
escoar os produtos goianos e permitir a importao com fretes baratos.
Este ilustre companheiro concluiu que era prefervel vencer os trechos intranspon-
veis pela navegao por uma estrada de ferro entre Alcobaa e Santa Maria do que realizar
melhoramentos no leito do rio, pois estes subiriam as quantias incompatveis com as
populaes e com as possibilidades imediatas da regio. (JUB, 1929: 08-10).
A ferrovia criaria a intermodalidade com o transporte fluvial, eliminando o gargalo
para facilitar o transporte entre o Araguaia e o Baixo Tocantins. Couto Magalhes sempre
tinha entendido que o foco para resolver o problema deveria ser a questo econmica:
O que se tem em vista no navegar os rios, como meio de dar maior incremento
marinha, e, sim, dar o desenvolvimento industria e ao comrcio, proporcionando-lhe
fceis vias de comunicao; a questo da navegao dos nossos rios uma questo eco-
nmica, que em nada se diferencia das de estradas de ferro, de rodagem, ou de quaisquer
outras vias de comunicao, e parece-me que so os menos prprios para cuidar delas os
ministros, que tem sobre seus ombros o grande peso de velar por que o pas tenha fora
armada, terrestre ou martima, para manter a paz interna e o respeito s instituies e di-
reitos, tanto por nacionais, como por estrangeiros.
Para resolver a transposio, o Decreto 862, de 16 de outubro de 1890, j na Repbli-
ca, concedeu ao engenheiro Joaquim de Moraes Jardim o direito de construir uma ferrovia
com 180 km entre Alcobaa e Praia da Rainha e subveno para as linhas de navegao.
Em 1905 foi criada a Companhia de Viao Frrea e Fluvial do Tocantins que conse-
guiu emprstimo no exterior e comeou a construo da estrada em janeiro de 1908, mas
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apenas 80 km foram construdos
ligando a cidade de Tucuru (an-
tiga Alcobaa) vila de Jotobal,
no Par. Em 1916 a companhia
entrou em liquidao por dificul-
dades financeiras.
Em 1967 o Governo Federal
decidiu substituir a Estrada de
Ferro Tocantins por uma estrada
de rodagem e em 1974 os trilhos
foram arrancados.
Os presidentes da Provncia
de Gois vislumbravam que a sa-
da para o desenvolvimento seria a
navegao pelo Araguaia e tenta-
ram fazer que ela fosse vivel du-
rante todo o sculo 19. Ela fun-
cionou durante um breve perodo
mas, no final do sculo as condi-
es ainda eram praticamente as
mesmas do incio.
Comeou ento a se falar no prolongamento at a cidade de Gois dos trilhos da
Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que chegara a Uberaba e iria at Araguari em
1896.
Em seu relato feito alguns anos antes, Couto Magalhes comentava que Minha opi-
nio, com respeito a essa navegao, que ela nunca ser coisa regular enquanto a estra-
da de ferro da Companhia Mogyana no chegar s guas do Araguaia. Outra observao
no mesmo texto dizia que, para os goianos, O futuro grandioso com a navegao do
Araguaia; sem ela, tudo raqutico e mesquinho, como tem sido at o presente.
Seu projeto, que ele sonhava ver implantado no longo prazo, previa a interligao da
navegao nas bacias do Tocantins e do Prata, atravs de uma ligao terrestre entre o
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ponto navegvel mais a montante do Araguaia e o rio Taquari, no Mato Grosso.
Um dos pontos que ele gostava de insistir em sua argumentao que Gois teria
vrios produtos que passariam para a categoria de exportveis a partir do momento em
que pudessem ser produzidos no vale do Araguaia e tivessem um frete competitivo at o
porto. Os exemplos citados eram o caf, algodo, acar, aguardente, fumo, carne seca,
couro, sola, trigo, que agora so produzidos na provncia quase que exclusivamente para
seu consumo.
A Repblica tinha chegado e com ela as mudanas. Antecipando o final melanclico
da Estrada de Ferro do Tocantins, o Dirio Official do dia 20 de junho de 1900 publicou o
edital da concorrncia para a venda de todo o material da extinta Empresa da Navegao a
Vapor do Rio Araguaia. O Ministrio da Indstria, Viao e Obras Pblicas publicou edital
em que se apresentavam as condies do equipamento:
Vapor Araguaya
Machina em bom estado; caldeira velha, porm em estado de servir, obras mor-
tas bastante danificadas. Apparelhado com todos os pertences para viagem, como
sejam gualdrapos, correntes para priso e ncoras, sineta, lanterna etc. Casco j
podre.
Vapor Colombo
Apenas resta o casco, com-
pletamente inutilisado, caldeira
em estado de poder servir, ma-
china inutilisada.
Vapor Mineiro
Casco inutilisado, machi-
na muito estragada, caldeira no
mesmo estado, armao de fer-
ro, tambm estragada.
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2.2 Estrada de Ferro Gois
A transferncia da capital do pas para o planalto central j estava sendo tratada logo
depois da Proclamao da Repblica, quando os deputados preparavam a nova Consti-
tuio que entraria em vigor em 1891. No ano anterior, atravs do Decreto 862, de 16 de
outubro de 1890, foram concedidos vrios trechos de ferrovia. De interesse para o Estado
de Gois constavam:
1. A extenso de rede da Mogiana at Catalo.
2. Uma linha saindo de Catalo e passando pela cidade de Gois, Cuiab e Cceres,
indo at um ponto navegvel do Rio Guapor, devendo obrigatoriamente servir navega-
o do Araguaia e do Rio das Mortes.
3. A extenso da Estrada de Ferro Oeste de Minas de Perdes at Catalo.
4. Uma estrada de ferro saindo de Catalo e indo at Palma (atualmente Paran) ou
outro ponto mais conveniente de conexo com a navegao no Rio Tocantins.
5. Uma linha de na-
vegao a vapor no Rio
Tocantins de Belm at
Alcobaa (hoje Tucuru),
uma estrada de ferro de
Alcobaa at a Praia da
Rainha e outras duas de
vapor, uma no Rio To-
cantins at Palma (hoje
Paran) e outra no Rio
Araguaia e das Mortes
em todo o trajeto nave-
gvel.
Se essas conces-
ses tivessem sido im-
plantadas, Catalo seria
o maior entroncamento
49
ferrovirio do Brasil, ligando-se aos portos do Rio, de Santos, Belm e ao trecho navegvel
do Rio Guapor, no extremo oeste brasileiro. No entanto,
- A linha de vapores no Araguaia/Tocantins e sua intermodalidade ferroviria no
chegaram a funcionar, o pequeno trecho de ferrovia construdo no Par foi desativado por
inviabilidade econmica e depois submerso pelo lago da represa de Tucuru.
- A linha de Catalo em direo ao norte nunca saiu do papel.
- A Mogiana chegou a Araguari em 1896 e parou.
- A extenso da ferrovia Oeste de Minas s chegou a Catalo e Goiandira em 1942,
agora com o nome de Rede Mineira de Viao. Esta ligao com o Estado de Minas Gerais
atravs de Trs Ranchos e a ponte sobre o rio Paranaba foi desativada com a formao do
lago da represa de Emborcao. A ligao de Catalo com a malha ferroviria hoje se d
apenas atravs do ramal para Goiandira.
- A linha de Catalo em direo ao Oeste tambm no foi construda.
O direito da Mogiana caducou e a Estrada de Ferro Alto Tocantins, reorganizada atra-
vs do Decreto 5.949, de 28 de maro de 1906, passou a se denominar Companhia Es-
trada de Ferro de Gois e ficou com a concesso para construir a ferrovia que, saindo de
Araguari iria at Leopoldina (hoje Aruan), passando pela cidade de Gois, ento capital
do Estado. O contrato foi assinado no dia 17 de maio de 1907 e as obras comearam no
dia 27 de dezembro de 1909, chegando ao Rio Paranaba em 28 de setembro de 1911.
Aps a construo de uma ponte de quase 300 metros, inaugurada em 1912, o trecho de
Anhanguera a Catalo foi inaugurado em 1913, com as estaes intermedirias de Cumari
e Goiandira.
No ano de 1920 o Governo Federal, que tinha como Secretrio de Viao o Dr. Pires
do Rio, encampou a ferrovia que alterou o nome para Estrada de Ferro Gois. Nesta data
ela estava pronta de Goiandira at a estao do Roncador, nas margens do Rio Corumb.
O trecho at Leopoldo de Bulhes estaria pronto em 1931 e at Anpolis em 1935. Os
trilhos s chegariam a Goinia em 1950, capital desde 1937 e sepultando o projeto de
prosseguimento da ferrovia.
50
ESTAES DA ESTRADA DE FERRO GOISESTAES DA ESTRADA DE FERRO GOIS
51
A Estrada de Ferro Gois teria, para a construo de Goinia, a mesma importncia
que teve, 25 anos depois, para a construo de Braslia. Para estabelecer a logstica que
seria necessria construo, uma das primeiras providncias que Israel Pinheiro tomou
ao assumir a direo das obras da nova capital foi asfaltar uma estrada para Anpolis, que
era a estao ferroviria mais prxima.
Em discurso no dia 30 de junho de 1958, Juscelino disse que A rodovia Anpo-
lis-Braslia acha-se concluda, com 130 quilmetros asfaltados, estabelecendo assim a
ligao indispensvel da nova cidade com a Estrada de Ferro Gois. Neste trecho foram
feitas onze pontes, com um comprimento total de 590 metros. O padro da estrada era
de primeira classe, com raio mnimo de 225 metros e rampa mxima de 6% havendo a
52
Panfleto de divulgao das viagens de trem para Gois
Fonte: Acervo Eduardo Bilemjian
Traado da Estrada de Ferro Gois
Fonte: Centenrio das Ferrovias Brasileiras, IBGE (1954)
53
escavao de trs milhes de metros cbicos de terra.
De acordo com o Sindicato da Indstria do Cimento, em 1958 foram transportadas
para Braslia 55.222 toneladas de cimento. Neste ano foi registrado tambm o transporte
pela ferrovia de 11.478 toneladas de estruturas metlicas, alm de outros 560 vages com
vergalhes e tubos de ao, mquinas, estacas e guindastes.
Estao de Araguari
Fonte: Secretaria da Cultura de Araguari
Araguari foi a sede da Estrada de Ferro Gois at 1954, quando Mauro Borges
Teixeira assumiu a direo da ferrovia e mudou a sede para Goinia.
54
Essa ponte antiga, que na verdade era composta por trs pontes emendadas, foi subs-
tituda por uma ponte de concreto. Ela fica bem prxima estao do Roncador, onde tem
incio o ramal para Braslia.
A ponte Emlio Schnoor, sobre o Rio Paranaba, foi vendida como sucata depois de submersa para a formao do lago da represa de Furnas, em Itumbiara. Ela tinha 287,5 metros e pesava 592 toneladas. De acordo com registros da poca, a alvenaria, de diver-sos tamanhos, foi executada em pedras artificiais de concreto, o que exigiu contrato com fbrica especializada.
Pilares da antiga ponte Emlio Schnoor, sobre o Rio Paranaba
Fonte: Acervo Glucio Henrique Chaves
Ponte Epitcio Pessoa (Rio Corumb)
55
O 2o Batalho Ferrovirio (Batalho Mau) transferiu-se de Rio Negro, no Paran, para
Araguari em 1965 com a misso construir uma ligao ferroviria de Braslia com o siste-
ma ferrovirio nacional. A melhor alternativa foi um ramal de Braslia a Pires do Rio (246
Ponte sobre o Rio AraguariFonte: Acervo Glucio Henrique Chaves
Corte 81Fonte: Acervo Batalho Mau
56
Ponte sobre o Rio ParanabaAcervo: Glucio Henrique Chaves
Obra da Ponte sobre o Rio Pirapitinga (Cumari)Acervo: Batalho Mau
57
km). Depois de concluda esta obra o Batalho Mau executou a obra de um novo traado
entre Uberlndia e Araguari (45 km) e outra de Araguari at Pires do Rio (268 km). Com
isto Braslia ficou ligada s capitais do Sudeste e do Sul atravs de uma ferrovia que trouxe
para a antiga estrada de ferro uma nova concepo de projeto. Tneis, viadutos e pontes
monumentais, raio mnimo de curva de 880 m, rampa mxima de 1,35%, substituindo
tudo o que havia de antigo no trecho.
2.3 Malha Rodoviria
O DNER, Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, foi criado em 1937. Ele
veio para substituir a Comisso de Estradas de Rodagem Federais, criada 10 anos antes
e financiada por sobretaxas nos impostos sobre a gasolina, veculos e acessrios. Era a
primeira vez que o sistema rodovirio tinha fonte definida de recursos para financiar sua
expanso.
Na dcada de 40 o DNER construiu uma rodovia para ligar o ponto final da ferrovia,
ento em Anpolis, a So Jos do Tocantins, que depois teria seu nome alterado para
Niquelndia em funo da sua riqueza mais expressiva. O incio da obra aconteceu ainda
durante a Segunda Guerra Mundial, com escavaes manuais e transporte de terra em ve-
culos de trao animal. Mesmo depois, quando comearam a ser usados os caminhes
basculantes, seu carregamento ainda era manual. Apesar das condies precrias de exe-
cuo, o traado era bom e o projeto geomtrico muito bem elaborado.
De acordo com uma publicao do DNER de 1984, a implantao dessa estrada pros-
seguiu muito lentamente, com vrias paralisaes, de acordo com os parcos recursos
anualmente destinados obra.
Uma outra estrada federal foi feita no incio da dcada de 40, por iniciativa do Minis-
trio da Agricultura, para ligar Anpolis Colnia Agrcola Nacional de Gois que estava
sendo implantada em Ceres. Esta estrada, que viria depois a ser parte da Belm-Braslia,
comeou a ser construda em abril de 1941 por Bernardo Sayo. Em 15 de maio de 1958 o
presidente Juscelino Kubitschek assinou o Decreto 43.710 que criou a Comisso Executi-
va da Rodovia Belm-Braslia Rodobrs, tendo Sayo como diretor.
58
O Distrito Rodovirio Federal em Gois 12o DRF, foi criado em 1954 para executar
as obras rodovirias