Liene Nunes Saddi

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TECNOLOGIA E EXPRESSIVIDADE: reflexões sobre experimentações em videoarte e videoclipes na obra de Zbigniew Rybczyński

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Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9

TECNOLOGIA E EXPRESSIVIDADE:

Reflexões sobre experimentações em videoarte e videoclipes na obra

de Zbigniew Rybczyński

Liene Nunes Saddi 1

Resumo: A produção de videoclipes musicais, desde os anos 1970, vem se desenvolvendo em

intenso diálogo com questões trabalhadas pelos pioneiros da videoarte, como Nam June Paik, e

cineastas experimentais, como Zbigniew Rybczyński. A expansão da produção em videoarte e da

computer art ocupou, desde então, espaços em universidades, galerias e exposições, o que, de

certa maneira, preparou o terreno conceitual para que diretores e produtores de televisão e novas

mídias pudessem utilizar, em seu desenvolvimento de linguagem, a ideia básica do tempo inscrito

na imagem, a experimentação de novas relações espaço-temporais e novas maneiras de ver e

sentir o mundo.

Produzindo imagens para músicas, realizadores diversos desabrocharam seus mais produtivos

diálogos com iconografias tecnicistas e colagens ritmadas. Assim, encontraram, no fluxo que

afeta psiquicamente a vida das grandes metrópoles de hoje, subsídios para falar da fragmentação

de instantes na construção de sentidos que afetam o individual e o coletivo.

Entre estes diretores, o polonês e pioneiro Zbigniew Rybczyński, em diversos momentos de sua

trajetória como realizador, dialoga diretamente com questões caras à produção visual

contemporânea. Pesquisador e desenvolvedor de tecnologias visuais como o uso dos fundos em

chroma-key, sua configuração de imagens em „camadas‟, desde a década de 1970, vem

ressignificando a criação de narrativas digitais. Diretor de obras experimentais em videoarte

como “Plamuz” (1973), “Tango” (1980), e “Steps” (1987), seu trânsito com os canais de

comunicação ocorreu de maneira fortalecida, especialmente junto à televisão, ao dirigir

videoclipes musicais dos artistas Mick Jagger, John Lennon, Yoko Ono e Lou Reed, entre outros.

Ao elencar e analisar algumas de suas obras através de uma abordagem metodológica

transdisciplinar entre a Arte e a Tecnologia, propõe-se a reflexão sobre possibilidades

contemporâneas de expressividade e de modos de representação visual, através da reconfiguração

de elementos temporais e espaciais nos produtos da cultura visual.

Palavras-Chave: Vídeo-arte. Arte e Tecnologia. Videoclipe. Expressividade. Arte contemporânea.

Introdução

Um garoto entra por uma janela em busca de sua bola. Pega o objeto no cenário e

retorna para fora do quadro, pulando a mesma janela. Na sequência, volta a repetir este

movimento de entrada e saída, identicamente, e desta maneira prossegue por mais oito

minutos. Além dele, outros personagens entram em cena, observados em um plano de câmera

fixa, dentro do mesmo cenário: um cômodo com um armário, uma cama, um berço, uma mesa

de centro, uma janela e três portas. Por estas portas, outros trinta personagens entram e saem

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do quadro concomitantemente, realizando ações distintas, como comer ou trocar de roupa, em

ciclos intermináveis. São personagens que não interagem ou realizam trocas entre si, mas sim

com o cenário; tampouco poderiam estar ao mesmo tempo neste pequeno campo espacial, de

maneira verossímil, realizando estas ações simultâneas. Mas se encontram dispostos nesta

composição desvinculada do real graças aos recursos digitais de sobreposição em camadas de

imagens, utilizados pelo idealizador e diretor, Zbigniew Rybczyński, para a confecção da obra

comentada, um curta-metragem experimental intitulado “Tango” (1980).

Toma-se estas camadas do vídeo citado como ponto de partida para averiguar quebras

entre tempo e espaço propiciadas pelos recursos de edição e pós-produção na realização de

obras artísticas que se utilizam do suporte videográfico para a construção de suas poéticas.

Afinal, tendo como referência a percepção do espectador dotado de um tempo interno próprio

ao entrar em contato com a obra, diferentes elementos e espectros em movimento convergem

no mesmo espaço, sem índice ou relação com seus rastros, como coloca Philippe Dubois:

“... a imagem-vídeo não existe como tal, ou pelo menos não existe no espaço

(sempre há um único ponto por vez), mas apenas no tempo. Esse é um dado

fundamental do qual se esquece com muita frequência: a imagem de TV é

exclusivamente um problema de tempo”. (DUBOIS, 2004, p. 103).

A trajetória de Zbigniew Rybczyński, polonês nascido em 1949, na cidade de Lodz,

traz à tona questões muito próximas de discussões trazidas nas últimas décadas pelos

videoartistas que ocupam o campo dos museus e galerias. Contudo, sua discussão vem

acontecendo à parte deste circuito, sendo que a circulação de sua produção se insere

diretamente no meio televisivo, através da direção de dezenas de videoclipes musicais nas

décadas de 1970 e 1980, para artistas como John Lennon, Yoko Ono, Mick Jagger, Lou Reed,

entre outros. Atuando desde então em experimentações com o meio videográfico, foi um dos

pioneiros no desenvolvimento de pesquisas em animação digital, em técnicas de

representação digital e a criar dispositivos virtuais de composição imagética, com resultados

veiculados em larga escala, primeiramente por emissoras de televisão, e com maior

abrangência nos últimos anos, após o surgimento da Internet.

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas

(Unicamp).

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Para Rybczyński, utilizar o meio televisivo corporativo para veicular sua produção

artística é uma das maneiras de se utilizar a arte contemporânea como dispositivo de reflexão

para além do espaço da galeria. Assim como ele, videoartistas atuantes desde a década de

1980, como Paul Carrin, Bill Viola e Mary Perillo, também compartilharam a ideia de se criar

experiências sensoriais em um meio, até então, basicamente constituído por informação. Ao

assumirem e adentrarem o campo com propostas de desvios, trouxeram discussões e

contribuições internas ao meio artístico, as quais acabaram por ser incorporadas,

posteriormente, pelo canal de videoclipes musicais MTV.

O posicionamento de videoartistas em intenso diálogo com o uso da tecnologia como

forma de expressão artística se consolida na década de 1960, após o lançamento do primeiro

gravador de videotape portátil pela empresa Sony. Com preços mais acessíveis e tamanhos

com maior portabilidade, o desenvolvimento de tecnologias de gravação, edição e exibição de

vídeos possibilitou que os artistas envolvidos com experimentações em poéticas tecnológicas

ampliassem seu rol de intervenções. Desde então, pioneiros como Nam June Paik (1932-

2006) e Bill Viola (1951-) começaram a utilizar a tecnologia do vídeo para discutir processos

de criação, bem como extrapolar a relação original entre obra e receptor.

Diante de um cenário de experimentações, não demorou para que relações entre este

meio fossem estabelecidas junto à linguagem musical. E sobre esta adesão dos artistas do

vídeo à produção de videoclipes musicais, Arlindo Machado (1995), inclusive, coloca que o

grande evento televisivo, nos anos 1980, foi a transformação da vídeo-arte em television art.

Na contramão do engessamento que vinha constituindo a produção televisiva nas últimas

décadas, o videoclipe traria a quebra de narrativas e um diálogo com os intensos modos de

percepção da sociedade contemporânea. Com uma sociedade submersa em uma vida líquida,

a tecnologia passa a mediar a percepção e construção de conhecimento, como coloca Marshall

McLuhan:

“Uma vez que todos os meios não são senão extensões de nosso corpo e de nossos

sentidos, e assim como habitualmente traduzimos um sentido em outro, em nossa

experiência diária, não deve surpreender-nos o fato de os nossos sentidos

prolongados, ou tecnologias, repetirem o processo da tradução e assimilação de uma

forma por outra.” (McLUHAN, 1971, p. 137).

Diante desta contextualização perante a constituição de um campo para a circulação de

videoclipes musicais, acentuadas na última década com a circulação online de produtos da

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Cultura Visual pela Internet, o presente artigo prevê uma breve e pontual reflexão acerca do

diálogo de algumas das obras experimentais e videoclipes realizados por Rybczyński,

indicando seu trabalho pioneiro em questões temporais, presentes também na produção visual

contemporânea. Para isto, foram elencados os videoclipes “Diana D” (Chuck Mangione),

“Imagine” (John Lennon), “Stereotomy” (The Alan Parsons Project) e “Dragnet” (Art of

Noite), os quais trouxeram também, como extensão do campo videográfico, ressignificações

imagéticas em relação aos artistas musicais que representam.

“Diana D.” (1984)

“Diana D.” é um videoclipe produzido por Rybczyński para o músico e trompetista

Chuck Mangione, em 1984. Apresenta ao espectador uma atriz que, em trajes de ginástica, se

exercita e ordena seis monitores de TV, de aproximadamente quinze polegadas, de diferentes

maneiras durante o vídeo. Em cada monitor, é possível identificar um fragmento de

Mangione, de maneira que suas ordenações geram enquadramentos e revelações diferentes do

músico como um todo (FIG. 1). Em movimentos acelerados através de recursos de edição, a

atriz do videoclipe empilha seguidamente as televisões, levando-as de um lado para o outro

do cenário, um estúdio branco. O músico Chuck Mangione, com isso, aparece fragmentado

dentro de cada monitor, os quais mediam sua relação tanto com a própria atriz - que aparece

deitada ou sentada sobre os monitores - quanto com o espectador, como telas inseridas dentro

da própria tela por onde se assiste o vídeo. Com caráter similar a uma performance, a atriz

ajeita também os fios elétricos que ligam cada televisão, revelando o mecanismo de

funcionamento por detrás dos aparelhos. Já o músico, ao aparecer deitado com monitores na

horizontal ou estendido com monitores na vertical, provoca também a percepção do

espectador, ao entrar e sair do quadro de maneira pouco usual.

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FIGURA 1: Frame do videoclipe “Diana D.” (1984).

Esta indicação de janelas midiáticas como recortes de enunciações aparece de maneira

recorrente em outros momentos da produção do diretor, como no vídeo “Mein Fenster” (My

Window), de 1979 (FIG. 2). Neste vídeo, é apresentada uma televisão com um âncora de um

programa jornalístico realizando a leitura de notícias bélicas. Além da televisão, há também,

presente no cenário, uma garrafa de vidro, com água, e um pássaro em uma gaiola. Ao longo

do vídeo, a sensação é de que o eixo da gravidade está sendo invertido em cada elemento

disposto, pois a água dentro da garrafa, o pássaro dentro da gaiola e o repórter dentro do

monitor passam a girar em torno do próprio eixo, sem que os objetos fixos mudem de posição

no cenário. O discurso sobre a mediação deste suporte acontece também na obra “Media”

(1980), em que o personagem principal, dentro de uma sala com negativos de filmes, interage

com um globo terrestre virtual, através de dois monitores de TV, sendo um a cores, e o outro

preto e branco (FIG. 3). Neste movimento com o globo, não é possível identificar se o que

está sendo representado pelo monitor frontal de fato está acontecendo ao personagem, uma

vez que a imagem dos monitores se sobrepõe, acompanhando o movimento, e revelando pelo

monitor frontal um cenário diferente do que o que o personagem se encontra.

FIGURA 2: Frame de “Mein Fenster” (1979) FIGURA 3: Frame de “Media” (1980)

As relações estabelecidas por estes três vídeos, ao apresentarem interações entre

personagens e monitores – ou entre o espectador e o recorte dos monitores – nos indica, de

alguma maneira, as condições de visionamento de obras contemporâneas, que se ampliaram

para além do contato com a imagem-matéria, ditado pela espacialização, ou pelo contato com

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a imagem fílmica, permeado pelo escurecimento, pela sala escura. Ao termo que Jose Luis

Brea atribui à imagem eletrônica, a e-imagem, esta nova condição de visionamento indica a

ubiquidade e a onipresença da imagem, presente e permeando as relações sociais de seu

público (BREA, 2012).

Em relação à questão temporal que permeia estas imagens, pode-se dizer que o tempo

dos personagens nestes vídeos não condiz com o tempo representado em cada monitor: desta

maneira, o realizador quebra a possibilidade de uma história linear, sobrepondo duas camadas

de tempo em fragmentos, através de um estado de colisão. Este processo de ruptura temporal

é, com frequência, encontrado na produção visual contemporânea e trabalhado pelos

videoartistas nas últimas décadas, o que vem desencadeando mudanças sensoriais na

percepção destas obras. Estes artistas possuem práticas, como coloca Nicolas Bourriaud

(2009), de percursos entre signos já existentes, cabendo a estas figuras expressivas a invenção

de itinerários culturais. O mesmo autor também indica a construção de modos de existência

dentro do real a partir dos meios existentes:

“En otras palabras, las obras ya no tienen como meta formar realidades imaginarias

o utópicas, sino constituir modos de existencia o modelos de acción dentro de lo real

ya existente, cualquiera que fuera la escala elegida por el artista. Althusser decía que

siempre se toma el t ren del mundo en marcha; Deleuze, que "el pasto crece en el

medio" y no abajo o arriba. El art ista habita las circunstancias que el presente le

ofrece para transformar el contexto de su vida (su relación con el mundo sensible o

conceptual) en un universo duradero” (BOURRIAUD, 2008, p. 12).

“Imagine” (1986)

O videoclipe de “Imagine”, produzido para o músico John Lennon, conta como

recurso principal com uma espécie de movimento de travelling interminável, que se inicia em

um cômodo claro com uma bicicleta infantil posicionada, e prossegue em ritmo contínuo,

revelando cômodos idênticos em momentos distintos e com pessoas diferentes (FIG. 4). O

que liga estes cômodos é uma porta ao lado direito do quadro, pela qual alguns dos

personagens atravessam os cômodos, aparecendo do outro lado seja com roupas diferentes,

seja em idades diferentes. Crianças, adultos, senhores, d iferentes elementos cenográficos, o

músico John Lennon, a artista Yoko Ono, e até um cavalo branco são revelados por entre esta

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porta, até que a câmera atinge a disposição inicial do cenário, com a bicicleta infantil, e

finalmente para o movimento, encerrando o clipe.

FIGURA 4: Frame do videoclipe “Imagine” (1986).

A proposta de se abordar o interminável também é tema recorrente na obra de

Rybczyński. Em seu já citado vídeo “Tango”, de 1980, as figuras que aparecem em camadas

no cenário, no ritmo da música, entram e saem do cenário através de três portas e uma janela

dispostas no cômodo. O ciclo só se interrompe quando, ao final do vídeo, as camadas vão

diminuindo paulatinamente, e a última personagem em cena, uma senhora deitada na cama, se

levanta e quebra pela primeira vez a repetição de movimentos do vídeo, ao pegar a bola no

início da história. A diferença primordial em relação ao videoclipe “Imagine”, é que neste

caso o cenário se encontra estático, e são os personagens que se apropriam dele, interagindo

com seus elementos (FIG. 5). Já no vídeo de John Lennon, é a câmera quem conduz a

narrativa, deixando sempre para trás, perdidos no tempo, os personagens que já apareceram.

O fluxo de imagens, ditado também pelos modos de viver da contemporaneidade, se reflete no

vídeo:

“No cinema ou vídeo, para acompanhar o fluxo de imagens é preciso estar atento

para metabolizar não só as imagens, mas também o fluxo, e apreender o seu

direcionamento e sua significação” (TRIVINHO, 1999, p. 42).

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FIGURA 5: Frame de “Tango” (1980)

Esta noção de se deixar para trás elementos e pessoas que estão no caminho, ao longo

da narrativa, também é encontrada em uma das primeiras produções de Zbigniew, de 1976.

Trata-se de “Oh! I can‟t stop!” (Oj! Nie moge sie zatrzymac!), vídeo trabalhado com o ponto

de vista da câmera em primeira pessoa. Não se sabe quem é o anônimo que conduz o olhar e o

discurso, mas em todas as vezes que esta câmera passa próxima a pessoas no caminho, ouve-

se um grito, de dor ou desespero. Utilizando a técnica de câmera acelerada, a cidade passa

inteira pela câmera, desde as áreas mais afastadas e desertas, com árvores e campo, até o

centro movimentado, com carros, bicicletas (FIG. 6). A câmera atravessa casas, paredes,

construções, placas, dando a impressão de se constituir como um plano-sequência, sem cortes.

Ao longo do vídeo, o ritmo se acelera até que não se consiga mais distinguir seu trajeto,

exceto pela percepção de que se está em todos os lugares e, ao mesmo tempo, não se pertence

a nenhum. Por fim, no ápice da intensidade do ritmo, uma das paredes de um prédio

interrompe essa câmera, resultando em um grito de colisão e em uma grande mancha

vermelha, remetendo a sangue, por toda esta parede.

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FIGURA 6: Frame de “Oh! I Can‟t Stop!” (Oj! Nie moge sie zatrzymac !)

Esta abordagem do interminável é também assumida por outros artistas visuais

contemporâneos, em especial por Andy Warhol, precursor na exploração do tempo através

dos recursos do vídeo. Ao utilizar esta tecnologia para criar obras com desconstruções de

narrativas, alguns dos artistas utilizam a estratégia do loop para que um fragmento se repita

várias vezes, com emendas entre o começo e o fim, para que não se identifique o ponto de

partida ou de chegada da narrativa. No caso de alguns dos vídeos citados, em especial

“Tango”, além dos loops realizados, o aumento consecutivo de camadas cria a mesma

sensação de repetição, mas com a construção contínua de um cenário em movimento

constante. Já em “Oh! I can‟t stop!”, a paisagem se integra ao fluxo percebido, implicando na

aniquilação do próprio espaço:

“A paisagem se torna fluxo, cintilação, desaparecendo por completo caso a

velocidade seja ainda mais incrementada. Nessa condição, o que impera é o tempo

ou, se se quiser, o espaço-tempo – composto em que o espaço não é físico,

geográfico, mas tão-somente lapso, ínterim, tempo ultracurto” (TRIVINHO, 1999 p.

41).

Especialmente em “Imagine”, aproximações poéticas nunca antes trabalhadas por

outros meios são trazidas aos conceitos de espaço e tempo, uma vez que não se pode falar de

movimentos de câmeras ou de contiguidade com o espaço (MACHADO, 1995). O tempo flui

de novas maneiras, apresentado em uma ordem visual que extrapola o conceito de

representação. Como coloca Edmond Couchot, “não se trata mais de figurar o que é visível:

trata-se de figurar aquilo que é modelizável” (COUCHOT, 1993, p. 43).

“Stereotomy” (1986)

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“Stereotomy” é um vídeo musical criado para o grupo de rock progressivo The Alan

Parsons Project, em 1986. O grupo abordou, em sua trajetória musical, questões relacionadas

ao consumismo, ao tempo, ao psicanalismo e à vida urbana. No álbum onde se insere esta

canção, de nome homônimo, o grupo apresenta pontos de vista de personagens com diferentes

doenças mentais, sendo a palavra stereotomy referência a um conto de Edgar Allan Poe, que

indica o corte de formas sólidas em diferentes formas. Na música, é utilizada como uma

metáfora para as mudanças que os artistas da indústria cultural sofrem em função das

demandas do mercado.

Neste videoclipe, Zbigniew preenche os cenários, previamente filmados, com figuras

digitais que representam pessoas executando passos de dança. Estas figuras foram criadas a

partir da técnica de animação chamada pixelation, que apresenta imagens configuradas

através da disposição de pixels em tamanho visível ao olho humano (FIG. 7). Cabe ressaltar

que a mesma técnica já vinha sendo utilizada pelo diretor desde sua primeira produção, em

1972, intitulada “Kwadrat”. Neste vídeo experimental, grandes quadrados brancos acendem e

apagam na tela escura, realizando diferentes combinações até diminuírem de tamanho e

formarem figuras em pixels, que assim como no videoclipe para o grupo The Alan Parsons

Project, também representam pessoas em movimento. Ao longo do vídeo, os fragmentos

dessas representações se combinam de maneira aleatória em posições e cores distintas,

criando mosaicos visuais com a estética do pixel (FIG. 8) – a mesma localizada nas primeiras

criações para jogos de videogame. Além dos quadrados em diversas cores, são formados

também mosaicos com pedaços de fotografias, a partir das quais se originam as figuras

pixeladas. Ao final, a aproximação desses mosaicos resulta em quadrados cada vez maiores,

até que se atinja novamente o grande quadrado branco presente no início do vídeo. A

característica do digital, de construção de imagens em pixels, propicia que esta aproximação e

desconstrução da referência original resulte em combinações e resultados visuais novos ao

olhar humano.

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FIGURA 7: Frame de “Stereotomy” (1986) . FIGURA 8: Frame de “Kwadrat” (1974)

No caso do videoclipe, inseridas em camadas com outros vídeos, estas figuras digitais,

representando pessoas através de pixels, interagem espacialmente com outras pessoas já

dançando nos vídeos originais, sem que se toquem. Nos vídeos originais, da camada-base, as

repetições, cortes e pausas nos movimentos dos dançarinos, criam quebras na organicidade de

movimentos, despertando novas sensações ao olhar. Estes movimentos, além de terem sido

editados de maneira ritmada junto à música, também orientam a orientação do quadro, que se

inclina uma série de vezes, revelando por detrás uma terceira camada, com imagens de

cenários naturais como nuvens, vulcões e o espaço. Novamente, a presença de janelas

limitando ou extrapolando o quadro midiático, onde o movimento do quadro é diretamente

relacionado ao movimento dos dançarinos e das figuras virtuais, que ditam sua direção.

O uso de elementos geométricos e de camadas de cores para acompanhar músicas

pode ser encontrado, na vídeo-arte, desde a década de 1970. E apesar de ser atribuído a Nam

June Paik a realização do primeiro vídeo musical com a utilização de recursos tecnológicos

para o desenvolvimento da estética do videoclipe (MACHADO, 1995), a obra “Global

Groove”, de 1973, cabe ressaltar que é do mesmo ano a produção de “Plamuz”, vídeo

experimental de Zbigniew Rybczyński, já colocado nesta época sob a chancela de music art

pelo diretor. Trata-se de uma sessão de improvisos em jazz, onde cada músico é representado

por diferentes faixas de cores que dividem a tela, e que aumentam, diminuem ou se tornam

borrões e vultos de cores conforme sua intervenção na música (FIG. 9). Este pioneirismo na

ilustração plástica de composições musicais aproximou, pelos anos seguintes, o diálogo da

obra visual de Zbigniew com o campo musical.

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FIGURA 9: Frame de “Plamuz” (1973)

“Dragnet” (1987)

O videoclipe e música-tema do filme de paródia policial intitulado “Dragnet” (1987),

trabalha basicamente com a inserção dos músicos da banda de synthpop Art of Noise em

ações sobrepostas às cenas do filme. Os músicos se deslocam entre cenas já gravadas do

filme, interagindo visualmente com o espaço e com as ações ocorridas. De maneira similar,

no mesmo ano, o diretor Rybczyński realiza o curta-metragem experimental “Steps”, onde um

grupo de turistas norte-americanos é levado a um passeio „virtual‟ às cenas mais

emblemáticas de “O Encouração Potenkim”, de 1925, dirigido por Sergei Eisenstein (FIGS.

10 e 11).

FIGURA 10: Frame de “Steps” (1987) . FIGURA 11: Frame de “Steps” (1987).

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Em ambas as obras, o trabalho a partir de objetos já em circulação no mercado

cultural, chamado também de apropriação, produz novas significações e insere os objetos em

novos enredos e narrativas, método presente na tipologia da pós-produção, em que são

reprogramadas obras existentes para se inscrever a obra de arte em uma rede de signos, ao

invés de se compreendê-las como formas autônomas (BOURRIAUD, 2009). Desta maneira,

para que se decodifique e se tenha acesso aos conteúdos propostos pelas obras, é preciso que

o público também porte este repertório intertextual, relacionando a presença de tempos

distintos em um mesmo objeto artístico.

Conclusões

O tempo configurado como recurso de expressividade e como ponto de partida para a

construção de novos sistemas de representação. Diante dos videoclipes e vídeos experimentais

analisados, observa-se que a relação de Zbigniew Rybczyński com as possibilidades

expressivas do campo tecnológico se constitui, desde a década de 1970, através do uso,

invenção e desenvolvimento de técnicas e algoritmos que oferecem novas maneiras de se

experimentar as criações artísticas para o meio videográfico. Acima de tudo, observa-se que o

meio foi utilizado pelo artista no estabelecimento de conexões pós- indiciais entre as imagens

e seus referentes. Enquanto a imagem indicial, presente em boa parte de trabalhos

fotográficos, remete a um referente determinado que a causou (DUBOIS, 2004), os vídeos

apresentados remetem de maneira concomitante a diferentes traços, nos casos de

sobreposições de gravações, e em alguns momentos sequer possuem traços do real do

espectador, por terem sido criados exclusivamente através de recursos digitais. A

manipulação artificial de imagens, utilizada desde os primórdios da história do cinema por

Georges Meliés, de modo manual, toma corpo e nova velocidade nas últimas décadas com a

imagem sintetizada e efeitos gráficos que afastam o vídeo de padrões figurativos: “na

modalidade digital, os códigos numéricos correspondentes aos sinais eletrônicos podem

sofrer praticamente qualquer sorte de manipulação...” (MACHADO, 1995, p. 161).

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Neste sistema de representação recente, da imagem eletrônica, o tempo também passa

a ser incorporado, expandindo as possibilidades de ilusões de movimento oriundas do meio

cinematográfico. No vídeo, é possível, através da pós-produção, fazer com que o tempo

pareça fluir de acordo com o mundo real do público, sobrepondo camadas de imagens e

multiplicando as possibilidades de percepção. Como coloca Nicolas Bourriaud, a pós-

produção designa também a invenção de “protocolos de uso para os modos de representação

e as estruturas formais existentes” (BOURRIAUD, 2009, p. 14).

Ao incorporar o tempo dentro do vídeo, especialmente na produção de videoclipes

para artistas musicais, largamente difundidos no meio televisivo a partir da década de 1980 e

com potencialização de difusão desde o advento da Internet, Rybczyński acaba por

estabelecer um frutífero diálogo com os videoartistas presentes na galeria, retomando

questões colocadas em debate no campo da arte contemporânea, como o aspecto processual

das práticas artísticas, a aproximação da arte com a vida e a quebra com os espaços

expositivos tradicionais.

E se desde o início do século XX, artistas de diferentes movimentos artísticos vem

trabalhando a representação de novos conceitos de tempo, seja ao fundir diferentes pontos de

vista de um objeto em uma única imagem, ao justapor movimentos em uma única composição

ou ao realizar retratos imagéticos em estados oníricos, as últimas décadas e a virada do último

século legitimam as possibilidades de expressão do vídeo, do analógico ao digital, com a

ampliação de meios tecnológicos, câmeras de fácil acesso, programas de edição e de

computação gráfica. Rybczyński e outros artistas do meio se aproximaram destes recursos

expressivos para trazer à tona, através de suas obras visuais, novas percepções sobre o tempo.

Desta maneira, puderam construir, a partir do não- linear, das técnicas de processamento de

imagens e das redes de efeitos gráficos, narrativas de pertencimento em maior aproximação

junto aos modos de viver contemporâneos.

Referências Bibliográficas

BOURRIAUD, Nico las. Estética Relacional. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2008.

BOURRIAUD, Nico las. Pós-Produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo : Mart ins

Fontes, 2009.

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