Post on 13-Feb-2019
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
Lições do PROINFA e do Leilão de Fontes
Alternativas para a Inserção da
Bioeletricidade Sucroalcooleira na Matriz
Elétrica Brasileira1
Nivalde José de Castro2
Guilherme de Azevedo Dantas3
1 Publicado no: 30 Congresso Internacional de Bioenergia. Curitiba, 2008. 2Professor da UFRJ e coordenador do GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia. 3 Mestre em Economia e Política da Energia e do Ambiente pela Universidade Técnica de Lisboa e Pesquisador do GESEL/UFRJ.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
Resumo
A participação da bioeletricidade sucroalcooleira no sistema elétrico
brasileiro é ínfima perto do seu potencial. A estrutura atual do setor
elétrico é compatível com a sua inserção. A conjuntura energética
atual clama pelo aumento desta participação na matriz energética
brasileira. Contudo, os resultados dos instrumentos utilizados pelo
governo para a contratação desta energia foram decepcionantes.
Estes fracassos devem servir de subsídios para a elaboração dos
instrumentos futuros, sobretudo o leilção de energia de reserva.
Palavras-chaves: bioeletricidade, sucroalcooleiro, bagaço, preço-
prêmio
Abstract
PROINFA and LFA´s for the Sugaralcool Bioeletric Insertion in Brazilian
Eletric Matrix
The sugaralcool´s bioeletric participation in brazilian eletric system
is lower than your potential. The actual estruture of eletric system
is compatible with your insertion. The actual energetic subject
conjuncture claims for the rise of this participation in brazilian
energetic matrix. Although, the result of the instruments adopted
for the state were disapointing. The failure shall serve as input for
formulate future instruments, essencially the LER.
Key-words: bioeletric, sugaralcool, bagasse, price-premium
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
INTRODUÇÃO
A indústria sucroalcooleira brasileira é tradicionalmente auto-suficiente em
termos energéticos4. A queima do bagaço, maior dejeto da agroindústria
brasileira, permite que as usinas do setor supram suas necessidades de
energia térmica, mecânica e elétrica. Historicamente as usinas optaram pela
utilização de tecnologias de baixa eficiência porque o objetivo era maximizar
a queima do bagaço dada à dificuldade de estocagem.
A evolução tecnológica do setor sucroalcooleiro associada às mudanças no
paradigma tecnológico e do ambiente institucional da indústria de energia
elétrica abriu uma imensa janela de oportunidade para investimentos em
tecnologias capazes de gerarem expressivos excedentes de energia elétrica.
Estas mudanças são estruturais e ocorrem em uma conjuntura também
bastante favorável à inserção da bioeletricidade devido à necessidade de se
atenuar o conflito cada vez mais latente entre segurança do suprimento
energético e sustentabilidade ambiental.
Os subprodutos do setor sucroalcooleiro anteriormente considerados dejetos
indesejados se transformaram em valiosos insumos produtivos através da
evolução tecnológica verificada nos últimos anos, sendo atualmente
utilizados por exemplo como fertilizantes e na produção de produtos
petroquímicos (PARRA, 2005). O principal uso do bagaço permanece sendo
energético, onde tecnologias modernas permitem uma geração na ordem de
300 KWh por tonelada de cana processada. Associa-se a mudança no
ambiente tecnológico, uma conjuntura expansiva na produção brasileira de
açúcar e sobretudo de álcool garantindo juntamente com o fim das 4 De acordo com CORRÊA NETO e RAMON (2002), a queima do bagaço atende a 98% das necessidades energéticas do processo produtivo de álcool e de açúcar.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
queimadas uma expressiva oferta de biomassa a ser utilizada para produção
de eletricidade.
Por outro lado, a indústria de energia elétrica vem passando por uma
mudança de paradigma tecnológico com a redução da importância da escala
na geração térmica e a gradativa substituição da geração centralizada pela
geração distribuída. Concomitantemente, o setor elétrico passou por uma
reforma liberalizante ao longo da década de 90 objetivando aumentar a
eficiência do setor e garantir a adequada expansão da oferta. Desta forma, a
desverticalização do setor5 ao permitir a competição no segmento de geração
possibilita a inserção da bioeletricidade no mercado elétrico brasileiro.
Os formuladores de política energética se deparam atualmente com um
desafio: garantir a segurança do suprimento energético a preços
competitivos sujeitos às restrições impostas pela necessidade de se mitigar o
aquecimento global. A maior utilização de fontes renováveis de energia e
principalmente o aumento da eficiência energética são os dois instrumentos
existentes para atenuação deste conflito. A bioeletricidade sucroalcooleira é
inteiramente compatível com estes dois instrumentos pois é gerada a partir
do bagaço, em um processo de elevada eficiência energética e encontra-se
próxima ao centro de carga brasileiro. Além disso, é complementar a geração
hídrica aumentando de maneira relevante a segurança do sistema6. Portanto,
sua inserção na matriz elétrica brasileira deve ter elevado grau de prioridade.
A presença de um marco regulatório consolidado, a definição das regras de
acesso à rede, o patamar de preço atual do MWh transacionado no mercado
brasileiro, a possibilidade de utilização da palha como combustível e o 5 Ver SOUZA (2003). 6 Ver KITAYAMA (2007).
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
crescente volume financeiro transacionado no mercado de carbono
minimizaram os principais entraves à promoção da bioeletricidade
sucroalcooleira. Porém, a contratação de bioeletricidade no PROINFA e no
Leilão de Fontes Alternativas – LFA - teve um resultado bastante aquém do
desejado. O fracasso destes mecanismos passa pelas diferentes expectativas
de retorno entre os agentes do setor elétrico e do setor sucroalcooleiro e a
dificuldade de se mensurar de forma exata o custo de produção da
bioeletricidade, dificuldade inerente a qualquer mercado emergente e ainda
sem liquidez.
Este artigo pretende discutir a partir dos resultados do PROINFA e do recente
Leilão de Fontes Alternativas os principais motivos pelos quais a
bioeletricidade não vem sendo inserida na escala adequada no sistema
elétrico brasileiro. Tal análise visa subsidiar os agentes do setor sobre as
perspectivas futuras para bioeletricidade, a começar pelos leilões de energia
de reserva marcados para 2008 (CASTRO e DANTAS, 2008a). Neste sentido
o trabalho está estruturado em cinco partes. A primeira trata do potencial
da bioeletricidade. A segunda examina os benefícios da bioeletricidade. A
terceira procura identificar as oportunidades econômicas e ambientais da
bioeletricidade. A quarta analisa os resultados do PROINFA e do LFA. Por fim
são apresentadas as conclusões observadas.
1 – O POTENCIAL DA BIOELETRICIDADE
A energia da cana tem relevante participação na matriz energética brasileira
devido ao consumo de álcool combustível em larga escala desde o fim dos
anos 70. Contudo, o potencial energético da cana é muito superior a energia
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
contida no álcool combustível. Uma tonelada de cana de açúcar contém
energia primária equivalente a energia presente em 1,2 barris de petróleo.
Deste potencial energético, a sacarose a partir da qual se produz o álcool
possui apenas 1/3 da energia da cana, os outros 2/3 estão contidos no
bagaço e na palha. Logo, nota-se o imenso potencial para a geração de
eletricidade a partir da biomassa da cana de açúcar.
Devido às dificuldades de estocagem do bagaço e a pouca relevância do
mercado de bagaço in natura, a tecnologia tradicionalmente empregada nas
usinas foi de contrapressão capaz de gerar modestos 12 KWh por tonelada
de cana processada, sendo assim suficientes para garantir a auto-suficiência
energética das usinas (CORRÊA NETO e RAMON, 2002). Entretanto,
tecnologias mais eficientes são capazes de gerar um significativo excedente
de energia elétrica que pode ser comercializado.
Conforme SOUZA (2003), caso as usinas localizadas no Estado de São Paulo
tivessem instalado caldeira de 81 bar em substituição a caldeira de 21 bar e
turbinas de extra-condensação em substituição as turbinas de contrapressão
juntamente com um novo gerador, as usinas paulistas poderiam ter gerado
na safra 2001/02, na qual foram processadas 197.397.811 toneladas de
cana, um excedente comercializável médio de energia de 2.184 GWh
mensais. No mesmo período, o racionamento de energia estabeleceu uma
redução média mensal de 2.155 GWh à região Sudeste. Desta forma, nota-
se que investimentos em tecnologias mais eficientes poderiam ter evitado o
racionamento.
De acordo com KITAYAMA (2007), para a safra de 2020/21 é estimada uma
exportação de 28.758 MW representando uma potência instalada para em,
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
assegurando 14.379 MWmed que poderá ser incorporado ao sistema
interligado nacional (SIN). Estes cálculos tomam como base à projeção de
1038 milhões de toneladas de cana com a utilização de 75% do bagaço
disponível e 50% da palha disponível.
Embora ainda seja inviável economicamente, a tecnologia de gasificação
poderá elevar o potencial de geração de energia elétrica pelas usinas. Dentre
as várias alternativas tecnológicas de gasificação, a Biomass Intregrated
Gaseification Turbine Combined Cycle é a mais eficiente (CORRÊA NETO e
RAMON, 2002) , permitindo a geração de 270 KWh excedentes por tonelada
de cana processada. Tomando como base à estimativa de 1038 milhões de
toneladas de cana em 2020/21 isto representaria uma energia assegurada
em torno de 28 MWmed7.
2 – OS BENEFÍCIOS DA BIOELETRICIDADE
A bioeletricidade sucroalcooleira é uma energia renovável produzida através
do eficiente processo de co-geração8 e gerada próxima ao centro de carga.
Logo, é compatível com a segurança energética ao reduzir as perdas na
geração e na rede e com a sustentabilidade ambiental por ser produzida a
partir de um recurso renovável e com elevada eficiência. Além disso, por ser
fonte de geração distribuída a bioeletricidade também reduz os impactos
ambientais, ainda que pequenos, oriundos da expansão da rede de
transmissão.
7 Estes cálculos desconsideram a utilização da palha como combustível. O estudo de CORRÊA NETO e RAMON (2002) inclui a utilização da palha para a geração de eletricidade durante todo o ano. 8 Co-geração é a produção simultânea de duas formas distintas de energia a partir de um mesmo combustível.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
É importante frisar que diferente da maioria das fontes renováveis de
energia, a bioeletricidade sucroalcooleira é extremamente competitiva
porque utiliza como combustível um resíduo da produção de álcool e de
açúcar. Portanto, está de acordo com a modicidade tarifária, um dos
objetivos centrais do atual marco regulatório do SEB – Setor Elétrico
Brasileiro.
De acordo com CASTRO e DANTAS (2008a), a bioeletricidade sucroalcooleira
é perfeitamente complementar à geração hídrica porque o período da safra
sucroalcooleira (entre abril e novembro) coincide com o período seco na
região Sudeste, onde estão localizados cerca de 70% dos reservatórios
brasileiros. Desta forma, a geração de bioeletricidade ao mitigar o risco
hidrológico é fundamental para o aumento da segurança da oferta brasileira
de eletricidade.
Além dos benefícios nos âmbitos energéticos e ambientais, a promoção da
bioeletricidade apresenta impactos sócio-econômicos positivos porque gera
renda no campo e estimula a indústria de bens de capital, tendo em vista
que os equipamentos que são utilizados na planta sucroalcooleira são
ofertados pela indústria nacional, economizando divisas. Por fim, cabe frisar
o reduzido tempo de construção inferior a 20 meses e a maior facilidade de
obtenção de licença ambiental comparado a outras usinas de geração de
energia elétrica. Assim sendo, estas características permitem respostas mais
rápidas à expansão da demanda por energia elétrica.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
4 – A JANELA DE OPORTUNIDADE PARA A BIOELETRICIDADE
DANTAS (2008) relata que o expressivo aumento da demanda por energia
verificado já na primeira década do século XXI e uma projeção baseada
nesta performance para as próximas décadas, em especial devido ao
crescimento exponencial do consumo de energia nos países em vias de
desenvolvimento, por si só já ocasiona dúvidas relativas ao segurança do
suprimento de energia, indicando assim uma tendência de crise de energia
para o século XXI. Além de aumentar a emissão de gases do efeito estufa,
este aumento do consumo de energia ocorre em um momento que não
existem dúvidas da influência antrópica, sobretudo devido ao setor de
energia, nas alterações climáticas atuais e na necessidade de se mitigar o
aquecimento global de forma imediata. Logo, o combate ao aquecimento
global ao restringir a expansão da oferta de energia potencializa a
possibilidade de uma crise de energia no decorrer das próximas décadas.
O aumento da eficiência energética, tanto no consumo final como na geração
de energia, é o instrumento mais importante para compatibilizar a segurança
da oferta de energia com sustentabilidade ambiental. O outro instrumento
utilizado é o aumento da participação das fontes renováveis de energia na
matriz energética mundial, entretanto, este instrumento ainda é incompatível
com o objetivo de ofertar energia a preços competitivos porque as fontes
renováveis de energia possuem um custo de geração superior às fontes
fósseis de energia.
Embora o Brasil tenha uma matriz energética privilegiada com a participação
de aproximadamente 45% de fontes renováveis de energia comparada à
média mundial de 13% (MME, 2007), a geração de energia renovável no
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
Brasil ainda encontra-se muito aquém do seu potencial. Dentre as fontes
renováveis de energia a serem exploradas, a bioeletricidade sucroalcooleira
possui grande importância pelos benefícios analisados anteriormente. A
inserção de fontes alternativas energéticas na matriz energética brasileira
está muito mais relacionada à questão da segurança do suprimento do que
ambiental, entretanto, não se pode abstrair a problemática do aquecimento
global, mesmo que a emissão de gases do efeito estufa brasileira esteja
relacionada ao desmatamento e não ao setor energético (SOUZA e
AZEVEDO, 2006). Além disso, a geração de bioeletricidade é compatível
com a obtenção de créditos de carbono9, os quais podem ter um impacto
significativo na viabilidade econômica da bioeletricidade.
Após o ciclo expansivo do álcool no final da década de 70 e do ciclo
expansivo do açúcar na década de 90, o setor sucroalcooleiro brasileiro
encontra-se no seu terceiro ciclo expansivo e desta vez em uma conjuntura
favorável para o açúcar e principalmente para o álcool. TETTI (2005) afirma
que a redução do protecionismo no mercado internacional de açúcar irá
aumentar a exportação de açúcar brasileiro enquanto que a demanda interna
por álcool irá aumentar de forma exponencial devido ao crescimento da frota
de veículos flex fuel. Adicionalmente a demanda por álcool será impactada
pelo aumento das exportações devido à necessidade de redução do consumo
de combustíveis fósseis.
RODRIGUES (2005) faz uma projeção extremamente conservadora para a
demanda por açúcar que deverá ser de aproximadamente 40 milhões de
toneladas em 2013, dos quais em torno de 70% serão destinados ao
mercado externo, enquanto que a produção de álcool é estimada em
9 Ver DANTAS (2008).
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
aproximadamente 31 bilhões de litros, sendo 80% destinado ao mercado
interno. Portanto, o atual ciclo expansivo do setor garante a oferta de
biomassa necessária para a maximização da geração de excedentes de
energia elétrica.
No que se refere ao ambiente tecnológico e institucional do setor elétrico
para a inserção da bioeletricidade, é necessário considerar as mudanças que
vem se verificando no mesmo nos últimos 20 anos. A indústria do setor
elétrico se expandiu baseada no paradigma tecnológico da geração
centralizada em larga escala com o intuito da exploração de economias de
escala. Entretanto, a evolução tecnológica reduziu a escala mínima eficiente
e a geração centralizada tende a perder espaço para a geração distribuída, a
qual reduz a perda nas redes e a necessidade de expansão da rede de
transmissão.
Em termos organizacionais, o modelo do setor elétrico ao longo do século
passado foi o de uma indústria integrada verticalmente com o intuito de
reduzir os custos de transação. Contudo, as ineficiências verificadas neste
modelo a partir da década de 70 resultaram em uma onda de reformas
liberalizantes com o objetivo de garantir a expansão da oferta de energia
elétrica de forma adequada e a preços competitivos (SOUZA, 2003). As
bases técnicas da reforma do setor elétrico estavam assentadas na inserção
de competição nos segmentos da cadeia produtiva potencialmente
competitivos: geração e comercialização. Para que tal competição seja
viável é necessária que se garanta o acesso dos agentes entrantes nos
segmentos da produção caracterizados como monopólio natural: transmissão
e distribuição. Esta nova estrutura organizacional permite a entrada de novos
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
geradores de energia elétrica na indústria, dentre os quais, as usinas
sucroalcooleiras.
Os benefícios da bioeletricidade associados à estrutura e a conjuntura
extremamente favorável à inserção da bioeletricidade sucroalcooleira no SEB
abrem uma janela de oportunidade única para a inserção da bioenergia
canavieira em larga escala na matriz elétrica brasileira. Porém, verifica-se
uma atitude ainda conservadora por parte do setor justificada nos últimos
anos por uma série de entraves à promoção da bioeletricidade, entre os
quais, a instabilidade regulatória, a remuneração do MWh, a falta de liquidez
no mercado de carbono, o custo de oportunidade do bagaço e os custos de
conexão à rede. Uma análise mais detalhada destes entraves mostra que a
maioria deles já foi superada.
De acordo com COSTA (2006), após a crise energética de 2001 que expôs as
fragilidades da reforma do setor elétrico brasileiro ocorrida nos anos 90, foi
estabelecido em 2004 um novo marco regulatório para o setor . Os
resultados apresentados nos últimos anos indicam a consolidação do
modelo10. No caso específico da bioeletricidade, a mesma pode ser
transacionada no âmbito do ambiente de contratação regulada por ser
competitiva com usinas térmica convencionais ou no ambiente de
contratação livre. Além disso, a bioeletricidade pode ser transacionada com
as distribuidoras como fonte de geração distribuída de acordo com as regras
presentes na legislação.
O novo modelo do setor elétrico, criado a partir da reestruturação que
ocorreu em 2003-2004, possui planejamento determínistico e não acredita
10 Ver CASTRO (2005).
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
que somente o livre jogo das forças de mercado seja capaz de promover a
alocação ótima dos recursos garantindo a adequada expansão da oferta. Para
superar este limite e incapacidade dos agentes privados criarem oferta
suficiente para atender, dinamicamente, a demanda de energia elétrica da
economia é necessária a coordenação mais efetiva e presente do Estado.
Desta forma, devido à descrença em que as forças do mercado sejam
capazes de promoverem fontes renováveis de energia, o governo criou
programas especiais de contratação de energia elétrica gerada a partir de
fontes renováveis de energia, como o PROINFA e o leilão de fontes
alternativas de energia.
A partir do que foi analisado nos parágrafos anteriores, a instabilidade
regulatória não pode ser apontada como um entrave à promoção da
bioeletricidade porque além de estar consolidado o marco regulatório
brasileiro apresenta programas específicos para a contratação desta energia
independentes das formas tradicionais de comercialização de energia
elétrica.
Assim, a questão central é a determinação da remuneração para os
investimentos em bioeletricidade. Trata-se de uma questão complexa porque
envolve informações assimétricas, diferença entre as taxas de retorno do
setor elétrico, taxas de retornos do setor sucroalcooleiro e discussão
referente à internalização das externalidades positivas da bioeletricidade.
Como mencionado anteriormente, os créditos de carbono podem ter um
importante papel na viabilização da bioeletricidade. Porém, a falta de liquidez
do mercado de carbono era apontada como uma grande dificuldade em se
utilizar os créditos de carbono como parte dos recursos que financiem os
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
investimentos em plantas mais eficientes de co-geração. De acordo com
estimativas obtidas por CARBONO BRASIL (2008), o mercado mundial de
carbono deverá crescer 56% em 2008 transacionando um volume financeiro
superior a 60 bilhões de euros. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo11
(MDL), segmentação do mercado de carbono na qual os projetos de
bioeletricidade podem participar, possuem atualmente 25% do mercado de
carbono. Logo, a liquidez do mercado de carbono não pode mais ser
apontada como um entrave à bioeletricidade.
O bagaço da cana de açúcar é tradicionalmente utilizado como insumo
energético, entretanto, sua utilização varia desde adubo até insumo da
indústria petroquímica. Logo, existe um custo de oportunidade em utilizá-lo
como combustível, custo este que tende a aumentar de maneira exponencial
com a redução dos custos de produção do álcool de celulose. Em
contrapartida, o fim das queimadas irá disponibilizar uma imensa quantidade
de biomassa oriunda da palha a ser utilizada como combustível ou para a
produção de álcool. Portanto, o custo de oportunidade do bagaço não se
constitui em um obstáculo para a promoção da bioeletricidade.
Dentre os tradicionais obstáculos à inserção da bioeletricidade
sucroalcooleira na rede básica, os custos de conexão é que ainda requer uma
atenção especial pois o exposto nos parágrafos anteriores mostra que os
demais entraves já foram minimizados (CASTRO e DANTAS, 2008c)..
Nestes termos, considerada a minimização da maior parte dos obstáculos à
promoção da bioeletricidade é necessário analisar os resultados dos últimos
mecanismos específicos para a contratação desta energia para tentar
11 Ver ROCHA (2003).
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
compreender as causas e motivos da incapacidade de incorporar este tipo de
energia à matriz energética brasileira. Esta análise é relevante no
delineamento da estratégia a ser adotada nos próximos mecanismos de
contratação, sobretudo os leilões de energia de reserva.
4 – ANÁLISE DOS RESULTADOS DO PROINFA E DO LEILÃO DE
FONTES ALTERANTIVAS
Os resultados das políticas e instrumentos específicos utilizados pelo governo
para a contratação de energia elétrica produzida a partir de fontes
renováveis de energia foram bastante frustrantes, pelas inúmeras chamadas
que foram necessárias para atingir a demanda, os atrasos nas obras no
âmbito do PROINFA, e pela quantidade irrisória de energia contratada no
leilão de fontes alternativas de energia (LFA).. A análise dos resultados está
diretamente relacionada à discussão da remuneração que viabilize as fontes
alternativas de energia, pois os empreendedores alegaram que a reduzida
oferta de energia era fruto do preço teto oferecido, além da indefinição em
relação às regras de conexão à rede básica.
4.1 – O PROINFA
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (PROINFA) criado
ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso em 2002 e regulamentado em
Março de 2004 tinha como objeto a contratação de energia produzida a partir
de fontes renováveis de energia ( pequenas centrais hidrelétricas, eólica e
biomassa) gerada por produtores independentes de energia com o intuito de
aumentar a participação destas fontes renováveis de energia no SEB. A
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
primeira fase do PROINFA12 consistia na contratação de uma potência de
3.300 MW divididos em 1.100 MW para cada fonte de energia até o final de
2006. O sistema de contratação foi um modelo híbrido de preço premium
com leilão porque a quantidade a ser contratada era pré-determinada.
A oferta de bioeletricidade ficou aquém da esperada, sendo necessário uma
nova distribuição da potência contratada por tipo de fonte. O preço premium
de R$ 93,77 em março de 2004 foi considerado muito baixo pelos agentes do
setor sucroalcooleiro, os quais ofertaram 973,5 MW (inclui 21,5 MW de
resíduos de madeira), dos quais foram contratados 685,4 MW, vide a tabela
a seguir.
Tabela 1
Contratação do PROINFA
Fonte: DANTAS (2008)
Segundo COSTA (2006), os agentes do setor esperavam que o preço do
leilão termoelétrico de energia nova fosse superior ao do preço premium
estabelecido no PROINFA, o que de fato se verificou com a energia
termoelétrica sendo transacionada a R$ 130,00 por MWh enquanto que o
12 O PROINFA previa uma segunda fase onde 15% do acréscimo anual do consumo de energia elétrica deveria ser atendido por fontes alternativas renováveis de energia de maneira que em um horizonte de vinte anos tais fontes representem 10% do consumo de eletricidade. Contudo, tal programa não foi implementado.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
preço do MWh corrigido pelo IGP-M oferecido no PROINFA era da ordem de
R$ 106,00 por MWh em julho de 2006. A autora ressalta que apenas
participaram do PROINFA usinas sucroalcooleiras estebelecidas e pouco
eficientes.
KITAYAMA (2008) ressalta que o PROINFA não possuía as condições de
incentivo condizentes com a proposta original. Ao reduzir a remuneração da
biomassa para 50% da tarifa média nacional, o preço prêmio da biomassa
caiu de R$ 120,00 por MWh para R$ 93,77 por MWh. Como resultado os
empreendedores sucroalcooleiros que poderiam de comercializar até 1.100
MW. Só assumiram compromissos com cerca de 650 MW.
De acordo com KITAYAMA (2008) o argumento dos usineiros de que a
remuneração oferecida no PROINFA não viabilizava a geração de
bioeletricidade, levou a UNICA contratar um estudo da consultoria Price
Waterhouse para a análise dos custos durante a audiência pública do
Ministério de Minas e Energia. Uma das principais conclusões do estudo, que
não foi aceita pelo MME, refere-se aos custos irrecuperáveis relativos aos
equipamentos utilizados para o auto-suprimento energético das usinas.
Embora já estejam amortizados, estes equipamentos encontram-se bem
conservados e aptos a operarem por várias safras. Desta forma, o custo de
se abrir mão destes equipamentos, os quais não possuem valor de mercado
secundário porque se tornaram obsoletos, deveria ser incluso no projeto. A
não inclusão destes custos na análise do MME fez com que diversas usinas
desistissem de ofertar energia no PROINFA.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
4.2 – O LEILÃO DE FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA
O LFA – Leilão de Fontes Renováveis - foi o mecanismo criado pelo MME em
substituição a segunda fase do PROINFA já que os objetivos originais não
foram atingidos. O leilão, realizado em 18 de junho de 2007, adotou a
mesma estrutura dos leilões de energia nova A-3: negociação de contratos
de quantidade com a duração de trinta anos para empreendimentos hídricos
e contratos de disponibilidade com a duração de quinze anos para as demais
fontes.
A EPE habilitou oitenta e sete empreendimentos para o LFA totalizando uma
potência instalada de 2.803 MW, dos quais 1.019 MW eram de usinas de
biomassa. Do montante total, apenas 1.165 MW foram efetivamente
ofertados no leilão porque somente trinta e oito usinas apresentaram
garantias físicas na Aneel13. O resultado do leilão foi extremamente
decepcionante com a comercialização de apenas 638,3 MW, sendo
comercializados 541,9 MW de usinas de biomassa dos 1.019 MW inscritos. A
tabela a seguir detalha o resultado do LFA:
13 Os empreendimentos eólicos desistiram de participar do leilão.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
Tabela 2
Resultado do LFA- Leilão de Fontes Renováveis
Fonte: EPE (2007).
O resultado do leilão em termos genéricos foi negativo, entretanto, é preciso
fazer algumas considerações em relação ao seu resultado no que se refere à
biomassa. A participação na ordem de 80% de empreendimentos
sucroalcooleiros na potência contratada no leilão certifica a maior
competitividade da geração a partir do bagaço comparada às demais fontes
alternativas de energia. A concentração de empreendimentos na região
Sudeste justifica-se pela concentração do setor no estado de São Paulo,
entretanto, a expansão do setor para a região Centro Oeste tende a
dispersar a produção. O potencial de geração de bioeletricidade na região
Nordeste não é relevante atualmente porque o setor sucroalcooleiro
encontra-se decadente na região com gradativa perda de participação na
produção nacional. O maior potencial do Nordeste brasileiro é de geração de
energia eólica.
Apesar de apresentarem resultados insatisfatórios, o PROINFA e o LFA
emitiram sinais importantes que devem servir de inputs no delineamento dos
futuros instrumentos de contratação de empreendimentos de geração de
energia elétrica a partir de fontes alternativas e renováveis.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
As fontes alternativas de energia possuem um custo superior às fontes
convencionais de energia. Logo, a geração de energia renovável necessita de
políticas públicas para a sua inserção a curto e médio prazo até que no longo
prazo a difusão tecnológico e o caráter decrescente da curva de aprendizado
a torne competitiva com a geração convencional. Os instrumentos mais
comumente utilizados para a promoção de fontes renováveis de energia são
leilões específicos para contratação de energia renovável , certificados verdes
e principalmente tarifas feed-in, instrumento que vem apresentando os
resultados mais efetivos, conforme se pode verificar na análise do caso
alemão de promoção da energia eólica (COSTA, 2006)..
5 – CONCLUSÃO
A inserção de fontes alternativas de energia elétrica é de suma importância
para a garantia da segurança do suprimento através da expansão e da
diversificação da matriz elétrica brasileira. Dentre estas fontes, a
bioeletricidade sucroalcooleira é a mais importante devido a sua
competitividade e por apresentar um potencial superior a 28 GW para um
horizonte de 12 anos segundo estimativas formuladas por KITAYAMA, 2007.
A estrutura atual do setor elétrico permite a inserção da bioeletricidade
sucroalcooleira. Associa-se a esta estrutura uma conjuntura extremamente
favorável à promoção da bioeletricidade e a minimização dos principais
entraves. Entretanto, o resultado do PROINFA e do LFA foi muito aquém do
potencial de inserção da bioeletricidade.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
O insucesso verificado até o momento exige que os resultados dos
instrumentos utilizados no Brasil demonstram que existe uma necessidade
eminente do MME rever os parâmetros financeiros pelos quais são calculados
os preços tetos dos leilões ou o preço prêmio, no caso de mecanismos feed-
in como o PROINFA. O governo deve oferecer preços tetos capazes de
estimular e viabilizar a iniciativa privada a promover os investimentos. A
metodologia do leilão deve ser mantida porque tal formatação é
imprescindível para garantir a modicidade tarifária. O modelo de leilão
reverso é especialmente relevante no âmbito das energias renováveis onde
não existem estimativas precisas da tarifa que remunere os
empreendimentos de forma justa e a adoção de um método alternativo
poderia permitir que alguns empreendedores auferissem taxas de lucro
extraordinárias.
7 – RERERÊNCIAS
CARBONO BRASIL. Mercado de carbono deve crescer 56% em 2008.
Disponível em < http://www.carbonobrasil.com/news.htm?id=401012>.
Acesso em 28/02/2008.
CASTRO, Nivalde José de. A caminho da consolidação do modelo do setor
elétrico. Revista Energia e Mercados, Rio de Janeiro, Ano 4, n. 49, p. 34, set
2005.
CASTRO, Nivalde José de; Dantas, Guilherme de A. A Importância da
Inserção da Bioeletricidade na Matriz Brasileira e o Leilão de Energia de
Reserva. IFE n. 2.227, Rio de Janeiro, 19 de março de 2008a.
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
CASTRO, Nivalde José de; Dantas, Guilherme de A. A Bioeletricidade
Sucroalcooleira e o Hiato entre Oferta Potencial e Oferta Efetiva. IFE n.
2.213, Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2008b.
CASTRO, Nivalde José de; Dantas, Guilherme de A. A Conexão da
Bioeletricidade à Rede: Quem Paga? .?IFE n 2251, Rio de Janeiro, 29 de Abril
de 2008c.
CORRÊA NETO, V; RAMON, D. Análise de Opções Tecnológicas para Projetos
de Co-geração no Setor Sucroalcooleiro. Setap. Brasília, 2002.
COSTA, C. Políticas de Promoção de Fontes Novas e Renováveis para
Geração de Energia Elétrica: Lições da Experiência Européia para o Caso
Brasileiro. Tese de Doutorado. COPPE/Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2006.
DANTAS, Guilherme de A. O Impacto dos Créditos de Carbono na
Rentabilidade da Co-Geração Sucroalcooleira Brasileira. Dissertação de
Mestrado. ISEG/Universidade Técnica de Lisboa, 2008.
KITAYAMA, O. Custos Irrecuperáveis e o Preço Prêmio do Proinfa. Entrevista
concedida a Guilherme de Azevedo Dantas em 07/04/2008.
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Resenha Energética Brasileira do
Exercício 2006 (preliminar). Brasília-DF, 2007.
NÚCLEO DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
Mudança do Clima: Negociações internacionais sobre a mudança do clima/
GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ
Vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima. Vol.I, Brasília-
DF, 2005.
PARRA, J. O Papel da C E T na Evolução da Cultura da Cana de Açúcar no
Brasil.In: Um balanço de 30 anos do Proálcool. Campinas, 2005.
RODRIGUES, A. Etanol Combustível: Balanço e Perspectivas. In: Um balanço
de 30 anos do Proálcool. Campinas, 2005.
SOUZA, Z. Geração de Energia Elétrica Excedente no Setor Sucroalcooleiro.
Tese de Doutorado. Departamento de Engenharia de Produção/Universidade
Federal de São Carlos. São Carlos, 2003.
SOUZA, Z; AZEVEDO, P. Protocolo de Kyoto e Co-Geração no Meio Rural:
Configuração Institucional e Organizacional e Perspectivas. AGRENER GD
2006.
Campinas, 2006.
TETTI, L. Perspectivas dos Mercados Tradicionais dos Produtos da Cana-de-
Açúcar. In: Bioeletricidade: A Segunda Revolução Energética da Cana de
Açúcar – INEE; BNDES. Rio de Janeiro, 2005.