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LAN9AMENTOS DA IMAGO EDITORA
Dicionário Critico de Psicanálise
Charles Rycroft
Introdu(]áo d Obra de Melanie Klein
Hanna Segal
Conferéncias Brasileiras 1 - Sáo Paulo 1973
W. R. Bion
Técnicas Psicanalíticas 1 - A Técnica Freudiano.
Benjamin B. Wolman (org.)
Interdisciplinaridade e Patologia do Saber
Hilton Japiassu
A Parte Maldita
Georges Bataille
Teorias Operacionais da. Personaliqade
Arth ur Burton
O Brincar e a Realidade
D. W. Winnicott
Freud Lou-Andreas Salomé: Correspondéncia Completa
Drummond mais Seis Poetas e um Problema
António Houaiss
Semiologia Psicanalítica
Ernesto Cesar Liendo, Maria Carmen Gear e Luis J. Prieto
Narrativa da Análise de uma Crian(]a
Melanie Klein
Autismo e Psicose InfantilFrances Tustin
O Mito da Neutralidade Científica
Hilton Japiassu
Freud - Jung: Correspondéncia Completa
As Ciéncias e a Filosofia
Carlos Henrique de Escobar
A Supervisáo Psicanalítica
León Grinberg
I N T E R D I S C I P L l N A R I D A D EE P A T O L O G I A D O . S A B E R
Hil ton Japiassu
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INTERDlSCIPLINARIZACAO DO SABER:SINTOMA OU PROTESTO CONTRA A
INTELIG£NCIA ESFACELADA
PATOLOGIA DO SABER, obra que opor-tunamente a [mago Editora publica, é maisurna contribui~ao do Prof. HiltOI1 Japiassu areflexao sobre a ciéncia, onde o leitor poderáencontrar elementos fundamentais para com-
preender e conscientizar-se dos essenciais pro- blemas epistemológicos postulados pelas cién-cía humanas a partir do enfoque desuas rela~5es interdísciplinares exigén-cia intra e extracientífica. Se a fragmenta~aodas disciplinas é um fato, ela é também aexpressao de um desmembramento da reali-dade humana. Urna ciéncia em migalhas re-flete urna consciéncía esmígalhada, urna esqui-zofrenia intelectual que obsta um conhecimen-la integral ou totalizan te do mundo. Apesar de riqueza infinita, o complexo mental huma-no do século XX padece de um desequilíbrio:mtológ'co, já que um saber em mígalhas pro-cede díretamente de urna inteligéncia esface-lada - desequilíbrio da própria personalida:de do homem. Assim, Hilton Japíassu consi-dera a ínterdisc;plinaridade das ciéncias comourgente impos~ao para a forma~ao do homeme como resposta as necessídades da a~ao, sa- bendo que o desafio ultrapassa o simples do-mínio da epistemologia, urna vez que o proble-ma do interdiscíplinar conduz a tentativa de
formula~ao de urna interpreta~ao global daexisténcia do homem, sobre o senrdo de sua
presen~a no mundo. Nenhum homem é ilha, nenhuma ciéncia
é ilha. Da constata~ao de disciplinas fragmen-
INTERDISCIPLIN ARIDADEE PATOLOGIA DO SABER
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INTERDISCIPLINARIDADE E PATOLOGIA DO SABER.
Copirraite @ 1976 de RUton Japiassu
Editora(}ao
Coordena(}ao: Pedro PauIo de Sena Madureira
Revisao: Vanede Nobre
Revisao tipográfica: José Carlos Campanha
Capa: PauIo de OEveira
1976
Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA LTDA.,
Av. N. Sra. de Copacabana, 330, 10.0 andar, tel.:
255-2715, Rio de Janeiro.
Impresso no Brasil
Frinted in Brazil
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HIL TON ]APIASSU
INTERDISCIPLIN ARIDADE
E PATOLOGIA DO SABER
Série Logoteca
Dire(}ao deJAYME SALOMAO
Membro-Associado da Sociedade Brasileira de Psican á-Ese do Rio de Janeiro. Membro da Associa
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Obras do autor:
Introduc;iio ao Pensamento Epistemológico, LivrariaFrancisco Alves Editora, 1975.
Introduc;ao el Epistemologia da Psicologia, IMAGOEditora, 1975.
o Mito da Neutmlidade Científica, IMAGO Editora, 1975 Prefácio
SUMÁRIO
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PRIMEIRA PARTE: DOMÍNIO DO INTERDIS-CIPLINAR 37
1. Problemática 39
2. Motivac;oes, objetivos e justificac;oes 533. Precisoes teTminológicas 714. Modalidades de interdisciplinaTidade 76
5. Obstáculos 90
6. Exigéncias 103
SEGUNDA PARTE: METODOLOGIA INTERDIS-CIPLINAR 115
1. As convergéncias metodológicas 119
a) Níveis do projeto interdisciplinar 120
b) Etapas do método 125e) Condic;oes de realizac;éio 136
2. As pesquisas "orientadas" 142a) Situac;ao epistemológica 142 b) Alcance teórico 157
3. Conhecimento integrado d o hunwno 168
a) Situac;éio epistemológica das ciéncias hu-manas: ponto de vista histórico 170
b) O ideal de unidade 182e) Contribuic;éio da filosofia 198
Conclusao 211
Eibliogmfia sumária 217
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PREFÁCIO
o mundo em que vivemos padece de uma doen
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artifício definitivo. Enquanto aguardamos, deposita-mos nossa confianga nos experts, muito embora nossaconfianga neles mil vezes tenha sido decepcionada. Osexperts sao os homens do provisório, aos quais é con-fiada a responsabilidade de assegurarem a humanidadeurna precária sobrevivencia. Especialista nesta ou na-quela questao precisa, nos domínios político, científico,
económico ou social, o expert é suposto saber o queos outros nao sabem. A seus olhos, todo problema deveter urna solugao, desde que sejam tomadas as medidasadequadas. O expert assume a tare fa de extrair a or-dem internacional das crises que nao cessam de pÓ-laem perigo e, por vezes, consegue seu intento. De modosemelhante, o médico cuida de todas as doengas, echega a curar algumas, exceto a última.
Os comites de experts competentes chegam a tra-tar, com maior ou menor exito, a crise de superpro-dugao ou de subprodugao deste ou daquele produto.Grande quantidade ou insuficiencia de petróleo, de tri-
go, de fosfato, de ago, de moeda, de automóveis, de bombas atómicas, etc.: urna conferencia reúne as dezou as cinqüentas pessoas que, sobre a face da terra,controlam os segredos que regem o setor consideradodo saber ou da técnica. Os senhores especialistas for-mulam, numa linguagem técnica, enfeitada de termos bárbaros e de eqüag6es matemáticas, urna solugao decompromisso que restabelece, por certo tempo, o equi-líbrio lá onde havia urna ameaga de ruptura. Ahistória do mundo humano continua, assim, tao bemquanto mal, aguardando a próxima crise e a novaconferencia de experts convocada para deliberar a seurespeito.
O especialista, dizia G.K. Chesterton, é aqueleque possui um conhecimento cada vez mais extensorelativo a um domínio cada vez mais restrito. O triun-fo da especializagao consiste em saber tudo sobre nada.Os verdadeiros problemas de nosso tempo escapam acompetencia dos experts, porque os experts, via de re-gra, sao testemunhas do nada. A parcela de saber
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exato e preciso detida .pelo especialista perde-se nomeio de um oceano de nao-saber e de incompetencia.As quest6es urgentes de nosso século xx sao nao ape-nas as da coexistencia pacífica entre os POyOS, valedizer, as quest6es da paz e da guara, mas também asquest6es colocadas pela desigualdade de desenvolvi-
mento económico, técnico e cultural, entre as nagoesdo mundo. As quest6es colocadas pela jome, pelo res- peito as liberdades, sao indissociáveis da situagao geralda humanidade sobre o planeta Terra, na última etapado século Xx.
Nao poderíamos censurar nossa época por ser completamente cega as urgencias do momento histó-rico. Os chefes das nag6es chegaram mesmo a confiar a certos responsáveis a tarefa de se ocuparem disso.Urna assembléia dita das Nag6es Unidas (ONU), tem
por missao harmonizar a conjuntura internacional efazer reinar, sobre a terra, a paz no respeito ao direito.Outra assembléia mundial prom ove universalmente a
educagao e a cultura (UNESCO). Também há um or-ganismo encarregado de velar pela boa repartigao dosrecursos alimentícios entre os homens (FAO). Outroorganismo, enfim, controla, através do mundo, as con-dig6es de trabalho impostas aos assalariados (OIT).Essas assembléias, compostas por indivíduos competen-tes, altamente especializados, destinam-se a conduzir sem conflito toda a humanidade a urna felicidade co-letiva, a qual nenhum homem de nenhum país deve-ria poder escapar.
Sabemos o que ocorre. As organizat;6es internacio-nais, sem grandes recursos e sem poderes reais, con-verteram-se em refúgios de burocratas que perseguem,na penumbra dos empreendimentos irrisórios e, namelhor das hipóteses, dos abcessos de fixagao para osconflitos, os ódios inexplicáveis que nao cessam de di-lacerar nosso planeta. Os Estados, prisioneiros de seusegoísmos sagrados e de seus fanatismos ideológicos,op6em violentamente partis-pris irreconciliáveis. Pode-mos mesmo perguntar se esses encontros internacio-
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nais, por demais freqüentes, nao tem por efeito exas- perar as tens6es e os antagonismos, que deveriam con-tribuir para amenizar. A opiniao internacional, emtodo caso, perdeu suas ilus6es. Nao. dá mais importan-cia a esses teatros de sombras cujos jogos trágicos ou
cómicos perderam, de há muito, toda realidade e toda
importancia.Manifesta-se, assim, uma distancia crescente en-
tre a ordem das coisas e as possibilidades de pensa-mento e de ac;;ao dos responsáveis políticos, assistidos por seus estados-maiores de experts de todos os tipos.Aqueles que governam o mundo, parecem incapazesde compreender o mundo, apesar dos meios de co-nhecimento cada vez mais numerosos e dos meios deintervenc;;ao cada vez mais eficazes de que disp6em.É bastante fácil descobrir o segredo dessa crescenteimpotencia. Até o século passado, o universo geográ-fico, muito mais vasto do que hoje em dia, era muitomenos solidário. A distancia e a dificuldade das comu-
nicag6es amorteciam os conflitos. Ao abrigo de seudistanciamento, cada parte do mundo beneficiava-sede relativa seguranga. Cristóvao Colombo gastou cercade trinta dias, ajudado por ventos favoráveis, parachegar as Antilhas. Foi preciso esperar os navios avapor para que o Novo Mundo se aproximasse real-mente do Antigo. O planeta Terra de outrora formaum conjunto imenso e pouco coerente. Os membrosdissociados desse corpo viviam vida própria, provendomais ou menos bem, e cada um de per si, as suas próprias necessidades. A civilizagao tradicional, queregia a maior parte do espago mundial, inclusive os
campos europeus até a metade do século XIX, possi- bilitou a maioria dos indivíduos sobreviver, exceto noscasos de fome, de epidemia ou outra catástrofe natural.
O advento da civilizagao técnica modificou brus-
camente as condig6es de existencia de todos os habi-tantes da Terra. O espago-tempo do planeta viu-se liga-do por uma rede de comunicag6es tao densa, que todomundo tornou-se vizinho de todo mundo e solidário
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de todo mundo. O crescimento das técnicas, no sentidode ~ma especializac;;ao cada vez mais avanc;;ada, parece
re~lI~ar-se se~ur:do a ordem de uma progressao geo-metnca, multIplIcando sem parar as necessidades e osmeios de satisfaºao dessas necessidades. O homemmoderno disp6e de tal número de aparelhos e de téc-
nicas tao complicadas, que se en contra ultrapassado pela abundáncia e pela complexidade de seus recursos,que tendem a escapar a seu controle. Ninguém estáao abrigo dos contragolpes e de recorrencias de todotipo que ameac;;am seu mais íntimo equilíbrio. Em úl-tima instáncia, o desencadeamento do terror atómico pode, desde já, liquidar toda a humanidade.
Diante dessa situagao de extrema urgencia, os che-fes. dos povos p~recem a;fligidos de uma incapacidademms ou menos lrremediavel, apesar da multidao sem- pre mais numerosa dos experts de que se cercam. O
acontecimento, que atesta a forc;;a das coisas, surpre-end_e-os no momento em que menos esperam, e as so-
lugoes que adotam, em sua improvisac;;ao, traduzem,em geral, um estado de pánico. A catástrofe ameac;;a-dora, responde uma reagao catastrófica. As voltas comuma c~escente fragilidad e, o mundo solidário é agitado
por cnses cada vez mais freqüentes. A humanidadesofre essas rupturas de eqüilíbrio com a mesma resig-nagao que lhe permitia suportar as grandes pestes deoutrora. Disso, a recente crise do petróleo forneceexemplo particularmente eloqüente. Bastaram algu-mas decis6es puramente financeiras suscitadas por in-teresses locais para colocar em jogo a ordem do planeta. Nenhum expert em economia, nenhum espe-
cialista das quest6es energéticas, havia previsto a pos-sibilidade de semelhante peripécia, nem as conseqüen-
cias que daí resultariam para a ordem mundial;
co~s.eqüencias cujos resultados futuros ninguém podeadIvmhar. Na espectativa, a opiniao pública mundial parece achar completamente normal que o fruto dolabor dos trabalhadores dos países industrializados váengordar as contas bancárias de alguns príncipes fe11-
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Para justificar essa desmedida do mundo moder-no, as explicac;oes usuais invocam os conflitos de in-
que ele coloca em perigo sob pretexto de servir-Ihe.Contudo, para Sao Paulo, Sao Francisco, Detroit, paraas grandes metrópoles do ac;o, do ferro, da química,do automóvel, sem dúvida já era demasiado tarde. Omal esta va feitoo
As formas da barbárie moderna sao múltiplas e parecem imprevisíveis. Ninguém sabe de onde surgiráa próxima agressao. Os bárbaros de outrora eram ho-mens e "trabalhavam" em escala humana, com meiosreduzidos, o que limitava os estragos. A barbárie téc-nica e industrial nao tem fisionomia. Seus meios deac;ao sao ilimitados. Sobretudo, ela escapa ao controle,impoe-se com urna necessidade cega, e ninguém estáao abrigo de suas devastac;oes. Segundo urna palavracélebre de Bergson, o mundo moderno desenvolveu, sobo impulso da técnica, seu corpo material; falta-Ihe,
porém, um "suplemento de alma" para equilibrar essecrescimento. Nao parece que os chefes de Estado, sem-
pre atentos ao potencial económico e a planificac;ao,
se tenham jamais preocupado muito com o crescimen-to espiritual que deveria compensar e contrabalanc;ar o desenvolvimento industrial. No entanto, este é umdos problemas fundamentais de nosso tempo.
As donas de casa, nos E. U .A., dispoem de cozi-nhas que constituem a admirac;ao dos visitantes es-trangeiros: verdadeiras colaboradoras, equipadas comaparelhos de todos os tipos, que facilitam a tarefa daoperadora e permitem operar toda espécie de maravi-lhas. Esperanc;a decepcionada, porque a dona de casaamericana ignora praticamente tudo da arte culiná-ria; aliás, nao se interessa pela gastronomia. As obras-
primas técnicas da bela cozinha servem para requentar
latas de conserva e pratos pré-fabricados. O mesmoocorre com nosso universo, cujas maravilhosas possi- bilidades engendram urna realidade decepcionante.
dais do deserto, inteiramente incapazes de utilizar essafortuna imprevista e absurda.
A descolonizac;ao era, em princípio, o apogeu deurna evoluc;ao justa e benéfica da história. A emanci-
pac;ao dos POyOStutelados respondia as exigencias deliberdade e de igualdade, honorificadas desde a Revo-lucao da América e a Revolucao Francesa. Mas nin-gu'ém previa que, lá mesmo onde Os antigos coloniza-dores aceitavam apagar-se benevolamente, a descoloni-zac;ao suscitaria, um pouco por toda parte, guerrasfratricidas e terríveis massacres, na África e na Ásia,muito piores do que aqueles de que poderíamos acusar os colonizadores do século XIX. Por causa da distan-cia e das dificuldades de comunicac;ao, um pudico si-lencio dissimula mais ou menos esses horrores quecontinuavam a ensangüentar o planeta. Ademais, os ex-colonizados, se denunciamos o caos a que levam certos países "libertados", tem toda razao quando censura mos europeus pelas carnificinas da Guerra Civil Espa-
nhola e pelo pesadelo racionalizado dos campos deconcentrac;ao hitleristas ou stanilistas.último exemplo da incapacidade dos experts e de
sua cegueira diante das repercussoes de seu savoir-jaiTe:os problemas urgentes colocados a todos os países in-dustrializados pela poluic;ao do meio ambiente huma-no. O crescimento económico, destinado em princípioa melhorar as condic;oes de vida de todos e de cadaum, engendra urna asfixia geral que ameac;a o meioindustrial em seu conjunto. Os engenheiros, os técni-cos, os economistas multiplicaram as fábricas, urnasao lado das outras, pensando, assim, multiplicar a ri-queza e o poder das nac;oes, segundo o ensinamento
dos gráficos e das estatísticas. Todavia, a verdade eco-nómica nao se identifica com a verdade humana. Averdad e económica é urna verdad e sem o homem e, omais das vezes, urna verdade contra o homem. Dianteda catástrofe ameac;adora, as autoridades tiveram quetomar medidas de urgencia para impor ao crescimentoegoísta da indústria o respeito pela existencia humana,
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teresses, as 0p0Sl
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mais distanciadas da existencia concreta, constitui-ram-se como lingúagens herméticas, reservadas aosiniciados, e que parecem absorver-se, ou perder-se, noniilismo de suas abstragoes bem comportadas. A ver-dade que elas procuram, e que por vezes encontram,é urna verdade em si e para si, que nada mais diz aninguém ou, pelo menos, que renunciou a assumir a
fungao primordial da vinculagao do homem com omundo onde ele reside.
Antes do advento das ciencias no sentido modernodo termo, a sociedade tradicional, desde os tempos pré-históricos até nossos dias, encontrava no conjunto dosmitos próprios a comunidade os elementos de urnainteligibilidade universal. Os mitos expoem, sob a for-ma de urna revelagao, a criagao de um mundo pelosdeuses, em sua origem. Eles definem as liturgias erituais cuja realizagao correta deve permitir aos ho-mens viverem na paz com as potencias superiores, ena prosperidade que estas nao deixarao de fazer reinar,
se suas prescrigoes forem cumpridas segundo a ordemdevida. Em outras palavras, a mitologia nao é sornenteum saber e, em certos aspectos, urna tecnologia. Ela. proporciona ao mundo humano urna armadura onto-lógica, urna garantia na transcendencia, na amizadeconfiante com as potencias que regem o curso dascoisas desse mundo. Justifica-se, assim, essa "felicida-de" das sociedades arcaicas, nas ilhas felizes da ino-cencia primitiva, com que os civilizados sempre sonha-ramo Mesmo que essa imagem seja idealizada peladistancia no tempo e no espago, há nela urna partede verdade: a sociedade tradicional é urna sociedadea medida do homem, que ai goza da seguranga mental
indispensável a seu equilibrio.Essa seguranga é mantida, sob fórmulas diferen-
tes, em periodos ulteriores da cultura universal. O ad-vento da consciencia reflexiva, o nascimento da mate-mática e da astronomia, permitem que as tradigoesmiticas sejam substituidas por sinteses racionais. Maso saber conserva a forma de urna visao global de um
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universo cujos aspectos, em sua totalidade, encontram-se sob a dependencia das potencias transcendentes.Proveniente dos confins do Oriente, o ensino da astro- biologia revela um universo harmonioso, submetido as providencias planetárias que se exercem do Céu sobrea Terra. O mundo arcaico, limitado ao espago vital datribo, ampliou-se até os horizontes do universo. Maso universo dos sumérios, dos egipcios, que tambéméo da Antigüidade clássica, permanece um mundointeligivel, cujas orientagoes ontológicas sao suficien-temente precisas para que o homem de boa vontade
jamais se sinta ai em estado de total derelicgao.Por sua vez, a cultura crista medieval retoma a
sintese da astrobiologia antiga. Simplesmente, confiasua administragao ao Deus das Escrituras. O espagomental da escolástica, em sua perfeita organizagao,continua a realizar as fungoes conjuntas da religiaoe da ciencia. Mantém a unidade do fato e do valor,cuja justificagao última é assegurada pela Providen-
cia divina. A correlagao da Natureza e da Graga, doaqui em baixo e do lá em cima, permite ao fiel orien-tar-se intelectual e espiritualmente segundo as coorde-nadas concordantes da visao e da fé. Urna vez tendoreconhecido e honorificado o grande designio do Deuscriador, cada homem encontra seu lugar demarcadona comunidade dos crentes, enquadrada pela Igrejahierárquica. Cada destino encontra seu sentido e suarealizagao nessa perspectiva escatológica.
O momento cultural do Renascimen to consagra adesagregagao da sintese escolástica, pouco a pouco
posta em questao e despojada de seus prestigios depoisde séculos de validade. Mas o desmoronamento dessaarmadura ontológica vai junto com a eonstituigao deum novo horizonte espiritual. Os valores renaseentis-tas sao tomados de empréstimo a Antigüidade elássiea,eujos ensinamentos, em sua maioria, haviam sido pos-tos em estado de sono pelo triunfo da pregagao crista. Nao que o cristianismo, enquanto tal, seja rejeitado.Todavia, desligado do inteleetualismo escolástico, ele
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faz alian
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tividade. o espa
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Énessa perspectiva, de urna tremenda atualidade,que se situa o livro de meu amigo HILTON JAPIASSU.O desafio ultrapassa, de muito, o simples domínio daepistemologia. A filosofia das ciencias nao diz respeitoapenas a ordem científica. As ciencias definem, cadaurna por sua vez, a consciencia da humanidade. Asciencias em migalhas sao a consciencia de urna hu-manidade esfacelada, vítima, em nossos dias, de urnaconfusao ontológica. Donde o paradoxo de urna prodi-giosa expansao dos conhecimentos sem grande provei-
to para a comunidade dos homens, porque esse saber sempre mais preciso interessa-se por tudo, exceto peloessencial. A patologia .cqn~~mpor.ánea,do 'saber "traduz,na ordem'~cro~peñsame:rilo:a deficiencia ontológica, do-en9a talvez mortal d e nossa civilizagao. Nao se trataapenas' de urna patologia do saber, mas de urna pato-logia da existencia individual e coletiva. A doenga do
A fuga para a frente do motociclista, crispado so- bre sua máquina, embriagado com o poder mecánicoque desencadeia no ela de urna selvageria reencontra-da, isolado do mundo por sua armadura de couro eseu capacete encouragado, simboliza muito bem essaoutra fuga para frente daquilo que se convencionouchamar de o "progresso" das ciencias e das técnicas.
Também ela~ se,langam numa correrla cega, sem pres-tarem atengao a paisagem de humanidad e que as cer-ca, sem sonhar com o que deixam atrás delas, paramelhor obedecerem ao espírito frenético de conquistaque as arrastam para um temível futuro. O que elasabandonam, o que elas esquecem, é a figura do ho-mem, a advertencia a ordem do humano que se for-mula na unidade do saber. Os cavaleiros do apocalipsecientífico, com toda inocencia e boa fé, sao os agentesdo esmigalhamento do conhecimento solidário do des-l~camento da ordem dos valores. Também aqui, a ca-tastrofe espera no fim da estrada.
a multidoes subjugadas, utilizaram todos os recursosmateriais e psicológicos das técnicas modernas. Suaautoridade despótica encontrava nos mass media agen-tes de execu
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saber tamlYém é doen
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nao sao calculadas em dólares. A partir disso, outra problemática do desenvolvimento se tornaria possível,de que poderiam tirar proveito os POyOS desenvolvidos.Porque a civilizac;ao nao se deixa circunscrever apenas pela análise económica. Ela repousa sobre uma ordemmental e espiritual, sobre um conjunto de opc;6es devalores, as únicas a poderem assegurar a felicidade ou
a infelicidade dos homens.Assim colocado, o problema é o de uma conversao
da atenc;ao científica. E a nova epistemologia devesuscitar uma nova pedagogia. A enciclopédia atual dosaber, muito longe de congregar as ciencias, as dis-
persa aos quatro ventos de um espac;o mental disso-ciado. O centro do círculo da enciclopédia é um lugar vazio. É nesse vazio que deve, decididamente, tomar lugar o especialista da nao-especialidade, para fundar essa consciencia interdisciplinar postulada por HILTONJAPIASSU. Desde já, existem equipes pluridisciplina-res, reunindo, para o estudo desta ou daquela questao precisa, experts de especialidades diversas. Mas eles permanecem, por sua formac;ao, estranhos uns aos ou-tros; falam linguagens diferentes que, longe de secomporem, de se harmonizarem entre si, se excluem,se negam reciprocamente. Assim, o fracasso é inevi-táve1.
A exigencia interdisciplinar imp6e a cada especia-lista que transcenda sua própria especialidade, toman-do consciencia de seus próprios limites para acolher ascontribuic;6es das outras disciplinas. Uma epistemolo-gia da complementariedade, ou melhor, da convergen-cia, deve, pois, substituir a da dissociac;ao. A totaliza-c;ao incoerente de palavras nao compatíveis entre si,
deve suceder a busca de uma palavra de unidade, ex- pressao da reconciliac;ao do ser humano consigo mesmoe com o mundo. Bem entendido, essa unidade nao éatualmente dada; nao existe ainda senao na esperan-c;a, na perspectiva de um olhar escatológico, fixo sobreesse ponto do horizonte em que as paralelas se encon-tramo
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o livro de HILTON JAPIASSU prop6e o esboc;odetal epistemologia da esperanc;a, que culmina na pro-
posic;aode uma nova pedagogia. Cidadao de um velho país, arrastado numa inércia intelectual que confinacom o retardamento mental, regozijo-me em constatar que existem no jovem Brasil homens que tomam cons-ciencia dos problemas colocados pela inflac;ao galopan-
te dos saberes e das técnicas no século XX. As Terras Novas das Américas foram ofertadas aos homens doAntigo Mundo como a chance de um recomec;o. OBrasil nao está acabrunhado por seu passado. Ele pos-sui, num espac;oimenso, enormes recursos em homense em riquezas naturais. A chance lhe é concedida paradominar seu crescimento e conduzi-lo a bom termo, aum fim humano, para suscitar em suas elites essa
preocupac;ao com a totalidade do saber, a única que possibilitará a promoc;ao da humanidade do homem.Deve-se almejar que os responsáveis por esse grande país tomem consciencia do fato de que a expansao
política, económica e social só será possível ao prec;ode urna conversao da consciencia e da ciencia.Em 1806, o poder militar prussiano, ten do sido
esmagado pelos exércitos de Napoleao, o rei da Prússia julgou que seria necessário tentar reconquistar, segun-do a ordem do conhecimento, aquilo que fora perdidono campo de batalha. Decidiu criar uma Universidadede um tipo novo para formar os futuros responsáveis pela administrac;ao do país. Eis a origem da Universi-dad e de Berlim, fundada em 1810, e que foi a univer-sidade-piloto do século XIX europeu. O Brasil, grac;asa Deus, nao perdeu guerra nenhuma. Ele só teriamaior mérito, se escolhesse dar ao mundo o exemplo
de uma pedagogia adaptada as exigencias de nossotempo, pois as universidades do Velho Mundo, infiéisa sua missao, desde há muito deixaram de obedecer ao dever de universalidade, no entanto inscrito em sua
própria denominac;ao.
GEORGES GUSDORF
Strasbourg, 3 de dezembro de 1975
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preensao da experencia. A fragmenta
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formag6es e de críticas, em que explodem as "ilhas"epistemológicas mantidas pela compartimentagao dasinstituig6es ainda as voltas com as "fatias do saber",em que as comunicag6es entre especialistas reduzemos obstáculos ao enrique cimento recíproco, em que osconflitos, o espírito de concorrencia e de propriedadeepistemológica entre os pesquisadores devem ceder o
lugar ao trabalho em comum de busca de interar;ao,entre duas ou mais disciplinas, de seus conceitos dire-trizes, de sua metodologia, de sua epistemologia, deseus procedimentos, de seus dados, bem como da orga-nizagao da pesquisa e do ensino que dela possa decor-rer. Consideraremos o interdisciplinar no contexto daschamadas "pesquisas orientadas", concertar;ao ou con-vergencia de várias disciplinas com vistas a resolu
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forma¡;ao geral, universitári.a ou profissional,através do que se convenClOnou chamar dereciclagem continuada das atividades de to-dos aquel~s que desejam manter-se. atualiza-dos nos vários setores do conheclmento econservar num permanente desabrochar suas personalidades engajadas na vida social.
Em síntese, poderíamos dizer que ~ metodol~giainterdisciplinar postula urna refor.m~la.¡;aOg~ner,a~lza-da das estruturas de ensino das dIscIplmas cIentlflcas,na medida em que coloca em questao :r;ao somente a
pedagogia de cada disciplina, mas tambem o papel doensino pré-universitário, ben: como ? ~mprego qu~ sefaz dos conhecimentos pSlCopedagoglCos a~q~lfl.dos.Ademais, poe em jogo o fracionamento das dIscIplmasainda vigente nas universidades, para yostu.la~ ~ma pedagogia que privilegie as interconexoes .dIscIplm~-res. Se os pesquisadores e os educador~s amd~ est.aomal preparados para superar a pedagogla da dISSOCla-
gao do saber, é porque nao se dao conta - formadosque foram em institui¡;oes onde ainda reina a menta-lidade da especializa¡;ao, do fracionamento e da com-
partimentalizagao - de que. todo aprof~ndamentoespecializado longe de conduzlr a um fraclOnamentodo saber fa~orece a descoberta de múltiplas interco-nexoes. Ó esfacelamento das disciplinas será explicado,em boa parte, pelos preconceitos da mentalidade p o -sitivista: numa perspectiva intelectual em que umca-mente contam os "observáveis", é inevitável que asdisciplinas se apresentem separadas. por .fronteiras maisou menos fixas, dependendo da dlVersIdade das cate-
gorias de "observáveis" que nao sao "explicados", masapenas "descritos". .
Fala-se muito, hoje em dia, do ponto de vIsta pe-dagógico, das exigencias interdisciplinares. Na verda-de porém a inércia das situa¡;oes adquiridas e das
, , A
institui¡;oes tende a realizar apenas certas convergen-cias pluridisciplinares, pois as diversas especialidades
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ainda nao sao tratadas dentro de um espírito de pes-quisa que permita a cada pesquisador vil' a generalizar efetivamente seus conhecimentos a fim de poder res-situá-Ios. n.un: sist~ma ~e conjunto englobando asoutras dIscIplmas. E precIso que cada um esteja im- pregnado de um espírito epistemológico suficientemen-te amplo para que possa observar as relacoes de sua
disciplina com as demais, sem negligenciar o terrenode sua especialidade. Evidentemente as estruturas eas necessidades das instituigoes de en'sino constituíramum fator decisivo da especializagao do saber, favoreci-da pelas escolas e faculdades que multiplicaram as'Compartimentag6es e criaram "alvéolos científicos". Osintelectuais foram formados em institui¡;6es sem por-tas nem janelas. Mas ternos o direito de ser otimistas,
pois as necessidades da a¡;aOe da pesquisa levam-nossempre mais a estar atentos ao vizinho, a ultrapassa-gem das fronteiras, a criagao de novas disciplinas e'Constelag6es do saber, ordenadas em torno de temas,de objetivos e de projetos.
NOTA DO AUTOR
O presente volume constitui urna retomada, comalguns acréscimos e retifica¡;6es, da terceira parte deminha tese de doutorado, defendida recentemente naFran¡;a, intitulada L'Épistémologie de l'interdiscipli-naire dans les sciences de l'homme. Tive o cuidado, paratornar o texto mais fluente e mais didático, de naosobrecarregá-Io com muitas e detalhadas cita¡;6es. Co-mo este é campo de investigagao muito vasto e varia-
do, parecendo ainda desafiar as definig6es, devido aseu caráter incipiente e a ausencia de estudos maisabrangentes e sistemáticos, indicarei no final a biblio-grafia que me pareceu ser a mais atual e fundamental:a respeito.
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Antes de analisar o que denominamos "o domÍniodo interdisciplinar", talvez fosse conveniente fixar nossa terminologia e os conceitos vizinhos, tais comoos de "disciplina", "pluridisciplinaridade", "multidisci-
plinaridade" e "transdisciplinaridade". Contudo, sendo
as defini
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jeto difícil de ser estabelecido com rigor. Urna dasraz6es fundamentais pode ser encontrada no fato ain-da persistente das ignorancias recíprocas e por vezessistemáticas dos especialistas. Todavia, quando aplica-mos a crítica epistemológica as ciencias humanas, namedida em que elas se fazem e em suas condig6esconcretas de desenvolvimento, de construgao e de es-
trutura~ao, encontramo-nos imediatamente diante des-ta exigencia: nada mais há que nos obrigue a frag-mentar o real em compartimentos estanques ou emestágios superpostos, corresponden do as velhas frontei-ras de nossas disciplinas. Pelo contrário, tu do nos levaa engajar-nos cada vez mais na pesquisa das aproxi-mag6es, das interag6es e dos métodos comuns as di-versas especialidades. Eis o que chamaremos de "pes-quisas interdisciplinares". A esse respeito, enfocaremosnosso estudo mais sobre as colaboragoes concretas doque sobre a pesquisa interdisciplinar propriamente di-ta, exigindo um nível de abstragao bem mais elevado,
para atingir nao somente urna linguagem comum, mas
os mecanismos e as estruturas comuns as diversasciencias do homem.
Em nossos dias, o conceito de "interdisciplinari-dade" está meio na moda. Na Europa e nos EstadosUnidos, sobretudo nas instituigoes universitárias e de
pesquisa, numerosos sao os pesquisadores e planejado-res a fazerem apelo crescente a metodologia interdis-ciplinar. Talvez possamos ver nessa reivindicagao cer-to esnobismo. Se, porém, analisarmos melhor essefenomeno, descobriremos que essa exigencia, longe deconstituir progresso real, talvez seja mais o sintomada situa~ao patológica em que se encontra hoje o sa-
ber. A especializagao exagerada e sem limites das dis-ciplinas científicas, a partir sobretudo do século XIX,culmina cada vez mais numa fragmentagao crescentedo horizonte epistemológico. No final de contas, pararetomarmos a célebre expressao de G. K. Chesterton,o especialista converteu-se neste homem que, a forgade conhecer cada vez mais sobre um objeto cada vez
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menos extenso, acaba por saber tudo sobre o nada. Nesse ponto do esmigalhamento do saber, a exigenciainterdisciplinar nao passa da manifestagao, no domi-hio do conhecimento, de um estado de carencia.
É inegável, porém, que os estudos interdisciplina-res constituem um dos temas fundamentais, nao so-mente dos cursos de pós-gradua9ao nas áreas mais.
sensíveis aos problemas epistemológicos das ciencias-humanas, mas também das semanas, simpósios e con-gressos internacionais. Há um aumento progressivo de:grupos e equipes interdisciplinares que se substituemas simples pesquisas individuais. Podemos até pergun-tal' se nao constituem um reflexo, no plano científico,da "produgao de massa" no campo industrial. E tu doindica que esse movimento sótende a desenvolver-seno futuro. Em primeiro lugar, as pesquisas científicascada vez mais exigem máquinas e equipamentos por demais dispendiosos para um só individuo. Em segun-do lugar, na maioria esmagadora dos casos, só saoconcedidos financiamentos as pesquisas planejadas erealizadas em grupos. Enfim, sornente o trabalho emequipe multi ou interdisciplinar é capaz de permitir urna divisao racional do trabalho, aumentando, assim,sua eficácia e sua produtividade.
O problema que se coloca, desde o início, é o se-guinte: nao seria a exigencia interdisciplinar, situadano tempo e no espago, na teoria e na praxis, um mo-dismo importado dos grandes centros universitárioseuropeus e americanos, tao ao gosto da intelligentsiareflexa dos países subdesenvolvidos? Ademais, nao seriaum dos sintomas reveladores da sindrome patológicaque afeta o próprio "solo arqueológico do saber"? Em
outros termos, ao se opor a fragmentagao crescente docampo unitário epistemológico da época clássica, ca-racterizada pela teoria da representa
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organizac;ao social, económica, política, e de nosso pró- prio modo de ser ou de viver? Em última análise, naoestaria ela vinculada aos problemas do próprio homeme da cultura? Evidentemente, a metodologia interdis-ciplinar irá exigir de nós urna reflexao mais profundae mais inovadora sobre o próprio conceito de ciencia
e de filosofia, obrigando-nos a desinstalar-nos de nossas posic;6es academicas tradicionais, das situac;6es adqui-ridas, e a abrir-nos para perspectivas e caminhos novosoAdemais, exigirá de nós que reformulemos nossas es-truturas mentais, que desaprendamos muita coisa, quedesconfiemos das cabec;as bem "arrumadas", pois, emgeral, sao bastante "desarrumadas", tendo necessida-de de nova "rearrumac;ao".
A interdisciplinaridade, sem cessar invocada, leva-da a efeito nos domínios mais diversos, quer se tratede pesquisa, de ensino ou de realizac;6es de ordem téc-nica, nao é urna questao evidente, que possa dispensar explicac;6ese análises aprofundadas, mas um tema que
merece ser levado em consideracao e constituir um dosobjetos essenciais da reflexao de todos quantos veemna fragmentac;ao das disciplinas científicas um esface-lamento dos horizontes do saber. Concepc;ao nova da
partilha do saber em disciplinas e de suas inter-rela-c;oes,o fenómeno interdisciplinar pode ser consideradocomo urna das manifestac;6es mais significativas dasmutac;6es que afetam e alteram, em nossos dias, as dé-marches do pensamento e as formas do discurso inte-lectual, por mais racional e objetivo que ele seja. Talcomo vem sendo praticado em certos centros pioneirosde pesquisa, ele pode provocar urna atitude de recusa
ou de medo. Até certo ponto, isso se justifica: seriaum empreendimento realmente sério? Afinal, nao po-demos conhecer tudo! Desconfiemos do enciclopedismo!
Nao podemos encorajar o diletantismo, os conhecimen-tos superficiais ou as ilus6es do saber! Como surge ainterdisciplinaridade? Para que serve?
O fenómeno interdisciplinar tem dupla origem:. urna interna, tendo por característica essencial o re-
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manejamento geral do sistema das ciencias, que acom- panha seu progresso e sua organizac;ao; outra externa,caracterizando-se pela mobilizac;ao cada vez mais ex-tensa dos saberes convergindo em vista da ac;ao. Con-cretamente, a questao da interdisciplinaridade estásubjacente as dificuldades com que atualmente se de-
batem as instituic;6es de ensino, com seus procedimen-tos pegadógicos, bem como aos problemas com que sedefrontam os empreendimentos visando ao controle dofuturo da sociedade, com seus empreendimentos de pla-nificac;ao. De modo mais preciso, podemos dizer que ainterdisciplinaridade se nos apresenta, hoje, sob a for-ma de um tríplice protesto:
a) contra um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado numa multiplicidade crescente deespecialidades, em que cada urna se fecha comoque para fugir ao verdadeiro conhecimento;
b) contra o divórcio crescente, ou esquizofrenia
intelectual, entre urna universidade cada vezmais compartimentada, dividida, subdividida,setorizada e subsetorizada, e a sociedade em suarealidade dinámica e concreta, onde a "verda-deira vida" sempre é percebida como um todocomplexo e indissociável. Ao mesmo tempo, po-rém, contra essa própria sociedade, na medidaem que ela faz tudo o que pode para limitar econdicionar os indivíduos a func;6es estreitas erepetitivas, para aliená-los de si mesmos, impe-dindo-os de desenvolverem e fazerem desabro-char todas as suas potencialidades e aspirac;6es
:nais vitais;c) contra o conformismo das situac;6es adquiridase das "idéias recebidas" ou impostas.
De um ponto de vista mais propriamente teóricoou epistemológico, as pesquisas interdisciplinares podemsurgir de duas preocupac;6es fundamentais: a primeira,relativa as estrutums e aos mecanismos comuns as di-
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ferentes disciplinas científicas que sao chamadas a in-gressar num processo de intera
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mundo. Sua imagem do mundo era o resultado de umaautolimita
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do Mundo. O Ocidente nao é mais o centro da Terra.Há um degelo de todas as evidencias. Aparece urnasituac;ao epistemológica inteiramente nova. Surge umnovo modelo de saber. Este nao é mais a tradi
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fundamentais do interdisciplinar, enfrentaremos os principais obstáculos impedindo que se realizem as exi-gencias de coopera
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2. Motivac;oes, objetivos e justijicafjoes
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a) há uma demanda ligada ao desenvolvimento daczencia: a interdisciplinaridade vem responder
a necessidade de criar um fundamento ao sur-gimento de novas disciplinas;
b) há uma demanda ligada as reivindicafjoes es-
tudantis contra um saber fragmentado, artifi-
cialmente cortado, pois a realidade é necessa-
riamente global e multidimensional: a interdis-
ciplinares nas ciencias humanas (5). O que pretende-mos afirmar, sem nos deixar seduzir pela moda da"concerta
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ciplinaridade aparece como símbolo da "anti-ciencia", do retorno ao vivido e as dimensoessócio-históricas da ciencia;
c) há uma demanda crescente por parte daquelesque sentem mais de perto a necessidade de umaformac;ao profissional: a interdisciplinaridaderesponde a necessidade de formar profissionais
que nao sejam especialistas de uma só especia-lidade;
d) há uma demanda social crescente fazendo comque as universidades proponham novos temasde estudo que, por defini
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em torno de um questionário intitulado "Estudo sobreas atividades interdisciplinares de ensino e de pesquisanas universidade-s". Algumas motivac6es dizem respeitoas necessidades dos estudantes: necessidade de reorien-tar seus estudos sem perda de tempo, necessidade demelhor adapta
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famílias epistemológicas partilham entre si as disci- plinas. Elas se separam umas das outras por compar-timentos estanques, por fronteiras rígidas, cada disci-
plina convertendo-se num pequeno feudo intelectual,eujo proprietário está vigilante contra toda intromis-sao em seu terreno cercado e metodologicamente pro-tegido contra os "inimigos" de fora. E nao somente
entre as disciplinas, mas até mesmo no interior dosdomínios de estudo, existem cis6es metodológicas rígi-das, que freqüentemente tornam impossível a compre-ensao recíproca dos especialistas e sua eventual cola- bora
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dem ser aplicados para caracterizar a natureza deurna disciplina científica, devemos salientar os seguin-tes:
1. o domínio material das disciplinas, constituido pelo conjunto de objetos pelos quais elas se in-teressam e dos quais se ocupam;
2. o domínio de estudo que nada mais é senao oángulo específico sob o qual a disciplina consi-
dera seu dominio material, podendo ser comuma várias disciplinas (corresponde aquilo que osescolásticos chamavam de "objeto normal");
3. o nivel de integrac;áo teórica dos conceitos fun-damentais e unificadores de urna disciplina,capaz es de abranger todos os fenómenos pró-
prios, tendo em vista urna reconstrw;;ao da"realidade" do dominio de estudo a fim de ex- plicar e prever os fenómenos que a ele se re-ferem;
4. os métodos próprios para apreender e trans-
formar os fenómenos, havendo perfeita con-cordáncia entre a aplicac;ao dos métodos e asleis gerais do nivel de integrac;ao teórica;
5. os instrumentos de análise que repousam, so- bretudo, na estratégia lógica, nos raciociniosmatemáticos e na construc;ao de modelos;
6. as aplicac;8es das disciplinas: quanto maiselas se orientam para a aplicac;ao profissional,mais ecléticas se revelam em sua concepc;aoepistemológica, exigindo, assim, programas
pIuridisci plinares;
7. as contingencias históricas: em seu processo
de evoluc;ao histórica, cada disciplina se en-contra, em cada fase, num momento de tran-sic;ao, em contacto com forc;as e influénciasinternas e externas do "aqui" e do "agora"(sobre esses critérios, que retomam e ampliamos quatro propostos por Piaget: "dominio ma-terial", "dominio conceitual", "dominio epis-
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temológico interno" e "dominio epistemológi-co derivado", em Logique et connaissancescientijique, p. 1172-1178, ver sopretusiQ HeinzHeckhausen, no livro da OCDE, L'Interdisci-
1Jlí£iirlte-;-p.-- 83-90).
Por conseguinte, o que podemos entender por dis-
ciplina e por disciplinaridade é essa progressiva explo-rac;ao científica especializada numa certa área ou do-minio homogéneo de estudo. Dma disciplina deverá,antes de tudo, estabelecer e definir suas fronteirasconstituintes. Fronteiras estas que irao determinar seus objetos materiais e formais, seus métodos e sis-temas, seus conceitos e teorias. Ora, falar de interdis-ciplinaridade é falar de interac;ao de disciplirias. E dis-ciplina, tal como a entendemos, é usada como sinónimo
~£~~ºi.~n9ÜJ, muito embora' o termo--"aiscl'plimt'¡ sejamais empregado para designar o '~D~i!!g_ª~_:tllnaciéncia", ao passo que o termo "ciéncia" designa maisUma-ativfoade de pesquisa.
Surge, aqui, um problema: se nas ciéncias natu-rais há um amplo acordo quanto aos métodos a seremutilizados, a ponto de a possibilidade de "reduzir" de-sempenhar, numa explicac;ao cientifica, o papel de urnahipótese metodológica, o mesmo nao ocorre no casodas ciéncias humanas, onde a situac;ao metodológicaestá longe de apresentar-se com a devida clareza. Pelocontrário, nesse dominio, a confusao parece ser a re-grao Basta ver que aí a diversificac;ao metodológicanao passa da multiplicac;ao das disciplinas especiali-zadas. A questao que se coloca é a seguinte: devemosrecorrer aos métodos "redutores", inspirados nos mé-
todos das ciéncias naturais e tentando a construc;aode modelos; ou nao seria preferível recorrer a métodostalvez menos "explicativos", mas seguramente mais
compreensivos dos fenómenos humanos? Por enquan-to, contentemo-nos em mostrar que o positivismo foi
o grande responsável por essa situac;ao de fragmen-tac;ao das ciéncias do homem, na medida em que seus
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métodos apresentam seflas lacunas. Com efeito, dadoque essa filosofia das ciencias limita enormemente ocampo das disciplinas e que reduz seu domínio únicae exclusivamente aos fenómenos observáveis, portanto,a descrigao e ao processo de relacionar fatos, torna-se
patente que nao consegue outra coisa senao descobrir um conjunto de leis funcionais. O resultado é que ela
fragmenta o real num determinado número de terri-tórios separados, numa série de estágios superpostos,só podendo corresponder a domínios por demais deli-
Imitados das diversas disciplinas. Uma conseqüenciadessa atitude intelectual é que fica excluída, de an-temao, toda e qualquer metodologia interdisciplinar,eujo princípio mesmo é contraditório com o das fron-teiras consideradas como definitivas. O fenómeno hu-mano nao é mais conhecido na plenitude de sua sig-nificagao. Urna disciplina qualquer, cujo estatuto per-manece fixo urna. vez por todas, mesmo que pretendainteressar-se pelo homem, jamais poderá encontrá-lo,sempre íornecendo dele um conhecimento parcial e
truncado, já que Rborda os fatos humanos sob o an-gulo de um determinismo particular, extremamenteTestritivo.
A primeira e mais radical justifica
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nao repousa sobre o modelo de um simples sabeTpelo saba, respondendo apenas a um estimulo interior a própria pesquisa, a evoluc;ao interna das ciencias.Sem dúvida, nao podemos dissociar a preocupac;ao deconhecimento exato e preciso - tendo como propósitoesclarecer e explicar de modo mais adequado os fatoshumanos a fim de que a inteligencia possa melhor apreende-Ios - de uma pesquisa inicialmente teórica,
embora sempre voltada para a prática, desse outrotipo de preocupac;ao que consiste em responder cons-tantemente a uma problemática de ordem social:"curar", organizar, avaliar, planificar ou predizer. Comefeito, um número apreciável de fatores que fundame postulam as cooperac;6es inter disciplinares confirmao que acabamos de dizer: a apreciac;ao do estudo eda pesquisa como fundamentos de uma ac;ao inteli-gente, racional ou "informada"; a complexidade do ob- jeto da pesquisa; o imperativo de encontrar respostas para problemas novos; a necessidade de superac;ao dosesquemas tradicionais de ensino; a necessidade de ade-quac;ao das atividades universitárias ao mesmo tempoas urgencias de uma critica interna do saber e asexigencias sócio-profissionais; certos temas de investi-gac;ao que exigem a colaborac;ao de vários especialistas
para serem solucionados, etc.
Cremos, ainda, poder afirmar que a interdiscipli-naridade também pode ser apresentada como resultan-te de duas constatac;6es de fato: de um lado, os ver-
.dadeiros cientistas nao se instalam mais em suasespecialidades, mas ensinam que o progresso das cien-cias abre-se cada vez mais a exigencias sempre novas;do outro, os progressos rápidos das diferentes discipli-
.nas - acelerados ao mesmo tempo por necessidades
teóricas próprias a cada dominio de pesquisa, por in-fluencias sociais mais ou menos sutis e por circuns-táncias ou fatores exigindo uma resposta útil, no planodo saber - provocam nao somente a constatac;ao doslimites de cada uma disciplina tomada de peT si, mastodo um esforc;o considerável de superac;ao ou ultm-
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passagem que toma a forma de colabomqiio entre dis-ciplinas diversas ou entre setores heterogeneos de urnamesma ciencia, para culminar em intemq8es recípro-cas, ande podemos descobrir urna verdadeira recipro-cidade nas trocas de dados, de informac;6es, de resul-tados, de metodologia, etc.
Contudo, nesse nivel, é preciso que se reconhec;aque ainda estamos tateando, que nos situamos no do-minio do pTojeto, de um projeto certamente desejávele viável, mas cujas chances de exito, aliás bastantefecundas, sao mais promessas de futuro do que dadosde fato. Talvez fosse preferivel reconhecer que o tra-
balho propriamente interdisciplinar tem necessidadede centrar-se em um ou vários pTOgTamas, antes deefetuar-se apenas no nível do projeto. Porque um pro-grama é urna definic;ao mais ampla de determinadaorientac;ao de pesquisa, possuindo urna coerencia in-terna e analítica. O programa apresenta a vantagemde estar centrado sobre um "assunto" ou tema bas-tante flexível para assumir vários projetos concretos
de pesquisa. Por ser urna operac;ao a longo prazo, deveser pensado e elaborado antes dos projetos. No domi-nio das ciencias humanas, já ternos noticia da elabo-rac;ao de um primeiro progmma interdisciplinar por Georges Gusdorf (ele fala de projeto!), que pode ser tomado como ponto de partida (8). Com efeito, emseu "projeto de pesquisa interdisciplinar nas cienciashumanas", Gusdorf reconhece como coisa normal queurna pedagogia da especializac;ao forme especialistascada vez mais especializados. Todavia, como podemos pensar que essa especializac;ao se tornará cada vezmais estreita com o progresso das técnicas e com amultiplicac;ao dos territórios ofertados ao conhecimen-
to humano, precisamos proporcionar-lhe urgentementeum remédio, que outra coisa nao seria senao a cria-c;ao de urna nova categoria de pesquisadores, predis-postos ti síntese, tendo por objetivo precípuo criar umainteligéncia e uma imaginagiio interdisciplinares. Ne-
les a unidade das ciencias do homem seria muito,
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mais um estado de espirito e urna orientac;;ao da von-tade do que algo que se afirma no nivel dos conheci-mentas já adquiridos.
Dando um passo a frente, talvez nao fosse por de-mais ousado pretender que a orientagao das cenciasdo homem no sentido das convergencias interdiscipli-nares se apresente como um dos únicos caminhos per-mitindo-lhes que se tornem verdadeiramente ciéncashumanas. Porque, para além da fragmentac;;ao neces-sária em que se constituiram as diferentes especialida-des, e através das aproximac;;oes e das convergencias,nao devemos renunciar ao esforco de reencontrar aunidade do dominio humano. Se ~oestabelecimento defronteiras ou de cortes entre as disciplinas parece in-dispensável as exigencias de postividade, nem por issotemas o direito de negar a importancia da criagao deurna epistemologia de convergencia, nem que seja pa-ra evidenciar a mutualidade das significaq6es entre osdiversos departamentos em que se encontram isoladasas disciplinas científicas. Trata-se, aqui, de urna verda-
deira conversao, ao mesmo tempo metodológica e epis-temológica, pois o que está em jogo é a postulagaode um conhecimento do fenómeno humano na totali-dade de sua significac;;ao.Sem dúvida alguma, esse co-nhecimento jamais poderia ser obtido a nao ser peladescoberta e pelo aprimoramento de urna nova meto-dologia, em que a epistemologia da dissociaC;;aoe dadivergencia cedesse o lugar a epistemologia da inte-grac;;aoe da convergencia dos enfoques de cada cienciasobre a mesma realidade.
É bem verdade que cada disciplina, através de seu.enfoque específico, nao somente tem a pretensao defornecer o real, mas o fornece de fato. No entanto, tra-ta-se de um real sempre "reduzido" ao angulo de visao
particular dos especialistas em questao. Cada um delesadota um ponto de vista que lhe é próprio para obser-var, representar e explicar sua realidade: urna dimen-sao do humano. Ora, nao podemos esquecer-nos de quetoda visao monodisciplinar, pela definiC;;aoque ela nos
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fornece de seu fenómeno, pelas vanaveis que retém, pela análise que escolhe e pelas conclusoes a que che-ga, só pode atingir certo sentido parcial e limitado darealidade de que foi "destacada" sua realidade. Ade-mais, é inegável que a visao unidisciplinar fragmentanecessariamente o objeto e é levada a reduzi-lo a suaescala própria. É por isso que devemos conceber a
démarche interdisciplinar, antes de tuda, como o es-forgo de reconstituic;;ao da unidade do objeto que afragmentac;;ao dos métodos inevitavelmente pulveriza.
Num certo sentido, a posigao de Piaget segue amesma orientac;;ao (9). Assim, ao explicar e justificar a ascensao do interdisciplinar, descobre nele urna rea-c;;aode oposigao a filosofia positivista que limita o cam-
po das ciencias humanas na medida em que lhes fun-da fronteiras consideradas como "naturais". O grandemérito de Piaget, nesse particular, consiste no fato deenfrentar corajosamente o positivismo e de insurgir-secontra seu espírito que ainda governa a ciencia e amentalidade universitárias de nosso tempo. Tenta su-
perar suas análises justamente fazendo apelo a expli..cac;;oesde ordem teórica. Com efeito, eleva o debate,de um dominio dos fatos empíricos observáveis, aodominio das relac;;oespropriamente inteligiveis, fazen-do do estudo das interac;oes estruturais o centro da ati-vidade científica. Todavia, vemos um limite na posiC;;aoteórica de Piaget: as pesquisas interdisciplinares sao,de fato o meio privilegiado de que dispomos para su-
perar ¿ territorialismo positivista, mas nao somente,como pensa esse autor, a partir de urna exigencia daevoluqao interna das ciencias, sob a influencia das ne-cessidades de explicac;ao causal, com um caráter mais
ou menos estrutural. De fato, as explicac;;oescausaise estruturais apresentam a grande vantagem de mos-trar que a objetividade científica nao pode mais residir única e exclusivamente nos fatos, nos fen6menos ob-serváveis, mas nas relac;oes que podemos observar narealidade, e que o real objetivo está longe de coincidir com aquilo que é observável através dos instrumentos
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e dos métodos de urna disciplina particular. Por isso,nao vemos como nao dar razao a todos quantos jus-tificam o uso que fazemos ou devemos fazer do inter-disciplinar, mostrando-nos a exigencia de urna muta-gao substancial no modo de conceber e de praticar o método científico, pelo menos no domínio das cien-cias humanas.
O que poderíamos censurar em Piaget é sua teimo-sia obstinada em defender urna concepc,;ao segundo aqual a epistemologia e a interdisciplinaridade nao pas-sam de urna exigencia que parte exclusivamente dointerior mesmo da evolugao das ciencias. Ele simples-mente deixa de lado ou ignora urna série de outrosfatores que, a nosso ver, desempenham também um papel de primeira importancia, por vezes decisivo, tan-to no processo da genese, da produc,;ao,quanto no daevoluc,;aoe da estruturac,;ao das ciencias. Ele fala derelac,;6escausais, dinamicas e necessárias. Nesse senti-do, podemos facilmente atribuir-lhe a crenc,;a numdeterminado "telas", quer dizer, numa certa finalidade
extracientífica da ciencia. Mas o que representariaesta finalidade? Por que deveríamos aceitá-la comoinerente ao próprio processo de evoluc,;aointerna dasciencias? Nao deveríamos afirmar que a ciencia e seusistema de relac,;6es- ou de "estruturas" - jamais poderao dissociar-se da finalidade humana e social?
Voltaremos a essa questao a propósito da utiliza-c,;aodas pesquisas interdisciplinares. Por ora, lembre-mos apenas que, se compreendemos bem o pensamentode Piaget, tudo indica que seu "estruturalismo" gené-tico e antipositivista pertence a urna ou outra dessasduas concepc,;6estradicionais de ciencia: a) considera-da como urna expressao cultural autónoma, pratica-
mente supra-histórica, e como o objetivo fundamentalda sociedade; b) concebida como um investimento dainfra-estrutura social, na medida em que a cienciaestaria na base dos objetivos sociais, devendo ser exe-cutada no seio de urna organizac,;ao calcada sobre aestrutura teórica dos conhecimentos. Se nossa inter-
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pretac,;aoé correta, somos levados a crer que Piaget naoescapa a tentac,;ao de preservar a ciencia enquantoabstrac,;ao "neutra", fundada sobre um objetivo preciso,independentemente do sistema social global que a e~-gendra. Ora, este "auto-telismo" da ciencia está na
base do mito da "neutralidade axiológica" em matériade ciencia. Por outro lado, nao podemos aceitar a idéia
de que haja um sistema único da ciencia, mas tantossistemas quantos forem os objetivos. Portanto, nadanos autoriza a postular que um sistema deva prevale-cer sobre o outro, nem tampouco que urna finalidadedeva exercer um primado sobre as demais. Parece-nosincontestável, ademais, que a finalidade do homemnao pode mais coincidir com a finalidade da natureza,nem tampouco est.ar na depend€mcia exclusiva daquilbque dela possam dizer as ciencias.
Essa posic,;aose op6e radicalmente a do positivis-mo que estabelece urna distinc,;ao bastante nítida en-tre o sujeito cognoscente e aquilo que constitui o ob-
jeto do conhecimento. Para nos darmos conta das
relac,;6esde nossos conhecimentos e das transformac,;6esque efetuamos em seus objetos, vejamos como o físicoHeisenberg formula esta idéia. Em seu entender, "é ofeixe de relac,;6esentre o homem e a natureza que cons-titui o objetivo central da física. Grac,;asa essas rela-c,;6es,somos, enquanto criaturas vivas físicas, partesdependentes da natureza, ao passo que, enquanto ho-mens, fazemos dela (natureza) ao mesmo tempo oobjeto de nosso pensamento e de nossas ac,;6es.A cien-cia, deixando de ser o espectador da natureza, reco-nhece a si mesma como parte das ac,;6esrecíprocasentre a natureza e o homem" (10). Por conseguinte,é o próprio homem que, enquanto sujeito coletivo dadémarche científica, mofica-se alterando os objetivose, por isso mesmo, suas próprias condic,;6es de vida.Sujeito e objeto encontram-se ligados num feixe derelac,;6es recíprocas. Entre eles processa-se urna rela-c,;aodialética. E cremas que urna das tarefas do inter-disciplinar consiste justamente em elucidar este tipo
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de interdependéncia. Aliás, neste setor, a principalcontribuic;ao de Piaget está justamente em considerar a interdisciplinaridade como princípio de organizac;iioou de estruturac;iio dos conhecimentos, capaz de modi-ficar os postulados, os conceitos, as fronteiras, os pon-tos de junc;ao e os métodos das disciplinas científicas.
Dando um passo a frente, poderíamos até mesmo
afirmar que Piaget postula o estabelecimento de urna"Política" que proporcione efetivamente estruturas no-vas para as universidades, capaz es de criar todos ostipos de cooperac;ao entre os especialistas dos váriosramos do saber. Todavia, enquanto parece defender urna colaborac;ao inter disciplinar no mesmo nível hie-rárquico, cremos, de nossa parte, que o papel de urna"Política" (ou de urna "Filosofia") proporcionandonovas estruturas mentais, deveria estar em condic;6esde criar e de assegurar intera
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Descri
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Importa res saltar que o principio de distingao ésempre o mesmo: a interdisciplinaridade se caracteri-za pela intensidade das trocas entre os especialistas
e pelo grau de integrac;ao Teal
das disciplinas, no in-terior de um projeto específico de pesquisa. A distin-
gao entre as duas primeiras formas de colaboragao e
a terceira está em que o caráter do multi- e d o
pluridisciplinar de uma pesquisa nao implica outra
coisa senao o apelo aos especialistas de duas ou mais
disciplinas: basta que justaponham os resultados de
seus trabalhos, nao havendo integragao conceitual,
metodológica, etc. Por outro lado, podemos retomar
essa distingao ao fixarmos as exigencias do conheci-
mento inter disciplinar para além do simples monólogo
de especialistas ou do "diálogo paralelo" entre dois
dentre eles, pertencendo a disciplinas vizinhas. Ora,o espago do interdisciplinar, quer dizer, seu verdadeiro
horizonte epistemológico, nao pode ser outro senao o." campo unitário do conhecimento. Jamais esse espago
poderá ser constituido pela simples adil;ao de todas asespecialidades nem tampouco por uma síntese de 01'-dem filosófica dos saberes especializados. O fundamen-
}; (D AD E: .t,.x io m
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apressa em precisar que se trata apenas de um sonho,de uma etapa previsivel das associag6es, mais do quede uma realidade já presente. Estamos ainda muitolonge de chegar a um sistema total, de níveis e obje-tivos múltiplos, coordenando todas as disciplinas e in-terdisciplinas, tomando por base uma axiomática geral(objetivos de sistemas globais) capaz de instaurar umacoordenagao a ser feita tendo em vista uma finalidadecomum dos sistemas.
Depois dessas rápidas precis6es terminológicas, precisamos perguntar-nos quais sao as modalidades decolaboragao. Os dois grandes níveis de cooperagao, omulti- (Oil puri-) e o interdisciplinar dao lugar anumerosas modalidades de trabalho, sendo as duas
principais: de um lado, a equipe enquanto organiza-c ; a o , do outro, enquanto grupo de pesquisa. Nao obs-tante, convém observar que esses dois níveis encon-tram-se diante de um número considerável de obstá-culos que impedem continuamente certas exigénciasinterdisciplinares de serem levadas a efeito. Analisa-
remos em primeiro lugar as modalidades, em seguidaos obstáculos e, finalmente, as exigencias. 1sso nos permitirá retomar nossa análise do conjunto das cien-cias do homem, perguntando-nos se nao seria possívelreestruturá-las de modo a evidenciar, se nao sua uni-dade, pelo menos a necessidade de sua convergenciaem diregao a unidade.
4. Modalidades de interdisciplinaridade
O problema maior reside no próprio conceito deinterdisciplinaridade. Trata-se de um conceito que va-
ria, nao somente no nome, mas também naquilo queele significa (conteúdo). No relatório fundado sobreos resultados de um Seminário sobre a 1nterdiscipli-naridade nas Universidades, organizado pelo CER1(Centre pour la Recerche et l'1nnovation dans l'Enseig-nement), com a colaboragao do Ministério Frances da
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Educagao Nacional (realizado em Nice, de 7 a 12 desetembro de 1970), e publicado pelo OCDE em 1972,com o título L'interdisciplinarité: problemes d'enseig-nement et de recherche dan s les universités, e que refle-te as principais tendencias dos pesquisadores atuais,
podemos verificar a variacao de nomenclatura e deconceitos. Vamos apresen tal' um quadro de correspon-dencia, colocando sinoticamente a nomenclatura em-
pregada por quatro autores de países diferentes: G.~ichaud ~Franga), H. Keckhausen (Alemanha), J.Flaget (Smga) e E. Jantsch (Áustria). Tomaremos por referencia a primeira coluna:
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I I I I~ I I I CIl , . . . . . ; IÜ ,
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e os níveis correspondentes de "integra
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cialistas, resultando quase invariavelmente de urnaimaginaqéio criadora e combinatória em condig6es demanejar conceitos e métodos diversos e de colocá-losem presenga uns dos outros, dando origem a combi-nag6es imprevistas. Em suma, a interdisciplinaridadenao é apenas um conceito teórico. Cada vez mais pa-
rece impor-se como urna prática. Em primeiro lugar,
aparece como urna prática individual: é fundamental-mente urna atitude de espirito, feita de curiosidade,de abertura, de sentido da descoberta, de desejo deenriquecer-se com novas enfoques, de gasto pelas com- binag6es de perspectivas e de convicgao levando aodesejo de superar os caminhos já batidos. Enquanto
prática individual, a interdisciplinaridade nao podeser aprendida, apenas exercida. E la é fruto de umtreinamento continuo, de um afinamento sistemáticodas estruturas mentais. Em segundo lugar, a interdis-
ciplinaridade aparece como prática coletiva. No nivelda pesquisa propriamente dita, nao pode haver ne-nhum confronto sólido entre as disciplinas sem o con-
curso efetivo de representantes altamente qualificadosde cada urna delas. É preciso que estejam todos aber-tos ao diálogo, que sejam capazes de reconhecer aquiloque lhes falta e que podem ou devem receber dosoutros. Só se adquire essa atitude de abertura no de-correr do trabalho em equipe interdisciplinar, como
veremos.Dando um passo a frente, tentemos descobrir ou-
tras modalidades de colabora
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!f'
confirmada pela ordem cronológica de desenvolvimen-too Entretanto, nao podemos ignorar que a idéia dedispor as ciencias naturais numa série linear, segundouma ordem de subordina
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atacam simultaneamente o mesmo problemae sincronizam seus esfon;;os, comunicam-se osresultados obtidos e chegam a diferentes re-latórios que serao precedidos de um relatóriocomum tentando integrar todos esses resulta-
dos;atacam conjuntamente o mesmo problema,
comparam suas hipóteses de trabalho, avaliamreciprocamente os resultados e os métodos, para chegar a um relatóTÍo comum.
Outras modalidades de coopera~ao podem ser le-vadas a efeito, desta vez, em fun~ao do próprio traba-lho interdisciplinar. Todavia, as colaborac;6es assumi-rao esta ou aquela forma, segundo estejam polariza-das por urna pesquisa teórica ou por uma pesquisa
",.'-.Qrientada para a a
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negligenciar a inserc;ao do conhecimento na prática.Seria silenciar sobre alguns dos aspectos mais signifi-cativos dos problemas que concernem aos seus méto-
dos. A análise epistemológica nao poderá validamentedissociar urna ciencia teórica de urna técnica de apli-cac;ao. Elas se dao sentido urna a outra e, em largaescala, determinam-se reciprocamente. Conhecimento e
/práticasao duas func;óes do conhecimento que se com-
pletám e se equivalem. Sua complementaridade é oterreno sólido sobre o qual podemos estabelecer-nos demodo a encontrar urna solu
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distintas, segundo nos situemos no domínio da teoriaou no da aplicac;ao. Donde a importancia de constituir uma tipologia do interdisciplinar, estabelecida em fun-c;ao dos procedimentos, das técnicas e dos fins perse-
guidos. Encontramos modalidades e tipologias diferen-tes, segundo se trate de ciencias naturais ou deciencias humanas. A matemática aparece como o ins-trumento privilegiado do interdisciplinar, pois propor-
ciona um aparelho de organizac;ao dos conceitos e dasestruturas. A primeira condic;ao do interdisciplinar é a possibilidade de confrontar e de harmonizar os vocabu-lários e as línguas, o que levaria a elaborac;ao de umainterlinguagem. Foi a esta tare fa que se entregou
o "Movimento para a unidade da ciencia", tambémchamada de "neopositivismo lógico" (Círculo de Vie-na). Nos dias de hoje, parece que a interdisciplinari-dade precisa ultrapassar-se a si mesma. Uma vez es- boc;ado o movimento de convergéncia e reconhecidosos problemas colocados pela elaborac;ao de uma lingua-gem comum e pelo confronto, bem como pela comple-
mentaridade dos métodos, dos conceitos, das estruturase dos axiomas sobre os quais se fundam as diferentesdisciplinas em questao, parece que nao podemos mais
parar sobre os caminhos que conduzem a unidade dosaber: unidade problemática, sem dúvida, mas que apa-rece como o fim e o coroamento ideal de toda a dé-
marche interdisciplinar e que já desponta no horizon-te do pensamento científico. A este respeito, precisamser ressaltadas a "teoria geral dos sistemas", as "pes-quisas sobre a hermeneutica", sobre "a praxeologia":
todas vao no mesmo sentido. E é a este ultra pass amen-to do estádio meramente interdisciplinar que podere-mas chamar de transdisciplinar.
5. Obstáculos
O inventário de algumas das modalidades de rea-lizac;ao do pluri- e do interdisciplinar que acabamosde propor, está longe de ser completo. Apresenta, po-
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rém, a vantagem de alertar-nos contra as concepc;oes
unívocas que poderiam ser evocadas para restringir oalcance desses termos. Aa fazer isso, encontramo-nosimediatamente diante de uma série de obstáculos ou
pedras de tropec;o que impedem a realizac;ao concretade uma colaborac;ao válida e eficaz entre as disciplinas. Nao se trata de fazer um balanc;o exaustivo de todas
as dificuldades. As que apresen taremos já sao suficien-tes para fornecer-nos os elementos indispensáveis a in-terrogac;ao sobre a significac;ao e a pertinencia das co-operac;oes interdisciplinares. Esta problemática é tan-
to mais significativa quanto se situa no quadro das possibilidades de reforma que abre, e da criac;ao de programas de estudas e de pesquisas susceptíveis deresponder, em permanencia, a evoluc;ao das necessida-des fundamentais do homem e da sociedade, até mesmode suas perspectivas futuras, tais como sao antecipa-das nos trabalhos de pesquisa teórica levados a efeito por certos cien ti stas e que fazem apelo a pesquisas in.ter disciplinares aplicadas ou, pelo menos, "orientadas".
Certamente, muitas forc;as, nao somente resistem, por inércia, mas se opoem ativamente a realizac;ao deum projeto interdisciplinar de pesquisa ou de ensinc.Entretanto, devemos reconhecer que, se a colaborac;aose revela difícil num grande número de casos, isso édevido, de um lado, a obstáculos psicológicos e socioló-gicos: competic;ao dos estatutos, dificuldades de orga-nizac;ao que perturbam a colocac;ao em comum das in-formac;6es, etc.; do outro, a obstáculos lingüísticos:formac;ao diferente dos pesquisadores. Em contrapar-
tida, podemos discernir certas forc;as atuando em fa-vor do interdisciplinar. Entre as dificuldades inerentes
ao empreendimento interdisciplinar, podemos avanc;ar a participac;ao numa obra comum enquanto que os
métodos e as modalidades de pensamento diferem.
Quando se trata de por em comum certos instrumentos,
nao há muitos obstáculos. O obstáculo inicial que deve
ser transposto é o da elabora
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zar;ao, nao somente para interrogar-nos sobre a jinali-dade, a destinaqao e o por qué do projeto interdiscipli-nar, mas também para sabermos aquilo sobre o quéele se interessa, de qué se ocupa, em conformidad ecom aquilo a que visa.
Para além dessas dificuldades que se encontramno cerne mesmo do projeto interdisciplinar, as colabo-
ragoes encontram-se em presen
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Num estudo bastante rico e denso sobre o quevem a ser o "conhecimento interdisciplinar", G. Gus-dorf apresenta quatro modalidades de obstáculos: epis-temológico propriamente dito, institucional, psicosso-ciológicos e culturais (19). Vejamos, sucintamente, oque cada um deles significa:
OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO. - A históriadas ciencias é a história de uma diverg€mcia contínuae inexorável. Cada disciplina, urna vez emancipada dafilosofia, subdivide-se em setores autónomos. Se cadaciencia é urna língua bem feita, cada língua assimcriada encerra o conhecimento no espa
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postas aos ventas da crítica. Por exemplo, os "estru-turalistas" franceses, que vivem num circuito fechado,sob o regime da admirac;;ao mútua, pouco se impor-tam que suas descobertas encontrem ou nao repercus-sao fora de seu país ou do círculo dos "iniciados". Pro-tegidos pelo hermetismo de sua linguagem, prosse-guem com muita persistencia os exercícios rituais de
sua "confraria", alquimistas que sao do verbo, e mui-to cónscios de seu segredo. Cada especialista se con-
verte numa torre de marfim, cuja entrada é vedadaaos nao-iniciados. Cada um por si e Deus por todos:eis o lema do conhecimento "endisciplinado", no sen-tido em que falamos de enquadrado, que vira as costas
ao sentido da realidade humana.
Analisados os principais obstáculos, urna questaose imp6e: como eles surgem? Em outros termos, emque momento eles se instauram? Evidentemente, osobstáculos ao interdisciplinar, semelhantemente ao obs-táculo epistemológico descrito por G. Bachelard, in-crustam-se no interior mesmo das pequisas científi-cas, como "retardos e perturbac;;oes", como causas deinércia. Eles aparecem todas as vezes que o pensa-mento científico existente encontra-se em perigo e re-siste, por isso mesmo, as ameac;;as de ruptura com asfronteiras estabelecidas do saber. Aparecem igualmen-te quando nos encontramos diante de forc;;as que ten-dem a definir as fronteiras de urna disciplina: o inte-resse manifestado por vários universitários ou pela so-ciedade por um problema preciso; as vantagens quecomporta o fato de assegurar num domínio particular uma competencia intelectual excepcional; a possibili-
dade de garantir um apadrinhamento político ou fi-
nanceiro; a necessidade de responder a certas deman-das, etc. A nosso ver, foi urna filosofia das ciencias,
mais precisamente, o positivismo, que constituiu o
grande veículo e o suporte fundamental dos obstáculosepistemológicos ao conhecimento ínterdisciplinar, por-que nenhuma outra filosofia estruturou tanto quanto
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bemos ~ quant~ esta estruturac;;ao foi marcada pelaco~par~Imentac;;ao, ~as disciplinas,em nome de umaeXIg~ncla metod~lolpca de demarcac;;ao de cada objeto
partIcular, c~ns.tIt:llndo a "propriedade privada" destaou daquela dIscIplma. Com efeito o positivismo é uma
"?O~trina" qu~ d~limi,t~ os proble~as em duas catego-n~s. ?~que sao clentIflcos e os que nao sao científicos
(fllosoflCOS). Contu?o, ~odas as fronteiras que ele es-ta~elec.eu p~ra as CIenCIas foram violadas, e suas pro-feclas ]amaIS foram realizadas. Por outro lado a cien-
?ia é abe!ta, é essencialmente dialética, vive de crisesmternas Imprevistas e de constantes ultrapassagens. Ese torna absolutamente impossível classificar os pro-
bl_emas em científicos e filosóficos. Sao os métodos, enao os ~roblemas, que distingue m as duas categoriasde pesqUIsa. Mas voltaremos a esta questao. Por en-q~an.to, basta ressaltar que o positivismo - tanto oclasslC~, quanto o moderno - sempre se opós aos em-
preendlmentos interdisciplinares.
Em que consiste o desafio das colaboracoes inter-
disciplinares? Em primeiro lugar no fato de' vários es- pecialistas formados em discipli~as diferentes procu-rarem e encontrarem urna linguagem comum, enten-derem-se sobre as concepc;;oes iniciais e sobre urna for-ma de démarche conjugada e articulada a fim de con-segui;e.m ace~tar o desenraizamento pro~ocado por pro-
blematIcas dIferentes da sua. Nao podemos contudoalimentar iluso es: precisamos estar consci~ntes da~múltiplas dificuldades de levar a bom termo um voca-bulário comparado das ciencias humanas permitindo-nos esclarecer certo número de solidariedades e de opo-sic;;oes nos confins das diversas disciplinas. A impre-
cisao generalizada da terminologia revela-se urna dascausas maiores da falta de rigor no conhecimento. Por
outro lado, no estado atual do desenvolvimento em que
se encontram, ainda hoje, as ciencias humanas, tor-
na-se praticamente impossível recensear todos os con-ceitos epistemológicos que lhes sao comuns a fim de
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fazermos deles um uso interdisciplinar. Sem dúvida,bl i l id l i l
permitir-se ignorar solenemente certos dados funda-
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o problema nao seria resolvido pelo simples empregode um vocabulário padráo. Porque nao se trata ape-nas de formular defini
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futuros mestres do ensino superior, parece-nos a vigamestra do novo edifício a ser construído. Trata-se deurna formac;ao devendo associar teoria e prática e com- portar um treinamento constante do trabalho inter-disciplinar tanto no nível da pesquisa quanto no doensino. Neste domínio, é ilusório pensarmos que a cria-c;ao de leis ou de um conjunto de medidas adminis-
trativas possa colocar um fim a hábitos arraigados, arotinas e estruturas adquiridas. Sem dúvida, a inter-disciplinaridade exige estruturas flexíveis, mas tam-
bém implica novos conteúdos articulados em func;aodos verdadeiros problemas. Enfim, postula métodosfundados menos sobre a dlstribuic;ao dos conhecimen-tos que sobre o treinamento de certas aptidoes e sobreo desenvolvimento de faculdades psicológicas distintasda memória e do simples raciocínio discursivo. E nadaserá feito de durável, neste setor, se nao estiver fun-dado sobre urna adesao profunda de alguns e sobreurna série de experiencias concretas que desempenhemo papel de catalizadores e de núcleos de inovac;ao nas
universidades. A este respeito, o interdisciplinar é ummotor de transformac;ao, talvez o único capaz de res-tituir vida a urna instituic;ao praticamente esclerosada.
Qutro obstáculo ao interdisciplinar, nao menosimportante, é constituído: de um lado, pela resistenciado corpo docente, situando-se cada pro fessor numaregiao bem determinada e autónoma do saber; do ou-tra, pela inércia do corpo discente, sentindo-se os estu-dantes muito mais a vontade e em maior seguranc;adiante de um saber bem definido e delimitado, de um
saber que nao dá margem a urna interrogac;ao sobre
o saber. Além disso, nao devemos negligenciar as dis-
posic;oes administrativas que desencorajam e penalizama interdisciplinaridade, impondo obstáculos físicos, eco-
nómicos ou sócio-políticos ao encontro, a livre circu-
lac;ao das idéias, das informac;oes, dos dados, dos estu-dantes e dos professores: programas rígidos em vistade um diploma, o que deixa poucas possibilidades de
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meios físicos adequados entre as Faculdades; distinc;aosocial e hierárquica; jargao técnico próprio a urna dis-
ciplina, etc.
Sem dúvida, como já indicamos, foi o triunfo dopositivismo que suscitou a repartic;ao do espac;o mentaldo saber em departamentos isolados e com fronteirasrígidas. Quando faz coincidirem, por exemplo, saber
e analisar, está colocando-nos diante de urna inteligen-cia que desintegra e divide, mais do que em face deurna inteligencia que integra e associa. A preocupac;aoexcessiva com a análise deixa de lado toda exigenciade síntese. A preocupac;ao analítica está muito maisvoltada para o saber preciso, pouco ou quase nada in-teressada por saber aquilo que se sabe. É por isso que,no dizer de Gusdorf, "ternos cada vez mais sábios, po-rém, mesmo aquel es que consideramos como grandessábios sao, em geral, pequenos espíritos" (20). Se issoé verdade, como poderemos chegar a um conhecimen-to do homem se, por questoes de método, este conheci-mento se funda sobre exclusoes mútuas? Como atin-gir um conhecimento do fenómeno humano se, por urna questao de principio, tal conhecimento se fundasobre urna psicologia do esmigalhamento do saber?Compreendemos, entao, as lentidoes das pesquisas in-terdisciplinares. Porque elas exigem a ultrapassagemdas forc;as de inércia que mantem as instituic;oes uni-versitárias ancoradas em seu isolamento, apegadas ahábitos adquiridos de urna pedagogia da dissociac;ao.Tudo isso dificulta a instaurac;ao de urna nova inteli-
géncia, de urna inteligencia aberta a todas as ~ntera-
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sua realidade própria, independente de nós e de outrasingerencias: filosóficas, ideológicas, etc. Ora, nao háconhecimento sem pressupostos. Todo conhecimentoexprime o intuito do sujeito na constituic;;ao de seuobjeto. Nas ciencias naturais, o objeto da pesquisa
pode ser abstrato, isolado de seu contexto natural econtemplado em si mesmo (afirmac;;ao a ser contro-
lada!). Nas ciencias humanas, porém, este isolamentodo contexto social nao é possível. Assim, nao há ver-dadeiras linhas de demarcac;;ao entre as ciencias hu-manas, quer dizer, entre o que elas tem de propria- •mente científico e as quest6es sociais, filosóficas ouideológicas correspondentes. E a razao consiste emdizer que ninguém pode separar de modo certo e de-finitivo aquilo que é fato, aquilo que é hipótese e aqui-lo que é especulac;;ao. Ademais, a pretensa objetivida~de das ciencias humanas responde aos partis-pris datecnicidade e da especializac;;ao, pois está base ada natnentalidade analítico-dissociativa do real humano. Por
outro lado, funda-se no pressuposto da decomposic;;ao.Ao pretender construir urna ciencia humana objetiva,a inteligencia positivista retém apenas os fatos, per-manecendo cega as significac;;6es e negligenciando ofato fundamental da existencia humana, a única capazde dar ou conferir um sentido a multidao indefinidados dados biológicos, físicos, económicos, psicológicos,etc. Daí podermos considerar o positivismo como umestádio infantil da ciencia (A. Lichnerowicz), ten docomo resultado a esterilizac;;ao da imaginac;;ao criadora. Na verdade, diz Gusdorf, "ele entrava o livre jogo dasfunc;;oes criadoras e esta faculdade de visao que man-tém, apesar das restric;;oes do campo epistemológico, a
presenc;;a do homem ao mundo e ao homem" (21).Devemos salientar ainda outra circunstancia que
resiste ao empreendimento interdisciplinar. Trata-seda idéia, ainda bastante difundida, segundo a qualo fato de romper com as fronteiras de determinadadisciplina científica implica necessariamente enveredar
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p p , q p pcializada na síntese (e o simples fato de exprimir-seassim Ja mostra a fragilidade de tal suposic;ao) teriaque ser a filosofia, jamais a ciencia. Ora, a filosofiacomporta certamen te uma posic;;ao sintetizan te ou glo- balizante, mas nao poderá ser confundida com umametaciéncia qualquer, desempenhando o papel de sin-
tetizar todos os conhecimentos fornecidos pelas cien-cias do homem. Ela tem muito a receber, e de fatorecebe uma iluminac;;ao, quer das ciencias humanas emseu conjunto, qu