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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ANAMARIA KAISER SAGGIN
KING OF THE CATS Adaptação da tradição oral: implicações literárias e tradutológicas
CURITIBA
2012
ANAMARIA KAISER SAGGIN
KING OF THE CATS Adaptação da Tradição Oral: Implicações Literárias e Tradutológicas
Monografia apresentada à disciplina de Orientação Monográfica II do Curso de Letras Português/Inglês da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Letras com ênfase em Estudos da Tradução. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luci M. Collin
CURITIBA
2012
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À minha orientadora, Luci Collin, pelo apoio e compreensão estendidos para além deste trabalho; À Eti por sua arte encantadora; Aos meus pais que, cada um com sua história fascinante, me ajudaram a escrever a minha; Ao Vinícius, pelo apoio, pela maturidade, pela responsabilidade – e por me dar o maior de todos os presentes.
4
[The cat] was a remarkably large and beautiful animal, entirely black, and sagacious
to an astonishing degree. In speaking of his intelligence, my wife, who at heart was
not a little tinctured with superstition, made frequent allusion to the ancient popular
notion, which regarded all black cats as witches in disguise.
The Black Cat. Edgard Allan Poe, 1843.
5
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo discutir algumas das questões
envolvidas no processo de tradução de uma narrativa folclórica, originária da
tradição oral; através da coleta e análise de diversas versões do conto “The King of
the Cats”, tópicos como a noção de originalidade e as possibilidades de tradução e
adaptação serão levantados. Propõe-se, ainda, a aplicação do modelo de tradução
proposto por Christiane Nord para a composição de uma nova versão, baseada nas
variantes supracitadas e nas questões levantadas durante sua análise.
PALAVRAS-CHAVE: Tradução; tradição oral; narrativa folclórica; King of the
Cats; Nord.
ABSTRACT
This work aims at discussing some of the issues raised throughout the
process of translating a popular narrative from the oral tradition. The gathering and
analysis of some of the “King of the Cats” tale versions will be the background for
matters such as Originality and the possibilities in translating and adapting a
narrative. Besides that, the model of functional translation proposed by Christiane
Nord will be applied to the composition of a new version, which will be based on the
above mentioned versions and the issues related to its analysis.
KEY WORDS: Translation; oral tradition; popular narrative; King of the Cats;
Nord.
6
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7
CAPÍTULO I Contos de fadas – origens e implicações ....................................... 11
I.I O lugar de “King of the Cats” ............................................................................................... 15
CAPÍTULO II As Versões de “King of the Cats” .................................................. 20
II.I: A Versão em Português (BR) ............................................................................................. 22
II.II: A Versão em Inglês .............................................................................................................. 25
II.III: A Versão de J. Jacobs ....................................................................................................... 27
II.III.I: Referência I ..................................................................................................................... 30
II.III.II: Referência II ................................................................................................................... 32
II.III.III: Referência III ................................................................................................................ 33
II.III.IV: Referência IV................................................................................................................ 36
II.III.V: Referência V .................................................................................................................. 40
CAPÍTULO III: Agora em versos – para quê mais uma versão? .......................... 44
III.I: A Tradução – Uma Perspectiva Geral ............................................................................. 49
III.II: Nova Versão Comentada ................................................................................................... 53
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 58
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 60
7
INTRODUÇÃO
Não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo.
(Joseph Campbell)
Trabalhos acadêmicos costumam ser textos sérios, sisudos, sem espaço para
impressões pessoais. A palavra “Monografia“ me assombrou desde o primeiro ano
como universitária – o fantasma de um trabalho enorme, assustador, pesado,
impossível mesmo de se concluir sem sofrer consequências físicas e mentais; sem
falar na defesa, com uma banca que nos julga enquanto trememos e gaguejamos
tentando a todo custo defender nosso monstrinho. Exagero, é óbvio, mas não
poderia começar a presente dissertação sem esclarecer o que ela representou para
mim durante vários anos – até que, finalmente, tive que encará-la de frente.
Os contos de fadas retratam nada menos do que isso: o modo como a
humanidade, desde o início dos tempos, aprendeu a lidar com o desconhecido, o
assustador, o maravilhoso. Adaptados ao longo do tempo, mitos sagrados se
transformam em contos exemplares e em literatura para crianças, sem, no entanto,
apagar sua simbologia essencial, compreensível, num nível inconsciente, a todo ser
humano.1 Ao longo desta "jornada heroica", cresci como pesquisadora, leitora e
escritora e, mais importante, enfrentei medos: o medo de nunca conseguir concluir o
trabalho, devido a circunstâncias mil, medo de não ter conhecimento suficiente, de
compor um trabalho vazio, sem qualquer importância. Em resumo, receio de expôr
aquilo que considerava importante da maneira como gostaria: uma escrita muito
pessoal, pontuada com experiências próprias. Ao fim, decidi permitir-me tal
abordagem; a dissertação genuína parte da afeição a determinado tema por parte do
pesquisador que, assim, a ele se dedica profundamente. Assim, me permito com
alguma frequência o uso de uma linguagem leve, desviando um pouco do "técnico-
1 Nelly Novaes Coelho, O Conto de Fadas. São Paulo: Ática, 1987.
8
acadêmico", nas páginas que se seguem – já que o presente trabalho contempla
escrita, reescrita e tradução criativas.
As raízes deste trabalho são mais do que legítimas. Estão entranhadas em
mim desde que me conheço por gente. Atribuo a gênese deste trabalho a dois
volumes em especial: Os Contos de Grimm, na tradução de Tatiana Belinki, e Ou
Isto ou Aquilo, poemas de Cecília Meireles. As ilustrações d'Os Contos, produzidas
por Janusz Grabianski, profundamente expressivas, em pinceladas simples, nunca
deixaram de ser fascinantes, mesmo para olhos já distantes da infância. Já os
versos de Cecília Meireles originaram uma paixão pelos versos, com sua cadência,
jogos de palavras, aliterações – e o próprio encanto que há em perceber tudo o que
as palavras, ainda que poucas, ainda que breves, podem despertar. Não poderia
deixar de mencionar o curioso fato de ter tido como vizinhos, quando criança (em
Ilhabela – SP), um casal de escritores de livros infantis muito simpático – Liliana e
Michele Iacocca – que mais de uma vez me presentearam com seus livrinhos (A
Girafa sem Sono, As Andorinhas Turistas, O Diário da Misteriosa Menina, O Gato e o
Novelo de Lã...). Como acadêmica e, mais recentemente, como mãe, redescubro os
contos da infância sob um novo prisma. "Os tempos mudam incessantemente,
porém a natureza humana permanece a mesma", diz Nelly Novaes Coelho (1987).
Antes de quaisquer releituras, análises, esmiuçamento (da linguagem, da estrutura
narrativa, dos símbolos...) é possível reconhecer a si mesmo como parte integrante
dessa natureza, contida na essência de contos que, justamente por falarem tão ao
nosso íntimo, sobrevivem por eras.
Há três ou quatro anos, um certo livro chamado Encantamento2 veio cair em
minhas mãos. Parecia genial: historinhas de diversas partes do mundo, com
temática fantástica: "Histórias de encantamento, divertidas e assustadoras, da
Inglaterra, Irlanda, Escócia e País de Gales"; uma compilação de contos com cara
de contos de fadas. No entanto, já no começo da leitura (a princípio, de
entretenimento, nada pretensiosa), senti algum estranhamento com as histórias. A
maior parte delas parecia acabar de forma tão abrupta, tão de repente, que é como
se tivessem engolido-lhes uma parte. Também não tinham uma moral clara, como
invariavelmente vemos em contos como a Cinderela de Perrault ou n'A Bela
2 CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. Encantamento – Contos de Fada, Fantasma e Magia. São Paulo:
Companhia das Letrinhas, 2003. Tradução de Hildegard Feist.
9
Adormecida dos Grimm – ser bom não é garantia de um futuro feliz, assim como ser
ruim não é necessariamente condenável. Em “As Três Cabeças do Poço“, por
exemplo, a "filha da madrasta" tem um comportamento detestável durante todo o
conto; seu destino parece estar tomando um rumo igualmente ruim (com feridas no
rosto, mau hálito e a promessa de um péssimo casamento), mas o fim da narrativa
parece se voltar totalmente para essa personagem, deixando de lado a protagonista
"boazinha". Outro conto, “O fantasma de Samuel“, deixa qualquer leitor das
tradicionais narrativas "começo-meio-e-fim" um pouco desnorteado. A história
começa da seguinte maneira: "Pobre Samuel! Ele estava dormindo, quando sua
casa pegou fogo, e acordou tarde demais. Era apenas um menino e morreu
queimado; virou cinzas". A narrativa se desenrola conforme Samuel descobre que é
uma alma penada; outros fantasmas orientam-no então falar com uma minhoca
gigante, que deveria comer seus restos mortais para que sua alma descansasse.
Depois de buscar suas cinzas e um braço amputado para a "grande minhoca", o
pobre Samuel descobre que jamais poderá descansar, porque lhe faltava uma unha
– e a minhoca só aceitaria devorar seu corpo por completo.
O que há de comum entre esses contos, além da estrutura narrativa não-ortodoxa
em relação aos contos de fadas "clássicos" (noções que veremos com detimento a
seguir), é o fato de os demônios, as criaturas fantásticas (fadas, duendes) ou
animais dotados de faculdades extraordinárias interferirem de algum modo na vida
dos mortais.
A seleção do conto O Rei dos Gatos para análise e tentativa de reescrita foi
encaminhada por diversos fatores. A ideia inicial era analisar todos os contos de
Encantamento. No entanto, julgo que esta seria uma tarefa deveras extensa para a
presente pesquisa, e resultaria numa análise pouco centrada. Pensamos – minha
orientadora e eu – em trabalhar com contos em que a presença de animais fosse
bem marcada (Malhado, A Vaca que Comeu o Gaiteiro, A Mula seriam alguns dos
contos trabalhados). Mas, desta forma, o necessário foco na tradução seria perdido,
uma vez que a abordagem penderia centralmente para a zooliteratura (estudo do
papel dos animais na literatura). Enquanto ainda pensava nessa abordagem, decidi
rastrear as origens dos contos de Encantamento e selecionei, para começar, O Rei
dos Gatos – pelo não tão brilhante critério da extensão. Ao fim do livro, há um índice
10
das fontes de cada conto. A primeira referência a surgir foi a obra More English Fairy
Tales, do folclorista australiano radicado na Inglaterra, Joseph Jacobs. Esta versão
se desdobrou em outras cinco, coletadas e reescritas por diferentes
autores/folcloristas. A perspectiva de entrar em contato com essas diversas versões
e a felicidade de ter, casualmente, descoberto um conto tão frutífero deu um novo
fôlego à pesquisa.
Meu desejo, agora, era não apenas fazer uma análise do(s) motivo(s) do
estranhamento nos contos ("nó" este que acabou por se desatar de maneira muito
simples ao longo da leitura das versões e pesquisas relacionadas), mas possuía
material suficiente para prosseguir tendo em vista um resultado mais definido:
apresentar uma amostra das inúmeras possibilidades de escrita, reescrita, criação e
re-criação dentro dos limites da tradução, fundamentada na noção de Projeto de
Tradução proposta pela teórica da tradução alemã Christiane Nord. Ainda, à guisa
de conclusão, planejar e executar a re-criação de “King of the Cats” uma vez mais –
num projeto baseado, sobretudo, na minha própria vivência literária.
Espero acima de tudo que, mais do que o simples vislumbre dos esforços de
uma pesquisa, as páginas a seguir sejam aprazíveis para quem as leia – tanto
quanto foi agradável escrevê-las.
11
CAPÍTULO I
Contos de fadas – origens e implicações
"To ask what is the origin of stories (however qualified) is to ask what is the origin of language and of the mind."
(J.R.R. Tolkien, On Fairy-stories)
Quando nos perguntamos sobre as origens dos contos de fadas, as primeiras
imagens que nos virão à mente serão, provavelmente, as ilustrações de alguma
coleção de contos com que tivemos contato na infância ou, quem sabe, aquelas que
conhecemos dos filmes de Walt Disney (“A Bela Adormecida”, “A Bela e a Fera”,
“Cinderela”...). Das coletâneas de contos infantis aos filmes, a atmosfera medieval,
profundamente idealizada: lindos castelos, príncipes encantados, doces princesas,
florestas verdejantes, animaizinhos amigáveis. Essa clara idealização do passado
medieval é marca indefectível do Romantismo europeu (séculos XVIII e XIX). E
realmente, na Alemanha do século XVIII, lá estão os irmãos Grimm, folcloristas,
coletando e publicando seus Kinder-und Hausmärchen, coletânea que viria a ser
conhecida como Os Contos de Grimm.
Quando criança, não compreendia por que é que não havia filmes de todos os
contos de que eu gostava; pensava em Rapunzel, por exemplo (há uma adaptação
bastante recente dos estúdios Disney/Pixar, “Enrolados”, mas não me aventurei a
assistir). Até que ouvi uma versão em que Rapunzel era abandonada pela
bruxa/madrasta no deserto com filhos gêmeos que tivera do príncipe – e este era
jogado do alto da torre em um espinheiro, ficando bastante ferido e cego. É claro
que, ao final, depois de muito sofrimento, eles se reencontravam e as lágrimas de
Rapunzel curavam a cegueira do príncipe. Acho que havia um casamento também, e
punição para a vilã. Longe de ser suave e infantil, essa versão cheia de crueldade
me fez avaliar, ainda pequena, que talvez os contos de fadas não fossem para
crianças; ao menos, não todos, não exclusivamente.
A preservação da infância como espaço da inocência é bastante recente: foi
a pressão dos intelectuais da época e a influência do ideário cristão no romantismo
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que fez com que os irmãos Grimm, na segunda edição de sua coletânea, retirassem
episódios de demasiada violência ou maldade, principalmente aqueles que eram
praticados contra crianças.3 Os contos de fadas não foram criados para crianças ou
para transmitir ensinamentos morais, como as fábulas. Inicialmente, os textos
traziam grandes quantidades de adultério, incesto, canibalismo e mortes hediondas.
Sheldon Cashdan, em sua obra Os Sete Pecados Capitais nos Contos de Fadas,
afirma: “Originalmente concebidos como entretenimento para adultos, os contos de
fadas eram contados em reuniões sociais, nas salas de fiar, nos campos e em outros
ambientes onde os adultos se reuniam - não nas creches”.
Pode ser motivo de surpresa para alguns o fato de os contos de fadas não
terem sido inventados pelos irmãos Grimm ou Perrault ou Andersen, mas por eles
coletados como registros folclóricos, ou seja, resgatados da memória popular. E,
apesar de os Grimm serem os mais conhecidos dentre os que registraram os contos
de fadas clássicos e terem sido os grandes propagadores da literatura infantil pela
Europa e América, quem inaugura essa tendência é Charles Perrault, intelectual de
prestígio na corte de Luís XIV, com seus Contos da Mãe Gansa, coletânea de contos
populares recriados em versos, de 1697. Na mesma época, Jean de La Fontaine
resgata histórias de cunho moralista, as Fábulas, e vai além das referências
próximas, buscando “fontes documentais da Antiguidade: Grécia (Fábulas de
Esopo); Roma (Fábulas de Fedro); parábolas bíblicas, coletâneas orientais e
narrativas medievais ou renascentistas”. La Fontaine trabalha durante mais de vinte
anos na busca e no cotejo desses textos, reelaborando, em versos, sua própria
versão: As Fábulas de La Fontaine. Seu trabalho deixava entrever questões da corte
e do povo, espécie de “denúncia social“ que o holandês Hans Christian Andersen
faria dois séculos depois, no XIX; se em La Fontaine encontramos a sabedoria
exemplar destilada ao longo de séculos, em Andersen encontramos histórias de
sofrimento, que nem sempre tinham um final feliz (“A pequena Vendedora de
Fósforos”, “O Soldadinho de Chumbo”), sintonizadas à ainda forte moral cristã de
sua época, que valorizava os ideais de fraternidade, generosidade e altruísmo e que
de certa forma conformavam o leitor com seu sofrimento, mostrando a Fé inabalável
como solução para suportar as adversidades da vida. 3COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. Pp 29. Este capítulo foi, em grande parte, baseado nessa
interessante obra, que delineia um histórico dos contos de fadas e os traz para a atualidade, questionando seu
papel.
13
As obras de Perrault, La Fontaine, Grimm e Andersen completam o acervo da
literatura infantil clássica; seus contos são reconhecidos por todo o mundo, tendo
sido adaptados, traduzidos e reescritos incontáveis vezes ao longo dos últimos
séculos. A partir daí, o interesse pelo folclore, pelo acervo cultural popular, foi se
expandindo. Guiadas inicialmente pela valorização do exótico na época do
Romantismo, como forma de evasão da realidade, passando pela observação e
investigação minuciosa do homem e seu meio no Realismo e a tentativa de resgate
e documentação da História dos povos em particular e da humanidade como um
todo, as pesquisas dos mitos, lendas e contos ao redor do mundo acabou revelando
um fato deveras curioso: a recorrência de símbolos, arquétipos e estruturas
narrativas em culturas as mais diversas ao redor do mundo. Essa noção foi
levantada pelo estudioso de mitologia norte-americano Joseph Campbell, que
discorre, por exemplo, sobre o Mito do Herói, uma constante em toda a ficção já
produzida pelo homem, desde os primeiros mitos documentados até a atualidade:
(...) existe uma certa seqüência de ações heróicas, típica, que pode ser detectada em histórias provenientes de todas as partes do mundo, de vários períodos da história. Na essência, pode-se até afirmar que não existe senão um herói mítico, arquetípico, cuja vida se multiplicou em réplicas, em muitas terras, por muitos, muitos povos. Um herói lendário é normalmente o fundador de algo, o fundador de uma nova era, de uma nova religião, uma nova cidade, uma nova modalidade de vida. Para fundar algo novo, ele deve abandonar o velho e partir em busca da idéia semente, a idéia germinal que tenha a potencialidade de fazer aflorar aquele algo novo.
4
As recorrências estruturais e simbólicas do mito são ainda a base para a
psicologia analítica, fundada por Carl G. Jung, cujos estudos demonstram que “a
psique conservaria rastros de etapas anteriores do desenvolvimento humano, (…)
uma herança psicológica comum a toda humanidade, de onde todos os símbolos,
arquétipos e mitos derivam”.5 Ou seja, conflitos, imagens e situações arquetípicas
são simbolicamente representadas nos mitos arcaicos. A essa herança psicológica,
esse arcabouço de memória calcado no inconsciente humano, deu-se o nome de
Inconsciente Coletivo. O analista da escola junguiana, Hans Dieckmann, escreve em
seu Contos de Fada Vividos:
4 CAMPBELL, J. em O Poder do Mito, transcrição da série de entrevistas com o mitólogo que foi ao ar na TV
americana em 1988. 5 MURAD, Pedro. Revista brasileira de ciências da comunicação e da cultura e de teoria da mídia.
http://www.revista.cisc.org.br/ghrebh7/artigos/10murad_port.html
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Como ponto de partida no tratamento das neuroses tem-se mostrado necessária, em primeiro lugar, a interpretação dos contos de fada e dos mitos segundo a psicologia de profundidade. É comumente sabido que são os sonhos, e sua interpretação pelo médico, que constituem fator importante na terapia das pessoas com enfermidades da alma. Freud já tinha percebido que contos de fada e mitos não são fundamentalmente distintos dos sonhos, e que falam uma linguagem simbólica idêntica (…). Antes de tudo, foram os trabalhos de C. G. Jung e sua escola que indicaram o caminho. Como o sonho é fenômeno universal, que se produz tanto em sadios como em doentes, assim também mitos e contos de fada são fenômenos universais.
6
O filósofo alemão Ernst Cassirer, em Linguagem e Mito, busca provar a
conexão entre as estruturas de consciência mítica e linguística no ser humano.
Afirma que a mitologia, como a conhecemos na atualidade, nada mais é do que
vestígios de um vasto reino de pensamento e linguagem, resíduos de fases
anteriores do desenvolvimento do pensamento humano. Corroborando sua hipótese,
cita o filólogo Max Müeller:
Jamais se conseguirá compreender a mitologia, enquanto não se souber que aquilo que chamamos antropomorfismo, personificação, ou animismo, foi, há muitíssimos séculos, algo absolutamente necessário para o crescimento de nossa linguagem e de nossa razão. Seria inteiramente impossível apreender e reter o mundo exterior, conhecê-lo e entendê-lo, concebê-lo e designá-lo sem esta metáfora fundamental, sem esta mitologia universal, sem este ato de insuflar nosso próprio espírito no caos dos objetos e de refazê-los, voltar a criá-los segundo nossa própria imagem. O princípio dessa segunda criação que o espírito faz é a palavra, e na realidade podemos acrescentar que tudo foi feito por esta palavra, isto é, denominado e reconhecido, e sem ela nada seria feito daquilo que foi feito.
7
Destaco o papel das histórias folclóricas em campos como a psicologia, a
antropologia e a linguística para demonstrar a dimensão da responsabilidade de se
trabalhar com os contos de fadas e, por extensão, com os mitos, seus ancestrais. A
riqueza simbólica dessa herança não é algo que se possa tratar levianamente. Este
é o motivo do estudo em detalhe, da máxima profundidade permitida pelo espectro
desta pesquisa, das diversas versões de um mesmo conto: o senso de
responsabilidade com os símbolos e situações arquetípicas contidas em cada uma
delas. Empreende-se assim um levantamento das recorrências, o que permitirá uma
releitura do conto “em segurança”, ou seja, com o mínimo de perdas para essa
6 DIECKMANN, H. Contos de Fada Vividos. São Paulo: Paulinas, 1986. Tradução de Elisabeth C. M.
Jansen. 7 MÜELLER, M. Das Denken im Lichte der Sprache, Leipzig, 1873 pp. 368
15
carga simbólica. Isso, é claro, se a preservação desses símbolos fizer parte do seu
Projeto de Tradução – noção que será estudada em detalhe no capítulo 3.
I.I O lugar de “King of the Cats”
Os mitos, que se formam simultaneamente à consciência e linguagem
humanas, com a intenção de explicar o mundo e com ele interagir, modificam-se ao
longo do tempo, preservando seus símbolos essenciais, mas adaptando-se, de
geração em geração, às novas audiências. Saem da esfera do sagrado, das
religiões primitivas, com a lenta renovação destas, para transformarem-se em
herança cultural e em conto fantástico, ainda respeitosamente temido por seu
conteúdo misterioso (ver, no capítulo 2, o comentário ao conto “Johnny Reed's Cat”),
que ressoa a sabedoria ancestral. Entre as mais significativas transformações
sofridas pelos mitos estão aquelas que ocorreram durante a Idade Média, quando o
cristianismo em expansão mescla-se aos conhecimentos e tradições pagãs –
inicialmente, em uma convivência pacífica, para aos poucos sobrepujá-los.
Um exemplo claro disso é o processo que se deu na Irlanda: no século V, um
missionário – mais tarde canonizado como São Patrício, padroeiro da Irlanda –
introduz no país o cristianismo, que convive com os costumes Celtas durante
séculos, preservando, por exemplo, a simbologia da natureza e respeitando o papel
da mulher para essa sociedade, porém revestindo-os de um “verniz cristão”. Com o
passar do tempo, essa convivência se torna mais tensa, e o elemento pagão é
reprimido – mas seus ecos ainda são ouvidos: Diz-se que Patrício ensinava o
conceito da Santa Trindade através das folhas do trevo (shamrock, do gaélico, “flor
de três folhas”), elemento que se tornou um dos símbolos do país, ao lado do
Leprechaun (espécie de duende). Esse tipo de sincretismo de crenças também é
reconhecível no Brasil, em que há “benzedeiras” e “simpatias” que utilizam-se de
elementos cristãos para suas curas e encantamentos. Veja o exemplo a seguir:
Simpatia para manter a saúde: Antes de dormir, durante 3 noites seguidas, acenda 1 vela azul sobre 1 pires em sinal de gratidão ao seu anjo da guarda. Ao lado da vela, coloque alguns grãos de arroz. Na manhã seguinte, logo ao acordar, pegue o arroz e jogue para trás em um jardim, sem olhar. Reze 1 Ave-Maria e peça proteção ao seu anjo. As sobras da
16
vela, você deve jogar no lixo. Lave e reutilize o pires.8
Com o Renascimento, uma segunda transformação significativa se dá com os
contos folclóricos: a passagem da tradição oral para a escrita, com o advento da
imprensa. Essa mudança “cristaliza” a forma dos contos, até então mais maleáveis
em seus detalhes – a depender do narrador e da audiência. Este é um dos motivos
da dificuldade de se definir uma versão “original” para um conto. Quando coleta-se
uma série de histórias da tradição oral em locais diferentes, mas com a mesma
estrutura narrativa, os mesmos símbolos essenciais e apenas algumas pequenas
diferenças no local ou tempo ou caracterização de personagens, como se dá com
“King of the Cats” – de cuja infinidade de versões farei uma amostra a seguir, no
capítulo 2 – como definir o que é essencial preservar em uma adaptação (seja para
o público infantil, ou para uma versão fílmica, ilustrada, em quadrinhos...)?
Folclore e Tradição Oral no Brasil
No começo do século XX, enquanto o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos viaja através do
Brasil registrando canções populares, folclóricas e indígenas, evidenciando alguns dos
elementos que viriam a definir a identidade musical brasileira, o antropólogo Luís da Câmara
Cascudo faz um extenso estudo sobre as tradições e o folclore do país, compondo o que viria a
se tornar o Dicionário do Folclore Brasileiro (1952). Durante esse estudo, registra similaridades
fundamentais entre os temas e estrutura narrativa da Literatura de Cordel produzida no Nordeste
brasileiro até a atualidade e das cantigas medievais9. Vindo com os colonizadores portugueses
no século XVI, o Cordel preserva até a atualidade não apenas os temas heroicos e a métrica dos
bardos, mas as ilustrações simples (xilogravuras). Ainda, retomando as recorrências:
“Na contística popular do Nordeste, por exemplo, é possível se escutar uma história que, em
linhas gerais, é a mesma que os povos estabelecidos à margem do Nilo, no Egito, repetem há
mais de 3.000 anos. As nossas orações aos santos, ligeiramente modificadas, em tempos de
antanho, devem ter acalmado a fúria e comprado o obséquio de muitos deuses de incontáveis
panteões”10.
8 http://horoscopovirtual.uol.com.br/simpatias.asp?cat=saude [Consult. 20/06/2012].
9 O Conto de Fadas, pp.51-52
10 http://marcohaurelio.blogspot.com.br/2008/09/presena-dos-contos-tradicionais-de.html [Consult.
20/06/2012]
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Também no início do século XX, quem se destaca por suas traduções, adaptações e criações
dos contos folclóricos voltadas para o público infantil é Monteiro Lobato. Em sua série de livros
mais famosa, Sítio do Pica-pau Amarelo, o autor inventa e reinventa histórias, mesclando
personagens criadas por si (Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília) às do folclore brasileiro, como
o Saci, a Iara, a Cuca e ainda a personagens de contos tradicionais estrangeiros, como Peter
Pan, e Hércules, da mitologia grega. As aventuras se passam num mundo de fantasia criado
pelas próprias crianças e nascem das narrativas de Dona Benta e Tia Nastácia, numa época em
que o costume de contar histórias em serões ainda era vivo. Entre as influências admitidas por
Lobato em sua obra, estão desenhos animados da época (O Gato Félix, Popeye), fabulistas
clássicos como Esopo e La Fontaine, Lewis Carroll e Carlo Collodi (criador de “Pinóquio”).
Uma das características que torna o conto “King of the Cats” tão instigante é o
fato de carregar marcas de diferentes épocas em suas diversas versões,
reconhecíveis em detalhes do enredo, no tratamento dado ao elemento
sobrenatural, através da estrutura narrativa. Sua origem provável é o imaginário
Céltico, já que suas diversas versões foram coletadas no Reino Unido (Inglaterra,
Escócia, Irlanda), região da Europa em que a cultura Celta vicejou até a conquista
pelo Império Romano (~ I a.C.) - e, no caso específico da Irlanda e Escócia, pelo
menos até o século V. Em sua obra Animals in Celtic Life and Myth, Miranda Green
discorre sobre o papel dos gatos na cultura Celta; animais domésticos, durante a
Idade do Bronze eram criados para espantar pestes (pp.24/26); ao lado de cães,
porcos e ovelhas, eram eventualmente sacrificados em rituais por uma boa colheita
(pp. 102). Há também a descrição um ritual nomeado Himbas Forosnai, em que o
clarividente previa o futuro mascando a carne de gatos, cães ou porcos (pp.164) –
deixando entrever uma das possíveis origens da atribuição mágica dada aos gatos.
O texto em que encontrei o maior número informações específicas sobre
“King of the Cats” reunidas foi o ensaio de Maureen Murphy, “Pangur's Progeny: The
Cat in Irish Literature”.11 A autora procura fazer uma retrospectiva do papel dos gatos
na literatura irlandesa, desde manuscritos antiquíssimos como Pangur Bán e The
Book of Kells – ambos escritos por monges no século IX, sendo o primeiro um
metapoema que usa como metáfora para a escrita os movimentos do gato, e o
11
IZARRA, Laura P.Z., BASTOS, Beatriz Kopschitz X (Ed). A New Ireland in Brazil: Festschrift in Honour of Munira Hamud Mutran. São Paulo: Humanitas, 2008.
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segundo, um conjunto de evangelhos do Novo Testamento, com iluminuras – em que
o gato aparece como figura de encanto e graça, passando por sua transformação,
durante a Era Medieval, em criatura associada ao sobrenatural e mesmo ao
diabólico, até referências à literatura irlandesa contemporânea, em que o gato ainda
é, eventualmente, conectado ao domínio do extraordinário, mas evoca, como foi há
séculos, a sensação de conforto, lar, companhia.
Ao discorrer sobre a associação do gato com entidades demoníacas,
Maureen Murphy afirma: “the most widely collected Irish cat/devil tale is AT 113A:
The King of the Cats is Dead” (o conto irlandês de gato/demônio com maior número
de versões coletadas é AT [Aarne-Thompson type12] 113A: The King of the Cats is
Dead). A mais antiga versão documentada do conto integra uma publicação inglesa
de 1570, intitulada Beware the Cat, que já apresenta diversos elementos em comum
com as versões que serão analisadas na sequência (o homem que conta uma
história extraordinária à esposa, o gato da família que se revela falante e se abala
com a morte de outro gato/criatura). Em seu ensaio “The Use of printed Sources,” o
folclorista norte-americano Richard Dorson identifica diversas referências ao conto,
como a versão de Plutarco para a morte de Pan, em que uma voz divina anuncia a
um marinheiro que Pan havia morrido, ou uma versão que Sir Walter Scott teria
contado a Washington Irving; o também folclorista Patrick Kennedy, irlandês, coleta
uma versão do conto para seu Legendary Fictions of the Irish Celts (1866). O
escritor William B. Yeats teria citado o conto quando da morte de Algernon
Swinburne, também escritor, ao afirmar “Now I am King of the Cats”. Yeats não
trabalha literariamente com “King of the Cats”, mas recria outra lenda que relaciona
a figura do gato à do demônio, “The Demon Cat”, em 1888.13
O estudo detalhado de algumas das versões de “King of the Cats” e,
especialmente, a reflexão acerca de sua inserção histórica teve como principal
resultado a compreensão do motivo de estranhamento inicial que tive com o conto.
Seu enredo, descolado completamente da estrutura do Mito do Herói de Joseph
Campbell (protagonista sai de seu local de costume em busca de algo/ para cumprir
12
Sistema de classificação de contos folclóricos desenvolvido primeiramente por Antti Aarne e publicado em 1910, foi traduzido e expandido por Stith Thompson. O critério de classificação é temático (Contos de Animais, Contos de Fadas, Religiosos, etc.) http://www.enotes.com/topic/Aarne%E2%80%93Thompson_classification_system 13
MURPHY, M. “Pangur's Progeny: The Cat in Irish Literature“. pp. 424-425.
19
uma missão em local desconhecido, luta contra forças antagonistas e retorna ao “lar”
com um tesouro – físico ou psicológico), que parece guiar grande parte dos contos
clássicos, desde “Chapeuzinho Vermelho” até “Bela e a Fera” ou “O Patinho Feio”, já
o torna bastante peculiar, mesmo entre os contos que remontam mais claramente ao
mito ancestral. Já a ausência da dicotomia “bem x mal” ou de uma moral explícita
sugerem que a influência da moral cristã não interferiu com tanta força no enredo
deste conto – que é, neste sentido, similar aos outros contos da coletânea
Encantamento14.
14
Tenho uma hipótese quanto a isso: esses contos são originários do Reino Unido; o “cânone” dos contos de fadas é proveniente da Alemanha (Grimm), da França (Perrault, La Fontaine) e Dinamarca (Andersen). É possível que tenha havido um interesse bem mais reduzido por parte do público pelos contos do Reino Unido, em um momento em que os clássicos já haviam se estabelecido – e então a preocupação em preservar a estrutura do conto tenha prevalecido sobre a necessidade de adaptá-lo ao público leitor.
20
CAPÍTULO II
As Versões de “King of the Cats”
O conto “King of the Cats” tem, pois, uma estrutura bastante rara quando
comparada àqueles que compõem o “cânone” do conto de fadas. Joseph Jacobs,
autor de uma das versões listadas e analisadas no próximo capítulo, refere-se a ele
como anecdote, definição que, em inglês, carrega o sentido de conto tradicional
(Traditional story) e se caracteriza como uma história divertida ou interessante sobre
um incidente ou uma pessoa real – ou seja, deve soar como um incidente verossímil,
de preferência num local passível de ser reconhecido pela audiência (já que
pertence ao domínio da tradição oral). É curto e às vezes evoca humor, mas não é
sinônimo de "piada" (joke), já que seu propósito central é deixar entrever um sentido
mais profundo, encoberto pela narrativa, ou delinear características de determinado
personagem de um modo tal que revele sua essência ao ouvinte – e, nesse ponto,
assemelha-se às Morality Plays (curtas encenações teatrais medievais em que o
protagonista encontrava-se com a personificação de vícios e virtudes que
procuravam levá-lo pelo bom ou mau caminho). É mais próxima de uma parábola do
que as fábulas, e exige maior verossimilhança. Está entre os contos da classificação
de Aarne-Thompson como conto folclórico, na categoria Wild Animals and Domestic
Animals. Este tipo de classificação meramente temática é criticada por Vladimir
Propp, autor d'A Morfologia do Conto Maravilhoso, já que não leva em conta a
estrutura narrativa. Propp identifica como elementos narrativos básicos os agentes
(personagens), as funções narrativas e estágios de evolução na narrativa, mais ou
menos semelhantes entre todos os contos por ele analisados.
O folclorista observa que a linha para a distinção entre os contos de animais
(animal tales) e os contos fantásticos (tales of the fantastic, segmento selecionado
por Propp da classificação de Aarne-Thompson para sua Morfologia) é muito tênue,
já que diversos contos de animais contêm elementos fantásticos, e vice-versa, e
bastaria um camponês enganar o diabo ao invés de um urso para que o conto
tivesse de ser reclassificado (“Na Rússia o enganado é um urso, enquanto que no
21
Ocidente é o diabo; por conseguinte, este conto [sobre a distribuição da colheita],
com a introdução da variante ocidental, fica excluído por completo dos contos de
animais. Onde, pois, situá-lo?”15). No final da década de 1930, J.R.R. Tolkien,
escritor bastante conhecido na atualidade por obras como a trilogia O Senhor dos
Anéis e O Hobbit, escreve um ensaio intitulado "On Fairy-Stories", pondo em
destaque esta mesma questão:
The beast-fable has, of course, a connection with fairy-stories. Beasts and birds and other creatures often talk like men in real fairy-stories. In some part (often small) this marvel derives from one of the primal “desires” that lie near the heart of Faërie
16: the desire of men to hold communion with other
living things. But the speech of beasts in a beast-fable, as developed into a separate branch, has little reference to that desire, and often wholly forgets it. The magical understanding by men of the proper languages of birds and beasts and trees, that is much nearer to the true purposes of Faërie. But in stories in which no human being is concerned; or in which the animals are the heroes and heroines, and men and women, if they appear, are mere adjuncts; and above all those in which the animal form is only a mask upon a human face, a device of the satirist or the preacher, in these we have beast-fable and not fairy-story
17.
“King of the Cats” não é uma exceção. Se, nas leituras iniciais, eu não
hesitaria em classificá-lo como conto de fadas, após a realização desta pesquisa
certamente não arriscaria um julgamento precipitado ou cristalizado – para este ou
qualquer outro conto folclórico. A seguir, apresentarei as oito variantes do conto a
que tive acesso e farei um breve comentário sobre cada uma delas; a estrutura de
personagens e da narrativa e alguns dados que considerei relevantes foram
sintetizados em uma tabela comparativa que será de grande valia quando, no
capítulo três, justificarei as escolhas feitas para a nova versão. As cinco versões
referidas por Joseph Jacobs estão em um subnível – não por questões de maior ou
menor relevância, apenas em nome de uma melhor organização gráfica:
15
PROPP, V. Morfologia do Conto Maravilhoso. pp. 9 16
"Faerie, the realm or state in which fairies have their being" (Faerie é o reino ou país em que vivem as fadas) – “On Fairy-stories“, pp. 3
17 “O conto de animais tem, é óbvio, conexão com os contos de fadas. É comum animais, pássaros e outras
criaturas falarem como gente nos contos de fadas de verdade. Em parte (uma parte não muito significativa, é verdade) esse elemento maravilhoso deriva de um dos "desejos" primitivos que repousam próximo ao coração de Faërie: o desejo dos homens de comunicar-se com as outras criaturas viventes. Mas a fala de um animal num
conto de animais, como se crescesse em um outro galho da árvore, quase não tem a ver com esse desejo – com alguma frequência, está totalmente desvinculada disso. A compreensão mágica das línguas dos pássaros, animais e árvores pelo homem, isso sim está muito mais próximo aos verdadeiros propósitos de Faërie. Mas histórias que não tangem ao humano, ou em que animais são heróis e heroínas e homens e mulheres – se aparecem – são meros coadjuvantes, ou ainda, e sobretudo, todas essas histórias em que a forma de animal é apenas a máscara sobre um rosto humano, um artifício usado pelo sátiro ou pelo padre/pastor/pregador, então
temos aí um conto de animais, não um conto de fadas”.
22
II.I: A Versão em Português (BR)18
O Rei dos Gatos Acho que posso me considerar um rapaz de sorte. Aqui na aldeia há muita gente
desempregada, e eu conheço dois sujeitos – três, se contar o Dan, que está se aposentando
antes da hora – que devem ser demitidos antes do Natal. Ainda bem que precisam de mim;
e sempre vão precisar.
Nem tudo são flores, porém. Os únicos que me agradecem são os passarinhos, de
manhã cedo. Depois fico sozinho, lá fora, faça chuva ou faça sol. E as flores velhas, aqueles
montes de flores velhas, têm um cheiro enjoativo.
Mas acontecem umas coisas esquisitas, posso lhe garantir. Esquisitas e maravilhosas!
Um dia, no verão passado, trabalhei até tarde; o vigário disse que precisavam do
serviço para as nove da manhã. E resolvi descansar um pouco, sentado na beira da cova,
balançando as pernas. Bem, eu tomei alguns goles de aguardente e estava tão cansado que
acho que peguei no sono.
Um gato me acordou.
– Miau!
Quando abri os olhos, era quase noite e eu estava no fundo.
Eu me levantei, olhei por cima da beirada da cova e sabe o que eu vi? Nove gatos
pretos! Todos tinham o peito branco e desciam pelo caminho, carregando um caixão
coberto com veludo preto. Nossa! Minha nossa! Fiquei bem quieto, olhando com atenção.
Uma pequena coroa dourada estava em cima do veludo preto. A cada três passos os gatos
paravam, solenes, e gritavam:
– Miau!
Então eles saíram do caminho e vieram em minha direção. Tinham os olhos
brilhantes, luminosos e verdes. Oito gatos carregavam o caixão, e um grande conduzia o
cortejo. Um passo, dois passos, três passos: miau!
Quando chegaram bem perto da cova, eles pararam. E todos olharam para mim.
Nossa! Minha nossa! Eu me senti mal. Então o gato grande, o que ia na frente, deu mais
um passo em minha direção.
– Diga a Dildrum – ele falou para mim, numa voz esganiçada – diga a Dildrum que
Doldrum morreu.
18
CROSSLEY-HOLLAND, K. Encantamento – Contos de Fada, Fantasma e Magia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003. Tradução de Hildegard Feist.
23
Depois virou as costas e se afastou com os outros gatos, que carregavam o caixão.
Um passo, dois passos, três passos: miau!
Assim que eles sumiram de vista, saí da cova e voltei pra casa. Fiquei muito contente
quando encontrei todo mundo lá: minha Mary, vesga de tanto tricotar, Mustard saltitando na
gaiola, e o velho Sam espichado num canto. Tudo estava como sempre: o relógio
tiquetaqueando em cima da lareira.
Então contei para minha velha que tinha visto o gato falante, o caixão e a coroa. Ela
me lançou um daqueles olhares – como um brilho por trás dos óculos.
–Pois sim, Harry – ela resmungou.
– É verdade, Mary – falei. – Eu não podia ter inventado isso. E quem é Dildrum?
– Como é que eu vou saber? – ela replicou. – Chega de história! Você está irritando
o velho Sam.
O velho Sam se levantou. Primeiro andou de um lado para o outro e depois olhou
bem para mim. Nossa! Eu me senti mal de novo. Insisti:
– Foi exatamente isso que o gato falou. Nem uma palavra a mais, nem uma palavra
a menos. Ele falou: "Diga a Dildrum que Doldrum morreu". Como é que eu vou dizer? Como
é que eu vou dizer a Dildrum que o Doldrum morreu, se não sei quem é Dildrum?
– Chega, Harry! - Mary gritou. - Olhe para o velho Sam! Veja!
O velho Sam Estava inchando. Inchando e olhando para mim. Por fim soltou um
berro:
– Doldrum... o velho Doldrum morreu? Então eu sou o Rei dos Gatos!
E saltou para dentro da lareira, subiu pela chaminé e nunca mais apareceu.
Esta versão foi meu ponto de partida, meu primeiro contato com o conto.
Demorei para compreender a razão do meu estranhamento não apenas com este,
mas com diversos outros contos do livro Encantamento: se este é um "conto de
fadas", onde está a moral da história? Porque o conto termina assim, de repente?
Quem é o "herói" e quem é "vilão" – ou seja, onde está a tão comum dicotomia entre
bem e mal? Essas características, ou melhor, essas não-características, os
elementos "faltantes", remontam a um período pré-medieval, pré-cristão, em que os
contos não necessariamente tinham a função de educar, mas conectavam-se ao
imaginário popular, com suas criaturas fantásticas, representações de divindades e à
busca por explicações para fenômenos naturais – eventualmente vistos como
24
"paranormais". Estavam muito mais próximos ao Mito ancestral do que aos contos
de fadas, popularizados mais recentemente.
É interessante notar que, apesar de a estrutura narrativa nos apontar uma
origem pré-cristã, assinalo a expressão "Nossa, minha nossa!" (em inglês, "My, oh
my") dita pelo protagonista nesta versão; "Nossa [senhora]" ou "My [God]" é uma
marca da adaptação deste conto ao longo de gerações, processo no qual
incorporam-se elementos cristãos a um conto ancestral – assim também se pode
supor que os elementos arcaicos das narrativas vão sendo eliminados com o passar
do tempo, conforme são recontadas de geração para geração. Outro elemento
interessante é justamente o de "busca por explicação lógica" – reflexo da gradual
substituição do universo religioso pelo científico - que se denota em uma observação
como a seguinte: "tomei alguns goles de aguardente e estava tão cansado que acho
que peguei no sono." Ou seja, o protagonista sugere que, até o desfecho da história,
em que não resta dúvidas sobre o caráter sobrenatural do que lhe acontecera (já
que agora contava com ao menos uma testemunha, sua esposa) considerou a
possibilidade de o fenômeno ter sido um sonho ou fruto de sua imaginação, afetada
pelo cansaço e pelo álcool que ingerira.
Destaco ainda elementos dêiticos, como "sabe o que eu vi?" e comentários
que interrompem a narrativa, como "eu me senti mal", que trazem o leitor para o
texto como interlocutor bastante próximo da voz narrativa, como possível tentativa
de resgatar o registro da oralidade, provável origem do conto em questão. Quanto
aos personagens desta versão, são os seguintes:
O coveiro;
O cortejo de gatos (nove gatos pretos com manchas no peito);
O gato "mensageiro" (parte do cortejo);
O gato que está morto (Doldrum);
A esposa;
O pássaro;
O gato da família (que revela ser Dildrum).
Destaco aqui, como elementos centrais, a narração em primeira pessoa e a
ambientação da cena "assombrosa" no cemitério. Há ilustrações nesta versão, que
25
será tomada como base para a análise das sete variantes que seguem por ter sido
meu primeiro contato com “King of the Cats” e, por isto, ter-se tornado meu arquétipo
mental do conto; é a esta que me referirei quando apontar semelhanças e
diferenças, salvo caso em que nomeie especificamente outra versão.
II.II: A Versão em Inglês19
King of the Cats
I suppose I can think myself lucky. There's plenty in our village who are drawing
unemployment, and I know two more – three if you count Dan, he's taking early retirement
– who reckon they'll be laid off before Christmas. At least people need me; and they always
will.
It's not all laughs, mind. The only ones who thank you are the early birds. And then
you're all on your own, and you're out in every weather, too. And the old flowers, the pulpy
heaps of them, they smell sickly sweet!
You get some weird experiences, I can tell you. Weird and wonderful!
One evening last summer I was out late; the vicar said they needed it for nine in the
morning. I was having my break, sitting on the edge like, and swinging my legs. Well, I took
a nip or two and I was so tired that I reckon I fell asleep.
A cat woke me up. "Miaou!" And when I opened my old eyes, it was almost dark and
I was down at the bottom.
I stood up and peered over the edge and you know what I saw? Nine black cats!
They all had white chests and they were coming down the path, carrying a coffin covered
with black velvet. My! Oh my! I kept very quiet but I still had a careful look. There was a
little gold crown sitting on the top of the black velvet. And at every third step the cats all
paused, solemn like, and cried "Miaou!"
Then the cats turned off the path and headed straight towards me. Their eyes were
shining, luminous and green. Eight of them were carrying the coffin and a big one walked in
front of them, showing them the way. One step, two steps, three steps: miaou!
When they got to the graveside, they stopped. They all looked straight at me. My!
Oh my! I felt queer.
19
CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. Enchantment: Fairy Tales, Ghost Stories and Tales of Wonder.
London: Orion Children's Books, 2000.
26
Then the big cat, the one at the front, stepped towards me. "Tell Dildrum," he said in
a squeaky voice, "tell Dildrum," he said, "that Doldrum is dead."
Then he turned his back on me and led away the other cats with the coffin. One
step, two steps, three steps: miaou!
As soon as they were out of the way, I scrambled out of the grave, and I was glad to
get home, I can tell you. There they all were: my Mary cross-eyed with knitting and Mustard
hopping around his cage and old Sam stretched out in the corner. Everything as usual; the
clock ticking on the mantelpiece.
So I told the old girl about the talking cat and the coffin and the crown. She gave me
one of those looks – a sort of gleam behind her specs.
"Yes, Harry," she said.
"It's true, Mary" I said. "I couldn't have made it up. And who is Dildrum anyhow?"
"How should I know?" said Mary. "That's enough of your stories. You're upsetting old Sam."
Old Sam got up. First he prowled around and then he looked straight at me. My! Oh
my! I felt very queer again.
"That's just what the cat said," I said. "Not a word more and not a word less. He said, 'Tell
Dildrum that Doldrum is dead.' But how can I? How can I tell Dildrum that Doldrum is dead
if I don't know who Dildrum is?"
"Stop, Harry!" shouted Mary. "Look at old Sam! Look!"
Old Sam was sort of swelling. Swelling and staring right through me. And at last he
shrieked out, "Doldrum – old Doldrum dead? Then I'm the King of the Cats!"
He leaped into the fireplace and up the chimney, and he has never been seen again.
Fiz um cotejo desta versão em inglês com aquela apresentada anteriormente,
em português. Tenho apenas duas observações pontuais surgidas dessa análise;
primeiro, o fato de um ponto-e-vírgula do texto em inglês ter sido mantido em
português, o que causa alguma estranheza e, ainda assim, apenas para alguém que
esteja prestando extrema atenção à pontuação:
Inglês: "At least people need me; and they always will"
Português: "Ainda bem que precisam de mim; e sempre vão precisar"
27
Além disso, logo nas primeiras linhas da versão em inglês lê-se o seguinte: “The
only ones who thank you are the early birds”. A expressão “early birds” é traduzida
literalmente por “os passarinhos, de manhã cedo”. No entanto, pode carregar o
sentido de “madrugador” – talvez uma expressão próxima a esta, em português, seja
“ir dormir com as galinhas”, ou seja, ter o hábito de dormir e acordar muito cedo. A
substituição da expressão no texto não parece prejudicar a narrativa, mas acredito
que seja relevante pontuar essa possibilidade de leitura.
Como se pode notar, este é o texto a partir do qual Hildegard Feist compõe
sua versão para o português; quando senti o estranhamento inicial, supus que uma
das pistas para compreendê-lo poderia estar na versão anterior, em inglês. Acabei
indo pelo caminho mais difícil, pois encomendei o livro dos Estados Unidos para o
Brasil sem antes ter esgotado todas as possibilidades investigativas da versão que
já possuía. Foi nessa edição que busquei as fontes do conto e me deparei com More
English Fairy Tales (de Joseph Jacobs, 1894); este foi o mais frutífero achado, no
que diz respeito às origens e referências ao conto “King of the Cats”, pois a partir
desta referência fui levada a outras cinco. E foi com grande satisfação que pude ter
acesso a todos os textos referidos, inclusive ao de Jacobs, através da web, já que
todos são anteriores ao início do século XX, estando, portanto, em domínio público.
II.III: A Versão de J. Jacobs20
The King o' the Cats
One winter's evening the sexton's wife was sitting by the fireside with her big black cat, Old
Tom, on the other side, both half asleep and waiting for the master to come home. They
waited and they waited, but still he didn't come, till at last he came rushing in, calling out,
"Who's Tommy Tildrum?" in such a wild way that both his wife and his cat stared at him to
know what was the matter.
"Why, what's the matter?" said his wife, "and why do you want to know who Tommy
Tildrum is?"
20
JACOBS, J. More English Fairy Tales. London: G.P. Putnam’s Sons, 1894.
28
"Oh, I've had such an adventure. I was digging away at old Mr. Fordyce's grave when I
suppose I must have dropped asleep, and only woke up by hearing a cat's Miaou."
"Miaou!" said Old Tom in answer.
"Yes, just like that! So I looked over the edge of the grave, and what do you think I saw?"
"Now, how can I tell?" said the sexton's wife.
"Why, nine black cats all like our friend Tom here, all with a white spot on their chestesses.
And what do you think they were carrying? Why, a small coffin covered with a black velvet
pall, and on the pall was a small coronet all of gold, and at every third step they took they
cried all together, Miaou—"
"Miaou!" said Old Tom again.
"Yes, just like that!" said the Sexton; "and as they came nearer and nearer to me I could
see them more distinctly, because their eyes shone out with a sort of green light. Well, they
all came towards me, eight of them carrying the coffin, and the biggest cat of all walking in
front for all the world like—but look at our Tom, how he's looking at me. You'd think he
knew all I was saying."
"Go on, go on," said his wife; "never mind Old Tom."
"Well, as I was a-saying, they came towards me slowly and solemnly, and at every third
step crying all together, Miaou!—"
"Miaou!" said Old Tom again.
"Yes, just like that, till they came and stood right opposite Mr. Fordyce's grave, where I was,
when they all stood still and looked straight at me. I did feel queer, that I did! But look at
Old Tom; he's looking at me just like they did."
"Go on, go on," said his wife; "never mind Old Tom."
"Where was I? Oh, they all stood still looking at me, when the one that wasn't carrying the
coffin came forward and, staring straight at me, said to me—yes, I tell 'ee, said to me, with
a squeaky voice, 'Tell Tom Tildrum that Tim Toldrum's dead,' and that's why I asked you if
you knew who Tom Tildrum was, for how can I tell Tom Tildrum Tim Toldrum's dead if I
don't know who Tom Tildrum is?"
"Look at Old Tom, look at Old Tom!" screamed his wife.
And well he might look, for Tom was swelling and Tom was staring, and at last Tom shrieked
out, "What—old Tim dead! then I'm the King o' the Cats!" and rushed up the chimney and
was never more seen.
Versão composta pelo próprio folclorista. Até aqui, os personagens se
29
mantêm praticamente inalterados, incluindo sua descrição, à exceção do pássaro da
versão de Crossley-Holland:
O capelão (sexton)
O cortejo de gatos (nove gatos pretos com manchas brancas no peito)
O gato "mensageiro"
O gato que está morto (Tim Toldrum)
A esposa
O gato da família (Tom Tildrum)
Um ponto interessante é o retorno à dupla de nomes "Dildrum-Doldrum" por
Kevin Crossley-Holland; apesar de as referências de Enchantment apontarem
unicamente para a obra de Jacobs como inspiração para sua versão, nesta os
nomes dos Reis dos Gatos são Tom Tildrum e Tim Toldrum. Acerca dos nomes,
Jacobs afirma: "I have expanded the names, so as to make a jingle from the Dildrum
and Doldrum of Hartland21". É possível supor, desta forma, que o conto é realmente
bastante comum na Inglaterra, a ponto de tais nomes serem conhecidos sem
necessidade de qualquer pesquisa por parte do escritor de Enchantment, ou que ele
foi a outras fontes antes de compor sua versão.
A proposta da obra de Joseph Jacobs possui uma singularidade que será
proveitosa no capítulo 3, no que concerne à compreensão do conceito de Projeto de
Tradução: há um prefácio “de gente grande” em que Jacobs discorre sobre seu
trabalho de coleta e escrita:
In putting these tales together, I have acted on the same principles as in the preceding volume, which has already, I am happy to say, established itself as a kind of English Grimm. I have taken English tales wherever I could find them, one from the United States, some from the Lowland Scotch, and a few have been adapted from ballads, while I have left a couple in their original metrical form. I have rewritten most of them, and in doing so have adopted the traditional English style of folk-telling, with its "Wells" and "Lawkamercy" and archaic touches, which are known nowadays as vulgarisms. From former experience, I find that each of these principles has met with some dissent from critics who have written from the high and lofty standpoint of folk-lore, or from the lowlier vantage of "mere literature." I take this occasion to soften their ire, or perhaps give them further cause for reviling. (JACOBS, 1894, Preface.)
21
Decidi expandir os nomes, como que para glosar o Dildrum & Doldrum de Hartland [a quinta de suas referências]. Tradução livre.
30
(Ao compor esta coletânea, trabalhei com os mesmos princípios que me guiaram no volume anterior – que, muito me alegra dizer, já se estabeleceu como uma espécie de Grimm inglês. Coletei estes contos ingleses onde quer que os encontrasse – um nos Estados Unidos, alguns da Escócia; uns foram adaptados de baladas e outros foram mantidos em sua métrica original. Reescrevi a maior parte deles e, ao fazê-lo, adotei o estilo tradicional inglês de contar histórias, com todos os seus “Wells” e “Lawkamercy” e toques arcaicos, que são conhecidos na atualidade como vulgarismos. Sei, por experiências anteriores, que cada uma dessas escolhas terá sua dose de oposição dos críticos, dos que escrevem do alto do nobre ponto-de-vista do folclore até os que estão mais abaixo, no patamar da “mera literatura”. Aproveito a ocasião para acalmar-lhes a ira ou, quem sabe, dar a eles mais motivos para vociferar.)
Há ilustrações acompanhando algumas das histórias. Ao fim da coletânea,
cada um dos contos é comentado em relação à sua classificação e origens. Porém,
antes que se chegue a esta seção, encontra-se a figura de um arauto ou guarda
sisudo, acompanhado do bem-humorado recado a seguir: “OYEZ OYEZ OYEZ/ THE
ENGLISH FAIRY TALES ARE NOW CLOSED/ LITTLE BOYS AND GIRLS MUST NOT
READ ANY FURTHER”. Durante a composição de More English Fairy Tales, Jacobs
tinha em mente, portanto, dois tipos diferentes de público: as crianças e os adultos
interessados em folclore. Um futuro estudo detalhado dessa obra como um todo
poderá revelar as implicações, certamente interessantíssimas, dessa preocupação
ao longo do texto. Por enquanto, meu objetivo é apenas a análise de elementos
(estruturais, léxicos...) das diversas versões do conto “King of the Cats”. Isso faz do
texto de Jacobs uma ponte: assim como em Enchantment, busquei possíveis
referências ao fim da obra, não tão certa de encontrá-las. Surpreendi-me com o
desdobramento de outras cinco versões; fiz uma pesquisa intensiva pela internet e,
para meu contentamento, as encontrei todas. Estas vão desde menções descritivas
do conto até uma versão bastante diferente quanto ao enredo.
A seguir, apresento as cinco versões referidas por Joseph Jacobs.
II.III.I: Referência I
Mally Dixon – England (Popular Rhymes and Nursery Tales: a Sequel to the Nursery Rhymes of England. Collected chiefly from oral tradition by James O. Halliwell)
Stories of fairies appearing in the shape of cats are common in the North of England. Mr.
31
Longstaffe relates that a farmer of Staindrop, in Durham, was one night crossing a bridge, when a cat jumped out, stood before him, and looking him full in the face, said: “Johnny Reed! Johnny Reed! Tell Madam Momfort that Mally Dixon's dead”. The farmer returned home, and in mickle wonder recited this awfu' stanza to his wife, when up started their black cat, saying, "Is she?" and disappeared for ever. It was supposed she was a fairy in disguise, who thus went to attend a sister's funeral, for in the North fairies do die, and green shady spots are pointed out by the country folks as the cemeteries of the tiny people. Source: James Orchard Halliwell-Phillipps, Popular Rhymes and Nursery Tales: A Sequel to the Nursery Rhymes of England (London: John Russell Smith, 1849), p. 51.22 This legend is sometimes titled "Johnny Reed! Johnny Reed!" Notes and Bibliography Migratory legend type 6070B; Aarne-Thompson-Uther type 113A In many versions of this tale the deceased is a cat, usually the "King of the Cats," while the mysterious person who runs off after hearing of the death is the family housecat. Many folklore traditions, of course, connect cats with elves, fairies, and other supernatural beings.23
Esta primeira das cinco referências encontradas na obra de J.Jacobs é
bastante rica em informações; o texto inicia-se e se fecha num nível extradiegético,
exterior à narrativa; é predominantemente descritivo, com um trecho central (desde
"a farmer of Staindrop" até "disappeared for ever") narrativo. Apresenta um dado
importante, que sugere ser esta uma versão mais antiga do que aquelas vistas até
agora: a presença do sobrenatural se impõe com mais força – os gatos seriam fadas
disfarçadas; é assim que se explana o ocorrido, enquanto que as versões mais
atuais têm um final aberto, mantendo o mistério de forma a evitar uma justificativa
necessariamente sobrenatural. Nas notas, faz referência a dois tipos de
classificação usada pelos folcloristas para os contos folclóricos: "Migratory legend
type 6070B" ("Death of an Underground Person", na classificação do folclorista
norueguês Reidar Christiansen), e "Aarne-Thompson-Uther type 113A" ("Wild
Animals and Domestic Animals"), indicando a classificação de contos folclóricos
publicada por Antti Aarne em 1910 e expandida por Stith Thompson em 1928 e,
posteriormente, em 1961.
Aqui, a estrutura narrativa é semelhante à dos contos anteriores: o homem
está fora de casa (cruzando uma ponte – lembrando que cursos d'água são referidos
22
Disponível em http://books.google.com.br/books?id=F0P4O6K5zIAC&pg=PP7&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false 23
http://www.pitt.edu/~dash/type6070b.html#mally
32
em diversas obras como locais ideais para a quebra de encantamentos, como no
conto de Washington Irving, "The Legend of Sleepy Hollow", por exemplo), recebe o
recado do gato "mensageiro", vai até sua casa, conta a história à esposa e o gato da
família, que ouve a história, assume-se como destinatário da mensagem e
desaparece para sempre. O nome da dupla de personagens "encantados" é
bastante diferente das versões vistas até agora.
O fazendeiro (Johnny Reed)
O gato "Mensageiro"
A criatura que está morta – não necessariamente um gato (Mally Dixon)
A esposa
O gato da família (Madam Momfort)
II.III.II: Referência II
Colman Grey
(Choice Notes – Folk-Lore, p. 73, "Colman Grey". Seção "Folklore of a Cornish Village". Autoria:
Thomas Q. Couch)
A FARMER, who formerly lived on an estate in our vicinity, was returning one evening from a
distant part of the farm, when, in crossing a particular field, he saw, to his surprise, sitting
on a stone in the middle of it, a miserable-looking little creature, human in appearance,
though diminutive in size, and apparently starving with cold and hunger. Pitying its
condition, and perhaps aware that it was of elfish origin, and that good luck would amply
repay him for his kind treatment of it, he took it home, placed it by the warm hearth on a
stool, and fed it with nice milk. The poor bantling soon recovered from the lumpish and only
half-sensible state in which it was found, and, though it never spoke, became very lively and
playful.
From the amusement which its strange tricks excited, it became a general favourite in the
family, and the good folk really felt very sorry when their strange guest quitted them, which
he did in a very unceremonious manner. After the lapse of three or four days, as the little
fellow was gamboling about the farm kitchen, a shrill voice from the town-place, or
33
farmyard, was heard to call three times: "Colman Grey!" at which he sprang up, and gaining
voice, cried: "Ho! ho! ho! my daddy is come," flew through the keyhole, and was never
afterwards heard of.24
Esta versão é bastante diferente das anteriores – se assemelha ao conto
Hughbo, também encontrado na coletânea Encantamento. Naquela, porém, o que
liberta a criatura que é encontrada pelo homem e incorporada à família é uma peça
de roupa a ela entregue (referência folclórica encontrada, por exemplo, em uma obra
atual como os livros de J.K. Rowling, escritora da série de sete livros entitulada
Harry Potter, em que uma criatura chamada de "elfo doméstico" se libertava da
família a que se vinculava ao receber qualquer peça de roupa); em Colman Grey, no
entanto, o que liberta o ser "de origem élfica" (of elfish origin) é o chamado de seu
pai, ou seja, é liberto pela palavra – o que evoca, por exemplo, o conto
"Rumpelstiltskin", coletado pelos irmãos Grimm, em que a mãe de um bebê deveria
descobrir o raríssimo nome de uma criatura demoníaca, ou teria sua criança levada
por ela. Aqui, não há uma personagem que morre, afetando a criatura que se
encontra no seio da família, apenas o chamado que a leva a desaparecer – através
do buraco da fechadura – para nunca mais ser vista.
É interessante notar que, aqui, o protagonista não é bem definido, já que o
fazendeiro salva a criatura, mas não é responsável por entregar a ela a mensagem
que a libertaria; além disso, da segunda linha até a última, excetuando-se a frase "it
became a general favourite in the family", a única personagem vista é a criatura cujo
nome, Colman Grey, descobrimos ao final.
Personagens:
O fazendeiro
A criatura (Colman Grey)
O mensageiro ("uma voz")
II.III.III: Referência III
24
http://archive.org/stream/choicenotesfrom00unkngoog#page/n5/mode/2up
34
The King of the Cats
(Folk Lore Journal, vol. ii, p 22. Two Folk-Tales told by a Herefordshire Squire, 1845-6. Autoria:
Charlotte S. Burne)
MANY years ago, long before shooting in Scotland was a fashion as it is now, two young
men spent the autumn in the very far north, living in a lodge far from other houses, with an
old woman to cook for them. Her cat and their own dogs formed all the rest of the
household.
One afternoon the elder of the two young men said he would not go out, and the younger
one went alone, to follow the path of the previous day's sport looking for missing birds, and
intending to return home before the early sunset. However, he did not do so, and the elder
man became very uneasy as he watched and waited in vain till long after their usual supper-
time. At last the young man returned, wet and exhausted, nor did he explain his unusual
lateness until, after supper, they were seated by the fire with their pipes, the dogs lying at
their feet, and the old woman's black cat sitting gravely with half-shut eyes on the hearth
between them. Then the young man began as follows:--
"You must be wondering what made me so late. I have had a curious adventure to-day. I
hardly know what to say about it. I went, as I told you I should, along our yesterday's
route. A mountain fog came on just as I was about to turn homewards, and I completely
lost my way. I wandered about for a long time, not knowing where I was, till at last I saw a
light, and made for it, hoping to get help. As I came near it, it disappeared, and I found
myself close to a large old oak tree. I climbed into the branches the better to look for the
light, and, behold I it was beneath me, inside the hollow trunk of the tree. I seemed to be
looking down into a church, where a funeral was in the act of taking place. I heard singing,
and saw a coffin, surrounded by torches, all carried by--But I know you won't believe me if I
tell you!"
His friend eagerly begged him to go on, and laid down his pipe to listen. The dogs were
sleeping quietly, but the cat was sitting up apparently listening as attentively as the man,
and both young men involuntarily turned their eyes towards him. "Yes," proceeded the
absentee, "it is perfectly true. The coffin and the torches were both borne by cats, and upon
the coffin were marked a crown and sceptre!" He got no further; the cat started up
35
shrieking:
"By Jove! old Peter's dead! and I'm the King o' the Cats!" rushed up the chimney and was
seen no more.25
Aqui, uma estrutura narrativa e personagens ligeiramente diferentes; o
homem não é abordado pelos gatos e apenas relata o fantástico ocorrido sem a
confusa preocupação de comunicar algo a um desconhecido, como nas versões
anteriores, excetuando-se "Colman Grey". Note-se que o gato da cozinheira ouve a
história do homem com atenção e a interpreta – sem a interferência direta, apenas
acidental, do elemento humano. Ou seja, o sobrenatural toca a esfera do humano,
mas independe completamente dela para existir. Como afirma Tolkien em seu ensaio
"On Fairy-Stories":
Most good “fairy-stories” are about the adventures of men in the Perilous Realm or upon its shadowy marches. Naturally so; for if elves are true, and really exist independently of our tales about them, then this also is certainly true: elves are not primarily concerned with us, nor we with them. Our fates are sundered, and our paths seldom meet. Even upon the borders of Faërie we encounter them only at some chance crossing of the ways. (Grande parte dos "contos de fadas" de verdade falam sobre as aventuras dos homens no Reino Perigoso
26 ou em seus caminhos sombrios. Desta
forma, se os elfos forem reais, se realmente existirem, independentemente de nossas histórias sobre eles, então o seguinte é também verdade: os elfos não estão nem um pouco preocupados conosco, ou nós com eles. Nossos destinos são paralelos, nossos caminhos raramente se cruzam. Mesmo que estivéssemos a um passo da fronteira de Faërie, nossos caminhos se cruzariam somente por um raríssimo acaso)
O gato reconhece o Rei morto (seu pai?) através dos objetos – a coroa e o
cetro – que quando apareciam nas outras versões não pareciam ter um papel tão
decisivo como nesta, já que não levavam ao desenlace do conto, necessariamente.
Além disso, considero importantíssimo o fato de que não apenas o homem que vê o
funeral, mas todas as personagens, estão inseridos em um universo distante não
somente no tempo, mas no espaço ("many years ago", "in the very far North"); o
ambiente isolado, distante do lar, como a floresta de João e Maria, o bosque da
Chapeuzinho Vermelho ou o país distante (far away land) da Bela e a Fera,
25
http://archive.org/stream/folklorejournal02folkuoft#page/n3/mode/2up 26
"Tales of the Perilous Realm" é um conjunto de contos menos conhecidos de autoria de J.R.R. Tolkien
36
representa o domínio do inconsciente, do fantástico, do não-racional.27 Para
terminar, não é interessante que a dona do gato preto fosse uma velha senhora,
cozinheira? É impossível não evocar a imagem da bruxa com seu gato, mexendo o
caldeirão...
O homem mais novo (vê o funeral)
O homem mais velho
A senhora cozinheira (dona do gato)
O gato morto ("old Peter")
Cães
O Gato (Rei dos Gatos)
II.III.IV: Referência IV
Johnny Reed’s Cat
(English fairy tales, folklore and legends. Autoria de Charles J. Tibbits)
"YES, cats are queer folk, sure enough, and often know more than a simple beast ought to
by knowledge that's rightly come by. There's that cat there, you've been looking at, will
stand at a door on its hind legs with its front paws on the handle trying like a Christian to
open the door, and mewling in a manner that's almost like talking. He's a London cat, he is,
being brought me by a cousin who lives there, and is called Gilpin, after, I'm told, a mayor
who was christened the same. He's a knowing cat, sure enough; but it's not the London
cats that are cleverer than the country ones. Who knows, he may be a relative of Johnny
Reed's own tom-cat himself."
"And who was Johnny Reed? And what was there remarkable about his cat?"
"Have you never heard tell of Johnny Reed's cat? It's an old tale they have in the north
country, and it's true enough, though folk may not believe it in these days when the Bible 's
not gospel enough for some of them. I've heard my father often tell the story, and he came
27
DIECKMANN, H. Contos de Fada Vividos. São Paulo: Paulinas, 1986. Tradução de Elisabeth C. M.
Jansen.
37
from Newcastle way, which is the very part where Johnny Reed used to live, being a parish
sexton in a village not far away.
"Well, Johnny Reed was the sexton, as I've already said, and he and his wife kept a cat, a
well enough behaved creature, sure enough, and a beast as he had no fault to set on,
saving a few of the tricks which all cats play at times, and which seem born in the blood of
the creatures. It was all black except one white paw, and seemed as honest and decent a
beast as could be, and Tom would as soon have suspected it of being any more than it
really seemed to be as he would one of his own children themselves, like many other folk,
perhaps, who, may be, have cats of the same kind, little thinking it.
"Well, the cat had been with him some years when a strange thing occurred.
" One night Johnny was going home late from the churchyard, where he had been digging a
grave for a person who had died on a sudden, throwing the grave on Johnny's hands
unexpectedly, so that he had to stop working at it by the light of a lantern to have it ready
for the next day's burying. Well, having finished his work, and having put his tools in the
shed in a corner of the yard, and having locked them up safe, he began to walk home pretty
brisk, thinking would his wife be up and have a bit of fire for him, for the night was cold, a
keen wind blowing over the fields.
"He hadn't gone far before he comes to a gate at the roadside, and there seemed to be a
strange shadow about it, in which Johnny saw, as it might be, a lot of little gleaming fires
dancing about, while some stood steady, just like flashes of light from little windows in
buildings all on fire inside. Says Johnny to himself, for he was not a man to be easily
frightened, being accustomed by his calling to face things which might upset other folks:
"'Hullo! What's here? Here's a thing I never saw before,' and with that he walks straight up
to the gate, while the shadow got deeper and the fires brighter the nearer he came to it.
"Well, when he came right up to the gate he finds that the shadow was just none at all, but
nine black cats, some sitting and some dancing about, and the lights were the flashes from
their eyes. When he came nearer he thought to scare them off, and he calls out, 'Sh sh sh,'
but never a cat stirs for all of it.
38
"'I'll soon scatter you, you ugly varmin,' says Johnny, looking about him for a stone, which
was not to be found, the night being dark and preventing him seeing one. Just then he
hears a voice calling
"'Johnny Reed!'
"'Hullo!' says he, 'who's that wants me?'
"'Johnny Reed,' says the voice again,
"'Well', says Johnny, ' I 'm here,' and looking round and seeing no one, for no one was
about 'tis true. ' Was it one of you,' says he, joking like, to the cats, 'as was calling me?'
"'Yes, of course,' answers one of them, as plain as ever Christian spoke.' It's me as has
called you these three times.'
"Well, with that, you may be sure, Johnny begins to feel curious, for 'twas the first time he
had ever been spoken to by a cat, and he didn't know what it might lead to exactly. So he
takes off his hat to the cat, thinking that it was, perhaps, best to show it respect, and,
seeing that he was unable to guess with whom he was dealing, hoping to come off all the
better for a little civility.
"'Well, sir,' says he, 'what can I do for you?'
"'It's not much as I want with you,' says the cat, 'but it's better it'll be with you if you do
what I tell you. Tell Dan Ratcliffe that Peggy Poyson's dead.'
"'I will, sir,' says Johnny, wondering at the same time how he was to do it, for who Dan
Ratcliffe was he knew no more than the dead. Well, with that all the cats vanished, and
Johnny, running the rest of the way home, rushes into his house, smoking hot from the
fright and the distance he had to go over.
"'Nan,' says he to his wife, the first words he spoke, 'who's Dan Ratcliffe?'
39
"'Dan Ratcliffe,' says she. I never heard of him, and don't know there's any one such living
about here.'
"'No more do I,' says he, 'but I must find him wherever he is.'
"Then he tells his wife all about how he had met the cats, and how they had stopped him
and given him the message. Well, his cat sits there in front of the fire looking as snug arid
comfortable as a cat could be, and nearly half-asleep, but when Johnny comes to telling his
wife the message the cats had given him, then it jumped up on its feet, and looks at
Johnny, and says:
"'What! Is Peggy Poyson dead? Then it's no time for me to be here'; and with that it springs
through the door and vanishes, nor was ever seen again from that day to this."
"And did the sexton ever find Dan Ratcliffe," I asked.
"Never. He searched high and low for him about, but no one could tell him of such a person,
though Johnny looked long enough, thinking it might be the worse for him if he didn't do his
best to please the cats. At last, however, he gave the matter up."
"Then, what was the meaning of the cat's message?"
"It's hard to tell; but many folk thought, and I'm inclined to agree with them, that Dan
Ratcliffe was Johnny's own cat, and no one else, looking at the way he acted, and no other
of the name being known. Who Peggy Poyson was no one could tell, but likely enough it
was some relative of the cat, or may be some one it was interested in, for it's little we know
concerning the creatures and their ways, and with whom and what they 're mixed up."28
Uma grande diferença entre esta versão e as anteriores são os níveis da
narrativa: há um narrador externo, contando uma história (provavelmente a uma
criança, já que o interlocutor se mostra bastante curioso durante a narrativa); a
28
Folk-Lore - England (Gibbings), "Johnny Reed's Cat"
http://archive.org/stream/englishfairytale00tibbiala#page/n7/mode/2up
40
história contada é Johnny Reed's Cat. Nesta versão, o gato morto não é
necessariamente o Rei dos Gatos ou o receptor da mensagem seu herdeiro; no
entanto, o suposto Dan Ratcliffe (o gato da família, que se revela falante ao ouvir a
história de Johnny Reed) é tocado pela notícia da morte de Peggy Poyson e sabe
que tem algo a fazer a respeito de sua morte.
A reação de Johnny Reed ao ser abordado pelo gato no portão à beira da
estrada é bastante curiosa: anteriormente tentado a espantar os gatos (sem saber
que eram falantes), demonstra um respeito cuidadoso (acha conveniente tirar o
chapéu para conversar com a criaturinha), mas aparentemente nenhum assombro
ao ser abordado por um gato falante. Neste momento, a relação com o sobrenatural,
o fantástico, parece se dar de forma antes de tudo natural. Após o evento, o homem
corre à toda para casa, e posteriormente parece preocupado por não saber se havia
realmente entregado o recado a Dan Ratcliffe "thinking it might be the worse for him
if he didn't do his best to please the cats" (“supondo que haveria de se dar mal caso
não tentasse de tudo para agradar os gatos”). Ou seja, há um respeito temeroso ao
sobrenatural, mas não uma negação deste, como nas duas primeiras versões
apresentadas, em que o coveiro culpa o sono ou a bebida pelo que vê. Como afirma
Maureen Murphy em seu ensaio “Pangur's Progeny: The Cat in Irish Literature”:
“In Irish medieval literature, the playful, benign cats (...) are transformed by their
supernatural, often diabolical, associations into creatures approached with caution
or fear (grifo meu)”.
Nível 1:
Narrador
Interlocutor
Nível 2:
O capelão (Johnny Reed)
O gato mensageiro
O gato morto (Peggy Poyson)
A esposa
O gato da família (Dan Ratcliffe?)
II.III.V: Referência V
41
Dildrum, King of the Cats
The following tradition is often heard in South Lancashire: A gentleman was one evening
sitting cosily in his parlour, reading or meditating, when he was interrupted by the
appearance of a cat, which came down the chimney, and called out, "Tell Dildrum,
Doldrum's dead!" He was naturally startled by the occurrence; and when, shortly
afterwards, his wife entered, he related to her what had happened, and their own cat,
which had accompanied her, exclaimed, "Is Doldrum dead?" and immediately rushed up the
chimney, and was heard of no more. Of course there were numberless conjectures upon
such a remarkable event, but the general opinion appears to be that Doldrum had been king
of cat-land, and that Dildrum was the next heir29.
Personagens:
Um homem
O gato mensageiro
O gato morto (Doldrum)
A esposa
O gato da família (Dildrum)
Ao contrário da Referência III, em que todas as personagens estavam inseridas
num ambiente isolado, nesta o elemento sobrenatural invade o "natural", descendo
pela chaminé da sala de estar para dar seu estranho recado. O início é descritivo
("The following tradition is often heard in South Lancashire"), como na referência I,
"Mally Dixon" ("Stories of fairies appearing in the shape of cats are common in the
North of England. Mr. Longstaffe relates..."); estes são textos que se declaram
abertamente como coletâneas de contos folclóricos, ao contrário da referência II, em
que o texto já se abre em narrativa, ou das versões III e IV, em que há dois níveis
diegéticos: um narrador externo, que na versão III se revela apenas na primeira linha
("MANY years ago, long before shooting in Scotland was a fashion as it is now"),
descolando o tempo da narrativa do tempo atual ("now") e na versão IV permeia todo
o texto, intercalando o diálogo narrador/interlocutor e a narrativa.
29
http://www.archive.org/stream/cu31924028040057/cu31924028040057_djvu.txt
42
A riqueza de referências ao conto “King of the Cats” e suas variantes parece
inesgotável: nas últimas pesquisas realizadas, notei que cada autor-folclorista que
coletava/reescrevia uma versão apontava ainda outras, em outras publicações;
"Mally Dixon" (Ref I), por exemplo, originada no Norte da Inglaterra, aponta no
próprio corpo do texto uma versão Dinamarquesa. Essas descobertas foram
bastante enriquecedoras para a pesquisa. Como afirma Claude Lévi-Strauss, a
variação de certos motivos não altera a estrutura do mito; este se define pelo
conjunto de todas as suas versões. Não há versão ‘verdadeira’, da qual todas as
outras são “(...) cópias ou ecos deformados. Todas as versões pertencem ao mito.”30
A tradição oral não tem, portanto, um “autor original” – mas a noção de originalidade
no senso comum está profundamente diluída. Note-se, por exemplo, a apresentação
da coletânea Enchantment: “These wonderful stories are part of our heritage. Kevin
Crossley-Holland has been back to their original sources but does not hesitate to tell
them in his own way, bringing out their zest, humour, and spine-shivering beauty”
(Essas histórias maravilhosas são parte de nosso patrimônio cultural. Kevin
Crossley-Holland retorna às suas fontes originais, mas sem hesitar em contá-las à
sua maneira, fazendo vir à tona todo o seu encanto, humor e beleza arrepiantes
[grifo meu]). A declaração de Joseph Jacobs, há mais de um século, é bastante mais
realística acerca do processo de reescrita de um conto folclórico:
Source – I have taken a point here and a point there from the various English versions mentioned in the next section. I have expanded the names, so as to make a jingle from the Dildrum and Doldrum of Hartland. Parallels – Five variants of this quaint legend have been collected in England (Fontes – Me inspirei em um detalhe aqui e outro acolá das várias versões em inglês referidas na seção a seguir. Decidi expandir os nomes, para como que glosar o Dildrum & Doldrum de Hartland. Paralelos – Cinco variantes desta lenda um tanto quanto pitoresca foram coletadas na Inglaterra)
Com a gradual substituição das crenças sobrenaturais e religiosas pela dita ciência,
o público exige ter acesso, cada vez mais, a histórias "verídicas", às provas dos
fatos. Essa tendência não é tão atual quanto se supõe no senso comum; obras do
século XIX, pertencentes ao que se poderia chamar de "literatura gótica", de autores
30
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Trad. Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires.
6.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
43
como Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson (O Médico e o Monstro) ou Mary
Shelley (Frankenstein) já a trouxeram à baila, ao questionar as consequências da
simples permuta de um deus sobrenatural em favor de um "deus-ciência", tão
onipotente e inquestionável quanto o anterior. A exigência do público pelo "verídico"
provoca a adaptação do mercado editorial, que procura então satisfazer tal
exigência. É nesse contexto que, por um lado, temos a declaração acerca de
Crossley-Holland, que "vai às fontes originais" , mas "sem deixar de dar seu toque
especial" e, por outro, Joseph Jacobs, que faz transparecer muito mais claramente
seu trabalho de coleta de versões e, a partir destas, a exposição das decisões
tomadas em sua nova versão; é este o processo que se desenrola aqui. A coleta e a
análise feitas, o passo seguinte talvez seja o mais penoso: selecionar os elementos
essenciais para a nova versão e, eventualmente, ter que se desfazer das peças que
não se encaixam no projeto.
44
CAPÍTULO III:
Agora em versos – para quê mais uma versão?
“Não ouse não ousar” (C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia)
Por mais que no processo de “recriação” de um conto folclórico o ponto de
partida seja obscuro (já que dentre as inúmeras variações de um mesmo conto,
orais e escritas, é tarefa ingrata e depende de certa arbitrariedade eleger UM
“original”), o ponto de chegada deve ser bem definido; há critérios que devem ser
levados em conta, a depender do que se pretende realizar. Ou seja, há que se
delinear um Projeto de Tradução – noção que começa a ser delineada por Katherina
Reiss e Hans Vermeer em sua Teoria do Escopo (Skopostheorie, cf. Reiss &
Vermeer, 1984). No campo dos estudos da tradução defendia-se até então a noção
de equivalência, ou seja, texto fonte e texto traduzido deveriam ser necessariamente
equivalentes – enquanto que, para os Funcionalistas, esta é apenas uma dentre as
possibilidades de um Projeto de Tradução. Reiss já sinaliza essa mudança de
paradigma em seu Möglichkeiten und Grenzen der Übersetzungskritik
(Possibilidades e Limites da Crítica de Tradução), de 1971, mas ainda sob o prisma
da equivalência funcional (a função do texto de partida e do texto de chegada devem
ser equivalentes); é já na década de 1980 que Hans Vermeer, “discípulo” de
Katherina Reiss, propõe uma reflexão acerca das relações entre língua, cultura e
tradução – o que provoca a efetiva mudança de paradigma no campo dos estudos
da tradução.
São três os pontos centrais na proposta de Vermeer; em primeiro lugar, a
tradução é uma ação humana, carregada de intenções/propósitos (daí a teoria que
Vermeer e Reiss desenvolvem ser nomeada Skopostheorie, ou “Teoria do Escopo”)
e está incorporada a uma situação específica; o processo de tradução e seus
resultados estarão inseridos necessariamente em uma situação cultural – e essa
valorização da cultura e do texto de chegada é inédita no campo dos Estudos da
Tradução, enquanto a noção de equivalência supervalorizava o texto de partida; por
último, o texto de partida agora representa apenas uma Informationsangebot, ou
45
“Oferta de Informação”, que será moldada de acordo com as intenções do tradutor e
a situação de tradução.
Pensando nas diversas versões de um mesmo conto folclórico, a noção de
“texto original” se torna especialmente diluída; o conjunto dessas “ofertas de
informação” é que garantirá uma visão ainda mais ampla das possibilidades na
composição de uma nova versão. Essa gama de possibilidades dentro de um
mesmo projeto de tradução ficará clara na tabela que apresentarei a seguir; para
compreender como seria inviável determinar um “original” neste caso, basta levar
em conta que essas variantes encontradas e analisadas são todas referidas como
versões de "King of the Cats" em algum momento – mesmo não sendo estrutural ou
semanticamente idênticas entre si.
46
REI DOS GATOS
KING OF THE CATS
KING O' THE CATS
MALLY DIXON (REF I)
Autoria Tradução de
Hildegard Feist
Kevin
Crossley-Holland
Joseph Jacobs
James Orchard
Halliwell
Ano Publicação 2003 2000 1894(?) 1849
Ilustrações Sim (Emma C.
Clark)
Sim Idem
Sim (John D. Batten)
Não
Local Coleta –
–
Inglaterra Norte da Inglaterra
Estrutura Narrativa Narrador 1ª pessoa
Narrador 1ª pessoa
Narrador 3ª pessoa
Extradiegético (descritivo) + trechos em 3ª
pessoa
Persona-gens
& Detalhes
da Narrativa
Protagonista (Receptor da Mensagem)
Harry (coveiro)
idem Capelão (sexton)
Johnny Reed (fazendeiro)
Recepção da Mensagem
Cemitério idem Cemitério Ponte
Mensageiro Gato idem Gato Gato
Com o Mensageiro
Cortejo – 9 gatos pretos
idem Cortejo – 9 gatos pretos
–
Compartilha Mensagem
Mary (esposa)
idem Esposa Esposa
Gato/ criatura morta
Doldrum idem Tommy Tildrum Mally Dixon
Gato/ criatura viva
(destinatário)
Old Tom/ Dildrum
Idem Old Tom/ Tim Toldrum
Gato da família (Madam Momfort)
47
A teórica Christiane Nord, em Text Analysis in Translation31, é quem
sistematiza a proposta Funcionalista de Reiss e Vermeer, propondo um modelo
esquemático para a execução de projetos de tradução, tanto técnicos quanto
literários. Entre as noções que norteiam seu modelo, destaco as seguintes:
A tradução é uma forma de comunicação intercultural (ou seja, seu
desenvolvimento depende das culturas de partida e chegada);
A função do texto de chegada não pode ser determinada unicamente
através de análise do texto de partida, mas deve ser definida
pragmaticamente de acordo com o propósito do texto de chegada em
seu contexto;
A recepção do texto de chegada pelo leitor depende de suas
expectativas, necessidades comunicativas, conhecimento de mundo
(ou seja, o texto nunca é “o mesmo”; trata-se de um ato comunicativo
provisório, que só se completa na recepção).
Pontualmente, o modelo Nord engloba duas categorias de fatores que irão
reger a execução de um projeto de tradução: os fatores extratextuais (o emissor do
texto, o meio e o tempo de sua emissão, a intenção do emissor...) e os intratextuais
(estrutura sintática, semântica, etc.). A análise de cada um desses fatores, tanto
particular quanto globalmente, deve orientar o projeto de tradução para que este
seja realizado da forma mais objetiva possível – e mais, cada informação adicional é
essencial e deve promover repetidas revisões do conjunto. Segundo Leal (2007), “a
noção de projeto ou encargo tradutório, enquanto um esquema detalhado que
determina o propósito da tradução, assim como todas as implicações que resultam
da provável recepção do texto de chegada, reduzem o leque de opções tradutórias,
otimizando o trabalho do tradutor e justificando grande parte de suas escolhas”32
A seguir, apresentarei a aplicação do modelo Nord ao meu projeto de
tradução. Note-se que com alguma frequência haverá diversas respostas possíveis
às questões acerca do texto-fonte; isso, é claro, se dá pelo número de versões com
31
NORD, C. Text Analysis in Translation. Amsterdam; Atlanta: Rodopi, 1991 32
LEAL, A. B. Funcionalismo Alemão e Tradução Literária: quatro projetos para a tradução de The Years, de Virginia Woolf. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.
48
que estou lidando. Busco, na medida do possível, as recorrências para guiar minhas
escolhas.
TEXTO 1 – Versões de “King of the Cats” TEXTO 2 – O Rei dos Gatos
TEXTO(s) FONTE: Inglês e Português
TEXTO META: Português
FATORES EXTERNOS AO TEXTO
Emissor Diversos Anamaria
Intenção Informar, entreter. Entreter, preservar registro folclórico.
Receptor Interessados em folclore; crianças.
Público infantojuvenil, pais, interessados em folclore.
Meio Livros de contos, coletâneas e estudos folclóricos.
Volume com apenas uma história
Lugar Diversos Brasil
Tempo Séc XIX ao XXI Futuro próximo
Propósito (motivo) Registro folclórico; entretenimento.
Entretenimento, trabalho experimental de tradução, registro folclórico.
Função textual Informativa, expressiva Expressiva
FATORES INTERNOS AO TEXTO
Tema Conto King of the Cats Idem
Conteúdo Narrativa; informações referentes ao conto.
Narrativa de King of the Cats
Pressuposições Conhecimentos acerca de locais & versões
_
Estruturação Apenas narrativa; Narrativa + informações
Apenas narrativa
Elementos não-verbais Ilustrações Ilustrações
Léxico Diferente para cada público (infantil/adulto)
Pensado em função do conteúdo, da forma e do público.
Sintaxe Prosa mais ou menos elaborada
Busca aproximação c/ linguagem oral; versos.
Elementos suprassegmentais
Tom misterioso; Tom de mistério
Efeito do texto Assombro; Assombro, curiosidade, diversão.
O Modelo de Christiane Nord (1991) – Tradução de Zipser33
(2002:50)34
.
33
ZIPSER, M. E. Do fato à reportagem: as diferenças de enfoque e a tradução como representação
49
III.I: A Tradução – Uma Perspectiva Geral
A ideia de criar uma versão de “King of the Cats” em versos, amplamente
ilustrada, me ocorreu desde as primeiras leituras do conto em português. Já a
decisão acerca do público a que dirigiria essa nova versão foi tomada aos poucos.
De início, sem maiores reflexões, defini que o público-alvo seria infantil e pus-me a
pensar nas escolhas que faria para orientar o texto nesse sentido. Ao longo do
processo de composição, no entanto, e da pesquisa que o sustentou, é que dei-me
conta de que essa escolha pelo público infantil não era assim tão óbvia quando se
trata de um conto folclórico. O conto maravilhoso, com toda sua complexidade, pode
se voltar para um público infantil, seguindo a tendência fundada pelos contos de
fadas clássicos, mas não deve fazê-lo, necessariamente. Carregados de sentidos e
plasticidade, são obras de arte, apreciáveis em qualquer idade – e o refinamento
para essa apreciação tende a aumentar com o tempo, para aqueles que têm essa
relação de interesse inato para com os contos.Como afirma J.R.R. Tolkien em “On
Fairy-Stories”:
Actually, the association of children and fairy-stories is an accident of our domestic history. Fairy-stories have in the modern lettered world been relegated to the “nursery,” as shabby or old-fashioned furniture is relegated to the play-room, primarily because the adults do not want it, and do not mind if it is misused. It is not the choice of the children which decides this. Children as a class—except in a common lack of experience they are not one—neither like fairy-stories more, nor understand them better than adults do; and no more than they like many other things. They are young and growing, and normally have keen appetites, so the fairy-stories as a rule go down well enough. But in fact only some children, and some adults, have any special taste for them; and when they have it, it is not exclusive, nor even necessarily dominant. It is a taste, too, that would not appear, I think, very early in childhood without artificial stimulus; it is certainly one that does not decrease but increases with age, if it is innate (A associação que se faz comumente entre contos de fadas e crianças é, na verdade, um acidente histórico. Os contos de fadas no mundo letrado moderno foram relegados ao “berçário”, assim como a mobília gasta e ultrapassada é relegada ao quarto de brinquedos – basicamente porque os adultos já não os querem e não se importam com o modo como serão
cultural. Tese apresentada ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2002. 34
http://www.pget.ufsc.br/curso/dissertacoes/Sabrina_Sachet_-_Dissertacao.pdf
50
usados. A decisão não cabe, de modo algum, à criança. As crianças, como um todo – apesar de estarem longe de formar um grupo homogêneo, se excetuarmos a inexperiência – não gostam mais de contos de fadas do que os adultos, nem os compreendem melhor; nem mesmo gostam mais de contos de fadas do que de outras coisas. Crianças estão em fase de crescimento, então costumam ter um apetite voraz – e os contos de fadas caem bem o suficiente. Na verdade, apenas uns poucos adultos e crianças têm um interesse especial por eles. E, quando o têm, não é exclusivo ou mesmo dominante; é um tipo de interesse que, acredito, não apareceria muito cedo na infância sem um estímulo artificial. É um gosto que, se inato, não diminui com a idade, apenas tende a aumentar
35).
Refletindo acerca das escolhas que considero centrais em minha versão –
que podem, porventura, destacá-la – dois livros me vieram à mente: “Os Contos de
Grimm”36 e “Ou isto ou aquilo”37, da Cecília Meireles. Lembro-me de ouvir minha
mãe ler – e, mais tarde, de ler eu mesma – essas obras, incontáveis vezes. Acredito
que, pelo fato de conterem contos e poemas (leituras mais curtinhas), esses livros
prendiam-me muito a atenção. De Cecília Meireles, herdei o gosto pelos versos; nos
“Contos de Grimm” absorvi um vocabulário muito rico, já que a tradutora, ao que
parece, procura reproduzir a linguagem elaborada dos contos de fadas clássicos,
através do uso da segunda pessoa (em “Rapunzel”, por exemplo: “Dize-me”;
“Quando voltares aqui, traze sempre fios de seda”) e de expressões de uma esfera
mais erudita (ainda neste mesmo conto, “a feiticeira (...) o fitou com olhares
raivosos e peçonhentos”; em “Mesinha-te-arruma, Burro de Ouro e Pula-Porrete”,
a cabra afirma “Estou tão farta e saciada” e, ainda, lê-se “côvado”, “fementido
enganador”...).
Na contramão de um projeto como os Beginner Books de Dr. Seuss, por
exemplo, em que o texto é construído com um número limitado de palavras simples,
adequadas ao vocabulário pressuposto de acordo com a faixa etária do leitor, o
léxico que escolhi para minha versão não é raso. Passa por palavras como
"aturdido", "cerzir" e mesmo uma forma verbal no pretérito mais-que-perfeito, "vira".
Justifico: simplificar demais o texto seria subestimar a capacidade de aprendizado
do meu leitor, negar a ele o contato com formas inéditas. A intenção é, também,
intrigar o leitor e fazê-lo perceber através da linguagem que não se trata de um texto
35
Tradução livre. Grifos meus. 36
GRIMM, Jacob. Os Contos de Grimm. Tradução do alemão Tatiana Belinky. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.
37 MEIRELES, Cecília. Ou Isto ou Aquilo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
51
"comum". É um estranhamento proposital que, ao lado da atmosfera lúgubre da
história, da estrutura sem "final feliz" ou moral da história, que termina de forma
abrupta, provaria que essa narrativa aponta para além do seu tempo, é "antiga",
"estranha", "estrangeira" ao seu mundo.
Os versos rimados e ritmados adicionam musicalidade ao texto e leveza ao
componente gráfico (com páginas cheias de texto e poucas ilustrações, corre-se o
risco de afugentar o pequeno leitor). Os versos variam de 5 a 8 sílabas métricas,
criando uma fluência similar ao ritmo de fala em português. As rimas e aliterações
dão um tom lúdico ao texto, além de tornarem-no íntimo da criança com mais
facilidade, já que em poucas leituras ela é capaz de memorizá-lo – como uma
canção. Nesse processo, é essencial que o livrinho seja lido PARA a criança, ao
menos algumas vezes, para que ela se familiarize com a cadência das palavras e
seu significado.
A tarefa de fazer escolhas ao traduzir não é das mais fáceis. Receei, por
exemplo, estar me contradizendo ao defender um léxico mais “pesado” para minha
versão e, ao mesmo tempo, o retorno à leveza da oralidade. Concluo que, afinal, o
texto me parece equilibrado e harmônico, justamente por fazer esse jogo entre
elementos de polaridades diferentes.
O final aberto deste conto em todas as suas versões (aquilo que, à primeira
vista, classifiquei como “sensação de que falta alguma coisa”) desrecalca o leitor
familiarizado à estrutura “começo-meio-e-fim” (em que o conflito, a resolução e o
final feliz são elementos obrigatórios) e à moralização nos Contos de Fadas
clássicos, escritos, como já vimos, sob a forte influência dos valores cristãos. Em
termos de estrutura narrativa, nos limites a que me proponho neste projeto, essa
característica não poderia ser de forma alguma desprezada na criação de uma nova
versão. Em Obra Aberta, livro lançado pela primeira vez na década de 1960,
Umberto Eco propõe uma revisão da noção de interpretação nas artes (tanto na
literatura quanto na música e artes plásticas), consoante com a ampliação de
horizontes da cultura atual. Sugere como correspondentes correntes filosóficas
(fenomenologia, desconstrucionismo) e científicas (teoria da relatividade, física
quântica), propondo uma linha teórica que tenta dar conta da multiplicidade de
sentidos e possibilidades na arte contemporânea. Para vislumbrar o conceito de
Obra Aberta, basta considerar uma obra como Finnegans Wake, do gênio irlandês
52
James Joyce, em que a linguagem é "onírica", formada por imagens, sons,
arquétipos, símbolos, referências as mais variadas aos mitos, à História e ao
cotidiano, permitindo e incentivando a pluralidade de interpretações – de acordo com
o arcabouço de cada leitor em particular e contando com o ainda pouco
compreensível – mas profundamente perceptível – arcabouço "universal" do ser
humano, o inconsciente coletivo. Preservar o final aberto na nova versão de “King of
the Cats” prova-se, portanto, adequado não apenas às origens do conto, mas a
tendências bastante atuais de interpretação artística – e não posso esconder minha
satisfação em ter selecionado, ainda que num primeiro momento não racionalmente,
um objeto de estudo ao mesmo tempo antiquíssimo, mas tão maleável e tão rico.
Quanto às ilustrações, estão presentes nas versões “Enchantment” e
“Encantamento” (Kevin Crossley-Holland), na versão de Jacobs e na Ref.IV (“Johnny
Reed’s Cat”) – em maior número nas primeiras e apenas uma em cada uma das
últimas. Na presente pesquisa, não cabe discutir quaisquer questões técnicas
referentes às ilustrações, não apenas porque não tenho conhecimento para tanto
mas porque o foco central de minha pequisa é o texto; no entanto, vislumbro uma
versão rica em ilustrações, em que texto e imagem trabalhem lado a lado, de modo
que o leitor construa sentido através dessa união.
A seguir, apresentarei minha versão. Esta foi composta bastante cedo, logo
após minhas primeiras leituras do “Rei dos Gatos” de Kevin Crossley-Holland, antes
do desenvolvimento completo do trabalho, mas sofreu diversas modificações ao
longo da ampla pesquisa que acabou por se desenrolar a partir daquele conto.
Haverá comentários a cada estrofe, que ajudarão a esclarecer os parâmetros
utilizados durante o processo de recriação. Infelizmente, as ilustrações que
acompanharão o texto em uma versão definitiva não puderam ser concluídas a
tempo para a presente pesquisa. Uma pequena amostra das ilustrações de versões
anteriores e uma composta para esta versão encontram-se nos anexos.
53
III.II: Nova Versão Comentada
O Rei dos Gatos
Era uma noite escura
E o coveiro, cansado,
Viu que já estava bem funda
A cova que tinha cavado.
Aqui, manutenção da ambiência escura, fúnebre (noite escura, coveiro/cemitério); a palavra
“cansado” evoca a possível “justificativa de alucinação” vista em algumas das versões.
De repente, lá de dentro
Ouviu uns barulhos estranhos
De passos macios no gramado
E lamentos e miados
A expressão “lá de dentro” só poderá ser compreendida com clareza no jogo entre imagem
e texto previsto no projeto de tradução. Pode haver ambiguidade na compreensão, neste
caso (o homem estava “dentro” ou o barulho vinha de lá?).
Espiando, assombrado,
Do esconderijo no chão
Viu a cena mais estranha
Que já vira até então:
Aqui, imagem do coveiro no “esconderijo” (cova) fica mais clara
Nove gatos, todos pretos,
Grandes como um leão
Marchavam, muito solenes
carregando um caixão
54
Inicialmente, compus o primeiro verso como “Gatos de todas as cores” – apenas porque
essa foi a imagem concebida durante a escrita. Mais tarde, notei a recorrência dos nove
gatos pretos nas outras versões; levando em conta a relevância do número 3 e seus
múltiplos para a cultura Celta e o reforço do mistério evocado pelos gatos pretos, o verso foi
reescrito.
Foi-me sugerido substituir o segundo verso por “Imponentes como leão” para, mais uma
vez, evitar a ambiguidade (os nove gatos juntos eram como um leão ou cada um deles?);
no entanto, considero que o acento apenas na terceira e na última sílaba em um verso de
oito sílabas métricas (os mais longos neste texto) quebram a fluência, deixando o verso
muito longo (note-se que em “A cova que tinha cavado”, “Ouviu uns barulhos estranhos”,
“Pulou a janela e fugiu” o padrão de acentuação é na segunda, na quinta e na oitava (um
iambo e dois anapestos). Considerei “Soberbos” e “Altivos”, pela métrica, mas a carga
semântica destas palavras me soa levemente negativa. Acabei decidindo manter o verso
como antes.
O maior de todos eles,
Começando a falar
Chegou perto do coveiro
Que tremia sem parar
"Eu Quero que você diga
a Díldrum que Dôldrum morreu!"
Sempre sério, esbravejou:
"Então, homem, entendeu?"
Os nomes Doldrum/Dildrum foram uma grande preocupação durante a composição da
versão. A métrica e a cadência dos versos seriam prejudicadas caso o acento caísse na
segunda sílaba, não na primeira, o que seria natural em português. Inicialmente, pensei em
optar por um nome cuja leitura fosse inequívoca, e ao mesmo tempo causasse a
estranheza do nome "estrangeiro", para dar o tom ao conto – Blirg e Blorg, por exemplo, ou
Grab e Grub, Timp e Tump, Zag e Zug, Blik e Blok. No entanto, os nomes eram recorrentes
nas versões e considerei que trocá-los poderia representar uma grande perda na
adaptação (acredito que seria o equivalente de traduzir “Saci Pererê” por “Batata Frita” ou
um nome qualquer criado em uma tradução do conto para outro contexto linguístico). A
55
solução foi acentuá-los (Díldrum e Dôldrum), na tentativa de guiar o leitor.
Num fio de voz, o coveiro
Conseguiu dizer que sim.
Foi correndo até em casa
Numa carreira sem fim
Lá estava sua esposa
Esperando-o para a ceia.
Com seu gatinho no colo,
Ela cerzia uma meia.
Minha escolha inicial para o primeiro verso desta estrofe foi “mulher”, pela carga semântica
que a palavra representa para mim (como soa mais popular do que “esposa”, parecia
encaixar-se melhor no contexto da narrativa). Foi-me sugerido “esposa”, e a métrica tornou-
se tão fluida que decidi optar por ela em detrimento da carga semântica.
Ainda nesta estrofe, um exemplo da importância do jogo entre texto e imagem nesta
versão: aqui, apenas a imagem demonstrará que o gato dormia, não o texto; na terceira
estrofe à frente, o texto reafirmará essa informação através da preocupação da mulher em
falar baixo para não assustar o gato.
Branco como um fantasma,
Ainda um tanto aturdido
O homem contou a ela
O que tinha acontecido.
As aliterações ajudam a criar a musicalidade do texto; nesta estrofe, em t e d (“fantasma,
ainda, tanto, aturdido, contou, acontecido”), poderiam ainda sugerir as batidas do coração
do homem, disparado pelo susto e pela corrida.
"Mas como é que eu vou contar
Ao Díldrum que Dôldrum morreu?
56
Eu nem sei quem ele é!
É algum amigo seu?"
Apesar de ter levado fortemente em conta o público infantil nesta composição, minha
intenção era criar um texto bem-escrito o suficiente para despertar o interesse do leitor em
geral, através do trabalho com a sonoridade, as imagens, etc. Aqui, em "é algum amigo
seu?", uma ironia que provavelmente só seria captada pelos leitores mais velhos (já que o
gato é o destinatário da mensagem e é, de fato, “amigo” da família, ainda que não o
saibam).
"Pare com esse berreiro" –
Disse a mulher, bem baixinho.
"Não vê que está assustando
O coitado do gatinho?"
Um “salto” será dado na narrativa entre esta estrofe e a próxima; aqui, a mulher fala baixo e
se enternece com o “pobre gatinho” enquanto ralha com o marido; sua impressão sobre o
gato não aparecerá mais, mas certamente terá mudado após a cena que segue.
O gato então deu um salto
E cresceu, inchou, inflou.
De olhos arregalados,
De repente, ele gritou:
“Com mil raios e trovões!”
O velho Dôldrum morreu?
Então isso quer dizer
Que o Rei dos Gatos sou EU!"
A expressão "Com mil raios e trovões" vem substituir minha primeira escolha, “Ai meu deus
do céu”. Com isso, pretendi resgatar o elemento pré-cristão, já que esta frase
inconscientemente quebraria com a fantasia ao evocar o "Deus" cristão. Além disso, a
personagem pertence ao domínio do fantástico – vem de Faerie, como diria o Tolkien. A
57
evocação da natureza em detrimento do elemento cristão pareceu-me bastante apropriada.
O gato saiu correndo,
Pulou a janela e fugiu
E depois daquele dia
Nunca mais ninguém o viu.
Preservo aqui a estrutura de final abrupto, tão característico das várias versões do conto –
detalhe essencial do novo Projeto.
Respondendo, portanto, à questão que abre este capítulo, componho mais
uma versão pelo prazer de moldar a matéria tão plástica que é a literatura, sabendo
quão amplas são as suas possibilidades; tanto mais gratificante é o trabalho quando
se vislumbra que os resultados deste empenho poderão acrescentar algo, tanto a
quem os apreciar quanto à memória de suas fontes.
58
CONCLUSÃO
Durante a composição deste trabalho, me perguntei diversas vezes qual
poderia ser sua relevância para o contexto da literatura e tradução; agora, ao vê-lo
finalizado, acredito que seu mérito resida na tentativa de pôr em contato um conto
antigo, com toda a sabedoria e simbologia por ele carregada, com o público da
atualidade. A atualização se dará, idealmente, através das ilustrações (que, como já
foi citado, infelizmente não acompanham esta pesquisa), mas a estrutura narrativa
mais recorrente será preservada; ainda em nome desse estranhamento causado
pelo "antigo", "estrangeiro", palavras de um registro mais erudito são adicionadas. Já
o fato de esta versão ter sido reinventada em versos partiu de uma predileção
minha, mas que, vim a descobrir, reproduz um processo que Perrault, em seus
contos, e la Fontaine, em suas fábulas, já haviam efetuado há três séculos. Porém,
arriscar tal empreitada na contemporaneidade não deixa de ser um ato de bravura,
especialmente se há intenção de publicação, já que há três séculos as narrativas em
versos eram, ao que me parece, muito mais corriqueiras e valorizadas pelo público
leitor, enquanto que, agora, corre-se sério risco de soar antiquado demais,
"parnasiano" demais.
Além disso, do ponto de vista dos estudos da tradução, os contos folclóricos
são um exemplo bastante efetivo da autonomia de um texto em relação a todos os
outros que a ele se relacionam (traduções, adaptações...), de sua independência e
complexidade.
O processo de tradução como projeto particular ou pesquisa acadêmica (ou
ambos, como neste o caso) representa a situação ideal para o tradutor: o texto a ser
traduzido se torna seu objeto de estudo; com ele se envolve, nele se aprofunda
através de repetidas leituras, anotações e pesquisas relacionadas. Essa abordagem
proporciona a possibilidade de escrita, reescrita, revisão, modificação, até que o
resultado seja um equilibrado conjunto de perdas e ganhos – com alguma sorte e
muita disposição, mais ganhos do que perdas. Já o trabalho remunerado na área da
tradução, seja técnica ou literária, costuma ser um cenário totalmente diferente. O
desenvolvimento da tradução depende, acima de tudo, de fatores extratextuais: o
encargo imposto ao tradutor, as angústias e preocupações quanto ao prazo, ao
59
espaço gráfico (no caso de uma publicação em que texto e elementos gráficos
sejam complementares). Como afirma Nord (1991:11), “o tradutor não é o emissor
da mensagem do texto-fonte, mas um produtor textual na cultura-alvo, que adota a
intenção de alguém a fim de produzir um instrumento comunicativo para a cultura-
alvo [...]”. Tanto mais fácil será o processo caso o tradutor parta de sua própria
“intenção”; no entanto, é necessário cuidado redobrado para que a sistematização
das escolhas feitas, a reflexão acerca delas, num projeto pessoal como este, não
fique comprometida – já que é natural pender para a simples intuição e tomar
preferências pessoais como regra.
60
REFERÊNCIAS
Referências Bibliográficas:
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de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. São Paulo: Perspectiva, 2006. Tradução de J.
Guinsburg e Miriam Schnaiderman.
COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas: símbolos – mitos – arquétipos. São
Paulo: Paulinas, 2008.
CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. Enchantment: Fairy Tales, Ghost Stories and Tales of
Wonder. London: Orion Children's Books, 2000.
_________________________. Encantamento – Contos de Fada, Fantasma e
Magia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003. Tradução de Hildegard Feist.
DIECKMANN, Hans. Contos de Fada Vividos. São Paulo: Paulinas, 1986. Tradução
de Elisabeth C. M. Jansen.
ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1991. Tradução de Giovanni
Cutolo.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 2010. Tradução de Pola
Civelli.
GREEN, Miranda J. Animals in Celtic Life and Myth. New York: Routledge, 1992.
GRIMM, Jacob. Os Contos de Grimm. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989. Tradução de Tatiana Belinky.
61
HALLIWELL-PHILLIPPS, J. O. Popular Rhymes and Nursery Tales: A Sequel to the
Nursery Rhymes of England. London: John Russell Smith, 1849.
HARLAND, J. & WILKINSON, T. T. Lancashire Legends. London: George Routledge
& Sons, 1873.
IZARRA, Laura P.Z., BASTOS, Beatriz Kopschitz X (Ed). A New Ireland in Brazil:
Festschrift in Honour of Munira Hamud Mutran. São Paulo: Humanitas, 2008.
JACOBS, Joseph. More English Fairy Tales. London: G.P. Putnam’s Sons, 1894.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Trad. Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires. 6.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
MEIRELES, Cecília. Ou Isto ou Aquilo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980
NORD, Christiane. Text Analysis in Translation. Amsterdam; Atlanta: Rodopi, 1991.
______________.Translating as a Purposeful Activity: Functionalist Approaches
Explained. Manchester: St Jerome, 1997a.
TOLKIEN, J.R.R. Tree and Leaf. London: George Allen and Unwin, 1964.
Referências Sitiográficas [consult. 2012]
http://www.ablc.com.br/
http://www.arteducacao.pro.br/Cultura/cordel/cordel.htm
http://www.jornaldepoesia.jor.br/cordel.html
http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/index2.htm
http://www.memoriaviva.com.br/villalobos/
62
ANEXOS
Anexo 1 – Ilustração de Etiene P.S. para a versão em português de King of the Cats,
O Rei dos Gatos, composta por mim.
63
Anexo 2: Ilustração de John D. Battens para a versão de Joseph Jacobs, de 1894.
Anexo 3: Ilustração de Geoffrey Strahan para “Johnny Reed’s Cat” (Referência IV).