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Hipertextus Revista Digital (www.hipertextus.net), v.20, Julho, 2019 37
LEITURA, HIPERTEXTO E ENSINO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA REVISTA NOVA ESCOLA
Roviane Oliveira Santana (UNEB)
roviane.oliveira@gmail.com
Ianne Samara Bastos Lima Barbosa (UNEB)
iannelima@yahoo.com.br
RESUMO: O presente trabalho busca refletir sobre a leitura de hipertextos a partir do suporte da revista Nova Escola, a fim de identificar as mudanças ocorridas no ato de ler diante do uso da tecnologia digital no processo de comunicação. Partimos de uma perspectiva sociointeracionista de linguagem, permeando a noção de hipertexto e suas relações nos letramentos dos sujeitos. PALAVRAS-CHAVE: Leitura Hipertextual; Estratégias de leitura; Letramento digital.
ABSTRACT: This paper aims to reflect on the reading of hypertexts from the support of Nova Escola magazine, in order to identify the changes occurred in the act of reading before the use of digital technology in the communication process. We start from a socio-interactionist perspective of language, permeating the notion of hypertext and its relations in the subjects' literatures. KEY WORDS: Hypertext Reading; reading strategies; digital Literature.
0 Introdução
O uso da tecnologia no processo de comunicação tem afetado de certa forma
o ato de ler, o que implica ou gera um novo perfil de leitor em razão da necessidade
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deste se utilizar de outras estratégias de leitura que diferem das utilizadas no texto
impresso.
Nessa perspectiva, percebe-se que as mudanças trazidas com a utilização do
aparato tecnológico vêm demandando uma nova forma de pensar e construir
conhecimento, o que nos têm revelado as recentes pesquisas nas diversas áreas do
conhecimento, inclusive, no campo da Linguística Aplicada.
Nesse sentido, se faz necessário refletir sobre as práticas de leitura
hipertextual e suas relações com o ensino, uma vez que esse formato tem se
tornado cada vez mais atrativo aos jovens e, ao mesmo tempo, tem exigido do leitor
uma maior atenção e o uso adequado de estratégias de leitura. Com isso, parte-se
dos seguintes questionamentos: Que mudanças ocorreram nos processos de leitura
mediante ao uso da tecnologia digital e como isso pode refletir no ensino da língua?
De que forma o hipertexto interfere no processamento da leitura?
Desse modo, este estudo tem como objetivo geral refletir sobre as práticas de
leitura hipertextual, a partir da análise dos suportes digital e impresso da revista
Nova Escola, a fim de identificar as mudanças ocorridas no ato de ler diante do uso
da tecnologia digital no processo de comunicação.
1 Metodologia da Pesquisa
O delineamento dessa pesquisa consiste na base documental e bibliográfica,
uma vez que se busca aprofundar as discussões em torno da leitura hipertextual e
suas implicações para o ensino da língua, partindo da análise dos suportes da
revista pedagógica Nova Escola, sob a perspectiva qualitativa.
A escolha dessa revista se justifica por estar voltada para o contexto
educacional e por servir de referência e atualização para muitos professores, sendo
que estes sujeitos-leitores precisam estar preparados para lidar com as tecnologias
digitais e os novos letramentos nos seus diferentes gêneros, suportes, texturas e
configurações.
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Desse modo, foi selecionada a edição nº 314/2018 da revista Nova Escola,
tanto na versão impressa quanto online, tendo como critério a utilização de
diferentes suportes de leitura para análise dos aspectos linguísticos e
extralinguísticos presentes na referida revista e suas relações no ensino da leitura.
2 Pressupostos Teóricos
Com base na concepção sociointeracionista, entende-se a leitura como um
processo ativo em que o sujeito-leitor interage com o texto, de acordo com seus
conhecimentos prévios, apreendidos nas interações sociais.
Goodman (1989) adverte que a leitura é um processo único, uma vez que se
utiliza de um único processo para ler qualquer tipo de texto, independente da
estrutura ou propósito do leitor. Entretanto, o êxito nesse processo está relacionado
não somente a capacidade do leitor, mas também a sua cultura social, o seu
conhecimento prévio, o controle linguístico, as atitudes, os esquemas conceituais e
os objetivos de leitura.
Contudo, a ênfase se dá nas intenções do leitor, visto que ele busca construir
uma interpretação significativa do texto. Além disso, nos eventos de leitura e escrita
há um contrato oculto entre escritor e leitor em que o escritor cria um significado
potencial que deve ser construído pelo leitor no ato de compreender.
Nesse processo, o leitor emprega várias estratégias para trabalhar o texto e
construir o significado, podendo essas estratégias se desenvolverem ou se
modificarem durante a leitura. Essas estratégias são um amplo esquema para obter,
avaliar e utilizar a informação, entre elas, destaca-se as estratégias de seleção, de
predição (antecipação), de inferência e de verificação.
As estratégias de seleção dizem respeito aos índices presentes no texto em
que o leitor elege como mais produtivos para apreensão do significado. A partir
dessa seleção, o leitor faz uso da estratégia de predição, ou seja, utiliza de seu
conhecimento disponível e seus esquemas para antecipar o significado no texto.
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Já as estratégias de inferência estão relacionadas em complementar as
informações disponíveis utilizando seu conhecimento de mundo para inferir o que
não está explícito no texto.
Assim, índices como o gênero textual, o autor, o título informam o que é
possível encontrar no texto, permitindo que antecipe o sentido atribuído pelo autor e
o reconstrua.
Há também as estratégias de verificação que são aquelas em que o sujeito
lança mão para confirmar ou não suas hipóteses.
Goodman (1989) entende que os leitores estão constantemente controlando
sua própria leitura para assegurar que tenha sentido. Isso por que
a busca de significado é a característica mais importante do processo de leitura, e é no ciclo semântico que tudo adquire seu valor. O significado é construído enquanto se lê, mas também é reconstruído, uma vez que devemos acomodar continuamente nova informação e adaptar nosso sentido de significado em formação. (GOODMAN, 1989: 19)
Para tanto, Kleiman (2007) considera que as estratégias de leitura são
operações regulares utilizadas para abordar o texto, podendo ser inconscientes ou
conscientes.
Com isso, entende-se como estratégia cognitiva aquelas operações
inconscientes do leitor. Já as estratégias metacognitivas consistem na atividade
consciente, reflexiva e intencional do leitor, que por sua vez, tem algum objetivo em
mente e compreende o que lê, realizando, assim, a automonitoração da sua
compreensão.
Dessa forma, concordando com Kleiman (2007: 50), o ensino da leitura
consistiria na modelagem de estratégias metacognitivas para o desenvolvimento de
habilidades verbais, de forma que o leitor tenha controle consciente da
autoavaliação de sua própria compreensão e, também, da determinação de um
objetivo para a leitura.
2.1 Definindo o Hipertexto
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Como se sabe, nas últimas décadas, várias áreas do conhecimento têm se
preocupado em estudar o hipertexto, compreendido aqui, sobretudo, no contexto da
internet, uma vez que o texto eletrônico constituiu-se como base na rede de
computadores e, por isso, se popularizou a ponto de muitas pessoas só o
conhecerem como texto eletrônico.
Todavia, a ideia de hipertexto não é algo recente, mas está presente também
em outras composições de textos como as enciclopédias, as teses, livros que trazem
na sua organização escolhas que o sujeito trilha na sua leitura, por meio dos
sumários, notas de rodapé, referências, e etc.
De acordo com Komesu (2005), o pioneiro no protótipo do hipertexto foi o
matemático Vennevar Bush que nas suas reflexões sobre a mente humana
constatou que esta não funciona de forma hierárquica, mas por associações de
ideias. Por isso, criou em 1930 um dispositivo de consulta que organizava os
conhecimentos a partir de elos associativos, chamado Memex (em português,
extensão da memória). Essa ideia foi fundamental para que pensasse o hipertexto
como uma rede interconectada de dados e informações.
Todavia, a primeira aplicação do termo hipertexto foi empregada para o
contexto da informática, e logo depois passou a ser designada em relação ao
impresso.
Esse termo relacionado ao ambiente virtual surge nos anos 1960 nos EUA,
por Theodor Nelson, que escolheu o termo em razão da conotação positiva do
prefixo hiper, e por atribuir a ideia de extensão e generalidade, buscando exprimir a
ideia de escrita e leitura não-linear. Assim, o hipertexto era visto como ideias e
dados interconectados que poderiam ser editados em computador, mas, sobretudo,
como sistema de organização de dados e um modo de pensar. (KOMESU, 2005)
Cavalcante (2010: 200) acrescenta que
A ideia era de uma enorme biblioteca, mas com uma grande diferença: todos poderiam utilizar essa rede para escrever, interconectar-se, interagir, comentar os textos, filmes e gravações sonoras disponíveis nesse espaço, anotar os comentários etc...
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Nessa perspectiva, o termo hipertexto surgiu num contexto de mudança de
paradigma em que as ideias pós-estruturalistas influenciaram o pensamento,
trazendo conceitos como de rede, tramas, rizomas, enfim, noções para se pensar a
organização do saber e como ele se constrói.
Desse modo, o conceito de hipertexto abrange essa visão pós-estruturalista,
estando presente em aspectos que o constitui e o diferencia do texto impresso,
principalmente, em relação a sua principal característica que é a não-linearidade.
Diante disso, entende-se o hipertexto como dispositivo que leva o leitor a
múltiplas conexões mediante o acesso ilimitado e rápido a outros textos,
possibilitando um processo de escrita/leitura não-linear e não-hierarquizada que
dialoga com outras interfaces semióticas. Como melhor pode explicar Lévy (1993:
33): é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Por que cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.
Sob o ponto de vista linguístico, destacam-se as ideias de Xavier (2010;
2013), Marcuschi (2005), Komesu (2005) entre outros, que defendem o hipertexto
como um tipo de escritura, forma de organização cognitiva e referencial que se
constituem um conjunto de possibilidades estruturais. O hipertexto é um dispositivo, ao mesmo tempo, material e intelectual, que permite, mediante os links nele indexados, acessar os demais hipertextos que circulam na internet, criando, dessa maneira, estruturas textuais que são atualizadas pelas práticas e pela história individual de cada leitor. O hipertexto não é um suporte material ou um único texto, mas uma prática multimodal que envolve os processos de escrita e de leitura atualizados na tela do computador. (KOMESU, 2005: 98)
Desse modo, Xavier (2010: 208) concebe o hipertexto como modo de
enunciação discursiva, ou melhor, “uma forma híbrida, dinâmica e flexível de
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linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à
sua superfície formas outras de textualidade.”
Para tanto, é preciso destacar que o hipertexto não é gênero textual, mas um
espaço onde se constituem formas de enunciação discursiva, já que as interações
sociais dos sujeitos no ambiente virtual criam novos modos de construção de
sentido. Mas o uso intenso das novas tecnologias de informação e comunicação
implica em mudanças nos processos de leitura, especialmente do hipertexto.
Para Marcuschi (2001), o hipertexto como um novo espaço de escrita se
caracteriza pela sua tessitura textual em que a escrita torna-se uma atividade
colaborativa, considerando que esse novo espaço é um espaço cognitivo que exige
do sujeito a revisão de suas estratégias de leitura.
Nesse entendimento, o hipertexto nos remete a ideia de uma revisão nas
formas de se pensar como também de apreender o conhecimento e as práticas de
letramento. Isso por que o texto eletrônico se diferencia do impresso mediante a sua
natureza hipermodal e não-linear.
Além disso, há outras características que constituem o hipertexto no âmbito
virtual, como: a multissemiose, a autoria, a volatilidade, a fragmentaridade, a
espacialidade topográfica.
Mediante essas características do hipertexto, considera-se que a participação
é o que há de mais importante, ou melhor, o diálogo que se instaura com o outro e
com o mundo vai além do dispositivo associativo, uma vez que as interações com
diversos textos e o compartilhamento dos saberes tende a colaborar para a
formação de sujeitos atuantes e politizados.
3 Fatores Linguísticos e Extralinguísticos no Processamento da Leitura Hipertextual Considerando que os hiperlinks representam uma das características mais
importantes do hipertexto digital, analisaremos os hiperlinks presentes na versão on-
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line da revista Nova Escola, de forma a verificar as várias formas e funções dos
links, que por sua vez, trazem novos elementos no processamento da leitura.
Os hiperlinks funcionam como ligações entre os nós, ou melhor, blocos
textuais que inter-relacionam.
As ligações para outros textos representam uma inovação sem precedente no modo de produzir textos. Os tais elos não só afetam diretamente a compreensão, como também influenciam o que deve ser destacado pelo leitor ou ignorado completamente. (XAVIER, 2010: 211)
Do ponto vista linguístico, o hiperlink é um dispositivo que exerce a função
dos dêiticos, de forma tal que podem focalizar atenção do leitor para determinado
aspecto ou lugar. Eles realizam a hipertextualidade explícita, já que viabilizam o
diálogo instantâneo entre hipertextos on-line.
Para Koch (2005 apud Gualberto, 2012), os hiperlinks têm essa função
dêitica, pois monitoram a atenção do leitor ao passo que selecionam focos de
atenção, permitindo uma leitura mais aprofundada, ou pormenores sobre o assunto
em questão. Isso significa que o hiperlink contribui para continuidade textual, já que
possibilita ao leitor engendrar em novos caminhos, e construir novas significações.
Outro ponto destacado pela autora, diz respeito à função coesiva dos
hiperlinks, visto que as informações são amarradas, permitindo que o leitor construa
seu conhecimento e chegue a conclusões relativamente seguras.
Para tanto, há dois tipos de hiperlinks que podemos verificar nos
homepages: os fixos e os móveis. Os hiperlinks fixos são estáveis e constantes no
site, visando facilitar a localização e memorização do espaço por parte do usuário.
Já os móveis são os que flutuam no site, definidos sob a conveniência do
enunciador e do efeito que quer produzir, como podemos observar na figura abaixo.
FIGURA 1- Exemplo de hiperlink fixo e móvel
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Fonte: Revista Nova Escola on-line
Os hiperlinks são distribuídos e organizados estrategicamente no
ciberespaço, servindo para orientar a leitura, de forma que permite ao usuário criar
os caminhos da sua leitura, saltos e fugas instantâneas para outros locais, e
conexões que vinculam mútua e infinitamente pessoas e instituições.
Enquanto mecanismo de referenciação remissiva digital, os hiperlinks podem
ser palavras, ícones ou fotografias, mas não quer dizer que sejam qualquer palavra
ou imagem, estas devem remeter a outras significações, conhecimentos.
Segundo Xavier (2013), o processo de referenciação dentro do hipertexto
nasce e passa pelos links. Assim, os hiperlinks se apresentam como formas
enunciativas que podem ser verbais e visuais.
As formas verbais têm caráter singular, pois nos remetem virtualmente a
outras formas verbais, textos e discursos, que ao mesmo tempo, conserva a
remissão referencial que lhe é própria.
As palavras linkadas, sejam simples ou compostas, povoam as homepages,
de modo que os hábitos de bens de consumo materiais e simbólicos de
determinados sujeitos-leitores são considerados pelo enunciador que se envolve
com a prestação de serviços disponíveis.
Conforme Xavier (2013):
Hiperlink fixo Hiperlink móvel
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As entradas lexicais linkadas dispostas nos portais de Internet quase sempre empregam termos “guardachuva”, ou seja, expressões sintetizadoras capazes de amalgamar uma grande variedade de assuntos e questões que possam gerar curiosidade e interesse no hiperleitor e assim fazê-lo “clicar” sobre elas. Palavras como: Bolsas, Auxílio, Valores de Diárias e Bolsas, Editais, Plataforma Carlos Chagas, Plataforma Lattes, por exemplo, jogam com conhecimentos de mundo e imaginário dos usuários, encapsulando expectativas do que podem encontrar por “baixo” de cada uma delas, ao serem acionadas.
Como podemos observar na figura 2:
FIGURA 2- Exemplo de links de palavras simples e compostas.
Fonte: Revista Nova Escola on-line Além disso, essas palavras, muitas vezes, estão vinculadas a publicidade
dos serviços ofertados ou do próprio portal. Percebe-se também que há uma forte tendência ao uso do modo imperativo
do verbo, mas, por outro lado, é suavizado pelos possíveis ganhos que o usuário
pode ter ao aderir àquela proposta.
Os links determinam o lugar da exterioridade textual, pois mostram o momento da relação do cotexto com o contexto. Explicitam virtualmente o processamento textual de forma a transformar os blocos informacionais em texto, a partir das eventuais “soldas” feitas pelo leitor entre as porções textuais propostas por estes links. (CAVALCANTE, 2010: 204)
Uso do Imperativo do Verbo nos links Link
vinculado à publicidade
Link com palavra simples Link com
palavra composta
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Em relação às formas enunciativas visuais (ícones, fotografias, figuras), os
hiperlinks assumem co-participação na construção do sentido da página, conforme
pontua Xavier (2013):
As ferramentas icônicas e fotográficas implementam uma maior dinâmica na leitura, acrescentam grande agilidade no processamento da compreensão e proporcionam uma alta interatividade do hiperleitor com o objeto lido, já que alguns desses ícones são incrementados com movimentos, propriedade impossível ao formato do livro impresso. Os banners publicitários, por exemplo, ocupam a posição superior da tela. No Hipertexto on-line, pode-se perceber a movimentação dos caracteres e as animações nas logomarcas apresentadas na tela, impossível ao texto impresso tradicional. (XAVIER, 2013: 280)
Nesse entendimento, as imagens sintetizam as informações e têm o poder de
condensá-las cognitivamente, tendo a vantagem de processar na mente humana
com mais velocidade do que com as palavras.
Além disso, a utilização dos links na leitura de texto eletrônico irá exigir do
leitor um grande esforço cognitivo para compreender as ligações implícitas entre as
ideias, podendo gerar stress cognitivo. (MARCUSCHI, 2001)
Como adverte Xavier (2010), os links quando usados inadequadamente
podem dificultar a compreensão da leitura por quebrar o fluxo semântico
responsável pela coerência, gerando indisposição e abandono na leitura. Mas, são
esses nós que indexados aos textos eletrônicos trazem outros textos que podem
contribuir para a compreensão global, por parte do leitor, pois “o que os links
evidenciam são as opções associativas que na leitura de um texto qualquer o leitor
articula a partir de seus conhecimentos prévios, sua ideologia etc”. (CAVALCANTE,
2010: 205)
3.1 A Multissemiose e Hipermídia
Mediante análise tecida anteriormente sobre os hiperlinks, verificaremos
também a interferência da multissemiose no processamento da leitura, considerando
que as imagens e outros recursos da multimídia disponíveis no hipertexto não
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podem ser vistos separadamente ao verbal, mas, pelo contrário, o discurso do verbal
e do não verbal nesse caso são indissociáveis para a compreensão do texto.
Para tanto, entendemos como multissemiose a interseção das linguagens
verbal e não verbal que tecem redes de sentidos a partir dos diversos recursos
visuais e sonoros, dispostos sejam em forma de fotografias, ícones, diagramas,
vídeos e etc. que buscam dialogar com os leitores sobre determinado assunto, ou
mesmo resumir a ideia do texto verbal.
No layout do site da revista Nova Escola, podemos perceber essa
pluritextualidade mediante aportes sígnicos numa mesma superfície de leitura, tais
como palavras, ícones animados, efeitos sonoros, vídeos e tabelas, como no
exemplo da figura (3).
FIGURA 3- Exemplo de Multissemiose
Fonte: Revista Nova Escola on-line
Com base nesse exemplo, podemos notar que o ato de ler na tela torna-se
sinestésico pelo fato de que todos os elementos linguísticos e extralinguísticos
devem cooperar para fluir a compreensão, visto que viabiliza com mais totalidade e
amplitude, desde que esteja bem organizado e inter-relacionado na interface.
Entretanto, é preciso verificar as interferências desses recursos no ato de ler,
já que a integração do texto impresso com visual não é algo recente e, nem
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exclusivo do hipertexto, mas também é um dispositivo utilizado pelo enunciador para
produzir sentido, como, por exemplo, o uso de gráficos, fotografias etc. Por essa
razão, entende-se que esses recursos são utilizados de forma funcional, mas, por
outro lado, numa estrutura hipertextual ultrapassa as possibilidades interpretativas
dos gêneros multimodais tradicionais, ampliando o sentido e a ressignificação do
texto. Segundo Lemke (2002 apud Braga, 2010: 181),
Cada modalidade expressiva integra um conjunto diferenciado de significados possíveis. As representações verbais e visuais coevoluiram historicamente e culturalmente para complementarem-se mutuamente e para serem coordenadas e integradas. Cada forma semiótica é única na medida em que agrega um conjunto de normas interpretativas e possibilidades de significado que lhe são particulares.
Para Braga (2010), os textos multimodais permitem múltiplas leituras em
razão da impossibilidade de controle sobre o processo de significação, ou seja, as
diferentes modalidades não podem ser controladas e totalmente previstas pelo
autor, tendo em vista que essas relações se tornaram mais complexas e
imprevisíveis. Desse modo, a veiculação de uma mesma informação por meio de diferentes
modalidades pode ser explorada de modo que favoreça a compreensão e a
aprendizagem dessa informação.
No entanto, a multissemiose do hipertexto não se compara com o impresso
da revista, pois há uma confluência específica dos modos enunciativos no hipertexto
que são interpostos na tela. Por isso, o hipertexto permite que o leitor vivencie uma
experiência multissensorial, tendo em vista a interatividade propiciada pela
multissemiose e acesso ilimitado, além da relação contínua entre o leitor e os
múltiplos autores em tempo real.
Para Xavier (2010: 215),
A leitura sinestésica optimiza, em tese, a compreensão das ideias, conceitos e atitudes do sujeito-produtor de discursos pluritextuais. A expressividade do leitor tende a crescer enormemente e junto com ela o
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nível de clareza das suas análises e conclusões a que poderá chegar.
A construção de sentidos pelo leitor a partir das múltiplas linguagens e
multimídias presentes no hipertexto pode auxiliar a aprendizagem na medida em que
permite ao aprendiz fazer escolhas de caminhos e canais de recepção que são mais
adequados às suas necessidades e também aos seus estilos cognitivos e modos de
aprender.
No entanto, essas escolhas estão implicadas com as estratégias de leitura
utilizadas, visto que se torna necessário verificar se o leitor mantém o tópico de
interesse mesmo sabendo o propósito de sua leitura.
4 A leitura em diferentes suportes
Com base nas análises sobre as características específicas do hipertexto
como os links e a multissemiose, buscou-se verificar as diferenças nos formatos
impresso e digital do texto e suas implicações nas possibilidades de leitura.
A questão não é considerar um formato melhor do que outro, mas apontar o
novo agenciamento de letramento que é pouco trabalhado nas escolas, até porque
os estudos nessa área são recentes, mas nos indicam que devemos atentar para os
objetivos da leitura e do conjunto de fatores que podem interferir para que o leitor
seja proficiente ou não, tendo em vista os aspectos linguísticos e cognitivos, bem
como a carga cognitiva demandada.
No entanto, as dificuldades na leitura recaem substancialmente na
construção de sentidos a partir de diferentes linguagens e recursos presentes no
hipertexto. Como diz Coscarelli, “a carga cognitiva que demanda do leitor pode não
ser uma exigência do formato, mas do objetivo de leitura, ou seja, de um conjunto de
outros fatores que podem dificultar ou sobrecarregar o leitor”. (COSCARELLI, 2005:
117)
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Para tanto, as diversas maneiras de ler encontram-se condicionadas aos
suportes, que colocam em jogo a relação com o corpo do leitor, os possíveis usos da
escrita e as categorias intelectuais que asseguram a compreensão. Isso porque “é
diferente o tipo de anotação que um leitor pode fazer nos espaços em branco de um
livro em rolo, no códex ou um livro impresso, se comparado ao que se pode fazer no
suporte eletrônico”. (CHARTIER, 1999 apud, KOMESU, 2005: 105)
Mas o que de fato difere de uma leitura de página impressa para uma leitura
hipertextual?
Segundo Marcuschi (2005: 193), não há uma relação dicotômica entre o texto
impresso e o eletrônico, do ponto de vista da textualidade, já que “não se deve
confundir o aspecto operacional do manuseio com os aspectos epistemológico e
constitutivo do texto”.
Assim, o confronto entre o texto e o hipertexto irá permear as suas
implicações no ato de ler de forma que apreendemos as diferenças nos âmbitos da
organização textual, autoria e da “pragmática” da leitura.
Em relação à organização do texto, na página impressa organiza de forma
hierárquica e linear, diferente do hipertexto, que não tem um centro, limites e
contornos definidos, mas é um feixe de possibilidades não aleatórias. Com isso, o
texto eletrônico organiza a informação de forma flexível, sem uma relação de
natureza lógica.
Como observamos anteriormente, os links permitem ao leitor essas múltiplas
conexões, que os fazem elementos diferenciadores dos textos impresso e digital,
tendo em vista que não são os itens lexicais ou expressões linguísticas que
permitem essas conexões, mas o propósito da busca ou da construção do link.
Quanto à autoria, temos em mente a ideia de um autor determinado e distinto
do leitor no texto impresso, enquanto no hipertexto isso não se aplicaria, já que nas
“possibilidades tecnológicas de construção de hipertextos haveria condições de
interferência física na composição do texto”. (MARCUSCHI, 2005: 194)
A noção de autor proprietário do seu discurso com direitos autorais a receber fica obscurecida; e, por conseguinte, as acepções tradicionais de autor e leitor tendem, segundo eles, a se embaçar nesta tecnologia de
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linguagem. Eu diria, por hora, que o hipertexto nos obriga, no mínimo, a repensar as relações entre autor, texto/discurso, leitor, bem como propõe o fim da cobrança de tais direitos. Convida-nos ainda a redefinir o equilíbrio da relevância desses três elementos envolvidos no processo de produção e compreensão de texto. (XAVIER, 2010: 218)
Desse modo, entende-se que o hipertexto permite usos e intervenções do
leitor, já que a ideia de autoria muda nesse contexto. O leitor vai construindo os
sentidos de seu texto de forma que dirige os movimentos dessa construção. Mas a
questão é como lidar com tantas informações e de que forma construímos sentido
mediante tantas impressões simultâneas.
Outro ponto a ser destacado é em relação à “pragmática” da leitura, tendo em
vista as formas do leitor trilhar um texto impresso ou digital. A página impressa é
altamente seletiva na forma de leitura de notas, consulta a outros livros, identificação
de fontes e etc., além de ser vista como exclusiva, já que direciona a leitura. Já o
texto eletrônico seria mais inclusivo, considerando a possibilidade de uma
navegação mais ampla e descentralizada. Entretanto, "tanto um quanto outro
formato textual oferecem possibilidades inclusivas e exclusivas que dependem da
estratégia do leitor e não da natureza do texto em si mesmo." (MARCUSCHI, 2005:
195)
Na figura (4) e (5) podemos verificar o layout dos dois formatos da Revista
Nova Escola, considerando os elementos supracitados para análise.
FIGURA 4- Seção da Revista Nova Escola On-line referente à edição nº 314/2018 da versão impressa
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Fonte: Revista Nova Escola on-line
FIGURA 5- Versão impressa da Revista Nova Escola – Edição nº314/2018
Fonte: Revista Nova Escola on-line
Ao analisar o suporte impresso e digital da revista nova escola percebe-se
que houve uma transmutação/releitura dos gêneros discursivos presentes na revista
impressa para o digital. Assim, a familiaridade com interface e as possibilidades de
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percurso no impresso colabora para que o leitor deduza certos aspectos da interface
hipertextual eletrônica da revista on-line.
Em termos de estrutura, as diferenças entre os suportes da revista Nova
Escola estão no direcionamento da leitura, uma vez que no hipertexto se acentua
mais a forma alinear de sua organização textual e, por isso, novas referências,
leituras são propiciadas nesse espaço.
De um modo geral, percebe-se que as diferenças nos suportes impresso e
on-line dessa revista podem se resumir a nova forma do leitor lidar com texto, ou
seja, as funções leitor e autor se misturam no contexto hipertextual, visto que o leitor
pode se fazer autor mediante aos percursos que faz, onde há uma troca de papéis
da escrita para a leitura e vice-versa, de forma contínua, operando uma certa
desterritorização da autoria.
Considerações Finais
As discussões apresentadas neste estudo nos levaram a compreender os
processos de leitura hipertextuais, mediante fatores linguísticos e extralinguísticos
presentes no ambiente virtual que interferem no processamento dessa leitura.
Assim, a análise feita por meio da Revista “Nova Escola” permitiu identificar as
diferenças entre os suportes impresso e digital, tendo em vista que a circulação de
textos da mídia digital no espaço escolar pode favorecer o trabalho pedagógico no
sentido de formar sujeitos leitores críticos e proficientes.
Desse modo, os resultados obtidos trazem indicadores importantes para a
reflexão do hipertexto em sala de aula, principalmente, no que diz respeito à
utilização dos links, da multissemiose durante a leitura bem como à familiaridade
com a interface, além da abordagem dos gêneros textuais como possibilidade de
trabalho pedagógico na perspectiva do letramento.
Quanto à utilização dos links no processamento da leitura hipertextual,
verificamos que o processo de referenciação dentro do hipertexto passa pelos links,
de forma que as suas funções, seja a dêitica ou a coesiva, permitem que o leitor
construa novos significados e uma leitura aprofundada por meio das possibilidades
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geradas, que dão continuidade textual. Porém, quando o link é utilizado de modo
disperso, sem que haja um objetivo nessa leitura, há uma dificuldade em realizar as
operações cognitivas exigidas pelos links, impedindo que o leitor tenha um maior
controle de sua compreensão.
Em relação à multissemiose presentes no espaço virtual, entendemos que
as imagens e os recursos da multimídia fazem uma interseção das linguagens verbal
e não verbal de modo que dialogam com os leitores sobre determinado assunto e,
por isso, são indissociáveis para compreensão do texto. Com isso, não podemos
realizar uma leitura somente do texto verbal, ignorando a imagem ou o recurso
disponível, é preciso lê-lo enquanto discurso no qual essas linguagens estão inter-
relacionadas para que seja possível a compreensão do texto.
Para tanto, entende-se que a familiaridade com interface está ligada com o
conhecimento que se tem do gênero textual e também da tecnologia em questão.
Por isso, o grau de familiaridade com o gênero textual permite que o leitor faça
inferências e tenha êxito na leitura. Outro aspecto observado, refere-se ao contraste
entre os suportes impresso e digital, pois o leitor que já conhece a revista impressa
vai deduzir alguns aspectos do gênero textual presentes nessa versão e transpor
para o digital, o que colabora no percurso do leitor que deduz certos aspectos da
interface hipertextual digital.
Essas questões sinalizam a necessidade de implementar, nas práticas de
ensino da língua, atividades de leitura que favoreçam a organização, ampliação e
refinamento de conceitos como também o ensino de estratégias de leitura
hipertextuais para que o aluno leia cada vez mais de forma crítica e torne-se mais
consciente nesse processo.
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