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MARTINA CORREIA
ILICITUDE DIREITO PENAL
Cléber Masson + Rogério Sanches + Rogério Greco
INTRODUÇÃO
- Embora doutrinadores se refiram à “antijuridicidade”, o CP fala em ilicitude. O fato típico é fato
jurídico. Como se pode considerá-lo jurídico e, ao mesmo tempo, antijurídico? Convém utilizar o
vocábulo ilicitude, portanto.
- A ilicitude sempre será um substrato do crime, em qualquer teoria. Não há crime sem ilicitude.
- Ilicitude é a CONTRARIEDADE ENTRE O FATO TÍPICO E O ORDENAMENTO JURÍDICO COMO UM
TODO, não existindo qualquer exceção determinando, incentivando ou permitindo a conduta
típica.
- Atenção: o conceito de ilicitude muda para os adeptos da tipicidade conglobante, entendendo-se a
relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo, não existindo
qualquer exceção permitindo a conduta típica.
- O juízo de ilicitude é posterior e dependente do juízo de tipicidade, de forma que todo fato
penalmente ilícito também é, necessariamente, típico.
- Von Liszt distinguiu a ilicitude formal (contrariedade do fato típico ao ordenamento jurídico) e a
ilicitude material (lesão ou perigo a um bem jurídico). A distinção é desnecessária e ultrapassada: se
a norma penal existe porque visa proteger o bem por ela considerado relevante, é sinal de que
qualquer conduta que a contrarie causa lesão ou expõe a perigo de lesão aquele bem tutelado,
levando-nos a adotar uma CONCEPÇÃO UNITÁRIA DE ILICITUDE.
- Ilícito ≠ injusto, que é a contrariedade entre o fato típico e a compreensão social acerca da justiça.
O injusto se reveste de graus, vinculados à intensidade de reprovação social causada pelo
comportamento penalmente ilícito.
ILICITUDE GENÉRICA ILICITUDE ESPECÍFICA
Posiciona-se FORA do tipo penal. Ex.: no homicídio, é típica a conduta de
“matar alguém”, não autorizada pelo direito, salvo se presente uma causa de justificação.
Posiciona-se DENTRO do tipo penal. Tipicidade e ilicitude se unem em um mesmo juízo, pois a ilicitude situa-se no corpo do tipo penal, funcionando como elemento normativo do
tipo. Ex.: violação de correspondência (“indevidamente”), exercício arbitrário das próprias razões (“salvo quando a lei o permite”).
- A ilicitude é claramente OBJETIVA: se o inimputável matar alguém, cometerá conduta ilícita,
embora ausente a culpabilidade. Basta a contrariedade entre o fato típico praticado pelo autor da
conduta e o ordenamento jurídico, apto a causar dano ou expor a perigo bens jurídicos
penalmente protegidos.
- São sinônimos de causas de exclusão da ilicitude: causas de justificação, descriminantes, eximentes.
Não confundir com dirimente, que é causa de exclusão da culpabilidade.
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TEORIAS SOBRE A TIPICIDADE E A ILICITUDE
- Teoria da Absoluta Independência ou Autonomia (Beling) a tipicidade não tem qualquer relação
com a ilicitude. O fato pode ser típico e não ser ilícito.
- Teoria da Indiciariedade ou Ratio Cognoscendi (Mayer) o tipo passa a ser um indício de ilicitude
(CARÁTER INDICIÁRIO DO TIPO). SE O MP COMPROVA QUE UM SUJEITO MATOU O OUTRO,
PRESUME-SE QUE NÃO FOI EM LEGÍTIMA DEFESA (A TIPICIDADE FAZ PRESUMIR A ILICITUDE). CABE
À DEFESA PROVAR A DESCRIMINANTE (A PRESUNÇÃO DE ILICITUDE É RELATIVA, ADMITE PROVA
EM CONTRÁRIO). Prevalece que o Brasil adotou essa teoria.
- Teoria da Absoluta Dependência ou Ratio Essendi (Mezger) - Ocorre uma FUSÃO ENTRE O FATO
TÍPICO E A ILICITUDE (TIPO TOTAL): não há fato típico se a conduta praticada pelo agente for
permitida pelo ordenamento (lícita). Quando a conduta não for ilícita, não será típica.
- É na ratio essendi que surge a TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Dizer que o fato é
típico supõe dizer que ele também é ilícito, porque as excludentes de ilicitude (ou causas de
justificação) estão incorporadas no tipo. Assim, o tipo é composto por elementos POSITIVOS (devem
ocorrer para que o fato seja típico) e NEGATIVOS (não devem ocorrer, são as EXCLUDENTES DE
ILICITUDE). O tipo penal do furto seria construído assim: “subtrair coisa alheia móvel, para si ou
para outrem (ELEMENTO POSITIVO DO TIPO), desde que não fosse em estado de necessidade
(ELEMENTO NEGATIVO DO TIPO)”. Por isso, quem subtrai algo, sob o manto do estado de
necessidade, praticaria fato atípico. Não foi adotada pelo CP.
- Não confundir o tipo total com o injusto penal (conduta típica e ilícita, 2 etapas). No tipo total a
análise do fato típico e ilícito faz-se em uma só etapa.
Art. 386, V, do CPP antes da Lei 11.690/08 Art. 386, VI, do CPP depois da Lei 11.690/08
O juiz só absolvia o réu se comprovada circunstância que excluísse o crime. Na dúvida, condenava-o. A jurisprudência vinha temperando esse entendimento, no sentido de que o juiz deveria absolver o réu diante de dúvida razoável (fundada).
O juiz absolve o réu se: - Houver comprovada circunstância que exclua o crime; - Houver dúvida razoável sobre sua existência. O legislador perfilhou o entendimento jurisprudencial. O juiz condena na hipótese de dúvida simples, não fundada. A TEORIA DA INDICIARIEDADE FOI TEMPERADA.
RATIO COGNOSCENDI
FATO TÍPICO ILÍCITO CULPÁVEL
RATIO ESSENDI
FATO TÍPICO + ILÍCITO CULPÁVEL
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EXCLUDENTES DA ILICITUDE
ESTADO DE NECESSIDADE
EXCLUDENTES LEGÍTIMA DEFESA
DA ILICITUDE ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO
Excludentes da ilicitude GENÉRICAS (Parte Geral)
Excludentes da ilicitude ESPECÍFICAS (Parte Especial)
Excludentes da ilicitude EXTRAPENAIS
Excludentes da ilicitude SUPRALEGAIS
- A lei penal só explicitou os conceitos de estado de necessidade e de legítima defesa, ficando as
demais a cargo da doutrina.
ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
- O reconhecimento de uma causa de exclusão da ilicitude depende somente dos requisitos
legalmente previstos, relacionados ao aspecto exterior do fato, ou está condicionado a um requisito
subjetivo? Ex.: A atira em B para matá-lo, por vingança. Descobre-se, posteriormente, que naquele
exato instante B iria jogar uma bomba na casa de C, para matá-lo.
CONCEPÇÃO OBJETIVA CONCEPÇÃO SUBJETIVA
À lei só interessa que a finalidade atual do agente seja conforme a norma jurídica. Para que atue uma causa de justificação, basta que o agente tenha conhecido e
querido a situação de fato em que esta consiste. Os motivos permanecem irrelevantes. No caso, A não
cometeu crime.
O reconhecimento de uma causa de exclusão reclama o CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICANTE PELO AGENTE. É necessário que a reação seja acompanhada pela CONSCIÊNCIA E PELA VONTADE DE DEFENDER-
SE. No caso, A responderia pelo homicídio. Teoria que prevalece.
- Resumindo: para que se caracterize uma excludente de ilicitude O INDIVÍDUO DEVE SABER QUE
ESTÁ AGINDO AMPARADO POR UMA EXCLUDENTE DE ILICITUDE, ou ao menos achar que está.
O CONSENTIMENTO DO OFENDIDO
- Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que as causas de exclusão da ilicitude
não se limitam às hipóteses previstas em lei. Seria impossível exigir do legislador a regulamentação
expressa e exaustiva de todas as causas de justificação, seja porque derivam de valores ético-sociais,
cujas modificações constantes podem acarretar no desenho de novas causas ainda não previstas em
lei, mas que em determinada sociedade se revelam imprescindíveis à adequada e justa aplicação da
lei. COMO ESSAS EXIMENTES NÃO FUNDAMENTAM NEM AGRAVAM O PODER PUNITIVO ESTATAL
(OPERANDO EM SENTIDO CONTRÁRIO), A CRIAÇÃO DE CAUSAS SUPRALEGAIS NÃO OFENDE O
PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL.
- O consentimento do ofendido pode ser uma CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE
quando o tipo penal exige o dissenso da vítima. Ex.: na violação de domicílio (art. 150) e no estupro
(art. 213), o consentimento do ofendido exclui o próprio tipo, e não a ilicitude. Fora essas hipóteses,
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o consentimento do ofendido pode ser uma CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE se
praticado em SITUAÇÃO JUSTIFICANTE. Ex.: aquele que realiza tatuagens no corpo de terceiros
pratica conduta típica de lesões corporais (art. 129 do CP), muito embora lícita, se verificado o
consentimento do ofendido; aquele que inutiliza coisa de terceiro, ainda que a pedido deste, pratica
conduta típica de dano (art. 163 do CP), muito embora lícita, se presente o consentimento da vítima.
Fundamentos:
a) Ausência de interesse o Estado não tem interesse quando o próprio titular do bem
jurídico, de cunho disponível, não tem vontade na aplicação do direito penal.
b) Renúncia à proteção do direito penal o sujeito passivo pode renunciar à proteção do
direito penal. Conflito com o caráter público do direito penal.
c) PONDERAÇÃO DE VALORES o consentimento funciona como causa de justificação
quando o direito concede prioridade ao valor da LIBERDADE DE ATUAÇÃO DA VONTADE
frente ao DESVALOR DA CONDUTA E DO RESULTADO causado pelo delito que atinge bem
jurídico disponível. É a teoria mais aceita.
- Condições de validade do consentimento do ofendido como tipo penal permissivo:
a) O dissentimento da vítima não deve integrar o tipo penal (se integrar, o consentimento
exclui o próprio fato típico);
b) O ofendido deve ser pessoa capaz;
c) O consentimento deve ser válido e sem coação;
d) O bem deve ser disponível;
e) O bem deve ser próprio;
f) O consentimento deve ser dado antes ou durante a execução (pois, se dado após a lesão
ao bem jurídico, não exclui a ilicitude, podendo servir como renúncia ou perdão do ofendido,
a extinguir a punibilidade nos crimes de ação penal de iniciativa privada);
g) O consentimento deve ser expresso (mas há doutrinadores admitindo o consentimento
tácito);
h) Deve haver conhecimento da situação fática justificante (saber que age com o
consentimento do ofendido).
i) O fato típico penal realizado deve se identificar com o que foi previsto e deve se
constituir em objeto de consentimento pelo ofendido.
- A integridade física é um bem disponível desde que as lesões sofridas sejam consideradas de
natureza leve.
ESTADO DE NECESSIDADE DIREITO PENAL
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ASPECTOS GERAIS
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio
ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
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§1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser
reduzida de 1 a 2/3.
- Se há dois bens em perigo, o Estado permite (não determina ou incentiva) que seja sacrificado um
deles, pois, diante do caso concreto, a tutela penal não pode salvaguardar a ambos.
- O estado de necessidade é direito ou faculdade? A doutrina diverge. Masson tem uma posição
intermediária: o estado de necessidade constitui-se em faculdade entre os titulares dos bens
jurídicos em colisão, uma vez que um deles não está obrigado a suportar a ação alheia, e,
simultaneamente, um direito diante do Estado, que deve reconhecer os efeitos descritos em lei.
- Presentes os requisitos legais, o juiz tem a obrigação de decretar a exclusão da ilicitude (DIREITO
SUBJETIVO DO RÉU).
- A ação do estado de necessidade deve ser objetivamente NECESSÁRIA e subjetivamente
conduzida pela VONTADE DE SALVAMENTO. O agente tem que conhecer a situação de perigo
(elemento objetivo) e deve estar movido pela vontade de salvamento (elemento subjetivo).
ELEMENTO OBJETIVO ELEMENTO SUBJETIVO
Conhecer a situação de perigo Atuação com a finalidade de salvar o bem
- É possível o estado de necessidade recíproco. Ex.: dois náufragos que disputam uma tábua que só
servirá a um deles.
- O estado de necessidade COMUNICA-SE A TODOS OS COAUTORES E PARTÍCIPES DA INFRAÇÃO
PENAL, pois no tocante a eles o fato também será lícito.
- A parte especial do CP também prevê outros casos de estado de necessidade. Ex.: a intervenção
médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente, se há iminente perigo de vida; a violação de
correspondência, divulgação de segredo e violação de segredo profissional, nas situações em que
alguém pratica o fato típico para proteger direito próprio ou alheio.
- Prevalece que a dificuldade econômica, inclusive com a miserabilidade do agente, não constitui
estado de necessidade. Rogério Greco defende que se a miserabilidade inviabilizar a própria
sobrevivência do agente, ela deve excluir a ilicitude.
- NÃO HÁ ESTADO DE NECESSIDADE NOS CRIMES PERMANENTES E HABITUAIS: no fato que os
integra, não há atualidade do perigo e inevitabilidade do fato necessitado. Contudo, a jurisprudência
já reconheceu o estado de necessidade no crime habitual de exercício ilegal de arte dentária, em
caso atinente à zona rural carente de profissional habilitado.
- O ESTADO DE NECESSIDADE É COMPATÍVEL COM A ABERRATIO ICTUS. Ex.: alguém, no momento
em que vai ser atacado por um cão bravio, atira contra o animal e, por erro na execução, atinge
pessoa que passava nas proximidades do local, ferindo-a. Não poderá ser responsabilizado pelas
lesões, em face da exclusão da ilicitude.
ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE E EXCULPANTE
- O CP adotou a TEORIA UNITÁRIA ou MONISTA: SÓ SE ADMITE O ESTADO DE NECESSIDADE
JUSTIFICANTE (o bem jurídico protegido de igual ou maior valor que o bem jurídico sacrificado).
Duas situações:
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Bem em perigo de valor igual ou superior ao outro Bem em perigo de valor inferior ao outro
Estado de necessidade JUSTIFICANTE. Ocorre exclusão da ilicitude.
Único estado de necessidade aceito no CP.
NÃO É ESTADO DE NECESSIDADE PARA O CP. REDUÇÃO DE PENA DE 1 A 2/3.
No CPM, é o estado de necessidade EXCULPANTE (excludente de culpabilidade).
- O CPM adota a TEORIA DIFERENCIADORA ALEMÃ (arts. 39 e 43 do CPM):
ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE
Exclui a ILICITUDE. Exclui a CULPABILIDADE (inexigibilidade de conduta diversa).
REQUISITOS CUMULATIVOS
1) PERIGO ATUAL o perigo iminente está abrangido? Parte da doutrina entende que não porque a
lei foi silente (previu expressamente o perigo “iminente” para a legítima defesa). Outra parte
entende que está abrangido (Rogério Greco).
- Em qualquer caso, o perigo passado e o futuro não estão abrangidos.
- O perigo atual pode decorrer de fato da natureza, de comportamento de um ser humano ou de
comportamento de um animal. A diferença da legítima defesa é que ESSES ATOS OU FATOS NÃO
TÊM DESTINATÁRIO CERTO.
- O perigo pode advir inclusive de conduta praticada pelo próprio agente. Ex.: suicida arrependido
que, depois de se lançar ao mar, subtrai uma embarcação alheia para não morrer afogado.
- Se o perigo é imaginário, fantasiado pelo agente, há estado de necessidade putativo, que não
exclui a ilicitude. Seus efeitos variam conforme a teoria adotada no tocante às descriminantes
putativas (erro de tipo permissivo x erro de proibição indireto).
2) PERIGO NÃO PROVOCADO VOLUNTARIAMENTE PELO AGENTE o causador culposo do perigo
pode alegar estado de necessidade?
a) O causador culposo pode se valer do estado de necessidade. “Perigo atual, que não
provocou por sua vontade”: entendem a “vontade” como indicativo de dolo. Corrente
majoritária (Sanches, Noronha, Fragoso e Rogério Greco) e boa para Defensoria.
b) O causador culposo não pode se valer do estado de necessidade, pois a atuação culposa
também é voluntária em sua origem. É a posição de Masson e Nucci. Fundamento no art. 13,
§2º, c: se quem cria a situação de perigo, dolosa ou culposamente, tem o dever jurídico de
impedir o resultado, igual raciocínio deve ser utilizado no tocante ao estado de necessidade
(quem cria o perigo, dolosa ou culposamente, não pode invocar a causa de justificação).
3) AMEAÇA A DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO no Brasil, qualquer bem jurídico, próprio ou de
terceiro, pode ser protegido quando enfrentar um perigo capaz de configurar o estado de
necessidade. Exige-se somente a legitimidade do bem, que deve ser reconhecido e protegido pelo
ordenamento. Ex.: o preso não pode matar o carcereiro, sob o pretexto de exercício do seu direito à
liberdade.
- O bem não precisa ser de parente ou amigo íntimo, a eximente se funda na solidariedade entre os
indivíduos em geral.
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- O estado de necessidade de terceiro precisa da autorização ou da ratificação da pessoa cujo bem
jurídico está em perigo? A corrente majoritária entende que há dispensa de autorização ou
ratificação. A corrente minoritária entende que o estado de necessidade de terceiro só dispensa
autorização ou ratificação se o bem jurídico em perigo for indisponível.
- Rogério Greco entende que “o agente, estranho à situação de perigo, somente poderá intervir com
a finalidade de auxiliar uma daquelas pessoas envolvidas na situação de perigo, se o bem que estiver
em jogo for considerado indisponível”.
4) AUSÊNCIA DO DEVER LEGAL DE ENFRENTAR O PERIGO algumas profissões são perigosas por
natureza. Ex.: um bombeiro não pode alegar estado de necessidade para não enfrentar o perigo
diante de um incêndio. Enquanto o perigo comportar enfrentamento, o bombeiro deve persistir
atuando. Problema: quem possui o dever legal de agir?
a) O “dever legal” abrange somente o dever decorrente da lei em sentido amplo, o que não
abrangeria o dever contratual. Em outras palavras, quem tem dever contratual de agir
poderia alegar estado de necessidade (como um segurança particular diante de um assalto).
É a posição de Hungria e Rogério Greco.
b) Possuem o “dever legal” de agir os garantidores do art. 13, §2º, do CP como um todo
(alíneas “a”, “b” e “c”), o que ABRANGE O DEVER CONTRATUAL. O segurança deve
enfrentar o perigo, não podendo alegar estado de necessidade. O CP adotou essa corrente,
o que pode ser confirmado pela exposição de motivos do Código (“a abnegação em face do
perigo só é exigível quando corresponde a um especial DEVER JURÍDICO”).
- Obs.: a vida de uma criança não vale mais do que a vida de um idoso. Se, em caso de incêndio, o
bombeiro tiver que escolher, pode salvar uma ou outra, discricionariamente. Não há critério etário
para escolha da pessoa a ser salva.
5) O COMPORTAMENTO LESIVO DEVE SER INEVITÁVEL se o caso concreto permitir o afastamento
do perigo por qualquer outro meio (COMMODUS DISCESSUS), a ser aferido de acordo com o juízo do
homem médio e diverso da prática do fato típico, por ele deve optar o agente. O estado de
necessidade tem CARÁTER SUBSIDIÁRIO. Quando possível a fuga, o agente deve optar por ela,
sempre no sentido de proporcionar a qualquer bem jurídico o menor dano possível.
- Na legítima defesa a lei faculta ao agente reagir porque a agressão sofrida é injusta. Já no estado de
necessidade, há dois bens jurídicos protegidos em confronto. Portanto, sempre a alternativa menos
danosa é a que deverá ser escolhida.
6) RAZOABILIDADE em face da teoria unitária adotada pelo art. 24, o bem preservado no estado
de necessidade justificante deve ser de VALOR IGUAL OU SUPERIOR AO BEM JURÍDICO
SACRIFICADO (TEORIA UNITÁRIA). Necessidade de ponderação dos bens em conflito.
7) O SACRIFÍCIO DO DIREITO AMEAÇADO É INEXIGÍVEL.
CLASSIFICAÇÃO
- Estado de necessidade próprio o bem pertence ao autor do fato.
- Estado de necessidade de terceiro o bem jurídico é alheio.
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- Estado de necessidade real existe efetiva situação de perigo.
- Estado de necessidade putativo não exclui a ilicitude, pois o agente age em face de perigo
imaginável.
Ex.: no cinema, alguém grita “fogo” e o sujeito sai correndo até a porta de incêndio, causando lesões
corporais nas pessoas pelas quais passou. Na verdade, não havia incêndio. O agente, por ter
acreditado na situação imaginária de perigo, está em estado de necessidade putativo. O problema
deve ser resolvido mediante a análise das descriminantes putativas (se o erro foi escusável ou
inescusável).
- Estado de necessidade defensivo o agente sacrifica um bem jurídico do causador do delito.
- Estado de necessidade agressivo o agente sacrifica bem jurídico de terceiro. O autor do fato
necessitado, embora não seja responsável pelo perigo, deve indenizar o dano suportado pelo
terceiro (art. 929 do CC), tendo ação regressiva contra o causador do perigo (art. 930 do CC).
LEGÍTIMA DEFESA DIREITO PENAL
Cléber Masson + Rogério Sanches + Rogério Greco
ASPECTOS GERAIS
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
II - em legítima defesa;
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
ESTADO DE NECESSIDADE LEGÍTIMA DEFESA
Há conflito entre vários bens jurídicos diante de uma situação de perigo.
Há ameaça ou ataque a um bem jurídico.
O perigo decorre de fato da natureza ou comportamento humano ou de um animal.
O perigo decorre de agressão humana.
O perigo não tem destinatário certo. A agressão humana é dirigida.
Os interesses em conflito são legítimos. É possível a ocorrência de estado de necessidade
contra estado de necessidade. Ex.: dois náufragos disputando um único colete salva-
vidas.
Os interesses do agressor são ilegítimos. Não é possível a ocorrência de legítimas defesas
simultâneas, pois o agressor age de forma ilegítima. É possível, contudo, que haja legítima defesa contra legítima defesa putativa. É possível, ainda, legítima
defesa putativa contra legítima defesa putativa, pois as duas são ilegítimas.
REQUISITOS
AGRESSÃO REAÇÃO
INJUSTA ATUAL OU IMINENTE
CONTRA DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO
EMPREGO DOS MEIOS NECESSÁRIOS USO MODERADO DE TAIS MEIOS
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1) AGRESSÃO INJUSTA é toda ação ou omissão humana, CONSCIENTE E VOLUNTÁRIA
(EXCLUSIVA DO SER HUMANO), que lesa ou expõe a perigo de lesão um bem ou interesse
consagrado pelo ordenamento jurídico.
- DESTINATÁRIO CERTO E DETERMINADO.
- Cuidado: a agressão pode ser ação ou omissão. Ex.: agente penitenciário que, diante do alvará de
soltura, por vingança, se nega libertar o preso.
- Atenção: A CONDUTA DEVE SER CONSCIENTE E VOLUNTÁRIA. Agressão de sonâmbulo não gera
possibilidade de legítima defesa pois o mesmo atua sem vontade própria (ausência de conduta).
Quem repele a agressão de sonâmbulo estará amparado pelo estado de necessidade, e não legítima
defesa.
- O ataque espontâneo de um animal (perigo atual) enseja estado de necessidade. Contudo, se for
um ataque provocado pelo dono (o animal é um instrumento do crime), configura uma agressão
injusta, situação de legítima defesa.
- A AGRESSÃO PODE EMANAR DE UM INIMPUTÁVEL. Este pratica conduta consciente e voluntária,
apta a configurar agressão. O fato por ele cometido é típico e ilícito, só não é culpável. Assertiva
correta do CESPE: admite-se a excludente da legítima defesa real contra quem pratica o fato
acobertado por causa de exclusão da culpabilidade, como o inimputável.
- A obrigação de procurar uma cômoda fuga do local (“commodus discessus”) só está presente no
estado de necessidade. Para Roxin, não se concede a ninguém um direito ilimitado de legítima
defesa face à agressão de um inimputável, de modo que a excludente não se aplica a todas as
situações (agressão praticada por criança contra adulto). Alguns autores resolvem o impasse
aplicando, no caso de agressões de inimputáveis, o “commodus discessus”.
- A AGRESSÃO INJUSTA NÃO PRECISA SER UM CRIME. Ex.: furto de uso não é um fato típico, mas é
uma agressão injusta que autoriza a reação do proprietário; furto insignificante não é fato típico,
mas autoriza a legítima defesa por parte do proprietário da coisa.
- Não confundir agressão injusta com provocação injusta (não autoriza a legítima defesa).
- Se o agente provocar outra pessoa com o intuito de criar uma situação de legítima defesa, não
poderá ser coberto por essa causa de justificação.
2) AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE se a agressão for passada, a reação consiste em vingança, e
não em legítima defesa. Se a agressão é futura, há mera suposição.
- A agressão futura, porém certa (ameaça de morte por criminoso de alta periculosidade), permite
legítima defesa? Nesse caso, a antecipação da repulsa caracteriza a legítima defesa antecipada, que
não exclui a ilicitude, mas é uma hipótese de inexigibilidade de conduta diversa (excluindo a
culpabilidade).
3) AGRESSÃO A DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO qualquer bem juridicamente tutelado pela lei
pode ser protegido pela legítima defesa. É todo o patrimônio jurídico do indivíduo que se deve ter
por inviolável, e o qual ninguém poderá penetrar pela força sem o risco de se ver repelido com a
força necessária.
- É possível o emprego da excludente para a tutela de bens pertencentes a pessoas jurídicas,
inclusive do Estado, pois atuam por meio de seus representantes e não podem defender-se sozinhas.
- Também é admitida a legítima defesa do feto e, para alguns, do cadáver.
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- Muñoz Conde entende que os bens jurídicos comunitários não podem ser objetos da legítima
defesa. Somente quando o Estado atuar como pessoa jurídica serão seus bens jurídicos (a
propriedade, por exemplo), suscetíveis de legítima defesa.
- Rogério Greco ressalta que não cabe legítima defesa de terceiros quando o bem for considerado
disponível. Em se tratando de bem jurídico indisponível, será prescindível o consentimento do
ofendido. Ex.: se alguém presenciar uma agressão do marido contra a mulher, para matá-la, poderá,
sem a anuência da mulher, protegê-la, ainda que para isso tenha que lesionar ou mesmo matar o
marido covarde. Se o bem jurídico for disponível, impõe-se o consentimento do ofendido, se for
possível a sua obtenção. Ex.: um homem ofende com impropérios a honra de sua mulher. Por mais
inconformado que um terceiro possa ficar com a situação, não poderá protegê-la sem o seu
consentimento. Porém, se o terceiro atuar sem o consentimento do ofendido, estará caracterizada a
legítima defesa putativa.
4) REAÇÃO MODERADA, USANDO OS MEIOS NECESSÁRIOS meio necessário é aquele que, dentre
os meios à disposição do agente, é o menos lesivo, porém capaz de repelir a injusta agressão. A
reação deve ser moderada, sob pena de responder o sujeito pelo excesso.
- O meio necessário, desde que seja o único disponível ao agente para repelir a agressão, pode ser
desproporcional em relação a ela, se empregado moderadamente.
- Se o meio empregado for desnecessário, estará configurado o excesso, doloso, culposo ou
exculpante, dependendo das circunstâncias em que ocorrer.
- A possibilidade de fuga ou o socorro pela autoridade pública não impedem a legítima defesa. Não
se impõe o commodus discessus, isto é, o agredido não estará obrigado a procurar a saída mais
cômoda e menos lesiva para escapar do ataque injusto.
- Para aferir a moderação do uso dos meios necessários, utiliza-se o perfil do homem médio. Deve
ser feita uma ponderação, no caso concreto.
5) CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE FATO JUSTIFICANTE (requisito subjetivo) o agente deve
saber que age em legítima defesa.
CLASSIFICAÇÃO
- Legítima defesa agressiva é aquela em que a reação contra a agressão injusta configura um fato
típico. Ex.: provocar lesões corporais no agressor.
- Legítima defesa defensiva aquele que reage limita-se a impedir os atos agressivos, sem praticar
ato típico. Ex.: segurar os braços do agressor para que ele não desfira socos.
- Legítima defesa real ou autêntica encontram-se todos os requisitos previstos no art. 25.
- Legítima defesa putativa o agente supõe encontrar-se em situação de defesa, fantasiando uma
agressão injusta. A legítima defesa putativa não exclui a ilicitude. O fato é típico e ilícito, e seus
efeitos variam em conformidade com a teoria adotada no tocante às descriminantes putativas (o CP
adota a teoria limitada, ou seja, é erro de tipo permissivo).
- Legítima defesa subjetiva ou sucessiva o agente, por ERRO DE TIPO ESCUSÁVEL, excede os
limites da legítima defesa. É o “EXCESSO ACIDENTAL”. Há duas legítimas defesas; uma depois da
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outra. Ex.: A, de porte físico avantajado, parte para cima de B, para agredi-lo. Este, entretanto,
consegue acertar um golpe violento, fazendo seu inimigo desmaiar. Não percebe, contudo, que A
estava inconsciente e, com medo de ser agredido, continua a desferir socos desnecessários.
Legítima defesa putativa Legítima defesa subjetiva
Não existe agressão injusta. Ela é imaginada pelo agente.
Só num primeiro momento, existe agressão injusta. O agente imagina sua permanência.
- Legítima defesa da honra como o art. 25 não faz distinção entre os bens jurídicos, também pode
ser alcançada pela legítima defesa. 3 aspectos distintos: respeito pessoal (admite-se o emprego da
força física, necessária e moderada, visando impedir a reiteração de ofensas), a liberdade sexual (a
pessoa pode ferir ou até matar quem lhe tenta estuprar) e a infidelidade conjugal (a traição não
humilha o cônjuge traído, ao contrário de antes).
- Legítima defesa presumida NÃO É ADMITIDA, POIS QUEM ALEGA QUALQUER DESCRIMINANTE
DEVE PROVAR SUA OCORRÊNCIA (INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA).
- Legítima defesa contra a multidão prevalece o entendimento pela sua admissibilidade: a
legítima defesa reclama somente uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou
alheio, emanada de seres humanos, pouco importando sejam eles individualizados ou não.
- Legítima defesa contra pessoa jurídica é possível. Ex.: o funcionário de uma empresa escuta,
pelo sistema de som, ofensas à sua honra. Para impedir a reiteração da conduta, pode destruir o
alto-falante que transmite as palavras inadequadas.
- Legítima defesa e aberratio ictus A, ao se defender da injusta agressão de B, por erro na
execução, atinge C. SUBSISTE A LEGÍTIMA DEFESA, POIS SE DEVE CONSIDERAR A VÍTIMA VIRTUAL, E
NÃO A REAL. Ainda que A atinja B e C, incidirá a legítima defesa.
- Questão de concurso: Júlio, agindo em legítima defesa contra Celso, atinge, por erro na execução,
Fátima, que esteja passando pelo local no momento, causando-lhe lesões graves. Ainda que Júlio seja
absolvido, deverá reparar os danos materiais e morais causados a Fátima, com o direito de regresso
em face de Celso.
- É possível que uma mesma pessoa atue simultaneamente acobertada pela legítima defesa e pelo
estado de necessidade, quando, para repelir uma agressão injusta, praticar um fato típico visando
afastar uma situação de perigo contra bem jurídico próprio ou alheio. Ex.: A, para defender-se de B,
que injustamente desejava matá-lo, subtrai uma arma de fogo pertencente a C (estado de
necessidade), utilizando-a para matar o seu agressor (legítima defesa).
LEGÍTIMA DEFESA E RELAÇÃO COM OUTRAS EXCLUDENTES: ADMISSIBILIDADE
1) Legítima defesa real x legítima defesa putativa ex.: A caminha em área perigosa. De repente,
visualiza B colocando a mão no interior de sua blusa e, acreditando que seria assaltado, A saca uma
arma de fogo para matar B (putativa). B, que apenas iria pegar um cigarro, consegue se esquivar dos
tiros e, em seguida, mata A para defender-se (real).
- Esse raciocínio é também aplicável a todas as demais excludentes da ilicitude putativas.
2) Legítima defesa putativa recíproca (putativa x putativa) A e B, velhos desafetos, encontram-se
em lugar ermo. Ambos colocam as mãos no bolsos ao mesmo tempo, e, em razão disso, partem um
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para cima do outro, lutando até o momento em que desmaiam. Posteriormente, apura-se que A iria
oferecer a B um cigarro, enquanto este, que havia perdido a fala em um acidente, entregaria àquele
um pedido escrito de desculpas.
3) Legítima defesa real x legítima defesa subjetiva A, de porte físico avantajado, parte para cima
de B, para agredi-lo. Este, entretanto, consegue acertar um golpe violento, fazendo seu inimigo
desistir da contenda. B não nota que A já estava imóvel e continua atacando-o, desnecessariamente.
A partir daí, essa agressão se torna injusta, e A poderá agir em legítima defesa real contra o excesso
de B.
4) Legítima defesa real x legítima defesa culposa tal situação é possível, pois para a legítima
defesa importa somente o caráter injusto da agressão, objetivamente considerado,
independentemente do elemento subjetivo do agente. Ex.: A, sem adotar maior cautela, confunde B
com uma pessoa que havia prometido matá-lo tão logo o encontrasse, e passa a efetuar disparos de
arma de fogo para atingi-lo. B poderá, contra essa agressão injusta culposamente perpetrada, agir
acobertado pela legítima defesa real.
5) Legítima defesa contra conduta amparada por causa de exclusão de culpabilidade será sempre
cabível a legítima defesa contra uma agressão que, embora injusta, esteja acobertada por qualquer
causa de exclusão da culpabilidade. Ex.: A chega ao Brasil vindo de um país em que não há proteção
sobre a propriedade de bens móveis. Não possui, pois, conhecimento acerca do caráter ilícito da
conduta de furtar (erro de proibição). Dirige-se à residência de B para subtrair diversos de seus
pertences. Assim agindo, autoriza B a repelir a agressão injusta em legítima defesa do seu
patrimônio.
LEGÍTIMA DEFESA E RELAÇÃO COM OUTRAS EXCLUDENTES: INADMISSIBILIDADE
1) Legítima defesa real recíproca (real x real) não é cabível. SE A AGRESSÃO DE UM É INJUSTA,
AUTOMATICAMENTE A REAÇÃO DO OUTRO SERÁ JUSTA (SIMPLES ATITUDE DE DEFESA). Só esse
último estará protegido pela causa de exclusão da ilicitude.
- É normal que a autoridade policial indicie formalmente dois contendores que se agrediram
reciprocamente, se na fase investigatória não era possível descobrir quem, efetivamente, deu início
às agressões. O MP, por sua vez, pode dirigir a denúncia em face dos dois, porque no início da ação
penal, a dúvida deve pender pro societate. Se ao final da instrução não restar evidenciado quem teria
dado início às agressões, devem os dois agentes ser absolvidos.
2) Legítima defesa real x outra excludente real SE A OUTRA EXCLUDENTE É REAL, NÃO HAVERÁ
AGRESSÃO INJUSTA. Ex.: não é possível legítima defesa contra estado de necessidade, pois quem
age em estado de necessidade não pratica agressão injusta. Na verdade, há duas pessoas agindo
em estado de necessidade.
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ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL DIREITO PENAL
Cléber Masson + Rogério Sanches + Rogério Greco
ASPECTOS GERAIS
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento de dever legal [...]
- Não há dispositivo legal especificando os requisitos do estrito cumprimento do dever legal. A
construção do instituto é doutrinária: PRÁTICA DE UM FATO TÍPICO EM RAZÃO DO CUMPRIMENTO
DE UMA OBRIGAÇÃO IMPOSTA POR LEI, DE NATUREZA PENAL OU NÃO.
- Os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, muitas vezes devem agir interferindo na
esfera privada dos cidadãos, exatamente para assegurar o cumprimento da lei (em sentido amplo).
Essa intervenção redunda em agressão a bens jurídicos como a liberdade, a integridade física e, até
mesmo, a própria vida. Dentro dos limites aceitáveis, tal intervenção é justificada pelo estrito
cumprimento do dever legal. Ex.: flagrante compulsório ou obrigatório. Fora deles, surge o excesso
ou o abuso de autoridade.
- A excludente pressupõe no executor um FUNCIONÁRIO PÚBLICO OU AGENTE PÚBLICO que age por
ordem da lei, não se excluindo o PARTICULAR NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA (jurado, perito,
mesário etc).
- A lei não determina apenas a faculdade (a escolha do agente em obedecer ou não a regra por ela
estabelecida). Há, na verdade, o DEVER LEGAL DE AGIR. Ex.: mandado de busca domiciliar em que o
morador ou quem o represente desobedeça à ordem de ingresso na residência, autorizando o
arrombamento da porta e a entrada forçada.
- O dever legal engloba qualquer obrigação direta ou indiretamente resultante de LEI EM SENTIDO
GENÉRICO (decretos, regulamentos), bem como de ATOS ADMINISTRATIVOS DE CARÁTER GERAL.
- O cumprimento de dever social, moral ou religioso, ainda que estrito, não autoriza a aplicação
dessa excludente da ilicitude.
- Trata-se de uma DESCRIMINANTE EM BRANCO, pois o conteúdo permissivo precisa ser
complementado por outra norma (fenômeno que se assemelha ao da norma penal em branco).
- A exemplo do que se vê com as demais descriminantes, aqui também se exige do agente o
conhecimento da situação fática descriminante (elemento subjetivo). Ele deve saber que age em
face de um dever imposto pela lei, caso contrário o ato será ilícito. Ex.: delegado que prende um
desafeto para vingar-se e posteriormente descobre que havia um mandado de prisão contra o
cidadão, a ser cumprido por ele.
- Não ocorre estrito cumprimento do dever legal na hipótese de policial matar criminoso em fuga.
De acordo com o STJ, a lei proíbe (à autoridade, aos seus agentes e a quem quer que seja)
desfechar tiros contra pessoas em fuga (REsp 402.419).
- O ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL É INCOMPATÍVEL COM OS CRIMES CULPOSOS, pois a
lei não obriga ninguém, funcionário público ou não, a agir com imprudência, negligência ou
imperícia. A situação, geralmente, é resolvida pelo estado de necessidade. Ex.: o bombeiro que
dirige uma viatura em excesso de velocidade para salvar uma pessoa queimada em incêndio, e em
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razão disso atropela alguém, matando-o, não responde pelo homicídio culposo na direção de
veículo automotor, em face da exclusão do crime pelo estado de necessidade de terceiro.
- Em caso de concurso de pessoas, o estrito cumprimento de dever legal configurado em relação a
um dos agentes estende-se aos demais envolvidos no fato típico, sejam eles coautores ou
partícipes.
- ADOTADA A TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE, O ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
DEIXA DE EXCLUIR A ILICITUDE E PASSA A EXCLUIR A PRÓPRIA TIPICIDADE. Trata-se de ato
normativo.
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DIREITO PENAL
Cléber Masson + Rogério Sanches + Rogério Greco
ASPECTOS GERAIS
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
III – [...] no exercício regular de direito.
- O conceito de exercício regular de direito é, também, doutrinário: descriminante que compreende
ações do cidadão comum autorizadas pela existência de direito definido em lei e condicionadas à
regularidade do exercício desse direito.
- Fundamento na unidade sistemática do ordenamento jurídico: O EXERCÍCIO DE UM DIREITO
NUNCA É ANTIJURÍDICO. Ex.: ao particular que efetua prisão em flagrante de seu autor, não pode
ser imputado o crime de constrangimento ilegal, em razão da permissão contida no art. 301 do CPP.
ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO
COMPULSÓRIO o agente está obrigado a cumprir o mandamento legal.
FACULTATIVO o ordenamento jurídico autoriza o agente a agir, mas a ele pertence a opção entre
exercer ou não o direito assegurado.
O dever de agir tem origem na lei, direta ou indiretamente.
O direito cujo exercício se autoriza pode advir da lei, de regulamentos, e, para alguns, inclusive dos
costumes.
- Essa causa de exclusão, assim como as demais, deve obedecer aos limites legais. O excesso ou
abuso enseja, além do afastamento da excludente, a utilização da legítima defesa por parte do
prejudicado pelo exercício irregular e abusivo do direito. Além disso, pode ocorrer até mesmo a
prática de um crime. Ex.: é dever dos pais a educação dos filhos, facultando-lhes o uso de meios
moderados para correção e disciplina, quando necessário. O abuso ou excesso desse direito,
entretanto, tipificará o crime de maus-tratos, delineado pelo art. 136.
- Outro exemplo: se o advogado constituído se apropria de valores pertencentes ao cliente para o
pagamento de seus honorários, quando o contrato de prestação de serviços não contém cláusula
com essa finalidade, entende-se configurado o exercício regular de direito.
- Requisitos:
a) Impossibilidade de recurso útil aos meios coercitivos normais.
b) Proporcionalidade.
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c) Conhecimento da situação de fato justificante (elemento subjetivo).
- Espécies:
Exercício regular de direito pro magistratu Direito de castigo
O Estado não pode estar presente para evitar lesão a um bem jurídico ou recompor a ordem pública e, por
isso, incentiva o particular a agir em seu lugar.
Exercício da tarefa de educar; exercício do poder familiar.
Ex.1: flagrante facultativo ou permitido. Ex.2: direito de retenção de bagagem por parte do
estabelecimento de hospedagem frente ao não pagamento da estada.
Ex.3: desforço imediato.
Ex.: se um pai não permite que o filho saia de casa em função de castigo, não pratica cárcere privado.
- Quando o exercício regular de um direito tem seu nascedouro no direito penal, o fato pode ser
ilícito na seara extrapenal, nada obstante não configure infração penal. Ex.: advogado que, durante
debates em audiência judicial, ofende um colega, em razão de suas funções. Não há injúria, por força
do Estatuto da OAB, o que não obsta a sua punição administrativa pela violação da ética profissional.
- Parte da doutrina, o direito cujo exercício se autoriza pode advir dos COSTUMES.
- Outro caso de exercício regular do direito reside nas LESÕES EM ATIVIDADES ESPORTIVAS. Desde
que respeitadas as regras regulamentares emanadas de associações legalmente constituídas e
autorizadas a emitir provisões internas, configura exercício regular de direito, afastando a ilicitude.
Se o fato típico resultar da violação das regras, o excesso implicará na responsabilidade pelo crime,
doloso ou culposo.
- Outro caso de exercício regular do direito reside nas INTERVENÇÕES MÉDICAS. Se a intervenção for
para salvar o paciente de iminente risco de vida, o médico estará resguardado tanto pelo
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO como pelo ESTADO DE NECESSIDADE, dispensando-se, nesse
último caso, o consentimento da pessoa submetida ao serviço cirúrgico.
- No tocante às “testemunhas de Jeová”, é legítima a atuação do médico que, independentemente
de autorização judicial, efetua a transmissão de sangue para salvar a vida do paciente, ainda que
sem a sua autorização (se consciente e plenamente incapaz) ou contra a vontade de seus familiares
(se inconsciente ou incapaz). O direito à vida deve sobrepor-se às posições religiosas.
- Assim como o estrito cumprimento do dever legal, o exercício regular do direito é, também, uma
descriminante em branco. O conteúdo da norma permissiva deduz-se de outra norma jurídica.
- Adotada a Tipicidade Conglobante, o exercício regular de direito deixa de excluir a ilicitude para
excluir a tipicidade.
- Ofendículos são aparatos pré-ordenados para a defesa do patrimônio. Devem ser visíveis:
funcionam como meio de advertência, e não como forma oculta para ofender terceiras pessoas. Ex.:
vidros e lanças no muro; cerca elétrica. Três correntes sobre a natureza jurídica:
a) Exercício regular de direito.
b) Legítima defesa preordenada.
c) Exercício regular de direito (pois o aparato é visível), diferente da defesa mecânica
predisposta, que é um aparato oculto e, por isso, configura legítima defesa.
- Corrente que prevalece: ENQUANTO NÃO ACIONADO PARA REPELIR INJUSTA AGRESSÃO, O
OFENDÍCULO CONSTITUI EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO (DIREITO DO CIDADÃO DE DEFENDER
SEU PATRIMÔNIO). QUANDO ACIONADO, É LEGÍTIMA DEFESA.
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- Enquanto não acionado o aparato, para a Teoria da Tipicidade Conglobante, o fato é atípico, por se
tratar de ato normativo. Para a Teoria da Imputação Objetiva, o fato é atípico, por ausência de
criação de risco não permitido.
EXCESSO NAS DESCRIMINANTES DIREITO PENAL
Cléber Masson + Rogério Sanches + Rogério Greco
ASPECTOS GERAIS
Art. 23, parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo
excesso doloso ou culposo.
- Excesso é a DESNECESSÁRIA INTENSIFICAÇÃO DE UM FATO TÍPICO INICIALMENTE AMPARADO
POR UMA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO.
- Excesso voluntário ou doloso o agente, voluntariamente, excede no meio utilizado e/ou no uso
desse meio para repelir a injusta agressão. Responde pelo crime DOLOSO que causou com o
EXCESSO.
- Se o agente se excede sem consciência da ilicitude, há erro de proibição.
- Excesso culposo ou involuntário o agente, involuntariamente, excede no meio utilizado e/ou no
uso do meio para repelir a agressão. Responde pelo crime CULPOSO praticado.
- Excesso acidental ou fortuito é a modalidade que se origina de caso fortuito ou força maior,
eventos imprevisíveis ou inevitáveis. Cuida-se de excesso penalmente irrelevante.
- Excesso exculpante é decorrente da profunda alteração de ânimo do agente, isto é, medo ou
susto provocado pela situação em que se encontra. O agente não responde pelo excesso. No geral,
esse excesso é rejeitado pela doutrina e jurisprudência. Há entendimentos, contudo, no sentido de
que o excesso exculpante exclui a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta diversa. O
CPM traz o “EXCESSO ESCUSÁVEL” (parágrafo único do art. 45: não é punível o excesso quando
resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação).
- Excesso intensivo ou próprio é o que se verifica quando AINDA ESTÃO PRESENTES OS
PRESSUPOSTOS DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE. É o caso do agente que, no contexto de
uma agressão injusta, defende-se de forma desproporcional. Ex.: se alguém, ao ser atacado por
outrem, em razão do nervosismo em que se viu envolvido, espanca o seu ofensor até a morte, pois
não conseguia parar de agredi-lo, como o fato ocorreu numa relação de contexto, ou seja, não foi
cessada a agressão para, posteriormente, decidir-se por continuar a repulsa, o excesso, aqui, será
considerado intensivo.
- Excesso extensivo ou impróprio é aquele em que NÃO ESTÃO MAIS PRESENTES OS
PRESSUPOSTOS DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE: não mais existe a agressão ilícita,
encerrou-se a situação de perigo, o dever legal foi cumprido e o direito foi regularmente exercido.
Em seguida, o agente ofende bem jurídico alheio, respondendo pelo resultado dolosa ou
culposamente produzido. Ex.: se alguém, após ter sido agredido injustamente por outrem, repele
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essa agressão e, mesmo depois de perceber que o agressor havia cessado o ataque porque a sua
defesa fora eficaz, resolve prosseguir com os golpes, pelo fato de não mais existir agressão que
permita qualquer repulsa, o excesso será extensivo.
Excesso evitável Excesso inevitável ou acidental
Excesso culposo. Excesso impunível.
O agente responde a título de culpa. Não há dolo ou culpa.
- A responsabilidade penal do agente nas hipóteses de excesso doloso ou culposo aplica-se a todas as
seguintes causas de excludentes de ilicitude previstas no CP.