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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013
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Liminares, Cautelares e Antecipação de Tutela (Terminologia e Ontologia)
Maurício Gomes 1
Resumo O objetivo traçado para o presente artigo é apontar a utilização de certos termos técnicos no estudo e no funcionamento do processo civil. Com isso, busca-se a enumeração desses casos e o esclarecimento das diversas naturezas de atos que se demonstram absolutamente diversos na essência, ainda que idênticos no nome. Para tal intento, foi utilizado o método dedutivo/comparativo passando dos conceitos gerais mais particulares dos institutos e detalhando as características de tema para a percepção de semelhanças e diferenças.
Palavras-Chave: Liminar. Cautelar. Antecipação de Tutela. Conceito. Comparação.
Introdução
A ideia de escrever o presente artigo surgiu durante o trabalho docente, pela
percepção de que os alunos de graduação tem razoável dificuldade em separar os institutos
jurídicos por razões diversas como acúmulo de matérias, problemas metodológicos e,
naturalmente, pouca ou nenhuma experiência prática ou de pesquisa.
O ciclo deformação acadêmica desses alunos é repleto de descobertas e isso, muitas
vezes, faz com que o estudante não realize as devidas ligações dos institutos abordados em
certo momento com os demais anteriormente vistos, sobretudo, por meio de suas naturezas.
Além da falta dessas ligações, existem os problemas causados pelo pouco tempo
disponível e pela questão pedagógica decorrente da apresentação gradual dos institutos. Por
vezes, a organização do conteúdo programático prevê a abordagem geral de certos temas para,
mais tarde, às vezes alguns semestres depois, voltar ao tema para a exploração das
especificidades.
Nesse panorama, o estudante pode perder a noção de que o estudo de certos institutos
jurídicos pode se dar durante todo o curso.
Paralelamente a esse contexto, o fato do aproveitamento parcial do conteúdo não ser
obstáculo à progressão no curso faz com que certos temas não dominados sejam depois
tratados em detalhes sem a devida revisão dos aspectos genéricos.
1 Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Cidade de São Paulo. São Paulo / SP, Brasil. E-mail do autor: gomes.adv@uol.com.br Orientador: Professor Mestre Lauricio Antonio Cioccari.
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Toda a problemática até aqui mencionada não é motivo para desânimo, pelo
contrário, a riqueza do estudo e do mundo acadêmico demonstra que sempre haverá tempo
para revisitar qualquer tema e aprender com os acertos e equívocos.
Justamente com o intuito de contribuir para esse aprendizado, o presente artigo
abordará as tutelas de urgência, cautelar e antecipatória, e as decisões liminares do processo
para demonstrar que estes últimos podem ter natureza das primeiras ou representarem outras
providências.
Tal abordagem é realizada por meio de uma estrutura do trabalho que visa a permitir
uma abordagem inicial dos atos liminares praticados pelo juiz, diante de provocação
específica ou da situação do processo, passando às ações e medidas cautelares e suas possíveis
relações com os atos liminares e terminando com idêntico tratamento da antecipação de tutela
e com a formulação de conclusões baseadas nesse conteúdo.
Assim, a preocupação terminológica se justifica pela necessidade de estudo científico
do Direito e pelo fato dessa atividade demandar a organização no uso dos termos técnicos e a
exploração da essência dos institutos processuais sob a ótica da ontologia jurídica.
Essa forma de estudar o Direito representa uma quebra do paradigma acadêmico de
que cada palavra tem um único significado e da prática nefasta de tratar as matérias e tópicos
do curso isoladamente.
Para produzir essa ruptura, a abordagem do tema dar-se-á pelo método dedutivo,
partindo da generalização para chegar às questões particularizadas traçando, inicialmente, as
premissas maiores que permitirão perceber a amplitude da tutela jurisdicional.
Num segundo momento, o detalhamento de cada instituto será útil para descrever as
premissas menores e, finalmente, a combinação das premissas tornará possível chegar às
conclusões sobre a essência e correção terminológica dos institutos aqui abordados.
O objeto das conclusões que aqui se buscam e, portanto, o que se pretende responder
é: 1- Os termos liminares, cautelares e antecipação se referem a institutos passíveis de
separação válida? 2- Liminar é um termo usado de forma dúbia? 3- A diferenciação
terminológica é útil ao estudo do processo civil?
De forma concomitante a essa investigação, pretendemos abordar os problemas
resultantes da falta de estudo ontológico dos institutos processuais quanto às suas
consequências na transmissão do conhecimento técnico.
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Cumpre esclarecer que a base legislativa do presente estudo é a lei 5.869/1973, ou
seja, o código de processo civil, sem considerar o projeto de lei nº 334 do Senado Federal que
institui o novo código adjetivo civil, ainda em tramitação.
Feita a descrição dos aspectos gerais do presente artigo, passaremos ao
desenvolvimento dos tópicos com a devida apresentação das teorias e discussões.
Decisões liminares
As decisões liminares são tomadas no âmbito da atividade jurisdicional que se
desenvolve pela prática dos atos processuais e se organiza segundo critérios capazes de
delimitar a essência de cada um deles criando a noção de natureza jurídica.
Nesse contexto, os atos processuais podem ser classificados, inicialmente, quanto aos
sujeitos que os praticam (partes, juiz, escrivão etc) e, posteriormente, pela sua natureza
jurídica.
Os atos do juiz consistem, conforme estabelece o caput do artigo 162 do código de
processo civil, em sentenças, decisões interlocutórias ou despachos, sendo que a natureza
jurídica do ato é estabelecida, basicamente, pelo seu conteúdo conforme possa representar
cada uma das hipóteses a seguir enumeradas.
Assim, o ato do juiz em determinado momento do processo pode se caracterizar
como despacho, decisão interlocutória ou, até mesmo, sentença, dependendo do conteúdo e
dos efeitos que poderão ser produzidos.
Podemos citar como exemplo, o despacho da petição inicial conforme estabelecem
os artigos 284 e 285 do código de processo civil. Esse ato assume a natureza de mero
despacho (SANTOS, 2011, p. 445) se o juiz determinar a citação do réu ao verificar que a
petição inicial tem qualidade suficiente para desencadear a marcha processual.
Por outro lado, a primeira manifestação do magistrado diante da demanda que lhe é
dirigida pode ter natureza de sentença (GONÇALVES, 2011, p. 304; ALVIM, 2003, p. 255)
se implicar no indeferimento da petição inicial ou no julgamento pela integral improcedência,
ainda que antes da citação do réu, como autoriza o artigo 285-A do diploma processual.
No mesmo momento processual, considerando a hipótese, por exemplo, do
indeferimento da petição inicial ser parcial, temos que o ato tem natureza de decisão
interlocutória (VECHIATO, 2003, p. 264), porquanto determine a impossibilidade de
resolução meritória quanto a uma pretensão enquanto outra segue seu destino no processo.
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Perceba-se, portanto, que o chamado despacho inicial pode ter qualquer das
naturezas descritas para os atos do juiz, dependendo do seu conteúdo.
Cumpre destacar que todas essas providências são tomadas logo no início do
processo, ou seja, de forma liminar. Nesse sentido, cabe ao juiz apreciar liminarmente
determinados aspectos do processo e determinar a providência cabível.
A doutrina pátria trata esse tema das liminares da forma com que discordamos aqui,
por exemplo, na obra de Humberto Theodoro Júnior (2012, p. 491) que ensina “O art. 7º, III,
da Lei nº 12.016, autoriza o juiz a conceder, in limine litis, medida liminar para suspender o
ato impugnado”.
A assertiva acima transcrita aponta a decisão liminar como algo que se decide no
início do processo, ou seja, uma referência de algo por ele mesmo.
A palavra liminar deve ter, no aspecto técnico-jurídico, significado idêntico ou
próximo ao que recebe no dicionário comum, qual seja, aquilo que está no início, na entrada,
no começo. Os dicionários Houaiss e Michaelis e a doutrina mencionam outro aspecto do
termo liminar, a providência tomada pelo juiz no início de um processo, capaz de resguardar
algum direito.
O ponto relevante a ser observado é que o termo liminar serve para que se designe o
ato pelo seu conteúdo tanto quanto pelo momento em que é praticado. Esse tratamento oferece
razoável risco ao estudo do processo civil à medida que se torna possível o equívoco de
considerar o termo apenas sob um desses aspectos.
Para ilustrar a inconstância do termo liminar tomamos como exemplo o mandado de
segurança, conforme a lei 12.016/2009 que prevê o seguinte:
Art. 7º - Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: [...] III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (Art. 7º).
O texto legal do artigo supra não menciona qualquer dos termos (liminar,
antecipação ou cautelar). Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência chamam tal decisão do
magistrado pelo nome “liminar”, sem qualquer complementação que indique a natureza
acautelatória ou de antecipação da tutela.
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Essa forma de referência às decisões liminares é pouco esclarecedora, para não dizer
tautológica, ou seja, vício de linguagem consistente em designar um objeto por ele mesmo,
normalmente, com o uso de palavras ou expressões de significados idênticos.
Assim, duvida-se da existência de qualquer justificativa para designar tal ato apenas
pelo termo liminar, sobretudo, se lembrarmos que as ações de conhecimento são estudadas
com a análise da chamada antecipação de tutela, provimento de natureza idêntica à liminar em
mandado de segurança.
Encontramos a mesma forma de referência na construção jurisprudencial como se vê
a seguir:
A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo supremo tribunal federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração. (STF. Súmula nº 626).
A súmula em comento trata de ato antecipatório de tutela que, dada a urgência,
quando for o caso, é passível de concessão liminar, ou seja, imediatamente após a formulação
do pedido inicial. Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência tratam o ato decisório apenas
como liminar.
Da mesma forma, existem inúmeras previsões legais que mencionam os atos
jurisdicionais praticados no início do processo, como é o caso do artigo 739 do código de
processo civil que prevê expressamente a extinção dos embargos do devedor quando
intempestivos, manifestamente protelatórios ou opostos por petição inepta estabelecendo que
nesses casos “O juiz rejeitará liminarmente os embargos”.
Essa decisão que extingue os embargos é liminar e nada tem de antecipatória de
tutela ou cautelar, constitui sentença atacável por meio de apelação com efeito meramente
devolutivo nos termos do artigo 520, inciso V do mesmo código onde se lê:
Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: [...] V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes.
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O que aqui se percebe é o tratamento de mais de um instituto sob o mesmo rótulo,
sendo ideal, no nosso entendimento, a utilização de termos diferentes para conceituar
institutos de naturezas diversas. Contudo, sabemos que isso não deve ocorrer em futuro
próximo, até pelo tema ser objeto de pouca preocupação doutrinária e representar motivo para
a sua revisão, sem prejuízo de levantarmos a questão para recomendar o devido cuidado no
estudo e na docência desses temas.
As decisões liminares, como já vimos, podem carregar provimentos cautelares ou
antecipatórios. Dada essa premissa, torna-se conveniente o estudo dessas duas formas de
tutela conforme faremos a seguir.
Tutela cautelar
O processo cautelar é disciplinado no Livro III do código de processo civil de 1973
que foi dividido em cinco livros que tratam ainda, dos processos de conhecimento e execução
e dos procedimentos especiais e disposições transitórias.
Essa estrutura mencionada como orgânica que já foi reputada essencial para o
processo civil não será objeto direto da nossa discussão. O fato é que essa separação, levada
às últimas consequências, serve de fundamento para o formalismo e já se demonstrou de
pouca ou nenhuma utilidade prática.
Sob outro aspecto, é importante lembrar que a lentidão do processo judicial é tema
importante que afeta diretamente a pertinência do estudo das tutelas de urgência, pois, mesmo
que não houvesse uma demora exagerada na ação, certas providências não podem esperar
sequer o tempo inerente ao devido processo legal.
A chamada tutela de urgência serve para resguardar os possíveis e futuros efeitos de
um provimento definitivo (cautelar) ou para adiantar os efeitos da decisão final (antecipação
de tutela) quando presentes os requisitos de verossimilhança das alegações e risco de dano de
difícil ou impossível reparação ou abuso de direito de defesa.
A dificuldade de distinguir essas medidas e os problemas de sua fungibilidade já
foram maiores. Mesmo assim, existem julgadores que indeferem uma ou outra por
formalismo, ignorando até mesmo o preceito legal do artigo 273, § 7º do código de processo
civil que possibilita o conhecimento de um pedido essencialmente cautelar, ainda que rotulado
como antecipatório (DONIZETTI, 2010, p. 396).
Não se trata de relação de sinonímia entre “cautelar” e “antecipação de tutela” e,
mesmo que a prática judicial permitisse tal indistinção, o tratamento científico do tema deve
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explorar a essência de cada instituto (ontologia) para o uso adequado dos termos na docência
e no estudo (terminologia).
Segundo Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini TALAMINI (2010, p.42), a
tutela cautelar é chamada de instrumento do instrumento. Essa afirmação se baseia na ideia de
que o processo é um instrumento de efetivação do direito material e de que a tutela cautelar é
também um instrumento que se presta a garantir a efetividade do processo.
Entende-se, portanto, que de nada servirá um processo que determine providência
inatingível, sobretudo se essa impossibilidade se operar no curso do processo, pela demora
justificável ou não.
Para tratar desse problema, o legislador criou o processo cautelar como meio de
resguardar o objeto da discussão judicial enquanto não é proferida a decisão final, sendo traço
característico dessa tutela a relação entre seu pedido específico com o pedido nuclear, objeto
da demanda principal. Tais requerimentos não são idênticos, sendo que o primeiro serve para
botar o objeto do segundo a salvo enquanto o devido processo legal se desenvolve.
Contudo, para que o juiz interfira na vida do sujeito passivo da demanda antes de
formar seu convencimento, torna-se necessária a demonstração de cabimento e conveniência
dessa medida. Daí, surgem os requisitos da tutela cautelar conhecidos pelas expressões em
latim: fumus boni iuris e periculum in mora.
O fumus boni iuris é a demonstração convincente, embora superficial e não
completa, das alegações postas no processo por quem pretende a tutela cautelar. Não se trata
de prévio julgamento do objeto da ação, mas de cuidado com próprio processo para que esta
possa produzir os efeitos plenos com o provimento que se demonstra possível.
Já o periculum in mora constitui elemento ligado ao tempo de duração do processo
que pode tornar o objeto da demanda parcial ou totalmente inatingível, ainda que não haja
qualquer desperdício de atos ou demora imputável aos sujeitos do processo.
Esse perigo da demora processual impõe a urgência da tutela cautelar que pode ser
requerida em ação própria, incidental ou preparatória, ou mesmo no bojo de ação cognitiva ou
de execução. Dessa feita, a demonstração razoável do direito serve de justificativa para a
proteção cautelar, enquanto que seu motivo essencial é o risco de que o provimento futuro
seja inócuo.
A tarefa de legislar sobre as tutela cautelar foi desempenhada com a criação de uma
série de ações com procedimentos e requisitos específicos elaborados sob medida e que são
tratadas como ações cautelares nominadas.
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Essa preocupação com uma lista de ações cautelares fez com que nela se incluíssem
ações cuja essência não se demonstra acessória de qualquer processo cognitivo ou de
execução.
Tais ações satisfativas (GONÇALVES, 2012, p. 236) não tem natureza
essencialmente cautelar, porquanto esgotam o objeto da pretensão do autor. Podemos tomar
como exemplos disso as ações de protestos, notificações e interpelações e de busca e
apreensão, neste último caso, de maneira eventual.
Esse problema demonstra a inexatidão terminológica e é perceptível pelo estudo
ontológico das ações cautelares satisfativas que não servem de instrumento para outras ações
e evidenciam tratarem-se de processos de rito especial, cujo funcionamento e resultado
poderiam ser atingidos pelo uso das disposições legais mais genéricas.
Além dessas ações cautelares nominadas, o juiz tem autorização para proteger
cautelarmente qualquer objeto que possa ser discutido em juízo, desde que presentes os
requisitos gerais e os específicos do processo cautelar.
Cumpre salientar que a tendência legislativa é de eliminação das ações cautelares
nominadas para valorizar o cuidado jurisdicional por meio do já existente poder geral de
cautela sem que isso represente prejuízo para a proteção cautelar.
Ainda sobre o tema da tutela cautelar, no tocante às considerações relevantes para
este artigo, é certo que a apreciação e eventual concessão da cautela pleiteada deva se dar
imediatamente após a formulação do pedido em juízo, ou seja, liminarmente.
A esse respeito, o código de processo civil prevê o seguinte:
Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer. [grifamos]
A medida mencionada no dispositivo legal é liminar e isso não altera sua natureza,
pelo contrário, decorre da mesma. Assim, se a cautela se justifica na demonstração razoável
de direito lesado ou ameaçado e a demora representa motivo para que a medida seja adotada
imediatamente a tomada de decisão deve ser liminar.
O traço característico do pedido cautelar e consequentemente da ação dessa natureza
é de não ser repetido no pedido principal. Por exemplo, se alguém pede que um objeto seja
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apreendido para discutir-lhe a propriedade, o faz esperando que o provimento definitivo que
lhe favoreça tenha eficácia no momento de sua efetivação.
Essa cautela é de interesse do autor e do Estado, este último, querendo ver sua
decisão passível de cumprimento na forma em que for proferida, sem a necessidade conversão
em perdas e danos. Nesse aspecto, a medida cautelar ganha contorno de garantia da atividade
jurisdicional eficaz em caráter genérico.
A concessão da medida cautelar não representa acolhimento do pedido principal, até
por ser bastante diferente deste. No caso da decisão liminar ser idêntica ao provimento
definitivo, tem-se antecipação de tutela conforme se demonstra na próxima parte deste artigo.
Antecipação de tutela
Para entender a antecipação de tutela é preciso lembrar que a atividade jurisdicional
se depara com um verdadeiro dilema entre a necessidade de um processo rápido e o requisito
de observância do devido processo legal com todas as suas fases e garantias
(MONTENEGRO FILHO, 2010, p. 8).
Um processo célere capaz de entregar ao sujeito que sofre uma lesão ou ameaça a um
direito material a solução plena determinada no ordenamento jurídico decorre de norma
constitucional insculpida no artigo 5º, com destaque aos incisos XXXIV, letra a, XXXV e
LXXLIII, este último tratando especificamente da razoável duração do processo.
Sobre isso, não é necessário um grande esforço técnico para perceber que a garantia
de tutela jurisdicional tem seu aspecto temporal. Se o direito material precisa ser respeitado,
restaurado ou compensado, é lógico esperar que isso se dê em tempo razoável.
O problema de quantificar esse tempo razoável levou, inclusive, o legislador a incluir
no texto constitucional um inciso, no nosso entendimento, que não possibilita a extração de
uma eficácia plena como seria de esperar do artigo 5º desse diploma.
Não se trata de negar a importância da questão, mas de criticar a iniciativa de tornar
expresso o que já era implícito sem inovar, talvez, por completa impossibilidade, mas,
certamente, em flagrante ineficácia.
Resta-nos a norma programática que não é nova no texto constitucional de que a
celeridade do processo é de ordem estrutural do Estado democrático. Ainda que não se possa
garantir que o processo seja encerado rapidamente, o legislador criou um mecanismo para que
as lesões e ameaças a direitos claramente demonstrados sejam imediatamente cessadas por
meio do instituto da antecipação de tutela.
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Ao contrário do que se costuma afirmar, a antecipação de tutela não foi uma
novidade trazida ao ordenamento brasileiro pela lei nº 8.952/1994. Antes da redação do artigo
273 do código de processo civil ser alterada pela referida lei, existiam medidas de antecipação
de tutela que não eram assim rotuladas (GONÇALVES, 2011, p. 671).
Tomemos como exemplo disso a concessão de alimentos provisórios na ação
condenatória de alimentos. O artigo 4º da lei 5.478/1968 estabelece a concessão dos alimentos
provisórios no despacho inicial, ou seja, liminarmente. Ainda que não se usasse a expressão
“antecipação de tutela”, a natureza dessa decisão interlocutória é essa pela correspondência
perfeita desse provimento com o pretendido de forma principal.
Para tal disciplina, a lei nº 8.952/1994, alteradora do artigo 273 do código processual,
generalizou a antecipação de tutela tornando-a possível nos casos em que seus requisitos
sejam preenchidos.
A antecipação de tutela pode ser requerida e, portanto, concedida em qualquer
momento processual anterior ao ordinariamente previsto. Isso significa que tal provimento
pode ser requerido na petição inicial ou em petição posterior.
Atualmente, existe também a antecipação de tutela de provimento recursal nos
termos do artigo 527, inciso III do código de processo civil, sendo este chamado de efeito
ativo.
Os requisitos da antecipação de tutela podem ser confundidos com os da tutela
cautelar e, no nosso entendimento, não constituem elementos diferenciadores das duas formas
de provimento. Nesse âmbito, a antecipação de tutela é autorizada diante da verossimilhança
das alegações e risco de dano de difícil ou impossível reparação ou abuso de direito de defesa.
Essa verossimilhança das alegações é parecida com o fumus boni iuris, mas não pode
ser com ele confundida, embora isso não seja difícil. A doutrina se ocupa dessa diferenciação
sem, contudo, no nosso entendimento, lograr completo êxito.
O professor Elpídio Donizetti (op.cit., p. 397) comenta o assunto:
A verossimilhança guarda relação com a plausibilidade do direito invocado, com o fumus boni iuris. Entretanto, na antecipação de tutela, exatamente porque se antecipam os efeitos da decisão de mérito, exige-se mais do que a fumaça: exige-se a verossimilhança, aparência do direito.
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Se admitirmos a tradução literal da expressão latina para dizer que a tutela cautelar
depende da “fumaça do bom direito” aceitável será a afirmação de que a tutela antecipada
depende da visão do “fogo”.
O mesmo ocorre com o requisito de fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação, cuja semelhança com o periculum in mora é inegável e nos parece ser a maior
coincidência entre as tutelas cautelar e antecipatória. Contudo, podemos afirmar que esse
risco se configura de forma mais evidente no tocante à falta que esse provimento faz na vida
de quem o requer, enquanto que na cautelar o perigo tem seu foco na conduta do requerido
que pode esvaziar a decisão futura.
Conforme mencionamos acima, a caracterização do abuso do direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu, quando assim percebidos pelo magistrado trazem
uma presunção de verossimilhança das alegações do autor e se aproximam da hipóteses de
litigância de má-fé (MONTENEGRO FILHO, op.cit., p.27).
Existem ainda as previsões dos artigos 273, § 6º, 461, § 3º e 461-A, § 3º do código
de processo civil. A primeira se refere aos pedidos incontroversos que independentemente da
verossimilhança das alegações ganham contorno de base na verdade formal, ou seja,
presunção de verdade. Os demais casos são das ações que tratam de obrigações de fazer ou de
não fazer e das obrigações para entrega de coisa.
A presunção de verdade sobre os fatos não impugnados é prevista no artigo 302 do
código de processo civil e não é aplicável nos casos em que é inadmissível a confissão, falta
de documento indispensável ou existência de controvérsia no conjunto da defesa.
A entrega de coisa, desfazimento ou tarefa de fazer podem ser determinadas pelo juiz
quando relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final.
Nesse último ponto encontra-se uma aparente confusão da própria lei, senão
vejamos, se o receio é de ineficácia do provimento final, a providência lógica é de medida
cautelar. Na verdade, o fundamento para essa antecipação de tutela é o fundamento relevante
da demanda e, por isso, deve ser analisado, principalmente, sob o aspecto da verossimilhança
e não do risco de ineficácia.
Melhor seria o legislador não utilizar elementos de tutela cautelar para a autorização
de tutela antecipatória.
Diante da apresentação teórica dos institutos processuais pertinentes, entendemos ser
possível traçar as notas conclusivas a seguir.
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Conclusão
A análise aqui realizada permite perceber a inexatidão terminológica resultante,
sobretudo, das alterações legislativas que criam novos institutos e alteram o funcionamento de
outros sem que se faça uma revisão completa.
A pretendida correção terminológica permite o uso adequado das palavras que
servirão para identificar os diversos temas do mundo jurídico, tanto no ambiente profissional
quanto na difícil tarefa de transmitir conhecimento especializado, constituindo assim, um
precioso trunfo. (PAVEL & NOLET. 2002. p. 14).
O termo “liminar” serve para fazer referência a uma decisão tomada de plano, ou
seja, logo no início da lide ou imediatamente após o pleito não importando para o uso da
palavra a natureza da medida. O ato é liminar se for praticado no início do processo, não
importando a sua natureza.
Assim, temos despachos, decisões interlocutórias ou sentenças liminares que podem
ser investigados segundo seu conteúdo ou finalidade.
O despacho liminar pode ser positivo, negativo ou correcional (VECHIATO, op. cit.,
p. 261 et seq.). No primeiro caso, é despacho propriamente, pois determina o andamento
natural do processo e, já no segundo, o despacho liminar negativo tem natureza de sentença
por indeferir a petição inicial nos termos dos artigos 267, inciso I e artigo 295 do código de
processo civil.
Por fim, o despacho liminar pode ser correcional se determinar a emenda da petição
inicial para que sejam sanados vícios processuais. A esse respeito, discordamos da doutrina
que qualifica tal ato como despacho para dizê-lo decisão interlocutória pela possibilidade de
interposição de agravo instrumental diante desse ato.
Como vimos, existem outras tantas decisões liminares que podem julgar a ação pela
improcedência, conceder ou negar justiça gratuita, acolher caução etc. De forma mais
relevante para o objeto aqui tratado, as decisões liminares podem ter natureza cautelar ou
antecipatória da tutela principal.
As decisões liminares de antecipação de tutela e cautelar podem ser examinadas e
diferenciadas por duas vertentes, finalidade e natureza da resposta (MONTENEGRO FILHO,
op. cit., 11 et seq.).
Quanto à finalidade, a decisão liminar acautelatória visa à proteção da eficácia do
provimento jurisdicional futuro, sem representar satisfatividade para o requerente. Nessa linha
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de raciocínio, a liminar acautelatória é medida de prevenção contra o risco de ineficácia do
ato decisório futuro.
Já a antecipação de tutela, igualmente deferida liminarmente, tem objetivo de
satisfação e coincide perfeitamente com a tutela pretendida por meio do pedido principal da
lide.
Usando um jogo de palavras, o requerente da cautela “pede que o objeto seja
preservado” enquanto que aquele que pede a antecipação de tutela “recebe o bem jurídico cuja
titularidade consegue demonstrar“.
Quanto à natureza da resposta jurisdicional, podemos diferenciar as duas formas de
tutela pela inversão dos pedidos de apreciação liminar e final. A inversão dos pedidos
antecipatório e final não deve causar prejuízo lógico, enquanto que o pedido cautelar não tem
qualquer sentido depois da eventual concessão do provimento final.
Diante do que aqui se demonstrou, resta evidente a confusão no uso dos termos
técnicos, mas também a possibilidade de esclarecer e contornar esse problema para que o
processo civil seja objeto de um estudo científico sem que olvidemos a sua real utilidade
instrumental.
Referências
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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013
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