Post on 04-Oct-2018
Curso de Feacuterias
INTRODUCcedilAtildeO Agrave CRISTOLOGIA
Aurecir Martins de Melo Junior
Rio de janeiro
2015
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
i O ponto de partida 2
ii O objeto 2
iii O lugar 3
iv As dificuldades atuais 4
v Jesus histoacuterico e o Cristo da feacute 5
vi Trecircs fases cristoloacutegicas 6
1 - Cristologia do Novo Testamento 8
11 Sinoacuteticos e Atos 8
12 Paulo 9
13 Joatildeo 10
2 - Cristologia dos seacuteculos II ndash IV 13
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo 13
211 Adocionismo 13
212 Modalismo 13
213 Subordinacionismo 14
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia 14
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens 14
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos 15
221 Ebionismo 15
222 Marcionismo 15
223 Docetismo-agnosticismo 16
224 Irineu a unidade de Deus 16
225 Tertuliano as duas naturezas 17
226 Oriacutegenes 17
23 Cristologia no seacuteculo IV 18
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus 18
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος 19
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa 20
234 O apolinarismo e a alma de cristo 20
4 - Cristologia dos seacuteculos V ndash VII 21
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas 21
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina 21
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena 21
313 A Tradiccedilatildeo Latina 21
32 A Crise Nestoriana 22
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio 22
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio 22
323 A resposta de Nestoacuterio 23
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio 23
33 O conciacutelio de Eacutefeso 24
34 A doutrina de Satildeo Cirilo 24
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433 24
36 O Monofisismo 25
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia 25
362 O monofisismo de Ecircutiques 25
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo 26
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia 26
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553) 27
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla 28
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo 28
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo 28
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo 29
5 - Cristologia especulativa 29
41 As operaccedilotildees teacircndricas 29
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai 30
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo 31
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo 31
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica 32
451 O modo da uniatildeo 32
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo 32
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica 33
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica 33
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo 34
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural 34
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica 34
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo 34
461 Natureza e pessoa na cristologia 34
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa 35
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa 35
464 Ser e Pessoa em Cristo 35
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo 36
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo 36
472 As teorias em torno ao eu de Cristo 36
473 O uacutenico eu de Cristo 36
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia 36
481 Anton Guumlnther 37
482 Antonio Rosmini 37
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia 38
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner 39
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo 40
49 A Santidade de Cristo 40
491 A santidade de Jesus Cristo 40
492 A graccedila da uniatildeo 40
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo 41
494 A graccedila capital 41
495 A plenitude da graccedila em Cristo 41
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade 42
497 As tentaccedilotildees de Cristo 42
410 A ciecircncia de Cristo 43
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo 43
4102 A visatildeo imediata de deus 43
4103 Jesus viator e comprehensor 43
4104 Ciecircncia infusa 44
4105 A ciecircncia adquirida 44
4106 Jesus e a feacute 45
4107 A infalibilidade de Jesus 45
4108 A consciecircncia de Jesus 46
Bibliografia 47
Introduccedilatildeo
ldquoE voacutes quem dizeis que eu sourdquo1 A partir desta indagaccedilatildeo de Jesus aos seus disciacutepulos frente a
qual Pedro faz sua profissatildeo de feacute e revela que Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila messiacircnica e o
Filho do Deus vivo2 iniciamos nosso estudo de Cristologia
No mundo hoje muitas satildeo as ldquoverdadesrdquo ditas sobre Jesus A quem o identifique como o
Libertador um revolucionaacuterio um espiacuterito elevado um profeta da mensagem de Deus dentre
tantas outras definiccedilotildees que podemos encontrar Em nosso estudo buscaremos encontrar
fundamentos soacutelidos para tentar responder o questionamento de Jesus sobre quem ele eacute
Toda especulaccedilatildeo teoloacutegica eacute auxiliada por distintas ciecircncias por exemplo a exegese a
histoacuteria a filosofia as ciecircncias sociais etc3 A partir de entatildeo esboccedila alguns saberes fundamentais
sobre Jesus sua existecircncia pessoa missatildeo interpretaccedilatildeo da Igreja ao longo dos seacuteculos presenccedila
atual na consciecircncia dos homens repercussatildeo na histoacuteria posterior e sua capacidade de engendrar
esperanccedila e salvaccedilatildeo Deste modo compreende-se que a Cristologia dogmaacutetica (ou sistemaacutetica)
que supotildee a feacute como Dom de Deus e luz para a inteligecircncia e potecircncia para a vontade eacute
acompanhada por de outras trecircs formas de cristologia a histoacuterica a fundamental e a filosoacutefica
Resumidamente
Cristologia histoacuterica estuda os fatos da vida de Jesus em seu meio geograacutefico
cultural religioso e social
Cristologia fundamental indaga os signos (sinais) que acompanham a existecircncia de
Jesus e que nos permite reconhece-lo como revelaccedilatildeo de Deus
Cristologia filosoacutefica mostra que dimensotildees do ser do homem e da histoacuteria se
esclarecem agrave luz de Jesus enquanto universal concreto4
Cristologia dogmaacutetica pressupotildee a revelaccedilatildeo como accedilatildeo de Deus na histoacuteria de
Israel com seu aacutepice na pessoa de Cristo a feacute eacute o princiacutepio do conhecimento
Assim a accedilatildeo do teoacutelogo deve contar com a revelaccedilatildeo divina (Sagrada Escritura) com os
oacutergatildeos de transmissatildeo eclesial (liturgia sentido da feacute nos crentes tradiccedilatildeo conciliar autoridade
episcopal magisteacuterio) com os princiacutepios objetivos da existecircncia cristatilde (Espiacuterito Santo sucessores
dos apoacutestolos) e com os subjetivos (carismas comunitaacuterios e dons teologais) Oferecendo desta
forma inteligecircncia e razatildeo externa da proacutepria feacute5
1 Mc 829a 2 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 3 Neste contexto vale lembrar o que diz a Fides et ratio sobre a relaccedilatildeo entre a feacute e a razatildeo ldquoA razatildeo privada do contributo da Revelaccedilatildeo percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final A feacute privada da razatildeo pocircs em maior evidecircncia o sentimento e a experiecircncia correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal Eacute ilusoacuterio pensar que tendo pela frente uma razatildeo deacutebil a feacute goze de maior incidecircncia pelo contraacuterio cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou supersticcedilatildeo Da mesma maneira uma razatildeo que natildeo tenha pela frente uma feacute adulta natildeo eacute estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do serrdquo JOAtildeO PAULO II Carta enciacuteclica Fides et ratio Satildeo Paulo Paulus 2001 p68 4 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p XIX 5 Ibidem
2
ldquoCristologiardquo significa literalmente ldquodoutrina ou discurso acerca de (Jesus o) Cristo Christos corresponde agrave traduccedilatildeo para o grego do termo hebraico mashiah (o Ungido [de Deus]) Originalmente portanto Christus (forma latinizada) natildeo eacute um cognome da figura histoacuterica de Jesus de Nazareacute mas uma confissatildeo dela () O tiacutetulo ldquoCristordquo representa de modo vicaacuterio e sucinto todas as prediccedilotildees do portador da salvaccedilatildeo com as quais se tentou tanto no passado como no presente expressar quem eacute Jesus eacute e o que ele significa para noacutes6
Em suma a Cristologia eacute o tratado teoloacutegico que daacute conta e razatildeo agrave confissatildeo de feacute de Pedro
e de toda a Igreja ndash ldquoJesus eacute o Cristo o Filho de Deusrdquo 7ndash mediante a narraccedilatildeo dos fatos de sua vida
particular e da proposiccedilatildeo de sua verdade universal Jesus eacute entatildeo compreendido natildeo soacute como uma
origem histoacuterica de uma nova relaccedilatildeo com Deus Ele eacute o objeto a que se dirige a feacute do cristianismo
i O PONTO DE PARTIDA O ponto de partida e de referecircncia da cristologia eacute a histoacuteria pessoal de Cristo
Compreende-se aqui histoacuteria pessoal como o conjunto de mensagens accedilotildees e acolhimento da
vontade do Pai e de certo modo a decisatildeo dos homens por Ele A histoacuteria pessoal tem uma face
exterior e outra interior de modo que para se conhecer uma se faz necessaacuterio conhecer a outra e
vice e versa
Portanto a vida factual de Jesus torna-se sinal de sua consciecircncia Isto eacute os fatos histoacutericos
visiacuteveis nos colocam frente a uma realidade invisiacutevel eterna Pois assim como em todos os homens
a consciecircncia se revela a si mesma nas obras em Cristo o reconhecemos como Filho de Deus tambeacutem
por suas obras
Jesus Cristo portanto Verbo feito carne enviado ldquocomo homem aos homensrdquo ldquoprofere as palavras de Deusrdquo (Jo 334) e consuma a obra salviacutefica que o Pai lhe confiou (cfr Jo 536 174) Eis por que Ele ao qual quem vecirc vecirc tambeacutem o Pai (cfr Jo 149) pela plena presenccedila e manifestaccedilatildeo de Si mesmo por palavras e obras sinais e milagres e especialmente por Sua morte e gloriosa ressurreiccedilatildeo dentre os mortos enviado finalmente o Espiacuterito de verdade aperfeiccediloa e completa a revelaccedilatildeo e a confirma com o testemunho divino que Deus estaacute conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna8
Deste modo haacute duas formas de conhecimento de Cristo Uma que o vecirc pela hermenecircutica
histoacuterica que O vecirc como um judeu que estaacute na origem do cristianismo e outra teoloacutegica que o vecirc
a partir se sua revelaccedilatildeo sobrenatural acolhida pela feacute Na verdade esta eacute a forma de conhece-lo
definitivamente tanto na pessoa humana como divina Assim partindo da histoacuteria de Cristo a
cristologia tende a chegar na consciecircncia de Cristo
ii O OBJETO De modo sucinto e claro quase oacutebvio o objeto da cristologia eacute a pessoa de Cristo Poreacutem
eacute preciso evidenciar que natildeo se trata de uma visatildeo unilateral sobre a pessoa de Cristo Conhecer a
Cristo supotildee conhecer sua origem sua relaccedilatildeo com Deus e seu desiacutegnio de salvaccedilatildeo dos homens
6 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 7 Cf Mt 1616 Jo2031 1Jo 222 At 922 8 DV4
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
Sumaacuterio
Introduccedilatildeo 1
i O ponto de partida 2
ii O objeto 2
iii O lugar 3
iv As dificuldades atuais 4
v Jesus histoacuterico e o Cristo da feacute 5
vi Trecircs fases cristoloacutegicas 6
1 - Cristologia do Novo Testamento 8
11 Sinoacuteticos e Atos 8
12 Paulo 9
13 Joatildeo 10
2 - Cristologia dos seacuteculos II ndash IV 13
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo 13
211 Adocionismo 13
212 Modalismo 13
213 Subordinacionismo 14
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia 14
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens 14
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos 15
221 Ebionismo 15
222 Marcionismo 15
223 Docetismo-agnosticismo 16
224 Irineu a unidade de Deus 16
225 Tertuliano as duas naturezas 17
226 Oriacutegenes 17
23 Cristologia no seacuteculo IV 18
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus 18
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος 19
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa 20
234 O apolinarismo e a alma de cristo 20
4 - Cristologia dos seacuteculos V ndash VII 21
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas 21
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina 21
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena 21
313 A Tradiccedilatildeo Latina 21
32 A Crise Nestoriana 22
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio 22
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio 22
323 A resposta de Nestoacuterio 23
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio 23
33 O conciacutelio de Eacutefeso 24
34 A doutrina de Satildeo Cirilo 24
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433 24
36 O Monofisismo 25
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia 25
362 O monofisismo de Ecircutiques 25
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo 26
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia 26
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553) 27
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla 28
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo 28
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo 28
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo 29
5 - Cristologia especulativa 29
41 As operaccedilotildees teacircndricas 29
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai 30
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo 31
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo 31
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica 32
451 O modo da uniatildeo 32
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo 32
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica 33
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica 33
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo 34
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural 34
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica 34
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo 34
461 Natureza e pessoa na cristologia 34
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa 35
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa 35
464 Ser e Pessoa em Cristo 35
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo 36
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo 36
472 As teorias em torno ao eu de Cristo 36
473 O uacutenico eu de Cristo 36
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia 36
481 Anton Guumlnther 37
482 Antonio Rosmini 37
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia 38
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner 39
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo 40
49 A Santidade de Cristo 40
491 A santidade de Jesus Cristo 40
492 A graccedila da uniatildeo 40
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo 41
494 A graccedila capital 41
495 A plenitude da graccedila em Cristo 41
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade 42
497 As tentaccedilotildees de Cristo 42
410 A ciecircncia de Cristo 43
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo 43
4102 A visatildeo imediata de deus 43
4103 Jesus viator e comprehensor 43
4104 Ciecircncia infusa 44
4105 A ciecircncia adquirida 44
4106 Jesus e a feacute 45
4107 A infalibilidade de Jesus 45
4108 A consciecircncia de Jesus 46
Bibliografia 47
Introduccedilatildeo
ldquoE voacutes quem dizeis que eu sourdquo1 A partir desta indagaccedilatildeo de Jesus aos seus disciacutepulos frente a
qual Pedro faz sua profissatildeo de feacute e revela que Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila messiacircnica e o
Filho do Deus vivo2 iniciamos nosso estudo de Cristologia
No mundo hoje muitas satildeo as ldquoverdadesrdquo ditas sobre Jesus A quem o identifique como o
Libertador um revolucionaacuterio um espiacuterito elevado um profeta da mensagem de Deus dentre
tantas outras definiccedilotildees que podemos encontrar Em nosso estudo buscaremos encontrar
fundamentos soacutelidos para tentar responder o questionamento de Jesus sobre quem ele eacute
Toda especulaccedilatildeo teoloacutegica eacute auxiliada por distintas ciecircncias por exemplo a exegese a
histoacuteria a filosofia as ciecircncias sociais etc3 A partir de entatildeo esboccedila alguns saberes fundamentais
sobre Jesus sua existecircncia pessoa missatildeo interpretaccedilatildeo da Igreja ao longo dos seacuteculos presenccedila
atual na consciecircncia dos homens repercussatildeo na histoacuteria posterior e sua capacidade de engendrar
esperanccedila e salvaccedilatildeo Deste modo compreende-se que a Cristologia dogmaacutetica (ou sistemaacutetica)
que supotildee a feacute como Dom de Deus e luz para a inteligecircncia e potecircncia para a vontade eacute
acompanhada por de outras trecircs formas de cristologia a histoacuterica a fundamental e a filosoacutefica
Resumidamente
Cristologia histoacuterica estuda os fatos da vida de Jesus em seu meio geograacutefico
cultural religioso e social
Cristologia fundamental indaga os signos (sinais) que acompanham a existecircncia de
Jesus e que nos permite reconhece-lo como revelaccedilatildeo de Deus
Cristologia filosoacutefica mostra que dimensotildees do ser do homem e da histoacuteria se
esclarecem agrave luz de Jesus enquanto universal concreto4
Cristologia dogmaacutetica pressupotildee a revelaccedilatildeo como accedilatildeo de Deus na histoacuteria de
Israel com seu aacutepice na pessoa de Cristo a feacute eacute o princiacutepio do conhecimento
Assim a accedilatildeo do teoacutelogo deve contar com a revelaccedilatildeo divina (Sagrada Escritura) com os
oacutergatildeos de transmissatildeo eclesial (liturgia sentido da feacute nos crentes tradiccedilatildeo conciliar autoridade
episcopal magisteacuterio) com os princiacutepios objetivos da existecircncia cristatilde (Espiacuterito Santo sucessores
dos apoacutestolos) e com os subjetivos (carismas comunitaacuterios e dons teologais) Oferecendo desta
forma inteligecircncia e razatildeo externa da proacutepria feacute5
1 Mc 829a 2 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 3 Neste contexto vale lembrar o que diz a Fides et ratio sobre a relaccedilatildeo entre a feacute e a razatildeo ldquoA razatildeo privada do contributo da Revelaccedilatildeo percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final A feacute privada da razatildeo pocircs em maior evidecircncia o sentimento e a experiecircncia correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal Eacute ilusoacuterio pensar que tendo pela frente uma razatildeo deacutebil a feacute goze de maior incidecircncia pelo contraacuterio cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou supersticcedilatildeo Da mesma maneira uma razatildeo que natildeo tenha pela frente uma feacute adulta natildeo eacute estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do serrdquo JOAtildeO PAULO II Carta enciacuteclica Fides et ratio Satildeo Paulo Paulus 2001 p68 4 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p XIX 5 Ibidem
2
ldquoCristologiardquo significa literalmente ldquodoutrina ou discurso acerca de (Jesus o) Cristo Christos corresponde agrave traduccedilatildeo para o grego do termo hebraico mashiah (o Ungido [de Deus]) Originalmente portanto Christus (forma latinizada) natildeo eacute um cognome da figura histoacuterica de Jesus de Nazareacute mas uma confissatildeo dela () O tiacutetulo ldquoCristordquo representa de modo vicaacuterio e sucinto todas as prediccedilotildees do portador da salvaccedilatildeo com as quais se tentou tanto no passado como no presente expressar quem eacute Jesus eacute e o que ele significa para noacutes6
Em suma a Cristologia eacute o tratado teoloacutegico que daacute conta e razatildeo agrave confissatildeo de feacute de Pedro
e de toda a Igreja ndash ldquoJesus eacute o Cristo o Filho de Deusrdquo 7ndash mediante a narraccedilatildeo dos fatos de sua vida
particular e da proposiccedilatildeo de sua verdade universal Jesus eacute entatildeo compreendido natildeo soacute como uma
origem histoacuterica de uma nova relaccedilatildeo com Deus Ele eacute o objeto a que se dirige a feacute do cristianismo
i O PONTO DE PARTIDA O ponto de partida e de referecircncia da cristologia eacute a histoacuteria pessoal de Cristo
Compreende-se aqui histoacuteria pessoal como o conjunto de mensagens accedilotildees e acolhimento da
vontade do Pai e de certo modo a decisatildeo dos homens por Ele A histoacuteria pessoal tem uma face
exterior e outra interior de modo que para se conhecer uma se faz necessaacuterio conhecer a outra e
vice e versa
Portanto a vida factual de Jesus torna-se sinal de sua consciecircncia Isto eacute os fatos histoacutericos
visiacuteveis nos colocam frente a uma realidade invisiacutevel eterna Pois assim como em todos os homens
a consciecircncia se revela a si mesma nas obras em Cristo o reconhecemos como Filho de Deus tambeacutem
por suas obras
Jesus Cristo portanto Verbo feito carne enviado ldquocomo homem aos homensrdquo ldquoprofere as palavras de Deusrdquo (Jo 334) e consuma a obra salviacutefica que o Pai lhe confiou (cfr Jo 536 174) Eis por que Ele ao qual quem vecirc vecirc tambeacutem o Pai (cfr Jo 149) pela plena presenccedila e manifestaccedilatildeo de Si mesmo por palavras e obras sinais e milagres e especialmente por Sua morte e gloriosa ressurreiccedilatildeo dentre os mortos enviado finalmente o Espiacuterito de verdade aperfeiccediloa e completa a revelaccedilatildeo e a confirma com o testemunho divino que Deus estaacute conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna8
Deste modo haacute duas formas de conhecimento de Cristo Uma que o vecirc pela hermenecircutica
histoacuterica que O vecirc como um judeu que estaacute na origem do cristianismo e outra teoloacutegica que o vecirc
a partir se sua revelaccedilatildeo sobrenatural acolhida pela feacute Na verdade esta eacute a forma de conhece-lo
definitivamente tanto na pessoa humana como divina Assim partindo da histoacuteria de Cristo a
cristologia tende a chegar na consciecircncia de Cristo
ii O OBJETO De modo sucinto e claro quase oacutebvio o objeto da cristologia eacute a pessoa de Cristo Poreacutem
eacute preciso evidenciar que natildeo se trata de uma visatildeo unilateral sobre a pessoa de Cristo Conhecer a
Cristo supotildee conhecer sua origem sua relaccedilatildeo com Deus e seu desiacutegnio de salvaccedilatildeo dos homens
6 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 7 Cf Mt 1616 Jo2031 1Jo 222 At 922 8 DV4
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
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a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena 21
313 A Tradiccedilatildeo Latina 21
32 A Crise Nestoriana 22
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio 22
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio 22
323 A resposta de Nestoacuterio 23
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio 23
33 O conciacutelio de Eacutefeso 24
34 A doutrina de Satildeo Cirilo 24
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433 24
36 O Monofisismo 25
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia 25
362 O monofisismo de Ecircutiques 25
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo 26
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia 26
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553) 27
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla 28
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo 28
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo 28
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo 29
5 - Cristologia especulativa 29
41 As operaccedilotildees teacircndricas 29
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai 30
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo 31
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo 31
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica 32
451 O modo da uniatildeo 32
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo 32
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica 33
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica 33
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo 34
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural 34
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica 34
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo 34
461 Natureza e pessoa na cristologia 34
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa 35
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa 35
464 Ser e Pessoa em Cristo 35
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo 36
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo 36
472 As teorias em torno ao eu de Cristo 36
473 O uacutenico eu de Cristo 36
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia 36
481 Anton Guumlnther 37
482 Antonio Rosmini 37
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia 38
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner 39
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo 40
49 A Santidade de Cristo 40
491 A santidade de Jesus Cristo 40
492 A graccedila da uniatildeo 40
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo 41
494 A graccedila capital 41
495 A plenitude da graccedila em Cristo 41
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade 42
497 As tentaccedilotildees de Cristo 42
410 A ciecircncia de Cristo 43
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo 43
4102 A visatildeo imediata de deus 43
4103 Jesus viator e comprehensor 43
4104 Ciecircncia infusa 44
4105 A ciecircncia adquirida 44
4106 Jesus e a feacute 45
4107 A infalibilidade de Jesus 45
4108 A consciecircncia de Jesus 46
Bibliografia 47
Introduccedilatildeo
ldquoE voacutes quem dizeis que eu sourdquo1 A partir desta indagaccedilatildeo de Jesus aos seus disciacutepulos frente a
qual Pedro faz sua profissatildeo de feacute e revela que Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila messiacircnica e o
Filho do Deus vivo2 iniciamos nosso estudo de Cristologia
No mundo hoje muitas satildeo as ldquoverdadesrdquo ditas sobre Jesus A quem o identifique como o
Libertador um revolucionaacuterio um espiacuterito elevado um profeta da mensagem de Deus dentre
tantas outras definiccedilotildees que podemos encontrar Em nosso estudo buscaremos encontrar
fundamentos soacutelidos para tentar responder o questionamento de Jesus sobre quem ele eacute
Toda especulaccedilatildeo teoloacutegica eacute auxiliada por distintas ciecircncias por exemplo a exegese a
histoacuteria a filosofia as ciecircncias sociais etc3 A partir de entatildeo esboccedila alguns saberes fundamentais
sobre Jesus sua existecircncia pessoa missatildeo interpretaccedilatildeo da Igreja ao longo dos seacuteculos presenccedila
atual na consciecircncia dos homens repercussatildeo na histoacuteria posterior e sua capacidade de engendrar
esperanccedila e salvaccedilatildeo Deste modo compreende-se que a Cristologia dogmaacutetica (ou sistemaacutetica)
que supotildee a feacute como Dom de Deus e luz para a inteligecircncia e potecircncia para a vontade eacute
acompanhada por de outras trecircs formas de cristologia a histoacuterica a fundamental e a filosoacutefica
Resumidamente
Cristologia histoacuterica estuda os fatos da vida de Jesus em seu meio geograacutefico
cultural religioso e social
Cristologia fundamental indaga os signos (sinais) que acompanham a existecircncia de
Jesus e que nos permite reconhece-lo como revelaccedilatildeo de Deus
Cristologia filosoacutefica mostra que dimensotildees do ser do homem e da histoacuteria se
esclarecem agrave luz de Jesus enquanto universal concreto4
Cristologia dogmaacutetica pressupotildee a revelaccedilatildeo como accedilatildeo de Deus na histoacuteria de
Israel com seu aacutepice na pessoa de Cristo a feacute eacute o princiacutepio do conhecimento
Assim a accedilatildeo do teoacutelogo deve contar com a revelaccedilatildeo divina (Sagrada Escritura) com os
oacutergatildeos de transmissatildeo eclesial (liturgia sentido da feacute nos crentes tradiccedilatildeo conciliar autoridade
episcopal magisteacuterio) com os princiacutepios objetivos da existecircncia cristatilde (Espiacuterito Santo sucessores
dos apoacutestolos) e com os subjetivos (carismas comunitaacuterios e dons teologais) Oferecendo desta
forma inteligecircncia e razatildeo externa da proacutepria feacute5
1 Mc 829a 2 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 3 Neste contexto vale lembrar o que diz a Fides et ratio sobre a relaccedilatildeo entre a feacute e a razatildeo ldquoA razatildeo privada do contributo da Revelaccedilatildeo percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final A feacute privada da razatildeo pocircs em maior evidecircncia o sentimento e a experiecircncia correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal Eacute ilusoacuterio pensar que tendo pela frente uma razatildeo deacutebil a feacute goze de maior incidecircncia pelo contraacuterio cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou supersticcedilatildeo Da mesma maneira uma razatildeo que natildeo tenha pela frente uma feacute adulta natildeo eacute estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do serrdquo JOAtildeO PAULO II Carta enciacuteclica Fides et ratio Satildeo Paulo Paulus 2001 p68 4 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p XIX 5 Ibidem
2
ldquoCristologiardquo significa literalmente ldquodoutrina ou discurso acerca de (Jesus o) Cristo Christos corresponde agrave traduccedilatildeo para o grego do termo hebraico mashiah (o Ungido [de Deus]) Originalmente portanto Christus (forma latinizada) natildeo eacute um cognome da figura histoacuterica de Jesus de Nazareacute mas uma confissatildeo dela () O tiacutetulo ldquoCristordquo representa de modo vicaacuterio e sucinto todas as prediccedilotildees do portador da salvaccedilatildeo com as quais se tentou tanto no passado como no presente expressar quem eacute Jesus eacute e o que ele significa para noacutes6
Em suma a Cristologia eacute o tratado teoloacutegico que daacute conta e razatildeo agrave confissatildeo de feacute de Pedro
e de toda a Igreja ndash ldquoJesus eacute o Cristo o Filho de Deusrdquo 7ndash mediante a narraccedilatildeo dos fatos de sua vida
particular e da proposiccedilatildeo de sua verdade universal Jesus eacute entatildeo compreendido natildeo soacute como uma
origem histoacuterica de uma nova relaccedilatildeo com Deus Ele eacute o objeto a que se dirige a feacute do cristianismo
i O PONTO DE PARTIDA O ponto de partida e de referecircncia da cristologia eacute a histoacuteria pessoal de Cristo
Compreende-se aqui histoacuteria pessoal como o conjunto de mensagens accedilotildees e acolhimento da
vontade do Pai e de certo modo a decisatildeo dos homens por Ele A histoacuteria pessoal tem uma face
exterior e outra interior de modo que para se conhecer uma se faz necessaacuterio conhecer a outra e
vice e versa
Portanto a vida factual de Jesus torna-se sinal de sua consciecircncia Isto eacute os fatos histoacutericos
visiacuteveis nos colocam frente a uma realidade invisiacutevel eterna Pois assim como em todos os homens
a consciecircncia se revela a si mesma nas obras em Cristo o reconhecemos como Filho de Deus tambeacutem
por suas obras
Jesus Cristo portanto Verbo feito carne enviado ldquocomo homem aos homensrdquo ldquoprofere as palavras de Deusrdquo (Jo 334) e consuma a obra salviacutefica que o Pai lhe confiou (cfr Jo 536 174) Eis por que Ele ao qual quem vecirc vecirc tambeacutem o Pai (cfr Jo 149) pela plena presenccedila e manifestaccedilatildeo de Si mesmo por palavras e obras sinais e milagres e especialmente por Sua morte e gloriosa ressurreiccedilatildeo dentre os mortos enviado finalmente o Espiacuterito de verdade aperfeiccediloa e completa a revelaccedilatildeo e a confirma com o testemunho divino que Deus estaacute conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna8
Deste modo haacute duas formas de conhecimento de Cristo Uma que o vecirc pela hermenecircutica
histoacuterica que O vecirc como um judeu que estaacute na origem do cristianismo e outra teoloacutegica que o vecirc
a partir se sua revelaccedilatildeo sobrenatural acolhida pela feacute Na verdade esta eacute a forma de conhece-lo
definitivamente tanto na pessoa humana como divina Assim partindo da histoacuteria de Cristo a
cristologia tende a chegar na consciecircncia de Cristo
ii O OBJETO De modo sucinto e claro quase oacutebvio o objeto da cristologia eacute a pessoa de Cristo Poreacutem
eacute preciso evidenciar que natildeo se trata de uma visatildeo unilateral sobre a pessoa de Cristo Conhecer a
Cristo supotildee conhecer sua origem sua relaccedilatildeo com Deus e seu desiacutegnio de salvaccedilatildeo dos homens
6 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 7 Cf Mt 1616 Jo2031 1Jo 222 At 922 8 DV4
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
464 Ser e Pessoa em Cristo 35
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo 36
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo 36
472 As teorias em torno ao eu de Cristo 36
473 O uacutenico eu de Cristo 36
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia 36
481 Anton Guumlnther 37
482 Antonio Rosmini 37
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia 38
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner 39
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo 40
49 A Santidade de Cristo 40
491 A santidade de Jesus Cristo 40
492 A graccedila da uniatildeo 40
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo 41
494 A graccedila capital 41
495 A plenitude da graccedila em Cristo 41
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade 42
497 As tentaccedilotildees de Cristo 42
410 A ciecircncia de Cristo 43
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo 43
4102 A visatildeo imediata de deus 43
4103 Jesus viator e comprehensor 43
4104 Ciecircncia infusa 44
4105 A ciecircncia adquirida 44
4106 Jesus e a feacute 45
4107 A infalibilidade de Jesus 45
4108 A consciecircncia de Jesus 46
Bibliografia 47
Introduccedilatildeo
ldquoE voacutes quem dizeis que eu sourdquo1 A partir desta indagaccedilatildeo de Jesus aos seus disciacutepulos frente a
qual Pedro faz sua profissatildeo de feacute e revela que Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila messiacircnica e o
Filho do Deus vivo2 iniciamos nosso estudo de Cristologia
No mundo hoje muitas satildeo as ldquoverdadesrdquo ditas sobre Jesus A quem o identifique como o
Libertador um revolucionaacuterio um espiacuterito elevado um profeta da mensagem de Deus dentre
tantas outras definiccedilotildees que podemos encontrar Em nosso estudo buscaremos encontrar
fundamentos soacutelidos para tentar responder o questionamento de Jesus sobre quem ele eacute
Toda especulaccedilatildeo teoloacutegica eacute auxiliada por distintas ciecircncias por exemplo a exegese a
histoacuteria a filosofia as ciecircncias sociais etc3 A partir de entatildeo esboccedila alguns saberes fundamentais
sobre Jesus sua existecircncia pessoa missatildeo interpretaccedilatildeo da Igreja ao longo dos seacuteculos presenccedila
atual na consciecircncia dos homens repercussatildeo na histoacuteria posterior e sua capacidade de engendrar
esperanccedila e salvaccedilatildeo Deste modo compreende-se que a Cristologia dogmaacutetica (ou sistemaacutetica)
que supotildee a feacute como Dom de Deus e luz para a inteligecircncia e potecircncia para a vontade eacute
acompanhada por de outras trecircs formas de cristologia a histoacuterica a fundamental e a filosoacutefica
Resumidamente
Cristologia histoacuterica estuda os fatos da vida de Jesus em seu meio geograacutefico
cultural religioso e social
Cristologia fundamental indaga os signos (sinais) que acompanham a existecircncia de
Jesus e que nos permite reconhece-lo como revelaccedilatildeo de Deus
Cristologia filosoacutefica mostra que dimensotildees do ser do homem e da histoacuteria se
esclarecem agrave luz de Jesus enquanto universal concreto4
Cristologia dogmaacutetica pressupotildee a revelaccedilatildeo como accedilatildeo de Deus na histoacuteria de
Israel com seu aacutepice na pessoa de Cristo a feacute eacute o princiacutepio do conhecimento
Assim a accedilatildeo do teoacutelogo deve contar com a revelaccedilatildeo divina (Sagrada Escritura) com os
oacutergatildeos de transmissatildeo eclesial (liturgia sentido da feacute nos crentes tradiccedilatildeo conciliar autoridade
episcopal magisteacuterio) com os princiacutepios objetivos da existecircncia cristatilde (Espiacuterito Santo sucessores
dos apoacutestolos) e com os subjetivos (carismas comunitaacuterios e dons teologais) Oferecendo desta
forma inteligecircncia e razatildeo externa da proacutepria feacute5
1 Mc 829a 2 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 3 Neste contexto vale lembrar o que diz a Fides et ratio sobre a relaccedilatildeo entre a feacute e a razatildeo ldquoA razatildeo privada do contributo da Revelaccedilatildeo percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final A feacute privada da razatildeo pocircs em maior evidecircncia o sentimento e a experiecircncia correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal Eacute ilusoacuterio pensar que tendo pela frente uma razatildeo deacutebil a feacute goze de maior incidecircncia pelo contraacuterio cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou supersticcedilatildeo Da mesma maneira uma razatildeo que natildeo tenha pela frente uma feacute adulta natildeo eacute estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do serrdquo JOAtildeO PAULO II Carta enciacuteclica Fides et ratio Satildeo Paulo Paulus 2001 p68 4 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p XIX 5 Ibidem
2
ldquoCristologiardquo significa literalmente ldquodoutrina ou discurso acerca de (Jesus o) Cristo Christos corresponde agrave traduccedilatildeo para o grego do termo hebraico mashiah (o Ungido [de Deus]) Originalmente portanto Christus (forma latinizada) natildeo eacute um cognome da figura histoacuterica de Jesus de Nazareacute mas uma confissatildeo dela () O tiacutetulo ldquoCristordquo representa de modo vicaacuterio e sucinto todas as prediccedilotildees do portador da salvaccedilatildeo com as quais se tentou tanto no passado como no presente expressar quem eacute Jesus eacute e o que ele significa para noacutes6
Em suma a Cristologia eacute o tratado teoloacutegico que daacute conta e razatildeo agrave confissatildeo de feacute de Pedro
e de toda a Igreja ndash ldquoJesus eacute o Cristo o Filho de Deusrdquo 7ndash mediante a narraccedilatildeo dos fatos de sua vida
particular e da proposiccedilatildeo de sua verdade universal Jesus eacute entatildeo compreendido natildeo soacute como uma
origem histoacuterica de uma nova relaccedilatildeo com Deus Ele eacute o objeto a que se dirige a feacute do cristianismo
i O PONTO DE PARTIDA O ponto de partida e de referecircncia da cristologia eacute a histoacuteria pessoal de Cristo
Compreende-se aqui histoacuteria pessoal como o conjunto de mensagens accedilotildees e acolhimento da
vontade do Pai e de certo modo a decisatildeo dos homens por Ele A histoacuteria pessoal tem uma face
exterior e outra interior de modo que para se conhecer uma se faz necessaacuterio conhecer a outra e
vice e versa
Portanto a vida factual de Jesus torna-se sinal de sua consciecircncia Isto eacute os fatos histoacutericos
visiacuteveis nos colocam frente a uma realidade invisiacutevel eterna Pois assim como em todos os homens
a consciecircncia se revela a si mesma nas obras em Cristo o reconhecemos como Filho de Deus tambeacutem
por suas obras
Jesus Cristo portanto Verbo feito carne enviado ldquocomo homem aos homensrdquo ldquoprofere as palavras de Deusrdquo (Jo 334) e consuma a obra salviacutefica que o Pai lhe confiou (cfr Jo 536 174) Eis por que Ele ao qual quem vecirc vecirc tambeacutem o Pai (cfr Jo 149) pela plena presenccedila e manifestaccedilatildeo de Si mesmo por palavras e obras sinais e milagres e especialmente por Sua morte e gloriosa ressurreiccedilatildeo dentre os mortos enviado finalmente o Espiacuterito de verdade aperfeiccediloa e completa a revelaccedilatildeo e a confirma com o testemunho divino que Deus estaacute conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna8
Deste modo haacute duas formas de conhecimento de Cristo Uma que o vecirc pela hermenecircutica
histoacuterica que O vecirc como um judeu que estaacute na origem do cristianismo e outra teoloacutegica que o vecirc
a partir se sua revelaccedilatildeo sobrenatural acolhida pela feacute Na verdade esta eacute a forma de conhece-lo
definitivamente tanto na pessoa humana como divina Assim partindo da histoacuteria de Cristo a
cristologia tende a chegar na consciecircncia de Cristo
ii O OBJETO De modo sucinto e claro quase oacutebvio o objeto da cristologia eacute a pessoa de Cristo Poreacutem
eacute preciso evidenciar que natildeo se trata de uma visatildeo unilateral sobre a pessoa de Cristo Conhecer a
Cristo supotildee conhecer sua origem sua relaccedilatildeo com Deus e seu desiacutegnio de salvaccedilatildeo dos homens
6 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 7 Cf Mt 1616 Jo2031 1Jo 222 At 922 8 DV4
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
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43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
Introduccedilatildeo
ldquoE voacutes quem dizeis que eu sourdquo1 A partir desta indagaccedilatildeo de Jesus aos seus disciacutepulos frente a
qual Pedro faz sua profissatildeo de feacute e revela que Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila messiacircnica e o
Filho do Deus vivo2 iniciamos nosso estudo de Cristologia
No mundo hoje muitas satildeo as ldquoverdadesrdquo ditas sobre Jesus A quem o identifique como o
Libertador um revolucionaacuterio um espiacuterito elevado um profeta da mensagem de Deus dentre
tantas outras definiccedilotildees que podemos encontrar Em nosso estudo buscaremos encontrar
fundamentos soacutelidos para tentar responder o questionamento de Jesus sobre quem ele eacute
Toda especulaccedilatildeo teoloacutegica eacute auxiliada por distintas ciecircncias por exemplo a exegese a
histoacuteria a filosofia as ciecircncias sociais etc3 A partir de entatildeo esboccedila alguns saberes fundamentais
sobre Jesus sua existecircncia pessoa missatildeo interpretaccedilatildeo da Igreja ao longo dos seacuteculos presenccedila
atual na consciecircncia dos homens repercussatildeo na histoacuteria posterior e sua capacidade de engendrar
esperanccedila e salvaccedilatildeo Deste modo compreende-se que a Cristologia dogmaacutetica (ou sistemaacutetica)
que supotildee a feacute como Dom de Deus e luz para a inteligecircncia e potecircncia para a vontade eacute
acompanhada por de outras trecircs formas de cristologia a histoacuterica a fundamental e a filosoacutefica
Resumidamente
Cristologia histoacuterica estuda os fatos da vida de Jesus em seu meio geograacutefico
cultural religioso e social
Cristologia fundamental indaga os signos (sinais) que acompanham a existecircncia de
Jesus e que nos permite reconhece-lo como revelaccedilatildeo de Deus
Cristologia filosoacutefica mostra que dimensotildees do ser do homem e da histoacuteria se
esclarecem agrave luz de Jesus enquanto universal concreto4
Cristologia dogmaacutetica pressupotildee a revelaccedilatildeo como accedilatildeo de Deus na histoacuteria de
Israel com seu aacutepice na pessoa de Cristo a feacute eacute o princiacutepio do conhecimento
Assim a accedilatildeo do teoacutelogo deve contar com a revelaccedilatildeo divina (Sagrada Escritura) com os
oacutergatildeos de transmissatildeo eclesial (liturgia sentido da feacute nos crentes tradiccedilatildeo conciliar autoridade
episcopal magisteacuterio) com os princiacutepios objetivos da existecircncia cristatilde (Espiacuterito Santo sucessores
dos apoacutestolos) e com os subjetivos (carismas comunitaacuterios e dons teologais) Oferecendo desta
forma inteligecircncia e razatildeo externa da proacutepria feacute5
1 Mc 829a 2 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 3 Neste contexto vale lembrar o que diz a Fides et ratio sobre a relaccedilatildeo entre a feacute e a razatildeo ldquoA razatildeo privada do contributo da Revelaccedilatildeo percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final A feacute privada da razatildeo pocircs em maior evidecircncia o sentimento e a experiecircncia correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal Eacute ilusoacuterio pensar que tendo pela frente uma razatildeo deacutebil a feacute goze de maior incidecircncia pelo contraacuterio cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou supersticcedilatildeo Da mesma maneira uma razatildeo que natildeo tenha pela frente uma feacute adulta natildeo eacute estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do serrdquo JOAtildeO PAULO II Carta enciacuteclica Fides et ratio Satildeo Paulo Paulus 2001 p68 4 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p XIX 5 Ibidem
2
ldquoCristologiardquo significa literalmente ldquodoutrina ou discurso acerca de (Jesus o) Cristo Christos corresponde agrave traduccedilatildeo para o grego do termo hebraico mashiah (o Ungido [de Deus]) Originalmente portanto Christus (forma latinizada) natildeo eacute um cognome da figura histoacuterica de Jesus de Nazareacute mas uma confissatildeo dela () O tiacutetulo ldquoCristordquo representa de modo vicaacuterio e sucinto todas as prediccedilotildees do portador da salvaccedilatildeo com as quais se tentou tanto no passado como no presente expressar quem eacute Jesus eacute e o que ele significa para noacutes6
Em suma a Cristologia eacute o tratado teoloacutegico que daacute conta e razatildeo agrave confissatildeo de feacute de Pedro
e de toda a Igreja ndash ldquoJesus eacute o Cristo o Filho de Deusrdquo 7ndash mediante a narraccedilatildeo dos fatos de sua vida
particular e da proposiccedilatildeo de sua verdade universal Jesus eacute entatildeo compreendido natildeo soacute como uma
origem histoacuterica de uma nova relaccedilatildeo com Deus Ele eacute o objeto a que se dirige a feacute do cristianismo
i O PONTO DE PARTIDA O ponto de partida e de referecircncia da cristologia eacute a histoacuteria pessoal de Cristo
Compreende-se aqui histoacuteria pessoal como o conjunto de mensagens accedilotildees e acolhimento da
vontade do Pai e de certo modo a decisatildeo dos homens por Ele A histoacuteria pessoal tem uma face
exterior e outra interior de modo que para se conhecer uma se faz necessaacuterio conhecer a outra e
vice e versa
Portanto a vida factual de Jesus torna-se sinal de sua consciecircncia Isto eacute os fatos histoacutericos
visiacuteveis nos colocam frente a uma realidade invisiacutevel eterna Pois assim como em todos os homens
a consciecircncia se revela a si mesma nas obras em Cristo o reconhecemos como Filho de Deus tambeacutem
por suas obras
Jesus Cristo portanto Verbo feito carne enviado ldquocomo homem aos homensrdquo ldquoprofere as palavras de Deusrdquo (Jo 334) e consuma a obra salviacutefica que o Pai lhe confiou (cfr Jo 536 174) Eis por que Ele ao qual quem vecirc vecirc tambeacutem o Pai (cfr Jo 149) pela plena presenccedila e manifestaccedilatildeo de Si mesmo por palavras e obras sinais e milagres e especialmente por Sua morte e gloriosa ressurreiccedilatildeo dentre os mortos enviado finalmente o Espiacuterito de verdade aperfeiccediloa e completa a revelaccedilatildeo e a confirma com o testemunho divino que Deus estaacute conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna8
Deste modo haacute duas formas de conhecimento de Cristo Uma que o vecirc pela hermenecircutica
histoacuterica que O vecirc como um judeu que estaacute na origem do cristianismo e outra teoloacutegica que o vecirc
a partir se sua revelaccedilatildeo sobrenatural acolhida pela feacute Na verdade esta eacute a forma de conhece-lo
definitivamente tanto na pessoa humana como divina Assim partindo da histoacuteria de Cristo a
cristologia tende a chegar na consciecircncia de Cristo
ii O OBJETO De modo sucinto e claro quase oacutebvio o objeto da cristologia eacute a pessoa de Cristo Poreacutem
eacute preciso evidenciar que natildeo se trata de uma visatildeo unilateral sobre a pessoa de Cristo Conhecer a
Cristo supotildee conhecer sua origem sua relaccedilatildeo com Deus e seu desiacutegnio de salvaccedilatildeo dos homens
6 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 7 Cf Mt 1616 Jo2031 1Jo 222 At 922 8 DV4
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
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43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
2
ldquoCristologiardquo significa literalmente ldquodoutrina ou discurso acerca de (Jesus o) Cristo Christos corresponde agrave traduccedilatildeo para o grego do termo hebraico mashiah (o Ungido [de Deus]) Originalmente portanto Christus (forma latinizada) natildeo eacute um cognome da figura histoacuterica de Jesus de Nazareacute mas uma confissatildeo dela () O tiacutetulo ldquoCristordquo representa de modo vicaacuterio e sucinto todas as prediccedilotildees do portador da salvaccedilatildeo com as quais se tentou tanto no passado como no presente expressar quem eacute Jesus eacute e o que ele significa para noacutes6
Em suma a Cristologia eacute o tratado teoloacutegico que daacute conta e razatildeo agrave confissatildeo de feacute de Pedro
e de toda a Igreja ndash ldquoJesus eacute o Cristo o Filho de Deusrdquo 7ndash mediante a narraccedilatildeo dos fatos de sua vida
particular e da proposiccedilatildeo de sua verdade universal Jesus eacute entatildeo compreendido natildeo soacute como uma
origem histoacuterica de uma nova relaccedilatildeo com Deus Ele eacute o objeto a que se dirige a feacute do cristianismo
i O PONTO DE PARTIDA O ponto de partida e de referecircncia da cristologia eacute a histoacuteria pessoal de Cristo
Compreende-se aqui histoacuteria pessoal como o conjunto de mensagens accedilotildees e acolhimento da
vontade do Pai e de certo modo a decisatildeo dos homens por Ele A histoacuteria pessoal tem uma face
exterior e outra interior de modo que para se conhecer uma se faz necessaacuterio conhecer a outra e
vice e versa
Portanto a vida factual de Jesus torna-se sinal de sua consciecircncia Isto eacute os fatos histoacutericos
visiacuteveis nos colocam frente a uma realidade invisiacutevel eterna Pois assim como em todos os homens
a consciecircncia se revela a si mesma nas obras em Cristo o reconhecemos como Filho de Deus tambeacutem
por suas obras
Jesus Cristo portanto Verbo feito carne enviado ldquocomo homem aos homensrdquo ldquoprofere as palavras de Deusrdquo (Jo 334) e consuma a obra salviacutefica que o Pai lhe confiou (cfr Jo 536 174) Eis por que Ele ao qual quem vecirc vecirc tambeacutem o Pai (cfr Jo 149) pela plena presenccedila e manifestaccedilatildeo de Si mesmo por palavras e obras sinais e milagres e especialmente por Sua morte e gloriosa ressurreiccedilatildeo dentre os mortos enviado finalmente o Espiacuterito de verdade aperfeiccediloa e completa a revelaccedilatildeo e a confirma com o testemunho divino que Deus estaacute conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna8
Deste modo haacute duas formas de conhecimento de Cristo Uma que o vecirc pela hermenecircutica
histoacuterica que O vecirc como um judeu que estaacute na origem do cristianismo e outra teoloacutegica que o vecirc
a partir se sua revelaccedilatildeo sobrenatural acolhida pela feacute Na verdade esta eacute a forma de conhece-lo
definitivamente tanto na pessoa humana como divina Assim partindo da histoacuteria de Cristo a
cristologia tende a chegar na consciecircncia de Cristo
ii O OBJETO De modo sucinto e claro quase oacutebvio o objeto da cristologia eacute a pessoa de Cristo Poreacutem
eacute preciso evidenciar que natildeo se trata de uma visatildeo unilateral sobre a pessoa de Cristo Conhecer a
Cristo supotildee conhecer sua origem sua relaccedilatildeo com Deus e seu desiacutegnio de salvaccedilatildeo dos homens
6 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 7 Cf Mt 1616 Jo2031 1Jo 222 At 922 8 DV4
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
3
Como vimos a confissatildeo cristoloacutegica potildee Cristo em relaccedilatildeo com Deus como Filho eterno9
Insere em nossa compreensatildeo de Cristo a realidade trinitaacuteria a qual funda a possibilidade da criaccedilatildeo
e o sentido da encarnaccedilatildeo Em consequecircncia disto a cristologia haacute de considerar a relaccedilatildeo de Cristo
com Deus na Trindade (θεολογία) e sua accedilatildeo no tempo para a salvaccedilatildeo dos homens (οἰκονομία)
Deste modo a cristologia tem que ser exposta como conjugaccedilatildeo em Cristo do ser de Deus
(θεολογία) e do tempo do homem (οἰκονομία) pois se esquecida qualquer uma destas realidades
reduziria Cristo a uma mera fatalidade judaica ou a um mito universal10
A profissatildeo de feacute da Igreja em Jesus como o Cristo o Filho de Deus une intimamente a
pessoa e a missatildeo de Jesus Tradicionalmente estas duas realidades foram separadas subdividindo a
cristologia em duas partes A primeira eacute a Cristologia propriamente dita ou seja a que se refere agrave
pessoa de Cristo ndash Verbo divino encarnado agrave sua constituiccedilatildeo ou identidade ontoloacutegica sua
Encarnaccedilatildeo uniatildeo hipostaacutetica e propriedades A segunda eacute denominada Soteriologia que estuda a
sua obra de salvaccedilatildeo consumada no sacrifiacutecio da cruz Natildeo obstante natildeo se pode fazer uma
separaccedilatildeo entre estas duas partes pois Jesus em sua humanidade criada e concreta eacute a antecipaccedilatildeo
dos planos de Deus para a humanidade e iniacutecio da nova humanidade11 Assim pela Cristologia se
chega agrave Soteriologia mas tambeacutem pela Soteriologia se chega agrave Cristologia
Agrave luz disto conclui-se que o objeto da Cristologia eacute a pessoa de Cristo enquanto constituiacuteda
nestas trecircs realidades na relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito sua missatildeo salviacutefica para os homens e
sua situaccedilatildeo no mundo no tempo e lugar12
iii O LUGAR A especulaccedilatildeo teoloacutegica busca explicitar e explicar o que Deus revelou a cerca de si na
histoacuteria Ao compreendermos Jesus como plenitude de toda a revelaccedilatildeo compreendemos a
centralidade da cristologia na teologia
O conteuacutedo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvaccedilatildeo do homem se nos manifesta por meio dessa revelaccedilatildeo em Cristo que eacute ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelaccedilatildeo13
Jaacute definimos a Cristologia como a parte da teologia que tem como objeto Jesus enquanto
verbo encarnado e enquanto sua missatildeo redentora Em consequecircncia podemos afirmar que a
Cristologia eacute o tema central e o ponto crucial da teologia cristatilde sendo entatildeo uma chave para todos
os outros temas da teologia14 Isto eacute no iniacutecio e no centro da eacute cristatilde natildeo se encontra um livro ou
uma ideia abstrata mas sim uma pessoa viva De fato desde a era mais remota do cristianismo se
professa Jesus como Senhor que venceu a morte ressuscitou e se faz presente por seu Espiacuterito15
Toda a especulaccedilatildeo teoloacutegica entatildeo se faz agrave luz do dado revelado o Verbo que se fez carne Ele
9 Cf Mt 1616 Mc 829 Lc 920 10 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 7 11 Cf 1Cor 1545-49 12 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 8 13 DV 2 14 KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012 p219 15 Cf Rm 109 Fl 211
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
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natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
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contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
4
falou as palavras de Deus16 mostrou-nos a face de Deus17 Assim sendo Cristo se torna a chave
hermenecircutica para a Teologia
iv AS DIFICULDADES ATUAIS O anuacutencio da Boa Nova de Jesus encontrou dificuldades desde a era apostoacutelica Eacute comum
por exemplo encontrar nos textos do Novo Testamento o combate agraves doutrinas que deturpavam o
anuacutencio e a compreensatildeo de Jesus18 A comunidade cristatilde preocupada em salvaguardar o depoacutesito
da feacute recebido da pregaccedilatildeo e vida de Jesus reuniu em seus escritos o que Jesus fez e falou Deste
modo foi se estruturando a tradiccedilatildeo cristatilde
Poreacutem na modernidade com o desenvolvimento do meacutetodo histoacuterico criacutetico estes textos
passaram a ser contestados em seu valor histoacuterico O pensamento que surge a partir de entatildeo teraacute
como consequecircncia a separaccedilatildeo do Jesus-histoacuterico e do Cristo-da-feacute
Podemos destacar algumas vertentes dessas dificuldades A primeira eacute relativa agrave dificuldade
que a razatildeo encontra para saltar dos fatos agrave verdade de feacute ldquoAs verdades histoacutericas como contingentes que
satildeo natildeo podem servir de prova agraves verdades da razatildeo como necessaacuterias que satildeordquo19 Transpor esta dificuldade
estaacute na capacidade de observar no homem a abertura agrave transcendecircncia e agrave histoacuteria simultaneamente
Logo a revelaccedilatildeo de Deus natildeo eacute concluiacuteda diretamente da histoacuteria mas pelos sinais que Deus
mesmo oferece ao homem dentro da histoacuteria
Um segundo niacutevel dessas dificuldades estaacute relacionado agraves definiccedilotildees cristoloacutegicas dos
primeiros conciacutelios com os testemunhos primitivos da feacute que anuncia a salvaccedilatildeo como
acontecimento e descrevem a Cristo em sua funccedilatildeo soterioloacutegica sem que fazer afirmaccedilotildees sobre
seu ser sobre o do homem e o de Deus Exige-se o transpasso de categorias de uma cultura de
memoacuteria relato e paraacutebola a outra cultura da fiacutesica e da metafiacutesica Tarefa esta que a Igreja tem se
dedicado e mostrado a continuidade entre ambos os tipos de categorias
O terceiro problema eacute a constituiccedilatildeo pessoal e comunitaacuteria da feacute em detrimento da
constituiccedilatildeo sacramental e institucional da Igreja Isto eacute o discurso sobre Jesus tende ao
subjetivismo no qual se pensa a mensagem e a pessoa de Jesus a mercecirc do homem Nesta linha de
pensamento podemos perceber que a cristologia eacute construiacuteda no privileacutegio de alguns autores ou
textos em vez de outros como tambeacutem de alguns conciacutelios frente a outros absolutizaccedilatildeo de um
tiacutetulo e o rechaccedilamento de outros Esta postura inverte os valores e torna o homem Senhor o
soberano de Deus e Cristo e estes como seus servos A Igreja eacute o lugar proacuteprio da cristologia eacute
uma comunidade aberta nascida da vocaccedilatildeo divina e da liberdade humana Rebater esta dificuldade
significa compreender e conjugar a lugar necessaacuterio e os limites do indiviacuteduo na Igreja com a
autoridade dos sucessores dos apoacutestolos
A consequecircncia desta uacuteltima dificuldade satildeo as relaccedilotildees entre a unidade de feacute em Cristo e o
pluralismo de cristologias ou a forma de expor o fundamento e o conteuacutedo da feacute nele comeccedilando
pelo Novo Testamento e seguindo na Histoacuteria da Igreja Dentro deste problema aparece a questatildeo
da unidade e diversidade em Deus de sua manifestaccedilatildeo multiacuteplice no mundo e de sua autorrevelaccedilatildeo
16 Cf Jo 334 17 Cf Jo 1410 18 Cf 1 Tm 63 Gl 16s 2Pe 21-3 1Jo41-3 2Ts 29-12 19 LESSING apud CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 p 27
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
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-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
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na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
5
em Cristo ou qual a relaccedilatildeo deste com as religiotildees do mundo
Trecircs tem sido as respostas20
Exclusivismo Barth Kraemer e o protestantismo radical ndash salvaccedilatildeo soacute haacute em Cristo
Inclusivismo Lubac Rahner e a maioria dos teoacutelogos catoacutelicos ndash haacute salvaccedilatildeo para
todo homem que vive na verdade e ama a justiccedila mas a salvaccedilatildeo soacute encontra sua
plenitude em Cristo
Pluralismo salviacutefico Hick Knitter e a chamada teoria pluralista das religiotildees ndash cada
religiatildeo eacute salviacutefica no seu lugar e no seu tempo Jesus eacute uma expressatildeo de um Cristo
universal que tem muitos nomes21
v JESUS HISTOacuteRICO E O CRISTO DA FEacute O estudo da cristologia pode ser orientado por diversos modos o que chamaremos de
meacutetodos Se pode comeccedilar a falar de Cristo a partir dos dias de Joatildeo Batista ateacute o dia em que ele foi
elevado aos ceacuteus22 e chegar ao significado de Cristo para a Igreja e para a humanidade de hoje Mas
tambeacutem pode seguir o caminho inverso partindo do encontro pessoal que a feacute torna possiacutevel hoje
e regressar agrave histoacuteria de Cristo na busca de sua origem e fundamento Este duplo cominho jaacute pode
ser percebido na teologia do Novo Testamento uma ascendente e outra descendente
Ascendente parte do Jesus humano para a partir das suas atividades humanas
revelar a sua Pessoa divina Eacute comum nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos
Apoacutestolos nos Sinoacuteticos e em outras passagens neotestamentaacuterias em que Ele vem
apresentado como profeta servo obediente de Yahweh servo que se submeteu agrave
morte e foi manifestado como Senhor ressuscitado por Deus
Risco ater-se somente a estes textos infere no erro hermenecircutico o qual reduz
Jesus a um simples homem que foi agraciado e adotado por Deus um ser divinizado
por uma accedilatildeo de Deus que transmutou seu ser de homem
Descendente parte da divindade de Jesus que o vecirc como Logos encarnado plantando
sua tenda no meio de noacutes23 Eacute tiacutepica em Joatildeo e nas uacuteltimas cartas do Corpus
Paulinum Jesus eacute sempre comparado agrave Sabedoria dos textos Sapiecircncias do Antigo
Testamento
Risco da mesma forma como a teologia ascendente o acento uacutenico neste meacutetodo
gera o erro do monofisismo ou docetismo Isto eacute Cristo seria um ser eterno que
sem deixar sua natureza divina assumiria uma natureza humana como um
invoacutelucro sem consistecircncia proacutepria
Deste modo acentuamos que o estudo da Cristologia mesmo que partindo de um meacutetodo
especiacutefico natildeo se pode deixar de considerar o outro O estudo cristoloacutegico deve ser feito a partir
20 CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 pp 29-30 21 Estas respostas parecem relacionar-se diretamente agrave questatildeo da salvaccedilatildeo dos que natildeo pertencem visivelmente agrave Igreja Natildeo eacute um assunto do qual se trate diretamente este curso poreacutem a niacutevel de compreensatildeo recomenda-se a leitura dos documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes (Cf LG 16 GS 22) 22 Cf At122 23 Cf Jo 11-14
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
6
da conexatildeo dessas duas perspectivas
Outro fator que implica na forma de fazer cristologia eacute a influecircncia do pensamento cientiacutefico
posterior ao Renascimento Mesmo que a ciecircncia teoloacutegica pertenccedila a uma esfera de especulaccedilatildeo
distinta da ciecircncia empiacuterica esta influenciou a Teologia com seu modo de pensar moderno e
contemporacircneo Em consequecircncia disto o dado revelado deveria se sujeitar ao crivo da
compreensatildeo da inteligecircncia humana O referencial teocecircntrico cedeu lugar desta forma ao
antropocentrismo Por outro lado a Teologia sofreu tambeacutem o influxo do subjetivismo de kantiano
Deste modo Cristo eacute o protoacutetipo eacutetico da norma moral que a priori o ser humano conhece em sua
mente como lei de razatildeo universal Desse modo o Jesus da histoacuteria eacute reduzido a um modelo moral
Assim tanto a Pessoa quanto a obra de Cristo passam a ser consideradas sob uma oacutetica
prevalentemente histoacuterica empiacuterica segundo o criteacuterio do cientificamente palpaacutevel
A partir de entatildeo na pesquisa biacuteblica foram inseridas duacutevidas sobre a veracidade histoacuterica
dos evangelhos Destaca entatildeo a divergecircncia entre o que chamavam de ldquoo Jesus preacute-pascalrdquo e ldquoo
Cristo poacutes-pascalrdquo Esta duacutevida consiste resumidamente na acusaccedilatildeo de ter a comunidade cristatilde
primitiva do seacuteculo I construiacutedo uma caricatura do verdadeiro Jesus em prol de um Cristo que
suscitasse a feacute nas pessoas por meio da pregaccedilatildeo
vi TREcircS FASES CRISTOLOacuteGICAS24
Racionalismo
Jesus eacute considerado apenas como um homem formativo ou um visionaacuterio fracassado mas
natildeo como o Filho de Deus Afirma ser impossiacutevel chegar a verdadeira figura histoacuterica de Jesus de
Nazareacute a partir da pesquisa sobre a vida de Jesus
Principais representantes Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) H E Gottlob Paulus
(1761-1851) D F Strauss (1808-1874) f C Baur (1792-1860)
Fideiacutesmo
O desenvolvimento do Meacutetodo da Histoacuteria das Formas apontava a negaccedilatildeo dos evangelhos
como relatos biograacuteficos de Jesus ou narraccedilotildees sobre Ele Os evangelhos satildeo considerados apenas
um conjunto de peccedilas individuais de finalidade sobretudo catequeacutetica e de confissatildeo da feacute Este
dado corrobora tanto para a tese dos racionalistas como a dos fedeiacutestas Poreacutem diferente dos
racionalistas os Fideiacutestas acreditavam interessar somente a feacute no Cristo poacutes-pascal uacutenica
possibilidade de acesso ao Cristo dos Evangelhos Desta forma natildeo interessava o acesso ao Jesus-
histoacuterico mas a mensagem contida no relato do Cristo-da-feacute
Principais representantes Martin Kaumlhler e Rudolf Bultmann
Fase poacutes- bultmanniana
Esta fase caracteriza-se pela busca de equiliacutebrio e pela volta ao Jesus-histoacuterico O meacutetodo
que eacute usado nesta fase eacute o Meacutetodo da Histoacuteria da Redaccedilatildeo Detendo-se ao texto final demonstra que
os evangelistas ainda que tenham recebido colecionado e compilado as unidades literaacuterias satildeo na
verdade testemunhas dos fatos narrados e verdadeiros autores literaacuterios dos Evangelhos A volta do
24 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
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(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
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mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
7
Jesus histoacuterico fundamenta-se na dependecircncia que demostra ter o Cristo do keacuterygma no Jesus
histoacuterico
Os estudiosos dessa fase afirmam que os Evangelhos natildeo falsificaram as palavras e atos de
Jesus Eles na verdade possuem um caraacuteter de testemunho do Jesus histoacuterico eles explicitam uma
feacute germinal dos disciacutepulos ainda antes da glorificaccedilatildeo na Paacutescoa Consideram tambeacutem o caraacuteter da
inspiraccedilatildeo biacuteblica
Por fim firmam alguns criteacuterios de historicidade dos Evangelhos25
Muacuteltipla atestaccedilatildeo os dados satildeo atestados em vaacuterios textos do Novo Testamento
Descontinuidade nos relatos pode-se perceber que alguns dos fatos narrados natildeo se
enquadram nas concepccedilotildees judaicas de seu tempo nem com as concepccedilotildees de um
Cristo glorioso ou as da Igreja primitiva
Conformidade o Jesus dos Evangelhos eacute uma personagem que se adequa aos usos
costumes liacutengua de um palestinense
O estilo de Jesus Jesus nos relatos dos Evangelhos possui uma especificidade que lhe
eacute proacutepria
Coerecircncia dos relatos a base comum de relatos mostra enfoques diversos e riquezas
de detalhes de um mesmo acontecimento
Principais representantes Joachim Jeremias E Kaumlsemann O Culmann e ainda os
exegetas catoacutelicos em geral
25 A Constituiccedilatildeo Dogmaacutetica Dei Verbum do Conciacutelio Vaticano II reproduzindo os elementos essenciais da Instruccedilatildeo da Comissatildeo Biacuteblica sobre a verdade histoacuterica dos Evangelhos de 21041964 bem como atenta aos resultados das pesquisas modernas acerca da historicidade dos Evangelhos e do Jesus histoacuterico assim se pronunciou em siacutentese nos seus nuacutemeros 11 12 e 19
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
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nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
8
-1-
Cristologia do Novo Testamento
11 Sinoacuteticos e Atos
Quando tratamos dos meacutetodos da Cristologia ndash ascendente e descendente ndash dissemos que a
Cristologia ascendente eacute comum nos sinoacuteticos e nos primeiros capiacutetulos dos Atos dos Apoacutestolos
Deste modo veremos que estes relatos partem das accedilotildees terrenas de Jesus para chegarem ao Cristo
glorioso Apresentam uma cristologia bastante primitiva com um material querigmaacutetico antigo
com centralidade na Paixatildeo-Morte-Ressurreiccedilatildeo de Jesus muitos hebraiacutesmos26 e biblicismos27
Assim o Ato dos Apoacutestolos em um primeiro momento ressalta a humanidade de Jesus
Partindo de sua humanidade a compreensatildeo sobre Jesus se alarga para sua messianidade Contudo
apesar de jaacute apontar para uma messianidade a cristologia dos Atos dos Apoacutestolos natildeo apresenta uma
confissatildeo da divindade de Jesus
Evidenciaremos a seguir alguns textos que demonstrem essas duas caracteriacutesticas
Humanidade
a) discurso de Pedro no dia de Pentecostes At 222-23
b) discurso de Pedro a Corneacutelio e a seus companheiros At 1038
c) semelhanccedila com Moiseacutes At 322 e At720s
Messianidade
a) Jesus eacute chamado de Cristo - At 236 318 542 922
e) Jesus eacute chamado de ldquoo Justordquo - At 314
f) Jesus eacute Chamado de ldquopedra angularrdquo - At 411
A compreensatildeo messiacircnica do momento ainda estava muito ligada a um rei que viesse e
restaurasse o reino de Israel e expulsasse os inimigos Aparentemente morte de Jesus na cruz teria
desfeito essa esperanccedila e Jesus natildeo seria o Messias enviado Poreacutem o texto dos Atos testemunha o
contraacuterio Jesus eacute entatildeo identificado natildeo soacute como messias mas como Filho de Deus Natildeo haacute uma
distinccedilatildeo entre os tiacutetulos ldquoFilho de Deusrdquo e ldquoMessiasrdquo Isto eacute a concepccedilatildeo de um Messias-rei se
associa a noccedilatildeo mais espiritual e gloriosa daquele que se assenta agrave direita de Deus Mesmo que ele
tenha sofrido a humilhaccedilatildeo da morte de Cruz foi ressuscitado por Deus Pai a ele foi concedido
poder e gloacuteria28
Outro tiacutetulo dado a Jesus eacute o de ldquoServo de YHWHrdquo29 Jesus eacute apresentado como o
cumprimento das promessas neotestamentaacuterias30 O Servo Tal Servo eacute todavia o ungido de Deus31
26 Modos de falar tiacutepicos da liacutengua hebraica tais como Deus o ressuscitou ao terceiro dia ao inveacutes de ldquoEle ressuscitourdquo (At 1040) 27 Jesus eacute apresentado como o cumprimento das promessas feita no Antigo Testamento 28 Esta caracteriacutestica eacute afirmada pela cristofania no relato da ascensatildeo do Senhor (At 19-11) 29 At 826-40 30 Is 5213 ndash 5312 31 At 427
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
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a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
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procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
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semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
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na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
9
pelo qual Deus abenccediloa realiza curas sinais e prodiacutegios32
Tambeacutem eacute chamado Senhor (κύριος) este nome eacute usado pelos judeus para referir-se a
YHWH revelando assim um forte aspecto religioso Isto aproxima Jesus de Deus de modo a
conferir ao nome de Jesus os mesmos meacuteritos do nome de YHWH quem o invocar seraacute salvo33
Outros tiacutetulos satildeo atribuiacutedos a Jesus relevando essa proximidade com Deus ldquoPriacutencipe da vida34rdquo
Priacutencipe e Salvador35
Em suma o cume da revelaccedilatildeo de Jesus estaacute em sua Paacutescoa isto eacute o homem Jesus e suas
accedilotildees passam a ser reconhecidos como divinas a partir de sua ressurreiccedilatildeo
12 Paulo
Ainda no contexto da cristologia ascendente Paulo retoma vaacuterios tiacutetulos de Jesus jaacute
existentes na tradiccedilatildeo primitiva tais como Profeta Filho de Davi36 Filho do Homem Rei etc
Acrescenta tambeacutem outros tiacutetulos tais como Imagem de Deus (Cl 115) Bem-Amado (Ef 16)
Sabedoria de Deus (1 Cor 124) Segundo Adatildeo (1 Cor 1545) o tiacutetulo κύριος jaacute presente no Atos
dos Apoacutestolos e na comunidade cristatilde palestinense antiga parece ser o preferido por Paulo
geralmente associado agrave invocaccedilatildeo Maran atha37 Eacute comum encontrar nos textos paulinos conceitos
da tradiccedilatildeo primitiva ndash morte expiatoacuteria38 o tiacutetulo Filho de Deus tanto no sentido messiacircnico
como no sentido proacuteprio39 A inserccedilatildeo da Tradiccedilatildeo primitiva pode ser percebida nos textos que se
referem ao culto (confissotildees de feacute e accedilotildees de graccedilas) como tambeacutem nos hinos Neste sentido
podemos citar os textos de Rm 109 confissatildeo de feacute em Jesus como Senhor e possuidor da salvaccedilatildeo
1 Cor 1125 a instituiccedilatildeo da Eucaristia em o hino lituacutergico de Fl 26-11 entre outros Ainda em
passagens que relacionam Cristo com a criaccedilatildeo (1 Cor 86 Cl 115)
Dois temas que parecem central na cristologia paulina eacute o anuacutencio do juiacutezo de Cristo e a
exaltaccedilatildeo de seu reinado Estes temas de primeiro momento parecem muito proacuteximos com uma
variaccedilatildeo sem grande importacircncia No entanto revela na pregaccedilatildeo paulina dois traccedilos de tradiccedilatildeo
uma primitiva e uma posterior
Haacute pois uma tradiccedilatildeo cristatilde na maneira de apresentar Cristo Jesus como o juiz ou o salvador dos uacuteltimos dias (At 320 e cf 1 Ts 110) designado e jaacute entronizado por sua ressurreiccedilatildeo e que deve descer do ceacuteu para o julgamento Nesta tradiccedilatildeo a ressurreiccedilatildeo estaacute relacionada com o juiacutezo ela foi da parte de Deus a designaccedilatildeo do juiz escatoloacutegico40
As confissotildees de feacute posteriores endossaram a expressatildeo ldquoCristo estaacute assentado agrave direita de Deusrdquo que paralelamente agrave foacutermula ldquoJesus eacute Senhorrdquo reconhece o reinado atual de Cristo Eacute sem duacutevida muito antiga contudo seus traccedilos no Livro dos Atos satildeo relativamente
32 At 31326 430 33 At 221 34 At 315 35 At 531 36 Cf 2 Sm 7 37 O Senhor vem (1 Cor 1622) 38 1 Cor 153 Rm 61-4 39 Rm 13s 40 Cerfaux Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003 p25
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
10
apagados (At 234 755 visatildeo de Estecircvatildeo) Paulo emprega-a vaacuterias vezes Rm 834 Cl 31 Ef 12041
No discurso paulino natildeo se pode colher evidentemente caracteriacutesticas do Jesus-histoacuterico
mas sim do Jesus Mestre protoacutetipo dos filhos de Deus regra de soluccedilatildeo para a vida da Igreja e seus
problemas No entanto podemos assim mesmo colher os seguintes elementos da relaccedilatildeo de Paulo
com o Jesus da histoacuteria
Jesus eacute identificado como o crucificado como Jesus de Nazareacute42
Refere-se agrave condiccedilatildeo humana de Cristo agrave mansidatildeo e bondade de Jesus ao
ensinamento de Jesus a respeito do amor aos inimigos e ao divoacutercio43
Sobre o tiacutetulo de Cristo Paulo tende a usaacute-lo unido ao nome de Jesus O sentido deste
termo diferencia-se ao que eacute comum no meio judaico Paulo trata Jesus como o Messias em senso
teoloacutegico Por exemplo Rm 95 ndash Cristo eacute Deus bendito pelos seacuteculos 2 Cor 510 ndash Cristo eacute Juiz
Ef 523 ndash o Cristo eacute o Cabeccedila da Igreja
O tiacutetulo de κύριος eacute frequente no Antigo Testamento significando o rei representante de
Deus na Terra Aplicado a Cristo e associado aos demais tiacutetulos adquire uma amplitude muito
maior profundamente religioso44 Este tiacutetulo eacute associado tambeacutem a YHWH45 Aleacutem disso equivale
agrave afirmaccedilatildeo da divindade de Jesus alguns atributos proacuteprios de YHWH satildeo transferidos para Jesus
como por exemplo Senhor da Gloacuteria A LXX traduziu YHWH por κύριος
Outros tiacutetulos que Paulo usa relativos agrave Jesus satildeo ldquoFilho de Deusrdquo em sentido proacuteprio por
vezes como sinocircnimo de Messias46 ldquoImagem do Deus Invisiacutevelrdquo ldquoPrimogecircnito de toda criaturardquo47
Jesus eacute Senhor da criaccedilatildeo48
13 Joatildeo
O evangelho de Satildeo Joatildeo apresenta uma cristologia mais desenvolvida49 Jesus eacute identificado
fundamentalmente como o Revelador de Deus no Mundo como podemos identificar no iniacutecio do
livro do Apocalipse50 Eacute um profeta por excelecircncia51 eacute aquele do qual Moiseacutes havia escrito na lei52
nos laacutebios de Jesus satildeo postas as palavras que se referiam a Moiseacutes53 Ele eacute o Moiseacutes da Nova
Alianccedila54 Ele natildeo fala por si mas transmite aos homens as palavras que Deus lhe deu55 ele resume
a antiga Lei na Lei do amor
41 Ibidem p27 42 Cf Rm 13-4 2 Cor 123-24 43 Cf 2 Cor 89 Fl 27 2 Cor 101 Rm 1219-20 1 Cor 710-11 44 Cf Rm 149 2 Cor 45 1 Cor 85s 123 45 Cf Rm 109-13 em paralelo com Jl 35 1 Cor 216 46 Cf Rm 83 Gl 44 1 Cor 1547 2 Cor 89 Fl 26-11 47 Cf Cl 115 48 Cf Rm 1136 1 Cor 86 Cl 115-17 Hb 11s 49 BIacuteBLIA DE JERUZALEacuteM p1834 (nota introdutoacuteria aos textos joaninos) 50 Ap 11a 51 Jo 614 74052 52 Jo 145 546 cf Dt 181518 53 Jo 1248-50 828-29 716b-17 54 Jo 117 924-34 55 Jo 716-18 141024 178 334
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
11
ldquoDou-vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros Como eu vos amei amai-vos tambeacutem uns aos outrosrdquo56
A Cristologia joanina eacute marca de uma cristologia descendente parte da divindade de Jesus
no sentido de acentuar a preexistecircncia do Verbo (o Logos) divino no seio da Trindade a sua
Encarnaccedilatildeo ao assumir a natureza humana o seu retorno ao Pai com a sua Ressurreiccedilatildeo depois de
viver como homem Isto eacute trata a cristologia a partir do keacuterygma do que foi dito sobre o Senhor57
O Logos mais precisamente o Filho preexistente de Deus que vive em unidade com o Pai e eacute o mediador da criaccedilatildeo assume a carne (114) Ele tem um nome Jesus de Nazareacute e uma histoacuteria a que vai ser contada no evangelho58
O proacutelogo do Evangelho eacute a chave hermenecircutica para o relato da vida terrestre de Jesus
Nele Satildeo Joatildeo anuncia a vinda de Deus entre os seus isto eacute todos os seres humanos
1 No princiacutepio era o Verbo e o Verbo estava
junto de Deus e o Verbo era Deus
2 Ele estava no princiacutepio junto de Deus
3 Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito
4 Nele havia a vida e a vida era a luz dos homens
5 A luz resplandece nas trevas e as trevas natildeo a
compreenderam 59
ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν
θεόν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος
οὖτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν
πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ χωρὶς αὐτοῦ
ἐγένετο οὐδὲ ἕν ὃ γέγονεν
ἐν αὐτῶ ζωὴ ἦν καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν
ἀνθρώπων
καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ ἡ σκοτία
αὐτὸ οὐ κατέλαβεν
Eacute a partir desta concepccedilatildeo que Satildeo Joatildeo desenvolve sua teologia na qual concebe um Deus
que se faz proacuteximo agrave sua criaccedilatildeo por amor Assim toda a histoacuteria de Jesus deve ser lida na
perspectiva dessa afirmaccedilatildeo
Se o proacutelogo apresenta uma cristologia da encarnaccedilatildeo o corpo do evangelho desenvolve
uma cristologia do enviado Que pode ser compreendida como desenvolvimento e explicaccedilatildeo da
primeira Neste sentido na qualidade de enviado do Pai Cristo o representa no mundo natildeo di
palavras suas mas a do Pai60 natildeo efetua as suas obras mas as do Pai61 natildeo faz a sua vontade mas a
do Pai62 Seguindo a Loacutegica joanina Cristo eacute verdadeiro Deus na medida que eacute seu enviado ao
mesmo tempo que eacute um com ele e diferente dele63
Destaquemos entatildeo trecircs momentos do envio
1 A preexistecircncia e a encarnaccedilatildeo 2 Cumprimento da missatildeo a missatildeo eacute antes de tudo cumprida na realizaccedilatildeo dos milagres
56 Jo 1334s 57 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila 58 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 462 59 Jo 1 60 Jo 334 1410 17814 61 Jo 434 51719ss3036 828 1410 172434 62 Jo434530638102537 63 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 463
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
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a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
12
estes satildeo sinais (σημεῖα) e de revelador por sua pregaccedilatildeo
3 O retorno o retorno se daacute na cruz lugar da elevaccedilatildeo e da glorificaccedilatildeo64 A intenccedilatildeo cristoloacutegica de Joatildeo eacute vinculada a soteriologia A confissatildeo do enviado do Pai na
pessoa do homem Jesus daacute acesso agrave vida eterna65
Cristo natildeo eacute uma pessoa diferente do homem Jesus (1Jo222 5115) e precisamente por isso sua morte se reveste de uma significaccedilatildeo decisiva Ele eacute o lugar onde se manifesta a salvaccedilatildeo A apariccedilatildeo de formulas expiatoacuterias sublinha esse aspecto (1Jo 17 22 410 56)66
64 Jo 1232 65 Cf Jo30-31 66 ZUMSTEIN Jean O evangelho segundo Joatildeo In MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2012 p 484
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
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na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
13
-2-
Cristologia dos seacuteculos II ndash IV67
Na cristologia do Novo Testamento encontramos categorias que orientam a cristologia
posterior Os relatos do Novo Testamento nos apresentam a humanidade de Jesus sua
messianidade sua filiaccedilatildeo divina seu senhorio sua funccedilatildeo criadora na origem do mundo a
preexistecircncia em Deus a parusia para julgar o mundo e a funccedilatildeo recapituladora da obra salviacutefica
A compreensatildeo da natureza de Deus (Trindade) e da pessoa de Cristo (encarnaccedilatildeo) se fazem
unidas Ambas satildeo objeto da reflexatildeo teoloacutegica durante os primeiros seacuteculos encontrando sua
resposta definitiva no Conciacutelio de Niceacuteia que define a verdadeira divindade de Cristo e no conciacutelio
de Constantinopla que define a igualdade do Espiacuterito Santo com o Pai e o Filho
A histoacuteria da salvaccedilatildeo foi compreendida como desiacutegnio do Pai realizado em um momento
do tempo pelo Filho universalizado e interiorizado para cada homem pelo Espiacuterito Daiacute surgem
dois problemas chave Qual eacute a relaccedilatildeo de Jesus confessado verbo e Filho com Deus tal como era
compreendido pelo monoteiacutesmo Qual a relaccedilatildeo do Verbo eterno com a carne
21 As primeiras respostas Adocionismo modalismo subordinacionismo
A Igreja herdou do judaiacutesmo uma feacute monoteiacutesta A confissatildeo de feacute nas trecircs pessoas nunca
caracterizou um triteiacutesmo mas uma compreensatildeo monoteiacutesta de Deus que se realiza sua divindade
em comunicaccedilatildeo e autodoaccedilatildeo como Pai Filho e Espiacuterito Santo Surge a seguinte questatildeo Qual o
sentido e conteuacutedo dessa divindade de Cristo eacute uma divindade metafoacuterica ou em sentido proacuteprio
Em resposta a esta questatildeo surgiram quatro soluccedilotildees adocionismo modalismo subordinacionismo
211 Adocionismo
O adocionismo estaacute unido aos nomes de Teoacutedoto o Curtidor (excomungado a 190 em
Roma) e de Paulo de Samosata no Oriente (260 a 268 bispo de Antioquia) Para eles Jesus natildeo eacute
Deus por natureza mas um homem sobre o qual desceu o Espiacuterito Santo ou o Verbo e que Deus
aceitouadotou como Filho Destaca-se sua personalidade e modelo moral que o valeram de Deus
poder para fazer milagres e cuja virtude e sofrimento Deus premiou com a elevaccedilatildeo e dignidade
divina
212 Modalismo
Se situa no polo oposto Doutrina pregada por Praacutexeas Noeto e Sabelio Frente a dualidade
que supotildee o adocionismo destacam a unidade divina como princiacutepio supremo (μοναρχία) e frente
agrave reduccedilatildeo a exemplaridade moral ou heroiacutesmo com o que outros explicam a transcendecircncia e a
novidade de Cristo eles afirmam sua divindade Soacute haacute um princiacutepio divino e os nomes de Pai Filho
e Espiacuterito designam bem os aspectos (modos) sob os quais a realidade divina se manifestam a noacutes ou
os papeis que assumiram ao longo da histoacuteria Por isso dado que Deus se encarnou no seio de Maria
padeceu e morreu por noacutes se pode dizer que sendo Pai sofreu pelos homens A isto chamamos de
67 A partir desde capiacutetulo no qual nos ateremos a cristologia dogmaacutetica usaremos como texto base CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001 em forma de resumo
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
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(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
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infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
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dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
14
patripacionismo Foi designada como heresia desvelando como a proposta modalista na realidade
negava a verdadeira realidade e diferenccedila entre pai Filho e Espiacuterito Assim pode-se dizer tambeacutem
que a accedilatildeo uacutenica de Deus se deu em trecircs aspectos temporais e transitoacuterios Pai ndash criaccedilatildeo Filho ndash
encarnaccedilatildeo e redenccedilatildeo Espiacuterito ndash santificaccedilatildeo Trecircs nomes para um uacutenico e mesmo sujeito divino
213 Subordinacionismo
Eacute proacuteximo tanto ao adocionismo quanto ao modalismo mas seu ponto de partida e interesse
satildeo distintos Essa teoria nasce em conexatildeo com as afirmaccedilotildees gregas de um demiurgo que serve
como realidade intermediaacuteria entre o Deus absoluto e o mundo material Sua funccedilatildeo eacute portanto
mediadora entre Deus e o mundo salvar a transcendecircncia de Deus em relaccedilatildeo com o cosmo e com
a histoacuteria Entre o adocionismo e o modalismo os defensores desta interpretaccedilatildeo compreendem o
Verbo como a primeira criaccedilatildeo de Deus o agente do Pai em uma criaccedilatildeo que pode ser pensada
como eterna e portanto nesse sentido o verbo seria eterno mas em todo caso diferente de Deus
em sua natureza e infinitamente superior agraves criaturas Eacute considerado como um Deus de segunda
ordem um segundo Deus intermediaacuterio entre a realidade criadora e a criada
214 Resposta catoacutelica Conciacutelio de Niceacuteia
Foi o Conciacutelio de Niceacuteia que situa o verbo ao lado de Deus compreendendo sua origem
como geraccedilatildeo eterna e natildeo criaccedilatildeo temporal e sua natureza igual agrave do Pai diferenciada somente
por provir dele e estar voltado a ele como um Filho procede sem semelhanccedila vive em relaccedilatildeo e
existe sempre desde o Pai A consubstancialidade do Filho definida em Niceacuteia e a do Espiacuterito
definida em Constantinopla de maneira equivalente satildeo o ponto final da compreensatildeo trinitaacuteria de
Deus preparada pelos grandes teoacutelogos capadoacutecios (Satildeo Basiacutelio Satildeo Gregoacuterio de Nazianzo Satildeo
Gregoacuterio de Nissa) que elaboraram a teoria da unidade de essecircncia ou natureza e da trindade de
pessoas
215 Satildeo Justino O Logos em pessoa e os logos dos homens
Satildeo Justino o filoacutesofo maacutertir e o expoente mais qualificado dos padres apologistas oferece
uma nova perspectiva cristoloacutegica Defende que a filosofia encontra sua consumaccedilatildeo na revelaccedilatildeo
de Cristo Por isso nunca abandonou o manto filosoacutefico e viveu sua conversatildeo ao cristianismo como
a radical maneira de acender agrave verdade que sempre havia buscado O ponto de comunicaccedilatildeo entre
a filosofia e o cristianismo se constroacutei mediante o conceito de Logos Cristo eacute o Logos
transcendente cuja comunicaccedilatildeo comeccedila na criaccedilatildeo e culmina na encarnaccedilatildeo
O termo λόγος remete a fontes diversas a literatura sapiencial judia assimilada pelo
proacutelogo de Satildeo Joatildeo identificando Logos-sabedoria-Cristo e as especulaccedilotildees heleniacutesticas tanto de
procedecircncia platocircnica quanto estoacuteica Esta categoria cumpre desta maneira duas funccedilotildees
estabelece uma conexatildeo entre a divindade inacessiacutevel e o mundo e confere uma estrutura inteligiacutevel
a toda a realidade desde a divindade ao homem e ao cosmo
O Logos manifestado e encarnado em Cristo se converte assim em um princiacutepio de
intelecccedilatildeo de toda a realidade e de toda a histoacuteria anterior enquanto tronco de incardinaccedilatildeo de toda
as verdades que existem como sementes dispersas pelo cosmo e nos homens O Logos semeado
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
15
(σπερματικός Λόγος) no mundo apareceu pessoalmente encarnado em Cristo Por isso ele eacute o
eixo de toda realidade o princiacutepio de toda a inteligibilidade o dinamismo inerente a toda busca de
verdade e de justiccedila o recapitulador de tudo Quem viveu conforme o princiacutepio racional proacuteprio
(logos consciecircncia diriacuteamos hoje) satildeo cristatildeos em antecipaccedilatildeo maacutertires com Cristo
Noacutes temos recebido o ensinamento de que Cristo eacute o primogeacutenito de Deus e anteriormente indicamos que ele eacute o Verbo do qual todo gecircnero humano participa E assim os que viveram conforme o Verbo satildeo cristatildeos mesmo que tenham sido tidos por ateus como sucedeu entre os gregos com Socrates Heraacuteclito e outros semelhantes68
Justino situa a geraccedilatildeo do Verbo como um processatildeo de amor no interior de Deus Eacute difiacutecil
entretanto precisar se se trata de uma geraccedilatildeo no sentido da teologia posterior ou de uma criaccedilatildeo
na funccedilatildeo do cosmos e portanto subordinacionismo
No que tange agrave relaccedilatildeo com o Pai Justino afirma que o Cristo-Logos eacute anterior agraves criaturas coexistente com o Pai mas ao mesmo tempo gerado quando no princiacutepio criou e ordenou todas as coisas por meio dele Parece haver aqui portanto a afirmaccedilatildeo de dois estaacutegios distintos do Logos um enquanto imanente ao Pai o Logos eacute criador com o Pai coexistente e coeterno com Ele mas ainda uma potecircncia intelectiva em Deus outro a partir do momento em que o mundo eacute criado quando entatildeo eacute gerado emanado do Pai em vista da criaccedilatildeo e governo do mundo (sem contudo dividir a Unicidade de Deus)69
Com a cristologia do Logos imanente a Deus (ἐνδιάθετος) e proferido (προφορικός) Satildeo
Justino mostra pela primeira vez a significaccedilatildeo universal de Cristo e dessa forma faz o Cristianismo
herdeiro da histoacuteria anterior e iluminador da posterior Tal universalismo do cristianismo se realiza
ao mostrar que Cristo eacute o tronco do qual as ramas de toda verdade justiccedila e esperanccedila recebem a
seiva
22 Trecircs modelos de Cristologia deficiente e trecircs grandes teoacutelogos
221 Ebionismo
No seacuteculo II encontramos um sistema cristoloacutegico que reduz Cristo agraves possibilidades e
limites do a Lei de Moiseacutes e a esperanccedila judaica permitiam Cristo natildeo transcendia o Antigo
Testamento Isto eacute rechaccedilam o nascimento virginal de Jesus considerando que nasceu de Maria e
Joseacute como os demais homens e que por conseguinte eacute um homem
Haacute de se considerar a dificuldade que a mentalidade judaica tinha para unir sua feacute monoteiacutesta
com a feacute em Jesus como Deus Deste modo aceitaram a mensagem profeacutetica mas negaram a
transcendecircncia divina de sua pessoa Cristo eacute entatildeo concebido como nudus homo mero homem
expressotildees que se repetiram ateacute o final da patriacutestica
222 Marcionismo
Marciatildeo postula a radical separaccedilatildeo e contraposiccedilatildeo de Cristo em ralaccedilatildeo a Deus a histoacuteria
e moral apresentadas no Antigo Testamento Estabelece uma ruptura entre o Deus que se revela no
Antigo Testamento e o que se revela em Jesus Cristo O Deus do Antigo testamento eacute um Deus
68 I Apol 462-3 69 SANTOS Juacutelio Cesar Rocha dos Cristologia Rio de Janeiro ISTARJ 2015 Apostila
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
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na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
16
mau violento e natildeo eacute conciliaacutevel com o Deus misericordioso o Deus bom e Pai de Jesus Cristo
Descarta entatildeo todo o Antigo Testamento e elege do Novo soacute aqueles livros que na linha
de Satildeo Paulo destacam a misericoacuterdia e a accedilatildeo redentora descartando as afirmaccedilotildees que segundo
ele mantecircm traccedilos judaicos Forccedilando a Igreja a estipular o cacircnon das Escrituras que eacute expressatildeo
autecircntica e normativa da revelaccedilatildeo de Cristo
223 Docetismo-agnosticismo
Eacute a resposta de outro mundo cultural com que se encontra o evangelho o helenismo Sua
ideia de transcendecircncia absoluta de Deus e o carecer da categoria de criaccedilatildeo soacute permite pensar a
relaccedilatildeo de Deus com o mundo em categorias de apariccedilatildeo Podem pensar uma epifania do divino
mas nunca uma encarnaccedilatildeo de Deus70
Jaacute no Novo testamento encontramos esta repulsa da uniatildeo entre o Filho de Deus e o homem
Jesus Partindo do pressuposto que a mateacuteria eacute maacute a carne alheia a Deus e o mundo natildeo eacute vontade
originaacuteria de Deus Criador mas resultado de uma degradaccedilatildeo Isto levou a duas consequecircncias
cristoloacutegicas graves por um lado distinguir dois Cristos um transcendente e pertencente ao mundo
superior (o Verbo) e outro visiacutevel y passivo que eacute sua envoltura exterior (o homem Jesus) Por
outro lado levou atribuir a Cristo formas natildeo carnais de corporeidade Consequecircncia disso eacute o
esvaziamento do sentido da paixatildeo e morte de Jesus
224 Irineu a unidade de Deus
Santo Irineu restaura os princiacutepios fundamentais de uma cristologia historicamente situada
e soteriologicamente vaacutelida Haacute um soacute Deus que estabeleceu com coerecircncia interna e integrando o
tempo de maturaccedilatildeo do homem um plano de salvaccedilatildeo que abarca o Antigo e o Novo Testamento
Natildeo haacute duas economias de salvaccedilatildeo contrapostas como afirma os marcionitas Natildeo haacute dois deuses
diversos nem dois Cristos um Logos celeste transcendente e impassiacutevel e um homem Jesus
terreno e deste mundo A ideia de unidade da economia divina domina todo o pensamento de Irineu
Unidade de Deus unidade de Cristo unidade do homem e unidade do plano salviacutefico como
divinizaccedilatildeo Dividir a Deus ou dividir a Cristo eacute a morte do cristianismo e o fim da salvaccedilatildeo Cristo
eacute um e um mesmo (εἷς καὶ ὁ ἀυτός) antecipando a foacutermula de calcedocircnia
Cristo eacute o que encabeccedila esse plano divino e por isso o que o sintetiza o esclarece aparecendo
na histoacuteria e o recapitula consumando-o
Haacute pois um soacute Deus Pai como temos visto e um soacute Jesus Cristo nosso Senhor que abarcou toda a ordem da salvaccedilatildeo e o recapitulou todo em si Este ldquotodordquo inclui o homem criaccedilatildeo de Deus Tambeacutem o homem foi recapitulado por tanto ao fazer-se visiacutevel o Invisiacutevel compreensiacutevel o Inefaacutevel passiacutevel o Impassiacutevel ao fazer-se homem a Palavra O resumiu tudo em si para que assim como a Palavra eacute soberana no celeste e espiritual reine igualmente no visiacutevel e corpoacutereo assumindo a preeminecircncia e constituindo-se em cabeccedila da Igreja e atraindo para si no momento preciso71
Irineu vecirc uma conexatildeo profunda a encarnaccedilatildeo e a redenccedilatildeo soacute Deus pode resgatar e
divinizar o homem Aqui aparece um princiacutepio guia de toda a cristologia patriacutestica A salvaccedilatildeo natildeo
70 Cf At 1411 71 Adv Haer III 166
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
17
eacute um resultado de uma accedilatildeo externa nem de um decreto divino nem de uma conquista do proacuteprio
homem mas da ascensatildeo de Deus ao homem para que participando Ele em nossa carne mortal noacutes
possamos participar em sua vida imortal Deus eacute o agente e o conteuacutedo da salvaccedilatildeo humana
225 Tertuliano as duas naturezas
Tertuliano inicia uma seacuterie de relaccedilotildees entre os dois estados ou dimensotildees de Cristo as
categorias de substacircncia pessoa unidade Eacute o primeiro que fala da Trinitas unius Divinitatis o
primeiro que emprega o vocaacutebulo persona e o primeiro que elabora a foacutermula dogmaacutetica uma soacute
substacircncia em trecircs pessoas
Tertuliano tem a intenccedilatildeo de demonstrar a divindade de Cristo frente ao pensamento
pagatildeo Desta maneira demonstra que Cristo natildeo eacute uma alternativa agrave unidade divina que por
conseguinte natildeo eacute um diteiacutesmo e qual eacute o sentido da encarnaccedilatildeo Defende deste modo a unidade
divina com a encarnaccedilatildeo frente ao monarquismo
Oferece foacutermulas que tencionam expressar a novidade e complexidade de Cristo
afirmando sua dupla realidade como Deus et homo Para assinalar isto emprega frequentemente a
foacutermula Spiritus et caro Este binocircmio eacute usado para explicar a constituiccedilatildeo especiacutefica de Cristo uma
maneira de nomear as duas substacircncias e um duplo estado Junto a esta afirmaccedilatildeo afirma tambeacutem a
consistecircncia e permanecircncia de ambas propriedades em um uacutenico sujeito A distinccedilatildeo de sua operaccedilatildeo
eacute a prova dessa permanecircncia
Vemos um duplo ldquoestadordquo (=natureza) natildeo confuso mas unido em uma soacute Pessoa o Deus e homem Jesus () e a tal ponto a propriedade de cada uma das substacircncias foi salva que tanto a realidade espiritual (ie a natureza divina) agiu nele isto eacute as perfeiccedilotildees morais
as obras os sinais quanto a carne executou suas accedilotildees72
Tertuliano compartilha com Santo Irineu a preocupaccedilatildeo antidoceta e com ela a insistecircncia na carne
como acircmbito da salvaccedilatildeo humana Uma salvaccedilatildeo oferecida desde fora natildeo seria uma salvaccedilatildeo do homem jaacute
que o que se necessita eacute refazer o plano originaacuterio desfeito pelo pecado (ἁμαρία) original desde dentro seu
acircmbito de influecircncia que eacute a carne (σάρξ) Sem a encarnaccedilatildeo natildeo teriacuteamos a seguranccedila de que nosso estado
natildeo eacute uma degradaccedilatildeo metafiacutesica um mal originaacuterio ou o resultado de uma queda primordial A encarnaccedilatildeo
outorga dignidade metafiacutesica e confianccedila histoacuterica agrave criaccedilatildeo
226 Oriacutegenes
Oriacutegenes em sua obra De principiis nos oferece os criteacuterios para elaborar a cristologia Sua
doutrina sobre o Logos supotildee um avanccedilo sobre os apologetas e apresenta duas linhas diferentes
Uma afirma claramente a divindade ainda que na outra chame a Cristo ldquosegundo Deusrdquo73
reservando ao Pai a designaccedilatildeo de αὐτόθεος ἁπλοός ἀγαθός ser e bondade original O Filho eacute
72 Videmus duplicem statum non confusum sed coniunctum in una Persona Deum et hominem Iesum () et adeo salva est utriusque proprietas substantiae ut spiritus res suas egerit in illo id est virtutes et opera et signa et caro passiones suas functa estTert adv prax 27 11 73 Embora o chamemos segundo Dios (δεύτερος Θέος) sabe-se que por segundo Deus natildeo entendemos outra coisa que
uma virtude que compreende em si todas as virtudes e uma razatildeo (λόγος) que compreende em si toda qualquer razatildeo do que sucede segunda natureza e principalmente para o bem do universo E esta razatildeo ou logos afirmamos ter-se unido ou identificado em medida superior a todas as almas com a alma de Jesus o uacutenico que pode alcanccedilar de maneira perfeita a participaccedilatildeo do Logos em si da Sabedoria em si e de Justiccedila em si (Contra Celso 539)
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
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tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
18
a imagem desta bondade e inferior ao Pai Sendo posteriormente acusado de subordinacionismo
Muito contribuiu para a compreensatildeo da processatildeo do Logos no seio da Trindade por meio
do conceito de ldquogeraccedilatildeo eternardquo Assim explica em seu Tratado De Principiis
() eacute iacutempio e proibido comparar com a geraccedilatildeo dos homens e animais a geraccedilatildeo do Filho Unigecircnito
por Deus Pai que lhe daacute o ser Eacute necessaacuterio que haja nesse caso algo de excepcional e digno de Deus
ao qual nada pode ser comparado nem na realidade nem na imaginaccedilatildeo ou pensamento para que se
possa entender como Deus natildeo gerado se torna o Pai do Filho uacutenico Essa geraccedilatildeo eterna e perpeacutetua
eacute como a radiaccedilatildeo que vem da luz De fato natildeo eacute por uma adoccedilatildeo espiritual que o Filho de Deus se
torna extriacutenseco mas ele o eacute por natureza74
Oriacutegenes tem o meacuterito de ter estabelecido com toda a claridade a existecircncia de uma alma
humana em Cristo A alma de Jesus eacute para ele um dado patente da Escritura75 e por sua vez eacute uma
exigecircncia da reflexatildeo teoloacutegica Por tanto a alma eacute a condiccedilatildeo de possibilidade da encarnaccedilatildeo Ela
estabelece a conjunccedilatildeo entre as outras duas realidades o Verbo e o corpo
Quando fala que o Verbo assumiu o homem inteiro natildeo como tradicionalmente se pensa
uma humanidade completa em si que eacute suscitada pelo espiacuterito com sua humanidade mas em forma
sucessiva e separada Sua compreensatildeo de alma de Cristo estaacute marcada pela ideia da preexistecircncia
das almas sendo a sua da mesma natureza que as demais almas A diferenccedila das outras ela
permaneceu sempre fiel e unida ao Bem com uma santidade indefectiacutevel A uniatildeo da alma com o
Verbo eacute uma uniatildeo transformadora de tal forma que tudo o que sente faz e entende eacute Deus e a
ele permanece imutavelmente unida
Oriacutegenes antecipou tambeacutem outras muitas perspectivas cristoloacutegicas enquanto enriqueceu
o vocabulaacuterio com palavras como physis hypoacutestasis ousiacutea homouacutesios theaacutenthrocircpos Nele encontramos
jaacute a explicaccedilatildeo das epinoiacuteai os muacuteltiplos nomes de Cristo que descrevem seu ser sem que nenhum
o esgote Antecipa tambeacutem a teoria da communicatio idiomatum (comunicaccedilatildeo das propriedades) Ele
mesmo e uacutenico Verbo Filho de Deus eacute o homem Jesus por isso de Deus enquanto encarnado se
podem predicar atributos humanos e do homem enquanto unido pessoalmente ao Verbo se pode
predicar atributos divinos
23 Cristologia no seacuteculo IV
231 Ario relaccedilatildeo de Cristo com Deus
Com Aacuterio chegamos agrave formulaccedilatildeo extrema do subordinacionismo Tambeacutem com ele
chegamos a um reducionismo cristoloacutegico pois ele afirma que o Verbo se faz carne fazendo as vezes
da alma
O Conciacutelio de Niceia natildeo centrou sua reflexatildeo nessa segunda questatildeo mas na primeira
concentrando-se na filiaccedilatildeo divina de Jesus diante da negaccedilatildeo ariana
Afirmar que o Pai eacute fonte e origem de toda a Trindade equivale afirmar a existecircncia de uma
ordem dentro de Deus Por isso existe prioridade do Pai precisamente enquanto eacute fonte da
divindade do Filho e do Espiacuterito Santo Neste sentido cabe dizer que o Pai eacute maior pois dEle
74 Oriacuteg princ 124 75 Mt 2638 Jo 1017 1227 1321
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
19
procedem as outras duas Pessoas De fato chamamos o Pai a primeira Pessoa o Filho a segunda e
o Espiacuterito a terceira
Esta ordem interna da Trindade que deriva da ordem da procedecircncia natildeo pode significar
nem prioridade temporal nem subordinaccedilatildeo no terreno ontoloacutegico O Filho eacute igual ao Pai em tudo
pois eacute Deus de Deus
Segundo Aacuterio o Verbo eacute ldquopoiemardquo uma ldquocoisardquo feita uma criatura Para afirmar isto ele
se apoiava na Escritura (Jo 14 28) ou na aplicaccedilatildeo ao Logos dos textos do AT concernentes agrave
Sabedoria (Sb 24 14 Eclo)
ldquoDeus nem sempre foi Pai mas alguma vez Deus estava somente sem ser Pai e mais tarde
se fez Pai Nem sempre o Filho existiu porque tendo sido feitas todas as coisas do nada e sendo
todas as criaturas e obras tambeacutem o Verbo de Deus foi feito do nada e alguma vez Ele natildeo existia
nem existia antes de ser feito mas que tambeacutem teve princiacutepio ao ser criadordquo
Por isso para ele natildeo se pode dizer com rigor que o Verbo tenha sido gerado mas que foi
feito uma criatura Mais ainda o Verbo estaacute subordinado agrave criaccedilatildeo pois segundo Aacuterio foi feito
pelo Pai em vista da criaccedilatildeo do mundo
Aacuterio segue de forma incorreta o esquema ldquoLogos-sarxrdquo Segundo ele o Verbo se uniria
diretamente agrave carne de Cristo fazendo as vezes da alma O Verbo teria sofrido em sua mesma
natureza divina as humilhaccedilotildees e as dores da paixatildeo o que seria incompatiacutevel com a imutabilidade
e impassibilidade proacuteprias de Deus Em consequecircncia impunha-se a afirmaccedilatildeo de que o Verbo natildeo
possui uma autecircntica natureza divina mas que eacute uma criatura jaacute que um verdadeiro Deus natildeo
poderia suportar semelhante humilhaccedilatildeo
Aacuterio combina um subordinacionismo adocionista ndash Jesus seria filho adotivo de Deus ndash com
uma cristologia Ele afirma que o Verbo eacute uma produccedilatildeo ldquoad extrardquo do Pai Para ele eacute impossiacutevel
dizer que o Filho seja gerado da mesma substacircncia do Pai O Filho confessado na profissatildeo batismal
como igual ao Pai se converteu na teoria ariana em mediador criado da criaccedilatildeo em um ser
pertencente a uma esfera intermediaacuteria como se fosse um sol criado que iluminasse todo o
universo
232 A cristologia de Niceacuteia Cristo ὁμοούσιος
O documento chave do Conciacutelio eacute o Siacutembolo no qual se professa explicitamente a feacute na
perfeita divindade do Verbo ou seja na sua consubstancialidade com o Pai O Filho natildeo eacute algo feito
pelo Pai mas uma comunicaccedilatildeo do proacuteprio ser do Pai por modo de geraccedilatildeo o Filho eacute gerado pelo
Pai
O que ocorre natildeo eacute uma geraccedilatildeo por graccedila mas uma geraccedilatildeo por natureza Precisamente
porque o Pai entrega ao Filho sua proacutepria substacircncia ao geraacute-lO por isso eacute necessaacuterio dizer que o
Filho tem a mesma substacircncia do Pai
O ponto central do Siacutembolo eacute o ldquohomousiosrdquo Com isso a consequecircncia eacute que um grupo
defende a feacute de Niceia e reconhece a aceitaccedilatildeo do ldquohomousiosrdquo outro grupo despreza a denominaccedilatildeo
e se chama ldquoanomeosrdquo (que desprezam absolutamente a igualdade da substacircncia) e outro grupo se
denomina ldquohomeousianosrdquo os quais desprezam a igualdade de substacircncia poreacutem aceitam a
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
20
semelhanccedila
233 O debate posterior a Niceia e a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa
Niceia colocou as bases para defender em toda sua radicalidade a afirmaccedilatildeo do NT da filiaccedilatildeo
divina de Jesus Havia protegido a feacute trinitaacuteria tanto do subordinacionismo como do modalismo
A figura de destaque desse periacuteodo eacute S Atanaacutesio O centro da sua teologia eacute a afirmaccedilatildeo de
que o Verbo se fez homem em ordem agrave divinizaccedilatildeo do homem Ele considera o arianismo
principalmente como um perigo para a soteriologia cristatilde De fato nossa salvaccedilatildeo consiste em
participar da vida divina por meio do espiacuterito de adoccedilatildeo que recebemos ao sermos incorporados a
Cristo
ldquoSe fez homem para que noacutes fossemos deificados se revelou a si mesmo mediante um
corpo a fim de que pudeacutessemos conhecer ao Pai invisiacutevel levou consigo a ignomiacutenia do homem
para que noacutes herdaacutessemos a imortalidaderdquo
Atanaacutesio estaacute desenvolvendo a teologia da mediaccedilatildeo do Logos baseada no fato de que une
em si mesmo o humano e o divino O Verbo nos salva porque sendo Deus tomou sobre si
realmente o homem
Para Atanaacutesio ldquoousiacuteardquo e ldquohypoacutestasisrdquo seguem sendo praticamente sinocircnimos enquanto que
natildeo ele utiliza o termo ldquoproacutesoponrdquo para designar com ele o que em latim se entende como
ldquopersonardquo
Jaacute os Capadoacutecios entendem por ldquoousiacuteardquo a natureza que eacute comum a todos os seres de uma
mesma espeacutecie enquanto que ldquohypoacutestasisrdquo entendem estas mesmas qualidades concretas numa
existecircncia individual
A feacute cristatilde confessa de fato que na Trindade haacute uma natureza e trecircs Pessoas enquanto
que em Jesus confessamos que existe uma pessoa e duas naturezas Na Trindade haacute uma soacute
substacircncia e trecircs hipostaacutesis em Cristo haacute duas substacircncias e uma soacute pessoa
234 O apolinarismo e a alma de cristo
Apolinaacuterio luta contra Aacuterio no terreno trinitaacuterio e sem duacutevida se aproxima dele no terreno
cristoloacutegico Defende a perfeita divindade do Verbo mas afirma que o Verbo se une com a
humanidade de Cristo fazendo as vezes da alma
Em Jesus haacute um corpo alma animal e o Verbo o qual desempenharia as mesmas funccedilotildees
que o ldquonousrdquo ou seja a alma superior
O problema de fundo de Apolinaacuterio eacute duplo um de ordem metafiacutesico e outro de ordem
antropoloacutegica Primeiro eacute impossiacutevel que dois seres (naturezas) inteligentes e livres possam unir-
se num soacute ser Jaacute o problema de ordem antropoloacutegica estaacute direcionado com a questatildeo da liberdade
humana e sua falibilidade
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
21
-3-
Cristologia dos seacuteculos V ndash VII
31 As grandes tradiccedilotildees cristoloacutegicas
311 A Tradiccedilatildeo Alexandrina
A tradiccedilatildeo alexandrina eacute mais antiga que a antioquena Ela destaca seu interesse na
especulaccedilatildeo metafiacutesica e por preferecircncia dada ao pensamento platocircnico e a interpretaccedilatildeo alegoacuterica
da SE
Na Cristologia a tradiccedilatildeo alexandrina 76 se caracteriza por oferecer decididamente uma
cristologia de cima e por seguir o esquema Logos-sarx Esta cristologia potildee a unidade de Cristo
precisamente no fato de que eacute o Verbo quem tomou sobre si a carne A pessoa do Verbo resulta
assim no centro de unidade das duas naturezas e responsaacutevel pelos atos da natureza humana
Aos alexandrinos lhes custa distinguir as duas naturezas em Cristo depois da uniatildeo O
monotelismo e o monofisismo foram suas expressotildees extremas e sua tentaccedilatildeo mais frequente
312 A Tradiccedilatildeo Antioquena
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica antioquena 77 eacute mais recente Seu comeccedilo pode situar nos fins do
seacuteculo IV precisamente na reaccedilatildeo de Diodoro de Tarso contra o apolinarismo
A tradiccedilatildeo antioquena segue o esquema Loacutegos-aacutenthropos sublinhando a humanidade de
Cristo como humanidade completa e centro de operaccedilotildees Antes de tudo importa sublinhar a
distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Por isso a tradiccedilatildeo preocupa-se em deixar salva a transcendecircncia
divina e em consequecircncia se esforccedila por evitar que se possa conceber a uniatildeo de ambas as naturezas
como uma mescla entre o humano e o divino
Daiacute sua reserva ante o tiacutetulo de Theotoacutekos e sua tendecircncia a considerar a encarnaccedilatildeo como
uma inabitaccedilatildeo do Verbo no homem Jesus Natildeo eacute que se despreocupe da unidade de Cristo Eacute que
a coloca em segundo plano jaacute que o que lhe preocupa eacute manter antes de tudo a distinccedilatildeo entre as
duas naturezas completas
313 A Tradiccedilatildeo Latina
A tradiccedilatildeo cristoloacutegica latina remonta tambeacutem a tempos anteriores a Niceia Funde suas
raiacutezes em Tertuliano e encontra sua expressatildeo mais genial em Agostinho Tambeacutem ela aplica agrave
cristologia desde um primeiro momento agrave distinccedilatildeo tertuliana entre substacircncia e pessoa
Junto agrave forte defesa da humanidade e da carne de Cristo tatildeo firme em Tertuliano insiste
76 ldquoA primeira tem um sentido viviacutessimo da missatildeo do Verbo na encarnaccedilatildeo do seu envolvimento na histoacuteria da salvaccedilatildeo o seu acento baacutesico reside
em afirmar a verdade da economia isto eacute da vinda do Filho na histoacuteria Isto leva a enfatizar no homem Jesus Cristo a realidade da sua dimensatildeo divina sem dedicar excessiva atenccedilatildeo agrave inteireza do ldquohumanordquo falar-se-aacute do logos que assume uma carne humana Vendo o misteacuterio de Cristo segundo o chamado esquema Logos-sarx mas definitivamente sem precisar ulteriormente a consistecircncia desta carnerdquo (Serenthagrave 1986 p 230) 77 Cristo dizia ser um homem completo que participa plenamente da vida fiacutesica e psicoloacutegica do homem capaz em particular de decisotildees humanas
distintas do querer divino Com isto natildeo se pretendia pocircr em duacutevida ou diminuir a uniatildeo iacutentima entre o Verbo e o homem queria-se simplesmente
sublinhar a humanidade plena e real de Cristo Ele eacute dotado de corpo e de alma natildeo soacute de sarxrdquo (Serenthagrave 1986 p 231)
22
na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
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natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
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Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
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na unidade de Cristo fixando-se precisamente na unicidade do sujeito
A tradiccedilatildeo latina eacute profundamente antiariana Possivelmente seu traccedilo mais ldquooriginalrdquo
consista precisamente em sua tendecircncia ao equiliacutebrio sublinha a distinccedilatildeo entre as duas naturezas
poreacutem acentua ao mesmo tempo a comunicaccedilatildeo de idiomas
32 A Crise Nestoriana
A formaccedilatildeo de Nestoacuterio 78 foi dada pela escola de Antioquia Na luta contra os arianos e
apolinaristas ele esforccedilou para que em nenhum momento se pudessem confundir em Cristo a
natureza humana e a divina Por isso desprezou que se possam apropriar diretamente ao Verbo as
paixotildees da natureza humana por exemplo o nascimento e a morte Esses padecimentos somente
se podem aplicar ao Verbo em forma indireta a saber as paixotildees do homem Jesus o qual estaacute
unido ao Verbo
Nestoacuterio utiliza uma linguagem em que daacute a entender que em Cristo haacute dois sujeitos o
sujeito divino e o sujeito humano unidos entre si por um viacutenculo moral poreacutem natildeo fisicamente
Em consequecircncia despreza que se possa dar agrave Virgem o tiacutetulo de Theotoacutekos Para ele ela seria
apenas Christotoacutekos Matildee de Cristo o qual estaacute unido ao Verbo Assim acontece para ele porque
as accedilotildees e padecimentos de Cristo natildeo satildeo propriamente accedilotildees e padecimentos do Verbo Ele fala
da Virgem como anthropotoacutekos e natildeo theotoacutekos Para Nestoacuterio natildeo se pode aceitar que Deus seja
sujeito dos acontecimentos da vida de Jesus
321 A correspondecircncia entre S Cirilo e Nestoacuterio
A carta de Cirilo aos monges estaacute centrada na maternidade divina e somente
incidentalmente alude agrave unidade de Cristo
A resposta de Nestoacuterio a esta carta eacute tambeacutem quase toda ela cristoloacutegica explicando sua
posiccedilatildeo em torno da comunicaccedilatildeo de idiomas o Verbo natildeo eacute passiacutevel e portanto tampouco eacute
suscetiacutevel de uma segunda geraccedilatildeo
O Conciacutelio de Eacutefeso natildeo elabora uma nova foacutermula dogmaacutetica Os Padres conciliares se
limitaram a ler duas cartas a segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio aprovada solenemente e que
portanto passa a ser a doutrina oficial do Conciacutelio e a resposta de Nestoacuterio a esta carta que eacute
condenada
322 A segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio
Cirilo insiste na unidade do sujeito dos verbos79 que correspondem tanto agrave divindade como
78 Nestoacuterio expressatildeo extrema da cristologia antioquena teria ensinado uma verdadeira e propriamente dita ldquodivisatildeordquo em Cristo afirmando a
presenccedila de duas ldquopessoasrdquo no uacutenico Senhor Jesus Cristo pessoas unidas entre si somente atraveacutes de uma relaccedilatildeo de tipo moral natildeo se pode fazer do Filho de Deus como tal o centro de atribuiccedilatildeo real das propriedades da natureza humana a chamada heresia dos dois filhos Sobretudo natildeo se pode dizer que Maria eacute a Matildee de Deus Ela eacute propriamente Matildee de Jesus ainda que este natildeo possa ser separado do tipo particular de totalidade que eacute justamente o Cristo Assim dir-se-aacute que Maria natildeo eacute theotoacutekos mas somente Christotoacutekos (Serenthagrave 1986 p 253) 79 ldquoNatildeo dizemos de fato que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne mas tambeacutem natildeo que foi transformada em um homem completo
composto de alma e corpo antes poreacutem que Verbo uniu segundo a hipoacutestase a si mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem de modo inefaacutevel e incompreensiacutevel e foi chamado filho do homem natildeo soacute segundo a vontade ou beneplaacutecito nem tampouco como assumindo
somente a pessoa e que satildeo diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade mas um soacute o Cristo e Filho que resulta de ambas natildeo porque
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agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
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que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
23
agrave humanidade de Jesus o mesmo que eacute gerado de Deus nasce de mulher morre e ressuscita
O ldquodescerrdquo do Verbo teve lugar sem que houvesse mutaccedilatildeo em sua natureza A encarnaccedilatildeo
natildeo eacute pois uma metamorfose do divino no humano se natildeo uma inefaacutevel e inexpressaacutevel uniatildeo
entre o divino e o humano uma uniatildeo tatildeo iacutentima e fiacutesica que permite apropriar ao Verbo os
acontecimentos da vida de Jesus
Cirilo despreza que essa uniatildeo possa entender como uma simples inabitaccedilatildeo ou conjunccedilatildeo
do humano e o divino e por outra parte despreza tambeacutem que se possa entender em forma
apolinarista como se o divino absorvesse o humano
323 A resposta de Nestoacuterio
Nestoacuterio recrimina Cirilo que ao ler Niceia entendeu que o Verbo ao encarnar-se fez-se
passiacutevel em sua natureza divina (o que Cirilo nunca disse) Ele estima que caso se diga que o Verbo
nasce de Maria estaacute-se dizendo que nasce dela em sua divindade
Cirilo baseia seu pensamento no fato de que o Verbo assumiu segundo a hipoacutestasis uma
natureza humana completa Nestoacuterio80 baseia seu desprezo da posiccedilatildeo ciriliana no fato de que o
Verbo por ser Deus eacute imutaacutevel
Nestoacuterio quer negar que o Verbo tenha sofrido em sua natureza humana e em
consequecircncia tem que atribuir agrave natureza humana de Cristo um sujeito distinto do Verbo
A Tradiccedilatildeo aceita que o Verbo sentiu temor ante o momento da paixatildeo destacando isso
sim que sentiu esse temor em sua natureza humana Poreacutem eacute o Verbo que sentiu o temor
Nestoacuterio ao contraacuterio nega que o Verbo se aproprie realmente das debilidades da natureza
humana Em consequecircncia tem que negar que a encarnaccedilatildeo tenha sido real
324 A terceira carta de Cirilo a Nestoacuterio
O Papa Celestino ao receber a correspondecircncia de Cirilo reuniu um Siacutenodo romano que
condenou Nestoacuterio e lhe ordenou retratar-se sob pena de excomunhatildeo
Cirilo escreve a carta que eacute acompanhada de doze anatematismos Nela ele fala da uniatildeo
de ambas as naturezas natildeo somente como de uma uniatildeo segundo a hipoacutestasis mas tambeacutem segundo
a natureza Nessas condenaccedilotildees Cirilo se refere agrave uniatildeo de naturezas em Cristo como uniatildeo segundo
a hipoacutestasis uma uniatildeo fiacutesica e insiste em que Cristo eacute Deus e homem
Para um alexandrino como Cirilo fisis e hipoacutestasis designam um indiviacuteduo concreto a
pessoa independente e subsistente Para Cirilo natildeo haacute mais que uma hipoacutestasis ou fisis em Cristo
ou seja um indiviacuteduo concreto Os antioquenos ao contraacuterio identificam fisis com substacircncia
concreta e existente Por isso os antioquenos entendem a linguagem de Cirilo em chave
monofisista
a diferenccedila das naturezas tivesse sido cancelada pela uniatildeo mas ao contraacuterio porque a divindade e a humanidade mediante seu inefaacutevel e arcano encontro na unidade formaram para noacutes um soacute Senhor e Cristo e Filhordquo (Denzinger 2007 p96) 80 Mas em contraste com Nestoacuterio Cirilo insistia que haacute uma uniatildeo verdadeira substancial entre as duas naturezas em Cristo E rejeitava a ideia de
uniatildeo moral ou devocional Um de seus anaacutetemas contra Nestoacuterio eacute o seguinte ldquoAquele que natildeo confessa que o Logos veio de Deu s Pai para se unir hipostaticamente com a carne para formar com a carne um Cristo Deus e homem seja amaldiccediloadordquo Se natildeo foi o proacuteprio Deus que apareceu na vida terrena de Cristo de modo que o proacuteprio Deus assim sofreu e morreu ele natildeo pode ser nosso Salvador O ponto de vista de Nestoacuterio tornou
impossiacutevel a verdadeira divindade de Cristo e dessa maneira tambeacutem a salvaccedilatildeo por meio dele (Hagglund1995p81)
24
33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
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caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
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tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
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Bibliografia
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CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
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33 O conciacutelio de Eacutefeso
O Conciacutelio se reuacutene em Eacutefeso no ano 431 O Conciacutelio se inicia sem a presenccedila dos legados
pontifiacutecios e de alguns antioquenos
A sessatildeo contra Nestoacuterio comeccedilou com a leitura do Siacutembolo de Niceia e prosseguiu com a
leitura da segunda carta de Cirilo a Nestoacuterio Por votaccedilatildeo aceitou-se esta carta como conforme a
feacute de Niceia dando-lhe a autoridade do Conciacutelio
Os orientais que ainda natildeo tinham chegado assim que chegaram reuniram-se num conciacutelio
oposto condenaram e depuseram a Cirilo Redigiram uma profissatildeo de feacute moderada e de grande
valor na qual se proclama S Maria como Theotoacutekos seraacute esse texto a base para a Ata de uniatildeo de
433
Os legados pontifiacutecios chegaram ao comeccedilo de julho e se uniram agraves sessotildees seguintes Leram
e aclamaram a carta de Celestino a Cirilo confirmaram a deposiccedilatildeo de Nestoacuterio o qual ainda natildeo
havia se retratado O Conciacutelio natildeo pretende elaborar uma foacutermula nova Os bispos apenas tentaram
manter-se fieis agrave tradiccedilatildeo recebida e evitar que a feacute proclamada em Niceia fosse mal compreendida
34 A doutrina de Satildeo Cirilo
Cirilo se caracteriza sobretudo por desprezar decididamente o dualismo ou seja a
separaccedilatildeo das naturezas em Cristo Neste natildeo somente natildeo haacute dois filhos mas eacute um ao qual se
atribuem com toda propriedade os atributos divinos e humanos O grande defensor da unidade de
Cristo centra sua argumentaccedilatildeo no fato de que o Verbo se fez carne
Nos primeiros escritos Cirilo segue muito de perto a doutrina cristoloacutegica de Atanaacutesio e
sua aplicaccedilatildeo do esquema Logos-sarx Cirilo se nega a descrever a encarnaccedilatildeo no sentido de que o
Verbo tenha assumido um homem se natildeo no sentido de que o Verbo uniu a si mesmo uma carne
animada de uma alma vivente Dessa uniatildeo resultou um soacute Cristo um soacute Filho
Para dar realismo a essa uniatildeo Cirilo utiliza expressotildees mais fortes uniatildeo verdadeira uniatildeo
segundo a hipoacutestasis uniatildeo segundo a natureza uniatildeo fiacutesica Cirilo defende a realidade da uniatildeo
entre ambas as naturezas Trata-se de uma uniatildeo fiacutesica que vai mais aleacutem da uniatildeo de vontades e eacute a
uacutenica que justifica uma plena comunicaccedilatildeo de idiomas
Todas as expressotildees que se usam nos evangelhos devem atribuir-se agrave uacutenica pessoa agrave uacutenica
hipoacutestasis encarnada do Verbo Unem-se duas naturezas poreacutem depois da uniatildeo natildeo haacute divisatildeo nas
naturezas Haacute uma soacute natureza ndash fisis ndash do Filho porque Ele eacute um ainda que se tenha feito homem
e carne
35 O siacutembolo da uniatildeo do ano 433
O Conciacutelio de Eacutefeso terminou um pouco confuso A condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Nestoacuterio
por parte do Conciacutelio seguiu a condenaccedilatildeo e deposiccedilatildeo de Cirilo por parte dos orientais
O texto da uniatildeo recolhe o ensinamento de Eacutefeso sobre a unidade de Cristo poreacutem ao
mesmo tempo sublinha a distinccedilatildeo entre ambas as naturezas Afirma-se sem rodeios a maternidade
divina e para designar a uniatildeo se utiliza o termo ldquohenoacutesisrdquo que eacute o de S Cirilo e o de Eacutefeso enquanto
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
25
que se evita o de ldquosynapheiardquo que eacute o que utiliza Nestoacuterio
Mais tarde o conciacutelio de Calcedocircnia aceitaraacute solenemente a carta de S Cirilo a Joatildeo de
Antioquia conferindo-lhe toda sua autoridade Encerrava-se assim uma controveacutersia proclamando
a feacute comum da Igreja na encarnaccedilatildeo do Verbo e na maternidade divina de Maria
36 O Monofisismo
A foacutermula de uniatildeo de 433 havia insistido na unidade de Cristo e apontado a uniatildeo (heacutenosis)
existente entre as duas naturezas como a razatildeo em que se sustenta esta unidade A partir daqui a
atenccedilatildeo haveria de centrar-se na consideraccedilatildeo de como eacute essa uniatildeo que produz essa unidade em
Cristo
De fato ainda que o Conciacutelio de Eacutefeso e a foacutermula de uniatildeo houvessem afirmado com forccedila
a unicidade da pessoa de Cristo essa claridade natildeo era suficiente para manter nem a paz religiosa
nem a unanimidade na doutrina
Em Eacutefeso se insistiu em que a uniatildeo entre ambas as naturezas tem lugar segundo a hipoacutestasis
As expressotildees uniatildeo hipostaacutetica ou uniatildeo segundo a hipoacutestasis satildeo utilizadas aqui para significar que
em Cristo a natureza humana e a natureza divina estatildeo unidas na Pessoa do Verbo
Trata-se da uniatildeo mais iacutentima que pode dar-se entre o divino e o humano o Verbo toma
sobre si a carne com uma uniatildeo tatildeo estreita que os ldquoacta et passa Christirdquo satildeo em realidade atosfeitos
e paixotildees do Verbo
Encontramo-nos diante da reaccedilatildeo contra o monofisismo ou seja contra a afirmaccedilatildeo de que
em Cristo depois da uniatildeo natildeo haacute mais que uma soacute natureza mono-fysis
361 O monofisismo e o Conciacutelio de Calcedocircnia
O monofisismo tem formas diversas de manifestar-se
Um tipo de monofisismo considera que a natureza humana ao ser assumida pelo Verbo
resultou absorvida pela natureza divina outro pensa a uniatildeo entre o humano e o divino em Cristo
como se da uniatildeo das duas naturezas houvesse resultado uma nova e especial natureza divino-humana
exclusiva em Cristo
362 O monofisismo de Ecircutiques
O monofisismo que o Conciacutelio de Calcedocircnia tem diante de si eacute o de Ecircutiques Seu
monofisismo eacute num primeiro momento o que afirma que Cristo eacute uma Pessoa de duas naturezas
poreacutem que pela uniatildeo que haacute entre ambas jaacute natildeo subsiste ldquoin duobus naturisrdquo mas em uma soacute
natureza
A natureza humana estaria absorvida na divina havendo assim uma soacute natureza depois da
uniatildeo tendo como consequecircncia que a carne de Cristo jaacute natildeo eacute consubstancial agrave nossa se natildeo que
foi transformada em algo distinto
A afirmaccedilatildeo de uma natureza em Cristo podia implicar uma doutrina hereacutetica ou uma
doutrina compatiacutevel com a feacute ainda que imperfeitamente expressa O que vai depender do uso do
26
termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
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termo ldquophysisrdquo pois S Cirilo em Antioquia dava ao termo uma conotaccedilatildeo diversa
Cirilo designava com este termo o sujeito concreto enquanto que os antioquenos
designavam diretamente a natureza
363 O ldquoTomus ad Flavianumrdquo
A Carta de S Leatildeo a Flaviano eacute uma siacutentese da cristologia latina na qual se equilibram as
afirmaccedilotildees das duas naturezas com a unidade do sujeito em Cristo O documento utiliza o vocaacutebulo
duofisita ele reforccedila a existecircncia de duas naturezas em Cristo e o fato de que cada uma atua segundo
o que lhe eacute proacuteprio sem duacutevida o esquema utilizado para abordar a encarnaccedilatildeo pode dizer que eacute o
esquema Logos-sarx
Depois de qualificar Ecircutiques de imprudente e incapaz o Papa inicia sua argumentaccedilatildeo
sublinhando o duplo nascimento de Cristo graccedilas ao qual haacute uma dupla consubstancialidade com
o Pai e conosco Fala-se de um duplo nascimento de um mesmo sujeito
Depois de citar Jo 1 14 o Papa insiste em que a mediaccedilatildeo de Cristo se baseia precisamente
nesta dupla consubstancialidade E assim tal como convinha a nosso remeacutedio um soacute e mesmo
mediador entre Deus e os homens o homem Cristo Jesus pode por uma parte morrer e por
outra natildeo morrer Assim pois Aquele que eacute Deus verdadeiro nasceu na natureza iacutentegra e perfeita
de um homem verdadeiro
A um duplo nascimento segue uma dupla natureza Estas naturezas unidas num uacutenico
sujeito permanecem iacutentegras e perfeitas depois da uniatildeo
O Papa natildeo apenas insiste que em Cristo haacute uma soacute pessoa e duas naturezas mas ensina
tambeacutem que estas naturezas unidas sem mescla nem confusatildeo conservam suas proacuteprias faculdades
e operaccedilotildees proacuteprias Poreacutem ele acrescenta que cada natureza realiza o que lhe eacute proacuteprio sempre
em comunhatildeo com a outra dado que ambas as naturezas pertencem a um mesmo e uacutenico sujeito
o Verbo
37 O Conciacutelio de Calcedocircnia
Finalmente no ano 451 teve lugar em Calcedocircnia um verdadeiro conciacutelio ecumecircnico que
definiu solenemente o dogma da uniatildeo hipostaacutetica no qual os Padres natildeo quiseram acrescentar nada
agrave doutrina conciliar anterior mas somente quiseram oferecer uma explicaccedilatildeo autecircntica desta
doutrina O documento final pode ser dividido em trecircs partes um longo preacircmbulo uma exposiccedilatildeo
dos erros que o Conciacutelio tem presente e a definiccedilatildeo da feacute propriamente dita
A definiccedilatildeo conciliar propriamente dita se centra na confissatildeo ldquoum soacute Filho nosso Senhor
Jesus Cristordquo perfeito Deus e perfeito homem Eacute uma afirmaccedilatildeo que se repete de diversas formas
buscando deixar claro que confessamos um soacute Cristo em duas naturezas que se encontram unidas
sem confusatildeo sem mutaccedilatildeo sem divisatildeo sem separaccedilatildeo de forma que constituem uma soacute pessoa
pois Cristo natildeo estaacute dividido
Na definiccedilatildeo observa-se o mesmo caminho do texto do Papa Leatildeo da unidade de Cristo se
passa agrave dualidade para voltar novamente agrave unidade De fato defende-se a unidade de Cristo jaacute
proclamada em Eacutefeso e se insiste em que sem diminuir esta unidade a duplicidade das naturezas
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segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
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nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
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uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
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ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
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43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
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natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
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Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
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455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
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contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
27
segue existindo depois da uniatildeo
Cristo eacute um poreacutem a partir de Calcedocircnia jaacute natildeo se pode falar de uma uacutenica natureza A
linguagem cristoloacutegica entrou por novos caminhos Depois de Calcedocircnia fez-se universal na
teologia trinitaacuteria uma terminologia que cunharaacute definitivamente a expressatildeo do dogma uma
substacircncia trecircs hipoacutestasis Em Calcedocircnia chega-se a uma linguagem que teraacute uma aceitaccedilatildeo
universal uma hipoacutestasis em duas naturezas
O Conciacutelio natildeo tenta dizer como eacute a uniatildeo mas como natildeo se deve concebecirc-la A uniatildeo das
naturezas tem lugar sem que estas sofram nenhuma mudanccedila nem mescla Esta uniatildeo tem lugar no
terreno fiacutesico de forma que natildeo se pode concebecirc-la como uma mera justaposiccedilatildeo de naturezas nem
como uma uniatildeo moral Cristo natildeo estaacute dividido nem as naturezas estatildeo separadas nele mas
confluem ateacute a unidade pessoal
S Leatildeo define que cada natureza atua sempre em comunhatildeo com a outra A distinccedilatildeo de
naturezas se encontra emoldurada pois na forte unidade do Verbo que tomou sobre si a natureza
humana O Conciacutelio quer dizer unicamente que o mesmo sujeito ndash o Verbo ndash eacute Deus e homem
A uniatildeo hipostaacutetica se fez salvo a propriedade de ambas as naturezas Depois da uniatildeo cada
natureza segue conservando suas proacuteprias caracteriacutesticas no ser e no operar sem que se confundam
entre si
371 A questatildeo dos trecircs capiacutetulos e o II Conciacutelio de Constantinopla (553)
A recepccedilatildeo do Conciacutelio de Calcedocircnia natildeo foi paciacutefica A situaccedilatildeo que se seguiu agrave assembleia
pode esquematizar-se assim
O Ocidente aceitou sem problemas o ensinamento cristoloacutegico do Conciacutelio e o Oriente se
dividiu em trecircs grandes correntes a) a monofisista na qual se incluem natildeo somente os eutiquianos
mas numerosos seguidores de S Cirilo cuja linguagem se tornou arcaica e podem considerar -se
como somente verbalmente monofisistas b) a nestoriana que vai perdendo importacircncia c) a
calcedoniana que vai assentando-se pouco a pouco
Uma das tentativas de aproximaccedilatildeo com os monofisistas foi a questatildeo dos trecircs capiacutetulos
defendida pelo imperador Justiniano (527-565) Trata-se da condenaccedilatildeo poacutestuma dos trecircs mais
destacados autores antioquenos Teodoro de Mopsuestia Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa
Eacute convocado o Conciacutelio II de Constantinopla em 553 que reafirmou a aceitaccedilatildeo dos quatro
primeiros conciacutelios ecumecircnicos anteriores e insistiu tambeacutem na unidade de Cristo e na comunicaccedilatildeo
de idiomas
O Conciacutelio oferece uma leitura esclarecedora do ensinamento de Calcedocircnia a insistecircncia
de Calcedocircnia em torno das duas naturezas natildeo significa que ambas as naturezas tenham de
considerar-se em planos iguais mas que a natureza humana haacute de considerar-se como certamente
distinta da natureza divina poreacutem recebendo seu ser pessoal do Verbo
Por esta razatildeo o Verbo eacute o sujeito uacuteltimo das accedilotildees de Cristo ou com maior precisatildeo o
Verbo encarnado O fato de que Cristo tenha uma natureza humana natildeo significa que tenha uma
hipoacutestasis humana pois sua natureza humana estaacute sustentada na hipoacutestasis do Verbo
Essa perfeita natureza humana natildeo tem seu uacuteltimo fundamento em uma pessoa humana
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
28
nem carece de personalidade se natildeo que estaacute sustentada no ser pela Pessoa do Verbo A natureza
humana de Cristo igual agrave nossa em todas as suas propriedades naturais eacute sem duacutevida a natureza
humana do filho de Deus
38 O monotelismo e o III Conciacutelio de Constantinopla
O II Conciacutelio de Constantinopla havia aprofundado na leitura do Conciacutelio de Calcedocircnia o
que mostra como seu ensinamento podia integrar as posiccedilotildees alexandrina e antioquena
A questatildeo sem duacutevida se concentra agora numa nova perspectiva a unidade e a distinccedilatildeo
de operaccedilotildees em Cristo Encontramo-nos pois diante da controveacutersia com o monoenergismo e
com o monotelismo que defendem que em Cristo haacute uma soacute operaccedilatildeo (eneacutergeia) ou uma soacute vontade
(theacutelema)
381 A dualidade de operaccedilotildees em Cristo
A controveacutersia comeccedila com o monoenergismo Os monofisistas ao identificarem as
naturezas em Cristo depois da uniatildeo identificavam as vontades e as operaccedilotildees
Ao substantivo ldquoeneacutergeiardquo se lhe acrescenta o adjetivo hipostaacutetica ndash uma soacute operaccedilatildeo
hipostaacutetica ndash e a foacutermula de entendimento parecia ideal jaacute que se transladava a questatildeo ao sujeito
da operaccedilatildeo que eacute uacutenico a Pessoa do Verbo
No ano 633 Ciro (Patriarca de Alexandria) propotildee um ldquoPacto de uniatildeordquo com os
monofisistas baseado na seguinte foacutermula ldquoO uacutenico e mesmo Cristo e Filho opera o que eacute divino e
o que eacute humano por uma soacute atividade teacircndricardquo
Ciro enfoca a questatildeo desde a unicidade do operante e desde aqui fala de uma soacute atividade
teacircndrica ou seja uma soacute ldquoeneacutergeiardquo divino-humana
No ldquoTomus ad Flavianumrdquo o Papa S Leatildeo havia insistido em que ambas as naturezas ndash a
divina e a humana ndash atuam sempre com uma admiraacutevel comunhatildeo entre si A questatildeo da atividade
haacute que referi-la primariamente agrave natureza atraveacutes da qual opera o sujeito e natildeo ao sujeito mesmo
Haacute duas naturezas em Cristo poreacutem um uacutenico sujeito que opera Segue-se portanto que
haacute uma soacute operaccedilatildeo pois dada a uniatildeo hipostaacutetica em Cristo se daacute de fato uma uacutenica realidade
divino-humana
382 Vontade divina e vontade humana em Cristo
Da disputa em torno do monoenergismo passou-se agrave questatildeo do monotelismo Surge a
afirmaccedilatildeo condenada pelo III Conciacutelio de Constantinopla confessamos uma soacute vontade do Senhor
Jesus Os sucessivos desenvolvimentos doutrinais se centraram nesta expressatildeo uma soacute vontade
Efetivamente a oraccedilatildeo no Horto manifesta antes de tudo o acordo da vontade de Cristo
com a vontade do Pai Este acordo natildeo poderia existir se natildeo existisse autecircntica vontade
S Maacuteximo eacute sem duacutevida o grande lutador contra o monotelismo Neste ambiente
teoloacutegico tem lugar o Conciacutelio de Latratildeo no ano 649 O grande teoacutelogo do Conciacutelio foi S
Maacuteximo Com formulaccedilotildees muito proacuteximas a S Maacuteximo o Conciacutelio insiste em que o mesmo e
29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
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29
uacutenico Cristo existe nessas naturezas e atua naturalmente atraveacutes delas O Conciacutelio toca tambeacutem no
tema da operaccedilatildeo teacircndrica Esta clarificaccedilatildeo adquire seu maacuteximo expoente na definiccedilatildeo do III
Conciacutelio de Constantinopla no ano 681
Haacute duas naturezas perfeitas em Cristo O III Conciacutelio de Constantinopla pontua que estas
duas naturezas estatildeo vivas e operantes de forma que atuam intimamente unidas poreacutem sem
confusatildeo
O ser e o atuar de Cristo hatildeo de entender-se pois como um acordo perfeito entre as duas
naturezas tambeacutem no que concerne agrave sua operaccedilatildeo Ambas as accedilotildees satildeo naturais enquanto que
correspondem a naturezas nas quais subsiste Cristo
Daiacute a precisatildeo em torno agrave operaccedilatildeo teacircndrica que natildeo pode conceber-se como uma soacute accedilatildeo
mas como uma harmocircnica uniatildeo entre as duas accedilotildees naturais que correspondem a suas naturezas
383 A distinccedilatildeo entre ldquoVoluntas ut Ratiordquo e ldquoVoluntas ut Naturardquo
Desta perspectiva contempla-se a oraccedilatildeo do Senhor no horto ldquonatildeo se faccedila a minha vontade
mas a tuardquo (Mt 26 39) Trata-se natildeo de uma simples resistecircncia da carne a morrer como queria o
Patriarca de Constantinopla Seacutergio se natildeo uma autecircntica resistecircncia da vontade humana do Senhor
ao sofrimento e agrave morte resistecircncia que eacute vencida livremente pela mesma vontade com o meacuterito
que tolera que este vencimento foi levado a cabo por uma caridade e uma obediecircncia infinitas
Esta realidade levaraacute a teologia posterior agrave distinccedilatildeo entre voluntas ut natura (vontade
enquanto sua inclinaccedilatildeo natural) e voluntas ut ratio (vontade enquanto que elege dirigida pela
razatildeo)
No Senhor a voluntas ut natura e a sensibilidade dissentiam agraves vezes da vontade divina
poreacutem estavam inteiramente submetidas a ela enquanto voluntas ut natura 81 Por outro lado sem
duacutevida com sua voluntas ut ratio Jesus queria sempre o mesmo que Deus e isto resulta manifesto
quando diz ldquonatildeo se faccedila o que eu quero mas como tu queresrdquo
Em Cristo natildeo se deu portanto nenhuma contrariedade de vontades Somente haacute
contrariedade de vontades quando haacute oposiccedilatildeo sobre o mesmo objeto e pelo mesmo motivo
Em Cristo natildeo sucedeu isto porque a voluntas ut natura rejeita a morte como algo nocivo
agrave natureza humana enquanto que a voluntas ut ratio e a vontade divina a queriam por uma razatildeo
superior a salvaccedilatildeo dos homens
-4-
Cristologia especulativa
41 As operaccedilotildees teacircndricas
A expressatildeo operaccedilatildeo teacircndrica teve relativa importacircncia na controveacutersia monotelista
Trata-se de entender que natildeo haacute uma uacutenica operaccedilatildeo resultante da confusatildeo do divino e do humano
81 Natildeo haacute duacutevida de que Cristo com sua sensibilidade e sua voluntas ut natura podia querer algo distinto do que Deus queria como se vecirc pela peticcedilatildeo
ldquoMeu Pai se eacute possiacutevel afasta de mim este caacutelicerdquo (Mt 26 39)
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
30
ou seja como se constituiacutessem um tipo ldquointermeacutediordquo de operaccedilatildeo entre o humano e o divino
Poreacutem como todas as accedilotildees de Jesus satildeo accedilotildees da Pessoa divina tambeacutem suas operaccedilotildees
humanas podem e devem dizer-se accedilotildees de Deus neste sentido e soacute neste sentido as accedilotildees de
Cristo podem chamar-se accedilotildees divino-humanas
Existe pois um significado correto da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo divino-humanasrdquo (teacircndricas)
de Jesus Cristo todas suas accedilotildees humanas enquanto que accedilotildees da Pessoa divina podem chamar-se
teacircndricas 82
Existe tambeacutem outro uso da expressatildeo ldquooperaccedilatildeo teacircndricardquo No operar de Cristo haacute accedilotildees
exclusivamente divinas (todas as que faz o Verbo enquanto Deus e que satildeo comuns agraves trecircs Pessoas
divinas) e accedilotildees humanas Estas como satildeo realizadas pela Pessoa do Verbo mediante sua natureza
humana podem chamar-se accedilotildees teacircndricas pois satildeo accedilotildees humanas do Verbo
Alguns autores reservam esta expressatildeo para as accedilotildees humanas de Jesus que satildeo instrumento
de seu operar divino para produzir efeitos que transcendem a mera capacidade humana Em
qualquer caso ao considerar as accedilotildees humanas de Jesus de Nazareacute eacute importante ter sempre em
conta que cada um dos gestos humanos eacute gesto de Deus
42 A uacutenica filiaccedilatildeo de Jesus ao Pai
A unicidade da pessoa em Cristo exige confessar a unicidade de filiaccedilatildeo ao Pai jaacute que a
relaccedilatildeo de paternidade e filiaccedilatildeo eacute uma relaccedilatildeo da pessoa e natildeo da natureza
O adocionismo de Elipando e Feacutelix eacute uma heresia de curta duraccedilatildeo e consistente em afirmar
que Cristo enquanto Deus eacute Filho natural do Pai e que enquanto homem e cabeccedila dos homens eacute
seu filho adotivo de forma que nossa uniatildeo com Ele nos faz participar de sua filiaccedilatildeo adotiva
Trata-se de um adocionismo completamente distinto do adocionismo trinitaacuterio ou seja
daquele subordinacionismo que considerava que o Filho eacute filho porque foi adotado como tal pelo
Pai
Natildeo duvidavam que a segunda Pessoa da Trindade eacute Deus mas natildeo utilizaram bem a
comunicaccedilatildeo de idiomas e por esta razatildeo dizem que Cristo enquanto homem natildeo eacute filho natural
de Deus mas adotivo
Segundo os adocionistas a natureza humana de Cristo haveria sido adotada filialmente pelo
Pai ao ser assumida pelo Verbo na encarnaccedilatildeo Em consequecircncia o filho de Maria assumido pelo
Verbo natildeo seria filho natural de Deus se natildeo somente filho adotivo
O pensamento subjacente remete a uma concepccedilatildeo da encarnaccedilatildeo como se consistisse na
uniatildeo de dois sujeitos capazes de relaccedilotildees pessoais distintas
Para Feacutelix natildeo eacute a pessoa que se manifesta diretamente nas propriedades de cada natureza
se natildeo um hipoteacutetico sujeito
82 Conf Suma III q 19 ad 1
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
31
43 Relaccedilatildeo de adoraccedilatildeo dos homens com Cristo
A adoraccedilatildeo ou culto de latria eacute o ato de render a maacutexima honra e reverecircncia a Deus em
razatildeo de sua infinita perfeiccedilatildeo e transcendecircncia com relaccedilatildeo agraves criaturas A adoraccedilatildeo eacute por isto
diversa da simples veneraccedilatildeo ou culto de dulia devida aos santos e eacute tambeacutem diversa do culto de
hiperdulia ou maacutexima veneraccedilatildeo devida a Santa Maria
Nestoacuterio afirmou uma dupla honra devida a Jesus a adoraccedilatildeo propriamente dita que teria
que render a Cristo-Deus e a veneraccedilatildeo correspondente a Cristo-homem
Eacute importante notar que a definiccedilatildeo do II Conciacutelio de Constantinopla ao ratificar a unidade
de adoraccedilatildeo devida a Jesus o faz excluindo tanto uma dupla adoraccedilatildeo (nestorianismo) como uma
falsa concepccedilatildeo (monofisismo) do porquecirc desta uacutenica adoraccedilatildeo
A adoraccedilatildeo eacute devida agrave Pessoa com tudo aquilo que lhe pertence divindade e humanidade
A humanidade de Cristo eacute assim adorada enquanto que eacute a humanidade de Deus pois sua carne foi
feita corpo de Deus 83
44 Comunicaccedilatildeo de idiomas e linguagem humana sobre o misteacuterio de Cristo
Entre as diversas consideraccedilotildees que poderiacuteamos fazer sobre a linguagem cristoloacutegica haacute
uma de particular importacircncia que eacute consequecircncia imediata da uniatildeo hipostaacutetica a comunicaccedilatildeo de
idiomas ou seja a aplicaccedilatildeo das propriedades divinas e humanas agrave uacutenica Pessoa de Cristo
Este modo de falar foi utilizado desde o iniacutecio dos escritos do NT Este oferece expressotildees
tiacutepicas da comunicaccedilatildeo de idiomas At 3 15 Jo 3 13 At 20 28 Rm 8 32 1 Cor 2 8 1 Jo 3 16
A comunicaccedilatildeo de idiomas natildeo pode fazer-se arbitrariamente se natildeo somente de modo que
respeite a verdade da encarnaccedilatildeo Podemos afirmar que Deus morreu mas natildeo que a divindade
morreu como tambeacutem podemos dizer que este homem eacute Deus mas natildeo podemos falar que ldquoa
humanidade de Cristo eacute Deusrdquo
A teologia refletindo sobre esta linguagem cristoloacutegica estabeleceu regras concretas para
a comunicaccedilatildeo de idiomas
As principais recolhidas por S Tomaacutes satildeo84
a) Os nomes concretos de uma natureza e suas proposiccedilotildees afirmativas natildeo negativas
e podem predicar-se em Cristo dos nomes concretos da outra natureza e de suas propriedades
b) Os nomes abstratos de uma natureza natildeo podem predicar-se dos nomes abstratos
de outra natureza e de suas propriedades
c) Os nomes concretos ndash de uma natureza e de suas propriedades ndash ordinariamente
natildeo podem predicar-se das coisas abstratas
d) Os nomes abstratos da natureza divina podem predicar-se dos concretos da
natureza humana por real identidade ainda que a expressatildeo natildeo seja gramaticalmente correta
e) Os nomes abstratos da natureza humana natildeo se podem predicar dos concretos da
83 Assim entende-se o culto a tiacutetulos especiacuteficos como ao Sagrado Coraccedilatildeo de Jesus 84 Conf Suma III q 16
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
32
natureza divina
f) Os adjetivos da natureza divina natildeo podem predicar-se de nomes concretos da
natureza humana ainda que os adjetivos da natureza humana possam predicar-se dos nomes
concretos da natureza divina
g) As proposiccedilotildees que expressam o fim ou o comeccedilo do ser aplicadas a Cristo sejam
empregadas com muita cautela
h) Mais importante do que aprender as regras particulares eacute considerar sempre ao
falar sobre o misteacuterio de Cristo a realidade da uniatildeo hipostaacutetica
45 A Uniatildeo Hipostaacutetica
451 O modo da uniatildeo
A afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute Filho de Deus comporta confessar ao mesmo tempo sua perfeita
divindade sua perfeita humanidade e a unidade existente entre ambas Trata-se de unidade que estaacute
mais aleacutem da mera intencionalidade e que haacute de entender-se em sentido fiacutesico
A teologia dos seacuteculos posteriores e especialmente a teologia escolaacutestica realizou um
grande esforccedilo por aperfeiccediloar como haacute de entender-se esta uniatildeo hipostaacutetica ou segundo a
hipoacutestasis
452 As ldquotrecircs opiniotildeesrdquo sobre o modo de uniatildeo
Pedro Lombardo sintetiza em seus Quatro Livros das Sentenccedilas as trecircs opiniotildees sobre o
modo da uniatildeo hipostaacutetica mais divulgadas em sua eacutepoca
A primeira opiniatildeo eacute denominada a teoria do ldquohomo assumptusrdquo Seu autor mais conhecido
eacute Hugo de S Vitor
Ao encarnar-se o Verbo teria assumido um ldquosujeitordquo jaacute subsistente em si mesmo composto
de alma e corpo ao assumi-lo o Verbo se teria feito homem e este sujeito ao ser assumido pelo
Verbo teria comeccedilado a subsistir na pessoa do Verbo sem que por ele houvesse mescla nas
naturezas
Esta opiniatildeo potildee em Cristo duas hipoacutestasis ou supostos que eacute o mesmo que por duas
pessoas
A segundo opiniatildeo pertence a Gilberto Porretano Eacute chamada ldquoa teoria da subsistecircnciardquo
Pedro Lombardo a descreve assim a pessoa do Verbo antes da encarnaccedilatildeo era simples
poreacutem na encarnaccedilatildeo se fez composta Natildeo eacute que com a encarnaccedilatildeo tenha recebido alguma
mudanccedila mas que como antes era somente a pessoa do Verbo com a encarnaccedilatildeo fez-se a pessoa
do homem natildeo porque sejam duas pessoas mas porque a mesma eacute pessoa de Deus e pessoa do
homem
A pessoa que era simples e que existia em uma soacute natureza agora subsiste em duas Ela se
torna composta por subsistir em duas naturezas Em consequecircncia a humanidade de Jesus subsiste
em virtude da subsistecircncia do Verbo
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
33
Essa eacute opiniatildeo que S Tomaacutes seguiraacute entendendo que nela se expressa a feacute da Igreja (Suma
q 2 a6)
A terceira opiniatildeo apresentada por Pedro Lombardo se conhece como a teoria do ldquohabitusrdquo
O nuacutecleo desta opiniatildeo tenta evitar que se possa dizer que a pessoa do Verbo pela uniatildeo
hipostaacutetica resulta composta A uniatildeo hipostaacutetica seria um ldquohabitusrdquo ela seraacute entendida como a
uniatildeo existente entre o homem e o seu vestido
S Tomaacutes a desprezaraacute porque a natureza humana consiste na uniatildeo de alma e de corpo e
portanto se o Verbo houvesse assumido ambos separados natildeo haveria assumido uma verdadeira
natureza humana Aleacutem disso essa uniatildeo seria acidental (Nota 9 p 257 Suma q 2 a 6 in c)
453 Uniatildeo substancial uniatildeo acidental e uniatildeo hipostaacutetica
Entende-se por uniatildeo a reuniatildeo das partes no conjunto do todo que constituem A uniatildeo
considerada em si mesma pode ser fiacutesica ou moral Ao longo dos seacuteculos insistiu-se que a uniatildeo
entre a humanidade de Cristo e pessoa do Verbo eacute uma uniatildeo fiacutesica
A uniatildeo fiacutesica por sua vez pode ser substancial ou acidental segundo a uniatildeo que dela
surge acidental ou substancial
Posto que o conceito de uniatildeo substancial eacute contraposto ao de uniatildeo acidental a uniatildeo
hipostaacutetica se pode situar ao lado da uniatildeo substancial Trata-se de uma uniatildeo pessoal uacutenica
Entende-se por uniatildeo pessoal aquela uniatildeo da qual resulta uma pessoa As duas naturezas
completas se unem numa uacutenica pessoa
454 Conceito de uniatildeo hipostaacutetica
Pela uniatildeo hipostaacutetica a natureza humana de Jesus que eacute perfeita estaacute unida agrave pessoa do
Verbo de forma que natildeo constitui uma pessoa humana - natildeo existe em virtude de seu proacuteprio ato
de ser mas existe em virtude do ser divino do Verbo
O Verbo eacute homem precisamente porque subsiste na sua natureza humana comunicando-
lhe seu proacuteprio modo pessoal de existir na Trindade
A uniatildeo hipostaacutetica eacute pois uma uniatildeo inteiramente singular que natildeo tem equivalente no
acircmbito de nossa experiecircncia humanidade e divindade permanecem em Cristo como substacircncias
distintas poreacutem constituem uma soacute pessoa
As accedilotildees de Cristo o nascer e o morrer satildeo accedilotildees do Verbo Trata-se pois de uma uniatildeo
real jaacute que eacute real o fato de que a natureza humana pertence com toda verdade agrave pessoa do Verbo
ainda que esta uniatildeo natildeo modifique nem a natureza humana nem a natureza divina na qual
eternamente subsiste o Verbo
Posto que a Sagrada Escritura atribua ao mesmo sujeito caracteriacutesticas humanas e
caracteriacutesticas divinas para manter iacutentegros esses dados eacute necessaacuterio concluirmos que ambas as
naturezas natildeo estatildeo unidas em niacutevel de naturezas mas em niacutevel de sujeito (Suma q 2 a4)
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
34
455 Os conceitos de uniatildeo e assunccedilatildeo85
A uniatildeo hipostaacutetica eacute consequecircncia de que o Verbo tenha unido a si mesmo a natureza
humana
O termo assunccedilatildeo refere-se agrave encarnaccedilatildeo in fieri o Verbo sujeito ativo da encarnaccedilatildeo
toma sobre si a natureza humana fazendo-a sua O termo se encontra no terreno da accedilatildeo enquanto
que o termo uniatildeo se refere agrave relaccedilatildeo que mantecircm entre si a natureza divina e a natureza humana
como consequecircncia desta assunccedilatildeo
A assunccedilatildeo eacute o fundamento ou a razatildeo de que esta natureza se encontra relacionada com
relaccedilatildeo de unidade com a Pessoa do Verbo e em consequecircncia com sua natureza divina
456 A uniatildeo hipostaacutetica dom sobrenatural
A uniatildeo hipostaacutetica eacute a maior das uniotildees que pode ocorrer entre Deus e uma natureza criada
Esta uniatildeo entre o Verbo e sua natureza humana eacute antes de tudo comunicaccedilatildeo que a ela faz o Verbo
de si mesmo eacute pois um dom sobrenatural feito a essa natureza Daiacute que a uniatildeo hipostaacutetica seja
chamada com toda propriedade de ldquograccedila de uniatildeordquo
457 Indissolubilidade da uniatildeo hipostaacutetica
Pertence agrave feacute que a uniatildeo hipostaacutetica comeccedilou no mesmo instante em que foi concebida a
humanidade de Jesus e tambeacutem que esta uniatildeo nunca se interrompeu e nunca cessaraacute
Natildeo houve nenhum momento em que a humanidade de Jesus natildeo estivesse unida
hipostaticamente ao Verbo
Jesus natildeo teve uma existecircncia proacutepria antes de ser a humanidade de Deus Sua natureza
humana natildeo foi assumida como se antes fosse criada e depois assumida se natildeo que foi criada na
mesma assunccedilatildeo A uniatildeo hipostaacutetica natildeo se interrompeu nem sequer na Paixatildeo e morte de Jesus
At 3 15 1 Cor 2 886
46 A unidade ontoloacutegica da pessoa o Ser de Cristo
461 Natureza e pessoa na cristologia
A distinccedilatildeo entre natureza e pessoa foi de suma importacircncia para expor a doutrina
cristoloacutegica nos primeiros seacuteculos
O Conciacutelio de Niceia utilizou a distinccedilatildeo para desprezar a doutrina ariana de que o Filho eacute
ldquode outra hypoacutestasis ou de outra ousiacuteardquo que o Pai
Os Padres Capadoacutecios tiveram um papel de primeira ordem na clarificaccedilatildeo dos termos
entenderam ousiacutea como aquilo que eacute comum aos indiviacuteduos da mesma espeacutecie hypoacutestasis a ousiacutea
completa e distinta pelos caracteres individuais que a determinam
No acircmbito latino Tertuliano utilizou o termo substantia para falar da realidade do Filho
85 Suma q 2 a 8 in c 86 Suma q 50 aa 2 e 3
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
35
contra os modalistas Ele deu aos latinos a base conceitual para falar de uma sustacircncia trecircs personae
na Trindade e de duas substantia e uma hypoacutestasis em Cristo
462 Diversas definiccedilotildees de pessoa
Boeacutecio (525) substacircncia individual de natureza racional Substancialidade individualidade
e racionalidade aparecem unidas Na definiccedilatildeo de Boeacutecio substacircncia individual indica a raiz da
proacutepria individualidade enquanto que a natureza racional indica a possibilidade de comunicaccedilatildeo
pessoal
Ricardo de S Vitor (1173) Deus eacute uma substacircncia individual de natureza racional e sem
duacutevida natildeo pode dizer dela que seja uma soacute pessoa A Pessoa divina eacute definida como existecircncia
incomunicaacutevel da natureza divina
Para ele a pessoa designa o modo de existir imprescindiacutevel para que possa dar-se o amor
um modo de existir que ao mesmo tempo distingue e une O conceito ldquopessoardquo estaria mais
relacionado agrave incomunicabilidade do que a substacircncia
A pessoa natildeo eacute formalmente algo mas algueacutem que possui uma natureza dotada de razatildeo
S Tomaacutes (1274) pessoa eacute o subsistente de natureza racional Ele substitui o termo
substacircncia de Boeacutecio por subsistecircncia Ele dirige sua definiccedilatildeo para o sujeito que eacute o suporte da
natureza enquanto subsiste como distinto e incomunicaacutevel
Em Deus as Pessoas se constituem pela relaccedilatildeo subsistente A Pessoa do Verbo ndash que eacute relaccedilatildeo subsistente ndash se relaciona com sua natureza humana comunicando-lhe seu proacuteprio modo de existir na Trindade (Suma I q 29 a 3)
Na doutrina Trinitaacuteria o conceito de pessoa se utiliza para designar a distinccedilatildeo dos Trecircs
dentro da unidade da Trindade na cristologia se utiliza para designar a unidade existente entre as
duas naturezas do Verbo encarnado
463 As teorias em torno ao constitutivo formal da pessoa
A pessoa implica uma natureza completa a subsistecircncia A natureza humana de Cristo eacute
completa mas natildeo eacute pessoa pois a subsistecircncia eacute a da Pessoa do Verbo A questatildeo que fica eacute sobre
a concepccedilatildeo de subsistecircncia e sua relaccedilatildeo com a natureza
Partindo de Eacutefeso e Calcedocircnia os autores vatildeo tomar a ideia de pessoa como sujeito de
atribuiccedilatildeo das accedilotildees O termo ou estaraacute direcionado para a substacircncia ou para o esse mantendo
sempre a ideia de que o Verbo eacute o sujeito das accedilotildees de sua natureza humana
464 Ser e Pessoa em Cristo
Toda natureza humana singular constitui uma pessoa humana a natildeo ser que se decirc um caso
de uma natureza humana que exista em virtude do ser de outra pessoa S Tomaacutes fala de um soacute ser
em Cristo (Suma q 17 a3) A Pessoa do Verbo eacute a que faz existir a natureza humana de Jesus
(CIC 470) sem que por isto fique limitada ou circunscrita por ela
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
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MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
36
Quando se fala da uniatildeo hipostaacutetica natildeo se estaacute falando da Encarnaccedilatildeo do Ser divino se natildeo
da Encarnaccedilatildeo somente da Pessoa do Filho de Deus o qual comunica a sua humanidade aquilo que
no seio da Trindade lhe distingue das outras Pessoas como Filho e Verbo
47 A unidade psicoloacutegica da pessoa o eu de Cristo
Considerando a dualidade de naturezas e de inteligecircncias em Cristo pareceria que nEle
devem dar-se dois eu (um divino e outro humano) jaacute que haacute duas autoconsciecircncias (uma divina e
outra humana) Poreacutem ao mesmo tempo e na medida em que o Eu eacute expressatildeo da Pessoa pareceria
que em Jesus deva dar-se um uacutenico Eu jaacute que eacute uma soacute Pessoa
471 A teoria do ldquoassumptus homordquo
Entre as mais conhecidas tentativas de explicaccedilatildeo teoloacutegica da psicologia de Jesus estaacute a de
Deacuteodat de Basly (+1937) Tomando como ponto de partida a integridade da natureza humana de
Cristo Deacuteodat mencionou que em Cristo se datildeo dois Eu um divino (que segundo ele seria
comum agraves trecircs Pessoas divinas) e outro humano
Deacuteodat interpreta que a humanidade de Jesus constituiria um indiviacuteduo humano distinto do
Verbo ainda que unido a Ele ontologicamente de tal modo que ainda que forme uma soacute pessoa
com o Verbo a humanidade de Jesus seria em si mesma um sujeito autocircnomo com a mesma
autonomia que qualquer sujeito humano (Nota 112 p 288)
472 As teorias em torno ao eu de Cristo
Paul Galtier enfatizou que em Jesus assim como haacute duas inteligecircncias haacute tambeacutem dois Eu
um divino e outro humano Sem duacutevida o Eu humano de Cristo (que manifesta a autoconsciecircncia
da sua humanidade) natildeo eacute expressatildeo de uma pessoa humana mas o eu humano da Pessoa divina
Recentemente Jean Galot esclaresceu que em Jesus haacute um uacutenico Eu haacute uma unidade
psicoloacutegica da Pessoa de Cristo em correspondecircncia agrave sua unidade ontoloacutegica
473 O uacutenico eu de Cristo
No NT haacute numerosos textos nos quais Jesus pronuncia a palavra Eu e o faz de tal maneira
que expressa uma unidade pessoa de Deus-homem (Jo 17 5)
A mesma expressatildeo ldquoEu sourdquo utilizada por Jesus indica seu uacutenico Eu divino Assim Paulo
VI ao abordar o dogma cristoloacutegico definido pelos primeiros Conciacutelios explica que em Jesus haacute
uma soacute Pessoa um soacute Eu vivente e operante em dupla natureza divina e humana
O que parece cada vez mais certo ao lermos os evangelhos eacute que Cristo tem um soacute Eu e
que da unidade ontoloacutegica de sua Pessoa se segue tambeacutem sua unidade psicoloacutegica
48 O Conceito Moderno de Pessoa e sua incidecircncia na Cristologia
Na modernidade87 com a questatildeo subjetivista trazida por Descartes comeccedila a surgir uma
87 Wojtwla lembra que na filosofia moderna a partir de Descartes instaura-se uma divisatildeo do ser humano em corpo substacircncia pensante Os dois
elementos se relacionam de forma paralela desaparecendo a noccedilatildeo de todo uacutenico A consciecircncia por sua vez neste contexto antropoloacutegico passa
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
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MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
37
nova perspectiva completamente diversa no que se refere ao conceito de pessoa
Se anteriormente definia-se a pessoa desde o objetivo ndash a substacircncia o ato de ser ndash a
partir de Descartes se tentaraacute defini-la desde a subjetividade desde a autoconsciecircncia do proacuteprio
eu desde a capacidade de relaccedilatildeo com um tu ou desde a abertura agrave transcendecircncia
Pode-se dizer que com Descartes comeccedila a abrir-se caminho para esse novo conceito de
pessoa baseado natildeo na relaccedilatildeo com a autonomia do ser do proacuteprio sujeito mas na relaccedilatildeo com seu
pensamento com sua autoconsciecircncia a convicccedilatildeo de que o homem somente tem garantia de ser
ele mesmo se se pensa a si mesmo Cogito ergo sum O eu consiste na autoconsciecircncia ou seja
na sua subjetividade 88 Portanto para Descartes a pessoa se identifica com o eu pensante com o
eu consciente
Dada sua antropologia dual Descartes coloca a essecircncia da pessoa na alma enquanto ser
pensante inextenso e contradistinto do corpo que eacute substacircncia extensa A racionalidade e
portanto a autoconsciecircncia e a abertura sempre formaram parte da definiccedilatildeo claacutessica de pessoa
A qualidade de imagem e semelhanccedila de Deus outorga agrave pessoa humana uma dimensatildeo misteriosa e
inefaacutevel Precisamente em seu caraacuteter de imagem de Deus radica seu caraacuteter de pessoa A pessoa eacute
um indiviacuteduo dotado de comunicaccedilatildeo e de autotranscendecircncia fazendo insistecircncia na chamada do
infinito tatildeo especiacutefica e irrenunciaacutevel para o coraccedilatildeo do homem
481 Anton Guumlnther
O primeiro a tentar incorporar esta noccedilatildeo de pessoa agrave cristologia foi Anton Guumlnther
(+1836) que entendeu a pessoa como consciecircncia de si89
Ele divide todo o real em substacircncia extensa e inextensa mateacuteria e espiacuterito entendendo
esta divisatildeo como a estrutura fundamental da realidade O problema cristoloacutegico surgiu
imediatamente
De fato se o que constitui a pessoa eacute sua autoconsciecircncia e em Cristo existem duas
inteligecircncias ndash humana e divina ndash seraacute necessaacuterio por nEle tantas pessoas como inteligecircncias com as
quais se percebe a si mesmo ou ao inveacutes caso se parta do princiacutepio de que eacute uma soacute pessoa teraacute
que por nEle um soacute ato de entender
482 Antonio Rosmini
Escreve Rosmini
gradualmente a ser entendida como um sujeito autocircnomo da accedilatildeo A pessoa eacute identificada quase completamente com a consciecircncia A consciecircncia eacute objeto da experiecircncia exterior do homem O corpo por sua vez acompanhando os demais corpos naturais submete-se agrave observaccedilatildeo da experiecircncia interiorrdquo (SILVA Paulo Ceacutezar A eacutetica personalista de Karol Wojtyla p 24 88 cf SALES Benes Alencar Heranccedila Medieval da Antropologia Cartesiana ndash Revista Veritas Setembro de 2002 p 321-322 89 ldquoLa peronalidad ndash escrebe Guumlnther - iquestes otra cosa que conciencia de siacute mismo iquestY no es acaso esta consciencia la forma esencial del espiacuteritu iquestY
puede hablarse de una verdadera humanidad que excluya esta forma esencial es decir encerrando en un envoltorio corporal un espiacuteritu dimidiado
por carecer de formardquo (A GUumlNTHER Vorschule zur spekulativen Theologie t II Viena 1822 260) ldquoEn cada persona es necesario distinguir
esencia y forma La primera es el ser en siacute mismo sustancia-principio la segunda es el pensamiento de este ser cuando ella tiene el
ser mismo por contenido He aquiacute por queacute la consciencia de siacute es aquello por lo que el ser se retoma a siacute mismo se convierte en sujeto
espiritual o yordquo (ibiacuted 296) Cfr A MICHAEL ldquoHypostaserdquo cit col 431-432
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
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caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
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tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
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CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
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HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
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ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
38
Tomai qualquer objeto que vos agrade e com a abstraccedilatildeo retirai dele as suas qualidades proacuteprias as mais comuns aquilo que vos restaraacute como a uacuteltima qualidade de todas seraacute a existecircncia e por meio dela ainda podereis pensar alguma coisa um ente ()90
Para Rosmini a abertura ao ser objetivo seria constitutiva da pessoa isto eacute a ideia do ser
soacute pode ser inata
Tanto em Guumlnther como em Rosmini encontramos um notaacutevel esforccedilo para falar da uniatildeo
hipostaacutetica desde o conceito de pessoa que brota do giro subjetivista da filosofia Ambos
propugnaram um conceito de pessoa em dependecircncia de seus atos espirituais sem darem o
suficiente relevo ao fato de que estes atos natildeo satildeo o constitutivo da pessoa humana mas dimanam
da pessoa jaacute constituiacuteda
Com isso a uniatildeo em Cristo do humano e do divino podia interpretar-se como uma uniatildeo
no plano da accedilatildeo mas natildeo no niacutevel do ser E isso natildeo era suficiente para manter em toda sua
integridade a afirmaccedilatildeo de que Jesus eacute o Filho de Deus
483 Dificuldades no uso da noccedilatildeo de pessoa na teologia
A histoacuteria da teologia testemunha que o uso do conceito de pessoa e sua distinccedilatildeo do
conceito de substacircncia constituiu uma poderosa ajuda para expor corretamente tanto a feacute trinitaacuteria
como a feacute cristoloacutegica
O conceito de pessoa serviu primeiro para designar o que haacute de distinto no uacutenico Deus
trecircs pessoas Utilizou-se depois para designar o que haacute de uacutenico em Cristo uma pessoa
No acircmbito trinitaacuterio a pessoa se define como relatio subsistens ou seja o acento recai
diretamente sobre a relaccedilatildeo e natildeo sobre a subsistecircncia
Na cristologia o acento recai sobre a subsistecircncia mas sobre a racionalidade na uniatildeo
hipostaacutetica o Verbo comunica agrave sua natureza humana seu proacuteprio modo pessoal de existir na
Trindade
No seacuteculo XX as principais criacuteticas ao uso de pessoa sobretudo no acircmbito da teologia
trinitaacuteria vieram de dois conhecidos teoacutelogos Karl Barth e Karl Rahner
Barth natildeo pretende eliminar de todo o conceito de pessoa em Deus poreacutem propotildee
restringi-lo agrave essecircncia divina para afirmar com este conceito que Deus eacute uacutenico poreacutem natildeo eacute o
espiacuterito absoluto mas uma pessoa um Eu que existe em si mesmo e por si mesmo dotado de
pensamento e vontade proacutepria
As dificuldades barthianas para aplicar a Deus o conceito de pessoa estatildeo em dependecircncia
ademais de sua afirmaccedilatildeo de que personalidade e finitude satildeo inseparaacuteveis estatildeo tambeacutem em
relaccedilatildeo com seu conhecido desprezo pela analogia
Tambeacutem Rahner experimenta graves duacutevidas sobre a oportunidade de utilizar o termo
pessoa na teologia trinitaacuteria Suas razotildees provecircm fundamentalmente do significado que lhe outorga
a filosofia moderna significado bem diverso segundo ele do que recebeu na eacutepoca patriacutestica 91
90 REALE G e ANTISERE D Histoacuteria da Filosofia vol 3 p 280 91 Pero si no se aplica a Dios el concepto de persona iquest coacutemo expresar que los Tres de la Trinidad se poseen a siacute mismos y se autodonan
en las relaciones trinitarias K Barth propone substituir la expresioacuten tres personas por la de tres modos de ser (Seinsweise) foacutermula
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
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caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
39
Rahner pretende reservar o termo pessoa a Deus e o de personalitas aos trecircs da Trindade
(distintas formas de subsistecircncia) que nos saem ao encontro na histoacuteria da salvaccedilatildeo
484 O intento cristoloacutegico de Karl Rahner
Em Rahner se encontra um novo esforccedilo por incorporar agrave cristologia o conceito de
autoconsciecircncia como o nuclear da noccedilatildeo de pessoa para considerar daqui a uniatildeo hipostaacutetica
Sua ecircnfase eacute fruto da sua filosofia transcendental Sua afirmaccedilatildeo eacute clara de que Jesus de
Nazareacute eacute o Filho de Deus 92
A cristologia transcendental de Rahner parte de uma antropologia na qual o homem eacute
compreendido como o ente que no exerciacutecio do seu intelecto se caracteriza por uma tendecircncia ao
infinito que transborda os dados meramente categoriais
A pessoa humana segundo ele consiste na abertura aprioacuterica da consciecircncia humana ao ser
em geral abertura que no fundo eacute uma abertura ao infinito ou seja a Deus
Em Cristo posto que haacute dois centros de consciecircncia haacute dois sujeitos o humano e o divino
Apesar de natildeo dizer haver em Jesus dois sujeitos o pensamento acaba dando margem agrave
defesa de dois ldquoeu(s)rdquo em Jesus um ldquoeurdquo divino e outro humano
A subjetividade humana de Jesus eacute distinta da do Verbo e ao mesmo tempo precisamente
porque nrsquoEle em Jesus se daacute uma abertura total ao infinito ndash ou seja a Deus ndash esta subjetividade
pode receber a total autodoaccedilatildeo de Deus 93
Coerente com sua proposta de introduzir na cristologia o conceito moderno de pessoa
Rahner tenta mostrar em Jesus uma unidade original de ser e consciecircncia que parece inspirada na
definiccedilatildeo plotiniana de Deus Jesus tem consciecircncia daquilo que eacute e eacute aquilo do que tem
consciecircncia
O homem Jesus se situa em uma unidade de vontade que domina a priori seu ser inteiro e
em uma obediecircncia da qual deriva toda sua realidade humana Com isso parece que Rahner
somente pode conseguir a unidade no plano da accedilatildeo Quando se potildeem dois sujeitos um frente ao
outro a uniatildeo entre ambos seraacute simplesmente a uniatildeo de accedilatildeo de relaccedilatildeo de amor natildeo se podendo
dizer entatildeo que Jesus eacute Deus Seu pensamento acaba se tornando ambiacuteguo
No caso da uniatildeo hipostaacutetica haacute que acrescentar que segundo a feacute da Igreja eacute o Verbo que
toma sobre si ndash assume ndash a natureza humana sem que seja a obediecircncia humana aquilo de que deriva
toda a realidade humana de Jesus e muito menos sem que essa abertura do humano ao divino seja
a razatildeo da uniatildeo hipostaacutetica
que o acerca peligrosamente a Sabelio o no es maacutes que un circunloquio para expresar lo mismo que se designa con el teacutermino persona
La advertencia es de K Rahner en su trabajo ldquoEl Dios Trino como principio y fundamento trascendente de la historia de la salvacioacutenrdquo
en J FEINER-M LOumlHRER Mysterium salutis II cit 328-329 Barth rechazoacute eneacutergicamente que su foacutermula pudiese entenderse en
sentido modalista (OCAacuteRIZ Fernando MATEO-SECO Lucas e RIESTRA Joseacute El misteacuterio de Jesucristo p 301) 92 Como observa J Galot aunque desde una perspectiva es verdad que a partir de Descartes el concepto de persona acentuacutea la
subjetividad mucho maacutes que en la eacutepoca precedente sin embargo este concepto no es del todo contradictorio con el concepto de
persona utilizado antes de Descartes tambieacuten alliacute se utiliza el concepto de persona para ldquosubrayar la originalidad y la riqu eza iacutentima
de la persona las caracteriacutesticas que la diferencian de todas las demaacutes confirieacutendole un rostro uacutenicordquo (J GALOT Cristo contestato
p 195) 93 K RAHNER ndash W THUumlSING Cristologiacutea Estudio teoloacutegico e exegeacutetico cit 67
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
40
485 As cristologias ldquonatildeo-calcedonianasrdquo
Estas dificuldades estatildeo na base do intento de alguns autores por elaborarem uma cristologia
agrave margem ou melhor contra a definiccedilatildeo de Calcedocircnia Por isso recebem esse nome Trata-se de
elaborar uma cristologia sem aceitar a distinccedilatildeo entre natureza e pessoa tal como eacute proposto pelo
Conciacutelio Entre os autores mais conhecidos estatildeo Piet Schoonenberg e Edward Schillebeeckx
Segundo Schooonenberg Calcedocircnia teria negado a verdadeira humanidade de Jesus ao
negar que Ele eacute uma pessoa humana pois para ele o fundamental seria dizer que Jesus de Nazareacute
eacute uma pessoa humana Por isso ele propotildee uma pessoa humana em duas naturezas invertendo
Calcedocircnia
Ao contraacuterio Schillebeeckx afirma que Jesus seria uma pessoa humana tatildeo de Deus que
poderiacuteamos dizer que nEle se daacute uma identificaccedilatildeo hipostaacutetica Estaacute-se referindo a uma identificaccedilatildeo
entre a pessoa humana de Jesus e o Verbo e nada mais Assim Jesus seria um ser humano em quem
tem lugar a revelaccedilatildeo suprema de Deus 94
49 A Santidade de Cristo
A santidade eacute uma palavra que designa a perfeiccedilatildeo de Deus sua Majestade sua Bondade
infinita e sua transcendecircncia Por esse motivo todas as suas obras satildeo santas disso resulta que aquele
que entra em relaccedilatildeo especial com Deus recebe a denominaccedilatildeo de santo
A santidade eacute uma graccedila um dom que eleva a pessoa ateacute o niacutevel de comunicaccedilatildeo com Deus
Esta comunicaccedilatildeo tem lugar de forma suprema em Cristo Sua humanidade natildeo soacute estaacute unida a Deus
senatildeo que eacute a humanidade de Deus Por isso Ele eacute santo de um modo supremo e uacutenico
Ao falarmos da santidade de Jesus Cristo estamos a nos referir como eacute oacutebvio agrave santidade
do Verbo essencialmente santo por ser um com o Pai e com o Espiacuterito Santo
Podemos nos perguntar ateacute que ponto essa santidade absoluta e total da Divindade do Verbo
se comunica agrave humanidade de Jesus e que consequecircncias comporta
491 A santidade de Jesus Cristo
A Biacuteblia refere-se expressamente agrave santidade de Jesus Cristo a partir de algumas
perspectivas a estreita relaccedilatildeo existente entre Jesus e o Espiacuterito Santo a existecircncia mesma de Jesus
ser fruto da accedilatildeo do Espiacuterito portanto sua santidade se faz derivar desta atuaccedilatildeo do Espiacuterito Santo
Jesus eacute santo tambeacutem em sua humanidade pela accedilatildeo plena do Espiacuterito com seus frutos e com seus
dons Esta santidade eacute de fato paradigma e fonte de santidade dos demais homens
492 A graccedila da uniatildeo
Pela encarnaccedilatildeo a natureza humana de Cristo foi elevada a uma maior uniatildeo com a
divindade com a pessoa do Verbo Pode ser chamada de graccedila da uniatildeo 95 Trata-se de um dom
94 cf CONGREGACcedilAtildeO PARA A DOUTRINA DA FEacute Decl Mysterium Filii Dei n3 95 A graccedila da uniatildeo eacute o proacuteprio existir pessoal que eacute dado gratuitamente por Deus agrave natureza humana na pessoa do Verbo que eacute o termo da assunccedilatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 6 a 6 in c)
41
infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
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Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
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infinito com a mesma infinitude do Verbo que recolhe ontologicamente unida sua natureza humana
Podemos usar a expressatildeo santidade substancial para expressar esta santidade pois a
natureza humana estaacute unida ao Verbo substancialmente A pessoa do Verbo eacute impecaacutevel Natildeo se
compreende pois como para fazer a esta natureza humana tatildeo santa que seja impecaacutevel natildeo bastaria
sua uniatildeo pessoal a esta natureza senatildeo que ela deveria receber essa impecabilidade mediante um
dom acidental como eacute a graccedila habitual
A graccedila da uniatildeo por si soacute daacute a Cristo a impecabilidade Esta uniatildeo tatildeo forte exclui todo o
pecado pois essa graccedila se daacute em Cristo por meio da uniatildeo hipostaacutetica 96
493 A graccedila habitual as virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo
Devemos dizer que Cristo eacute verdadeiro Deus segundo a pessoa e natureza divinas Como
poreacutem na unidade da pessoa permanece a distinccedilatildeo de naturezas logo a alma de Cristo natildeo eacute
divina por sua essecircncia mas por participaccedilatildeo - o que se daacute pela graccedila 97
Cristo eacute santo substancial e formalmente pela graccedila da uniatildeo Em Cristo a graccedila habitual
segue a graccedila da uniatildeo isso quer dizer que a divinizaccedilatildeo de sua natureza humana se daacute
fundamentalmente por pertencer ontologicamente ao Verbo
Para que pudeacutessemos falar da graccedila habitual em Cristo era preciso levar em consideraccedilatildeo as
virtudes infusas e os dons do Espiacuterito Santo Ele possuiu todas as virtudes de forma conveniente agrave
sua condiccedilatildeo de Filho de Deus e de sua missatildeo de Redentor
A santidade moral de Jesus se deve agrave accedilatildeo do Espiacuterito sobre Ele Podemos dizer tambeacutem
que Ele possui todas as graccedilas
Cristo eacute mais que um profeta porque nEle o dom da profecia natildeo tinha nenhuma
imperfeiccedilatildeo obscuridade ou limitaccedilatildeo Por isso Ele pode anunciar aos demais homens realidades
que escapavam a seu conhecimento 98
494 A graccedila capital
Cristo por ser o novo Adatildeo se relaciona com os redimidos de forma semelhante agrave videira
com os ramos Soacute poderemos dar frutos se estivermos unidos a Ele Cristo exerce a missatildeo de novo
Adatildeo e de Cabeccedila da Igreja Jesus eacute a causa instrumental de toda a nossa santificaccedilatildeo porque Ele eacute
a fonte e a causa de todo bem feito a noacutes homens99
495 A plenitude da graccedila em Cristo
Por conta da uniatildeo hipostaacutetica e da capitalidade de Jesus sobre o gecircnero humano podemos
96 Esta eacute a razatildeo porque Santo Tomaacutes nunca chama a graccedila habitual de Cristo de graccedila santificante pois a santificaccedilatildeo deriva para Cristo da graccedila da uniatildeo A observaccedilatildeo eacute de R Garrigou-Lagrange De Cristo Salvatore Marietti Roma 1946 182 97 Cfr Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 1 ad 1 98 Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 7 a 8 in c e ad 2 99 A alma de Cristo ndash explica Tomaacutes de Aquino ndash possuiu a graccedila em toda a sua plenitude Esta eminecircncia de sua graccedila eacute a que o capacita para comunicar sua graccedila aos demais no qual consiste precisamente a graccedila capital Portanto a graccedila pessoal que justifica a alma de Cristo eacute a mesma graccedila que LHE pertence como cabeccedila da Igreja e princiacutepio justificador dos demais entre ambas somente existe uma distinccedilatildeo de razatildeo (Santo Tomaacutes de Aquino STh III q 8 a 5 in c)
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dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
42
dizer que Ele teve a plenitude da graccedila desde o primeiro momento de sua concepccedilatildeo porque eacute o
Filho natural de Deus e o novo Adatildeo
Enquanto homem Cristo cresceu em graccedila durante sua vida terrena Para confirmarmos
isso podemos recorrer ao texto de Lc 2 52 ldquoJesus crescia em idade sabedoria e graccedila diante de
Deus e diante dos homensrdquo
Muitos teoacutelogos atuais procuram falar de crescimento em graccedila em Cristo sem deixar de
levar em consideraccedilatildeo a plenitude de graccedila que Ele sempre teve
496 A impecabilidade de Cristo e sua liberdade
A impecabilidade de Cristo eacute fruto da uniatildeo hipostaacutetica da santidade substancial e da
infinitude de graccedila habitual ou seja sua incapacidade de pecar
Jesus natildeo poderia pecar porque eacute contraacuterio agrave natureza divina qualquer sombra de pecado
Eacute absurda a ideia de Cristo poder pecar em sua natureza humana porque se isso acontecesse seria a
pessoa do Verbo quem pecaria Jesus eacute o sacerdote santo igual a noacutes em tudo exceto no pecado
Ele oferece sacrifiacutecios por toda a humanidade e natildeo por si mesmo jaacute que foi concebido nasceu e
morreu sem o pecado 100
Daiacute surge o problema de harmonizar a liberdade em Cristo com a sua impecabilidade
Temos que levar em conta que o pecado natildeo eacute constitutivo da natureza humana mas sim que ele
foi introduzido contra a natureza
Os evangelhos relatam que Jesus foi livre pois de outra forma Ele natildeo poderia ter
obedecido aos desiacutegnios de Deus Pai Um exemplo mais que evidente da liberdade e obediecircncia de
Cristo podemos constatar na oraccedilatildeo que Ele faz ao Pai no Horto das Oliveiras onde Ele manifesta
o seu sentimento de repulsa agrave dor e agrave morte Ele nos mostrou que era livre a ponto de aderir
plenamente com sua vontade humana fortificada pela oraccedilatildeo agrave vontade do Pai
497 As tentaccedilotildees de Cristo
Cristo essencialmente era impecaacutevel em virtude da uniatildeo hipostaacutetica logo podemos afirmar
que em Cristo natildeo havia a fomes peccati ou seja a desordem interna introduzida no homem pelo
pecado original Por esse motivo Cristo natildeo experimentou a tentaccedilatildeo ab intriacutenseco ou seja desde
dentro
Dizer que Cristo natildeo padeceu a desordem da concupiscecircncia natildeo significa dizer que Ele natildeo
teve sensibilidade muito pelo contraacuterio podemos ver sua sensibilidade se revelar nas suas pregaccedilotildees
e em suas paraacutebolas Ele possui uma natureza humana santa e retamente ordenada
No entanto a Sagrada Escritura nos diz que Jesus foi tentado pelo democircnio no deserto
depois do batismo e essa tentaccedilatildeo foi externa o que natildeo significa que natildeo tenha sido real ou
autecircntica
As trecircs tentaccedilotildees de Cristo estatildeo ligadas ao tipo de messianismo que o judaiacutesmo esperava
100 Conc XI de Toledo ano 675 (DH 539) As mesmas palavras se encontram no Conciacutelio de Florecircncia Decr pro Jacobitis (DH 1347)
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
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tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
43
Jesus mostra que o seu messianismo natildeo buscava proveito proacuteprio e que Ele veio para cumprir a
vontade do Pai Isso tudo estaacute ligado agrave luta de Jesus contra o mal que Ele venceu com perseveranccedila
dando-nos o exemplo de como lutar contra o mal
410 A ciecircncia de Cristo
4101 A ciecircncia divina e a ciecircncia humana de Cristo
Pertence agrave feacute que Cristo possui uma dupla inteligecircncia uma inteligecircncia divina e uma
inteligecircncia humana
Enquanto Deus o Verbo possui a ciecircncia divina que eacute infinita e incomunicaacutevel agrave
humanidade assumida enquanto homem tem os conhecimentos que satildeo possiacuteveis agrave natureza
humana visatildeo beatiacutefica ciecircncia infusa e ciecircncia adquirida A existecircncia de um conhecimento
humano em Cristo eacute patente em todo NT (Lc 2 52)101
Apolinaacuterio com temor em relaccedilatildeo agrave liberdade humana de Cristo acabou negando que
Cristo tivesse alma intelectual Pertence agrave feacute da Igreja que existe em Cristo uma inteligecircncia
humana correspondente agrave alma racional que possui e que essa inteligecircncia natildeo estaacute despojada da
atividade que lhe eacute proacutepria 102 Dada sua dignidade divina Cristo deve ter toda ciecircncia e em todos
os modos possiacuteveis a inteligecircncia humana
4102 A visatildeo imediata de deus
Os teoacutelogos quase unanimemente afirmaram que Cristo durante sua vida terrena gozava
da visatildeo imediata de Deus Essa unanimidade deixou de existir na teologia contemporacircnea (Jo 8
38 3 11 6 46 8 55 3 32 Mt 11 27) Ateacute S Agostinho natildeo menciona explicitamente esse tipo
de visatildeo em Cristo
Da Idade Meacutedia ateacute o Vaticano II era unacircnime entre os teoacutelogos a afirmaccedilatildeo da ciecircncia de
visatildeo em Cristo 103 A plenitude da santidade e a graccedila existentes em Cristo parecem tambeacutem exigir
a visatildeo imediata de DeusJ Galot eacute um dos teoacutelogos que nega a ciecircncia de visatildeo em Cristo pois
para ele este tipo de visatildeo natildeo eacute atestado nem na Escritura nem nos PadresTradiccedilatildeo Cristo
deveria ter tido uma vida humana como a de outro homem qualquer
4103 Jesus viator e comprehensor
Admitir em Cristo a visatildeo imediata de Deus leva a admitir tambeacutem que Ele durante sua
vida terrena eacute ao mesmo tempo viator e comprehensor isto eacute estava ao mesmo tempo em estado
de caminhante e em estado de fim ou seja havia chegado ao fim de seu destino humano104
Admitir a ciecircncia de visatildeo em Cristo parece que implicaria negar a realidade de seu
conhecimento adquirido S Tomaacutes afirmou repetidamente que em Cristo coexistem o estado de
101 GS 22 102 DH 151 103 Suma q 9 a2 104 Suma q 50 a 6
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
44
caminhante e de comprehensor105
A dificuldade de conciliar em Cristo homem um conhecimento total claro e certo como
eacute o conhecimento intuitivo e imediato de Deus com um conhecimento que progride pouco a pouco
e que natildeo eacute total nem goza da claridade da ciecircncia de visatildeo como eacute a ciecircncia adquirida parece
solucionar-se caso se tenha presente a distinta natureza de ambos os conhecimentos
Enquanto que o conhecimento natural se adquire atraveacutes dos sentidos por imagens ou
espeacutecies a ciecircncia de visatildeo eacute sem imagens ou espeacutecies por comunicaccedilatildeo imediata da Divindade a
alma fazendo a Cristo conhecer de uma forma que excede absolutamente o modo proacuteprio do
conhecimento humano
4104 Ciecircncia infusa
Designa-se por ciecircncia infusa aquele conhecimento que natildeo se adquire diretamente pelo
trabalho da razatildeo mas que eacute infundido diretamente por Deus na inteligecircncia humana A partir da
Idade Meacutedia a maior parte dos teoacutelogos pensa que Cristo gozou de ciecircncia infusa
A SE natildeo proporciona textos nos quais fique clara a existecircncia da ciecircncia infusa em Cristo 106
Eacute necessaacuterio tambeacutem recordar que em Cristo repousa em plenitude o Espiacuterito Santo com
seus dons (Is 11 1ss) Natildeo haacute porque negar a existecircncia em Cristo da ciecircncia infusa e de autecircnticos
carismas
4105 A ciecircncia adquirida
Por ciecircncia adquirida designam-se aqueles conhecimentos que o homem adquire por suas
proacuteprias forccedilas mediante seus sentidos (Lc 2 52)
Com o passar dos tempos negar que Cristo tivesse autecircntica ciecircncia adquirida implicava
negar consequecircncias importantes da verdade da encarnaccedilatildeo De fato negar a existecircncia em Cristo
de uma ciecircncia adquirida eacute negar nrsquoEle a forma normal atraveacutes da qual os homens adquirem seus
conhecimentos que eacute atraveacutes dos sentidos107
Alguns textos do NT segundo Oriacutegenes revelam que Cristo pergunta natildeo para saber algo
mas para ensinar perguntando (Mt 8 26 9 4) Jaacute em outros textos parece que Ele pergunta como
quem natildeo sabe mas em alguns a pergunta parece pedagoacutegica (Jo 6 5) ou parece que Ele deseja
conhecer algo (Mc 6 38 11 13 Lc 8 30)
Natildeo parece loacutegico pois negar que Jesus tenha aprendido verdadeiramente em sua vida
terrena ou seja tenha adquirido novos conhecimentos atraveacutes de sua experiecircncia
Alguns teoacutelogos entre eles S Tomaacutes ensinaram que a ciecircncia adquirida de Cristo abarca
tudo aquilo que possa ser conhecido pela accedilatildeo do entendimento agente
A ciecircncia adquirida do Salvador teve sempre a perfeiccedilatildeo conveniente a sua idade a seu
105 Suma q 7 a 8 (c) 106 Jo 1 14 Hb 10 5ss Jo 1 47ss 4 17s 107 Suma q 9 a 4 (c) q 12 a 2 a 3
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tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
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Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
45
tempo aos lugares onde vivia e em proporccedilatildeo com as pessoas com quem conversava e com os
desiacutegnios de sabedoria a que se propunha para a gloacuteria de Deus e salvaccedilatildeo do mundo
4106 Jesus e a feacute
Ao pensar que Cristo possuiacutea jaacute na terra a visatildeo imediata de Deus a teologia comumente
negou a existecircncia nrsquoEle da virtude da feacute precisamente por coerecircncia com as caracteriacutesticas
essenciais da feacute e da visatildeo imediata de Deus
Aqueles que defendem que Cristo teve visatildeo imediata de Deus e ao mesmo tempo definem
a feacute como conhecimento do que natildeo se vecirc afirmam que em Cristo natildeo houve feacute se natildeo visatildeo108
Outros autores mesmo aceitando a ciecircncia de visatildeo em Cristo gostam de falar tambeacutem de
feacute em Cristo como fidelidade sendo num sentido menos proacuteprio Tambeacutem afirmam a feacute aqueles
que negam a ciecircncia de visatildeo Mesmo que ratifiquemos que Cristo natildeo tenha tido a feacute teve o seu
meacuterito
4107 A infalibilidade de Jesus
Em Cristo se encontra o homem com a Verdade (Jo 14 6) Por isso Ele eacute o uacutenico Mestre
(Mt 23 10)
Somente depois da criacutetica iniciada por Reimarus (1694-1768) comeccedila-se a introduzir em
setores do pensamento catoacutelico a ideia de que Jesus errou sobre a data do fim do mundo e quanto agrave
natureza do seu messianismo
Desde uma perspectiva cristoloacutegica haacute que dizer que a existecircncia de um erro em Cristo
sobretudo no que concerne a sua missatildeo e seus ensinamentos implicaria que natildeo seja Deus
A maior parte dos teoacutelogos afirma como pertencente agrave feacute natildeo somente que Cristo natildeo se
equivocou mas que era infaliacutevel posto que a uniatildeo hipostaacutetica fazia metafisicamente impossiacutevel que
errasse Contudo fica a questatildeo se houve ignoracircncia
Alguns textos do NT parecem indicar uma ignoracircncia de Jesus sobre determinadas coisas
(Mt 24 36 Mc 5 8 Mt 26 39 Lc 7 9)
Com relaccedilatildeo ao texto de Mt 24 36 alguns Padres o entendem diretamente como uma
ignoracircncia de Cristo sobre o dia do juiacutezo
Apesar de notaacuteveis testemunhos a favor da ignoracircncia de Jesus satildeo numerosos os Padres
que se inclinam a defender em Cristo enquanto homem o conhecimento do dia do juiacutezo
S Agostinho por exemplo negou constantemente que Cristo ignorasse a data do fim do
mundo A Escolaacutestica seguiraacute sua interpretaccedilatildeo com poucas variantes Cristo disse que ignorava o
dia do juiacutezo natildeo porque de fato o ignorasse mas porque nem queria nem podia revelaacute-lo109
Nem o erro nem a ignoracircncia podem dar-se em Cristo pois iriam contra a dignidade de sua
Pessoa e contra a mesma Providecircncia divina ao natildeo dotarem a natureza humana de Cristo do
conveniente para desempenhar sua missatildeo de Mestre NEle se daacute o desconhecimento de algo que
108 Suma q 7 a 3 (c) 109 Suma q 10 a 2 ad 1
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natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
47
Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
46
natildeo se tem que saber
O Magisteacuterio da Igreja desprezou em diversas ocasiotildees as teses dos que admitiam ignoracircncia
em Jesus inclusive sobre o dia do juiacutezo
4108 A consciecircncia de Jesus
A teologia contemporacircnea sintetiza desta forma o conjunto de questotildees relativas a estas
duas perguntas Jesus sabia que era Deus Jesus conhecia qual era sua missatildeo
A contestaccedilatildeo tradicional foi afirmativa a ambas as perguntas Jesus sabia que era Deus e
conhecia sua missatildeo e natildeo se equivocou sobre sua dimensatildeo kenoacutetica
ldquoA consciecircncia que Jesus tinha de si mesmo e de sua missatildeordquo (CTI 1985)
O documento mencionado apresenta quatro proposiccedilotildees que abarcam os aspectos mais
destacados da questatildeo
ndash Jesus mostrou superabundantemente em seus gestos e palavras que tem consciecircncia de
sua relaccedilatildeo filial com o Pai e em consequecircncia de ser ele mesmo Deus e apoiado nesta
consciecircncia atuou com autoridade divina
ndash Jesus conhecia sua missatildeo aceitava-a e ofereceu sua vida por todos
ndash Jesus quis fundar a Igreja
ndash A consciecircncia que Jesus tem de sua missatildeo lhe permite entregar sua vida em favor de cada
homem de forma que com S Paulo todos podemos dizer que Ele morreu por noacutes
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Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986
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Bibliografia
CARDEDAL Olegaacuterio Gonzaacutelez de Cristologia Madri BAC 2001
CERFAUX Lucien Cristo na teologia de Paulo Satildeo Paulo Editora Teoloacutegica 2003
DENZINGER Compecircndio dos siacutembolos definiccedilotildees e declaraccedilotildees de feacute e moral Trad
Peter Hunermann Satildeo Paulo Paulinas Ediccedilotildees Loyola
HAGGLUND Histoacuteria da Teologia Bengt Mario L Rehfeldt Porto Alegre Editora
Concordia 1995
KESSELER Hans Cristologia In SCHNEIDER Theodor (Org) Manual de dogmaacutetica v I
ed 4 Petroacutepolis Vozes 2012
MARGUERAT Daniel Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola
2012
SERENTHAacute Maacuterio Jesus Cristo ontem hoje e sempre Satildeo Paulo Editora salesiana Dom
Bosco 1986