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Teresa Cristina de Almeida Faria
Favelas na periferia: (re)produção ou mudança nas formas de produção e acesso à terra e moradia pelos pobres na cidade do
Rio de Janeiro nos anos 90
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requesitos necessários à obtenção do grau de doutora em Planejamento Urbano e Regional.
Orientadora: Profª Luciana Corrêa do Lago Doutora em Arquitetura e Urbanismo/ USP
Rio de Janeiro
2004
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Agradecimentos
Essa tese é resultado de um trabalho construído ao longo de um tempo, com a colaboração
inestimável de colegas, companheiros e amigos. Agradeço a cada um deles pelo apoio,
críticas, contribuições, palavras de incentivo e amizade.
Em especial, agradeço à minha orientadora, Luciana Lago, que por muito tempo tem sido
minha verdadeira mestra, além da paciência que vem me dedicando e amizade.
Á equipe de bolsistas do Observatório de Políticas Públicas do IPPUR, que me apoiaram com
maior dedicação no trabalho de campo. Em especial agradeço ao Victor, Peterson, Paulo
Renato, Ana Cristina, e Alexandre.
À minha amiga querida, Talita Barreto, que me ajudou nas tabulações dos questionários,
edições de fotos e da capa da tese, além das palavras de incentivo nos momentos mais
difíceis.
À amiga Fernanda Furtado, pelos livros, textos e incentivo.
Aos professores e colegas do IPPUR, que contribuíram com minha formação acadêmica
através dos ricos debates em sala de aula.
Á Capes e CNPq, pela concessão de bolsa de doutorado através do IPPUR/UFRJ.
Ao Adauto, Ana Lúcia, Fernanda e Laisinha, pela leitura criteriosa da tese.
Aos moradores das Favelas Asa Branca e Verde é Vida, pela paciência, disponibilidade e boa
vontade ao responderem aos nossos questionamentos.
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SUMÁRIO
Lista das Tabelas..................................................................................................................... 7 Lista dos Gráficos.................................................................................................................... 8 Resumo..................................................................................................................................... 9 Abstract.................................................................................................................................... 10 Apresentação........................................................................................................................... 11 Capítulo 1 – Acesso ao Solo e à Moradia pelos Pobres Urbanos........................................ 18 1. Introdução............................................................................................................................. 18 2. Urbanização na América Latina........................................................................................... 19 3. Produção da Moradia e as Condições Habitacionais dos Pobres Urbanos........................... 22 4. Irregularidade/Ilegalidade no Acesso ao Solo e à Moradia................................................... 27 5. Políticas Habitacionais.......................................................................................................... 32 5.1. As políticas para as favelas no Rio de Janeiro............................................................... 36 6. Condições de Acesso: redes sociais e mercado imobiliário.................................................. 41 6.1. O migrante na cidade..................................................................................................... 42 6.2. Mobilidade residencial da população de baixa renda..................................................... 50 6.3. Exclusão e segregação residencial................................................................................. 57 Capítulo 2 – O Processo de Estruturação Intra-Urbana e a Formação de Favelas no Rio de Janeiro.......................................................................................................................... 64 1. Dinâmica Populacional e Urbana.......................................................................................... 65 1.1. A expansão periférica do Rio de Janeiro........................................................................ 68 1.2. A Região Administrativa de Jacarepaguá...................................................................... 71 1.3. A Região Administrativa de Bangu............................................................................... 75 2. Evolução das Favelas na Cidade........................................................................................... 78 2.1. A expansão das favelas até a década de 80.................................................................... 78 2.2. O crescimento das favelas a partir da década de 80....................................................... 84 Capítulo 3 – O Espaço da Favela: dois estudos de caso....................................................... 93 1. Introdução............................................................................................................................. 93 2. Pobreza Urbana: desigualdade e informalidade................................................................... 99 2.1. Aspectos demográficos................................................................................................. 105
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2.2. Mercado de trabalho e Informalidade............................................................................ 111 2.3. Impacto das transformações do trabalho na estrutura sócio-espacial............................ 118 3. Formas de produção do Espaço............................................................................................ 124 3.1. O processo de ocupação das favelas a partir dos anos 80.............................................. 124 3.2. Evolução da estrutura interna......................................................................................... 133 4. Requalificação da Favela: uma revisão dos conceitos.......................................................... 145 4.1. Similaridades e diferenças entre as favelas: os casos de Asa Branca e Verde é Verde. 145 4.2. Favelas dos anos 90: permanências e superações.......................................................... 151 Considerações Finais............................................................................................................... 163 Referências Bibliográficas...................................................................................................... 167 Anexo I – Mapas...................................................................................................................... 176 1. Figura 01 – Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro........................... 177 2. Figura 02 – Situação – Favelas e Loteamentos (década 70/80)...................................... 178 3. Figura 03 – Situação – Favelas (década 90).................................................................... 179 4. Figura 04 – Localização da favela Asa Branca............................................................... 180 5. Figura 05 – Foto Aérea da favela Asa Branca................................................................ 181 6. Figura 06 – Localização da favela Verde é Vida............................................................ 182 Anexo II – Fotos...................................................................................................................... 183 7. Figura 07 – Rua da favela Verde é Vida......................................................................... 184 8. Figura 08 – Rua da favela Asa Branca............................................................................ 184 9. Figura 09 – Rua da favela Verde é Vida......................................................................... 185 10. Figura 10 – Rua principal da favela Asa Branca............................................................. 185 11. Figura 11 – Padrão Habitacional da favela Verde é Vida............................................... 186 12. Figura 12 – Padrão Habitacional da favela Asa Branca – “Quinto dos Infernos”.......... 186 13. Figura 13 – Padrão Habitacional da favela Verde é Vida............................................... 187 14. Figura 14 – Padrão Habitacional da favela Asa Branca.................................................. 187 15. Figura 15 – Becos e moradias da favela Verde é Vida................................................... 188 16. Figura 16 – Becos e moradias da favela Asa Branca...................................................... 188 17. Figura 17 – Comércio na favela Asa Branca.................................................................. 189 18. Figura 18 – Comércio na favela Asa Branca.................................................................. 189 19. Figura 19 – Esgotamento Sanitário em Asa Branca........................................................ 190 20. Figura 20 – Esgotamento Sanitário em Verde é Vida..................................................... 190 Apêndice................................................................................................................................... 191
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RESUMO
O número de favelas e sua população aumentaram em toda a cidade a partir dos anos 80,
intensificando-se no início da década de 90. A Zona Oeste da cidade, a Barra da Tijuca e
Jacarepaguá, foram as áreas de maior crescimento. Esse fato chama a atenção por serem áreas,
com exceção da Barra da Tijuca, onde a forma principal de assentamento popular, até os anos
80, era o loteamento (irregular e clandestino), e não a favelização.
Essa tese tem como foco, as mudanças na forma de produção e acesso à terra urbana e
moradia, diante: i- as mudanças na estruturação interna das favelas consolidadas, através da
valorização imobiliária e da constituição de mercado imobiliário seletivo, que denominamos
“desfavelização” da favela; ii – mudanças nas formas de ocupação e produção das favelas
recentes, que vem alterando o padrão de estruturação do espaço periférico, que até os anos 80
era constituído pelo binômio loteamento-autoconstrução, nos levando a retomar o tema das
invasões organizadas e coletivas iniciado na década de 80.
A favelização da Zona Oeste nos anos 90, entendida como um mecanismo específico de
acesso à moradia pela população de baixa renda, tem como hipótese explicativa, a
desfavelização das favelas consolidadas, o empobrecimento da classe média baixa, e a
conseqüente mobilidade espacial da população que já residia na cidade, seja em outra favela,
seja no mercado formal.
A análise e interpretação do fenômeno foram realizadas através de dois estudos de caso: Asa
Branca, localizada em Jacarepaguá; e Verde é Vida, localizada em Senador Camará.
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ABSTRACT
The number of slums and your population increased in the whole city starting from the
eighties, intensifying in the beginning of the decade of 90. The Zona Oeste of the city,
Barra of Tijuca and Jacarepaguá, were the areas of larger growth. That fact gets the
attention for they be areas, except for Barra of Tijuca, where the main form of popular
establishment, until the eighties, was the division into lots (irregular and secret), and not the
favelização.
That thesis has as focus, the changes in the production form and access to the urban earth
and home, before: i - the changes in the structuring intern of the consolidated slums,
through the real estate valorization and of the constitution of selective real estate market,
that denominated " desfavelização " of the slum; ii - changes in the occupation forms and
production of the recent slums, that is altering the pattern of structuring of the outlying
space, that until the eighties it was constituted by the binomial division into lots-
autoconstrução, taking us to retake the theme of the organized and collective invasions
initiate in the decade of 80.
Zona West's favelização in the nineties, understood as a specific mechanism of access to
the home for the population of low income, has as explanatory hypothesis, the
desfavelização of the consolidated slums, the impoverishment of the middle class lowers,
and the consequent space mobility of the population that already resided in the city, be at
another slum, be at the formal market.
The analysis and interpretation of the phenomenon were accomplished through two case
studies: Asa Branca, located in Jacarepaguá; and Verde é Vida, located in Senator Camará.
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LISTA DAS TABELAS Tabela 1 – População Residente e Incremento Populacional nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000................................................................................... 66 Tabela 2 - Produção de Lotes por Tipo de Agente................................................................... 69 Tabela 3 – Número de favelas e População residente – 1980-1991-2000.............................. 85 Tabela 4–População Total, População Residente em Favelas e sua Participação Relativa em relação à População Total nas Áreas de Planejamento – 1991 e 2000................................ 89 Tabela 5 – População Residente em Favelas e Incremento absoluto e relativo nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000.......................................................... 90 Tabela 6 - Percentual de Moradores em Favelas selecionadas, por grupos de idade – 2000............... 107 Tabela 7 – Distribuição Etária e por Sexo – 1998................................................................... 107 Tabela 8 - Percentual de Moradores por Nível de Escolaridade nas Favelas selecionadas e Região Metropolitana do RJ – 2000................................................................................................................... 108 Tabela 9 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por Anos de Estudo, segundo bairros selecionados – 2000................................................................................... 108 Tabela 10 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por Anos de Estudo – 2000.................................................................................................................................... 109 Tabela 11 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*, segundo bairros – 2000.................... 110 Tabela 12 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*– 2000................................................ 110 Tabela 13 – Percentual de Chefes de Domicílio por Endereço Anterior ................................ 128 Tabela 14 - Percentual dos Principais Motivos para Mudar para a Favela............................ 130 Tabela 15 – Forma de Construção da Moradia........................................................................ 135 Tabela 16 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000......................................................................................................... 138 Tabela 17 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000......................................................................................................... 139 Tabela 18 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000......................................................................................................... 139 Tabela 19 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em Favelas selecionadas – 2000............................................................................................................................... 140 Tabela 20 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em Favelas selecionadas – 2000..................................................................................................................................................... 141 Tabela 21 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000.......................................................................................................... 141
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LISTA DOS GRÁFICOS Quadro 1 – Tipo Familiar da favela Asa Branca ...................................................................... 104
Quadro 2 - Tipo Familiar da favela Verde é Vida .................................................................. 104
Quadro 3 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Asa Branca ................................ 132
Quadro 4 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Verde é Vida ............................. 132
Quadro 5 – Relações de Vizinhança – Asa Branca ................................................................. 136
Quadro 6– Relações de Vizinhança – Verde é Vida ............................................................... 136
Quadro 7 – Padrão Construtivo das moradias em Asa Branca ............................................... 142
Quadro 8 – Padrão Construtivo das Moradias em Verde é Vida............................................ 142
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APRESENTAÇÃO
Entre as décadas de 40 e 70, a questão da pobreza urbana e das favelas estava
relacionada à migração. O pobre urbano era o migrante recém-chegado, que tinha a favela
como primeiro lugar de moradia. A favela era o mecanismo de integração na cidade, pois
continha toda uma rede de relações sociais que garantiam a sobrevivência dos migrantes
pobres recém-chegados, além de se localizar próximo ao mercado de trabalho que os inseria
na economia urbana. Essa idéia alimentou todo o debate, nos anos 70, em torno da questão da
moradia dos pobres.
A partir dos anos 80, configura-se uma nova questão social, com mudanças na esfera do
trabalho e da sociabilidade, modificando as formas de inserção dos pobres na cidade. A crise
econômica que se instaurou, revelou ao mesmo tempo, um aumento da pobreza urbana e o
arrefecimento dos fluxos migratórios, colocando em questão a relação tradicional entre
pobreza urbana, migração e favelização. Nessa época, observa-se, na cidade do Rio de
Janeiro, o aumento expressivo do número de favelas, que teve como hipóteses explicativas, a
retração do padrão periférico de crescimento, caracterizado pela produção de lotes populares,
em decorrência da crise econômica dos anos 80 (inflação, achatamento salarial, instabilidade
do emprego, encarecimento da terra); o aumento do número de pobres com renda mensal
familiar de até dois salários mínimos na metrópole do Rio de Janeiro e o reconhecimento, pelo
poder público, das favelas como solução para os problemas habitacionais, através políticas de
urbanização e legalização fundiária, reduzindo as incertezas de remoção e criando
expectativas de melhoria das condições de vida.
O importante a destacar é o surgimento e expansão de novas favelas1 no município do
Rio de Janeiro, em particular, nas áreas mais distantes do centro. É evidente que o crescimento
da população moradora em favelas não se deu apenas pela emergência de novos
assentamentos; as antigas também cresceram, seja pelo adensamento, seja pela verticalização
e mesmo pela expansão das que ainda possuíam área. O adensamento pode estar associado ao
ciclo de vida familiar, ou fazer parte de uma estratégia de sobrevivência, através da construção
de cômodos para alugar e venda de lajes. O processo de adensamento é concomitante ao de
valorização do espaço interno, observado no aquecimento do mercado imobiliário nas favelas,
cujo corolário é a mobilidade residencial, ou seja, a substituição das famílias nas favelas.
1 Entre 1980 e 2000, surgiram 200 favelas na cidade do Rio de Janeiro, cadastradas pelo IPP – Instituto Pereira Passos, sendo que 136 estão nas AP’s (Áreas de Planejamento) 4 – Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e 5 – Zona Oeste.
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Aliado a esse processo e, por hipótese, intrinsecamente relacionado a ele, surgem outras
formas de assentamento nos logradouros públicos (viadutos, ao longo das rodovias e canais),
constituídos por precários barracos, cuja característica mais peculiar é o perfil da população.
Por fim, restam as áreas de expansão na periferia do município, que apresentam, a partir de
80, um grande número de pequenas favelas se constituem de forma autônoma, ou através de
invasão coletiva organizada, distinguindo-se do processo de ocupação das favelas tradicionais,
que eram ocupadas de forma gradativa.
Tal processo aponta para uma alteração na forma de estruturação do espaço periférico,
como este era definido nos anos 60 e 70, ou seja, local distante do centro, onde a classe
trabalhadora se reproduzia em loteamentos irregulares e clandestinos, precários, sem infra-
estrutura e equipamentos coletivos. Essa alteração é conseqüência de três processos em curso:
i- a retração do padrão de crescimento periférico caracterizado pela produção de lotes
populares, ii- a atuação de novos agentes imobiliários para uma população de maior renda,
geradora de demanda por serviços; e iii- a valorização dos imóveis nas favelas do
núcleo/consolidadas.
Frente a esse quadro, na presente tese, propomos o estudo do processo de ocupação e
estruturação das favelas recentes, através da análise de dois estudos de caso. Nossa análise
fundamenta-se na hipótese de que estamos diante de dois fenômenos: a desfavelização das
favelas do núcleo/consolidadas, o que não significa sua erradicação, e sim perda das
características que as definiam até o final da década de 70, ou seja, acesso pela ocupação a
custo zero de terreno de terceiros, predomínio de habitações rústicas e precárias, ausência de
infra-estrutura, traçado urbano desordenado, com população constituída de migrantes pobres
de outras regiões do país; e a favelização da periferia.
O primeiro processo, a desfavelização, decorre das mudanças na estrutura interna
(espacial e socioeconômica) que estão ocorrendo nas favelas devido à mercantilização dos
imóveis e do direito de construir, aos programas de urbanização e regularização fundiária,
assim como às melhorias habitacionais empreendidas pelos moradores, que acarretam uma
valorização dos imóveis e, conseqüentemente, uma mudança no perfil da população moradora
em favelas, levando a repensar a noção de favela como espaço de moradia dos pobres.
As normas urbanísticas impostas pelos programas, que restringem/coíbem a expansão
e verticalização, impedem a principal forma de reprodução das famílias, que é a possibilidade
de permanência dos familiares, seus descendentes, e gerações futuras no mesmo lote e/ou
residência. É possível que parte da população que compõe as favelas recentes seja a segunda
ou terceira geração de migrantes da década de 60 e 70.
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O segundo processo, a favelização da periferia, é concorrente com o primeiro, mas as
mudanças intrínsecas à dinâmica urbana na periferia também contribuem para o aumento no
número de favelas na região. A principal delas é a expansão do mercado empresarial e dos
serviços para a classe média.
Ao longo dos anos 80 e 90, houve poucas alterações nos mecanismos de acesso à
moradia, mas os processos apontados acima têm se tornado em fatores de atração e expulsão,
implicando em maior mobilidade espacial da população pobre. A mobilidade passa a ter
grande importância no processo de inserção dos pobres no meio urbano.
As formas de acesso à moradia podem ter se alterado pouco, porque são inerentes aos
processos de provisão da habitação; o que talvez tenha mudado são as estratégias de inserção
ao urbano pela população pobre, especificamente no que diz respeito a sua localização
residencial, devido às mudanças sociais que marcaram a década de 80, relacionadas à inserção
no mercado de trabalho, como o crescimento do mercado informal, e a uma maior
mobilização social envolvendo a luta pela cidadania. Nos anos 90, outro aspecto deve ser
ressaltado nos estudos urbanos, principalmente os relacionados às populações carentes, que é
a questão da violência urbana.
Essa mudança de estratégia de ocupação do espaço urbano corresponde a dois
comportamentos distintos: i- o individual, de famílias que se deslocam seguindo estratégias
autônomas e objetivas, que visam atender às necessidades imediatas — local para morar; ii- o
coletivo, que poderia ser observado nas invasões, e que correspondem a ações coordenadas,
visando determinado fim: ocupar para depois pressionar o Estado para regularizar e/ou
urbanizar.
Dois pressupostos permeiam o presente trabalho. O primeiro refere-se às formas de
assentamento das ocupações recentes, segundo estratégias coletivas e organizadas, diferente
do padrão das favelas antigas, ou seja, ocupação individual, gradual, desordenada e caótica,
apresentando outras características de desenho urbano. O segundo refere-se aos mecanismos
de acesso à terra e à moradia pelos pobres, diante das mudanças no perfil da população e na
conjuntura social e econômica, implicando em diferentes formas de inserção no meio urbano.
Diante do exposto, podemos considerar que o aumento do número de favelas na
periferia do município representa um novo padrão de crescimento periférico, ou novas
estratégias de moradia dos pobres? Seria uma reversão do processo anterior, ou seja, a classe
média baixa teria a favela (desfavelizada) consolidada como alternativa de acesso à casa
própria, e os muito pobres, que não podem competir neste mercado (informal?), reproduziriam
o padrão de ocupação ilegal, mas agora na periferia? O que mudou na periferia a partir da
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década de 80? Melhorou a acessibilidade a outras áreas da cidade? Tornou-se mais
diversificada nos arranjos habitacionais para acomodar o aumento da demanda, ou o maior
dinamismo urbano (atividades comerciais, industriais e imobiliárias), criou maiores
oportunidades de emprego, atraindo uma parte da população muito pobre?2 O aumento do
número de favelas nesta área da cidade é resultado de fatores de atração (oferta de emprego)
e/ou de expulsão do centro (esgotamento dos espaços de pobreza)? A Zona Oeste estaria se
comportando como um “filtro” para os mais pobres?
Como espaços de moradia dos pobres, quais as diferenças entre as favelas e os
loteamentos irregulares e clandestinos? São os mecanismos de acesso? Quem se muda para as
favelas periféricas? Qual é o papel das redes de solidariedade e reciprocidade como
mecanismo de acesso à moradia?
Para responder a tais perguntas, seguimos a seguinte metodologia:
1. Análise estrutural da dinâmica urbana do Rio de Janeiro, através de abordagem
quantitativa, compreendendo o processo de produção do espaço urbano, e as especificidades
das favelas nesse processo, identificando mudanças no contexto demográfico (características
da população e o papel da migração no crescimento das favelas); na distribuição das favelas
pelo município; e nas formas de ocupação do solo (tipologia habitacional, condição de
ocupação, etc.), onde foram analisadas as AP’s (Áreas de Planejamento) de maior
crescimento populacional na última década, concentrando atenção nas Regiões
Administrativas de Jacarepaguá e Bangu. Foram utilizadas as seguintes fontes secundárias:
a) IPP - Instituto Pereira Passos - www.armazemdedados.rio.rj.gov.br., que apresenta um
completo Banco de Dados, através do Aplicativo MOREI – Módulo de Recuperação de
Informações, com dados sobre domicílios, responsável pelo domicílio, população residente, e
instrução dos moradores, tendo como principal referência o Censo 2000/IBGE, das áreas
regulares e dos Aglomerados Sub-normais (favelas), por bairros e Regiões Administrativas,
que nos possibilitaram traçar um quadro da realidade urbana e demográfica dos bairros e
favelas. Foram utilizadas as variáveis relativas ao perfil da população em geral, e dos
moradores de favelas das áreas consolidadas e das áreas dos Estudos de Caso, no sentido de
avaliar as tendências demográficas da população que compõe os novos assentamentos da
Zona Oeste. Neste sentido, foram utilizadas as variáveis renda, escolaridade, ocupação,
composição familiar, assim como o endereço anterior para análise do papel da dinâmica
250,5% das favelas recentes têm 50% ou mais da população na faixa de renda familiar per capita de até ½ salário mínimo; e 90,5% têm mais que. 50% da sua população na faixa de renda até 1 salário mínimo.
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migratória no processo de formação de novos assentamentos, e sua relação com a ocupação
de áreas regulares.
Os dados relativos aos domicílios particulares permanentes do Censo 2000 foram utilizados
na análise da estruturação dos espaços dos Estudos de Caso, confrontando-os com os das
favelas tradicionais das áreas consolidadas na cidade, através das variáveis tipo de
abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo, relativas à infra-estrutura
básica dos assentamentos e as da tipologia habitacional.
b) Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro – 1998, se constitui em importante
documento de consulta, pois consolida todos os dados extraídos dos Censos Demográficos e
os produzidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro, referentes à cidade formal e aos
assentamentos informais (SABREN – Sistema de Informações de Assentamentos de Baixa).
c) Relatório realizado pela AGRAR – Consultoria e Estudos Técnicos S/C Ltda, Produto 1 –
Caracterização da Irregularidade Urbanística, Edilícia e Fundiária: subsídios para a
regularização na cidade do Rio de Janeiro – maio de 2002, do qual foram utilizados os dados
consolidados dos Censos 2000, 1991 e 1980, referentes ao crescimento populacional nas
áreas regulares e nas favelas das Áreas de Planejamento e do município nos períodos
1980/1991 e 1991/2000.
d) Artigos, textos e relatórios de pesquisa de diversos autores e pesquisadores do IPP que
analisaram a dinâmica imobiliária da cidade, no sentido de identificar os vetores de expansão
urbana, assim como a consolidação de determinadas áreas da cidade.
2. Qualificação do processo de ocupação e formação das favelas recentes na Zona Oeste,
através de estudo amostral e de dois Estudos de Caso, aplicando questionários abertos e
fechados às lideranças comunitárias e moradores antigos e recentes das favelas recentes na
Zona Oeste, para obter informações sobre suas origens; forma de ocupação (se
organizada/coletiva ou individual/autônoma); condições de acesso das famílias (ocupação a
custo zero, compra, aluguel); perfil dos moradores; forma de organização do espaço interno
(se há controle do uso e ocupação do solo pela Associação de Moradores); situação jurídica
do terreno ocupado, para traçar o perfil da forma de estruturação das favelas na Zona Oeste,
assim verificando as tendências de mudança nos mecanismos de acesso à moradia pelos
pobres nos anos recentes.
Dentre as 136 (cento e trinta e seis) favelas que surgiram nas áreas de maior
incremento do número de Assentamentos Informais/Favelas na cidade do Rio de Janeiro,
selecionamos 9 (nove), uma amostra de 6,6%, para obtermos informações sobre a origem dos
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moradores; forma de ocupação (organizada/coletiva ou individual/autônoma); condição de
acesso das famílias (a custo zero, compra, aluguel, outros); forma de organização do espaço
interno (se há controle do uso e ocupação do solo pela associação de moradores); situação
jurídica do terreno ocupado. Os critérios de seleção foram: data de ocupação; nível de maior
carência (renda per capita variando entre ½ e 1 salário mínimo); e que não fossem objeto de
programas de intervenção pública, dos tipos Favela-Bairro, Bairrinho, e outros, para que
pudéssemos analisá-las em sua origem, ou seja, na sua forma de ocupação original.
Entretanto, quando fomos a campo, algumas favelas selecionadas já estavam em processo de
intervenção por esses programas.
Estes dados subsidiaram a análise da forma de estruturação das favelas nas áreas de
expansão urbana, permitindo verificar as tendências de mudanças nos mecanismos de acesso à
moradia pelos pobres nos anos recentes, que poderiam indicar a requalificação da favela como
espaço de moradia dos pobres urbanos.
A pesquisa de campo partiu da identificação preliminar das favelas que surgiram a
partir da década de 80 na região da AP 4 – Barra da Tijuca/Jacarepaguá, e AP 5 – Zona Oeste,
por serem áreas que tiveram crescimento mais expressivo no período intercensitário. Essa
identificação teve como base empírica, o levantamento realizado pelo IPP – Instituto Pereira
Passos, constante no SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda. Dessa amostra
selecionamos duas favelas como Estudos de Caso: Asa Branca, localizada em Jacarepaguá; e
Verde é Vida, localizada em Senador Camará, nas quais aplicamos um total de 137
questionários (amostra de 20% dos domicílios).
Esses casos nos permitiram discutir a forma clássica de formação e acesso à favela, como
ocupação individual e/ou coletiva de uma gleba; construção rápida de moradia precária -
madeira, papelão, material improvisado; longo investimento familiar na melhoria da residência; e
desmembramento da unidade residencial em “frações” familiares, diante das tendências de
ocupação recente, caracterizada pela ocupação organizada e coletiva; traçado urbano pré-
definido em lotes individuais; novo perfil de moradores; entre outros.
A tese se desenvolve de forma a apresentar no Capítulo 1 um painel da problemática
de acesso à terra e à moradia pelos pobres urbanos, onde discutimos as características da
urbanização dos países em desenvolvimento, focando o Brasil e o Rio de Janeiro em
particular, as causas da ilegalidade no acesso ao solo urbano, e o surgimento do mercado
imobiliário informal, destacando as principais teorias sobre a formação de favelas nos países
da América Latina.
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No Capítulo 2, procuramos dar uma visão das tendências da estruturação do espaço na
cidade do Rio de Janeiro através da produção imobiliária, focando as áreas periféricas. O
objetivo desse capítulo é entender a relação entre o processo de estruturação intra-urbana em
curso, bem como a formação e crescimento de favelas na periferia da cidade.
No capítulo 3, apresentamos o resultado de nossa pesquisa empírica, realizada em
duas favelas nas áreas de expansão urbana, focando nossa análise nas formas de produção e
acesso às ocupações recentes, sua relação com perfil dos moradores, mudanças nas favelas
consolidadas e dinâmica urbana na região de estudo.
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CAPÍTULO 1
ACESSO À TERRA E À MORADIA PELOS POBRES URBANOS
1. Introdução A partir da Lei de Terras (1850), a única forma de se ter a posse legal da terra passou a
ser através da compra registrada. Assim, o direito de acesso reconhecido se desvincula da
condição efetiva de ocupação e a terra passa para a condição de mercadoria. (Rolnik, 1997
apud Gordilho 2001:86). As formas antigas de acesso à terra, através de concessões e
arrendamentos, onde o poder público era o proprietário de grande parte das terras,
desaparecem e a terra passa à condição de mercadoria a ser trocada no mercado e seu acesso
passa a ser através da compra e venda de glebas e terrenos, dando origem aos loteamentos.
O desbloqueio das terras possibilitou o surgimento de um novo segmento da economia
urbana – os empreendimentos imobiliários, dinamizando a produção capitalista de moradias.
O sistema rentista de produção da habitação é substituído pelo capital imobiliário1.
No início do século XX surgem os primeiros planos urbanísticos e o uso e ocupação
do solo passam a ser regidos por uma legislação urbanística que impõe limites à proliferação
de habitações insalubres, além de delimitarem espacialmente a tipologia habitacional, através
de normativas urbanísticas que definem o tipo de uso que deve ocupar cada zona da cidade.
Essas normas contribuíram para intensificar o processo de segregação espacial da população
pobre, que impedida de se localizar nas áreas valorizadas do núcleo urbano, foi “empurrada”
para a periferia.
Nas principais cidades brasileiras, a forma de ocupação do solo urbano se deu de
forma mais ou menos coincidente, cujos traços mais característicos do surgimento das favelas
decorreram da elevação do valor dos aluguéis nos cortiços e casas de cômodo, devido ao
aumento da demanda e dos projetos de reforma urbana, com grandes intervenções nos velhos
centros urbanos.
Com o desenvolvimento urbano-industrial, o valor dos aluguéis se tornou proibitivo
para a população pobre. Surgiu, assim, uma crescente oferta de loteamentos populares,
seguida pela produção estatal através de conjuntos habitacionais. As possibilidades de acesso
1 Para uma discussão detalhada das formas de produção da habitação, particularmente no município do Rio de Janeiro, ver Ribeiro, L.C.Q. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1997,352p.
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à casa própria se ampliaram. No entanto, essa expansão se deu, prioritariamente, através de
ocupações informais – aumento do número de loteamentos irregulares e clandestinos,
iniciativas de empreendedores ilegais e das invasões/favelas, oriundas da iniciativa individual.
Ou seja, as primeiras eram soluções oferecidas pelo mercado, enquanto a segunda era solução
conquistada pelos pobres.
A partir do final da década de 70, a crise econômica mundial se intensificou, trazendo
significativas conseqüências para a sociedade brasileira, apesar do desenvolvimento industrial
ocorrido nas últimas décadas. A conseqüência mais marcante, foi a baixa absorção do
mercado de trabalho formal de grande contingente populacional e a depreciação do salário
mínimo2. Esses processos acarretaram o aumento da favelização na cidade, através da
intensificação de ocupações coletivas, densificação e verticalização das favelas consolidadas,
como alternativas habitacionais para as populações “sem-teto” e “sem-emprego”.
No próximo item, apresentaremos o contexto do processo de urbanização
desenvolvido na América Latina em geral, focando o Brasil e, particularmente, o município
do Rio de Janeiro. Esse processo definiu as formas de acesso à moradia pelos pobres,
desencadeando uma série de políticas habitacionais de combate à pobreza.
2. Urbanização na América Latina A urbanização acelerada, devido à industrialização emergente, ocorrida nas principais
cidades latino-americanas a partir da década de 50, foi acompanhada de uma série de
fenômenos desencadeados pela intensa migração de um contingente populacional com baixa
qualificação profissional, que não foi absorvido no mercado de trabalho da cidade. A não
integração à cidade através do trabalho, teve conseqüências diretas nas suas condições
habitacionais, que se perpetuam até os dias de hoje. Desse modo, na maioria das cidades
latino-americanas, o acesso à terra urbana se dá por meio da informalidade fundiária e/ou
urbanística, que segundo Abramo (2003), corresponde a três lógicas da ação social: a do
Estado, que define quem, como e onde; a de mercado, que submete a oferta à demanda; e a da
necessidade, que resulta em invasões de terra ou edifícios. Segundo Cenecorta & Smolka (2000), são as características dos países em
desenvolvimento que determinam as formas de acesso à terra e à moradia pelos pobres
2 O salário mínimo depreciou 75% em relação à década de 50. Segundo dados do IBGE, no início dos anos 90 55% dos trabalhadores chefes de domicílio ganhavam menos que 2 salários mínimos, e 2,2% ganhavam mais de 20 salários mínimos
20
urbanos. Essas características seriam: a ocupação desordenada do solo, desconsiderando o
meio ambiente e caracterizada pelo mercado privado (legal e ilegal).
O mercado do solo tem sido o responsável pela segregação da população pobre, que
não possui recursos e condições para adquirir solo para moradia sob as condições do mercado
de terras – características especulativas e baixa intervenção do Estado para regular preços.
Para os autores, os preços praticados no mercado de terras são extremamente superiores aos
de produção, porque, em primeiro lugar, existe uma sobretaxa ou sobre-lucro extraordinário
por parte dos loteadores ilegais, derivado da grande diferença entre o custo original da terra e
o preço de venda. Essa sobretaxa se sustenta, porque existe uma oferta limitada em relação à
demanda. È praticamente inexistente a oferta de solo legal, competitivo com o ilegal por parte
do Estado ou agentes privados ou sociais. Um segundo ponto seria a falta de informação sobre
todas as opções de aquisição do solo para moradia pela maioria da demanda, o que torna as
ofertas monopolíticas e, neste sentido, onerosas. Por último, a existência de uma “cultura da
irregularidade”, ou seja, a crença de que esta é a forma mais comum e normal de acesso à
terra.
A regra geral, inclusive para o Brasil, é que o desenvolvimento urbano “espontâneo”
se realiza duas vezes mais rápido do que o planejado ou regulado. A maior parte das áreas
urbanas recém ocupadas é irregular ou ilegal. Como exemplo, nas principais cidades do Peru,
as favelas constituíam dois terços do total do crescimento urbano (Turner, 1968).
Na verdade, as políticas de desenvolvimento urbano e de habitação de baixo custo dos
países da América Latina, África e Ásia, são consideradas, pela literatura, inadequadas e
ineficazes. Isto se deve em grande parte à falta de compreensão do processo urbano, e aos
interesses políticos e econômicos que definem essas políticas.
No Rio de Janeiro, nas décadas de 60 e 70, a expansão econômica foi marcada por um
período de expectativas de ascensão social para os segmentos recém chegados. Porém, a crise
econômica da década seguinte, levou à redução no volume das migrações3, devido a perda de
atratividade das metrópoles; ao fim da expectativa de mobilidade social; e à crise habitacional
(diminuição da produção de apartamentos e lotes populares). Entre as décadas de 70 e 80,
além dos fatores citados acima, houve desaceleração no ritmo de crescimento da população
moradora em favelas, explicado, por um lado, pela política de remoção de favelas; e por outro,
pela abertura da periferia metropolitana aos trabalhadores pobres, através da oferta de lotes
3Na década de 50, a cidade do Rio de Janeiro recebeu 714 mil migrantes, em 1960 esse número caiu para 565 mil, na década de 70 o número de migrantes foi de 525 mil pessoas, e na década de 80 caiu para 385.779. Fonte: Lago, 2000.
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urbanos com baixos investimentos em infra-estrutura urbana, reduzindo o seu preço; e a venda
à prestação.
Se, por um lado, os fluxos inter-regionais diminuíram; por outro, os deslocamentos
intrametropolitanos aumentaram, alterando a dinâmica sócio-espacial, marcada pelo
empobrecimento da população; pela crise habitacional; e, por uma maior tolerância com as
ocupações ilegais pelo poder público.
Grosso modo, o crescimento do número de migrantes intrametropolitanos de baixa
renda, principalmente na direção núcleo-periferia; o aumento da participação dos muito
pobres (renda familiar de até um salário mínimo) no fluxo de expulsão núcleo-periferias; e o
arrefecimento dos fluxos de longa distância em direção à Região Metropolitana4, marcaram as
tendências gerais da relação dinâmica migratória com a estruturação sócio-espacial
metropolitana.
No Brasil, até meados da década de 80, o desenvolvimento urbano e a melhoria das
condições habitacionais, estavam concentrados em dois pontos: na adoção de regulamentos
para planejamento, obras, registros e transferências de propriedade; e a construção de
conjuntos habitacionais de baixo custo, com financiamento público. Os primeiros são
inacessíveis aos pobres, que não têm condições de arcar com os custos da institucionalização.
Por isso, instalam-se e constroem fora dela. Por outro lado, os conjuntos habitacionais são
formas diretas de impor padrões e maneiras de viver, além de também ser oneroso para os
mais pobres, que não conseguem pagar as prestações.
Segundo Valladares (1982), o declínio da taxa de crescimento da população residente
em favelas observado na década de 70, sustenta a hipótese de saturação do modelo favela
como foi definido por Turner5 (1969), e a ascensão do modelo periferia como foi definido por
Bonduki e Rolnik (1979)6 e Santos (1980).
A periferia seria a nova territorialidade da pobreza. Sua população passou a ser
chamada de “morador da periferia”, e não mais de “favelado”, reconhecido pela Teoria da
Marginalidade como o pobre urbano7. O morador da periferia se diferenciava do favelado, não
apenas na forma de morar - os loteamentos periféricos são menos densos e distantes do
4Nos anos 80, a retração dos fluxos chegou a 40% menos que. na década anterior. 5 A partir de John Turner, vários autores passaram a caracterizar a favela como solução para os problemas habitacionais da população de baixa renda. 6 Para os autores, periferia é a parcela do território da cidade que tem baixa renda diferencial. Nesse conceito, se vincula a ocupação urbana à estratificação social. O conceito de periferia se refere, assim, mais à carência de infra-estrutura e equipamentos urbanos do que propriamente à localização geográfica. 7 Na década de 70 o conceito de marginalidade urbana, no Brasil, relacionava-se à precariedade habitacional e às condições de vida – baixa renda e nível educacional, subemprego e desemprego, desorganização familiar, anomia, entre outros. A favela era a expressão mais contundente da pobreza urbana.
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centro, do trabalho e dos serviços e equipamentos coletivos, mas também no perfil sócio-
econômico, relativamente mais elevado do que o dos moradores das favelas.
A periferização refere-se também ao processo de segregação espacial da classe
trabalhadora (Valladares, 1991). Na interpretação de cientistas sociais, a periferia seria a
forma extrema de segregação urbana, o que propiciou a construção de identidades coletivas e
a organização de moradores na luta pelos direitos de cidadania.
A explicação para o fenômeno seria uma combinação de fatores, tais como o
empobrecimento crescente dos estratos mais baixos; expulsão das áreas centrais através de
programas de remoção e renovação urbana, como já comentado acima; e expulsão indireta
devido a alterações na legislação urbana, nos impostos e nas leis que regem o mercado de
aluguel.
Se, até a década de 80, a solução para o problema habitacional da população de baixa
renda alimentava os debates em torno da remoção ou urbanização de favelas, hoje esse debate
se desenvolve em torno da questão das políticas universais versus políticas setorizadas ou
focalizadas, orientadas pelo discurso de acesso à cidade para todos os habitantes, revertendo a
situação de injustiça social. Sabe-se que a favela se constitui numa forma "ilegal" de ocupação
do solo, mas pouco se sabe sobre as formas de acesso a este solo e dos meios de produção da
moradia no ambiente favelado. Além disso, elas eram consideradas uma etapa importante na
trajetória residencial das famílias de baixa renda, fazendo parte, segundo Leeds & Leeds
(1978), de uma estratégia de vida para essas famílias, pois a opção pela favela não reflete
apenas uma opção pelo imóvel/residência em si, mas também situações ligadas às estratégias
de sobrevivência familiar, tais como a proximidade ao local de trabalho, ao mercado de
trabalho, a parentes e amigos.
Os fenômenos decorrentes da urbanização tiveram conseqüências diretas nas
condições habitacionais e nas formas de acesso à terra e à moradia pelos pobres urbanos,
conforme veremos a seguir.
3. Produção da Moradia e as Condições Habitacionais dos Pobres Urbanos
O problema habitacional (escassez e precariedade das moradias), tem sua origem na
própria estrutura da sociedade. Com a intensificação da urbanização, acirraram-se as
desigualdades sociais características de um processo de crescimento econômico instável, cujas
conseqüências mais marcantes são: a distribuição desigual da oferta de serviços urbanos; a
23
concentração da pobreza nas favelas, cortiços e periferias das grandes cidades e o processo
migratório.
No que se refere à habitação popular no Brasil, observamos que ela foi marcada por
diferentes momentos. Até os anos 30, grande parte dos trabalhadores residia em Vilas
Operárias8, pagando pela moradia (aluguel ou compra) um valor compatível com seu salário.
Com o desenvolvimento industrial e o conseqüente aumento do número de trabalhadores e de
migrantes que chegam aos grandes centros (principalmente Rio de Janeiro e São Paulo) em
busca de emprego, aumentou-se a demanda por habitação. A partir de então, nas décadas de
30 e 40, as indústrias não conseguiram arcar com o ônus da moradia, transferindo-o para o
trabalhador, via autoconstrução ou mercado imobiliário e para o Estado, que passa a se
responsabilizar pela infra-estrutura e serviços urbanos, como também pela construção de
algumas habitações populares através dos IAPI’s - Institutos de Aposentadoria e Pensão, que,
segundo Azevedo (1988), atuaram de forma precária e fragmentada em decorrência,
principalmente, da incapacidade de controle dos recursos, num contexto inflacionário.
No entanto, os investimentos em infra-estrutura e serviços urbanos empreendidos pelo
Estado foram mais intensos nas áreas de interesse do capital imobiliário, beneficiando as
classes de maior renda. O capital imobiliário tem assim, um papel decisivo na conformação
das nossas cidades, pois são os seus interesses que conduzirão a estruturação intra-urbana e a
determinação da localização residencial das classes sociais. A sua atuação foi especulativa,
retendo áreas centrais a espera de valorização, restando ao pobre a ocupação de áreas mais
longínquas, sem qualquer infra-estrutura; alugar um quarto em cortiços; ou a invasão de
terrenos alheios nas áreas centrais.
No Brasil, a primeira forma de moradia dos pobres nos grandes centros foi o cortiço.
Na cidade do Rio de Janeiro, os cortiços surgiram para atender a demanda crescente logo após
a abolição da escravatura e o fluxo migratório estrangeiro. Localizando-se no centro da
cidade, se caracterizavam pela precariedade; eram casarões deteriorados, subdivididos em
casas de cômodo para aluguel, com instalações sanitárias precárias e de uso comum. Na
primeira metade do século XIX, reformas urbanas demoliram muitos cortiços do centro,
expulsando a população. Esse fato marcou o início da favelização dos morros cariocas e a
expulsão dos pobres do centro.
8Numa época de escassez de moradia, as Vilas Operárias eram uma forma de atrair trabalhadores. A moradia, construída pelo empresário, enraizava o trabalhador e reduzia suas possibilidades de lutar por seus interesses. Perder o emprego significava perder a moradia. Para uma discussão mais detalhada ver Blay, 1978 e Ribeiro, 1997.
24
As favelas se traduziam em economia do pagamento de aluguel, redução dos gastos
com transporte para o trabalho, isenção de impostos e a possibilidade de construir e /ou
ampliar sua moradia de forma lenta e gradual (Valladares, op.cit.).
Se, por um lado, a expansão das favelas foi atribuída ao fenômeno migratório, por
outro, há que se considerar os problemas habitacionais, relacionados às formas de produção
da moradia num contexto de crescente valorização do solo urbano, e às políticas habitacionais
implantadas nos últimos tempos, declaradamente voltadas para os segmentos de maior renda9.
Segundo Ribeiro (1997), existem quatro formas de produção de moradias:
i- A produção por encomenda, onde o usuário, para o seu próprio consumo ou para alugar,
compra o terreno e contrata o construtor. A característica principal dessa modalidade é que
apesar da base de produção se encontrar na relação capital/trabalho assalariado, ela não busca
o lucro, portanto, não é de natureza capitalista;
ii - Construção promocional privada, onde o incorporador contrata a empresa de construção,
caracterizando uma subordinação do capital produtivo ao capital promocional;
iii- Autoconstrução. Neste caso o usuário compra o terreno ou invade terreno de terceiros,
onde ele mesmo e/ou com a ajuda de vizinhos e parentes constrói sua moradia. Essa é a
modalidade mais comum de provisão da moradia entre a população de baixa renda;
iv- A produção estatal, onde o Estado assume o papel de promotor e construtor, através da
construção de conjuntos habitacionais e outras formas de subsídios.
Essa modalidade de provisão da moradia garantiria o seu acesso aos segmentos de
baixa renda, mas a trajetória das políticas habitacionais demonstra as limitações e obstáculos
enfrentados pela população pobre, que tornam o sonho da casa própria cada vez mais
impossível de realizar.
Alguns autores têm o déficit habitacional como hipótese para o surgimento de
habitações precárias e elevação dos preços da moradia no mercado. Ribeiro e Peckman (1983)
discordavam, pois para eles o déficit existe porque grande parte da população está excluída do
mercado de produção capitalista de moradias devido a uma distribuição desigual da renda
9 O desempenho da política habitacional, notadamente aquela relativa ao SFH/BNH, mostrou-se ineficiente ou insuficiente na solução dos problemas habitacionais dos setores populares, pois apenas 33,3% dos recursos do BNH foram destinados a esses segmentos. O rebatimento acumulativo dessas políticas é o elevado déficit de moradias existentes hoje no país, na ordem de cinco milhões segundo estudo da Fundação João Pinheiro. Como conseqüência desse déficit habitacional, novas formas de morar surgem e ressurgem, tais como cortiços, os loteamentos irregulares periféricos, e o crescimento e adensamento das favelas (Azevedo& Ribeiro, L.C.Q, 1996).
25
gerada na economia, e às condições que regem esta produção. Esta seria uma explicação para
o surgimento das favelas e dos loteamentos irregulares e clandestinos.
Com o desenvolvimento industrial, cresce a necessidade de adaptação do espaço
urbano às exigências econômicas e políticas do capital. A grande concentração de operários
no centro das cidades, em habitações precárias e anti-higiênicas denominadas cortiços foi
combatida com sua remoção. Segundo Ribeiro, L.C.Q (1997), este foi o início da primeira
crise (déficit) de moradias, pois cada vez mais aumentava o número de trabalhadores e de
migrantes que se dirigiam aos grandes centros em busca de trabalho.
Nas décadas de 40 e 50 ocorreu o processo denominado de periferização da pobreza,
caracterizado pela autoconstrução em loteamentos periféricos irregulares. Como ressaltou
Azevedo (1981), a autoconstrução é uma estratégia de sobrevivência das famílias de baixa
renda. O autor cita Pradilla (1977) como um dos maiores críticos a Turner e Vernez (1976),
autores que viam a autoconstrução como uma solução para o problema habitacional dos mais
pobres. As pesquisas de Turner (1968) nas favelas de Lima confirmaram o que ele acreditava
ser regra geral: a casa autoconstruída, mesmo quando o proprietário contrata mão-de-obra e
ele mesmo não participa da construção, custa a metade do preço daquela construída pelo
governo. Para Pradilla apud Azevedo (op. cit.), o acesso à habitação adequada era um direito
e parte do preço da força de trabalho.
Assim, os loteamentos clandestinos e irregulares se constituem em mais uma opção de
moradia dos pobres urbanos; caracterizam-se pela divisão irregular da terra em precárias
condições de infra-estrutura urbana e em muitos, os loteadores não fornecem título legal de
propriedade; os projetos não obedecem às exigências legais; e no caso dos clandestinos,
desenvolvem-se em áreas de propriedade contestada. Segundo Cenecorta & Smolka (op.cit.),
a condição ilegal dos assentamentos de baixa renda deve-se, em grande parte, às normas e
regulações urbanas impostas pelo Estado, que implicam em dificuldades na aprovação de
projetos e licenciamento, constituindo-se em importantes obstáculos à acessibilidade e
disponibilidade de terra urbanizada aos segmentos de baixa renda.
Grosso modo, as condições habitacionais dos pobres urbanos devem ser avaliadas sob
os aspectos cultural, social e ambiental. Essas diferenças são função dos diferentes níveis de
renda per capita, da distribuição da riqueza, da taxa de crescimento urbano e da forma de
organização da sociedade, mas também refletem diferenças na forma de reação dos pobres em
cada cidade. Essas reações variam com as expectativas individuais de melhoria das suas
condições de vida e do grau de organização comunitária.
26
Pode-se dizer que existe uma racionalidade dos pobres no que se refere às suas
condições habitacionais. Gilbert (1991) chama atenção, de que muitos critérios com os quais
julgamos as condições habitacionais nos países pobres são subjetivos e etnocêntricos. As
necessidades são vistas diferentemente pelas famílias. Para muitos pobres do Terceiro Mundo,
os padrões de vida do Primeiro Mundo são irrelevantes diante de suas necessidades mais
urgentes. Para muitas famílias, comida é mais importante que abrigo, por exemplo. A
importância dessas advertências torna-se clara quando discutimos normas arquitetônicas e
provisão de habitação social. Mas as necessidades dos pobres ou o ordenamento de suas
prioridades são, freqüentemente, mal interpretadas pelos profissionais.
A racionalidade dos pobres com respeito a sua situação habitacional, teve grande
importância nos estudos de Mangin (1967) e Turner (1967,1969). Em seus trabalhos no Peru,
eles demonstraram que a cabana (barraco), considerada como o extremo em termos de
condições habitacionais degradadas, foi freqüentemente a base de um abrigo adequado. Ela é
a forma pela qual os pobres buscam um meio de sair da pobreza através da construção, por
etapas, dos cômodos. Os autores mostraram que a consolidação das moradias somente é
alcançada através de trabalhos extras dos membros das famílias pobres, e que a reação dos
pobres à pobreza é racional, pois as famílias reconhecem os melhores caminhos para
melhorarem suas condições habitacionais.
O argumento de Turner e Mangin é oposto ao apresentado por Oscar Lewis (1966),
que através do conceito de “cultura da pobreza”, acreditava que os pobres eram incapazes de
sair da condição de pobreza por esta ser inevitável no ambiente social em que viviam. Tuner e
Mangin, ao contrário, demonstraram como os pobres respondem sensivelmente e
racionalmente às preferências e oportunidades abertas em suas situações habitacionais.
A rejeição de mitos como os da “cultura da pobreza” levou a importantes mudanças na
política habitacional da América Latina. Se os pobres eram considerados incapazes de se
auto-ajudarem, então eles deveriam ser ajudados. No contexto habitacional isso significava
que somente o Estado era capaz de prover moradia para os pobres. Em contraste, a principal
política recomendada no trabalho de Turner era que o governo deveria ajudar os pobres a se
auto-ajudarem. Segundo o autor, as diferentes classes de renda realizavam trade-off entre três
necessidades: segurança da titularidade, identidade e oportunidade.
No contexto da habitação, os pobres valorizavam mais a proximidade às oportunidades
de trabalho do que a propriedade (seguridade), ou qualidade/padrão da moradia (identidade),
diferente das famílias de renda média que davam maior prioridade à qualidade/padrão da
moradia.
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Em muitas circunstâncias, as escolhas feitas são limitadas; por exemplo: uma família
faz sua escolha entre uma casa alugada perto do trabalho e construir sua própria moradia na
periferia – localização consolidada. Para muitos pobres o trade-off não existe, porque ele é
determinado pelo nível de renda e a natureza do mercado habitacional de sua cidade.
Para Gilbert (1991), o mais importante a considerar são as condições estruturais, que
limitam as escolhas. A facilidade de cada família acessar a terra, o custo dos materiais de
construção, o tamanho da cidade e problemas com transporte envolvendo acesso ao trabalho,
são fatores determinados pela organização da sociedade e não da família em si. Por outro
lado, de acordo com Cenecorta (1984) apud Cenecorta & Smolka (2000), existe um ciclo
vicioso quando o Estado regulariza assentamentos e provê serviços básicos: os preços da terra
e as taxas que incidem sobre a infra-estrutura implantada aumentam. Surge, desse modo uma
pressão por mudanças no perfil dos moradores, provocando a migração dos mais pobres, que
tendem a invadir ou adquirir um lote ilegal em outros locais, dando lugar ao processo
cumulativo circular de segregação social.
Outras soluções habitacionais dos pobres são o aluguel e a moradia compartilhada.
Esse é o caso comum daqueles que não podem obter de forma alguma, por estarem
desempregados, ou por serem recém chegados e estarem à procura de trabalho. Parece haver
uma relação inversa entre migração e propriedade.
4. Irregularidade/ilegalidade no acesso à terra e à moradia Observam-se várias mudanças na estrutura da posse da terra na maioria das cidades do
Terceiro Mundo. A principal delas é a mudança na condição de inquilino a proprietário, que
tem sido possível graças à autoconstrução e viabilizado pela melhoria no sistema de
transportes, dos serviços e da infra-estrutura urbana. Apesar da autoconstrução ser um
caminho para a propriedade, as dificuldades de acesso ao solo aumentaram. Praticamente não
existe mais aquisição informal a custo zero (Durand-Lasserve 1990:50 apud Gilbert
1998:27).
A questão colocada pelo autor diante das similaridades nos processos de acesso à terra
e à moradia pelos pobres dos países do Terceiro Mundo, é se este seria um processo universal,
que vem aumentando de intensidade, ou seria um processo que surge e flui de acordo com as
circunstâncias econômicas e políticas locais?
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Turner (1968) apontava como barreiras ao desenvolvimento habitacional nos países
em desenvolvimento, as políticas e projetos oficiais que requerem padrões estruturais e
instalações prévias, inaplicáveis nas condições existentes nestes países. Os padrões exigidos
pelos governos conflitavam com as demandas daqueles que precisavam fixar-se no meio
urbano. Segundo o autor, o princípio de padrões modernos mínimos estaria baseado em três
pressupostos dos países desenvolvidos:
a) Os padrões estruturais e os equipamentos devem preceder a construção da moradia;
b) À medida que o status da família sobe, ela pode e deve se mudar para uma moradia maior;
c) A função da casa é proporcionar abrigo higiênico e confortável.
O argumento de Turner era que nos países em desenvolvimento a garantia da posse da
terra seria muito mais importante do que uma casa moderna, pois a maior parte das famílias
vive em uma economia informal, com salário incerto, assim teriam na propriedade a sua
segurança.
Passados três décadas dos estudos de John Turner, o tema da
irregularidade/informalidade na ocupação do solo continua em pauta, e apesar do avanço na
compreensão do fenômeno, avançamos pouco na sua solução. Para Castañeda (1994), as
causas que dão origem ao mercado ilegal do solo e as condições propícias para sua existência
são a incapacidade econômica de acesso à moradia por grande parte da população urbana; a
inexistência de mecanismos de controle público sobre o mercado de terras e, ao mesmo
tempo, a tolerância ou fomento oficial da especulação da terra; e a debilidade econômica e
política da estrutura agrária diante da urbanização acelerada. Para o autor, o uso de poderes
políticos e econômicos no âmbito municipal são os dois eixos de sustentação da urbanização
periférica ilegal. A dotação de serviços urbanos e outras formas de ajuda aos assentamentos
recentes, se constitui em importante aparato corporativo e de clientelismo político e eleitoral.
A questão da informalidade na ocupação do solo remete a outra questão, que é a da
desigualdade sócio-econômica presente nos países latino americanos, onde a favela, barriada
e outras denominações que possamos dar, é seu exemplo mais contundente. Nesse contexto, a
relação entre posse e propriedade tornou-se a tônica dos debates em torno da questão da
distribuição e desconcentração de renda e da terra no meio jurídico10.
Para Leitão e Lacerda (2003), a origem da irregularidade na ocupação do solo está na
Lei de Terras. A partir dela, o acesso legal à terra passou a ser apenas através de uma
10 O tema é brilhantemente discutido por vários autores no livro A Lei e a Ilegalidade na Produção do Espaço Urbano, Ed. Del Rey e Lincoln Institute – BH – 2003, que tem Edésio Fernandes e Betânia Alfonsin como coordenadores e co-autores.
29
contrapartida monetária. Aquele que não podia comprá-la, ocupava-a de forma ilegal. Ou seja,
as ocupações, do ponto de vista legal, configuravam-se como uma transgressão ao direito de
propriedade. A propriedade de terras deixa de exercer sua função de produção de riqueza e
espaço de habitação, para se constituir em símbolo de poder econômico, de status social e
poder político. Aliado a isso, com a instabilidade da economia nacional, a terra adquiriu
característica de reserva de valor. A terra urbana ficou retida a poucos, que supostamente,
tentando garantir seus direitos, acabaram gerando distorções urbanísticas, como os vazios
urbanos. Segundo Mares Guia (2003), as favelas seriam “uma reação à concentração de
propriedade no Brasil”. Diante da necessidade de morar dos indivíduos, as favelas seriam uma
solução e alternativa aos aluguéis altos da cidade legal.
Para Osório (2003), o padrão ilegal de crescimento urbano é conseqüência da forma
como o Estado implementou políticas públicas e o planejamento das cidades. Até 1988, a
legislação urbanística brasileira se mostrou fragmentada e incompleta quanto ao processo
geral de urbanização. Além disso, sua aplicabilidade foi prejudicada pelas interpretações
conflituosas quanto à competência legislativa e eficácia dos instrumentos. Por isto, a
importância de se compreender a ilegalidade urbana também a partir do sistema jurídico,
particularmente no que se refere à definição dos direitos de propriedade imobiliária urbana, e
não apenas sob a ótica dos mercados de terra.
Fernandes (2003), aponta como causas do crescimento das favelas e loteamentos
periféricos, a falta de uma política habitacional e ausência de opções acessíveis no mercado
imobiliário. Por outro lado, o autor alerta que se deve destacar o papel da legislação,
particularmente a natureza excludente da ordem jurídica em vigor (especificamente no que se
refere aos direitos de propriedade), na produção da ilegalidade urbana. Outro aspecto
importante destacado por Fernandes (op. cit.) na produção da ilegalidade, são as dificuldades
em atender aos padrões técnicos e urbanísticos exigidos pela lei, o que resulta na reserva de
áreas nobres e providas de infra-estrutura para o mercado imobiliário voltado para as classes
alta e média, desconsiderando as necessidades dos mais pobres11.
Confirmando as conclusões de Fernandes, Smolka (2003) revela que a literatura12 e
documentos oficiais têm apontado a informalidade no acesso ao solo urbano na América
Latina como conseqüência da pobreza, pois os pobres não podem competir no mercado
formal devido ao alto preço do solo urbanizado. Para o autor, mesmo na periferia das cidades
11 Para uma discussão mais detalhada ver Rolnik (1997) e Maricato (1996). 12 Para Durand-Lasserve (1990), a retração no mercado de solo formal para os pobres no início dos anos 80, deve-se à contradição entre um rápido aumento de preço do solo e a baixa nos salários nas cidades.
30
o preço tende a ser elevado. Nas cidades latino-americanas estes variam entre US$ 55/m2 e
US$ 70/m2. Somado a isso, temos os altos custos com transporte e dos gêneros de primeira
necessidade. No entanto, os preços também são altos no mercado informal. Segundo Smolka
(op. cit.), o preço do m² do lote irregular13 na zona oeste do Rio de Janeiro varia entre US$ 27
e US$ 40. O autor ressalta que não apenas a pobreza é a explicação para a ilegalidade, mas
também a ausência de programas habitacionais, de investimentos em equipamentos e serviços
urbanos e de um planejamento urbano14.
Outro aspecto importante a ser considerado como barreira ao acesso dos pobres a um
lote formal, são os custos com licenças, escrituras e certidões, que são bastante elevados.
Soma-se a isso a falta de qualificação para a compra devido a sua inserção informal no
mercado de trabalho, impedindo-os de terem acesso a crédito bancário. Segundo dados da
OIT (Organização Internacional do Trabalho), desde 1990, 85% de todos os novos empregos
na América Latina e Caribe foram criados no setor informal. Para de Soto (2001), nos países
em desenvolvimento faltam instituições que integrem os migrantes pobres nos setores
formais, de forma que gerem capital no mercado legal. Para o autor, é preciso perceber a
potencialidade no setor informal. Não deveríamos ver nos trabalhadores informais apenas
ameaças de doenças e crimes; o problema não são os pobres, o crescimento urbano e
populacional, e sim um sistema legal de propriedade ultrapassado. “Os pobres não têm outra
alternativa a não ser viver fora da lei”, pois a legalidade tem um custo maior do que a
ilegalidade. De Soto percebeu a potencialidade das atividades informais, contrastando as
estatísticas oficiais, baseadas nos registros legais, com a realidade do crescimento das cidades,
e cita Donald Stewart, em referência ao Brasil, para demonstrar sua crença de que os
assentamentos informais são o único caminho dos países em desenvolvimento para o
investimento e formação de capital. As pessoas não têm consciência do volume de atividade econômica
que existe em uma favela. Essas economias informais nasceram do espírito
empreendedor dos camponeses do Nordeste do Brasil atraídos aos centros
urbanos. Eles operam por fora da altamente regulamentada economia e
funcionam de acordo com a oferta e procura. A despeito da aparente falta de
recursos, essa economia informal funciona eficientemente. (Soto, H., 2001:
104). 13 Neste caso é irregular porque o loteamento não está aprovado e o lote é menor do que o estabelecido pelas normas urbanísticas. 14 No Brasil, há trinta anos, mais de 2/3 das construções para moradia eram de aluguel. Na década de 90, apenas 3% da construção brasileira se dedica a esta categoria. A maior parte desse mercado migrou para a informalidade das favelas. (De Soto,2001:103)
31
Esse aspecto foi comentado por Perlman (1977) em sua pesquisa em favelas do Rio de
Janeiro. A autora observou como era vantajoso para o sistema econômico, a utilização de
mão-de-obra em “situação marginalizada”. O trabalho executado por eles na forma de
serviços, possibilitaria a redução dos custos de reprodução de todos os setores econômicos.
Perlman percebeu, tal como De Soto, e contestando algumas premissas da Teoria da
Marginalidade15, a potencialidade econômica que existe no mundo informal, seja através da
oferta de mão-de-obra, que funciona como força de reserva; seja através do consumo, na
medida em que adquirem bens e serviços que a sociedade rejeita, como roupas e móveis de
segunda mão, fazendo com que sua utilidade seja prolongada. Em sua pesquisa, Perlman pode
comprovar que entre 50 e 60% dos favelados construíram ou reformaram suas moradias; 10%
construíram tendinhas, lojas ou botequins, que contribuíram com impostos municipais, além
deles mesmos terem executado as obras de infra-estrutura.
Outro aspecto absorvido pela sociedade é o cultural. A cultura, inerente ao mundo
informal das favelas (música e dança), é absorvida pela classe média, desempenhando papel
importante na reprodução do sistema econômico, sócio-cultural e político.
Para de Soto e o ILD (Instituto Liberdad Y Democracia), o reconhecimento da posse e
a propriedade das construções, permite que os proprietários tenham maiores facilidades para
obter crédito, viabilizado por meio de hipoteca, o que possibilitará investimentos em suas
moradias, negócios, etc, gerando maior atividade econômica. Para Riofrío (1991), a hipoteca
não seria o melhor modo de apoiar a construção de moradias populares, além de ser um risco
muito grande para os pobres.
As propostas neoliberais de regularização fundiária de de Soto, têm sido criticada por
diversos analistas, que questionam a excessiva simplificação da complexidade dos mercados
de terra informais e formais. Existem evidências que, no Peru, essas propostas não foram bem
sucedidas, pois o número de pobres que efetivamente tiveram acesso a crédito oficial
sistemático, em seguida a um programa de regularização, foi insignificante (Fernandes, 2002).
Outros autores questionam o interesse dos pobres em obter crédito, diante das implicações
financeiras e fiscais.
A partir da perspectiva apresentada, em que se destacam os fenômenos decorrentes do
processo de urbanização na América Latina em geral, e no Brasil em particular, caracterizado
pela irregularidade/ilegalidade na ocupação do solo e péssimas condições habitacionais dos
15 A Teoria da Marginalidade sustentava que os moradores de favela não contribuíam para a economia, por não serem mão de obra qualificada e consumidores.
32
pobres urbanos, analisaremos, a seguir, a posição do poder público no enfrentamento desses
problemas.
5. Políticas Habitacionais A importância deste item temático é discutir o papel do Estado na provisão de moradia
para a população pobre, principalmente nas cidades dos países em desenvolvimento. O
crescimento urbano não planejado, com escassa participação do Estado e forte participação do
mercado que atua com excessiva liberdade, tem provocado a desordem na ocupação do solo,
carências e ausência de projetos a longo prazo. O crescimento demográfico acelerado e a falta
de oportunidades econômicas para gerar emprego suficiente, estão agravando a problemática
metropolitana. Segundo Cenecorta & Smolka (op.cit.), a solução estaria em uma série de
propostas estratégicas, a saber:
• Políticas metropolitanas envolvendo ações conjuntas dos governos federal, estadual e
municipal, visando a melhoria das condições de vida da população de baixa renda;
• Políticas de geração de emprego, aumento da produtividade e a criação de infra-
estrutura que impulsione as atividades produtivas. Devido as características da PEA, o
enfoque principal poderia ser para a micro empresa, com ênfase na indústria e serviços;
• Políticas que visem a integração do desenvolvimento econômico e social com a
sustentabilidade do meio ambiente e o ordenamento territorial.
A política de aquisição e controle do solo deve ser considerada como um fator
estratégico de desenvolvimento metropolitano. A aquisição ou garantia de utilização de
grandes reservas de solo deverão ser marco obrigatório da estratégia, pois é fundamental que
o Estado ou os proprietários, investidores e promotores associados, adquiram e/ou reservem
grandes extensões de solo, necessários para reordenar, criar infra-estrutura ou novos espaços
urbanos e, sobretudo, para garantir que não ocorram conurbações, e se mantenha o equilíbrio
ambiental.
A política de solo deverá prevenir a especulação imobiliária. A aquisição ou
incorporação de grandes áreas, permitirá o acesso ao solo a baixo custo, em localizações
carentes de vantagens e facilidades, porém consideradas estratégicas para o ordenamento
metropolitano.
Os objetivos de uma política do solo deverão contemplar o reordenamento e
acondicionamento do território para dar suporte à população, de forma que se mitiguem os
problemas vigentes, assim como reverter o atraso existente em infra-estrutura e serviços
33
básicos. Além disso, ela deverá combater a pobreza urbana, criando condições para gerar um
mercado de solo legal, destinado a população de baixa renda, aproveitando as mais-valias que
o próprio mercado gera. Isso impõe, pelo lado da demanda, dar solvência econômica aos
estratos de menor renda, para que possam adquirir legalmente um lote. Pelo lado da oferta,
facilitar as ações de investidores para que supram as necessidades da demanda.
Outro objetivo importante seria reforçar a capacidade dos municípios para prestar
serviços básicos, através do aumento da arrecadação dos impostos prediais e territoriais e de
serviços, e criação de instrumentos para a captura das mais-valias imobiliárias em benefício
de projetos de infra-estrutura e oferta de solo urbanizado para a população pobre. Por último,
incentivar a participação comunitária, estabelecendo mecanismos que garantam informação
ampla sobre os problemas urbanos.
A partir das experiências no Oeste e Leste da Europa e na Ásia, Renard, V.(2000)
discute os princípios básicos da definição e do direito de propriedade, a regulamentação e
planificação e instrumentos financeiros para a gestão do solo urbano. Segundo o autor, a
gestão do solo é uma política intermediária, cujos objetivos não são definidos por si mesmos.
O êxito de uma política de solo urbano dependerá de outras políticas, como a de habitação
social, do meio ambiente e equipamentos públicos. Renard (op. Cit.) concorda com Cenecorta
& Smolka (op. Cit.) quanto ao papel do Estado na definição dos princípios de funcionamento
do mercado e acrescenta que o problema do solo não está bem resolvido em nenhum país do
mundo. As pautas mais comuns na problemática de acesso ao solo pela população de baixa
renda são: a perda do poder de compra; a dualização, principalmente nos EUA e no Oeste
Europeu - diferenciação entre as áreas na cidade segundo o preço dos terrenos; os preços dos
lotes subiram mais em relação aos salários e ao PIB; e a complexidade das leis e decretos,
dificultando suas aplicações.
Até os anos 60, a pobreza urbana era interpretada como expressão da falta de
modernização, assim só poderia ser erradicada através do crescimento econômico. Em pleno
período de políticas de industrialização de substituição de importações, a construção civil
tornou-se uma alavanca para o crescimento com a construção de conjuntos habitacionais para
os pobres, gerando empregos e estimulando a economia (Fiori, Riley & Ramiréz, 2000).
Em 1946, o governo federal criou a Fundação da Casa Popular (FCP), que seria a
primeira agência nacional voltada para a construção de casas populares, além de atuar na
provisão de serviços de infra-estrutura urbana e saneamento básico. O desempenho
insatisfatório da Fundação Casa Popular (FCP), principalmente quantitativamente, favoreceu
o surgimento de relações clientelistas movidas por interesses pessoais de autoridades do
34
governo federal, transformando o órgão em um mecanismo de sustentação da política
populista da época. Com a chegada do governo militar em 1964, a FCP foi extinta e em seu
lugar criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), com o objetivo de conquistar a adesão
das massas populares ao novo regime implantado. “Nesse projeto, igualmente encontrava-se
implícita a idéia de que a casa própria poderia desempenhar um papel ideológico
importante, transformando o trabalhador de contestador em ‘aliado da ordem” (Azevedo,
1988 -p. 109).
Além do aspecto político-ideológico, a criação do BNH implementava uma política
“em moldes empresariais” para os setores de baixa renda, o que traria efeitos positivos na
economia. Funcionando como um banco para reduzir o ônus sobre os recursos nacionais,
criou-se o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), cujas fontes de recursos eram a poupança
compulsória, através do FGTS, e a voluntária, através das cadernetas de poupança e letras de
câmbio.
A aplicação das políticas do BNH ficou a cargo das diversas agências públicas e
privadas implantadas, que funcionavam sob sua supervisão. Cada uma dessas agências atuava
num setor do mercado imobiliário, estratificado em popular, econômico e médio, segundo a
renda do mutuário. Aos poucos, o Banco começou a administrar serviços anteriormente
administrados pelos governos locais, tais como saneamento básico, abastecimento de água, e a
cobrar tarifas para gerar recursos, conferindo a sua atuação um caráter empresarial.
Para os setores populares foi adotada uma política de subsídios diretos e indiretos, para
viabilizar o seu acesso ao mercado habitacional. Para isso foram criadas as companhias
habitacionais (COHAB’s), empresas mistas compostas pelos governos estaduais e/ou
municipais, que detinham o controle acionário. As COHAB’s desempenhavam um papel
análogo aos incorporadores imobiliários dos setores de alta renda. Elas coordenavam o
trabalho das empresas construtoras das casas populares, porém sem obterem o lucro da
incorporação, o que contribuía para a redução dos preços das unidades construídas. Os
recursos provenientes para a produção das moradias populares, eram do FGTS e os da
poupança voluntária, ou seja, os subsídios para os mutuários de baixa renda eram advindos
dos assalariados de alta renda.
Entre 1969 e 1974, a produção de unidades habitacionais para os setores de baixa
renda16 foi insignificante. A política de “arrocho salarial” implantada pelo regime militar,
acarretou uma queda progressiva nos salários das camadas de baixa renda. Como
16A prioridade do banco era atender a famílias de renda mensal média entre um e três salários mínimos.
35
conseqüência, o número de inadimplência aumentou, colocando as cohabs em séria crise
financeira. A partir do agravamento do quadro financeiro das cohabs, reduziram-se os
investimentos em habitações populares, que foram direcionados para o mercado de classe
média e alta, que atingidas pelo comportamento especulativo do mercado imobiliário,
começaram a considerar os conjuntos habitacionais como opção de moradia.
A constatação, pelos organismos internacionais, da ineficácia dos programas
tradicionais para os setores mais pobres da sociedade, impulsionou a implementação de
políticas públicas que apoiassem a autoconstrução (Azevedo, 1981). Nos documentos do
Banco Mundial do final da década de 70, há referência à falta de condições da maioria das
famílias urbanas do Terceiro Mundo para adquirirem as casas mais baratas dos programas de
habitação popular (Azevedo, op. cit.). A conseqüência disso é que mais de um terço da
população urbana vive atualmente em favelas.
Em 1986, entre outros fatores, a ausência de uma proposta eficaz de controle da crise
do SFH levou o novo regime a decretar a extinção do BNH e a incorporação de suas
atividades à Caixa Econômica Federal, sem que fossem tomadas quaisquer iniciativas de
solução dos problemas.
A solução, diante deste quadro, estaria no apoio aos programas alternativos, como a
autoconstrução, financiamento de materiais de construção e urbanização de favelas. O
problema desses programas é que eles foram criados com a condição de serem auto-
sustentáveis e para isso a população envolvida deveria arcar com pelo menos parte dos
investimentos. Desse modo, o resultado foi a exclusão de grande parte das famílias de baixa
renda, que não tinham condições de arcar com os custos.
Os anos 80 foram marcados pela desregulamentação e privatização do financiamento
habitacional, e a política habitacional passou a contar cada vez menos com a participação do
Estado. A redução dos investimentos em políticas habitacionais voltadas para a população de
baixa renda, agravou ainda mais as condições de moradia dos pobres urbanos, chamando a
atenção dos organismos internacionais (Banco Mundial, BIRD, PNUD), que passaram a
desenvolver programas de ajuda financeira aos países em desenvolvimento, voltados à
capacitação para a solução dos problemas relacionados à gerência dos mercados de terras,
infra-estrutura e planejamento.
Durante muito tempo, os problemas habitacionais no Brasil ocuparam a agenda de
debates entre acadêmicos, políticos e instituições públicas, principalmente durante o período
de atuação do BNH. Os estudos voltavam-se para a análise das intervenções nas áreas de
habitação popular e desenvolvimento urbano. Após 1986, com a extinção do BNH e a
36
transferência de suas atribuições para a Caixa Econômica Federal, o tema ganhou o reforço
dos movimentos sociais e apoio de Organizações Não-governamentais, diante da quase
inexistência de políticas sociais voltadas para atender o problema da moradia, entendido como
déficit habitacional.
No final da década de 80, diante do agravamento da situação de acesso à moradia pela
população de baixa renda, reforça-se a idéia de que a propriedade fundiária deveria exercer
sua função social, através da subordinação do direito de propriedade ao de moradia
(Fernandes, 2003).
Nos anos 90, a questão habitacional não foi tratada de forma independente; os
governos perceberam a necessidade de integração de programas habitacionais para os pobres,
com programas de geração de emprego e renda, saúde, educação e meio ambiente. Segundo
Fiori e Ramirez, 1992 apud Fiori; Riley e Ramirez, 2000:17, até a metade da década de 90 a
trajetória da política habitacional considerou as seguintes questões na definição de
paradigmas: significado e causas da pobreza; natureza dos processos de urbanização; relação
com políticas setoriais; articulação de processos de desenvolvimento habitacionais e urbanos;
o significado e importância da participação do usuário na habitação; e o lugar do projeto na
política habitacional. A partir da segunda metade da década de 90, surge uma nova geração de
políticas habitacionais que concentrou a atenção na redução e erradicação da pobreza através
da abordagem habitacional participativa e a revalorização do projeto físico na política
habitacional.
5.1. As Políticas para as Favelas no Rio de Janeiro
O Código de Obras de 1937 marcou a primeira intervenção pública nas favelas do Rio
de Janeiro. Segundo Burgos (1998), ele propunha a eliminação das favelas, proibia a
construção de novas moradias, assim como a melhoria das existentes. O Código de Obras
também fazia referência à construção dos Parques Proletários, efetivada no início dos anos 40,
como solução de moradia para os pobres e para o problema de insalubridade no centro da
cidade.
Entre 1941 e 1943 foram construídos três Parques Proletários: na Gávea, no Leblon e
no Caju, para onde foram transferidos quatro mil favelados. Mais tarde foram expulsos pela
valorização imobiliária dos dois primeiros bairros. Um efeito não esperado da experiência dos
Parques foi por em contato os favelados/moradores e o Estado, o que suscitou o processo de
37
organização dos moradores de favela, que não se sentiam atraídos pela idéia17. Com a
intenção de coibir a organização dos moradores, foi criada pela prefeitura e a Arquidiocese do
Rio de Janeiro, em 1946, a Fundação Leão XIII, com uma proposta de atuação junto aos
moradores de favelas, alternativa a do populismo do Estado Novo.
Entre 1947 e 1954, a Fundação atuou em trinta e quatro favelas, implantando serviços
básicos como água, luz e esgoto, redes viárias e centros sociais. A partir de 1950, observou-se
maior articulação entre a favela e a política-partidária. O capital cultural da favela começou a
ser valorizado, sendo freqüentada por intelectuais, artistas e outros segmentos médios. Assim,
no campo cultural, as favelas ganharam uma identidade positiva e uma maior relação com a
cidade.
Temerosos dessa politização da favela, Igreja e Poder Público, criaram, em 1955, a
Cruzada São Sebastião, que empreendeu melhorias urbanas em doze favelas e construiu um
conjunto habitacional para a população removida da Favela do Pinto, no Leblon, primeira
experiência de relocação de população removida, próximo ao local da moradia anterior. Em
1956, o Governo Municipal de Negrão de Lima, criou o SERFHA – Serviço Especial de
Recuperação das favelas e Habitações Anti-higiênicas. Ambas iniciativas reduziram o
problema “favela” à carência de infra-estrutura.
Em 1957, os moradores das favelas criaram a Coligação dos Trabalhadores favelados
do Distrito Federal, entidade autônoma, com objetivo de lutar por melhores condições de
vida, através do trabalho comunitário. A favela ganhou uma identidade coletiva, o que
representa uma requalificação do termo favela em relação às políticas anteriores.
Em 1960, com a criação do Estado da Guanabara, O SERFHA passou a fazer parte da
Coordenação de Serviços Sociais do Estado, incentivando a formação de Associações de
Moradores, para exercer maior controle sobre a população moradora em favelas. O SERFHA
é extinto em 1961 e então é criada a Companhia de Habitação Popular (COHAB), que deveria
realizar uma nova política habitacional.
As lideranças dos moradores de favelas continuaram fortalecendo sua estrutura
organizativa, e em 1963 fundaram a FAFEG- Federação da Associação de Favelas do Estado
da Guanabara. A FAFEG foi criada para resistir à política de remoções e lutar pela
implementação de serviços públicos. Neste mesmo ano, a Fundação Leão XIII passou de
órgão vinculado à Igreja, à autarquia do Estado.
17 Em 1945, foram criadas comissões de moradores nas favelas Pavão-Pavãozinho, Cantagalo e Babilônia.
38
Entre 1962 e 1965, o governo federal construiu, com financiamento do USAID, a
Cidade de Deus e as Vilas Kennedy, Aliança e Esperança, seguindo uma política de remoção
de favelas. Essas remoções não foram bem aceitas pela população, pois implicavam em
deslocamentos para áreas distantes dos locais de trabalho, com oferta deficiente de transporte,
além da ruptura dos laços de sociabilidade (Perlman, 1977). A FAFERJ, antes FAFEG, veio
reforçar a organização dos favelados. Porém, sua atuação foi fraca e incapaz de evitar
algumas remoções. O enfraquecimento e retrocesso das ações remocionistas foi também
creditado à dificuldade de financiamento para construção dos conjuntos habitacionais.
Em 1965, no Governo Negrão de Lima, ocorreu maior controle das Associações de
Moradores, vinculando-as ao Estado através da Secretaria de Serviços Sociais. Em 1968, o
governo criou a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades – CODESCO, sob a
pressão de jovens arquitetos, planejadores, economistas e sociólogos, que prestavam
assessoria à FAFEG. A filosofia do grupo era enfatizar a importância da posse legal da terra, e
valorizar a participação dos favelados na melhoria dos serviços públicos comunitários. O
projeto-piloto da CODESCO foi implantado nas Favelas de Brás de Pina, Morro União e
Mata Machado.
Simultaneamente à CODESCO, a política remocionista voltou com a criação da
CHISAM – Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande
Rio. Enquanto a primeira apostava na capacidade organizadora e participativa dos moradores
das favelas, a segunda as considerava um espaço deformado, habitado por população que
precisava ser reabilitada social, moral, sanitária e economicamente. O objetivo da CHISAM
era erradicar as favelas, chegando a remover 100 mil pessoas de 60 favelas. Entre 1968 e
1975 foram removidas mais de 60 favelas e cerca de 100.000 moradores foram deslocados.
No entanto, o plano de erradicação enfrentou forte reação dos moradores, perdendo força a
partir de 1975, auxiliados pela mudança na política habitacional, que teve seu alvo deslocado
para os Conjuntos habitacionais do BNH, que passou a utilizar parte do dinheiro destinado às
remoções das favelas, para o financiamento de projetos habitacionais para as classes média e
alta.
Entre 1975 e 1982, o clima entre moradores de favelas e conjuntos habitacionais era de
ressentimento pelas remoções, gerando apatia e enfraquecimento da luta pelos direitos de
cidadania. A remoção desarticulou a estrutura política dos favelados. A população teve
dificuldades de adaptação à nova forma de viver, que trouxe prejuízos financeiros com os
gastos com transporte até o trabalho, além dos custos com a prestação da casa, impostos,
39
taxas, etc. Esse período foi caracterizado pela falta de políticas públicas mais amplas, voltadas
para as favelas.
No final da década de 70 ocorreu um intenso processo de auto-urbanização nas
favelas. Em 1979, o governo federal incluiu as favelas em programas desenvolvidos por dois
Ministérios – Minas e Energia e Interior – e pela Prefeitura, reflexo dos tempos de abertura
política. Nesta ocasião, são lançados o PROMORAR a ser implementado pelo BNH; o
Programa de Eletrificação por Interesse Social, a ser implementado pela Light; e é criada a
SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, atuando na urbanização de favelas
(Carvalho, 1996).
O início da década de 80 marcou ainda, no âmbito político, a reestruturação do
Movimento de Favelas, através da FAPERJ. Assim, a década de 80 foi marcada pela
mobilização política e social, a institucionalização das relações em favelas e a valorização
interna pelo processo de desfavelização, ou seja, a melhoria da infra-estrutura básica e do
padrão habitacional, através dos investimentos na moradia, instalação de equipamentos
urbanos, entre outros. A mobilização social assumiria diversas formas: manifestações
coletivas, contatos políticos e embates com a polícia, com o intuito de pressionar o Estado
para a regularização da posse.
Na década de 80 a favela recebeu intervenções de três órgãos públicos
simultaneamente – BNH, SMDS e LIGHT. O IPLANRIO iniciou o Cadastro de Favelas,
traduzindo a intenção do poder municipal de atuar nas favelas. De acordo com esse cadastro,
até 1980 existiam 364 favelas. A partir de 1982, no governo de Leonel Brizola, desenvolve-se
uma agenda social voltada para as favelas. Entre 1983 e 1985, o PROFACE – Programa de
Favelas da Cedae – implanta sistemas de água e esgoto em 60 favelas. Diversos órgãos
entram nas favelas, como a Comlurb, com coleta de lixo, a Light com Programa de
Iluminação pública, e a Secretaria de Estado do Trabalho e da Habitação, com o Programa
Cada Família um Lote.
Até a primeira metade da década de 90, a trajetória da política habitacional no Brasil
considerou as seguintes questões na definição de paradigmas: significado e causas da pobreza;
natureza dos processos de urbanização; relação com políticas setoriais; articulação de
processos de desenvolvimento habitacional e urbano; e o significado e importância da
participação do usuário na habitação.
A partir da segunda metade da década de 90, surge uma nova geração de políticas
habitacionais, que concentrou a atenção nas seguintes questões: redução e erradicação da
pobreza através da abordagem habitacional participativa e revalorização do projeto físico. A
40
questão que se coloca é se essas políticas incentivaram ou não o surgimento de novas favelas,
sob novas características sócio-espaciais.
Em 1993, o Prefeito César Maia criou o GEAP – Grupo Executivo de Assentamentos
Populares, que propôs seis programas habitacionais, entre eles o Favela-Bairro, que surgiu
para suprir o déficit dos direitos sociais dos excluídos, propondo a integração pela
urbanização, sob a ideologia de criar uma nova identidade para as favelas – a de bairros
populares. Segundo o GEAP, O Favela-Bairro teria por objetivo, “construir ou complementar
a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer condições
ambientais de leitura da favela como bairro da cidade” (Alvito, 1998). Assim, nota-se que o
programa tinha como princípio, intervir pouco no domicílio.
Em 1995, a Prefeitura do Rio de Janeiro assinou contrato com o BID (Banco
Interamericano de desenvolvimento), constituindo o PROAP – Programa de Urbanização e
Assentamentos Populares, com o objetivo de urbanizar favelas, regularizar loteamentos, e
monitorar a educação ambiental e sanitária e promover o desenvolvimento institucional.
O Programa Favela-Bairro deu uma nova direção à política habitacional até então
desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, caracterizada pela promoção de melhorias físicas.
Surge uma preocupação em promover a integração do morador à cidade, implementando-se
programas de inclusão social: educação sanitária e ambiental; geração de trabalho e renda; e
regularização fundiária.
Segundo Pandolfi & Grynszpan (2002), embora ainda hoje as favelas sejam percebidas
como um problema, as soluções propostas não mais enfatizam sua erradicação, e sim sua
consolidação. Isso significa urbaniza-las, dota-las de serviços públicos e infra-estrutura. A
entrada do Estado nas favelas, não para remove-las, e sim para consolida-las, possibilitou a
entrada de um novo ator, as Organizações Não-Governamentais (ONG’s), cuja atuação se
intensificou a partir dos anos 90, com a inclusão das favelas em projetos que buscam sua
inserção social, resgate da cidadania, combate à violência e redução da pobreza. Junto com o
Poder Público, esses projetos contribuiram para alterar o perfil das favelas.
Por outro lado, a maior presença do Estado e a realização crescente de ações sociais
pelas ONG’s, vêm coincidindo com o esvaziamento das Associações de Moradores. Isso é um
paradoxo, pois as Associações de Moradores são responsáveis pela maioria das mudanças que
vêm sendo observadas nas favelas, principalmente a partir dos anos 80. De acordo com
Azevedo (op. cit.), as vantagens desse tipo de política em relação às outras, é que como não é
preciso remover a população, não provoca impacto nas relações sociais com os vizinhos e na
relação local de moradia-trabalho, além do aspecto econômico que a seguridade da posse da
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terra pode prover, com a valorização do imóvel. Por outro lado, o alcance destas políticas é
baixo, devido aos elevados recursos necessários à sua implementação.
As últimas décadas marcaram o afastamento do Estado no processo de construção
habitacional na América Latina. Houve uma redefinição das formas de intervenção estatal,
concomitante com o papel do setor privado, da sociedade civil e dos próprios usuários nos
processos de produção e fornecimento de moradias. Houve uma passagem de uma política
convencional, onde o Estado era o único responsável pela provisão e distribuição da moradia,
para uma política não convencional, caracterizada pela intervenção parcial do Estado, através
do apoio aos agentes privados e ao usuário na produção (Fiori & Ramirez (1992) apud Fiori;
Riley & Ramirez, 2000:17).
Analisando as políticas habitacionais no Brasil, observa-se a inadaptação dos
mercados convencionais privados e públicos à demanda popular. É necessário questionar as
modalidades não convencionais que se desenvolvem como respostas a estas inadaptações.
Comprovada a incapacidade das políticas vigentes em atender a demanda crescente de
população pobre, deve-se interpretar o “porque” e o “como” dessa modalidade de acesso à
moradia, a favela. Esta interpretação do papel da favela como forma de acesso à moradia por
grande parte da população de baixa renda, passa pelo estudo das características do mercado de
solo.
6. Condições de Acesso: redes sociais e mercado imobiliário
Existe um grande debate em torno do conceito de estruturação intra-urbana. De modo
geral, poderíamos inferir que estruturação intra-urbana é o resultado das formas de produção e
uso do solo, que incidem no padrão de expansão e ocupação urbana, e na localização espacial
das atividades produtivas e de serviços, e de moradia da população. Essa estruturação é
alterada quando mudam as relações entre os agentes que interagem no espaço.
Segundo Abreu (1987), a estrutura espacial de uma cidade capitalista está associada às
práticas sociais e aos conflitos entre as classes. A luta de classes reflete-se na luta pelo
domínio do espaço, marcando a forma de ocupação do solo urbano. No entanto, a recíproca
também é verdadeira: a forma de organização do espaço tende a assegurar a concentração de
renda, realimentando os conflitos. Neste sentido, destaca-se o papel da dinâmica do mercado
imobiliário através de seu corolário, a mobilidade residencial, na estruturação do espaço intra-
urbano.
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Os approaches teóricos para o estudo da mobilidade residencial da população de
favelas, consideraram três elementos determinantes: a origem da população e local de destino;
a migração como um processo que engloba os motivos, o tempo, o reflexo da mobilidade
espacial na estrutura social; e a seletividade, ou seja quem se move? (M¢ller, V.&
Storpfort,P., 1980).
Assim, consideramos importantes os estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago,
sobre uma cidade que teve um rápido crescimento devido à massiva migração, gerando
transformações na estrutura urbana, devido à heterogeneidade étnica da população migrante.
A importância da Escola de Chicago, consiste na análise das relações sociais correlacionadas
à estrutura espacial. Os estudos desta escola de sociologia consideram as relações das funções
bióticas e econômicas no ordenamento da cidade. Esta seria formada por “áreas naturais”
distintas, que se diferenciam quanto ao tipo de população, densidade, padrão habitacional,
propriedade da moradia e tipo de organização comunitária.
Nesse item, buscamos resgatar a abordagem ecológica focando a análise da
mobilidade, da segregação e suas relações com a estruturação urbana.
6.1. O Migrante na Cidade
A migração gerou um rápido crescimento da cidade de Chicago nos Estados Unidos,
nos anos 20, implicando em transformações devido à heterogeneidade étnica da população
migrante. Os problemas sociais gerados nesse período foram objeto de investigação
sociológica, dando origem à escola de sociologia conhecida como “Ecologia Humana”, que
em síntese, significava um conjunto de pressupostos sobre a natureza da realidade social,
desenvolvidos por Park, Burgess e Mackenzie.
A Escola de Chicago e Definição de Ecologia Urbana
O início de Escola de Chicago de Sociologia Urbana foi marcado por uma série de
textos clássicos, escritos entre 1915 e 1930, inscritos num período de graves problemas raciais
e étnicos, devido à imigração massiva e conseqüente crescimento urbano, que vinha
ocorrendo em várias cidades americanas, principalmente em Nova York e Chicago.
Na Escola de Chicago articularam-se duas tradições: na primeira, anterior à segunda
guerra mundial, os fatores behavioristas ou sóciobiogênicos explicavam os padrões espaciais;
na segunda, pós-guerra, enfatizavam-se as influências de forças sociais, como a competição
econômica no meio ambiente (Gottdiener, 1993).
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Park, Burguess e Mackenzie se inscrevem na abordagem ecológica da primeira Escola
de Chicago, cujo aporte teórico era que os padrões urbanos deveriam ser explicados pela
natureza humana, concebida pela relação entre dois anseios distintos: o biótico e o cultural.
Segundo Park (1916), a cidade seria produto da natureza e, particularmente, da
natureza humana, portanto, produto dos costumes, tradições e sentimentos inerentes a cada
grupo da sociedade. O estudo das influências desses fatores sobre a organização social e física
da cidade é chamado de Ecologia Urbana. Em outras palavras, a ecologia urbana é o estudo
dos movimentos e da fixação da população, afetados pelo ambiente natural, social e cultural.
Para os ecologistas humanos, a forma física da cidade estaria associada aos hábitos e
costumes das pessoas que a habitam e, neste sentido, fatores econômicos e interesses pessoais,
levariam, naturalmente, à segregação e à distribuição da população na cidade. Esta
distribuição daria origem a uma forma de organização social chamada vizinhança, que pelo
seu caráter segregacionista (agrupamentos de indivíduos de mesma raça, profissão, status
econômico, etc.), garantiria a predominância dos laços de solidariedade e intimidade entre os
seus habitantes.
Segundo a tradição da Escola de Chicago, vários segmentos da população urbana
competem por determinado espaço, ocupado por um grupo dominante. Este espaço é invadido
por grupos concorrentes, que sucedem os “naturais”, passam a dominar, reiniciando o
processo de competição, dominação, invasão e sucessão. A tendência seria as pessoas se
acomodarem a determinada área do espaço urbano, onde há uma certa homogeneidade de
classes sociais e características de vizinhança, compatíveis com suas preferências e seu status
social.
Os debates da Escola de Chicago se inserem em dois campos científicos: o da ecologia
humana e o da sociologia urbana, pois se trata da instauração da cidade como objeto de
estudo, onde autores como Park, Simmel e Wirth se referiam ao mundo urbano construído
pela sociedade, com os novos conflitos, a nova realidade e a segregação. Esta nova realidade é
predominantemente fruto da imigração, que introduz na cidade a questão da interação de
culturas. Assim, para os autores, esse mundo urbano definia disposições e comportamentos,
que seriam adotados pelos habitantes da cidade como forma de preservação da própria
identidade.
44
A cidade como objeto de estudo
Segundo Burguess, os ecologistas urbanos queriam mostrar que a cidade constituía um
objeto de estudo particular, pois ela insere formas de sociabilidade próprias. O homem da
cidade, o metropolita, tem comportamentos e disposições mentais particulares a um universo
ecologicamente específico.
Nos estudos da organização espacial da cidade, destacaram-se duas abordagens: a que
ressaltou os processos espaciais das relações entre áreas em transformação, identificando a
dinâmica espacial e fornecendo uma análise interpretativa de áreas e comunidades urbanas,
que seria a linha que caracteriza as obras de Park; e a que ressaltou os aspectos da estrutura
espacial, configurando áreas diferenciadas na cidade (Eufrázio, M. 1999). Essa linha
caracteriza os trabalhos de Hoyt e Burguess.
Para Park (1916), a cidade possuía uma organização física e uma ordem moral, que
interagiam mutuamente e se modificavam. A organização física seria expressão da natureza
humana e tal como a ordem moral, passaria por mudanças impostas pelo caráter institucional
da cidade.
A característica da civilização moderna é o crescimento das cidades. Isso caracteriza o
modo de vida do homem moderno: viver em grandes aglomerações (Wirth, 1938). O que
chama a atenção do sociólogo, são as mudanças que ocorreram neste crescimento e seus
impactos no modo de vida das pessoas. A questão que Wirth colocou referia-se às
características que distinguiam a vida urbana. As respostas serão diversas do ponto de vista
das diferentes disciplinas. Entretanto, uma definição sociológica da cidade, deverá considerar
as interações existentes entre as diferentes abordagens. Ou seja, deverá procurar conter os
elementos do urbanismo que a distinguirão como um modo distinto de vida das aglomerações
urbanas.
A urbanização remete à acentuação das características que distinguem o modo de vida
associado ao crescimento das cidades, às próprias mudanças de sentido do modo de vida
urbano. Assim, uma definição de urbanismo deve considerar as diferenças entre as cidades:
tamanho, localização, função, etc. Os grandes números acarretam a impessoalidade, o
enfraquecimento das relações interpessoais, que são de modo geral, anônimas, superficiais e
transitórias. A densidade envolve diversificação e especialização, contrastes entre o aumento
do contato físico estreito e relações sociais distantes, o que possibilita um maior controle
social. A heterogeneidade instaura insegurança e instabilidade pela quebra de estruturas
sociais rígidas, possibilitando aos indivíduos, o contato através da maior mobilidade, com
uma variedade de grupos sociais.
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O importante a destacar, nesse eixo analítico, são as formas de organização
comunitária, que parecem ter ampliado sua atuação, restrita, na maioria dos casos, às soluções
de problemas comuns a todos, ou seja, relacionados ao meio ambiente físico (uso e ocupação
do solo e à infra-estrutura das favelas), e ao papel que representam as redes de
solidariedade/sobrevivência, na decisão de localização dos pobres urbanos.
Observa-se nas abordagens sociológicas, a utilização de inúmeros termos para definir
rede social, tais como: solidariedade, sociabilidade, sobrevivência e reciprocidade, tornando-
se essencial para o entendimento de nossa realidade, a definição de tais categorias de análise,
tendo em vista que a rede social é utilizada, pela antropologia social, como instrumento de
análise das interações sociais entre indivíduos do mesmo grupo, e de grupos distintos.
Para discutir as diferenças entre a vida tradicional rural e a moderna da cidade, vários
estudos utilizaram os conceitos desenvolvidos por Durkheim, de solidariedade mecânica e
solidariedade orgânica. A primeira é encontrada em comunidades tradicionais, onde cada
indivíduo adquire o conhecimento e aptidões dos outros e compartilham da mesma forma de
comportamento e personalidade básica. A segunda é encontrada em sociedades
modernas/complexas, onde cada indivíduo se especializa e complementa a especialização do
outro, criando uma interdependência mútua.
A explicação para as mudanças na distribuição da população, que transformam hábitos e
sentimentos, é o fato de que o crescimento das cidades, creditado à imigração, altera os tipos de
relações, que antes eram diretas (face a face) e passam a ser indiretas. O contato direto é a base
para a mais elementar inter-relação humana. Essa interação instintiva, não reflexiva, dá lugar ao
controle social que surge de forma natural. Para Park (1925), a melhor maneira de conceber a
sociedade é considera-la como produto de interações entre componentes individuais, que são
controladas por um corpo de tradições e normas, que configuram esses processos de interação.
É nesta perspectiva, que o conceito de rede social ganhou importância entre os
estudiosos de migração. As observações sobre as formas de integração do migrante, passaram a
privilegiar sua capacidade de inserção em redes formais ou informais de conterrâneos (Ramella,
1995). O processo migratório deixou de ser visto como uma ruptura brusca dos que emigram
com seus conterrâneos e passou a ser uma eleição realizada por indivíduos mobilizados por
estratégias de superação social. Geralmente, a decisão de migrar apóia-se no fato de existir
alguém de suas relações pessoais ou familiares.
Para Gonçalves (1992), o morador de favela valoriza mais a vizinhança do que a casa. O
contrário é observado nas classes de maior renda, pois sua sobrevivência independe da ajuda
mútua diária dos vizinhos. Nas favelas, a rede de solidariedade é importante nas estratégias de
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sobrevivência das famílias, na medida em que podem contar com parentes e vizinhos no
cuidado de crianças e idosos enquanto estiverem no trabalho.
O “morar” é segundo Gonçalves (op.cit.), a conjunção de pelo menos três componentes
básicos: casa, vizinhança e rede de sobrevivência. A casa é o espaço físico, interno da família; a
vizinhança se estende para além dos limites da casa, e é delimitada pelo maior ou menor grau
de amizade interpessoal ou interfamiliar. Não existem limites geográficos, e sim dependem da
esfera relacional que engloba os laços familiares de parentesco e compadrio, que se estendem
para além casa. Mas a vizinhança pode estender-se à inserção/participação nos movimentos
reivindicatórios, em comunidades religiosas, nas organizações de base e lutas populares. As
redes de sobrevivência referem-se basicamente às relações criadas para a sobrevivência da
família, especificamente no que se refere ao reforço da renda familiar.
Karl Polanyi (1968) distinguiu três modos de integração econômica ou mecanismos de
coordenação: reciprocidade, redistribuição e mercado, que podem estar associados a três
modos de organização social – igualitário, ordenado e estratificado. Para Harvey (1980), os
modos de integração econômica e de organização social não são perfeitos, nem exclusivos em
relação aos outros. Porém, os conceitos de reciprocidade, redistribuição e mercado de troca,
oferecem instrumentos para se analisar as relações entre as sociedades e as formas urbanas.
A reciprocidade envolve a transferência de bens, favores e serviços entre indivíduos de
um mesmo grupo, ela compõe a sociedade igualitária, pois há sempre um movimento de
cooperação para tender ao equilíbrio. As sociedades dominadas por essa forma de organização
social são caracterizadas pela estabilização social.
O modo redistributivo de integração econômica caracteriza as sociedades ordenadas,
envolvendo fluxo de bens. A redistribuição é sustentada através do estabelecimento de
direitos sobre os resultados ou sobre os meios de produção (Harvey, 1980:180). Nesse caso,
as sociedades redistributivas seriam também estratificadas.
No mercado de trocas, a integração econômica ocorre somente quando os mercados de
preço fixo operam para coordenar atividade. Ele pode funcionar como uma troca de um
produto entre pessoas; de um produto a um preço determinado e troca através de operação de
mercados de preços fixos. Segundo Harvey, a natureza da justiça social baseia-se na
distribuição da produção, e eficiência é eqüidade na distribuição.
Estudando as formas de organização social da população moradora de favelas, Zaluar
(1985) observou, que diante da instabilidade no emprego e na própria ocupação, o local de
moradia é importante na construção de identidades e organização social. O espaço da favela
seria onde se forma a coletividade. É na vizinhança que se pratica a solidariedade, pois se os
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pobres são heterogêneos no que diz respeito a sua inserção no processo produtivo, a
preferências religiosas e tradições regionais, são homogêneos nas condições de vida, na
pobreza e exclusão.
Nos estudos da década de 60, especificamente referindo-se à Eunice Durham em seu
clássico A Caminho da Cidade, a família era considerada como o centro para a reestruturação
das experiências e construção de projetos de vida, centrado principalmente na aquisição da
casa própria. Para a autora, a família ajudava na recuperação das normas e valores
comunitários.
Na América Latina, o estudo em uma favela no México realizado por Lomnitz (1975),
revelou que as redes de solidariedade existentes nas favelas são consideradas como o
elemento significativo da estrutura social. Essas redes de solidariedade permitem explicar o
processo de migração, os padrões de assentamentos, a mobilidade residencial. Uma das
formas mais significativas do funcionamento dessas redes é a autoconstrução, onde o
proprietário constrói sua moradia com a ajuda de amigos e familiares. A mão de obra
remunerada é pouco utilizada, a não ser em trabalhos mais específicos, que exigem uma certa
especialização.
Em geral, a casa autoconstruída é considerada como um bem necessário à reprodução
da família, e a sua mercantilização só é considerada em áreas urbanizadas ou com alguma
melhoria em sua infra-estrutura (Lima, 1979). Blank (1979) observou na favela de Brás de
Pina, que as melhorias no local empreendidas pela sua urbanização, incentivaram as famílias a
melhorarem e conservarem suas casas, para quando fosse necessário, vendê-la a um bom
preço. Esse aspecto é interpretado por Santos (1979), como parte da existência de uma grande
complexidade ideológica e cultural nas populações pobres, onde para eles (os pobres), o
esforço na construção pode ser considerado um tipo de acumulação, que transforma a casa
num bem que pode ser trocado no mercado.
Os pobres estão atentos aos jogos dos quais participam, e nem
sempre representam o papel de contendor que sempre é derrotado.
Sabem que as cidades são usadas como objeto de especulação e
especulam com o que podem. (Santos, 1979. p.38)
Cabe destacar também o papel das Associações de Moradores na produção e
organização do espaço e na contribuição das melhorias internas das favelas, no que se refere
ao estabelecimento e controle das práticas sociais e econômicas. Passaram a atuar como
48
“prefeituras locais” e cartórios, estabelecendo um sistema de controle do uso e ocupação do
solo. Às associações cabia promover e fiscalizar, através de mutirão, pequenas obras de infra-
estrutura, intermediar conflitos entre os moradores, controlar as transações de compra, venda
e aluguel de imóveis, promover atividades culturais, sociais, entre outros.
A cidade do estrangeiro e a construção da identidade urbana
Simmel (1902) em sua obra, preocupou-se em investigar quais eram os significados e
conteúdos da vida moderna e como a personalidade dos indivíduos respondia aos estímulos de
tais conteúdos. Para ele, a mente humana seria estimulada pelas diferenciações de momentos,
que na metrópole, essas diferenciações intensificam os estímulos nervosos, devido à
intensidade e multiplicidade de impressões, do ritmo da vida econômica, ocupacional e social.
Park também definiu a cidade como o lugar das diferenças, seria nela que as especificidades de
cada indivíduo surgiam como conseqüência da competição na divisão do trabalho. O foco das
análises sociológicas de Simmel era o indivíduo, no comportamento do indivíduo e como ele se
relacionava com os outros em um contexto urbano que não era determinado por ele.
Para Simmel, o século XVIII exigiu a especialização do homem e do seu trabalho, que o
tornou incomparável ao outro, ao mesmo tempo em que dependia do outro. Essa seria a gênese
dos problemas mais graves da vida moderna: a reinvidicação do indivíduo em preservar sua
autonomia e individualidade, face às forças sociais, à cultura externa e ao nivelamento imposto
pelo dinheiro.
Devido ao ritmo da vida metropolitana, o indivíduo desenvolveu uma subjetividade
pessoal – a atitude blasé – que consistia no enfraquecimento do poder de discriminação. Ela
seria uma acomodação ou autopreservação ao conteúdo da vida metropolitana; de certa forma,
uma reserva em relação ao outro. A atitude blasé seria algo mais que a indiferença, ela seria um
mecanismo de defesa, onde a reserva seria uma resistência à multiplicidade de sentidos. Para o
autor, a metrópole era um mundo heterogêneo, que estimulava os sentidos.
Ademir Pacelli (1999) realizou interessante análise sobre os efeitos da migração sobre o
sujeito (o indivíduo), a partir de casos de surto psicótico em migrantes nordestinos. Os efeitos
mais diretos, como a aculturação ou assimilação, teriam como conseqüência o recalcamento da
cultura migrante, o que levaria à alienação e a despersonalização do sujeito. Através das noções
de identificação e estranheza, recalcamento e retorno do recalcado, repetição, desejo e
investimento imaginário, o autor analisou a experiência do migrante no campo da relação eu-
outro e em relação ao espaço e ao tempo. “A estranheza é efeito do confronto de registros e do
49
apagamento das representações; e o estranhamento é resultante da fusão do imaginário com a
realidade” (p. 146).
O migrante surge como o estrangeiro, o que habita “fora dos muros da cidade”, onde as
representações de convivência ou de interações humanas são excluídas. O fenômeno
migratório, ao possibilitar a circulação e convivência de estrangeiros na cidade moderna, fez
com que esta encarnasse a própria universalidade e reforçasse a idéia de homogeneidade
urbana, idéia esta conflituosa ao atribuirmos ao migrante a qualidade do outro.
Segundo Joseph, I. (1999), a questão central na Escola de Chicago não era a integração
e sim a condição de estrangeiro; o migrante é o estrangeiro, é o outro, o exótico, é nele que se
deve pensar, pois é ele quem se move. A mobilidade é limitada pela segregação, instaurando a
dialética da oposição entre uma cidade vista a partir do estrangeiro e a cidade que se funda na
comunidade dos iguais.
Para os sociólogos de Chicago, a mobilidade do indivíduo, que o colocaria numa intensa
interação social com vários tipos de personalidade, geraria instabilidade e insegurança, que na
cidade tenderia a se naturalizar e se constituir como norma geral. O homem cosmopolita integra
diferentes grupos e através da mobilidade social, ele pode passar de um grupo a outro,
incidindo no processo de despersonalização ou nivelamento. A diversidade aumenta a
complexidade da estrutura social. Como pensar hoje esta interação, diante das dificuldades de
ascensão social impostas pelas políticas neoliberais?
Ao contrário, o isolamento social se impõe, eliminando a possibilidade de identificação
positiva de vizinhança. Romperam-se os códigos e normas que regiam a vida comunitária com
a retirada das instituições e do Estado, que auxiliavam na socialização dos grupos de baixa
renda. Atualmente, a sociologia americana baseia-se em dois novos modelos para explicar o
modo de vida das comunidades minoritárias nas grandes cidades: o do underclass e o modelo
dos “enclaves étnicos”.
Os teóricos da primeira Escola de Chicago não reconheciam o importante papel dos
valores culturais na determinação das decisões de localização. Park, Burguess e Mackenzie
acreditavam que o padrão espacial se desenvolvia a partir das decisões individuais
independentes, tomadas seguindo as considerações morais, políticas, ecológicas e
econômicas.
50
6.2. Mobilidade Residencial da População de Baixa Renda
Vimos que a industrialização contribuiu para a urbanização e a crescente concentração
da população nos grandes centros urbanos da América Latina. O empobrecimento do campo
explicou, até a década de 80, a migração para as cidades, no entanto a deterioração das
condições de vida da população urbana, tem sido tanto ou maior do que no campo.
O número de estudos sobre migração interna tem aumentado na América Latina,
concentrando-se nas origens regionais, redes de migração, seletividade de migrantes, aspectos
da assimilação do migrante no meio urbano social, econômico e político, e o caráter e
natureza do assentamento inicial (Conway y Brown, 1980).
A decisão de se mudar pode ser analisada sob diferentes perspectivas. Para os
economistas ela estaria associada á satisfação das necessidades familiares; já os ecologistas
humanos tratam o fenômeno como parte do processo de expansão das cidades, que insere
crescimento e sucessão. Em geral, as pesquisas não exploravam completamente as dimensões
sociais e espaciais do processo pelo qual os migrantes selecionam a localização da residência
inicial, e subseqüente relocação. Os estudos que exploraram esse tema são os de Brown
(1972), Cornelius (1975), Davies e Blood (1994), Vaughn e Feinght (1973) e Ward (1976).
A troca de endereço é definida, segundo Rossi (1980), como um movimento
envolvendo troca de localização no espaço. O autor distinguiu migração de mobilidade, onde
a primeira significaria mudança de endereço envolvendo localidades diferentes; e a segunda,
mudança de endereço no interior da mesma localidade. Nessa definição podemos interpretar
localidade, como sendo a cidade. A localização no espaço residencial estaria associada a
outras atividades, como o emprego, o consumo de serviços, com antagonismos étnicos e
raciais.
O foco do estudo de Rossi (op.cit.) era ressaltar a mobilidade como um fato isolado;
ele não relacionou o fenômeno com outros como mudanças no comportamento humano, que
envolvem mudanças no consumo de bens e serviços, nas relações interpessoais, etc. No
entanto, a pesquisa de Rossi apontou uma relação direta entre a mobilidade residencial e o
funcionamento do mercado habitacional, devido à relação com as necessidades habitacionais,
relacionadas ao ciclo de vida das famílias e as mudanças na estrutura intra-urbana tais como
valorização da terra.
Simmons (1968), ao sistematizar os resultados de estudos realizados por diversos
autores sobre o tema, concluiu que a intensidade dos deslocamentos residenciais intra-urbanos
varia com a posição do indivíduo na sociedade em relação aos atributos renda, faixa etária e
as suas percepções/preferências quanto ao tipo e local de residência, levando-os a uma
51
avaliação das diferentes áreas da cidade. Os três fatores em conjunto, aliados à mobilidade
social, ou seja, alteração na posição social, implicariam em uma diferenciação entre o
indivíduo e seus vizinhos, resultando em deslocamentos residenciais.
No entanto, se observa na maioria das pesquisas, uma maior relação entre a
mobilidade social e a residencial entre as famílias das camadas média e alta de rendimento,
levando a concluir que os comportamentos respondem a uma certa regularidade em relação
aos grupos sociais. Ou seja, grupos de renda semelhante, tendem a tomar decisões
semelhantes quanto aos deslocamentos residenciais. Este é um aspecto bastante observado nos
estudos em cidades americanas, onde 80% dos movimentos intra-urbanos acontecem nas
áreas de mesma classe social. O status econômico da vizinhança muda com a relocalização de
outra classe social. Fenômeno semelhante foi observado por Smolka (1992) e Faria (1997)
para a cidade do Rio de Janeiro.
Outra hipótese corrente é a de que os deslocamentos seriam respostas às estratégias
dos agentes que interagem no espaço: incorporadores, proprietários e o Estado, através de
políticas de Intervenção Urbana (desapropriação, Projetos de Renovação Urbana). As formas
de atuação dos diferentes agentes na transformação do uso do solo têm papel importante para
a compreensão da estruturação do espaço intra-urbano e na mobilidade residencial. As
estratégias de atuação dos capitalistas imobiliários, por exemplo, através de inovações da
moradia, “criando” novas necessidades habitacionais, ou readequando as habitações às
mudanças na estrutura familiar, implicam no deslocamento de demanda solvável (classe de
renda alta).
Outro aspecto é a atração e expulsão que certas áreas impõem às famílias por suas
características físicas, culturais, etc. Em geral, o movimento das famílias é concomitante com
a melhoria da quantidade e qualidade dos atributos residenciais, levando-as a
preferirem/valorizarem certas áreas em conseqüência de suas insatisfações em relação a
outras. Esse aspecto tem estreita relação com os anteriores, pois os investimentos dos
capitalistas imobiliários na cidade, desempenham papel importante na estruturação intra-
urbana, pois alterando o uso do solo, alteram também a composição social e o ambiente físico
da área, transformando bairros devido à conseqüente troca de moradores.
Segundo Harvey (1980), a mudança de localização de emprego e moradia, produz
efeitos redistributivos. À medida que a cidade cresce, há uma reorganização na localização e
distribuição de algumas atividades no sistema urbano, e isso contribui para produzir várias
formas de redistribuição de renda. Uma mudança de localização de atividade econômica na
cidade, implicaria em mudança de localização de oportunidades de emprego; assim como uma
52
mudança de localização da atividade imobiliária, implicaria em mudança de localização de
oportunidades de moradia. O autor também destaca, que a localização residencial das famílias
de alta renda redireciona as ofertas de trabalho.
Para Simmons, apesar dos determinantes e processos de decisão variarem em função
dos tipos de família, das características locais e, principalmente, das condições do mercado
habitacional18, há uma certa regularidade nos deslocamentos. A mais forte é a tendência ao
deslocamento de curta distância, que declina em todas as direções à medida que se afasta do
ponto de origem. O deslocamento para longe do ponto de origem, deve-se à expansão da
cidade e às novas alternativas habitacionais ofertadas, aliada ao aumento dos custos
residenciais no núcleo da cidade. Além do aspecto de ordem econômica, os vínculos
familiares, sociais com o lugar da moradia, assim como o desejo de conviver com pessoas de
mesmo status social, mesma raça, etc., limita a direção dos fluxos.
A análise dos critérios de localização dos diferentes segmentos que se apresentam no
mercado é necessária para entendermos seus itinerários residenciais, identificando
similaridades e diferenças que possam sinalizar a existência ou não de relação entre as
decisões familiares com suas respectivas posições sociais. Os motivos declarados pelo
migrante, têm relação direta com sua posição sócio-econômica e sua condição ocupacional no
imóvel que ocupava.
A escolha da vizinhança para determinado grupo social, poderá ter maior importância
do que as características do imóvel em si e envolverá atenção particular no tipo de pessoas
que a compõe, juntamente com determinados critérios de análise, que ajudarão a construir um
modelo de satisfação residencial.
A tese do modelo de assentamentos urbanos de migrantes de baixa renda que mais tem
aceitação entre urbanistas latino-americanos foi a proposta por John Turner. Baseado em
trabalho realizado no Peru, Turner sugeriu a existência de dois estágios no processo de
assentamento do imigrante de baixa renda: a área central é a “porta de entrada”, onde pagam
aluguel ou compartilham a residência com parentes ou amigos, para em seguida se deslocar
para as áreas periféricas, onde compram um lote, como conseqüência do processo de
integração econômica na cidade. Discute-se que as áreas periféricas não são receptoras de
imigrantes rurais, mas sim de moradores da cidade (urbanitas) (Mangin & Turner, 1968;
Turner, 1968,1969).
18 As condições do mercado habitacional refere-se, em linhas gerais, à oferta da residência apropriada, em local preferido pela família, a um custo acessível, além da disponibilidade de financiamento.
53
No modelo de Turner, o itinerário intra-urbano considerava três prioridades:
1) Acessibilidade – a prioridade do migrante é a viabilidade econômica ao acesso ao meio
urbano.
2) Segurança da titulação – que representa a consolidação de sua posição no meio urbano,
transformando uma segurança econômica frágil, em um modo de vida mais sólido e flexível.
3) Amenidades sociais e físicas – os melhoramentos no ambiente urbano servem de incentivo
para os melhoramentos nas residências.
O modelo propunha que se analisasse a mobilidade residencial dos pobres em função
de quatro variáveis articuladas entre si: espacial – do centro para a periferia; a condição de
ocupação – de inquilino a proprietário; ciclo de vida – de família recém formada a
consolidada; e renda. Entretanto, recentes análises da localização inicial de imigrantes nas
cidades mexicanas de Monterrey e Guadalajara, encontraram considerável dispersão espacial
entre as escolhas das primeiras residências (Davies&Blood, 1974).
Brown & Conway (1972); Cornelius (1975) e Ward (1976) contestaram a tese de
Turner, e propuseram um modelo alternativo de itinerários intra-urbano dos imigrantes de
baixa renda. O constructor se adapta aos constrangimentos socioeconômicos e institucionais,
que influenciam os deslocamentos, as trajetórias no sistema urbano, ou seja, os fluxos entre
casa-trabalho; casa-lazer e casa-serviços. O modelo proposto era evolutivo, ou seja, era
representado por um conjunto de mudanças nas relações entre relocação intra-urbana de
migrantes de baixa renda e estrutura intra-urbana.
Encontrando apoio nas avaliações críticas da tese de Turner, os autores propuseram
um modelo alternativo de itinerário dos migrantes intra-urbanos. O modelo enfatizava a
relação entre o comportamento do migrante e a estrutura intra-urbana. A construção era
baseada nas características do processo de decisão dos migrantes, levando em consideração
suas aspirações e seus grupos identitários. O constructor baseia-se na influência de
constrangimentos sociais, econômicos e institucionais, que influenciam as trajetórias
residenciais desses grupos, relacionando a evolução da urbanização e conseqüente alteração
da estrutura urbana, com a relocalização do migrante de baixa renda.
No modelo de Turner, o imigrante ao chegar na cidade, se localiza nas favelas ou
cortiços das áreas centrais, devido à proximidade do mercado de trabalho. Após sua adaptação
inicial e adquirir relativa estabilidade financeira, se deslocam para a periferia, seguindo o
critério da segurança da titularidade.
Na tese de Conway & Brown, com a continuidade da urbanização, as áreas centrais
deixam de ser as principais áreas de recepção de imigrantes de baixa renda. Novos
54
assentamentos de baixa renda continuam a crescer rápido nas periferias das cidades. Invasões
organizadas de favelados, marca característica da fase inicial, decrescem em importância
diante dos especuladores, que subdividem a terra. Os fluxos para a periferia são realizados por
ocupantes dos cortiços, que estão sendo forçados a se deslocarem sob a ameaça da renovação
urbana das áreas centrais.
A explicação para a ocupação das áreas periféricas, está no fato de que com o avanço
da urbanização, a acessibilidade para outras áreas da cidade melhorou. Além disso, a periferia
tornou-se mais diversificada nos arranjos habitacionais para acomodar o aumento da
demanda. Proprietários alugam quartos ou subdividem seus lotes, e a periferia pode,
eventualmente, tornar-se a principal área de recepção.
Atividades comerciais e industriais desenvolvidas na periferia, provê oportunidades de
emprego para os recém-chegados. A periferia tornou-se a opção de moradia dos migrantes
recém-chegados e ex-migrantes, que convivem relacionados por experiências comuns e
redes/laços comunitários.
A análise do trabalho de Conway e Brown sobre o processo de mobilidade intra-
urbana nas cidades de Porto de Espanha, Trinidad e Cidade do México, durante as últimas
fases de urbanização, tinha basicamente dois objetivos:
1) Identificar a evolução da estrutura intra-urbana e seus impactos no redirecionamento da
localização inicial;
2) Analisar o papel do grupo e laços de parentesco, na ajuda do processo de relocação e na
substituição da primeira localização.
Os autores trabalharam com três hipóteses. A primeira considerava que com a
urbanização são desenvolvidas três áreas distintas de residência da população de baixa renda:
favelas da área central, cortiços e assentamentos periféricos da baixa renda. A segunda
hipótese era que com a expansão urbana, os assentamentos regulares de baixa renda tornaram-
se, a principio, área de recepção de migrantes recém-chegados. A última hipótese considerava
que a família e os laços de parentesco são importantes fatores que impulsionam a localização
e relocação.
Para Carrion, F. (1995), a estratégia de localização na periferia, estaria apoiada nos
baixos custos residenciais, em relação às áreas centrais, por serem áreas precárias, com má
qualidade dos serviços e equipamentos coletivos. É uma estratégia de reprodução que se
insere nas relações estabelecidas entre a centralidade urbana e sua periferia. Os habitantes
desenvolvem no centro as suas atividades produtivas, e na periferia, as reprodutivas.
55
Para os moradores a propriedade do imóvel serve mais como poupança do que de meio
de produção ou incremento da renda. Isso é explicado pelo sentimento de insegurança e
vulnerabilidade que existe, inclusive, devido a sua própria localização.
No Brasil, nos anos 50 e 60, início do processo de intensificação da migração para os
grandes centros, a migração em si era vista como uma forma de mobilidade social, oferecida
pela industrialização e urbanização. No final dos anos 60, essa visão otimista é substituída
pela pessimista, constituída com a Teoria da Marginalidade. O fenômeno da migração é
sinônimo de desenraizamento, marginalização e exclusão. Em seus relatos em vários estudos,
os migrantes revelaram a angústia de viverem em um lugar com regras e cultura tão diferentes
da sua origem. Revelaram também, a nostalgia da perda de relações pessoais e comunitárias,
“onde se reconheciam e eram reconhecidos”. Aliado a esses sentimentos, tinham a frustração
de não conseguirem alcançar a melhoria das condições de vida, principal motivo para
migrarem, devido à desqualificação, para assumirem os postos de trabalho da moderna
indústria.
Quando se fala no tema mudança de residência, duas posições antagônicas são
observadas na narrativa dos pobres. Uma se refere ao lugar, que remete à vizinhança e à rede
de sobrevivência; a outra se refere à casa como bem material e local de abrigo e segurança. O
sonho da casa própria é inquestionável, todos querem, o problema é a mudança para outra
localidade, que poderá significar o rompimento da rede de sociabilidade. A sobrevivência dos
pobres, depende da relação com os vizinhos (Gonçalves,1992).
Diante desse quadro, destacamos a importância da favela como alternativa
habitacional dos pobres urbanos. Na literatura latino-americana é consenso que a favela é uma
modalidade de acesso ao solo e à moradia para a parcela da população excluída dos mercados
convencionais público e privado. A especificidade deste modo de acesso está na produção da
moradia, de forma lenta e gradual, em áreas de propriedade alheia.
De acordo com Silva (1999), o que define a favela em relação a outros assentamentos
de baixa renda é a forma de ocupação, que se dá a partir da invasão de terrenos públicos ou
privados. Entretanto, com a consolidação da ocupação, seu acesso passa a ser através da
compra ou aluguel; e assim, a localização na favela passa a constituir-se num bem de troca
para as famílias que já estão instaladas e a ter um preço para aqueles que pretendem entrar.
Fernandes (1996) reforça o argumento ao afirmar que o que as distingue das outras formas de
ocupação precária do solo, como os loteamentos irregulares ou clandestinos, é o fato dos
moradores da favela não possuírem nenhuma forma de propriedade ou título. Isso, no entanto,
não impediu o desenvolvimento de um mercado imobiliário nas favelas a partir da escassez de
56
espaços livres e pela pressão da demanda por moradia nestes assentamentos. Essa demanda
aumenta à medida que melhoram a acessibilidade do bairro, a infra-estrutura e o padrão das
construções, incidindo no preço das moradias que atua como mecanismo seletivo de acesso.
Alguns autores, preocupados com as causas do crescimento das favelas no Rio de
Janeiro a partir da década de 80, chamaram a atenção para as especificidades na forma de
ocupação e produção do espaço das favelas mais recentes; é o caso dos estudos de Santos
(1993), e de Carvalho (1996). Carvalho (op.cit.), através de dois estudos de caso na cidade do
Rio de Janeiro, constatou que a ocupação foi fruto de ação organizada, seguindo um desenho
prévio, e que 82,0% dos moradores pagaram pelo “lote”, o que sugere uma mudança no
conceito de “Favela”, ou de como era entendida até os anos 80, ou seja, ocupação gradual,
sem nenhum planejamento prévio ou traçado urbanístico.
Nas últimas décadas, as favelas não só cresceram e se expandiram como também
passaram por um processo de transformação interna imposto pela auto-urbanização, pela
melhoria de suas construções e mais recentemente por políticas de intervenção municipal,
através dos Programas Favela-Bairro, Bairrinho e outros. Essa transformação gerou uma
valorização do espaço, promovendo disputas pela aquisição de um imóvel nessas
comunidades. A favela consolidada, então, deixa de ser alternativa para os problemas
habitacionais das famílias de baixa renda, para se tornar, assim como na cidade "legal", num
lugar de mercado, que expulsa quem não mais pode arcar com o ônus de sua valorização
interna, e atrai população de maior renda vinda de outras favelas, ou até mesmo da cidade
formal, excluída do mercado (Smolka, 1992). A valorização dos imóveis não determina
necessariamente a expulsão dos moradores mais pobres, entretanto, estabelece um patamar de
preços para novos moradores.
Nas últimas três décadas, o acesso à moradia nas favelas vem se alterando de forma
substantiva. Atualmente, a principal forma de acesso à moradia nas favelas da cidade do Rio
de Janeiro é através do mercado de compra e venda de lotes, imóveis e lajes, que funciona de
forma informal, devido a sua condição fundiária e urbanística irregular.
Em pesquisa realizada nas favelas do Rio de Janeiro, Abramo (2003) observou que os
preços praticados nessas transações informais são extremamente altos comparando-os com
imóveis regulares em algumas áreas da cidade. Nas favelas pesquisadas, o valor médio de um
imóvel de dois quartos foi em torno de R$ 11,5 mil. Esse valor não tem qualquer relação com
os preços dos imóveis regularizados nos bairros próximos, o que significa que a formação de
preços nas favelas segue critérios próprios (Abramo, 2002). Quais seriam os motivos para
uma família optar por morar na favela apesar dos preços altos, já que ela teria outra opção
57
fora da favela? Em geral, a literatura aponta como critério de localização residencial das
famílias pobres, a proximidade ao mercado de trabalho e os fatores de vizinhança –
proximidade de amigos e parentes, que garantem as estratégias de sobrevivência da população
de baixa renda. No entanto, a pesquisa de Abramo identificou mudanças nessas estratégias,
pela segunda geração de moradores de favelas na cidade do Rio de Janeiro. A proximidade ao
mercado de trabalho perde importância como critério de localização, à medida que
consideram as oportunidades geradas pela rede de relações sociais.
Outra explicação possível seria as dificuldades de adquirir imóvel legal por aqueles
que estão informalmente inseridos no mercado de trabalho. As mudanças no mercado de
trabalho e imobiliário implicaram em mudanças nas trajetórias residenciais dos pobres
(Abramo, 2003).
Programas de urbanização de favelas e políticas focalizadas para superação da
pobreza, que promovem melhorias na infra-estrutura e na qualidade de vida do morador da
favela, podem estar contribuindo para construção de uma imagem positiva da favela,
transformando-a em opção de moradia para segmentos da classe média empobrecida.
Segundo Abramo (op. cit.), “O ambiente construído da favela e suas externalidades, se
transformam ao longo do tempo a partir das transformações na favela propriamente dita,
mas também como reflexo das transformações ocorridas em seu entorno formal” (pp.200-
201).
6.3. Exclusão e Segregação Residencial
Analisando a literatura sobre segregação nas cidades americanas, J. Logan, R.D. Alba
e T. L. McNulty (1996), destacaram duas posições antagônicas para explicar o fenômeno. A
primeira destaca as características pessoais associadas à raça, em que as diferenças
residenciais são marcadas pelas desigualdades socioeconômicas e culturais. No entanto, a
segregação pela raça ou etnia é compreendida como um fenômeno temporário, onde as
diferenças grupais referentes à localização podem ser explicadas por diferenças de status
socioeconômico e da assimilação à cultura norte-americana; à medida que as pessoas são
assimiladas, pela mobilidade educacional ou ocupacional, a tendência é se redistribuírem pela
cidade. Nesta corrente destaca-se o modelo dos “underclass”de Wilson (1987) sobre o gueto
negro. O autor aponta estreita relação entre as transformações no mercado de trabalho
(desemprego crescente) e de habitação (degradação dos bairros devido à deficiência dos
recursos comunitários). A segunda perspectiva, apresentada nos trabalhos de Alba & Logan
58
(1991) e Mollenkoff & Castells (1991), enfatiza o papel das barreiras institucionais que
restringem a mobilidade habitacional das minorias.
As análises dos processos de segregação põem em evidência três campos de
investigação: o das políticas públicas, do mercado de moradia, e o das práticas das famílias.
No campo do mercado imobiliário, privilegiada nos modelos clássicos de análise da divisão
social do espaço residencial pela Escola de Chicago, a segregação é explicada pela
hierarquização do preço do solo e moradia em função da localização mais agradável –
acessibilidade e amenidades físicas e sociais. Neste caso, a estrutura espacial reflete a divisão
social em classes. As desigualdades de renda das famílias são determinadas pela estrutura do
mercado de trabalho.
No modelo de segregação de Schelling os determinantes são as decisões individuais de
famílias que se mudam, orientadas por suas preferências, em busca de uma maior
homogeneidade social ou étnica do ambiente residencial. Para Preteceille esse modelo tem
exemplos bastante limitados. As preferências individuais são mais ou menos determinantes,
dependendo dos constrangimentos impostos pelas estruturas econômicas e sociais.
A autosegregação, observada hoje, pelas classes de maior renda, é conseqüência da
violência urbana (M. Davis, 1990; R. Lopez, 1996 e T. Caldeira, 1996). A autosegregação das
classes populares e de grupos étnicos dominados, é explicada pela versão clássica – natural-
comunitarista, como o estreitamento dos laços sociais, de auxílio mútuo e conservação da
cultura. A versão atual é a do enclave econômico étnico (Portes, 1980, 1985): o agrupamento
espacial permite constituir um espaço econômico dominado pelo grupo minoritário, onde as
relações salariais e mercantis, apoiadas nas relações de pertencimento à mesma comunidade,
dão às empresas vantagens de competitividade, e asseguram acesso ao mercado de trabalho e
de mobilidade profissional, que seriam difíceis na economia geral.
A versão clássica é utilizada para explicar os guetos negros nos EUA. No entanto, o
trabalho de W.J. Wilson (1987), mostrou que a degradação interna dos guetos negros é
conseqüência da partida dos que conseguiram ascender à classe média. Na França, esta
dinâmica da solidariedade comunitária só dura o tempo em que o imigrante é inserido na
sociedade francesa, pois a concentração inicial de imigrantes é diluída com a chegada de
novos imigrantes. Segundo as pesquisas, a maior parte dos imigrantes deseja se localizar em
bairros onde possam conviver com os franceses e outros estrangeiros, ou seja, não desejam
morar em guetos. Na segunda versão, temos o exemplo dos cubanos de Miami, estudados por
Portes (op.cit), em que os membros da comunidade estão em posição dominante entre os
empregadores e os empregados do “enclave econômico”.
59
Além dessas explicações sobre o processo de autosegregação, correspondentes a
situações urbanas de agrupamento “comunitário”, existem outros processos que desencadeiam
efeitos segregativos, que estão relacionados às preferências individuais nas escolhas de
localização residencial. O primeiro é o das escolhas do modo de vida, ligadas às diferentes
situações urbanas (acessibilidade a serviços e consumo x amenidades ambientais). O segundo
são as preferências individuais, que produzem diferenciações espaciais. A escolha é
condicionada à educação – qualidade dos estabelecimentos de ensino – afastamento crescente
da classe média dos subúrbios mais populares e sua relativa aproximação das categorias
superiores.
A capacidade de escolher a localização residencial é tanto maior quanto
mais elevada for a renda das famílias (...). Os critérios de escolha (...)
dependem fortemente da situação social dos indivíduos e das famílias. Há,
portanto, sólidas interdependências entre os processos estruturais, e as
escolhas individuais na produção das divisões sociais do espaço (p. 32).
No contexto latino americano, as teses dos enclaves étnicos perdem força, destacando-se
os modelos de segregação marcados pelos antagonismos de classe social, envolvendo a relação
entre estrutura social e estruturação urbana, tendo como grande vilão o mercado imobiliário. Para
Carrion (1995), a segregação urbana seria a confluência de três formas: i-oposição entre o centro,
onde o preço da terra é alto, e a periferia, onde esse preço cai; ii-separação crescente entre as
áreas residenciais da classe alta e de moradia popular; e iii-fragmentação das funções urbanas,
determinadas pelo zoneamento e constituindo zonas geográficas distintas e especializadas.
Para Schapira (1999) o aumento da pobreza e da violência na América Latina, leva a
novas formas de segregação. Essas novas formas de segregação se caracterizam pela maior
proximidade física entre ricos e pobres, com o surgimento de condomínios fechados, novos sub-
centros de elite, em áreas predominantemente pobres. É o que Caldeira (2000) chama de
“enclaves fortificados” para qualificar o surgimento de condomínios em São Paulo. A autora
justifica o novo modelo de segregação residencial à combinação de crise econômica,
consolidação democrática, reestruturação produtiva e aumento da violência urbana.
A recrudescência da pobreza e da informalidade, que não serão vencidas pela
reestruturação econômica, coloca um fim à crença de uma integração possível através do
60
assalariamento. O efeito da crise se estende às classes médias, se manifesta pelo enfraquecimento
da coesão social, e rebate sobre o espaço privado.
A diluição da pobreza modifica as práticas e os usos da cidade, onde a espacialização não
pode ser pensada apenas em termos de enclaves (favelas e condomínios), mas também como um
fenômeno que atinge grande parte do território, e que representa as diferenças entre bairros,
traçando novas fronteiras entre ricos e pobres, entre os mais pobres e os menos pobres. Essas
diferenças provocam maior mobilidade espacial da população, o que na perspectiva da ecologia
urbana, garantiria novos contatos e uma reconfiguração sócio-espacial; e a segregação, definida
como distância física, corresponde à distância social (Park, 1925). A segregação urbana seria,
então, uma tendência à organização do espaço em áreas de forte homogeneidade social interna, e
intensa disparidade social entre elas. Segundo Castells (1983), essa tendência por si só não
explica a composição do espaço residencial, e nem o que ele possui de significativo, pois existem
combinações particulares na distribuição das atividades e do status no espaço, ou seja, a
composição social do espaço depende do estágio do processo de urbanização. Na determinação
da localização residencial deve-se também considerar a distribuição diferencial da renda que
determina a acessibilidade ao espaço residencial desejado.
Segundo Mammarella e Martins (1997), no Brasil, as condições de vida dos pobres
tradicionais agravaram-se frente ao desemprego, mudanças no mercado de trabalho, tais como
terceirização e perda da capacidade de geração de empregos pelas industrias; flexibilização das
relações de trabalho e crescimento das relações de trabalho precário e informal. O que é novo, é
o processo de perda da qualidade de vida que vem afetando a classe média, principalmente nos
anos 90, destacando-se as dificuldades de acesso a emprego bem remunerado, a serviços de
saúde e educação, ao consumo e lazer. O surgimento dos novos pobres é observado no
crescimento do número dos sem-teto, no crescimento das favelas, além do agravamento das
condições de pobreza, da discriminação social e racial, da estigmatização.
Para Villaça (1998), a segregação seria a tendência à concentração de uma determinada
classe social no espaço. No caso do Brasil, o autor conclui que o padrão de segregação é
caracterizado pela oposição centro – dotado de infra-estrutura e serviços públicos, e periferia –
sub-equipada, lugar dos excluídos. O autor expõe ainda, que apesar da classe de alta renda estar
migrando para áreas periféricas, ocupadas predominantemente pelos mais pobres, não significa
que a segregação não exista.
Portes (1989), buscando compreender as alterações sócio-econômicas nos anos de crise, a
partir da análise das Metrópoles de Bogotá, Santiago e Montevidéu, conclui que o deslocamento
61
da população do centro para o subúrbio deve-se, no caso dos ricos, à melhoria da acessibilidade;
no caso dos pobres, ao esgotamento das ofertas no centro, tanto pela escassez, quanto pelo valor.
Nos estudos de segregação urbana nos anos 70 e 80, predominavam a perspectiva dual,
marcada pela concentração das atividades econômicas e da infra-estrutura básica nos núcleos
urbanos e pelo padrão de localização dos diferentes segmentos sociais. Segundo Lago (2000),
esse modelo deve ser revisto em função das transformações sociais e espaciais que ocorreram
nos anos 80, já comentadas anteriormente. O impacto espacial da tendência à dualização da
estrutura social, seria a apropriação cada vez mais exclusiva dos espaços mais valorizados pelas
funções ligadas ao consumo e moradias de luxo, e conformação dos espaços exclusivos da
pobreza. É o que Sassen, S. (1991) e Castells (1992) chamaram de “cidade dual” e “espaço
fragmentado”: o espaço deixaria de se caracterizar pela dicotomia núcleo x periferia, ou seja,
pelas macro diferenças, para se caracterizar pelas micro diferenças, os espaços fractais, que se
traduzem em aumento da homogeneidade intra-espacial, e agravamento das desigualdades entre
os espaços, que seria a fragmentação (Mollenkoff e Castells, 1991). A dualidade, como efeito da
reestruturação econômica e das políticas neoliberais, teria como resultado uma maior
desigualdade de renda e a emergência da exclusão social.
Para Sassen (1993), a tese da cidade global/dualidade social teria como conseqüência a
alteração do mercado de trabalho, com aumento da distância entre uma camada superior, situada
no topo, caracterizada por profissionais altamente qualificados, e uma camada inferior, situada
na base, caracterizada por empregos formais e informais de baixa remuneração. Espacialmente, a
dualização da estrutura social configuraria espaços diferenciados, valorizados e demarcados,
ocupados pelas camadas superiores, mas próximas de áreas de concentração da pobreza
(enclaves).
Fainstein, Gordon e Haloe (1992), Silver (1993) criticaram a tese da dualização social.
Para os autores, a questão vai além da globalização da economia, remete à atuação excludente do
setor imobiliário no espaço urbano, e às políticas voltadas à acumulação do capital imobiliário.
Ribeiro, L.C.Q (2000), observou que a tese da cidade dual não se confirma no Rio de Janeiro;
seu estudo não identificou uma dualização/ polarização social. Segundo o autor, o espaço se
organiza por oposição de classe e não por oposição entre ricos e pobres, ou excluídos e incluídos.
A exclusão urbana é produto das práticas de auto-segregação das elites dirigente e intelectual, e a
classe média ocupa todo o espaço da metrópole, inclusive os espaços tradicionais operários e
populares.
Segundo Ribeiro (op. cit.) o principal traço da organização territorial da cidade é a
combinação entre distância social, expressa nas diferenças da estrutura social e das condições
62
urbanas, e a forte proximidade física entre as favelas e os bairros das classes de alta renda.
Assim, “a principal particularidade do modelo de segregação carioca é a convivência entre os
mundos sociais do morro e do asfalto, que obrigados a compartilharem o espaço da cidade,
vivenciam a solidariedade, a compaixão e a simpatia” (p.950-51).
Quando se relaciona periferia e centro para explicar a segregação, Lago (2000), observou
para a Metrópole do Rio de Janeiro nos anos 80, a consolidação da estrutura sócio-espacial
centrada nas desigualdades características da clivagem centro-periferia. O trabalho de Pereira
(2002), assume que a segregação estaria relacionada ao grau de homogeneidade social de
determinada área espacial. Poderíamos afirmar que no Rio de Janeiro, a segregação espacial se
caracteriza pela concentração dos investimentos públicos no espaço urbano, gerando
desigualdades.
No início da urbanização, os migrantes vindos do campo para a cidade eram
considerados, pela literatura, como incapazes de se integrarem no mercado de trabalho e de
moradia formal, e assim, seriam responsáveis pela própria pobreza, destacando-se nessa
corrente, o trabalho de Oscar Lewis. As favelas eram vistas pelo senso comum e por uma
corrente de pensamento, como anomalias urbanas que deveriam ser excluídas da cidade,
orientando a política urbana de remoção de favelas, que marcou o Rio de janeiro nos anos 60
e 70. Apesar das remoções, as favelas continuaram a crescer e surgirem novos assentamentos
nas áreas vazias. Vimos que as causas para esse processo de crescimento e proliferação,
estariam relacionadas às estratégias de sobrevivência das classes de baixa renda, que vêem a
favela não apenas como alternativa de moradia dentro de suas possibilidades econômicas, mas
como solução para a redução dos gastos com transporte, localizando-se próximos ao local de
trabalho. Essa ideologia foi contestada por diversos analistas da problemática das favelas,
destacando-se John Turner, que através de pesquisas empíricas em cidades latino-americanas,
demonstraram a racionalidade dos pobres nas suas decisões de localização e na construção da
moradia, concluindo que a favela seria uma solução para seus problemas habitacionais,
através da autoconstrução.
Vimos que no caso do Rio de Janeiro, esse pensamento abriu caminho para a
proposição de políticas de auto-urbanização das favelas, contribuindo para sua consolidação
como espaço de moradia dos pobres urbanos.
Um segundo ponto a destacar, referente à autoconstrução, seria também considera-la
como uma estratégia de acesso à moradia em loteamentos irregulares ou clandestinos, nas
periferias das cidades latino-americanas. Apesar da autoconstrução ser uma forma dos pobres
63
acessarem à casa própria, existe a barreira do acesso formal ao solo, levando à
irregularidade/ilegalidade fundiária.
Para autores como Smolka, Cenecorta, Durand-Lasserve e Castañeda, essas barreiras
seriam, principalmente, as normas e regulações impostas pelo Estado, que dificultam a
aprovação de projetos e licenciamentos e o preço elevado de solo urbanizado,
economicamente inviável para os pobres. Complementando os autores, Fernandes (op.cit)
alerta para a inexistência de mecanismos de controle sobre o mercado de terras, implicando na
especulação e a inserção informal dos pobres no mercado de trabalho, impedindo-os de ter
acesso a crédito bancário.
Para Turner, que também considerava as proposições dos autores mencionados acima,
a ausência de política habitacional voltada para a população de baixa renda, representava a
principal causa da existência da irregularidade no acesso à terra e à moradia. Nesse sentido,
reafirma-se a necessidade de uma política habitacional atrelada à uma política fundiária
voltada para a promoção do acesso ao solo urbano.
Nos anos 80, a abertura política suscitou debates em torno da questão da desigualdade
social, da exclusão e segregação espacial. Nesse contexto, a política para favelas é marcada
pela mobilização de concessionários urbanos em torno da melhoria da infra-estrutura básica,
no sentido de diminuir as desigualdades através do acesso aos serviços urbanos.
Nos anos 90, a questão habitacional é tratada de forma integrada com programas de
geração de emprego e renda, saúde, educação e meio ambiente. A partir da segunda metade da
década de 90, surge uma nova geração de políticas habitacionais que concentra a atenção na
redução e erradicação da pobreza através da abordagem habitacional participativa e a
revalorização do projeto físico na política habitacional.
No próximo capítulo iremos avaliar o rebatimento da problemática de acesso ao solo na
estruturação do espaço carioca, em geral, e o processo de favelização do município do Rio de
Janeiro, em particular, relacionando-o à dinâmica urbana ocorrida na cidade a partir dos anos 80.
Os dados utilizados nessa análise são de fontes secundárias, extraídos das análises realizadas
pelo IPP – Instituto Pereira Passos, dos resultados preliminares do Censo 2000; as tabulações
especiais dos Censos de 1980 e 1991, realizadas pelo Observatório de Políticas Públicas do
IPPUR; e os dados do Censo 2000.
64
CAPÍTULO 2
O PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO INTRA-URBANA
E A FORMAÇÃO DE FAVELAS NO RIO DE JANEIRO
Neste eixo temático pretende-se entender o processo de crescimento da periferia do
município do Rio de Janeiro, através do aumento do número de favelas, considerando
periferização um termo que designa uma forma específica de estruturação do espaço urbano,
que tem como características a segregação e condições precárias de moradia e acesso a
serviços (Bonduki. N, & Rolnik, R. 1979).
Até os anos 80, o padrão de segregação era definido pela moderna produção
residencial no núcleo, e expulsão das camadas populares para a periferia. A partir da metade
da década de 80, esse padrão se altera em função da crise da produção empresarial; queda do
nível salarial das camadas médias; e, fim do Sistema Financeiro de Habitação, levando os
segmentos médios a buscarem alternativas habitacionais nas áreas mais distantes do núcleo,
onde o preço baixo da terra permite o acesso à casa própria. Essa pode ser uma das razões
para o aumento do número de favelas na Zona Oeste da cidade, observado a partir dos anos
80, tendo como elemento estruturador do espaço, a relação entre localização da classe média e
alta, e o surgimento de assentamentos pobres devido à emergência de um mercado de
trabalho. Essa hipótese será desenvolvida no Capítulo 3, onde apresentaremos dois Estudos de
Caso de favelas recentes na periferia do município do Rio de Janeiro.
Para análise da dinâmica urbana na cidade, utilizamos como fonte de informação, os
dados relativos ao crescimento populacional das Áreas de Planejamento e suas respectivas
Regiões Administrativas, constantes no Anuário Estatístico da Cidade-1998; nas Notas
Técnicas dos estudos realizados pelo IPP – Instituto Pereira Passos; no Relatório da empresa
AGRAR – Consultoria e Estudos Técnicos, sobre loteamentos irregulares e clandestinos,
realizado em 2000, no âmbito do PROAP – Programa de Regularização de Loteamentos, da
Secretaria Municipal de Habitação; e outros estudos que têm como referência os Censos
Demográficos do IBGE.
65
1. Dinâmica Populacional e Urbana
O município do Rio de Janeiro está dividido, administrativamente, em cinco áreas de
planejamento – AP’s, que encerram as RA’s – Regiões Administrativas. O centro da cidade e
seu entorno imediato, pertencem a AP 1, que apresenta desde 1980, perda de população
residente. Segundo o Censo 2000, a região concentra cerca de 269 mil habitantes, equivalendo
a menos de 5% da população total da cidade.
A AP 2 é formada pelas RA’s que contém os bairros das Zonas Sul e Norte, reunindo
quase um milhão de habitantes em 2000. Nestas áreas, reside a população de maior nível de
renda e escolaridade da cidade.
A AP 3 é a região com maior número de moradores, cerca de 2.400 mil distribuídos
nas Regiões Administrativas que formam o subúrbio carioca1, segundo o último Censo
Demográfico, representando 40% da população total da cidade. Caracterizando-se pela
concentração de indústrias, compõe-se de moradores das classes média e popular.
A Barra da Tijuca e a baixada de Jacarepaguá compõem a AP 4, vetor de expansão
urbana a partir da Zona Sul. Na AP 4 residem 682 mil pessoas, cerca de 11% da população
total, segundo o Censo 2000.
A AP 5 é formada pelos bairros que compõem a Zona Oeste, segunda área com maior
número de habitantes. Nela concentram-se 1.556 mil pessoas, representando 27% da
população total da cidade.
Desde a década de 80, o Rio de Janeiro vem apresentando desaceleração no
crescimento demográfico. As RA’s (Regiões Administrativas) que apresentaram perda
populacional mais expressiva são as da Zona Sul, na Área de Planejamento (AP) 2; do Centro
e adjacências (AP 1), enquanto a RA 24 - Barra da Tijuca e RA 16 – Jacarepaguá (AP 4) e as
da Zona Oeste2 (AP 5), apresentam índices de crescimento, desde de 1980, de 8% a.a, em
média., revelando-se como as principais frentes de expansão urbana do município.
Ao analisarmos a contribuição relativa de cada Área de Planejamento no incremento
populacional do município, observa-se que na década de 90 as AP’s 4 e 5 foram as áreas da
cidade, que desde a década anterior vêm crescendo significativamente. A AP 1 contribuiu
com – 10,29% no período 1980/1991 e com – 11,66% no período 1991/2000; a AP 2 que em
1 As RA’s que compõem o subúrbio são XIII-Méier; XII-Inhaúma; XXVIII-Jacarezinho; XXIX-Complexo do Alemão; X-Ramos; XI-Penha; XX-Ilha do Governador; XXX-Maré; XIV-Irajá; XV-Madureira; XXII-Anchieta; XXV-Pavuna. 2 As RA’s que compõem a Zona Oeste são a RA XVII – Bangu; RA XVIII – Campo Grande; RA XIX – Santa Cruz; RA XXVI – Guaratiba; e RA XXXIII – Realengo.
66
1980/1991 apresentou uma participação de – 8,45%, em 1991/2000 caiu para – 3,59%. As AP
4 e AP 5 apresentaram incremento médio nas décadas de 1980 e 1990, de 47,69% e 27,23%, e
em 1991/2000 de 20,59% e 20,46%, respectivamente, constituindo-se em vetores importantes
de crescimento da cidade.
Tabela 1 – População Residente e Incremento Populacional nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000 Áreas de Planejamento
População Residente
1980
População Residente
1991
Increm. Absoluto
Increm. Relativo
(%)
População Residente
2000
Increm. Absoluto
Increm. Relativo
(%) AP 1 338.531 303.695 - 34.836 - 10,29 268.280 - 35.415 - 11, 66
AP 2 1.130.135 1.034.612 - 95.523 - 8,45 997.478 - 37.134 - 3,59
AP 3 2.250.180 2.323.990 73.810 3,28 2.353.590 29.600 1,27
AP 4 356.349 526.302 169.953 47,69 682.051 155.749 29,59
AP 5 1.015.595 1.292.179 276.584 27,23 1.556.505 264.326 20,46
Total 5.090.790 5.480.778 389.988 7,67 5.857.904 377.126 6,88
Fonte: Relatório da AGRAR-Consultoria e Estudos Técnicos; Censos Demográficos - IBGE 1980,1991, 2000.
Manteve-se, na década de 90, as tendências observadas nos anos 80; ou seja, as AP’s 1
e 2 apresentaram perda populacional, enquanto as AP’s 3, 4 e 5 continuaram apresentando
índices de crescimento positivos.
A AP 3, conformada pelos bairros dos subúrbios, vinha apresentando queda no
crescimento demográfico nas últimas décadas. O Censo 2000, segundo análise do IPP, indica
uma reversão dessa tendência, só se mantendo em queda os bairros onde o IDH – Índice de
Desenvolvimento Humano – é mais elevado, ou seja, nos bairros de Lins de Vasconcelos,
Sampaio, Vila da Penha e Vaz Lobo. As RA’s da AP 3 que apresentaram maior crescimento
demográfico na última década foram as da Ilha do Governador (RA XX), com 6% de
aumento, e a RA XII – Penha, que cresceu 4,7% no período intercensitário.
Um dos componentes mais significativos do crescimento populacional é o movimento
migratório. Desde os anos 80, o saldo migratório no município do Rio de Janeiro tem sido
negativo. Segundo o IPP, estima-se que entre 1980 e 1991, a cidade perdeu aproximadamente
400 mil pessoas, sendo que a maioria dirigiu-se para municípios da própria Região
Metropolitana. Do total dos 225.495 migrantes observados no Censo 2000, 31.475 (13,9%)
são originários da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; 26.760 (12%) vieram de outros
municípios do Estado do Rio; e 167.260 (74,2%) são provenientes do restante do país.
67
Analisando os fluxos para nossas áreas de interesse, as RA’s de Jacarepaguá e Bangu,
observamos que do total de migrantes do município, 23. 288 (10,3%) foram para a RA de
Jacarepaguá e 8.012 (3,5%) se dirigiram para a RA de Bangu. (Ver quadro no anexo I)
A distribuição da população na cidade está, intrinsecamente, relacionada ao nível de
rendimento e à concentração das atividades econômicas, principalmente a imobiliária. O
crescimento econômico e o SFH – Sistema Financeiro de Habitação, proporcionaram, na
década de 70, a expansão dos investimentos imobiliários, voltados, preponderantemente, ao
atendimento da classe média. Assim, os bairros localizados na Zona Sul, Barra da Tijuca,
Zona Norte e Centro, que nos anos 80 concentraram em torno de 73% dos lançamentos
imobiliários da cidade (em área), nos anos 90 essa concentração aumentou, principalmente na
Barra da Tijuca, onde foram lançados 50% dos empreendimentos imobiliários (IPP, 2002).
A crise econômica iniciada na década de 80 só atingiu o mercado imobiliário em 1984,
se recuperando em 86 devido ao Plano Cruzado, que aumentou o poder de compra da classe
média. O mercado manteve-se estável até 1990, quando é novamente atingido pela crise
econômica, e só em 1992 ele volta a crescer. Nos momentos de crise, o mercado é afetado
pela restrição do crédito, deixando a atividade imobiliária na dependência da capacidade de
poupança dos compradores (Cardoso, 2000).
Cardoso (op.cit.), analisando o comportamento do mercado imobiliário entre 1979 e
1993, a partir dos dados da ADEMI, nos revela que a maioria dos lançamentos ocorreu nas
AP 2 – Zona Sul (30,5%) e Norte; AP 3 – Subúrbios (24,6%); e AP 4 – Barra da Tijuca e
Jacarepaguá (36,2%), sendo esta última a mais expressiva. A AP 5 – Zona Oeste,
caracterizada como fronteira de expansão da pobreza na cidade, concentrou 7% das unidades
lançadas. Desagregando a análise por RA – Região Administrativa, a RA XXIV – Barra da
Tijuca concentrou mais de 23% das unidades lançadas, seguida pelas RA’s XIII – Méier e
XVI – Jacarepaguá (12% cada). Na AP 5, destacam-se as RA’s XVIII– Campo Grande e
XVII – Bangu.
Como vimos no capítulo anterior, as alternativas mais comuns de moradia dos pobres
na cidade são as invasões de terrenos, formando favelas, ou os loteamentos periféricos através
da compra de lote e autoconstrução. A estratégia de localização na periferia estaria baseada
nos baixos custos residenciais em relação a outras áreas. Por outro lado, são grandes os custos
sociais, devido à precariedade dos equipamentos e serviços coletivos, que são compensados
pela propriedade do imóvel, gerando um sentimento de segurança.
O processo de loteamento se intensificou a partir dos anos 50, caracterizado pela
informalidade nas relações entre compradores, corretores e loteadores, o que permitia baixar
68
os custos e abrir o mercado para a população de baixa renda. O conceito de periferia
trabalhado na literatura, passa a idéia de espaço homogêneo, onde a força de trabalho se
reproduz sob péssimas condições, e o padrão de produção do espaço é fundamentado no
binômio loteamento-autoconstrução. Até 80, no Rio de Janeiro, o padrão de produção do
espaço periférico era caracterizado pela produção imobiliária não capitalista e estatal (Cehab).
Entretanto, a partir de 80, surge uma nova forma de produção fundiária, associada à
incorporação imobiliária - regular, seguindo as normativas estipuladas pela Lei 6766/79.
Neste momento, a renda média do público alvo muda, dando origem a um processo que Britto
(1990) identificou de “desperiferização” da Zona Oeste3, pela mudança no perfil social da
população que para lá se deslocava.
Diante disso, é preciso desenvolver novos modelos explicativos da dinâmica urbana na
periferia (no caso da Zona Oeste: loteamentos - propriedade do solo e moradia X favelização -
invasão do solo/propriedade só da moradia), e repensar a dinâmica centro-periferia, diante do
processo de favelização em curso. Este processo é identificado por Carvalho (1996), como
conseqüência das obras públicas, que viabilizaram o acesso às áreas de expansão e à expansão
urbana natural. Minha questão é menos por que as favelas cresceram a partir de 80, e mais
como elas surgiram e se desenvolveram, ou seja, seu processo de ocupação e organização
interna.
1.1. A Expansão Periférica do Rio de Janeiro
A Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro corresponde à Área de Planejamento (AP)
5, formada pelas RA’s de Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Realengo e Guaratiba. A região
ocupa 48% do território municipal, concentrando 25% da população da cidade.
A Zona Oeste era considerada uma área isolada do restante da cidade. Os moradores
realizavam grandes deslocamentos utilizando pelo menos dois meios de transporte: o trem e o
ônibus. As estações de trem polarizam os meios de transporte, constituindo-se em pequenos
centros rodoviários (Britto, 1990).
A abertura da periferia à expansão urbana foi viabilizada por obras públicas nas
décadas de 30 e 40, como o saneamento dos rios Acari e Meriti; eletrificação da Rede
Ferroviária Central do Brasil e a instituição da tarifa ferroviária única, assim como o início da
construção da Avenida Brasil. Na década de 50, a região tornou-se um dos vetores de
expansão urbana da cidade, devido à produção de lotes populares. Nos anos 70, a implantação
3 A Zona Oeste da cidade é caracterizada como periferia. Segundo Maricato (1982), periferia urbana é “o espaço de residência da classe trabalhadora ou das camadas populares”.
69
de conjuntos habitacionais, devido à política de remoção de favelas, contribuiu ainda mais
para a consolidação urbana da região.
Os principais fatores que apontaram para o processo de periferização, foram as
condições salariais, os programas de remoção de favelas e renovação urbana. A periferia
atraía a população de baixa renda pelos baixos custos, devido à informalidade nas relações
entre compradores, corretores e loteadores. A periferia sempre foi conhecida como o lócus da
população de baixa renda; dessa forma, ela passa a imagem de local homogêneo e com padrão
de produção do espaço, fundamentado no binômio loteamento – autoconstrução.
Mas foi a partir da década de 80 que a Zona Oeste expressou maior crescimento
populacional, em torno de 27,2% em relação à década anterior. Segundo dados do IPP (1998),
até 1987 existiam 492 loteamentos irregulares. Eles surgiram a partir dos anos 40, se
intensificando nas décadas de 60 e 70. Em relação à infra-estrutura, esses assentamentos se
assemelhavam às favelas tradicionais localizadas no núcleo. O quadro abaixo apresenta a
evolução da produção de lotes na Zona Oeste:
Tabela 2 - Produção de Lotes por Tipo de Agente
Década de 40 Década de 50 Década de 60 Década de 70 Década de 80 Agente Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Loteador 6.788 58.8 36.661 53.6 18.379 52.4 11.688 46.1 880 8.2
Empresa 4.749 41.2 31.578 46.4 16.645 47.6 13.637 53.9 9.823 91.8
Total 11.537 100.0 68.189 100.0 35.024 100.0 25.325 100.0 10.703 100.0
Fonte: Ribeiro, L.C.Q et. Alii, 1998
Observa-se, que a partir da década de 60, a produção, via loteador, começa a cair,
chegando na década de 80 com uma queda de aproximadamente 84% na produção, enquanto
subia a produção empresarial voltada para os segmentos de renda média. A década de 80
apresentou uma peculiaridade em relação às outras, no que se refere ao agente produtor.
Contrariando a tendência observada nas décadas anteriores, onde o loteador descapitalizado e
as empresas loteadoras dividiam a produção; na década de 80, o primeiro, praticamente,
desaparece de cena.
O Estado direcionou boa parte dos investimentos na Zona Oeste para o
desenvolvimento do setor industrial, através do Plano de Distritos Industriais, de Campo
Grande; Paciência; Palmares; Santa Cruz; o Pólo Industrial de Sepetiba e do Plano de
Integração do Pólo Petroquímico de Itaguaí. No entanto, o processo de urbanização não se
70
articulou a esta industrialização. As indústrias que se instalaram (Michelin, Vale Sul,
Consigua, Casa da Moeda), são tecnologicamente modernas e não absorveram a mão de obra
local (Britto, op.cit.).
Apesar do loteamento ser a forma predominante de produção do espaço, outras formas
compõem o espaço periférico, como os conjuntos habitacionais, condomínios de residências
unifamiliares e pequenos edifícios residenciais (Britto, 1990). No entanto, é a única área da
cidade onde ainda existem grandes glebas e estoque de terras a baixo custo, tornando-a área
de fronteira para o capital imobiliário.
Pereira (2002), observou que nas últimas duas décadas, a Zona Oeste vem aumentando
significativamente o número de empreendimentos imobiliários. Na primeira metade da década
de 90, a produção empresarial de moradias na AP 4, passou de 36% para 78%; e na AP 5 os
investimentos imobiliários aumentaram de 4% para 7% em relação à década anterior.
Apesar de em menor número, as favelas também já faziam parte do cenário da Zona
Oeste da cidade. As favelas existentes têm características bastante distintas das tradicionais, a
maior parte delas, apresenta baixa densidade, são localizadas em áreas planas, com casas
isoladas com quintal, assemelhando-se aos loteamentos. De modo geral, as favelas
desenvolvem um ciclo que começa com a invasão, a maior parte das vezes isoladas, passam
por um processo de adensamento e auto-urbanização, de organização dos moradores para
pressionar o Estado para garantia do direito de posse e melhorias urbanas. Esse ciclo se fecha
com a regularização.
Segundo Britto (op. Cit.), as primeiras invasões na Zona Oeste foram feitas por uma
ou mais famílias, ou agentes que se apropriaram de áreas privadas abandonadas ou públicas,
loteando-as, para depois cede-las ou vende-las, com a evolução das favelas na cidade.(ver
Figuras 1 e 2 no Anexo I). Na figura 2, as setas indicam que, a partir de 80, ocorreu o
crescimento do número de favelas na região, preponderantemente, creditado à migração intra-
urbana.
Cabe ressaltar, que o padrão periférico de ocupação, caracterizado pela autoconstrução
em loteamentos populares, vem sofrendo alterações, principalmente devido à produção de
loteamentos regulares, voltados para uma população de maior renda. Como conseqüência
deste processo de elitização de algumas áreas da Zona Oeste, observa-se a expansão
significativa das favelas, ou seja, com a crise na produção extensiva de loteamentos
irregulares, a população pobre tende a se fixar em áreas invadidas, formando favelas. No
entanto, essas favelas se distinguem das tradicionais quanto á forma de ocupação e
estruturação do espaço, se assemelhando aos loteamentos ilegais existentes na região.
71
1.2. A Região Administrativa de Jacarepaguá
A Região de Jacarepaguá está limitada pelo Maciço da Pedra Branca ao sudeste, pelo
Maciço da Tijuca a sudoeste e ao sul, pelas Lagoas de Jacarepaguá, Camorim e Tijuca.
A RA VI – Jacarepaguá é formada pelos bairros de Anil, Cidade de Deus, Curicica,
Freguesia, Gardênia Azul, Jacarepaguá, Pechincha, Praça Seca, Tanque, Taquara e Vila
Valqueire. A região possui uma área de 12.771 ha, que abriga uma população de 507.698
habitantes, segundo o Censo 2000.
Apresentaremos, a seguir, um retrato da região a partir do pré-diagnóstico realizado
pelo Plano Estratégico da Cidade, em que foram analisados os dados extraídos de fontes
oficiais, de reuniões regionais e da Pesquisa de Percepção da População.
Apesar da estabilidade no crescimento populacional da AP 4 na década de 90 em
relação à década de 80, a RA de Jacarepaguá apresentou queda no percentual do incremento
populacional, passando de 35,63% no período 1980/1991, para 16,0% no período 1991/2000.
Os bairros que mais cresceram em termos populacionais foram Gardênia Azul (27%),
Jacarepaguá (17%) e Tanque (11%), creditado ao fluxo migratório para a região. Os estudos
72
realizados pelo Plano Estratégico estimaram uma taxa migratória de 8%, equivalendo a 39 mil
imigrantes. O quadro abaixo mostra a evolução do crescimento populacional nos bairros da
região na década de 90.
Em relação à atividade econômica na região, 88% dos 7.900 estabelecimentos são dos
setores de comércio e serviços. Atualmente é caracterizada por ser a terceira maior região
empregadora do município, ocupando a sétima posição no critério do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), classificada como de médio-alto índice (IDH=0,800).
Apesar disso, a renda média da população, de 5 salários mínimos, está abaixo da
média da cidade, que é de 6 salários mínimos, com exceção dos bairros da Freguesia e do
Anil, cujos moradores possuem renda média de 8 salários mínimos, e de Vila Valqueire e
Pechincha, com cerca de 7 salários mínimos de renda média. O quadro abaixo apresenta a
renda média dos moradores em cada bairro.
73
Quadro – Renda Média da RA XVI – Jacarepaguá
Em relação à educação, a taxa de alfabetização equivale à média da cidade (92,6%), e
o índice de escolaridade superior é de 16%, abaixo da média da cidade (18,2%). O quadro
abaixo mostra que os bairros de Jacarepaguá e Cidade de Deus possuem a menor taxa de
alfabetização da RA, enquanto os bairros da Pechincha e Vila Valqueire têm a taxa mais
elevada, correspondendo às áreas de maior renda da população.
74
Quadro – Taxa de Alfabetização da RA XVI - Jacarepaguá
A partir de dados oficiais e da pesquisa de percepção realizada pelo Plano Estratégico
do município, identificaram-se os principais problemas do bairro, assim como suas
potencialidades. Dentre os problemas apontados pelos dados oficiais, destacam-se a alta
densidade domiciliar; alta mortalidade infantil (principalmente nos bairros de Jacarepaguá e
Cidade de Deus); baixa oferta de trabalho; e renda média baixa.
A pesquisa de percepção destacou como pontos negativos, a violência; sistema de
transportes deficiente; carência de unidades de saúde e falta de opções de lazer. Além disso,
os serviços urbanos como infra-estrutura básica; manutenção dos equipamentos urbanos; e
oferta de creches e escolas de primeiro e segundo grau, foram considerados pelos moradores
como bastante deficitários.
Nos aspectos positivos, a população apontou a boa oferta de rede bancária, de
comércio e de serviços, além dos aspectos culturais e ecológicos. Já os dados oficiais indicam
75
como potencialidades da região, a oferta de imóveis territoriais e as boas condições para o
desenvolvimento infantil.
1.3. A Região Administrativa de Bangu
A RA XVII – Bangu é formada pelos bairros Bangu, Senador Camará e Padre Miguel.
A região cobre uma área de 67,81 Km², abrigando uma população de 420.503 habitantes,
sendo que destes, 74.925 (17.8%) residem em favelas, segundo o Censo 2000.
Quadro – Bairros que compõem a RA XVIII - Bangu
A RA de Bangu possui um total de 125.821 domicílios, sendo que 20.842 (16.6%)
estão em favelas. Os domicílios, em geral, são bem atendidos no que se refere ao
abastecimento de água e coleta de lixo, porém apenas 60% têm esgotamento sanitário ligado à
rede oficial.
A renda média da população é em torno de 4 (quatro) salários mínimos, bem abaixo da média
da cidade (seis salários mínimos).
76
Em relação à educação, a taxa de alfabetização está abaixo da média da cidade
(84,0%), assim como o índice de escolaridade superior (1,8%), bem abaixo da média da
cidade (18,2%). O quadro abaixo mostra que o bairro de Senador Camará possui a menor taxa
de alfabetização da RA (86%), enquanto que nos bairros de Bangu e Padre Miguel, a taxa
varia entre 89% e 93%.
Quadro – Taxa de Alfabetização da RA XVII - Bangu
77
Quadro – População com Nível Superior
Os dados oficiais e da pesquisa de percepção realizada pelo Plano Estratégico do
município, identificou os principais problemas dos bairros da região de Bangu como um todo,
assim como suas potencialidade. Dentre os principais problemas, destacam-se a pouca oferta
de serviços de saúde, na área cultural e problemas ambientais ligados, principalmente, à
poluição visual e drenagem. Os dados oficiais chamam a atenção para a alta mortalidade
infantil, o baixo índice das condições de vida (ICV=0,767), e renda média baixa.
Nos aspectos positivos, a população apontou a boa oferta de rede bancária, de escolas
de primeiro grau e pré-escolar, e bom atendimento dos serviços urbanos de infra-estrutura
básica.
78
2. Evolução das Favelas na Cidade do Rio de Janeiro
Segundo Taschner (2003), apesar da população brasileira, entre 1991 e 2000, ter
crescido pouco (1,63% ao ano), resultado da queda da fecundidade, em 2000 registrou-se
aumento de 717 favelas em todo o país, cerca de 22,5% em relação ao Censo de 91,
totalizando 3.905 favelas. De acordo com a autora, as possíveis causas para a existência de
favelas nos grandes centros urbanos, seriam o estágio do desenvolvimento econômico; a
atuação do poder Público Local; e a estrutura da propriedade da terra urbana.
No Estado do Rio de Janeiro registrou-se, em 2000, 811 favelas, sendo que 513 delas
encontram-se no município do Rio de Janeiro. Como as favelas cresceram no município do
Rio de Janeiro?
• Adensamento das favelas – número de domicílios cresceu mais em relação à
população;
• O crescimento da população foi mais expressivo nas áreas de maior taxa de expansão
urbana;
• Possível relação entre o crescimento do número de favelas e expansão das existentes,
com a valorização proveniente da ação do poder público em urbanização;
• Relação entre a urbanização interna e sua taxa de expansão, assim como a melhoria do
padrão habitacional e maior mobilidade intra e inter favelas.
Nos próximos itens avaliaremos a evolução das favelas na cidade do Rio de Janeiro,
procurando estabelecer relações com a dinâmica urbana, com a conjuntura econômica, e com
as políticas recentes, que tal como ocorre no Peru, vêm contribuindo para mudar a imagem da
favela, tornando-a, pressupostamente, atrativa para aqueles que não têm acesso ao mercado
formal. Apresentaremos um quadro geral da evolução da expansão das favelas na cidade, que
servirão de referência aos estudos de caso apresentados no próximo capítulo.
2. 1. A Evolução das Favelas até a década de 80.
A primeira favela no Rio de Janeiro surgiu no final do século XIX, com a ocupação do
Morro da Providência por sobreviventes da Guerra dos Canudos. A denominação “favela” se
refere a uma planta típica da caatinga nordestina, encontrada no sertão de Canudos. A favela
aos poucos foi se tornando forma de moradia daqueles diretamente afetados pelas
transformações desencadeadas pela transição de uma economia mercantil-exportadora, para a
capitalista-industrial, que provocou grande impacto na organização do espaço urbano,
principalmente em conseqüência do aumento populacional provocado pelas migrações
internas e estrangeiras.
79
Em 1903, a cidade do Rio de Janeiro passou por programas de reforma urbana, com o
objetivo de higienizar a cidade, promovidos pelo Prefeito Pereira Passos, desencadeando
grandes demolições dos cortiços nas áreas centrais. Com a demolição de grande parte das
habitações precárias no centro, a população pobre foi obrigada a deslocar-se para os subúrbios
ou ocupar os morros da cidade, principalmente os do centro, pela proximidade ao local de
trabalho, já que os meios de transporte da época, além de serem estratificados, eram
ineficientes no atendimento à demanda.
Segundo descreveu Bonilla (s/d: 74), “As favelas se arrastam desordenadamente
morro acima, dividida por labirintos e valas que servem como canos de esgoto” . O autor,
que estudou as favelas do Rio de Janeiro na década de 60, considerava que a sua formação
devia-se, em parte, à migração dos moradores dos cortiços removidos das áreas centrais. Para
Bonilla (op. cit.), o crescimento da favela estava relacionado também ao fluxo migratório
campo-cidade, ao crescimento demográfico, à excessiva concentração da indústria e comércio
em poucas cidades e, finalmente, à absoluta ausência de controle sobre o processo de
expansão urbana, que não considerava as necessidades habitacionais da população de baixa
renda, permitindo a especulação imobiliária.
Novos locais de ocupação começaram a surgir no início da década de 20 – os
subúrbios passaram a ser ocupados devido à presença das indústrias, assim como também a
Zona Sul, pelo desenvolvimento de moradias de alto padrão. A necessidade de controlar o
crescimento urbano na Zona Sul foi um dos fatores que incentivou o surgimento do Plano
Agache, no governo de Prado Júnior em 1927. O Plano tinha como premissas, a ordenação e
embelezamento da cidade, seguindo critérios funcionais e de embelezamento (Abreu, 1997:86
apud Vial, 2001:10). Assim, o Plano propunha a erradicação das favelas, para desocupar áreas
nobres da cidade, evitando a “mistura” de classes, pois eram consideradas anti-higiênicas e
ameaçavam a paisagem urbana, impondo externalidades negativas às classes de alta renda.
A favela foi pela primeira vez tratada como um problema urbano pelo Plano Agache,
que creditou seu crescimento à falta de opção de moradia próxima ao local de trabalho para os
operários pobres, e às dificuldades em se obter licenças para construir, devido à burocracia e
taxas altas (Abreu, 1997).
Entre os anos 30 e 64, a cidade consolidou o processo de estratificação social: a classe
alta ocupou a Zona Sul, a média passou a ocupar a Zona Norte, e os pobres foram
“empurrados” para os subúrbios e periferias. O mapa a seguir mostra a evolução das favelas
na cidade, até os anos 30.
69
Legenda Favelas surgidas entre 1900 e 1930
Favelas surgidas até 1900
FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1930
Fonte: Vial, 2002
81
O processo de crescimento demográfico e industrial se intensificou a partir de 1930.
As indústrias se deslocaram da área central em direção aos subúrbios, incentivadas pelos
investimentos públicos nas ferrovias (Leopoldina, Rio D’Ouro e Auxiliar), e pela definição,
pelo Estado, de uma zona industrial na cidade, fora das áreas centrais e sul; e mais tarde, em
1946, com a abertura da Av. Brasil.
As zonas suburbanas eram divididas em Zona Suburbana I, formada pelos bairros
Engenho Novo, Méier, Inhaúma, Piedade, Irajá, Madureira, Penha e Jacarepaguá, e Zona
Suburbana II, formada pelos bairros da Pavuna, Anchieta e Realengo. A evolução da forma
urbana da cidade, no período entre 1930 e 1950, foi marcada pela expansão das favelas. A
década de 40 foi o período de maior proliferação das favelas, inclusive ao longo da Av.
Brasil, pela proximidade das indústrias, seguindo a trajetória de ocupação da cidade, e
incentivada ainda pela abertura da Av. Presidente Vargas, que expulsou a população pobre do
centro da cidade, definitivamente.
No início dos anos 40, a abertura da Av. Rio Branco, o desmonte do Morro do Castelo
e a abertura da Av. Presidente Vargas, não somente requereu a demolição dos cortiços e
cabeças de porco, mas também impulsionou o aumento do valor da terra nas áreas centrais.
Grande parte dessa população removida, aliado ao crescente fluxo migratório, promoveu o
surgimento e crescimento das favelas ao longo de rios e linhas de trem. Em 1948 já existiam
105 favelas na cidade, com uma população de 138.837 hab., correspondendo a 7% da
população do Distrito Federal. Essas favelas concentravam-se na área suburbana (44% das
favelas e 43% dos moradores), na zona sul (24% e 21%, respectivamente) e na zona norte
(22% das favelas e 30% dos moradores).
A partir dos anos 40, a favela passa a ser considerada como uma questão habitacional
a ser controlada e regulada. Nessa época, a importância da localização próxima ao trabalho,
explicava a concentração das favelas nas principais áreas geradoras de emprego – subúrbios e
centro – devido às indústrias, e zona sul, devido à construção civil e serviços domésticos.
No período entre 1950 e 1964, vários fatores incentivaram a ocupação dos subúrbios e
da periferia do município, dentre eles a ausência de política urbana voltada para suprir o
déficit habitacional decorrente das ações passadas, crise econômica, valorização do solo nas
áreas centrais, mas, principalmente, a redução do valor dos transportes coletivos. (Vial, 2001)
A Política Habitacional deste período voltava-se, exclusivamente, à construção de
conjuntos habitacionais, financiados pela Caixa Econômica e Institutos de Previdência. Para
as classes de maior renda, grandes empreendimentos imobiliários foram incentivados, através
69
Legenda Favelas surgidas entre 1900 e 1930
Favelas surgidas até 1900
FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1930
Fonte: Vial, 2002
82
de provisão de infra-estrutura urbana, principalmente na zona sul, incluindo a erradicação de
algumas favelas localizadas em áreas de interesse imobiliário.
A partir de 1964, a cidade cresce em direção a São Conrado e Barra da Tijuca. A
oferta de emprego na construção dos prédios luxuosos atrai imigrantes recém-chegados das
áreas mais pobres do país, principalmente do nordeste, embora a taxa de migração tenha
sofrido uma queda comparada à década anterior, dando início à formação de favelas nas
encostas íngremes da região. Podemos ver no próximo mapa, o avanço das favelas em todo o
município até 1964.
83
Legenda Favelas surgidas entre 1931 e 1964
Favelas surgidas entre 1900 Favelas surgidas até 1900
FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1964
Fonte: Vial, 2002
84
2.2. O Crescimento das Favelas a Partir da Década de 80
A partir da década de 80, devido à política de urbanização de favelas, desencadeada
pela pressão dos movimentos sociais e à falência do SFH – Sistema Financeiro de Habitação,
observa-se maior crescimento dos assentamentos informais. O processo de
transformação/evolução do espaço interno das favelas, desencadeado por essas políticas,
possibilitou que estas se expandissem sob características peculiares: a partir dos anos 80,
começaram a surgir uma série de ocupações caracterizadas por traçados regulares e
planejados, semelhantes aos loteamentos. O objetivo dos invasores é a reivindicação futura da
regularização da ocupação. Após a invasão, os organizadores procuram formas de obterem a
regularização da posse, através da compra da gleba. Essa é uma estratégia de organização do
espaço diferente das favelas tradicionais das décadas anteriores. A ocupação, em geral, é
organizada coletivamente, seguindo estratégia de obtenção de informações sobre a situação
jurídica das glebas4 e busca de apoio das ONG’s (Organizações Não-Governamentais), igrejas
e políticos locais.
A maior parte dos invasores já possui experiência urbana, ou seja, já residem na
cidade. Ao falarem da área ocupada, não a definem como favela, talvez como forma de
facilitar a regularização ao se considerarem parte da cidade, integrados ao entorno. Esta é uma
hipótese que pretendemos comprovar, e que se encontra diretamente relacionado ao que
Santos (1993) já havia apontado, sobre a influência das transformações dos fatores políticos e
sociais na estrutura urbana, e como eles têm relação com os comportamentos individuais dos
agentes, ou seja, os espaços da cidade são ocupados/apropriados seguindo as especificidades
dos contextos econômicos, políticos e sociais. Santos (op.cit.). Segundo este autor, as
principais tendências identificadas foram os adensamentos das favelas consolidadas, as
ocupações coletivas de áreas vazias e as favelas dos logradouros públicos (sob viadutos, ao
longo dos canais e vias férreas), constituindo tipologias habitacionais distintas em função da
forma de ocupação.
No contexto intra-urbano, nos anos 80, a população favelada do município do Rio de
Janeiro cresceu a uma taxa de 2,6% ao ano, enquanto a população em geral crescia a uma taxa
de 0,6% ao ano. Neste período surgiram 200 favelas, implicando em uma maior participação
da população favelada nas diferentes regiões da cidade. Dos 240 mil novos favelados do
período 80-91, apenas 30% eram migrantes de longa distância (17% nordestinos, 7% do
interior do Estado do Rio e 6% de outras regiões do país). A população que já residia no
4 Observa-se tendência de ocuparem áreas privadas abandonadas, em geral, de pouco valor comercial (inundáveis, com restrições urbanísticas, etc.)
85
município do Rio de Janeiro em 1980 foi responsável por 70% do incremento populacional
nas favelas no período 1980-91.
Na década de 90, esse processo se intensifica diante da crise do Estado e sua
incapacidade de promover uma política habitacional que atenda à população mais pobre.
Observa-se a retomada dos movimentos sociais urbanos, aliado à intervenção dos organismos
internacionais multilaterais – Banco Mundial (BIRD) e Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) – com ênfase na participação comunitária, mutirões e iniciativas
cooperativistas.
O IPP (Instituto Pereira Passos) revelou em estudo recente, baseado nos dados do
Censo-IBGE 2000, que enquanto a população da cidade entre 1991 e 2000 cresceu 3,6%, a
população residente em favelas cresceu 23,9%. Esse crescimento aconteceu principalmente na
Zona Oeste e Baixada de Jacarepaguá. A AP 4 teve um crescimento de 8,0% a . a , e a AP 5
cresceu a uma taxa de 4,8% a . a na última década. Das 200 favelas que surgiram a partir de
80 até 1996, 136 delas estão localizadas nas AP’s 4 e 5. É importante destacar que metade
destas, são setores censitários com concentração de 50% ou mais da população com renda
familiar per capita de até ½ s.m. A tabela abaixo mostra a evolução das favelas na cidade por
Área de Planejamento.
Tabela 3 – Número de favelas e População residente – 1980-1991-2000 População residente em setor
subnormal Número de Favelas Áreas de
Planejamento 1980 1991 2000 1980 1991 1996
Incr.Pop. 80/91 (%)
Incr.pop.91/00%)
AP 1-Centro 92.119 85.588 77.245 45 42 58 -7,1 -9,7
AP 2-Sul/Norte 114.638 127.561 146.380 48 47 53 11,3 14,7
AP 3-Suburbio 417.268 479.661 545.011 196 184 242 14,9 13,6
AP 4-Barra/Jacarep. 26.548 72.182 144.298 39 86 113 171,9 100,0
AP 5-Oeste 70.644 117.491 179.849 46 81 108 66,3 53,1
MRJ 721.217 882.483 1092.783 374 440 574 22,4 23,8
Fontes: Anuário Estatístico do Rio de Janeiro-98 e IPP-2001
O surgimento de novas favelas, predominantemente nas regiões periféricas do
município, aponta para uma alteração na forma de estruturação do espaço periférico, como
este era definido nos anos 60 e 70, ou seja, local distante do centro, onde a classe trabalhadora
se reproduz em loteamentos irregulares e/ou clandestinos, precários, sem infra-estrutura e
equipamentos coletivos. Essa alteração é conseqüência de três processos em curso: i-a retração
86
do padrão de crescimento periférico caracterizado pela produção de lotes populares, ii-atuação
de novos agentes imobiliários atuando para uma demanda de maior renda, geradora de
demanda por serviços; e iii-a valorização dos imóveis nas favelas do núcleo/consolidadas.
Até o início da década de 80 a Zona Oeste, a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, tinham
pouca oferta de domicílios em favelas. As favelas da primeira geração de migrantes abriam
mão da aquisição de terreno na periferia para poder desfrutar do “morar perto”, localizando-se
nas áreas centrais e subúrbio. O crescimento da população residente em favelas nessas regiões
pode ser explicado, entre outros fatores, pela inexistência de oferta no mercado oficial para
população de baixa renda, e pela saturação da oferta nas favelas consolidadas/centrais, e ao
valor do “morar perto”, que vem se tornando cada vez mais alto. O mapa a seguir mostra o
crescimento das favelas até a década de 90.
87
Legenda Favelas surgidas entre 1965e1995
Favelas surgidas entre 1931e1964
Favelas surgidas entre 1900e 1930
Favelas surgidas até 1900
FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1995
Fonte: Vial, 2002
88
Conforme Guimarães (2000), em Belo Horizonte as favelas resistem como forma de
estratégia de sobrevivência e de moradia, e são expressão do aumento da desigualdade social,
no processo de produção e apropriação do espaço urbano.
O aumento do número de invasões demonstra a dificuldade de acesso à moradia pela
população de baixa renda, devido, como já mencionamos, à ausência de uma política
habitacional e à piora das condições de vida da população. O crescimento das favelas não é
provocado apenas pela migração interna em busca de melhores condições de vida, mas
principalmente por famílias que já se encontram na cidade, e que se mudam para acessarem a
casa própria.
Para Carvalho (op.cit.), esse é um processo inerente às mudanças no modo de
produção capitalista – flexibilização da economia, trazendo impactos no processo de
urbanização, ou seja, a reestruturação econômica equivaleria a uma reestruturação urbana.
Além dos aspectos espaciais, houve acréscimo do nível de empobrecimento da população e
expansão da informalidade na economia. A autora considera a expansão das favelas um
fenômeno decorrente do conflito entre necessidades de reprodução da força de trabalho e
condições da estruturação da cidade. O conflito reflete o jogo de forças entre as necessidades
de reprodução do capital e de reprodução da força de trabalho.
A expansão das favelas seria resultado do acirramento do empobrecimento da
população, decorrente das transformações econômicas e sociais, e da expansão da
informalidade na economia. Outro fator apontado para o crescimento das favelas nesse
período, é o aumento do valor dos aluguéis. No entanto, Carvalho (op. cit.) argumenta que
concomitante à queda dos salários, caiu também o valor dos aluguéis na década de 80.
Baseado nos dados do Cadastro de Favelas do IPP, observou-se que o nº de domicílios
cresceu mais em relação à população entre 1980 e 1991, demonstrando um processo de
adensamento. Segundo Carvalho (op. cit.), a expansão de favelas na AP 5 estaria associada à
existência de vazios urbanos. A AP 5 dispõe de 57,2% do total de lotes existentes em todo o
município. As principais causas para o crescimento das favelas na década de 80, apontadas
pela autora, foram maior mobilidade residencial inter favela e bairro – favela; o morador
construiu mais um ou dois pavimentos ou subdividiu seu lote para vender ou alugar como
fonte de renda; crescimento vegetativo da população; e mudanças no ciclo de vida familiar.
89
De modo geral, o crescimento das favelas ocorreu de três formas:
• Adensamento - que se caracteriza pelo crescimento de unidades residenciais por
ocupação de áreas livres, por subdivisão de lotes ou mudanças de uso de áreas internas
à favela, ou por verticalização, não ocorrendo mudança nos limites da favela;
• Expansão – Há aumento da área ocupada, modificando os limites territoriais da favela;
• Surgimento de novas.
Na década de 80, a maior parte (80%) das favelas consolidadas cresceu por adensamento.
As principais causas foram, por um lado, o empobrecimento da população, que passou a
incluir a favela em sua trajetória residencial5; e por outro, a necessidade de aumentar a renda
familiar, levando os moradores a construírem um ou mais pavimentos para alugar ou vender.
Outra justificativa para o adensamento foi o crescimento vegetativo, e mudanças no ciclo de
vida familiar.
Apesar da desaceleração no crescimento populacional nas últimas duas décadas,
observa-se que em relação à população residente em favelas, o índice de crescimento
aumentou. A tabela abaixo mostra que todas as áreas apresentaram incremento relativo da
população residente em favelas. Cabe destacar o aumento expressivo da participação da AP 4
e 5, e a concentração de 50,0% da população residente em favelas na AP 3, que deve o
incremento populacional ao adensamento e expansão das favelas existentes.
Tabela 4 – População Total, População Residente em Favelas e sua Participação Relativa em relação à População Total nas Áreas de Planejamento – 1991 e 2000
População Total
Pop. Resid. em Favelas
Participação Relativa (%)
População Total
Pop. Resid. em Favelas
Participação Relativa
(%)
Áreas de Planejamento
1991 2000 AP 1 303.695 79.233 26,09 268.280 77.245 28,79 AP 2 1.034.612 136.894 13,23 997.478 146.380 14,68 AP 3 2.323.990 473.673 20,38 2.353.590 545.011 23,16 AP 4 526.302 73.875 14,04 682.051 144.298 21,16 AP 5 1.292.179 118.992 9,21 1.556.505 179.849 11,55 Total 5.480.778 882.667 16,10 5.857.904 1.092.783 18,65
Fonte: Relatório da Agrar – Maio/2002 e Censos Demográficos IBGE 1991 e 2000.
5 Carvalho (1996) identificou que 57,0% dos moradores que ocupavam a área de expansão da Favela Morro da Fé, vieram de bairros de melhor condição urbanística e ocupavam moradias de qualidade inferior à de origem.
90
A Área de Planejamento (AP) que possui maior número de população morando em
favelas, em relação à população total da cidade é a AP 1 – Centro, cuja participação relativa
em relação à população total em 2000, foi de 28,79%. No entanto, foram as AP 4 – Barra da
Tijuca e Jacarepaguá, e AP 5 – Zona Oeste, que apresentaram maior crescimento absoluto e
relativo da população residente em favelas. A AP 4 aumentou sua participação relativa em
50,7%, e a AP 5 aumentou em 25,0%, enquanto nas outras áreas o aumentou variou entre 10,0
% e 13,0%.
Analisando a década anterior, observa-se que no período 1991/2000, o crescimento da
população residente em favelas continuou superior ao da população como um todo. Na década
de 80, a população total do município cresceu 7,67%, enquanto a população residente em
favela cresceu 23,09%. Na década de 90, enquanto o índice da população total caiu para
6,88%, o da população favelada cresceu para 23,80%, conforme apresentado na tabela abaixo.
Tabela 5 – População Residente em Favelas e Incremento absoluto e relativo nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000
Áreas de Planejamento
1980 1991 Incremento Absoluto
Incremento Relativo
2000 Incremento Absoluto
Incremento Relativo
AP 1 92.119 79.233 - 12.886 - 13,99 77.245 - 1.988 - 2,51 AP 2 114.638 136.894 22.256 19,41 146.380 9.486 6,93 AP 3 416.307 473.673 57.366 13,78 45.011 71.338 15,06 AP 4 26.985 73.875 46.890 173,76 144.298 70.423 95,33 AP 5 67.017 118.992 51.975 77,55 179.849 60.857 51,14 Total 717.066 882.667 165.601 23,09 1.092.783 210.116 23,80
Fonte: Relatório da Agrar – Maio/2002 e Censos Demográficos IBGE 1980, 1991 e 2000
Chama a atenção a perda populacional nas favelas da AP 1 na década de 80, com
menos 12.886 habitantes. Na década de 90 a área continua perdendo população, mas ela é
bem menos expressiva que a da década anterior, contabilizando-se menos 1.988 moradores.
A AP 2, que na década de 80 teve um incremento absoluto de 22.256 moradores em favelas,
na década de 90 esse incremento foi reduzido para 9.486 habitantes. Esse fato, comparando-se
com a AP 3, que apresentou aumento nos incrementos absoluto e relativo, e com as AP’s 4 e
5, que apresentaram aumento no incremento absoluto, pode indicar que a área tradicional na
preferência de localização da população favelada, está em processo de saturação de sua
ocupação, restringindo tanto sua ocupação horizontal quanto vertical, seja por falta de espaço
físico, seja pela valorização imobiliária dessas favelas com as obras de melhorias urbanas
91
empreendidas pelos programas de urbanização e legalização de favelas, que impedem seu
acesso à população mais pobre.
Apesar da queda no incremento relativo entre as duas décadas nas AP’s 4 e 5, essas
áreas ainda se mantêm como vetores de crescimento tanto da população como um todo,
quanto da população residente em favelas.
De modo geral, até a década de 80, podemos citar como principais causas tanto do
crescimento do número de assentamentos habitacionais, denominados favela, como do
adensamento das existentes, os seguintes fatos:
• A abolição da escravatura, que gerou grande demanda de desempregados e
desabrigados;
• Colapso econômico das áreas rurais, aliada à atração de oferta de trabalho urbano no
início da industrialização, gerando um crescente êxodo rural até o final da década de
70;
• Implantação da Reforma Passos6, desabrigando grande parte da população pobre que
habitava os cortiços7 das áreas centrais, demolidos com a reforma (Vial, 2001).
A partir de 80, os principais aspectos da evolução das favelas seriam:
• Mudanças na dinâmica do crescimento metropolitano, principalmente o colapso na
produção de lotes devido ao encarecimento da terra e perda da capacidade de
endividamento dos trabalhadores.
• Políticas de reconhecimento das favelas e dos loteamentos irregulares e clandestinos
como solução dos problemas habitacionais desenvolvidos desde o final da década de
70 e intensificados a partir do governo Brizola, que propunham a legalização da posse
da terra e a urbanização das favelas, reduzindo as incertezas de remoção e criando
expectativas de melhoria das condições de vida.
• As favelas também voltam a crescer por razões relacionadas ao mercado de trabalho e
imobiliário. A precarização do trabalho gera instabilidade da renda, impedindo o
acesso ao loteamento periférico e à autoconstrução da moradia, além dos altos custos
de deslocamento com a mudança para a periferia da Região Metropolitana. A
localização nas favelas centrais permite a inserção no mercado de trabalho. 6 As intervenções da Reforma Passos, iniciada em 1903, visavam promover o progresso e o embelezamento da cidade. 7 Os cortiços e as Vilas Operárias eram, até o início do séc. XIX, a principal forma de moradia dos pobres urbanos na cidade do Rio de Janeiro. Para uma discussão mais detalhada ver Ribeiro (1986).
92
A cidade do Rio de Janeiro se caracteriza pela combinação de dois padrões de
estruturação do espaço. De um lado, o padrão centro-periferia, amplamente discutido pela
literatura dos anos 70 e 80, marcado por um centro (rico), provido de serviços e infra-estrutura
e a carência da periferia (pobre). De outro lado, a existência de favelas nas áreas centrais, que
rompe com a distância física entre ricos e pobres.
No entanto, nas décadas de 70 e 80, ao morador pobre da periferia era garantido a
propriedade de um lote, que embora em muitos casos irregular (clandestino), não lhe conferia
o estigma de invasor, produtor da ilegalidade, tal qual se atribui aos moradores de favela da
cidade. Essa era, basicamente, a principal diferença entre os pobres urbanos, moradores de
favela e de loteamentos periféricos8.
A partir dos anos 80, a retração da produção de loteamentos na periferia do município
para a população de baixa renda, a crise econômica e a valorização de algumas áreas da
periferia pela expansão das atividades imobiliárias na região, foram o ponto de partida para as
mudanças, em curso, nas formas de acesso à moradia para os segmentos de baixa renda, e
conseqüentemente, na estruturação do espaço periférico, o que nos leva a repensar a clivagem
entre favelas e loteamentos periféricos, que apresentam sinais de que essa distinção não se
sustenta atualmente, que paradoxalmente, são explicados por processos de empobrecimento
da população e melhoria das condições habitacionais na cidade como um todo.
Considerando o quadro apresentado das condições de estruturação do espaço urbano
carioca, em geral, e da periferia do município, em particular, cabe questionar a importância
das ocupações recentes na Zona Oeste da cidade, como elemento estruturador do espaço
periférico, e como estratégia definitiva de acesso à moradia pelos pobres urbanos nas duas
últimas décadas.
O próximo capítulo apresenta o resultado da pesquisa em duas favelas recentes da Zona
Oeste do Rio de Janeiro, que qualifica esse processo.
8 Ao longo das décadas de 1970 e 1980, os espaços periféricos metropolitanos foram tratados como áreas habitadas pela população operária, com inserção precária na estrutura de renda e trabalho, localizados em loteamentos clandestinos/irregulares, em casas auto-construídas e acesso precário a equipamentos e serviços urbanos. Essas condições seriam responsáveis pelas precárias condições de vida nas periferias metropolitanas.
93
CAPÍTULO 3
O ESPAÇO DA FAVELA: DOIS ESTUDOS DE CASO
1. Introdução
Neste capítulo abordaremos a temática central da tese: o processo de produção e
apropriação das favelas na cidade do Rio de Janeiro, através de dois Estudos de Caso, que
expressam a favelização periférica ao longo dos anos 80 e 90.
Os Casos localizam-se em áreas que tiveram aumento expressivo do número de
favelas no período 80-91, mas com características sociais e urbanas diferentes: Jacarepaguá –
área de expansão urbana, predominantemente ocupada pela classe média; e Senador Camará –
área predominantemente ocupada pela classe de baixa renda.
Os Estudos de Caso que serão apresentados a seguir, foram selecionados após intenso
trabalho de campo, que se iniciou com base na identificação das favelas que surgiram a partir
da década de 80. Essa identificação teve como base empírica, o levantamento realizado pelo
IPP – Instituto Pereira Passos, constante no SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa
Renda, disponível no aplicativo MOREI – Módulo de Recuperação de Informações. O
SABREN reúne os dados relativos à localização, histórico de ocupação, dados demográficos e
da infra-estrutura, dos assentamentos de baixa renda cadastrados pela Prefeitura Municipal do
Rio de Janeiro.
Das 200 favelas que surgiram na cidade a partir de 1980, selecionamos 9 (nove) na
região do estudo – Barra da Tijuca/Jacarepaguá e Bangu. O critério de seleção baseou-se no
ano da ocupação, nas mais carentes (renda per capita da população variando entre ½ e 1
salário mínimo), e de preferência, que não tenha sido ou estivesse sendo objeto de programas
de intervenção pública, como por exemplo: Favela-Bairro, Bairrinho, e outros. Dessa amostra,
selecionamos, para estudo de caso, as favelas de Asa Branca, em Jacarepaguá, e Verde é
Vida, em Senador Camará, pois estes bairros estão entre os sete mais informais da cidade. Em
Jacarepaguá, 77,9% dos imóveis não estão na base cadastral tributária da prefeitura; em
Senador Camará, esse percentual é de 71,5%. O resultado detalhado dessa pré-seleção dos
estudos de caso, se encontra no Apêndice Metodológico.
Nas duas favelas aplicamos um total de 137 questionários, que continham questões
fechadas para análise quantitativa dos temas sócio-demográficos e espaciais, assim como
94
questões abertas para análise qualitativa do processo de ocupação e estruturação dos
assentamentos informais recentes. Em Asa Branca foram aplicados 87 questionários, que
representa 15% dos domicílios, e em Verde é Vida aplicamos 50 questionários, referentes a
41% dos domicílios. A maior representatividade de Verde é Vida deve-se ao fato das
dificuldades encontradas em campo, destacando-se a resistência dos moradores em responder
às perguntas. Buscou-se entrevistar os moradores mais antigos, de preferência que tivessem
participado do início da ocupação, os mais recentes e as lideranças locais.
O perfil sócio – demográfico dos moradores das favelas estudadas, será analisado
comparativamente ao perfil dos moradores de setores sub-normais1 (favelas) dos bairros em
que os Casos estão localizados, e também, de moradores de favelas localizadas em
Copacabana, por ser um bairro de classe média e possuir favelas consolidadas. Para
confrontarmos os dados, escolhemos uma favela consolidada, com configuração espacial
tradicionalmente correspondente às definições oficiais de favela, localizada em cada bairro
analisado. Assim, em Copacabana elegemos Pavão-Pavãozinho; em Jacarepaguá elegemos
Rio das Pedras; e em Senador Camará, elegemos a Favela Morro do Sossego. O objetivo era
relacionar o perfil dos moradores das favelas, com a estrutura sócio-espacial do bairro em que
está inserida.
A figura 3, no Anexo I, mostra a localização das favelas objeto de Estudo de Caso na cidade.
Breve histórico da ocupação das Favelas de Asa Branca e Verde é Vida
Na favela Asa Branca, encontramos 4 (quatro) etapas de ocupação. A área ocupada
pela favela, localizada na Av. Salvador Alende, em Jacarepaguá, pertencia a uma herdeira,
mas era administrada por outra pessoa. A propriedade nunca foi confirmada e a primeira
ocupação ocorreu em 1981, na área lindeira ao canal do Rio Pavuninha. A maioria das
pessoas que participou da primeira etapa da invasão (aproximadamente sete casas de
alvenaria), ainda reside no local.
A segunda etapa ocorreu em 1991, pela segunda geração dos primeiros ocupantes.
Invadiram a área em direção à atual Rua Asa Branca, com a intenção de vender os lotes. A
propriedade da área foi reivindicada pela Srª Sodósia, conhecida por marroquina, mas os
1 Setor ou Aglomerado sub-normal é um termo utilizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para definir, para fins de pesquisa censitária, o conjunto (favelas e assemelhados) constituído por unidades habitacionais (barracos, casas, etc.), ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais.
95
invasores resistiram, e como a propriedade não foi confirmada, eles permaneceram. Observa-
se o planejamento da ocupação no traçado das ruas e delimitação de quadras, que se estendeu
até a área que corresponde às ruas A, B e C, ocupadas em 1996, em uma terceira etapa,
conforme mostra a figuras 4 e 5 (Anexo I).
A quarta ocupação ocorreu em outubro de 2001, dois meses antes de nossa visita à
favela. Ocuparam a área contígua a da primeira ocupação, à beira do canal do Rio Pavuninha;
área alagadiça que recebeu aterro de entulhos das obras do Condomínio Rio 2, que faz limite
com a favela.
Quinto dos Infernos – 4ª etapa de ocupação da Favela Asa Branca
96
Quinto dos Infernos – 4ª etapa de ocupação da Favela Asa Branca
Na ocasião de nossa visita à Favela, em 21 de Dezembro de 2001, havia 60 barracos
de madeira, localizados em lotes de 8x15 m. Quando retornamos, um ano depois, já havia
algumas casas de alvenaria substituindo os barracos de madeira, conseqüência da diminuição
da ameaça de remoção.
A última ocupação foi organizada pela Associação de Moradores de Asa Branca, com
a participação dos moradores, mas fica claro, no discurso da liderança local, a influência
política no processo de ocupação, através de intermediação entre advogados que defendem os
interesses dos supostos proprietários, a prefeitura e a polícia. O objetivo da ocupação era
atender aos que moravam de aluguel na própria favela e aos descendentes dos primeiros
moradores, que já na fase adulta, estavam constituindo suas próprias famílias. Para se ter uma
idéia da expansão da favela, em 1991 ela ocupava uma área de 27.946 m² e em 1999 a favela
passou a ocupar uma área de 70.526 m², segundo Sabren -IPP.
97
Entrada da Favela Asa Branca
No caso de Verde é Vida, não conseguimos resgatar o histórico da ocupação, pois dos
cinqüenta entrevistados, apenas vinte e um responderam as questões referentes ao processo de
ocupação e destes, apenas seis haviam participado do início da invasão. A favela está
localizada no Morro da Fazenda do Viegas, com acesso pela Av. Carlos Sampaio Corrêa. A
figura 6 apresenta a localização da favela no bairro (Anexo I).
Segundo o IPP, a invasão iniciou-se em 1990 de forma desordenada. O vice-presidente
da Associação dos Moradores nos informou que a ocupação foi organizada por famílias que
residiam em um conjunto habitacional da COHAB, próximo ao local, impossibilitadas de
continuarem pagando as prestações. Ele informou, que quando chegou ao local, em 1998, teve
que pagar pelo lote, mas atualmente, a Associação de Moradores tem doado barracos a muitas
famílias em condições de pobreza extrema (sem emprego e condições mínimas de
sobrevivência).
98
Favela Verde é Vida
Favela Verde é Vida
99
No próximo item, abordaremos o contexto da pobreza urbana . A relação entre pobreza
urbana e moradia é objeto de estudo desde a década de 70, quando a pobreza urbana era
associada à marginalidade, intrinsecamente relacionada ao habitat do pobre, sendo a favela a
expressão mais contundente dessa pobreza.
Nos anos 80, o paradigma das necessidades básicas e das teorias da redistribuição de
renda, surge, rompendo com as teorias da modernização. A pobreza deixa de ser associada à
marginalidade, e passa a ser observada pela perspectiva da informalidade, se referindo às
características de uma inserção econômico-ocupacional.
Nos anos 90, a adoção de políticas urbanas focalizadas e compensatórias, que
impliquem em aumento da produtividade da cidade, é indicada, pelos organismos
internacionais, como único caminho para se enfrentar a pobreza urbana. No contexto atual é
importante identificar o perfil dos pobres urbanos, diante das mudanças nas favelas
consolidadas e as novas configurações espaciais das favelas recentes.
2. Pobreza urbana: desigualdade e informalidade
Neste item analítico pretende-se avaliar as mudanças no perfil dos pobres urbanos e
contextualizar suas condições de moradia. A partir da complexidade existente nas definições
de pobreza urbana e de quem é o pobre urbano, é importante considerar as definições
multidimensionais, que incorporam as condições culturais, locais e sociais.
A literatura abordada, que reflete sobre o tema da pobreza, demonstra a multiplicidade
dos discursos. A produção sociológica e a econômica abordam o processo de urbanização,
focando as transformações que ocorreram no mercado de trabalho, devido à industrialização e
terceirização. Os discursos se superpõem ao longo do tempo, determinando fases/períodos que
correspondem a uma concepção particular e distinta da pobreza urbana.
Para Valladares (1991), a evolução da concepção de pobreza e pobre tem relação com
a trajetória do processo de urbanização; com as transformações no mercado de trabalho
urbano; com a inserção espacial/residencial da população pobre nas cidades; e com o papel de
ator social e político que vem sendo atribuído às camadas populares ao longo do tempo.
Na verdade, todos esses pontos não são isolados e sim relacionados com o primeiro: a
evolução da industrialização nos grandes centros urbanos. Transformações no mercado de
trabalho, na inserção dos pobres na cidade e seu papel como ator político e social, são
resultado e determinantes do processo de urbanização.
100
Todas as definições de pobreza estão relacionadas a determinadas formas de inserção
dos pobres no meio urbano. Na virada do século, o discurso sobre a pobreza baseava-se na
oposição entre trabalhadores e vadios, onde a moradia desses últimos era o cortiço. A noção
de pobreza nesse período estava associada ao não-trabalho. O pobre era o não trabalhador do
mercado formal, aquele que não era assalariado. Aliada à ociosidade, a pobreza era creditada
ao indivíduo que se recusava a vender sua força de trabalho no mercado capitalista, ou seja,
não era trabalhador porque não queria se submeter ao regime de fábrica. Assim, se consolidou
uma visão dual/polarizada da sociedade urbana: fábrica/mundo do trabalho e da ordem,
constituído por imigrantes brancos versus a rua e cortiço/ mundo do não trabalho e da
desordem, constituído pelos negros libertos e mestiços (Valladares, op.cit.).
A partir dos anos 30 até os anos 40, outra expressão espacial da pobreza urbana se
junta ao cortiço – a favela. Esta se desenvolve e se impõe na paisagem carioca devido,
principalmente, ao desenvolvimento acelerado da urbanização. A pobreza passou a ser mais
visível, já que boa parte dos cortiços foi demolida com a Reforma Passos no início do século
XX. Nesse período surge uma série de mudanças na forma de inserção do indivíduo no
mundo do trabalho, que incluía desde conquistas trabalhistas que garantiam proteção ao
trabalhador, até a instituição de um salário mínimo que atendesse às necessidades básicas de
reprodução social. Essas medidas marcaram diferenças, e reafirmaram a clivagem entre
assalariados e não-assalariados.
Entre as décadas de 50 e 60, a pobreza era focada pela relação da população
marginal/subempregada com a população de baixa renda, que tinha a favela como local de
moradia. Marginalidade – segundo a DESAL (Centro para o Desenvolvimento Econômico e
Social da América Latina), era uma forma específica de estar fora do funcionamento padrão
da sociedade e estava relacionada à falta de integração e de participação política das classes
populares. A questão central debatida, nos anos 50, era se o sistema seria capaz de absorver os
indivíduos como força de trabalho.
Nos anos 60, a pobreza passou a ser considerada como um fenômeno estrutural, que
pensava a “população marginal” – excluída do mercado de trabalho formal – como inerente e
essencial ao processo de acumulação capitalista (Oliveira, 1975). O subemprego surge como
categoria definidora da pobreza nas décadas de 50 e 60. Na visão dos economistas dos anos
60, a figura típica do subemprego era o biscateiro. Este período foi marcado por uma mudança
no conceito de pobreza, passando de determinantes individuais para os externos ao indivíduo.
A responsabilidade passa a ser da sociedade. Rompe-se com a idéia difundida na virada do
século, que associava a pobreza à recusa de se integrarem ao mercado de trabalho. Com os
101
crescentes fluxos migratórios, demonstrava-se a vontade dos indivíduos em se inserir no
processo produtivo. Com a migração, acreditava-se na possibilidade de mobilidade
ocupacional pelo acesso às atividades urbanas vinculadas aos setores secundário ou terciário
(Duran, E. 1984).
Os pobres não são mais considerados como ociosos e vadios, mas como excluídos,
marginalizados. A expressão espacial da marginalidade era a favela, vista como síntese da não
integração de amplos os setores da sociedade urbana. Favelado passa a ser sinônimo de pobre.
O marginal não seria apenas a população que ocupa as faixas mais baixas da escala social,
mas também os que estão fora dessas faixas, não ocupam posição alguma no sistema
econômico. Segundo a DESAL, as conseqüências da marginalidade seriam a segregação
residencial; apatia; incapacidade de absorver a cultura dominante, aliada à desintegração de
sua cultura tradicional; desqualificação profissional; falta de integração na vida política. Para
Kowarick (1983), era toda e qualquer forma de exclusão dos benefícios inerentes à sociedade
urbano-industrial.
No Brasil, assim como em toda a América Latina, o conceito de marginalidade urbana
estava relacionado à precariedade habitacional - onde a favela era a expressão mais
contundente da pobreza urbana – e às condições de vida (principalmente dos migrantes) –
baixa renda e nível educacional, subemprego/desemprego, desorganização familiar, anomia e
falta de participação social.
A Teoria da Marginalidade, na década de 60, foi construída a partir de quatro
dimensões: cultural, econômica, social e política. Na dimensão social, as favelas eram
consideradas como o lócus da desorganização social. Seus moradores não eram integrados ao
meio urbano, vivendo isolados e sem acesso aos serviços urbanos. No entanto, a presença de
redes de organização sócio-políticas nas favelas, constitui-se em evidência de um sistema
político interno.
Culturalmente, a favela era vista como um enclave do paroquialismo rural e a falta de
integração à vida urbana, propiciava a perpetuação da cultura da pobreza. Na dimensão
econômica, os favelados não contribuíam para a economia urbana. Politicamente eram
apáticos, mas com forte tendência ao radicalismo de esquerda, devido às frustrações,
desorganização social e anomia. A marginalidade era associada à posição econômica-
ocupacional – desempregados ou subempregados, os que possuíam ocupação precária no
mercado de trabalho. Nessa dimensão, a favela seria irrelevante na definição de marginal; a
característica determinante seria de ordem econômica-ocupacional e não sua localização.
102
Segundo Perlman (1977), a marginalidade poderia ser analisada a partir de diferentes
definições, sendo que algumas foram criticadas pela autora, após estudo realizado em favelas
localizadas em três áreas distintas do Rio de Janeiro :
a) Relacionada ao habitat do pobre, que tem a favela como o lugar dos marginais: favela
seria a ocupação ilegal da terra, lugar de construções de baixo padrão, de alta densidade física
e populacional e sem infra-estrutura básica;
b) Relacionada à posição econômico-ocupacional: os “marginais” seriam os que têm
participação precária no mercado de trabalho;
c) Relacionada à condição de recém-chegados à cidade e sua transição da vida rural para a
urbana;
d) Relacionada à condição de minoria racial ou étnica;
e) Os transviados, que são tipos patológicos, não conformistas, etc.
Para a autora, os favelados do Rio de Janeiro corresponderiam à quatro categorias de
marginalidade: morador de favela, migrante, minoria racial, trabalhador com instabilidade e
má remuneração. No entanto, nem todos os favelados são migrantes. Em sua pesquisa, 18%
dos moradores das favelas nasceram no Rio de Janeiro.
A partir dos anos 60, os pobres passaram a ser denominados de população de baixa
renda. O termo tem origem na tecnocracia oficial importada do Banco Mundial e outros
organismos internacionais, que exportam políticas sociais nas áreas de educação, saúde e
habitação. A partir daí, a variável renda entra na definição de pobreza. A nova forma de
definir a pobreza usava o salário mínimo como parâmetro e a pobreza passa a ser
compreendida como um fenômeno de insuficiência de renda, delimitada pelo critério de linhas
de pobreza. O indivíduo é mais ou menos pobre dependendo de sua posição (acima ou abaixo)
na linha da pobreza. A partir daí a variável renda orientou a definição das políticas públicas.
O exemplo mais claro foi a criação, em 1964, do BNH, que apresentou programas
habitacionais para uma população de renda familiar até três salários mínimos.
No Brasil, até os anos 70, acreditava-se que o crescimento econômico reduziria a
pobreza, através da redistribuição de renda, e assim, se reduziriam as desigualdades sociais.
Até os anos 80, havia uma inserção maior da mão-de-obra no mercado de trabalho; a
expansão econômica gerou empregos que contrabalançou a queda nos níveis de remuneração.
Até os anos 70, o crescimento econômico tinha um caráter distributivo, reduzindo a pobreza
(Buarque, 2000). Segundo a Escola Cepalina (Comissão Econômica para a América Latina e
o Caribe), o tipo de modelo de desenvolvimento econômico implantado no Brasil e demais
países da América Latina, naquele período, constituiu um mercado de trabalho dual, integrado
103
por dois setores autônomos e independentes. De um lado estaria um setor moderno, vinculado
à indústria, dependente de mão-de-obra qualificada; e de outro, um setor chamado tradicional,
envolvendo atividades artesanais, ligadas ao pequeno comércio e serviços pessoais, que
absorve mão-de-obra de baixa qualificação.
A partir dos anos 70 o país passa por importantes mudanças estruturais, destacando-se,
economicamente, a participação da indústria manufatureira na dinâmica do desenvolvimento,
instituindo um novo padrão de industrialização baseado na grande empresa; no oligopólio de
mercado; na estrutura da PEA; na maior participação, entre 1960 e 1980, do setor secundário
e terciário e queda do primário (Faria, 1983).
Nos anos 80, a noção de marginalidade foi substituída pela de informalidade. Ou seja,
ficou restrita à caracterização de uma inserção econômico-ocupacional. Após 80, essa
inserção diminuiu, e o grau de pauperização se acentuou pela falta de emprego. Neste período,
cresce a taxa de subemprego diante da perda de oportunidade de um trabalho permanente e
regular.
O início da década de 90 é marcado por uma nova crise recessiva, decorrente da
liberalização da economia e pela reestruturação industrial. Apesar disso, entre 1993 e 1997,
observa-se queda da incidência de pobres no país, em função do Plano Real, implementado
em 1994, que possibilitou a queda da inflação. A proporção de pobres, nesse período, caiu
31,3% e o número de pobres, 26,6%. No Sudeste, a queda relativa foi de 29,7%. Em 1997, o
Sudeste do País tinha 11 milhões de pobres (34,6% do total nacional). A menor queda foi no
Norte-Nordeste; só o NE detinha em 1997, 43,9% do total nacional, ou seja, 13,9 milhões de
pessoas, sendo que destes, 6,1 milhões são pobres urbanos (Rocha, 2003).
A partir de 1996, o número de pobres voltou a crescer nas regiões metropolitanas.
Segundo Rocha (op. Cit.), a maioria dos pobres urbanos não passa fome, tem televisão em
cores e geladeira, embora lhes falte esgoto. Desse modo, fica claro que as características do
pobre2 brasileiro vêm se modificando, comparando-os com os dos anos 70, pois hoje eles são
essencialmente urbanos e metropolitanos. Na década de 70, os pobres residentes na área rural
correspondiam a mais da metade dos pobres existentes no país. Com a urbanização acelerada,
em 2001, eles representavam 18% dos pobres brasileiros. Nos anos 80 e 90, observa-se o
contrário do esperado, uma maior concentração de renda, configurando uma situação de
extrema desigualdade e aumento da pobreza.
2 Segundo Rocha (2003), 35% da população brasileira é pobre, de acordo com o Censo/IBGE 2000.
104
Em relação à moradia, a análise dos indicadores demográficos e sócio-econômicos,
revelam modificações nas características da população moradora em favelas nos anos 90.
Entre as mais significativas, estão a passagem de uma composição demográfica homogênea
(até os anos 80 o perfil da população residente em favelas era, predominantemente, de
migrantes rurais), para uma composição heterogênea (2ª geração de migrantes – naturais do
Rio de Janeiro, classe média baixa empobrecida); e a degradação do nível de vida dos setores
populares.
Na década de 90, o processo de democratização introduz novos temas, como a
cidadania e a participação social, nos debates sobre a pobreza urbana. Passa-se a discutir
cidadania, sub-cidadania e exclusão social ligados ao processo político e que se manifestam
na irregularidade, ilegalidade ou clandestinidade tanto do trabalho quanto da moradia.
A condição de sub-cidadania conduz ao diagnóstico feito pela sociedade, de que o
morador do cortiço, da favela, do loteamento clandestino, é o marginal ou bandido (Kowarick,
2000). Tal condição é promovida por uma série de processos, tais como: a discriminação,
segregação e o controle social. Segundo Ribeiro e Lago, a condição de pobre depende de um
conjunto de fatores: instrução (escolaridade); qualificação profissional; renda e posição sócio-
ocupacional. Esses fatores, ligados à condição material de vida, estão diretamente
relacionados a outros fatores, tais como o fator biológico (condição de gênero e idade); de
caráter histórico; e conjuntural (dinâmica econômica – expansão e recessão).
Para Zaluar (1985), pobres são os que ganham de 3 (três) a 5 (cinco) salários mínimos.
Entre eles estão os operários e assalariados do setor terciário semi ou não qualificado e que
recebem baixos salários devido à política salarial vigente. Estão também incluídos nessa
descrição, os trabalhadores por conta própria, pouco ou não especializados. Trabalhador
pobre é uma categoria de auto-identificação, que pressupõe uma certa homogeneidade nas
condições de vida. Os que se reconhecem como tal entre vizinhos, parentes, colegas, têm
como referência a semelhança na renda, nas tradições e opções culturais, surgidas na
convivência nos bairros. A condição de excluídos do campo educacional e político, faz com
que compartilhem de práticas culturais, religiosas e políticas alternativas, que os unificam e
homogeneízam (Zaluar, op. Cit.). Segundo a autora, os trabalhadores pobres, como objeto de
reflexão das teorias sociais, não eram considerados, pela Teoria da Marginalidade, como os
sujeitos da mudança ou renovação, pela incapacidade de se organizarem e agirem
coletivamente. Zaluar critica essa visão, pois considera que a pobreza é um conceito
comparativo relacional em torno da desigualdade social. Não se é pobre devido à cultura, mas
105
como resultado de políticas públicas que provocaram a exclusão de parcela expressiva da
população, nos campos ocupacional, educacional e político.
Segundo Oliveira (1999) apud Oliveira et all (2003:239-40), a compreensão da
pobreza deve inserir uma definição dinâmica e multidimensional, em contraposição à leitura
estática que relacionou pobreza com o socialmente necessário à vida. Os pobres devem ser
diferenciados a partir das capacidades e dotações individuais, para alcançar ou inventar
oportunidades no mercado de trabalho. A definição de pobreza, deve, então, considerar as
práticas culturais, sociais e políticas dos pobres, para que se possa entender a pobreza além
dos atributos que reforçam a representação social pela falta, pela carência.
É nesse sentido que serão analisados os dois Casos aqui propostos.
2.1. Aspectos demográficos e sócio-econômicos dos moradores de favelas
Em sua pesquisa, Perlman (1977) não comprovou as premissas da Teoria da
Marginalidade de dissolução familiar, desorganização social, criminalidade, falta de interesse
pelo trabalho e não inserção na economia urbana entre a população residente em favelas. A
autora constatou, que 90% das famílias eram nucleares, sendo que 80% tinham o homem
como chefe de domicílio. Segundo o Censo 2000, 66,1% dos chefes de domicílio em favelas
do Rio de Janeiro são homens, e observamos um aumento considerável dos domicílios
chefiados por mulheres (33,9%).
Os quadros abaixo mostram o tipo familiar encontrado pela presente pesquisa:
Quadro 1 - Tipo Familiar da Favela Asa Branca
Tipo Familiar
3%9%
50%
17% 2% 1%
13%
1% 1% 1%2%
UnipessoalCasal sem filhosCasal com filhoscasal com filhos e com parentesMulher-chefe-sem cônjuge com filhosMulher-chefe-sem cônjuge sem filhos e com parentesMulher-chefe-sem cônjuge com filhos e com parentesHomem-chefe-sem cônjuge com filhosHomem-chefe-sem cônjuge sem filhos e com parentesConjunto de até 5 pessoas residindo juntas,sem laços de parentesco e/ou dependência Não Respondeu
106
Observa-se que 50% dos domicílios pesquisados são de famílias nucleares, ou seja,
casal com filhos. O percentual de domicílios chefiados por mulheres é de 20%, e 13% dos
domicílios são formados pelo casal com filhos e parentes.
Quadro 2 -Tipo Familiar – Favela Verde é Vida
Tipo Familiar
8%
12%
46%
8%
4% 10%12%
UnipessoalCasal sem filhosCasal com filhoscasal com filhos e com parentesMulher-chefe-sem cônjuge com filhosMulher-chefe-sem cônjuge sem filhos e com parentesMulher-chefe-sem cônjuge com filhos e com parentes
Em Verde é Vida, encontramos um percentual maior de domicílios chefiados por
mulheres (26%), e quase a metade dos domicílios pesquisados (46%) formado por famílias
nucleares. Analisando a evolução da demanda por moradia em favelas, desde a década de 70,
observam-se duas tendências:
1. Modificação no contexto demográfico - o crescimento da população das favelas foi
maior do que a população como um todo. O fluxo migratório diminuiu a partir da
segunda metade da década de 70. Transição de uma homogeneidade demográfica
(migrantes da década de 60), para uma heterogeneidade produzida pela emergência da
2ª geração de migrantes, que alcançaram a idade adulta e formaram outra família.
2. Nas favelas recentes observa-se maior concentração dos mais jovens (até 10 anos),
diminuição na faixa entre 10 e 29 anos, e estabilidade na faixa entre 30 e 49 anos.
As variações na idade permitem identificar a evolução das estruturas familiares e
distinguir a origem da nova população. Os moradores das favelas recentes são famílias jovens
com filhos pequenos.
107
Tabela 6 - Percentual de Moradores em Favelas selecionadas, por grupos de idade - 2000
Favela Total Até 9 anos
De 10 a 19 anos
De 20 a 29 anos
De 30 a 39 anos
De 40 a 49 anos
De 50 a59 anos
De 60 a 69 anos
De 70 a 79 anos
80 anos e mais
Total
Morro do Sossego 396 26,8 20,9 20,9 15,1 8,6 4,5 2,3 0,5 0,2 100,0 Pavão-Pavãozinho 4256 21,5 18,9 24,5 17,7 9,9 4,2 2,1 1,0 0,1 100,0 Rio das Pedras 17228 18,3 16,7 28,9 17,7 10,3 4,9 2,1 0,7 0,3 100,0 Asa Branca 2032 22,9 18,3 18,6 19,0 11,8 5,6 2,5 1,1 0,1 100,0 Verde é Vida 438 32,4 15,5 19,4 14,6 10,3 3,4 3,2 0,9 0,2 100,0 Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Nas favelas consolidadas há maior concentração na faixa de 20 a 29 anos, com
exceção de Morro do Sossego, que possui maior percentual de moradores na faixa de 0 a 9
anos de idade. Nas favelas recentes, observamos maior concentração de moradores na faixa de
0 a 9 anos.
Oliveira et alli (2003), em análise realizada a partir da Pesquisa Socioeconômica em
Comunidades de Baixa Renda (PCBR)3, apresentam a seguinte distribuição etária e por sexo
das principais favelas cariocas (40 ao todo), e da população da Região Metropolitana do Rio
de Janeiro.
Tabela 7 – Distribuição Etária e por Sexo – 1998
Faixa Etária Sexo
Favelas RMRJ
Masculino 48% 48%
Feminino 52% 52%
0 – 9 anos 21,1% 13,3%
10 – 14 anos 17,9% 16,0%
15 –19 anos 10,6% 10,3%
20 – 24 anos 9,3% 8,8%
> 60 anos 7,4% 10,9%
Fonte: PCBR-PMRJ/ENCE-2000
Em termos de gênero, favelas e Região Metropolitana apresentam a mesma
composição demográfica. Quanto à distribuição etária, observa-se que nas favelas a presença
de crianças até 9 anos de idade é bem maior do que a população como um todo da RMRJ. Por
outro lado, na RMRJ concentra-se uma população acima de 60 anos maior do que nas favelas. 3 Essa pesquisa foi realizada pela ENCE em convênio com a Secretaria Municipal do Trabalho do Rio de Janeiro, em 50 favelas do município.
108
Comparando Asa Branca e Verde é Vida com favelas mais antigas, consolidadas, observa-se
que é alto o percentual de moradores até 9 anos de idade, e grande concentração nas faixas até
39 anos.
Três constatações nos levam à indicação de uma nova demanda heterogênea nas
favelas:
1. O nível educacional – as diferenças no nível de educação podem significar diferenças nas
oportunidades de emprego e renda, e portanto, nas possibilidades de eleição da moradia.
Oliveira et all (op. cit.), chegou ao seguinte resultado, apresentado na tabela abaixo,
comparado à Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Tabela 8 - Percentual de Moradores por Nível de Escolaridade nas
Favelas selecionadas e Região Metropolitana do RJ - 2000
Escolaridade Favelas RMRJ
Analfabetos 10,8 4,2
Até 4 anos de estudo 47,3 31,8
Mais de 12 anos de estudo 0,4 11,1 Fonte: PCBR-PMRJ/ENCE-2000
Observa-se que a incidência de analfabetos é maior nas favelas. Quanto maior a
escolaridade, menor a possibilidade de ser morador de favela. A tabela abaixo apresenta dados
de escolaridade de chefes de domicílio em favelas de três bairros da cidade com diferentes
perfis de moradores, dinâmica imobiliária e tempo de ocupação/formação das favelas.
Tabela 9 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por Anos de Estudo, segundo bairros selecionados – 2000
Bairro Total
(abs.) S/Instr C/ 1
ano De 2 a 5 anos
De 6 a 9 anos
De 10 a 12 anos
De 13 a 17 anos
Anos Indeter.
Copacabana 2380 15,5 5,7 42,9 17,1 12,0 2,3 0,2 Jacarepaguá 18467 15,3 6,3 44,3 23,3 9,3 1,3 0,1 S. Camará 9547 11,7 4,8 43,2 26,6 12,4 1,2 0,1
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Observa-se, para os três bairros, maior concentração na faixa de 2 a 5 anos de estudo.
Interessante o fato de Senador Camará apresentar o menor índice de responsáveis pelos
domicílios sem instrução, porém, comparado aos setores sub-normais localizados em áreas
109
que concentram chefes de domicílio com maior renda média, apresenta maior índice nas
faixas de 6 a 9 anos (26,6%), e de 10 a 12 anos de estudo (12,4%).
Observa-se que nas favelas mais recentes, Asa Branca e Verde é Vida, o percentual de
responsáveis pelos domicílios sem instrução é menor, comparado às outras favelas mais
antigas, com exceção de Morro do Sossego. Nos casos, chama a atenção o percentual elevado
na faixa entre 10 e 12 anos de estudo, comparado às outras favelas. Asa Branca apresenta um
percentual de 18,3% e Verde é Vida, de 12,4%, onde a média nessa faixa nas outras favelas
analisadas (Pavão-Pavãozinho, Rio das Pedras e Morro do Sossego), é de 4,3%, conforme
mostra a tabela abaixo.
Tabela 10 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por Anos de Estudo – 2000
Favela Total S/Instr C/ 1
ano De 2 a 5
anos De 6 a 9
anos De 10 a 12 anos
De 13 a 17 anos
Anos Indeter.
Morro doSossego 113 1,8 3,5 47,8 40,7 5,3 0 0 Pavão-Pavãozinho 1273 18,8 6,4 52,2 18,8 0,1 2,5 0,3 Rio das Pedras 5444 15,2 7,3 45,7 23,1 7,6 0,9 0,1 Asa Branca 567 7,2 7,4 42,8 22,0 18,3 2,1 0 Verde é Vida 121 9,1 4,1 49,6 24,0 12,4 0,8 0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
2. O tamanho das famílias – a diminuição do tamanho das famílias constitui um novo fator na
determinação da evolução da demanda por moradia nos anos recentes.
Segundo IBGE-Censo 2000, o número médio de pessoas por domicílio nas Favelas de Asa
Branca está entre 3 e 4 pessoas; em Verde é Vida está entre 3 e 5 pessoas, muito baixo se
tratando de favelas, tradicionalmente caracterizada pela alta densidade populacional. Como a
população favelada tem crescido mais do que a população como um todo, isso significa um
aumento de demanda por moradia em favelas.
3. Queda no nível de vida, apesar de melhora nos níveis de escolaridade e diminuição do
número de moradores por domicílio. Os anos 80 caracterizam-se pelo crescimento do
subemprego e aumento da informalidade.
A tabela abaixo mostra a renda média nas favelas dos bairros selecionados:
110
Tabela 11 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*, segundo bairros – 2000
Bairro Total (abs.)
Até ½ sm
De ½ a 1 sm
De 1 a 2 sm
De 2 a 3 sm
De 3 a 5 sm
De 5 a 10 sm
De 10 a 15 sm
De 15 a 20 sm
20 sm e mais
S/ renda
Total
Copacabana 2380 0,6 12,3 28,5 19,8 18,4 10,8 1,0 0,5 0,3 7,7 100,0 Jacarepaguá 18467 0,4 11,8 29,0 19,2 17,0 8,1 0,8 0,3 0,1 13,0 100,0 S. Camará 9547 1,2 17,8 24,9 17,1 16,3 8,0 0,8 0,2 0,1 13,5 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000 * Salário Mínimo de referência=R$151,00
A maior concentração, para os três bairros, está na faixa de 1 a 2 salários mínimos,
sendo que Senador Camará apresenta os níveis mais baixos de renda (19,0% até 1 salário
mínimo), comparados aos de Jacarepaguá (12,2% até 1 salário mínimo) e Copacabana (12,9%
até 1 salário mínimo).
Analisando o rendimento nominal mensal do total dos responsáveis pelo domicílio nas
favelas selecionadas por bairro e nas dos estudos de caso, temos que as favelas localizadas em
Senador Camará, Morro do Sossego e Verde é Vida, são as que apresentam percentuais altos
de chefes de domicílio com menor renda e sem rendimento (35,4% em Morro do Sossego e
40,5% em Verde é Vida). Em Morro do Sossego, 41,6% dos responsáveis pelo domicílio
percebem de 1 a 2 salários mínimos; em Verde é Vida, 21,5% dos chefes de domicílio
ganham até 1 salário mínimo.
Em Pavão-Pavãozinho, observa-se maior inserção dos responsáveis no mercado de
trabalho, pois apenas 9,0% não têm renda. Esse percentual também é baixo em Rio das Pedras
(11,6%); já em Asa Branca, 18,5% dos responsáveis pelo domicílio não têm rendimento
algum; em Verde é Vida esse percentual chega a 40% dos chefes de domicílio!!!!!
Tabela 12 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*– 2000
Favela Total Até ½ sm
De ½ a 1 sm
De 1 a 2 sm
De 2 a 3 sm
De 3 a 5 sm
De 5 a 10 sm
De 10 a 15 sm
De 15 a 20 sm
20 sm e mais
S/renda Total
Morro doSossego 113 0 4,4 41,6 15,0 3,5 0 0 0 0 35,4 100,0 Pavão-Pavãozinho 1273 0,9 7,6 31,8 22,1 18,2 9,6 0,5 0,1 0,1 9,0 100,0 Rio das Pedras 5444 0,3 10,1 28,4 21,8 17,7 8,5 1,0 0,4 0,1 11,6 100,0 Asa Branca 567 0,2 10,0 21,0 16,9 19,7 11,5 1,0 0,9 0,2 18,5 100,0 Verde é Vida 121 3,3 18,2 19,0 7,4 7,4 4,1 0 0 0 40,5 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000 * Salário Mínimo de referência=R$151,00
111
Apesar da diferença de renda observada entre Asa Branca e Verde é Vida – na
primeira 10,2% dos chefes de domicílio percebem até 1 (um) salário mínimo, enquanto em
Verde é Vida esse percentual é de 21,5% - as duas comunidades têm acesso a bens de
consumo durável, como televisores, geladeiras e telefones celulares, muito embora 57,0% dos
entrevistados em Asa Branca possuíssem linha telefônica e em Verde e Vida, apenas 8%.
Apesar do baixo nível de renda, o acesso ao crédito possibilitou a aquisição de bens duráveis.
O acesso a esses bens também é viabilizado por outras estratégias nos gastos essenciais, como
a alimentação no local de trabalho e obtenção de cestas básicas.
O aumento da precariedade do emprego, significa uma degradação das condições
econômicas dos setores populares. Atualmente observa-se uma outra tendência, que
caracteriza a demanda por moradias em favela: o progresso do setor de trabalho informal
urbano.
Segundo Driant (1991), a relação entre o crescimento do setor informal, a degradação
das condições de vida e o aumento da precariedade do emprego é complexa. O autor observou
em estudo de caso, que a principal conseqüência da informalidade no trabalho são as
dificuldades de acesso aos programas e linhas de crédito do Estado para acesso à moradia,
porque não contribuem com os fundos públicos destinados a apoiar os programas
habitacionais e coloca uma questão importante em relação às novas formas de
desenvolvimento das favelas em Lima, que pode ser aplicada aos nossos estudos de caso.
2.2. Mercado de Trabalho e informalidade
O início da industrialização foi marcado por debates em torno do pauperismo, que se
tornou uma questão social devido ao perfil do operariado da época, da sua condição de vida
miserável. Com o tempo, esse proletariado passou a ser uma classe operária relativamente
integrada. Atualmente, esta integração parece estar em "xeque" em decorrência da
desestabilização do trabalho e do sistema de proteções e garantias conquistadas pelos
trabalhadores. A nova questão social parece ser a permanência desta função integradora do
trabalho na sociedade. Com a consolidação dos novos padrões produtivos, se intensificaram o
abandono e redução das políticas sociais, dentre elas a do pleno emprego. A partir dos anos
70, as mudanças tecnológica, de administração e ordenação de mercados, inauguraram um
novo tipo de divisão do trabalho, com conseqüências na forma de organização dos
trabalhadores, incidindo no enfraquecimento do sindicalismo. A reação imediata dos
112
capitalistas e dos governos foi a redução nos custos sociais do trabalho (benefícios
previdenciários e assistenciais).
No contexto contemporâneo, a tecnologia da informatização está no centro das
transformações que as cidades e sociedades experimentam. Nesta nova realidade, o processo
de globalização da economia e a comunicação, têm mudado as formas de produzir, consumir,
gerir, informar e pensar, afetando as cidades e os cidadãos. Para Borja et al (1998), constituiu-
se um novo paradigma, o paradigma informacional, cujos efeitos redundaram em uma
profunda modificação das relações de trabalho e da estrutura de emprego em todas as
sociedades, com a individualização das tarefas e a fragmentação do processo de trabalho.
Nos países de capitalismo avançado, a transformação no trabalho é marcada pela
formação de redes de produção industrial e serviços avançados, sem a estabilidade e controle
social do modelo anterior, e pela expansão do trabalho informal nos núcleos urbanos.
De modo geral, compreende-se como globalização o processo de mundialização dos
mercados, das finanças, da informação, da comunicação, dos valores culturais, que estabelece
um sistema de intercâmbio entre diferentes países. Segundo Wanderley (1997), o conceito de
globalização apresenta um conteúdo com duas dimensões interligadas: a de um novo mito de
caráter ideológico, e de uma tendência historicamente objetiva. Na primeira dimensão, a idéia
de um estado único, de interdependência e igualdade de oportunidades, seduz. As novas
relações estariam esboçando uma sociedade global, onde são destacadas múltiplas
conseqüências, como as disparidades de renda, as fissuras nas relações internacionais geradas
pelos novos modelos tecnológicos, que as políticas dos principais países ricos
(protecionismos, taxas de juros sobre a dívida externa, barreiras aos movimentos migratórios,
etc) e dos organismos internacionais (políticas de desregulamentação do estado, privatizações,
combate aos déficits públicos), impõem aos menos ricos para se integrarem nas regras do jogo
(deles).
Na segunda dimensão, a globalização seria a passagem do regime de acumulação
fordista para a flexível; a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, a
aceitação do neoliberalismo como pensamento único, a crise dos paradigmas ocidentais e
novas dimensões da exclusão social. Nesse quadro, caberia a cada Estado-nação encontrar a
melhor maneira de gerir o processo.
Grosso modo, os analistas apontam como objetivo central da globalização, a
predominância de um único modelo de desenvolvimento baseado no capital e no mercado, em
todas as regiões do mundo. Entretanto, conforme Gallardo (apud Wanderley, op. cit.), a
globalização é subordinada e assimétrica em relação a grupos e setores sociais. Ela não se
113
traduz como uma nova ordem mundial, e sim como um sistema de ordem/desordem, matriz de
novos conflitos, que se tornam alvos de políticas, sob a ótica neoliberal, de organismos
internacionais.
Até o início do século XX, o trabalho assalariado foi uma condição do trabalhador, e
de modo geral, uma condição miserável e indigna, da qual se procurava sair o quanto antes,
almejando trabalhar por conta própria. O assalariado era, antes de tudo, alguém que não tem
nada, não tem propriedade, apenas a sua força de trabalho para vender. Com o
desenvolvimento da industrialização, da urbanização, o salariado se consolida, podendo-se
então falar de uma sociedade salarial, definida como sendo aquela onde a maioria da
população é assalariada, e que têm sua inserção social relacionada ao lugar que ocupam no
salariado, não apenas em relação a quanto ganham, mas em relação ao seu status, sua
identidade. A insegurança e desamparo, característicos da sociedade anterior, é substituída por
garantias e proteções trabalhistas.
O novo status do trabalho nasceu desta situação do trabalho sem proteção. O direito do
trabalho, seguridade social, surgiu primeiramente no trabalho salariado e depois se difundiu
no conjunto da estrutura social. Porém, a extensão dessa nova forma de seguridade, não
extinguiu as injustiças, as desigualdades, a exploração. A sociedade salarial é fortemente
hierarquizada, não é uma sociedade de igualdades, é uma sociedade de conflitos, na qual os
diferentes grupos são concorrentes, porém, cada indivíduo desfruta de um mínimo de
garantias e direitos.
Robert Castel coloca as seguintes questões: diante da internacionalização do trabalho,
da mundialização, das exigências crescentes da concorrência e da competitividade, onde o
preço da força de trabalho é reduzido enquanto sua eficácia produtiva deve ser aumentada,
como está condicionada a sociedade salarial? Quais são os impactos da globalização nos
processos de direito do trabalho e seguridade social? São questões pertinentes diante da
perda das conquistas sociais obtidas no decorrer de algum tempo e que fizeram com que o
trabalho não fosse apenas a retribuição de uma tarefa, mas que a ele fossem vinculados
direitos. A perda gradativa desses direitos, como a estabilidade do emprego, leva ao que se
chama hoje de precarização e fragmentação do trabalho, e afeta principalmente os
trabalhadores menos qualificados.
Neste sentido, algumas características marcam a cristalização da questão social nos
países de capitalismo avançado. No caso da França, Castel (1997), assinala algumas
evidências:
114
• A desestabilização dos estáveis. São trabalhadores que ocupavam posição sólida na
divisão do trabalho, foram demitidos devido à idade, e estão sem perspectiva de se inserirem
novamente no mercado de trabalho;
• Precarização do trabalho, que atinge principalmente os jovens, que vivem períodos de
alternância de atividades em empregos temporários, em tempo parcial e desemprego;
• Os sobrantes (supra-numerários), pessoas que não têm lugar na sociedade, não são
integrados4 , tornaram-se sem valor pela nova conjuntura econômica e social.
No Brasil, o mercado de trabalho seguiu, ao longo dos anos 80, a flutuação da
economia, melhorando nos períodos de crescimento e piorando nos períodos recessivos.
(Sabóia, op. cit.). Durante a última década, o desemprego aumentou em todas as regiões
metropolitanas, com crescimento do desemprego de longa duração.
Os diferentes enfoques das formas de absorção dos segmentos mais pobres da
população no mercado de trabalho, privilegiam as mudanças na estrutura produtiva, na
estrutura ocupacional e, conseqüentemente, na estrutura de poder e das relações sociais.
Segundo Chávez (1990), para se compreender o funcionamento do mercado de trabalho é
necessário considerar a influência da mão-de-obra marginal sobre as condições de emprego; a
proporção dessa mão-de-obra na força de trabalho; e aqueles que são potencialmente
marginais, ou seja, considerar os que têm menores oportunidades de inserção na estrutura de
empregos.
As mudanças nas formas de organização da produção e do trabalho, determinam
mudanças no mercado de trabalho que se caracterizaram, na década de 80, pela queda do
salário médio dos trabalhadores assalariados; pelo crescimento do subemprego; pelo
crescimento acelerado da oferta da Força de Trabalho, especialmente mulheres e jovens que
se incorporaram ao setor informal; e pelo crescimento da PEA (População Economicamente
Ativa) ocupada no setor informal.
O debate sobre o tema da informalidade tem abordado as seguintes questões:
• A existência de dois setores claramente definidos;
• Os critérios que definem a heterogeneidade do setor;
• A existência de capacidade de acumulação; e
• Os níveis de articulação entre os setores formal e informal.
4 No sentido Durkheimiano, estar integrado é estar inserido em relações de utilidade social.
115
O enfoque da OIT (Organização Internacional do Trabalho), relaciona a informalidade
à incapacidade de absorção da força de trabalho no processo produtivo moderno. Assim, o
setor informal urbano seria o conjunto de postos de trabalho auto-gerados pela Força de
Trabalho excluída do setor moderno da economia (Chávez, 1990). Segundo Chávez (op.cit.),
“O subemprego da mão-de-obra deixa de ser concebido como atributo de pessoas e famílias,
para ser substituído pelo excedente de mão-de-obra, que autogera seus postos de trabalho e
as fontes de renda familiar”. (p. 92)
O conceito de informalidade está associado à unidade de produção e não ao posto ou
ao trabalhador. Chávez (op. cit.) aponta, assim, quatro categorias ocupacionais no SIU –
sistema informal urbano: os assalariados da microempresa; os autônomos; os patrões de
microempresas; e aqueles que trabalham para parentes e não recebem remuneração.
Em relação à constituição de uma definição para a informalidade, Belaúnde (1990)
destaca a importância do componente institucional, do ponto de vista jurídico-político de uma
determinada formação social. O ponto de partida teórico consiste em considerar a
informalidade como o não cumprimento à ordem jurídica vigente. O autor destaca que a
informalidade é um fenômeno e não uma condição natural de agentes econômicos. Não
existem agentes econômicos “formais” diferentes dos “informais”. O que existe é um universo
de agentes econômicos que desenvolvem suas atividades com maior ou menor submissão ao
ordenamento jurídico vigente.
O conceito é formulado substanciado em definições de Hernando de Soto5. Para
Belaúnde (op.cit.), o não cumprimento do ordenamento jurídico pela maior parte da
população, deve-se ao seu mal funcionamento. Atividades informais devem ser observadas
como sintoma de problemas institucionais, que afetam as relações entre o Estado e a
sociedade civil. A informalidade e as externalidades negativas, tenderão a reduzir-se mediante
reformas institucionais básicas, conformando um Estado aberto à participação econômica de
todos e disposto a facilitar o desenvolvimento do mercado.
De acordo com as teses tradicionais6 o fenômeno da informalidade estaria
desarticulado da conjuntura social e do sistema jurídico-político. As teses tradicionais também
dão um significado especial ao economicismo. Os autores complementam a definição de
trabalho informal, baseada nas teorias de analistas que o consideram um fenômeno estrutural
5 Alguns autores consideram que a tese de De Soto consiste em propagar a informalidade global da sociedade, por meio de reformas legais que simplifiquem a administração e eliminem barreiras legais ao exercício de algumas ocupações. 6 A origem do conceito de informalidade encontra-se no fenômeno da migração rural-urbana. Pela Teoria da Marginalidade, o informal é o excluído do setor moderno da economia.
116
no modo de produção capitalista, onde os trabalhadores informais seriam a parcela ativa do
exército industrial constituída pelos sem-trabalho7. Assim, trabalho informal poderia ser
definido também como “desemprego disfarçado”, “trabalho clandestino”, “subemprego”,
entre outros, mas que vem a se constituir em alternativa ou única saída para o desemprego.
Desse modo, é lícito relacionar o desemprego crescente no mercado formal, com o
crescimento da informalidade8.
A expressão “trabalho informal” foi utilizada pela primeira vez pela OIT (Organização
Internacional do Trabalho). De acordo com Souza e Silva & Barbosa (2001), ele se
caracteriza pela produção em pequena escala, pela baixa aplicação de técnicas e pela quase
inexistente separação entre capital e trabalho, por sua baixa capacidade de acumulação de
capital e instabilidade dos empregos e rendas. Outra característica atribuída ao trabalho
informal é a ausência de relações contratuais, implicando em salários baixos, longas jornadas
de trabalho e falta de direitos sociais para os trabalhadores.
Baseando-se em dados de pesquisas anteriores e comparando com os de sua pesquisa,
Perlman (op. cit.) constatou que entre 1959 e 1969, a percentagem de trabalhadores com
empregos não qualificados aumentou, decorrente, possivelmente, de mudanças estruturais nas
oportunidades de trabalho para os que possuíam baixa qualificação. Em 1959, pesquisadores
encontraram um percentual de 10% de desempregados nas favelas, contra 29% encontrados
na pesquisa de Perlman, realizada em 1969. No entanto, em 69 o percentual daqueles que
nunca haviam trabalhado diminuiu em relação ao período anterior, passando de 32% em 1959,
para 13% em 1969.
A queda do nível de vida e o aumento da informalidade demonstram que a
diversificação demográfica não é o único fator na evolução da demanda por moradia em
favelas. Os anos 80 caracterizam-se pelo crescimento do subemprego, que impede o acesso à
moradia através dos programas governamentais e pela iniciativa privada.
Em nossa pesquisa, dos 137 chefes de domicílio (87 em Asa Branca e 50 em Verde é
Vida) , 65 (47,4%) estavam desempregados, sendo 39 (46%) dos entrevistados, moradores da
Favela Asa Branca, e 26 (53%) moradores da Favela Verde é Vida. Dos 39 (46%)
desempregados em Asa Branca, 34 (87,2%) sobrevivem de biscates, e dos que declararam
estar empregados, apenas 19 (59,4%) têm carteira assinada e 13 (40,6%) não tem, ou seja,
7 No Brasil, segundo o IBGE (Ecinf de 1997), a maior parte destes trabalhadores é jovem, entre 18 e 39 anos (67%) e com baixa escolaridade (45% não tinham o primeiro grau completo), 67% exerciam atividades por conta-própria, 12% eram empregadores. 8 O IBGE realizou pesquisa em 1997 sobre a Economia Informal Urbana (Ecinf), em que se identificou 25% dos trabalhadores brasileiros no setor informal.
117
somados aos 34 que sobrevivem de biscates, temos que em Asa Branca, 47 (54,0%) dos
chefes de domicílio, pertencem ao setor informal de trabalho.
Em Verde é Vida, 26 (53%) dos entrevistados se declararam desempregados e 23 deles
não foram muito claros ao informarem como sobrevivem sem emprego. Dos que se
declararam empregados, 21 (43%), apenas 9 (42,8%) tinham carteira assinada. Em Verde é
Vida não podemos afirmar que seus moradores encontram-se no setor informal, o que se
observa é um estado de desemprego total, e a sobrevivência das famílias é garantida com a
ajuda de vizinhos e da Associação de Moradores, segundo afirmou seu vice-presidente.
Em relação à inserção econômica, observa-se nas favelas maior participação
econômica entre as faixas etárias de 15 – 24 anos e menor participação entre as faixas de 25 –
49 anos. A participação das mulheres da favela é de 39,1% contra 43,7% na RMRJ. A
explicação possível para as moradoras da favela, possuírem um percentual de participação na
inserção econômica abaixo das mulheres da região metropolitana como um todo, é o fato de
que pela sua baixa escolaridade, elas têm pouca opção no mercado de trabalho, ficando
limitadas ao emprego doméstico, que pelas restrições econômicas da classe média, principal
empregadora dessa categoria profissional, não conseguem emprego. Outra explicação é o
exercício de atividade produtiva no próprio domicílio, ou em estabelecimentos de parentes.
As taxas de desemprego são maiores nas favelas (12,3%) do que na RMRJ (5,4%).
118
2.3. Impacto das transformações do trabalho na estrutura sócio-espacial
Para Wacquant (1995), um novo cenário de desordem pública, tensões etno-raciais e o
ressurgimento da desigualdade e da marginalidade nas metrópoles, surgiu na última década
nos países do Primeiro Mundo. O pano de fundo desse cenário é a interseção do desemprego,
da privação social e dos conflitos étnico-raciais com a pobreza, a imigração e a decadência
urbana, que servem de "pilar de sustentação" para o surgimento, nos Estados Unidos, de uma
"subclasse" negra , confinada em áreas decadentes e isoladas; e na Europa Ocidental, o
aumento da "nova pobreza" confinada nos guetos americanos e banlieues franceses de
imigrantes.
Embora nas duas partes do mundo esses fenômenos se assemelhem, denotando,
segundo o autor, um padrão de marginalidade urbana, eles são produzidos por lógicas
diferentes, com heranças urbanas diferentes. A exclusão sócio-espacial do Black Belt
americano segue a lógica racial, onde a raça significa a oposição negro/branco; no Red Belt
francês, esses fenômenos associam-se às diferenças de classe, agravadas pela condição de
imigrante das pessoas.
Wacquant destaca ainda algumas particularidades dessas novas formas de exclusão
social e marginalização - "a marginalidade avançada" - que se distinguem da pobreza urbana
do período de crescimento fordista:
• A dissocialização do trabalho- perda da proteção trabalhista decorrente de uma maior
flexibilização do trabalho assalariado, transformando-o de solução contra a marginalidade
urbana, em instável e heterogêneo;
• A marginalidade avançada tende a se concentrar em territórios definidos, não se
difunde por todas as áreas de concentração da classe trabalhadora, criando assim um estigma
referente ao lugar, que se sobrepõe aos estigmas da pobreza e da raça já existentes. Esse
estigma gera um sentimento de recusa à integração social com os vizinhos, e de vergonha de
morar num local decadente. O processo de estigmatização territorial leva à dissolução do
lugar enquanto local de identidade social e de experiências compartilhadas e de reciprocidade.
Embora as relações sociais nos guetos e nos banlieues não tenham sido muito harmoniosas, a
situação atual é mais opressiva. O gueto, até os anos 60, era um refúgio dos negros contra os
brancos, atualmente é um espaço de disputa interna, um território perigoso de onde todos
querem sair. Antes da reestruturação econômica, a maioria dos moradores do gueto era
assalariada e podiam oferecer ajuda aos desempregados. Atualmente, a maioria dos residentes
está desempregada, e a rede de amparo informal desapareceu;
119
• Outra diferença da marginalidade avançada em relação às outras formas de
marginalidade, é a decomposição de classe, que surge como a desproletarização.
Para Mingione, a polarização e a fragmentação são os principais instrumentos para
interpretar as tendências contemporâneas de estratificação social. Nos países capitalistas
avançados, a principal questão em relação à transformação contemporânea na estrutura de
estratificação de classe1, é o impacto causado pela diminuição do número de trabalhadores
assalariados na indústria, ao mesmo tempo em que aumenta os trabalhadores de "colarinho
branco" e do setor de serviços, porém extremamente diversificados em termos de
remuneração e condições de trabalho; e o crescimento de empregos temporários, ocasionais
ou de tempo parcial. Desse modo, as estruturas sociais contemporâneas estão se
diversificando, e concentrando as micro-tipologias sociais em dois pólos. Segundo Mingione,
a questão central do debate não seria a composição da classe operária ou a presença de
lealdades de classe, e sim o equilíbrio entre os segmentos do "núcleo" da classe operária que
está decrescendo, sendo mais difícil de mobilizar e de organizar, e um setor diversificado, o
da classe operária periférica, que se soma a uma população excedente numerosa e renovada.
De modo geral, duas questões devem ser consideradas em relação ao problema da
estratificação social:
• Identificar os trabalhadores ocasionais, temporários e mal pagos. Geralmente são
trabalhos realizados por mulheres casadas ou pensionistas, donas de casa, e que precisam
complementar a renda, pois não apenas devem ser consideradas as mudanças na estrutura
ocupacional, mas também as condições sócio-econômicas que se refletem nas condições de
vida, como o aumento do custo de vida e da moradia;
• A fragmentação e a polarização devem ser consideradas além das condições de
emprego. O exército dos novos trabalhadores não está apenas polarizado, mas também
diversificado internamente.
De acordo com Preteceille, as variáveis descritivas da estrutura social, passam por
transformações que colocam as classes sociais como ineficazes para explicar as evoluções
sociais – diminuição do operariado, progressão das categorias médias e superiores
assalariadas e do proletariado terciário. Essas mudanças colocam em “xeque” a posição das
classes sociais como categorias analíticas para o fenômeno da segregação.
1 O sentido de estratificação social dado por Marx e Weber, não deriva de uma classificação dos indivíduos de acordo com sua posição baseada na renda e oportunidades disponíveis, e sim das relações sociais de propriedade e trabalho. Neste sentido, o conceito de classe social deriva do emprego e da distribuição de propriedade, como relações sociais que geram interesses diversos.
120
Segundo o autor, atualmente existem duas posições teóricas opostas sobre a hipótese
marxista do efeito estruturante da divisão do trabalho e das relações de produção, na definição
das clivagens sociais. Na primeira, a economia ocupa uma posição menos importante na
estratificação social, ou seja, as identidades sociais também são definidas pelos aspectos não
econômicos. Os teóricos dessa posição são os neoweberianos como P. Saunders (1986), que
defende a tese de que os elementos determinantes do status social são os modos de consumo e
a propriedade da moradia. Para Pierre Bourdieu os elementos determinantes estão no “capital
simbólico” e no “capital escolar”; e para R. Castel (1995), a crise da sociedade do trabalho
excluiu parte da população do mundo do trabalho, tornando-os desafiliados. Na segunda,
ressalta-se a importância dos fenômenos econômicos, como a crise do fordismo, a progressão
do neoliberalismo, e a globalização.
A posição no mercado de trabalho é uma variável fundamental na composição da
estrutura social. Nesse sentido, o trabalho é o elemento de estruturação e funcionamento da
sociedade. A estrutura social é compreendida como um espaço de posições sociais e um
espaço de indivíduos dotados de atributos sociais desigualmente distribuídos (Desroisiéres,
Goy e Thévenot, 1983 apud Ribeiro e Lago, 2000:175). Desse modo, a renda e a escolaridade
do indivíduo se constituem em atributos fundamentais para sua inserção na hierarquia social.
As mudanças econômicas, organizacionais e técnicas das condições de trabalho, abalam a
estrutura cultural e política de uma identidade coletiva centrada no trabalho (Offe, 1989).
Para Randolph e Lima (2000), “A exclusão social seria um conjunto de processos que
afetam segmentos sociais, impossibilitados de conseguir um lugar estável nas formas
dominantes de organização do trabalho e nos modos reconhecidos de pertencimento
comunitário” (p.283). As tendências em curso, indicam clivagens e fragmentação dos
trabalhadores. A crise na sociedade do trabalho tem como efeito direto a exclusão social, pois
existe uma relação de causalidade entre ela e a perda de identidade social.
Para Kowarick (2000), o modelo de crescimento econômico implantado no Brasil foi
contraditório e excludente. As conseqüências sociais são a diminuição do consumo, a
desorganização familiar e a violência urbana.
Para compreender as comunidades minoritárias nas grandes cidades, Wilson (1987)
desenvolveu a noção do “underclass”2 aplicado ao gueto negro americano. Segundo o autor,
alguns bairros do centro das cidades sofreram a convergência de dois processos: o
desemprego crescente devido à desindustrialização regional; e a deficiência de recursos
2 Termo utilizado para definir aqueles que se encontram em crônica e irreversível pobreza, com conduta e atitude resignada e falta de mobilização política e social.
121
comunitários. Os guetos seriam bairros decadentes, que abrigam um bolsão residencial de
negros que têm o mais baixo nível de renda, e as menores perspectivas de ascensão social. As
características da população incluem a dependência da assistência previdenciária, os filhos
ilegítimos e as gangues de rua. Para Wilson, os “underclass” seriam conseqüência da
combinação da marginalização na Força de Trabalho, com a segregação da classe média
negra, que deixa o gueto, privando as áreas centrais da diversidade das classes e das
instituições sociais negras, que sustentavam a vida nos guetos.
Outro “modelo” de segregação espacial é o dos enclaves étnicos, baseado na
experiência dos imigrantes urbanos. A concentração dos imigrantes em bairros do centro das
cidades é entendida como um recurso econômico, constituindo-se em fonte de mão-de-obra
barata para os empresários étnicos, e um mercado para seus produtos (Wilson e Martim, 1992
apud Logan; Alba & Nulty, 1996). Nesse sentido, devemos refletir a partir dos seguintes
contextos:
1. A polarização e a marginalização significam o desaparecimento de grupos de renda
média?
É uma interpretação construída a partir da evidência de mudança na economia dos Estados
Unidos, mas extensiva a outros países pós-fordistas, que decorre da diminuição de parte dos
empregos que geraram um nível de vida de classe média, com a passagem da manufatura
tradicional para as indústrias de alta tecnologia e serviços. A economia industrial emprega
grande número de trabalhadores bem pagos, mas a variedade de prestadores de serviços tende
a baixar os salários. A desindustrialização, a reestruturação industrial e a reorganização de
programas de bem-estar, produzem o declínio de trabalhos que oferecem salários que
representam renda média ou acima da média. Na economia de serviços, a estrutura de
emprego é muito polarizada, onde de um lado se encontram os empregos de alta remuneração,
e de outro, várias formas de emprego mal remunerados, ocasionais, informais, temporários ou
de tempo parcial. A tendência à polarização pode ser interpretada como conseqüência de uma
transformação sócio-econômica, apoiada por políticas neoconservadoras de privatização,
eliminação de programas de bem-estar, políticas anti-sindicais, etc.
2. A polarização social como oposição entre uma classe média próspera e um grupo
marginalizado empobrecido. Basicamente, considera-se que a renda familiar contribui para
melhorar as condições de vida de uma família, se contrapondo a famílias cujos membros estão
sem emprego ou só um membro está empregado. Esta interpretação está apoiada em
evidências como o aumento do pluriemprego, tanto por parte dos profissionais, como dos
122
trabalhadores especializados e não especializados; a difusão do trabalho informal e o auto-
abastecimento, intensificado pelo desmantelamento dos programas de bem-estar social.
A interpretação da polarização social sob a ótica ocupacional implica em
conseqüências radicais em relação à ação sócio-política coletiva. A classe operária tradicional
está dividida em dois setores que têm interesses diferentes. De um lado estão as famílias
melhor estabelecidas, que possuem emprego fixo, propriedades e investimentos. Essas
famílias não dependem da política pública de bem-estar social, pois possuem recursos para
procurarem os serviços privatizados. De outro lado, estão as famílias desfavorecidas, que se
encontram cada vez mais marginalizadas e politicamente isoladas. Não têm poder de
reivindicação, pois se encontram dispersas e em situações variadas, não constituem um bloco
coeso.
Algumas transformações sociais, entretanto, não conduzem à polarização. É o caso do
modelo da Terceira Itália, na região da Emília Romagna, e do Japão, onde existe uma melhor
redistribuição de renda e de oportunidades, decorrente do aumento de atividades por conta
própria, estruturadas sob a base da cooperação, o que minimiza as tendências polarizadoras
(Mingione, op. cit.). No Japão e na Terceira Itália, a industrialização é caracterizada pela
reciprocidade. No caso da Terceira Itália, a quantidade e qualidade dos novos empregos no
setor de serviços, sejam eles independentes, assalariados ou em regime de sub-contratação,
contribuem para uma estratificação social relativamente equilibrada e menos polarizada, pela
importância da solidariedade nas relações. No caso do Japão, a reciprocidade se caracteriza ao
nível do sistema econômico, da grande empresa ao papel da família, e a importância da
lealdade em todas as relações econômico-sociais.
No caso da América Latina, a introdução de novas formas de produção baseadas na
flexibilização da economia e na terceirização da empresa, inseriu-a na economia globalizada.
Essa reestruturação produziu impactos sociais e espaciais, traduzidos na emergência de novos
padrões de segregação espacial (Lago, 2000).
Para Lago (op. cit.), os novos padrões de segregação sócio-espacial podem ser
analisados a partir da crise econômica e social dos anos 80. A autora destaca duas mudanças
na conjuntura econômica brasileira, que tiveram efeito na configuração sócio-espacial das
metrópoles brasileiras. A primeira foi a substituição das importações pelo investimento no
setor exportador, dinamizando as cidades de médio porte, acarretando na perda da primazia
das grandes metrópoles. A segunda foi o aumento da participação do setor financeiro da
economia no investimento imobiliário, desencadeando a construção de shopping centers e
edifícios de escritório.
123
No próximo item analisaremos o processo de formação das favelas, diante das
transformações nas condições de acesso à moradia pelos pobres, e mudanças nas condições de
trabalho. Na análise da evolução do estado de segmentação do espaço metropolitano do Rio
de Janeiro, com base nos dados do Censo 1991, a partir da análise das diferenças dos perfis
sócio-ocupacionais, Ribeiro & Lago (2000) observaram que o espaço é fortemente estruturado
segundo a hierarquia sócio-ocupacional: forte relação entre estrutura social e divisão espacial.
A noção de espaço encerra a idéia de diferença, de separação. O espaço é o conjunto
de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às
outras. Assim, Ribeiro & Lago (op. Cit) analisam a composição da estrutura social do
conjunto das metrópoles, através de variáveis relativas à natureza e posição no mercado de
trabalho. Os dois atributos fundamentais que determinam as chances de inserção dos
indivíduos na hierarquia social são a renda (capital econômico) e educação (capital escolar).
A organização da metrópole decorre das distâncias presentes na estrutura produtiva e
no mercado de trabalho. A estrutura social segue as distâncias físicas: classes de alta renda
concentradas nas áreas centrais, bem servidas de equipamentos e serviços urbanos, e as de
menor renda nas áreas periféricas. No entanto, observa-se a presença de espaços médio-
superiores e médios em áreas periféricas, lócus da pobreza urbana.
A presença de favelas nos espaços superiores centrais demonstra o modelo
característico de segregação da cidade do Rio de Janeiro, que combina distância social com
proximidade física, pois a relação entre as categorias populares e as superiores é de trabalho e
não de vizinhança.
Na análise da evolução da divisão social, Ribeiro (2001) observou que a estrutura
sócio-espacial não apresenta traços de dualização; os espaços superiores aumentaram entre
1980 e 1991 em área e população. A população residente em espaços do tipo médio-
superiores também aumentou.
Em geral, a literatura tem apontado a favela como o último elo da cadeia migratória
dos pobres das cidades latino-americanas, iniciada nos cortiços; no caso do Rio de Janeiro,
esse último elo seria o loteamento periférico. Se a nova categoria populacional, a segunda
geração de migrantes, constitui uma demanda potencial de moradia (temos que verificar),
pode-se concluir que a favela já não seria apenas a última etapa da trajetória residencial dos
migrantes da década de 60, mas também a primeira etapa da trajetória de seus filhos. Os
dados demonstram novas tendências no crescimento das favelas, creditado até a década de 70
à migração e passando a um crescimento natural nos anos recentes, formado-se uma nova
124
demanda por moradias, que surge das favelas existentes. Estudo recente3, baseado nos dados
do Censo IBGE – 2000, demonstra que as favelas cresceram entre 1991 e 2000, muito mais
pelo crescimento vegetativo do que por migração.
3. As formas de Produção do Espaço e o Processo de Favelização
Na cidade, coexistem várias formas de provisão da moradia: as que seguem a lógica do
mercado (produção empresarial, autoprodução); e as formas híbridas, que correspondem à
produção por encomenda, autoprodução parcial e para aluguel. As formas de produção
constituem submercados distribuídos na cidade de forma hierarquizada segundo as condições,
preços, qualidade habitacional e demanda4. Na cidade do Rio de Janeiro, Ribeiro (2001)
identificou três submercados:
a) Infranormal, caracterizado por se organizar em função da escassez absoluta de solo urbano
e crédito. Seriam os loteamentos irregulares e clandestinos e as favelas;
b) Normal, que corresponde a maior parte do que é ofertado. Prevalecem as formas híbridas
de produção: por encomenda, para aluguel. A demanda é formada pelos segmentos médios da
estrutura social. Espacialmente são as áreas intermediárias entre as periferias urbana e
metropolitana e as áreas centrais;
c) Superior, que corresponde à forma de produção empresarial. Espacialmente refere-se às
áreas da Zona Sul e Barra da Tijuca. São áreas privilegiadas em termos de quantidade e
qualidade do solo urbano, com acesso privilegiado às amenidades naturais.
3.1. O Processo de Ocupação a partir dos anos 80.
Nesta abordagem, destacaremos a importância dos diferentes mecanismos de acesso
ao solo e à moradia (invasão a custo zero, mercado imobiliário, mercado de alugueis,
compartilho, entre outros) no processo atual de estruturação dos espaços de moradia e do
crescimento do número de favelas nas áreas de expansão da cidade.
A autoconstrução é a modalidade mais comum de provisão da moradia da população
de baixa renda. Neste caso, o usuário compra o terreno ou invade terreno de terceiros, onde
ele mesmo e/ou com a ajuda de vizinhos e parentes, constrói sua moradia. No entanto, essa
forma de acesso à moradia tem encontrado barreiras que poderão retardar o processo de
propriedade da moradia através da autoconstrução nas cidades do terceiro mundo. Para 3Camarano A.,et. Allli (2004) In: Besserman & Cavallieri (2004) – “Nota Técnica sobre o Crescimento da População Favelada entre 1991 e 2000 na Cidade do Rio de Janeiro”. 4 Para uma discussão detalhada sobre as formas de produção de moradia, especificamente em referência à cidade do Rio de Janeiro, ver Ribeiro, L.C.Q., 1997.
125
Gilbert, A.(1998), a principal barreira diz respeito ao acesso ao solo pelos pobres,
considerando que o processo de aquisição informal a custo zero está terminando, devido ao
aumento da comercialização e do maior controle do Estado no mercado de terras. Na
América Latina, os pobres obtinham terra através de invasões organizadas, ou pela compra de
terra barata nos loteamentos clandestinos. Estes processos estão menos generalizados,
predominando a comercialização ou mercantilização da moradia.
Segundo Durand-Lasserve (1990), os mercados ilegais estão se expandindo: o
crescimento deste submercado oferece um mecanismo de acesso ao solo e à moradia aos
pobres, mais seguro e tolerado pelo poder público, porém para os mais pobres, praticamente
não existe mais o acesso gratuito à terra.
Tradicionalmente, as favelas ocupavam as áreas gradativamente, em um processo de
crescimento em etapas. A característica freqüente era o traçado irregular das vias de acesso e
distribuição dos lotes. A subdivisão de lotes configura o processo de adensamento, fazendo
com que o acesso à favela seja através de becos e vielas tortuosas.
Rocinha – Vila Cruzeiro
126
Rocinha – Vila Cruzeiro
No Brasil as invasões coletivas organizadas surgem a partir dos anos 80. Essa
mudança na forma de ocupação, e portanto, de estruturação do espaço favelado, é atribuída
por alguns autores, segundo Valladares (1983), à política de abertura política e às conquistas
dos movimentos sociais e de partidos políticos como o PDT e PT, a partir da década de 80.
Para Coutinho (1997), o processo de ocupação na periferia metropolitana no final da
década de 80 e início de 90, desencadeado pelos movimentos sociais, com apoio de políticos
locais e da Igreja Católica, impulsionou uma mudança na configuração espacial dos
assentamentos informais. Analisando o Projeto de Urbanização da Favela Vila Nova (Favela
do Lixão) e a invasão conhecida como Ocupação São Bento, ambas no município de Duque
de Caxias, a autora observou que a ocupação difere das favelas tradicionais em sua estrutura
social e na organização do espaço. Em geral, são ocupados terrenos públicos, sem qualquer
infra-estrutura, seguindo projeto que apresenta ruas com 10 a 12 m de largura e lotes de 200
m², ou seja, dentro das normas urbanísticas.
Assim como ocorreu no Peru, com a Lei nº 13517/61, que reconheceu as favelas e
criava favelas oficiais, observa-se no Rio de Janeiro, a partir da década de 80, a ocupação de
terrenos de melhor qualidade, planos, mais fáceis de urbanizar, mais amplos e com boa
127
acessibilidade. Em Lima, as favelas planejadas surgiram quando algumas famílias invadiram
terrenos reservados a equipamentos coletivos. Foram invasões organizadas e assessoradas por
dirigentes, que fizeram o reconhecimento do local, verificaram o estatuto legal, reuniram as
famílias interessadas, adquiriram material de construção, fixaram data e hora da ocupação. No
entanto, o número de famílias foi bem maior do que o esperado. A solução para as famílias
excedentes foi a relocação, pelo governo, em terreno a 29 km de Lima. A operação do
governo consistiu na delimitação dos lotes, seguindo traçado regular e hierarquizado. A
dotação de serviços urbanos só foi implantada anos mais tarde.
No caso da cidade do Rio de Janeiro, Carvalho (1996) observou que na Favela Morro
da Fé, localizada no bairro de Vila da Penha, no subúrbio carioca, a partir de 82 surgiu um
novo setor, que foi ocupado de forma individual, com as famílias demarcando seus lotes. No
entanto, havia também os que demarcavam vários lotes com intuito especulativo, apesar do
controle feito pela Associação de Moradores em relação à entrada de novos moradores. O
importante a destacar é que no novo setor, o padrão urbanístico diferia do restante da favela,
com predominância de quadras e lotes retangulares, bem diferentes da parte mais antiga da
favela – caótica e desordenada. A ocupação foi organizada por várias famílias, seguindo
desenho prévio, formando quadras. Esse procedimento tinha a intenção de facilitar futuras
intervenções públicas na infra-estrutura local. A parte recente da ocupação, neste caso, era
homogênea quanto ao padrão de urbanização e habitacional.
Em geral, a ocupação consiste em três etapas, segundo Carvalho (op. cit.):
1. Convocação – o movimento de bairro, composto por líderes comunitários e políticos locais,
chama para o cadastramento;
2. Cadastramento – são cadastradas famílias que moram de aluguel em favelas ou cortiços;
3. Ocupação – é feita com respeito às regras do movimento de bairro e compromisso de não
vender os lotes, que são distribuídos por sorteio.
A problemática das favelas a partir dos anos 80 não se encerra no processo de
consolidação. O período é marcado pelo aumento do número de invasões de terrenos, que
apresentam novas características, mas que estão relacionadas à mesma problemática das
favelas consolidadas. Ou seja, as invasões recentes têm estreita relação com a forma como as
favelas antigas vêm se estruturando.
Em relação à origem da população invasora, a pesquisa de Carvalho (op. cit.) revelou
que a maior parte da população é de migrantes intra-urbanos (98,0%), sendo que 45% tinham
como endereço anterior a própria favela, demonstrando que a expansão das favelas na década
de 80 era um movimento intra-urbano e não de migração.
128
A autora também pesquisou a Favela Nova Aguiar, que surgiu em 1985, no bairro de
Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, fruto de invasão coletiva. Nessa ocupação,
43% são naturais da cidade. Em relação à moradia anterior, 20% vieram do mesmo bairro;
50% de outro bairro da mesma RA; 17% da RMRJ; 3% da mesma favela; 3% de bairros
distantes e 7% de outras favelas, demonstrando que a maior parte dos moradores veio do
mercado formal, seja da cidade do Rio de Janeiro, seja de outras cidades da região
metropolitana. O principal motivo era a aquisição da casa própria, seja porque pagavam
aluguel (44%), seja porque moravam com parentes (33%). O resultado encontrado por
Carvalho (op. cit.) é confirmado pela nossa pesquisa. A tabela abaixo mostra a procedência
dos moradores entrevistados:
Tabela 13 – Percentual de Chefes de Domicílio por Endereço Anterior
Favela Mesmo
Bairro Mesma
RA RA
próximaRA
distante Mesma favela
RMRJ Outras cidades do RJ
Outro estado
Não Resp.
Total
Asa Branca 14,9 32,2 18,4 9,2 9,2 4,6 2,3 5,7 3,5 100,0
Verde é Vida 52,0 10,0 10,0 10,0 8,0 4,0 - 4,0 2,0 100,0
Observa-se que no caso de Asa Branca, 83,9% dos entrevistados são procedentes da
cidade do Rio de Janeiro. Esse percentual sobe para 90,0% no caso de Verde é Vida. Em
relação ao local de nascimento dos moradores dos casos pesquisados, encontramos em Asa
Branca, 42,5% (37) naturais da cidade do Rio de Janeiro; 27,6% (24) naturais do interior do
Estado do Rio; e 26,4% (23) que nasceram na Região Nordeste do país. A população
entrevistada de Verde é Vida também possui maioria carioca (52,0%) (26); 26,0% (13) são
nordestinos; e 20,0% (10) são naturais do interior do Estado do Rio, e 2,0% (1) da Região
Norte.
O importante a ressaltar é que 42,5% dos entrevistados em Asa Branca e 36,0% em
Verde é Vida são provenientes de outras favelas da cidade, sendo que destes, aproximadamente
9,0% são provenientes da própria favela, demonstrando uma considerável mobilidade
residencial inter e intra-favelas.
Em Lima, Peru, também se observa a tendência das favelas recentes serem ocupadas
por migrantes intra-urbanos. Na pesquisa de Arnillas (1983) apud Driant (1991), das 149
famílias pesquisadas, 53.7% são naturais de Lima e 78,5% moravam em outras favelas da
cidade.
129
As pesquisas apontam que a maior parte das novas favelas é formada por moradores
provenientes de outras favelas. A absorção dessa demanda se produz através da densificação
das favelas antigas e invasão de terrenos precários. A reprodução se faz pela entrada dos
membros da segunda geração no mercado de moradias.
No Peru, os estudos sobre o desenvolvimento de favelas mostraram que as grandes
favelas formadas nos anos 60 entravam em uma nova etapa de seu ciclo com o surgimento de
novos mecanismos de acesso.
Observamos em nossa pesquisa, diferenças no processo de ocupação das favelas
objeto de estudo. A maioria dos entrevistados não soube responder como foi organizada a
invasão nem quem a organizou (35,6% em Asa Branca e 62,0% em Verde é Vida). Dos que
responderam em Asa Branca (56), 76,8% (43) disseram que a invasão foi coletiva, inclusive
os doze entrevistados da invasão recente “Quinto dos Infernos”, organizada por pessoas
conhecidas que moravam próximo ao local. No caso de Verde é Vida (19), 52,6% (10)
responderam que a invasão foi individual/autônoma, o restante respondeu que ela foi
organizada, também por pessoas que moravam próximo. Quanto aos que participaram da
organização, encontramos apenas 21,8% dos nossos entrevistados em Asa Branca, e 12,0%
em Verde é Vida. A maioria soube através de parentes e amigos.
Diante da valorização das favelas consolidadas e da falta de programas habitacionais
que garantam acesso à moradia à população de baixa renda, os segmentos mais pobres só
teriam a opção de invadir terrenos para construção de um abrigo. Dos entrevistados em Asa
Branca (87), 55 (63,2%) pagaram, 22 (25,3%) invadiram, 7 (8%) moravam em imóvel
alugado e 2 (2,3%) em imóvel cedido.
Em Verde é Vida, do total dos entrevistados (50), 28 (56,0%) pagaram pelo acesso a
terra ou moradia; 20 (40,0%) ocuparam ou ganharam o lote ou moradia, 1 ganhou de herança
do avô e 10 não responderam.
Dos motivos para a ocupação, 49,6% citaram o acesso à moradia própria, ou porque
moravam de aluguel, ou porque viviam com parentes ou em imóveis cedidos por parentes ou
amigos. O que chama a atenção é que semelhante à Favela Morro da Fé citada na pesquisa de
Carvalho (op. cit.), a maior parte (76%) veio de bairros com melhores condições urbanas.
O quadro abaixo mostra os principais motivos para mudar para a favela:
130
Tabela 14 - Percentual dos Principais Motivos para Mudar para a Favela
FAVELA
MOTIVOS Asa Branca Verde é Vida
Sair do Aluguel 26,4 48,0
Ciclo de Vida: casamento, separação,etc. 21,8 14,0
Morava em imóvel cedido 18,4 10,0
Fugir da Violência 8,0 4,0
Ficar próximo dos parentes 5,7 0
Acessibilidade ao local de trabalho 2,3 0
Acessibilidade ao mercado de trabalho 0 2,0
Como já mencionado, o principal motivo para terem mudado para a favela pesquisada,
declarado pelos entrevistados, foi a possibilidade de aquisição da casa própria. Esse motivo
foi mais valorizado pelos moradores da favela Verde é Vida (48,0%) do que pelos moradores
da Favela Asa Branca (26,4%), que também destacou o ciclo de vida (2º motivo declarado nas
duas favelas) como determinante na mudança de endereço (21,8%), indicando que a hipótese
de desdobramento familiar na explicação para o surgimento de novas favelas, pode ser
confirmada.
Favela não é apenas função da crise de moradia (déficit habitacional), mas também
função do processo de espoliação urbana, que impede o acesso à moradia pelos segmentos de
baixa renda. Se somarmos os percentuais dos motivos apontados “sair do aluguel” e “morava
em imóvel cedido”, em Asa Branca totalizaria 44,8% e em Verde é Vida, totalizaria 58,0%,
temos que a grande maioria optou pela favela para ter acesso a uma moradia própria, seja ela
em que condições for.
A favela é uma etapa importante na trajetória residencial das famílias de baixa renda,
fazendo parte, segundo Leeds & Leeds (1978), de uma estratégia de vida para as famílias,
pois a opção pela favela não reflete apenas uma opção pelo imóvel/residência em si, mas
também situações ligadas às estratégias de sobrevivência familiar, tais como a proximidade ao
local de trabalho, ao mercado de trabalho, a parentes e amigos. Pois o “morar”, é segundo
Gonçalves (1992), a conjunção de pelo menos três componentes básicos: casa, vizinhança e
rede de sobrevivência. A casa é o espaço físico, interno da família; a vizinhança se estende
para além dos limites da casa, e é delimitada pelo maior ou menor grau de amizade
interpessoal ou inter-familiar. Os limites geográficos dependem da esfera relacional que
131
engloba os laços familiares de parentesco e compadrio, que se estendem para além casa. Mas
a vizinhança pode estender-se à inserção/participação nos movimentos reivindicatórios, em
comunidades religiosas, nas organizações de base e lutas populares. As redes de
sobrevivência referem-se basicamente às relações criadas para a sobrevivência da família,
especificamente no que se refere ao reforço da renda familiar.
Para Carvalho (op. cit.), os pobres têm na favela a possibilidade de adquirir moradia
com baixos investimentos em mão de obra e material de construção, próxima ao mercado de
trabalho, incidindo em menores gastos com transporte. No entanto, verificamos que a
acessibilidade ao trabalho teve peso menor que o esperado nas decisões dos entrevistados,
apenas 2,3% em Asa Branca e 0% em Verde é Vida. Isso pode ser explicado pelo endereço
anterior dos moradores. Em Asa Branca, 65,5% dos entrevistados moravam próximo à favela;
em Verde é Vida esse número sobe para 72,0% dos casos, conforme pudemos observar na
tabela 14.
Para Turner (1968), as necessidades e prioridades dos pobres em relação à habitação
variam de acordo com as situações e expectativas sociais. O problema habitacional não pode
ser interpretado como déficit de moradias e localizações adequadas. O autor justifica a
assertiva citando o exemplo do biscateiro e do assalariado mais ou menos estável. No
primeiro caso, precisa morar próximo ao mercado de trabalho, pois como sua renda é muito
baixa e irregular, não poderia perder tempo e dinheiro em deslocamentos casa-trabalho. No
segundo caso, apesar da renda também ser baixa, possui um nível acima do biscateiro, e
assim, tem mais alternativas de acesso, podendo gastar mais com transporte ou adquirir
terrenos baratos para construir a casa, ou até mesmo pagar aluguel mais alto por moradia
melhor. A localização é mais importante para o biscateiro do que para o assalariado, no
entanto, para a família deste, a localização pode ser valorizada pelo acesso aos serviços
públicos e equipamentos urbanos.
A instabilidade no emprego faz com que a posse da moradia garanta maior segurança
social, pois garante a redução das despesas familiares, mesmo que seja um barraco localizado
em lote não urbanizado.
Para Turner (1968), o setor mais pobre tem como prioridade a localização, enquanto
que para os menos pobres, a maior prioridade é a segurança da posse com acesso aos
equipamentos comunitários básicos. As favelas ao se desenvolverem progressivamente,
constituem-se em forma de integração econômica. A verdadeira demanda das famílias de
baixa renda é a terra e o equipamento comunitário. (Turner e Margin, 1968).
132
Os quadros abaixo revelam que a relação casa – equipamentos e serviços públicos não
é desprezível na decisão de localização dos pobres.
Quadro 3 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Asa Branca
18%
23%
0%23%
1%
12%2%
17%
4%
Hospitais e/ou Postos de saúdeEscolas públicas de nível fundamental e/ou crechesEscolas públicas de nível secundário e/ou cursos técnicosUniversidades e/ou faculdadesSupermercados e comércioÁreas de lazerIgrejas e/ou TemplosOutrosNão informado
Observa-se que a proximidade à escolas públicas de nível fundamental e/ou creches
(23%); à supermercados e comércio (23%); e à hospitais e/ou postos de saúde (18%), são os
benefícios mais importantes declarados, quanto a atual localização residencial.
Quadro 4 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Verde é Vida
26%
18%28%
2%9%
3%9%
3%2%
Hospitais e/ou Postos de saúdeEscolas públicas de nível fundamental e/ou crechesEscolas públicas de nível secundário e/ou cursos técnicosUniversidades e/ou faculdadesSupermercados e comércioÁreas de lazerIgrejas e/ou TemplosOutrosNão informado
133
Em Verde é Vida, a proximidade a supermercados e comércio (28%) e a hospitais e/ou
postos de saúde (26%), são mais valorizados, seguidos de escolas públicas de nível
fundamental e/ou creches (18%).
Segundo Harvey (1980), os efeitos redistributivos da mudança de localização de
emprego e habitação dependem da relação entre acessibilidade e custo de proximidade. “A
acessibilidade a oportunidades de emprego, recursos e serviços de bem-estar pode ser obtida
somente por um preço, e esse preço é, geralmente, igualado ao custo de superar distâncias,
de usar o tempo, etc.” (p. 45).
Em função do crescimento das cidades, a forma espacial tende a mudar para atender a
reorganização de localização de atividades. A ocorrência de inflexibilidade da forma espacial,
gera desequilíbrio no sistema urbano. Por exemplo, a descentralização de oferta de emprego
não é acompanhada pela oferta de moradias. Assim, o critério de localização mais importante
para os pobres – a proximidade entre moradia e trabalho para minimizar custos de
deslocamento – passa a não ter efeito. Essa é uma das possíveis explicações para o aumento
do número de favelas/ocupações nas áreas de expansão urbana da cidade. Devido à
inflexibilidade locacional na oferta de moradias para a população de baixa renda, esse
segmento tem pouca oportunidade de acesso nas áreas de expansão urbana, mercado em
ascensão para as camadas média e alta, ao mesmo tempo em que as opções nas áreas centrais
e subúrbio estão cada vez mais restritas devido aos altos preços, inclusive nas favelas.
Em nossa pesquisa, 49,0% dos chefes de família entrevistados, empregados, em Asa
Branca, trabalham no mesmo bairro ou em bairro próximo à favela, sendo que destes 51,2%
trabalham no mesmo bairro. Em Verde é Vida a relação casa-trabalho também se confirma,
pois 50% dos chefes de família empregados, trabalham próximo à favela. No entanto,
devemos considerar que a maior parte dos moradores das favelas estudadas, já residia
anteriormente, próximo ao endereço atual.
3.2. Evolução da Estrutura Interna: consolidação e reprodução
O processo de transformação/evolução do espaço interno das favelas possibilitou, a
partir da década de 80, que estas se expandissem sob características peculiares, ou seja,
seguindo um planejamento, com desenho pré-definido dos lotes. Esta é uma hipótese que
pretendemos comprovar, e que se encontra diretamente relacionada ao que Santos (1993) já
havia apontado, sobre a influência das transformações dos fatores políticos e sociais na
estrutura urbana, e como eles têm relação com os comportamentos individuais dos agentes, ou
seja, os espaços da cidade são ocupados/apropriados seguindo as especificidades dos
134
contextos econômicos, políticos e sociais. Santos (1993:34). Segundo este autor, as principais
tendências identificadas nos últimos anos, foram os adensamentos das favelas consolidadas,
as ocupações coletivas de áreas vazias e as favelas dos logradouros públicos (sob viadutos, ao
longo dos canais e vias férreas), constituindo tipologias habitacionais distintas em função da
forma de ocupação.
O conceito de consolidação será trabalhado a partir dos trabalhos de Riofrío,G. (1987)
e Driant, J-C (1991) sobre favelas em Lima, no Peru, que analisam o fenômeno através da
densificação, ligada aos desdobramentos familiares; sua reprodução, com o surgimento de
novas favelas; e a um conjunto de mudanças de interesse individual (regularização da
propriedade, melhorias nas habitações, etc.), e de interesse coletivo (urbanização, surgimento
de comércio, dotação de serviços).
Em algumas favelas do Rio de Janeiro, observa-se também, a expansão em áreas non-
aedificantis, mas com características de ocupação diferentes às da favela “original”, ou seja,
seguindo os mesmos parâmetros das novas invasões.
A consolidação implica em mudanças, que geram a heterogeneidade interna, pois as favelas
passam de uma situação precária a uma maior estabilidade. Driant (op. Cit.), no entanto, não
considera que essas mudanças produzam um sobre-valor no entorno e nas moradias, ou seja,
elas não implicariam em valorização do espaço. Nossa tese é oposta a do autor, pois
creditamos o aumento do número de favelas na periferia do município, justamente ao
processo de consolidação observado em algumas favelas, significando um esgotamento das
possibilidades de acesso a essa forma de moradia pelas camadas mais empobrecidas nas áreas
centrais e nos subúrbios da cidade. Embora não tenha sido a maioria, boa parte dos
entrevistados (46,7%), vieram de outras favelas.
Analisando o caso de São Paulo, Taschner (1995) identificou que os motivos do
crescimento repentino das favelas foram a necessidade de sair do aluguel, face à redução da
renda real e o aumento do desemprego; o crescimento vegetativo e formação de novas
famílias; e a imagem atual da favela, beneficiada pelas melhorias na oferta de serviços
públicos, atraindo maior demanda. Para a autora, existem algumas mudanças na formação das
favelas nos últimos anos. A principal delas está na forma de ocupação, antes caracterizada
pelas invasões, e que no final da década de 80 observa-se a tendência ao mercado, ou seja, as
famílias têm que pagar pelo “lote”.
As características da moradia também evoluíram. Em São Paulo, entre 1980 e 1987, o
percentual de moradias em alvenaria subiu de 2,4% para 50,5%, e em 1993 sobe para 74,2%,
o que significa conquista de maior segurança quanto à permanência na favela, devido às
135
mudanças nas políticas habitacionais. Observa-se também um aumento na utilização de lajes,
que passam de 7,0% em 1987, para 24,5% em 1993, aumentando a possibilidade de
verticalização.
O processo de autoconstrução é lento e descontínuo, devido ao alto custo da
construção para famílias com recursos tão escassos. Muitas vezes, saem dos imóveis alugados
com o intuito de empregar o dinheiro do aluguel na construção. Assim, substituem a casa
alugada por um cômodo na casa de parentes. Além disso, reúnem outros recursos como o
FGTS, o 13º salário, venda de férias, biscates. A mão de obra remunerada, através de
contratação, só é utilizada nas etapas mais específicas, que exijam especialização, como a
fundação, colocação de laje, instalações elétrica e hidráulica.
Em nossa pesquisa, observamos a continuidade dessa tendência, tanto na Favela de
Asa Branca, quanto em Verde é Vida, apresentados em 77,4% dos casos (22,6% não
responderam), conforme tabela abaixo:
Tabela 15 – Forma de Construção da Moradia
Favela Autoconstrução Autoc. C/ ajuda de familiares e/ou amigos
Contratou mão-de obra
Contratação Parcial Outro Total
Asa Branca 55,1% (38) 29,0% (20) 10,1% (7) 2,5% (2) 2,9% (2) 79,3% (69)
Verde é Vida 51,3% (19) 8,1% (3) 32,4% (12) 8,1% (3) - 74,0% (37)
Total 41,6% (57) 16,8% (23) 13,9% (19) 3,6% (5) 1,4% (2) 77,4% (106)
A autoconstrução é a forma de construção mais importante, seja sozinho ou com ajuda
de parentes e/ou amigos, em Asa Branca ela soma 84,1% da modalidade de construção da
moradia dos entrevistados. Em Verde é Vida destaca-se a autoconstrução sem ajuda e também
a contratação de mão-de-obra. O resultado encontrado em Verde é Vida surpreende, já que na
avaliação do tipo de relação de vizinhança existente nas favelas pesquisadas, esta revelou um
percentual no mutirão para construção de moradias superior à primeira, conforme
observaremos mais adiante.
No caso pesquisado por Beozzo de Lima (1979), os trabalhadores remunerados eram
pessoas que também estavam construindo, geralmente desempregados, que aproveitavam a
oportunidade para ganhar algum dinheiro. Mas na maioria dos casos, eram trabalhadores que
faziam parte de alguma rede de solidariedade organizada, formada por parentes e amigos que
estavam dispostos a ajudar, contando com ajuda recíproca no futuro. Os quadros abaixo
revelam o tipo de cooperação entre os vizinhos:
136
Quadro 5– Relações de Vizinhança – Favela Asa Branca
Qual o tipo de cooperação entre os seus vizinhos atuais?
8%
37%
9%9%11%
8%
18%
Ajuda através de mães-crecheirasMutirão nos serviços de infra-estruturaMutirão na construção de moradiasAjuda no sustento dos mais carentesTodos os itens anterioresOutroNão informado
Em Asa Branca, o mutirão nos serviços de infra-estrutura é o mais recorrente.
Observamos que a maioria das ruas da favela é pavimentada e possuem canalização de esgoto,
executados pelos moradores.
Quadro 6 - Relações de Vizinhança – Favela Verde é Vida
Qual o tipo de cooperação entre os seus vizinhos atuais?
5%
50%20%
6%8%
11%
Ajuda através de mães-crecheirasMutirão nos serviços de infra-estruturaMutirão na construção de moradiasAjuda no sustento dos mais carentesOutroNão informado
137
Em Verde é Vida, o mutirão nos serviços de infra-estrutura também foi muito citado,
no entanto, observaremos mais adiante, que toda a favela é carente desse tipo de serviço.
Ao serem questionados sobre o relacionamento com os vizinhos, 83,0% em Asa Branca e
56,0% em Verde é Vida, declararam ter relações de amizade e solidariedade. A maior parte
dos amigos no bairro, surgiu de relações de vizinhança, 85,0% em Asa Branca e 67,0% em
Verde é Vida.
Com a mobilização interna para as obras de melhoria, houve necessidade de
organização dos trabalhos e das relações sociais, através de normas que permitissem o
controle das práticas sociais e econômicas que ocorriam no interior da favela. Criou-se um
sistema de controle do uso e ocupação do solo, e do crescente mercado imobiliário informal,
através das Associações de Moradores, que passaram a atuar como “prefeituras” locais e
cartórios. Cabia às associações promover e fiscalizar pequenas obras de infra-estrutura,
providenciar médicos para atendimento em sua sede, resolver conflitos entre moradores e
realizar transações imobiliárias de compra, venda, doações, aluguel, partilhas de imóveis,
cessão e venda de lajes e cômodos, incluindo licenças para ampliações e reformas. (Carvalho,
1996).
O enfoque da habitação como elemento fundamental da reprodução da força de
trabalho, permite vincular o processo de expansão da metrópole à dinâmica de reprodução do
capital. (Bonduki,1979). A poupança necessária para a construção e/ou compra do terreno ou
moradia, advém, principalmente, da extensão da jornada de trabalho, do uso da poupança
compulsória do FGTS, e da inserção de vários membros da família no mercado de trabalho.
Nas favelas de Asa Branca e Verde é Vida constatamos que a maior parte dos que
adquiriram o imóvel através da compra, o fizeram à vista (79,4% dos casos, sendo que destes,
78,0% em Asa Branca e 82,6% em Verde é Vida). O restante foi através de financiamento
feito pela Associação de Moradores, troca ou herança.
Na maior parte das vezes, o trabalhador “provoca” sua própria demissão, para poder
construir sua casa. Isso cria uma situação de instabilidade, devido à alta rotatividade no
trabalho. Ao invés de utilizar o FGTS como garantia de sobrevivência em períodos de
desemprego, o trabalhador o inclui no seu cotidiano custo de reprodução. (Bonduki & Rolnik,
1979).
A importância da rede de solidariedade foi observada em Perlman (1977), onde quase
2/3 dos migrantes que foram morar em favelas, conseguiram seu primeiro emprego através da
ajuda de amigos ou parentes. A maioria se empregou como empregado não qualificado e
doméstica.
138
A valorização do espaço estaria associada à duas tendências: uma de ordem mais geral
conferida pela sua localização no núcleo urbano e, assim, sujeita ao processo de disputa e
conseqüente valorização das áreas centrais da cidade, privilegiada em comparação às
alternativas habitacionais da periferia; outra associada às melhorias realizadas pelos
moradores que transformaram o local e a moradia.
A valorização da moradia decorrente das melhorias empreendidas pela população e
pelo poder público, se manifesta tanto em função do que a moradia representa para a
reprodução da família, quanto em função de sua transformação em ativo monetário. (Oliveira,
1985). As transformações no ambiente construído das favelas, tais como, a melhoria do
padrão dos imóveis, desenvolvimento de comércio e serviços e urbanização, colocam em
questão a representação tradicional da favela como o lócus da pobreza.
Um dos componentes da consolidação das favelas é a dotação de serviços. Analisando
os domicílios em favelas, quanto à infra-estrutura básica, nos três bairros distintos, segundo o
critério de favelas em área consolidada de classe media alta (Copacabana); favelas em área de
expansão urbana (Jacarepaguá); e, favelas em área não consolidada e de favelização recente
(Senador Camará), observamos três situações distintas no que se refere a abastecimento de
água, esgotamento sanitário e destino do lixo, para as três áreas, conforme mostram as tabelas
abaixo:
Tabela 16 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros - 2000
Bairro Total
(abs.) Rede Can.
Dom. Rede Can. Terreno
Poço Can.Dom.
Poço Can.Terreno
Poço não- Canaliz.
Outra Forma
Total
Copacabana 2380 97,4 1,5 0 0 0 1,0 100,0 Jacarepaguá 18467 91,2 3,8 1,1 0,1 0,2 3,6 100,0 S. Camará 9547 84,7 4,5 0,1 0 0,1 10,5 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Em relação ao abastecimento de água, as favelas em Jacarepaguá e Copacabana,
embora inseridas em bairros diferentes na sua forma de estruturação urbana e composição
demográfica, apresentam equilíbrio no atendimento desse serviço. Quanto ao tipo de
esgotamento sanitário, encontramos grande desequilíbrio entre as áreas. As favelas
localizadas em Jacarepaguá e Senador Camará apresentam grandes deficiências no
atendimento desse serviço, conforme demonstra a tabela abaixo:
139
Tabela 17 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros - 2000
Bairro Total
(abs.) Rede Geral
Fossa Séptica
Fossa Rudim.
Vala Rio/Lago Mar
Outro Escoad.
Sem Esgotam.
Total
Copacabana 2380 96,6 0,5 0 1,2 0 0,1 1,5 100,0 Jacarepaguá 18467 38,0 13,0 8,4 20,7 18,5 0,2 1,2 100,0 S. Camará 9547 51,1 33,5 1,7 10,7 1,7 0,2 1,1 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Como já era previsto, Senador Camará apresenta certa precariedade no atendimento
desse serviço nas favelas do bairro. Por outro lado, elas são bem atendidas quanto à coleta de
lixo, em relação às outras áreas, conforme mostra a tabela abaixo:
Tabela 18 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros - 2000
Bairro Total
(abs.) Coletado
Porta/porta Coletado Caçamba
Queimado Enterrado Jogado
Terreno
Jogado Rio/lago Mar
Outro Destino
Total
Copacabana 2380 18,4 81,0 0 0 0,6 0 0 100,0 Jacarepaguá 18467 52,9 45,0 0,4 0 1,1 0,6 0 100,0 S. Camará 9547 91,1 6,4 0,7 0 1,5 0,1 0,1 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Em Copacabana, a maior parte do lixo é coletada em caçamba, pois são favelas
formadas por becos e vielas, localizadas em áreas íngremes, de difícil acesso aos caminhões
da Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza Urbana. Nessas comunidades, a coleta é
feita através de caçambas, colocadas em locais estratégicos para posterior recolhimento pela
Comlurb.
Em Jacarepaguá também é alto o índice de lixo coletado em caçamba nas favelas do
bairro. No entanto, observamos que essa é uma modalidade utilizada no bairro em geral,
segundo dados da prefeitura, apenas 63,9% do lixo domiciliar do bairro é coletado pelo
serviço de limpeza; 33,6% é coletado em caçamba; 0,98% é queimado; 0,04% é enterrado;
1,08% é jogado em terreno baldio; e 0,37% é jogado em rio, lago ou mar.
O alto índice de coleta de lixo porta a porta apresentado em Senador Câmara, pode ser
explicado pelo fato de que as favelas são localizadas em local de fácil acesso, e o bairro como
um todo ser bem atendido nesse serviço, pois 91,94% dos domicílios são atendidos pela coleta
do serviço de limpeza urbana.
140
Para Preteceille e Valladares (2000), essas transformações também servem de
parâmetros indicativos da diversidade das favelas. Os autores analisaram os 1.117 setores
censitários de favelas, constatando as diversidades existentes, principalmente em relação à
dotação de infra-estrutura básica e à composição social.
As tabelas abaixo comparam favelas consolidadas5 nos bairros acima analisados, com
as do nosso estudo de caso, em relação à infra-estrutura básica.
Tabela 19 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em Favelas selecionadas - 2000
Favela Total
(abs.) Rede Can.
Dom. Rede Can. Terreno
Poço Can.Dom.
Poço Can.Terreno
Poço não- Canaliz.
Outra Forma
Total
Morro do Sossego 113 78,8 0 0 0 0 21,2 100,0 Pavão-Pavãozinho 1273 96,1 2,7 0 0 0 1,1 100,0 Rio das Pedras 5444 92,8 6,3 0,1 0,1 0 0,7 100,0 Asa Branca 567 97,5 1,9 0,2 0 0 0,3 100,0 Verde é Vida 121 37,2 19,8 0 0 0,8 42,1 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Em relação ao abastecimento de água, Asa Branca apresenta o mesmo resultado das
favelas consolidadas – Pavão-Pavãozinho e Rio das Pedras, ou seja, a maior parte dos
domicílios é atendida por rede canalizada. Esse fato tem relação com a localização
privilegiada das comunidades, totalmente inseridas na malha urbana; por serem, no caso de
Asa Branca e Rio das Pedras, favelas planas; e também pode ter relação com o grau de
mobilização da comunidade, no sentido de reivindicarem o serviço junto aos Órgãos Públicos
e/ou o implantarem através de mutirão comunitário.
As favelas Morro do Sossego e Verde é Vida, localizadas em Senador Camará,
apresentam menor taxa de domicílios com rede canalizada, devido a sua topografia íngreme,
exigindo instalação de bombas de recalque. A implantação do sistema de bombeamento é
oneroso para essas comunidades, de perfil demográfico bastante carente.
A tabela abaixo apresenta o percentual de domicílios por tipo de esgotamento sanitário, nas
favelas selecionadas e nas dos estudos de caso.
5 Foi selecionada 1(uma) favela de cada bairro objeto da pesquisa , e aleatóriamente, 1 (uma) favela consolidada de um bairro consolidado da cidade.
141
Tabela 20 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em Favelas
selecionadas - 2000
Favela Total (abs.)
Rede Geral
Fossa Séptica
Fossa Rudim.
Vala Rio/Lago Mar
Outro Escoad.
Sem Esgotam.
Total
Morro do Sossego 113 92,0 1,8 0 0,9 0,9 0,9 3,5 100,0 Pavão-Pavãozinho 1273 96,0 0,5 0 1,4 0 0 2,0 100,0 Rio das Pedras 5444 53,4 0,9 14,0 25,8 6,6 0 0,4 100,0 Asa Branca 567 40,7 54,8 0,2 2 2,3 0,5 1,4 100,0 Verde é Vida 121 77,7 8,3 0 0,8 0 3,3 9,9 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
Observa-se que Morro do Sossego e Pavão-Pavãozinho são as que apresentam maior
percentual nas ligações à rede geral. Em relação à segunda favela, isso deve-se ao fato de ser
uma favela atendida pelo Programa Favela-Bairro, que supriu a deficiência da comunidade no
atendimento desse serviço. No caso de Morro do Sossego, provavelmente, sua localização
deve ser bem atendida nesse serviço, já que Verde é Vida, localizada em área contígua à
favela, também apresenta um percentual comparativamente maior em relação à Asa Branca e
Rio das Pedras. Esta última, apesar de também estar sendo objeto de intervenção do Programa
Favela-Bairro, apresenta baixo atendimento aos domicílios no esgotamento sanitário ligados à
rede geral. A explicação pode estar no fato de que o bairro de Jacarepaguá, onde localiza-se a
favela e também Asa Branca, apresenta deficiências no atendimento desse serviço de forma
geral. No bairro, apenas 44,8% dos domicílios estão ligados à rede geral; 15,9% são atendidos
por fossas sépticas; 6,2%, por fossa rudimentar; 16,2% dos domicílios lançam o esgoto em
rio, lago ou mar; e 2,4% o fazem por outro escoamento ou não possuem esgotamento algum.
Em relação ao destino do lixo, observa-se que as favelas recentes têm melhor
atendimento do que as consolidadas.
Tabela 21 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros - 2000
Favela Total
(abs.) Coletado
Porta/porta Coletado Caçamba
Queimado Enterrado Jogado
Terreno
Jogado Rio/lago Mar
Outro Destino
Total
Morro do Sossego 113 30,1 69,9 0 0 0 0 0 100,0 Pavão-Pavãozinho 1273 5,9 92,8 0,1 0 1,2 0 0 100,0 Rio das Pedras 5444 51,3 47,7 0 0 0,9 0 0 100,0 Asa Branca 567 99,6 0,4 0 0 0 0 0 100,0 Verde é Vida 121 100,0 0 0 0 0 0 0 100,0
Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000
142
O fato de Asa Branca e Verde é Vida apresentarem os maiores índices de recolhimento
de lixo porta à porta, deve-se à facilidade de acesso em relação às vias de tráfego, e também
contam com os serviços de garis comunitários. Pavão-Pavãozinho e Morro do Sossego, pela
topografia íngreme, dificulta o acesso dos caminhões da Comlurb. Rio das Pedras, apesar de
plana, é uma comunidade muito grande, que ainda tenta se adaptar às intervenções do Favela-
Bairro, com a implantação dos garis comunitários.
No processo de valorização do espaço interno da favela, os setores da classe média
baixa passaram a ter acesso à favela por “filtragem descendente”, ou seja, a perda do poder
aquisitivo e a instabilidade da renda desse segmento social o levam a encontrar na favela a
possibilidade de adquirir imóveis sem as restrições legais impostas pelo mercado formal.
Outra conseqüência da valorização interna da favela é o aumento no valor dos aluguéis.
(Carvalho, 1996).
A pesquisa realizada na Favela do Jacarezinho por Souto de Oliveira (op. cit.), revela a
evolução dos preços dos imóveis ao longo do tempo, em função das melhorias do padrão
habitacional, destacando a diferenciação existente intra-favela devido à localização do imóvel
em relação ao comércio local, acessibilidade ao bairro, etc.
Quadro 7 - Padrão Construtivo das Moradias em Asa Branca
Padrão Construtivo
80%
9%10% 1%
Alvenaria com lajeAlvenaria sem lajeBarraco de MadeiraBarraco de Taipa
Quadro 8 - Padrão Construtivo das Moradias em Verde é Vida
Padrão Construtivo
38%
40%
18% 4%
Alvenaria com laje
Alvenaria sem laje
Barraco de Madeira
Misto
143
Uma conseqüência do processo de valorização dos imóveis é a concorrência entre a
população pela posse dos barracos e casas. Assim, as favelas, principalmente as melhores
localizadas, deixam de ser opção de moradia para determinado segmento da população.
O trabalho de Riofrío e outros autores se dedicou à análise do processo de reprodução das
favelas na América Latina, basicamente decorrente do desdobramento familiar. O processo de
formação das favelas obedeceria quatro etapas:
1. A que precede a formação – iniciativa e organização da ocupação do terreno, que pode ser
resultado da organização de famílias, da iniciativa do poder público, de políticos locais, ou a
conjunção de todos eles.
2. A ocupação do terreno de forma violenta e ilegal, ou ordenada e organizada pelo estado ou
associações.
3. Edificação da moradia, iniciada de forma precária e provisória e termina com a
regularização.
4. Consolidação, que significa a evolução da favela, tanto física, demográfica e
administrativamente.
Tomando essa periodização como referência, algumas mudanças podem ser evidenciadas,
a partir da década de 80, em relação à estruturação do espaço favelado, no Brasil (Taschner,
2003):
• O padrão de moradias – de madeira e sem serviços, para alvenaria e dotadas de água,
luz, esgoto e coleta de lixo;
• Acesso à moradia – do acesso à custo zero, a residência tinha apenas valor de uso,
para crescente mercantilização e a residência passou a ter também valor de troca;
• Políticas de intervenção – da remoção/erradicação para urbanização e regularização;
• Desenho urbano – as favelas vêm se verticalizando e apresentando traçado regular dos
lotes;
• Diferenciação sócio-espacial intra-favela – a heterogeneidade nas grandes favelas;
• Narcotráfico – implicou em mudanças na estrutura social da favela, com a imposição
de poder paralelo, do medo e do retorno da figura do marginal associada ao morador;
• Tempo de moradia – a favela deixa de ser local de passagem e passa a ser parte
integrante e estrutural da cidade brasileira.
144
Os novos fenômenos (densificação e formação) são produto da dinâmica demográfica,
social, política e espacial, cujo ponto de partida coincide com a aceleração do crescimento
urbano. È preciso compreender essa dinâmica, para se entender os novos fenômenos de
continuidade na formação de favelas na cidade.
145
4. Requalificação da Favela: uma revisão dos conceitos Nesse item discutiremos, em primeiro lugar, as diferenças e similaridades entre os dois
Estudos de Caso – favelas de Asa Branca e Verde é Vida, para avaliarmos em que medida
houve ou não alterações na configuração espacial e forma de acesso às favelas a partir dos
anos 80, e se essas alterações, caso tenham ocorrido, podem ser consideradas hegemônicas, ou
seja, ocorreram de forma dominante em todas as áreas da periferia do Rio de Janeiro. Em
seguida, apresentaremos um resumo da evolução da noção de favela, desenvolvida, ao longo
do tempo, por órgãos oficiais de estudo e pesquisa e de políticas públicas e pesquisadores
acadêmicos, com o objetivo de confronta-las com a realidade atual. Acrescentaremos à
abordagem brasileira, uma breve comparação com estudos desenvolvidos em algumas cidades
latino-americanas, com o intuito de identificar similaridades e diferenças.
Na maioria das cidades latino-americanas, o acesso à terra urbana pelos pobres se dá
através da informalidade fundiária e urbanística. No caso argentino, por exemplo, os novos
“assentamentos” ou invasões de terra urbana que surgiram nos anos 80 e 90, se distinguem
dos antigos pelo traçado urbano regular e planejado, tais como os dos loteamentos regulares.
As ocupações são decididas e organizadas coletivamente e objetivam a regularização futura.
Nesse sentido, se assemelham às tendências recentes observadas na cidade do Rio de Janeiro.
No Peru, desde a década de 60, as favelas foram interpretadas como uma forma de
crescimento da cidade, buscando-se conhecer a dinâmica de seu crescimento. Ao contrário do
Brasil, nas décadas de 60 e 70, elas eram reconhecidas pelo governo e dotadas de infra-
estrutura.
O interesse na abordagem da forma de ocupação e estruturação desses assentamentos
nos dias de hoje, comparando-os com o Brasil, está centrado nas peculiaridades em relação à
postura do governo frente ao surgimento e expansão dessa forma de acesso à terra e moradia
pelos pobres urbanos.
4.1. Similaridades e diferenças entre as favelas: os casos de Asa Branca e Verde é Vida
A literatura tem apontado que a noção de favela está relacionada a sua imagem
externa. Essa imagem, geralmente interpreta a favela como lugar homogêneo, solução
habitacional dos pobres e expressão das contradições urbanas e de articulação da força de
trabalho na produção capitalista.
Estudos de Valladares e Preteceille (1999), baseados nos setores censitários da cidade
do Rio de Janeiro, revelaram a existência de grande heterogeneidade social nos assentamentos
146
ilegais ou irregulares, e identificaram características semelhantes aos demais assentamentos
populares no que se refere à concentração da pobreza e qualidade da urbanização.
O processo de diferenciação inter e intrafavelas é determinado por duas dinâmicas. A
primeira diz respeito à valorização imobiliária de favelas localizadas em áreas da cidade que
receberam investimentos públicos; e a segunda decorre dos investimentos realizados na
favela, seja pelos programas governamentais, seja pelas melhorias realizadas pela própria
comunidade.
Os principais elementos indicativos de sua diversidade são a localização na cidade,
relevo do terreno, grau de consolidação, verticalização, nível dos equipamentos urbanos e
serviços, etc. Essas diferenças são identificadas no discurso do morador. Em Asa Branca,
67,8% (59) do total dos entrevistados (87), definem o lugar onde moram como comunidade, e
apenas 10,3% (9), o definem como favela. Já em Verde é Vida, a maioria (52,0%), que
corresponde a 26 moradores do total de 50 entrevistados, consideram seu lugar de moradia
como favela, contra 36,0% (18) que o consideram comunidade.
Ao serem questionados sobre o significado de favela, observamos no discurso dos
moradores das duas áreas, tanto os que se referiram a seu lugar de moradia como favela ,
quanto aos que se referiram a ele como comunidade, muita semelhança na definição.
Basicamente sobressaem expressões como lugar desordenado, com alta densidade, formado
por vielas e becos, que tornam impossível a passagem de carro. Em referência ao lugar,
também é constante a palavra violência, lugar da violência, do tráfico de drogas, da boca de
fumo. À semelhança das definições presentes na Teoria da Marginalidade da década de 60,
muitos moradores definiram favela como lugar de moradia de bandidos, vagabundos, gente
promíscua e ignorante, para qualificar também a sua própria favela.
Em Asa Branca, não existe tráfico de drogas. O controle da violência é feito por um
“matador” que não é o líder da comunidade, mas uma espécie de segurança e mantenedor da
paz local; já em Verde é Vida, a presença do tráfico impõe restrições às melhorias internas na
favela, pois a Associação de Moradores fica enfraquecida, à mercê do domínio dos bandidos.
Na definição também é recorrente a referência ao padrão habitacional, ao relacionarem favela
a existência de barracos de madeira.
O que chama a atenção, é que este discurso também pertence aos que moram em
Verde é Vida, ocupação que difere de Asa Branca pelo traçado irregular, seus becos e
barracos de madeira, justificando o reconhecimento do lugar como favela, pela maioria dos
entrevistados. Observamos desse modo, que a imagem que os “de fora” têm da favela, e que
147
até então contribuiu para a construção de conceitos, também é compartilhada pelos moradores
da Favela Verde é Vida.
O olhar da cidade pelo morador da favela, ultrapassa a fronteira favela/centro, e
percebe-se a sua experiência urbana e sua interação com a cidade, sua forma de apropriação
da cidade. Os moradores da favela ao falarem do seu cotidiano, tentam desmistificar a
imagem que os de fora têm da favela: lugar da violência, da criminalidade, dos pobres (Silva
& Souza, 2001). Segundo Silva e Souza (op.cit.), “Falar do seu lugar é uma forma do pobre
construir a sua imagem, o seu referencial, na desconstrução de um discurso oficial”(p. 976).
“A favela traz toda a problemática da construção da cidade moderna, mas a desconstrução
da imagem oficial é no sentido de marcar que ela não é o problema da modernidade, mas é
também fruto de sua contradição. Assim, a favela é parte dessa construção urbana não
compatibilizada” (p. 975-976).
Em Asa Branca, ao desmistificarem o olhar externo, definem a sua imagem, constroem
sua identidade, constroem a favela para além das representações externas. Ao falarem do seu
lugar, os pobres desconstroem o discurso oficial. Em Verde é Vida não, eles reproduzem a
visão externa, se identificam com ela. No caso de Asa Branca, os moradores vêem a favela
no outro; no caso de Verde é Vida, reconhecem que o lugar onde moram é o lugar descrito na
definição, ou seja, é favela.
As favelas sempre foram vistas, pelo senso comum e pela Teoria da Marginalidade,
como “imundas e insalubres”, lugar da desordem social, da desintegração familiar, da anomia,
do crime, da violência, da promiscuidade. Hoje essa imagem ainda persiste, principalmente
pela presença do tráfico de drogas. No entanto, olhando nossos resultados e estudos
precedentes e em curso, devemos reconhecer que há um esforço, tanto dos moradores, quanto
do Poder Público, através de Programas de Intervenção como o Favela-Bairro, Bairrinho,
Grandes Favelas, etc., em superar essa imagem.
Identificaremos agora as diferenças e semelhanças entre as duas favelas estudadas, a
partir de dois eixos paradigmáticos para análise das características desses assentamentos
habitacionais: os aspectos sócio-econômicos e demográficos e a estruturação espacial.
1. Aspectos Sócio-econômicos e demográficos
No que se refere à composição domiciliar, encontramos similaridade entre as favelas
estudadas. Tanto em Asa Branca, quanto em Verde é Vida, predominam o tipo familiar casal
com filhos (50,0% dos casos). O segundo tipo familiar mais encontrado é o de mulher chefe –
sem cônjuge – com filhos. Em Asa Branca, esse tipo familiar soma 17,0% e em Verde é Vida,
148
12,0%. Essa última possui um diferencial em relação à primeira, no que se refere à família
unipessoal. Em Verde é Vida, elas somam 12,0%, enquanto em Asa Branca, não chegam a
3,0%. No total, o percentual de domicílios chefiados por mulheres é maior em Verde é Vida
(26%); em Asa Branca eles estão em torno de 20%.
Em relação à composição etária dos moradores, Verde é Vida concentra um número
maior de crianças de até 9 anos de idade do que Asa Branca. Nas faixas entre 10 e 19 anos e
entre 20 e 29 anos, apresentam equilíbrio, demonstrando que a composição das favelas
recentes é de famílias jovens, com filhos pequenos, de certo modo confirmando a tese da
segunda geração de moradores de favelas, já que encontramos em Asa Branca (42,5%) e em
Verde é Vida (36,0%), moradores provenientes de outras favelas da cidade, com histórias de
vida semelhantes em relação à origem de seus familiares.
Quanto à escolaridade, observa-se equilíbrio entre os dois casos. Tanto Asa Branca,
quanto Verde é Vida concentram chefes de domicílio com nível de escolaridade entre 2 e 5
anos de estudo, correspondendo a mesma faixa de escolaridade encontrada nos responsáveis
pelo domicílio de todas as favelas localizadas nos bairros de Jacarepaguá e Senador Camará,
respectivamente.
Apesar do equilíbrio no nível de escolaridade entre as favelas estudadas, há bastante
diversidade no nível de renda dos responsáveis pelos domicílios. No caso de Asa Branca, o
rendimento nominal dos chefes de domicílio é muito superior aos da Favela Verde é Vida,
que apresenta alto percentual de chefes de domicílio sem rendimento. Isso se deve, em
primeiro lugar, ao fato da taxa de desemprego em Asa Branca ser menor (46%) do que em
Verde é Vida (53%); e também porque encontramos um número maior de responsáveis pelos
domicílios no mercado de trabalho informal em Asa Branca. Em segundo lugar, o nível de
renda dos chefes de domicílio de todas as favelas localizadas no bairro de Senador Camará,
onde se localiza Verde é Vida, é menor em relação aos chefes de domicílio de todas as favelas
localizadas em Jacarepaguá. Por fim, há que se considerar o índice de desemprego em Verde é
Vida, mais expressivo do na favela de Jacarepaguá.
Quanto à origem dos moradores das favelas estudadas, observa-se similaridade, pois
aproximadamente 50% dos entrevistados são naturais da cidade do Rio de Janeiro, mais uma
vez confirmando a tese de que as favelas recentes são, em grande medida, formadas por
pessoas que já residiam na cidade.
149
2. Estruturação Espacial
No processo de ocupação, observamos diferenças entre os dois casos. A tese de que as
favelas recentes, formadas a partir de 80, principalmente no final dos anos 80 e início dos
anos 90, se constituíram, a partir de invasões coletivas organizadas, por lideranças
comunitárias, com ajuda da Igreja Católica e políticos locais, se confirma para Asa Branca;
para o caso de Verde é Vida, não.
Em Asa Branca, nas quatro etapas de invasão, mencionadas anteriormente, e
principalmente na última invasão, chamada de “Quinto dos Infernos”, encontramos
características de invasão coletiva, seja pelo traçado dos “lotes”, seja pela forma como os
moradores vêm se organizando para permanecerem no local, exercendo uma “administração”
compartilhada. Dos entrevistados na pesquisa, 49,4% responderam que a forma de ocupação
foi coletiva, e 21,9% deles participaram da invasão.
Em Verde é Vida, apesar de, a princípio, ter sido organizada por moradores do
Conjunto Habitacional da COHAB, localizado próximo à área ocupada, que decidiram ocupar
a área para deixarem de pagar aluguel e/ou prestação da unidade residencial no conjunto, não
houve preocupação, na época da invasão, em se formar uma comunidade organizada para
reivindicarem melhorias e regularização. A maior parte dos primeiros ocupantes, não morava
em favelas, como já mencionamos, vieram do conjunto habitacional. Os subseqüentes vieram
aos poucos, configurando um processo de ocupação semelhante ao encontrado nas primeiras
favelas da cidade. Isso é percebido quando identificamos que em Asa Branca, 51,7% dos
entrevistados afirmaram conhecer as pessoas que participaram da invasão; em Verde é Vida,
apenas 40% disseram conhecer os primeiros ocupantes, não porque participaram do processo,
mas sim ficaram sabendo da possibilidade de acesso àquela área, por parentes e amigos.
Embora diferentes na forma de organização da ocupação, os dois casos são
semelhantes na forma de acesso ao lote e/ou moradia na favela. A maior parte dos
entrevistados teve que pagar pelo acesso; 63% em Asa Branca e 56% em Verde é Vida. Ou
seja, as favelas recentes, podem apresentar diferenças/mudanças na forma de ocupação em
relação às favelas formadas até os anos 80, porém, tão logo passe a primeira fase, quando os
primeiros ocupantes chegam ao local e “demarcam” seu lote, passa-se a se constituir um
mercado imobiliário informal. Alguns invadem apenas para garantir alguns lotes e depois
vende-los. Com a evolução da ocupação da favela, esta entra em processo de consolidação
com o aumento das unidades habitacionais, através da verticalização e adensamento
(subdivisão dos lotes); surgimento de comércio e serviços, ela passa a apresentar as mesmas
150
características das favelas antigas. Ou seja, o acesso à moradia passa a ser via mercado
(compra e venda ou aluguel de imóveis).
No caso de Asa Branca, a princípio fomos informados por um dos organizadores da
última invasão, “Quinto dos Infernos”, que o acesso teria sido a custo zero. No entanto,
encontramos uma situação bem diferente. A área foi ocupada pelos organizadores da invasão,
subdividida em lotes de 8 x 15 m, que foram vendidos em 10 (dez) parcelas de R$ 150,00
(cento e cinqüenta reais).
Para se entender o processo de formação de favelas é preciso que se coloquem duas
questões: o endereço anterior do morador, e os motivos para a mudança para a área ocupada.
Tanto em Asa Branca (44,8%), quanto em Verde é Vida (58%), o principal motivo declarado
foi morar em seu próprio imóvel; e o segundo motivo, está relacionado ao ciclo de vida,
principalmente à formação de novas famílias, confirmando a hipótese da segunda geração de
migrantes na formação de novas favelas.
A hipótese tradicional trabalhada nos estudos de localização residencial, destaca a
proximidade ao local de trabalho como principal motivo para a mobilidade residencial dos
pobres. Nos nossos casos, esse motivo não foi valorizado. Podemos interpretar isso, em
primeiro lugar, pelo fato da maioria dos entrevistados ter endereço anterior em local próximo
ao atual. Essa variável, portanto, não foi afetada, pois a maior parte declarou trabalhar em
local próximo da área ocupada. Em segundo lugar, as duas áreas são bem atendidas em
transporte coletivo, garantindo acesso fácil e relativamente rápido a outras áreas da cidade.
O terceiro motivo mais declarado pelos moradores entrevistados nas duas favelas, foi
fugir da violência do endereço anterior. Em muitas favelas da cidade, a situação chega a um
ponto que inviabiliza a permanência. Em alguns casos, a família é expulsa pelos criminosos
que dominam o lugar.
Quanto à forma de construção, a autoconstrução é a forma tradicional de construção de
moradias em favelas. Objeto de polêmicas discussões entre os que a consideram como
“alternativa altamente espoliativa”, na medida em que se constitui em sobre-trabalho gratuito
e que priva o trabalhador do seu tempo de descanso e laser (Kowarick, 2000); e os que a
consideram solução para os pobres buscarem sua casa própria, que passa a ter um valor de
troca (venda ou aluguel) (Bonduki, N & Rolnik, R., 1979). Encontramos em Asa Branca 84%
dos casos de produção de moradia por autoconstrução, sendo que 55,1% sem ajuda de
parentes ou amigos. Já em Verde é Vida, 59% dos moradores construíram sua própria
moradia, sendo que apenas 8% receberam ajuda alheia. Nos surpreendeu o alto índice de
contratação de mão-de-obra (32%), em uma favela tão carente!
151
Em relação às relações de vizinhança, Asa Branca apresentou laços de amizade e
solidariedade mais fortes do que Verde é Vida, 85% e 67%, respectivamente. A principal
cooperação entre os vizinhos, declarada nas duas favelas, é o mutirão nos serviços de infra-
estrutura. No entanto, observamos uma situação diferente em Verde é Vida; as obras em infra-
estrutura são inexistentes. Percebemos que o tipo de solidariedade existente nesta favela, está
na ajuda com os filhos pequenos e no sustento dos mais carentes. Talvez os informantes se
sentissem constrangidos em declarar o tipo de auxílio recebido. Essa informação nos foi dada
pelo vice- presidente da Associação de Moradores.
Em relação à estruturação do espaço, os aspectos que mais as diferenciam são o
desenho urbano, a infra-estrutura básica e o padrão construtivo.
No Anexo II apresentamos fotos das principais diferenças entre as favelas Asa Branca
e Verde é Vida.
4.2. Favelas dos anos 90: permanências e superações
Nesse item discutiremos, a partir da análise da formação, composição demográfica, e
padrão habitacional das favelas Asa Branca e Verde é Vida, se houve ou não mudanças no
processo de estruturação das favelas recentes, em relação às favelas formadas até o final da
década de 70, que coloquem em cheque a noção de favela tradicionalmente utilizada pelos
pesquisadores e Órgãos de Políticas Públicas.
A distinção clássica entre favela e outras formas de assentamento de baixa renda é a
ocupação ilegal da terra. Perlman (1977), identificou três definições de favela construídas a
partir do ponto de vista de arquitetos, urbanistas e planejadores, estudiosos do tema, reunidos
em uma conferência realizada no Rio de Janeiro em Janeiro de 1969:
1. Favela como Aglomeração Patológica – seriam espaços ocupados desordenadamente e
sem infra-estrutura, por vagabundos, desempregados, bêbados e prostitutas, ou seja,
pelos marginais, que seriam parasitas da sociedade. Sob esse ponto de vista, a favela
era considerada como um mal a ser erradicado, pois impedia a ocupação ordenada em
áreas valorizadas e desvalorizavam áreas vizinhas, causando impacto negativo na
paisagem urbana.
2. Favela como comunidade em busca de superação – essa é a antítese do primeiro ponto
de vista, constituindo-se numa visão positiva da favela. Os moradores seriam
trabalhadores e honestos, que contribuíam para a economia também como
consumidores. A integração com a cidade viria gradativamente através dos
investimentos na infra-estrutura e melhoria de suas casas, como também pela
152
capacidade de organização interna da comunidade. Essa visão suscitaria outras
diretrizes de intervenção política; não mais se removeriam as favelas, mas sim se
adotariam políticas de urbanização e legalização.
3. Favelas como calamidade inevitável – seria conseqüência do crescimento urbano, que
surge diante do grande fluxo migratório versus a impossibilidade do mercado absorver
todo o contingente. Os que viam a favela sob esse ponto de vista, consideravam o
favelado como “pobres coitados” que necessitavam de ajuda, desencadeando em uma
série de políticas paternalistas como distribuição de alimentos, roupas, entre outras.
No caso do Rio de Janeiro, devido ao esgotamento de áreas nas favelas consolidadas,
as novas favelas se formam nas áreas de expansão urbana do município, ou no leito dos rios e
ao longo das vias férreas. A escassez de áreas próximas ao centro é a característica que marca
os anos 90. A disputa por terrenos adquire outra dimensão, já não consiste mais na disputa por
melhores áreas, e sim pelas únicas.
O que vem ocorrendo nas favelas consolidadas é um processo de desfavelização, ou
seja, perda das características que definiam a favela até o final da década de 70, tais como o
predomínio de habitações rústicas, ausência de infra-estrutura, desalinhamento do traçado
urbano, etc. Segundo Perlman (op. Cit.), a favela era vista como o gueto onde todos que nela
moram são marginais, no sentido de quem está fora é integrado, quem está dentro é excluído.
A definição de marginalidade parte do habitat dos pobres. A favela é a ocupação ilegal da
terra, lugar de construções de baixo padrão, de alta densidade e sem infra-estrutura básica.
Essa forma de ver a favela e seus moradores predominou até o final da década de 70 e
orientou a pesquisa de estudiosos nacionais e estrangeiros. Estudos clássicos enfocaram as
favelas sob diferentes abordagens, que vão da referência espacial e jurídica à composição
sócio-demográfica de seus habitantes.
A seguir, confrontaremos alguns conceitos que orientaram pesquisas em favelas do
Brasil e de outros países da América Latina, destacando-se o caso do Peru.
Conceitos de favelas por pesquisadores nacionais
Nos anos 60, os estudos de Parisse relacionavam a favela às condições habitacionais
dos pobres. Para o autor, favela seria “habitação pobre, precária, agrupada no mínimo em 20
unidades, instaladas em terreno não utilizado pela construção organizada, isto é, fora da
especulação imobiliária” (Parisse, 1969:25).
153
No final dos anos 60, surge outra corrente de reflexão que interpretava a favela como
um processo, baseado no modo de ocupação do espaço. A favela era concebida como um
modo de urbanização, analisado no contexto global da cidade e das relações sociais que nela
se desenvolvem.
O estudo de Alexandrina Moura (1982) sobre as invasões em Recife fez uma distinção
entre os termos “ocupação” e “invasão”. O primeiro seria a apropriação coletiva de áreas
públicas, privadas ou mistas, que se dá de forma gradual e não conflitiva, contando, em geral,
com o consentimento dos proprietários. A “invasão” seria a apropriação coletiva de áreas
públicas, privadas ou mistas, que se dá de forma repentina e conflitiva. Elas podem ser
classificadas em invasões primárias, que são apropriações feitas de uma só vez em áreas onde
não existem outras invasões, e invasões secundárias, que são feitas em áreas onde já existem
ocupações ou invasões primárias.
No caso do Rio de Janeiro, o início dos anos 80 é marcado por uma série de invasões.
Valladares (1983) apontou as invasões como uma nova tendência do processo de favelização
do Rio de Janeiro a partir da década de 80. De acordo com a autora,
“Contrariamente à favela, que já tem tradição, a invasão organizada se constitui em um fato relativamente novo no contexto carioca, aparecendo pela primeira vez em fins de 1981, quando se registram duas ocupações de terrenos em Jacarepaguá” (p.1).
Em seu estudo, Valladares parte do pressuposto que invasão e favela têm significados
diferentes, pois se referem a situações distintas. A principal oposição entre uma e outra estaria
no tempo de ocupação. Enquanto a favela define-se por uma “área mais antiga, já
consolidada, integrada por moradias predominantemente em alvenaria e dotadas de um
mínimo de serviços de infra-estrutura e equipamentos urbanos” (Valladares,1983:3), a
invasão é “provisória e efêmera”. Neste caso, uma invasão pode tornar-se uma favela com o
decorrer do tempo, apesar da autora afirmar que o processo mais freqüente de formação de
favelas não passa pela invasão.
Segundo a autora, invasão tem caráter temporário, surge do dia para a noite,
“resumindo-se a sua existência a lotes marcados com piquetes, cordão e corda que logo são
demarcados”; e caráter precário, por se constituir de casebres construídos com materiais
descartáveis como papelão, tábuas, etc., em área sem nenhuma infra-estrutura urbana.
Gordilho, concorda com a autora:
154
“Uma área originada por invasão coletiva, geralmente constitui uma favela, mas não necessariamente uma favela origina-se por invasão coletiva, podendo ter havido permissão de uso, como no caso das pioneiras no Rio de Janeiro. O conceito de favela é áreas precárias de ocupação ilegal, no entanto, existem situações diversas e complexas abrangendo outras formas de ocupação habitacional informais, que também poderiam ser consideradas favelas”. (Gordilho, 2000:100)
De modo geral, a invasão poderia ser definida como uma forma de apropriação
coletiva de um terreno, previamente planejada entre um grupo de famílias e contando com o
apoio de segmentos organizados ou grupos políticos, que demarcam e distribuem os lotes.
Para Valladares (op. Cit.), a origem da favela difere da invasão, pois sua formação decorre de
um ato individual e gradativo.
Do ponto de vista jurídico, de acordo com o Código Civil, favela e invasão diferem. A
diferença está no período de ocupação. Na invasão, este não passa de um ano e um dia; a área
invadida passa a ser considerada favela se a ocupação ultrapassar um ano (Valladares, op.
cit.). No caso da invasão ocorrer em terra pública, os invasores podem ser expulsos em 24
horas, mediante uma ordem administrativa; em terras privadas, a expulsão ocorre de ordem
judicial mediante pedido de reintegração de posse feito pelo proprietário do terreno. No caso
de favela, os ocupantes podem recorrer judicialmente quando ameaçados de expulsão.
A partir dos anos 80, surge outro enfoque nos estudos de favelas, destacando-se o
caráter jurídico dessa forma de assentamento humano. Os estudos passam a discutir a questão
da informalidade/ilegalidade da ocupação. Segundo Lins (2003), o significado de ilegalidade
varia de acordo com os diferentes interesses e identifica quatro grupos: os proprietários;
outros cidadãos; os gestores do espaço urbano e a justiça, ressaltando a importância do
entendimento dos mecanismos usados pelas classes de renda média e alta na produção de seus
espaços habitacionais. Até que ponto são diferentes dos da pobreza?
Para Davidovich (2001), o pensamento dominante sobre o espaço favela, é que ela é o
lugar da pobreza. Em geral as visões sobre a favela são dicotômicas: lugar exótico ou
marginal à cidade versus lugar definido ou limitado por imposições externas; espaço
homogêneo versus heterogêneo; e, solucionado politicamente pela remoção versus
urbanização.
No campo das representações, temos o trabalho de Souza e Silva (2001)1 que analisa
os pressupostos que sustentaram as representações em relação às favelas e aos seus
moradores. Segundo o autor, novas representações e práticas sociais estão sendo produzidas
1 Souza e Silva,J. “Um Espaço em Busca de seu Lugar: As Favelas para Além de seus Esteriótipos”. OSF
155
nas favelas e outros espaços da cidade. As representações tradicionais dificultam a
compreensão ampliada do fenômeno da favelização, e o encaminhamento de formas de tratar
a questão. Sua pesquisa abordou diferentes grupos sociais em torno do conceito de favela,
revelando uma homogeneidade de opiniões. “O eixo paradigmático de representação desse
espaço popular é a noção de ausência” (p.4). A definição de favela é construída em função
do que ela não é, ou do que ela não tem.
Outro elemento de representação é sua homogeneidade, apesar da existência de
diversas tipologias habitacionais (casas, apartamentos, acabadas, precárias, inacabadas, etc.),
em diferentes topografias e forma de ocupação do espaço (densidade), e diferente perfil
populacional. A definição da favela como espaço homogêneo assenta-se na preservação de
valores comuns e relações interpessoais, garantidos por um relativo isolamento geográfico.
Hoje, essa imagem não se mantém totalmente, porém interesses políticos ainda se apropriam
dela.
A percepção da favela pelos diferentes grupos sociais foi também ampliada aos
conjuntos habitacionais. Esse é o caso principalmente de construção, pelo poder público
através de políticas habitacionais, de edificações dentro das favelas para abrigar famílias que
moravam em área de risco, como é o exemplo do Complexo da Maré, que removeu as
famílias que ocupavam as palafitas.
Conceitos de favelas por pesquisadores estrangeiros
Os Leeds (1969) consideravam as favelas brasileiras como categorias residenciais,
cuja única característica constante é sua origem ilegal e desordenada. Matos Mar (1961), em
seus estudos, também descrevia as favelas de Lima a partir da ocupação ilegal do solo, mas
atribuía certa organização das famílias nessas ocupações.
Na primeira metade dos anos 60 iniciam-se vários estudos sobre favela no Peru,
destacando-se os trabalhos de John Turner (1963, 1965, 1967 e 1968). Nesse período, a favela
era interpretada em termos de carências, pressupondo que a supressão destas elevaria a favela
à condição de bairro popular legal, e, portanto, à solução do problema.
“... los barrios formados sobre tierras invadidas, y que no se conforman a un plan trazado preconcebido o que lo tiene muy rudimentario, carecen de los servicios públicos y sociales más elementales y en ellos se dan las condiciones de la insalubridad ambiental más deplorable” (Driant, 1991:17)
156
Para Frank Bonilla e Richard Morse (1965) apud Perlman (1977), as favelas eram
cinturões de miséria, lugar subhumano, foco de enfermidade, crime e desorganização social.
Apesar desse quadro, elas representam novas oportunidades para os migrantes rurais, de
reconstrução social com base na comunidade de vizinhos e parentesco, onde a coesão social
representa novas formas de solidariedade e inserção social e política. Turner e Mangin (s/d)
discordavam das idéias de desorganização social, delinqüência e ruptura familiar. Para os
autores, as favelas eram formadas por famílias pobres, unidas por fortes laços, que
trabalhavam para progredir. Além disso, para os autores, elas eram a solução para o problema
habitacional dos pobres.
No final dos anos 60, surge, no Peru, outra corrente de reflexão que interpretava a
favela como um processo, baseado no modo de ocupação do espaço. A favela passa a ser
concebida como um modo de urbanização, analisado no contexto global da cidade e das
relações sociais que nela se desenvolvem.
A partir de 1961, com a Lei Nº 13517 (Lei Orgânica dos Barrios Marginales y
Urbanizacion populares), surge a primeira definição oficial, que supera a anterior, por
mencionar de forma mais precisa, a questão da irregularidade fundiária e especificar a
carência em relação aos serviços urbanos.
“Barrio Marginal o Barriada la zona de terreno de propiedad fiscal, municipal, comunal o privada (...) em las que, por invasión y al margen de disposiciones legales sobre propiedad, con autorización municipal o si ella, sobre lotes distribuidos sin planes de trazado oficialmente aprobados se hayan constituido agrupamientos de viviendas de cualquier estructura, careciendo dicha zona en conjunto de uno o más de los siguientes servicios: agua potable, desagüe, alumbrado, veredas, vías de tránsito vehicular, etc. (Driant, 1991:17)
Estas definições mantiveram-se como paradigmas das pesquisas sobre as questões
habitacionais no Peru até 1969, destacando-se os trabalhos de John Turner, que durante algum
tempo orientou as políticas públicas no Peru.
A partir de 69 surge uma nova corrente de investigação, com os estudos de Alfredo
Rodriguez, que não mais destaca a carência na definição da favela, mas sim o processo de
ocupação pela necessidade de moradia, como uma solução para a falta de moradia dos pobres
urbanos:
1. Desenvolvimento de zonas residenciais, com o desenvolvimento da urbanização,
loteamentos e dotação de serviços, antes da instalação das famílias;
157
2. Crescimento de zonas antigas da cidade por densificação: construção em vazios urbanos,
subdivisão de lotes, demolição e reconstrução;
3. A favela surge com a chegada de famílias organizadas em grupos, que ocupam um lote e
iniciam a construção, à princípio provisória/improvisada e quando obtêm alguma segurança
de permanecerem no local, constroem a definitiva. Este seria um procedimento inverso ao que
é considerado normal na cidade legal. Nesta definição, a seqüência de desenvolvimento da
favela ocorre com a organização prévia das famílias; a ocupação do terreno e construção de
moradia provisória; regularização da propriedade; e construção da moradia definitiva. Ou
seja, favela é uma iniciativa de um grupo organizado, que ocupa um terreno antes de ser
urbanizado.
Até um dado momento, a favela era caracterizada pela falta de serviços públicos; com
a mudança na forma de ocupação da área, ela passa a ser definida pela forma como as famílias
ocupam o lugar e não a dotação de equipamento urbano.
Para Max Menezes e Nonato Núnez (1975) apud Driant (1991:19), favelas seriam
grupamentos de moradias que formam um assentamento humano não regular, carentes de
todos os serviços básicos localizados na periferia ou no centro das cidades, que surgem por
ocupação violenta ou progressiva de terrenos geralmente de propriedade do Estado, raramente
em área privada. Para os autores, esses assentamentos estariam em processo de integração à
cidade legalmente constituída. Os elementos novos nesta definição seriam a forma de
ocupação, que poderia ser violenta ou progressiva; os terrenos pertencerem ao Estado; e o
processo de integração a cidade, destacando o papel da população.
Outro termo utilizado na literatura latino-americana para se referir à favela é o de
Assentamento Espontâneo. Segundo Gilbert (1982), a definição de favela como habitação
espontânea pela literatura, tem obedecido a alguns critérios ou categorias de análise, tais
como: autoconstrução, ilegalidade, ausência de serviços e infra-estrutura urbana, lugar de
moradia dos pobres. Para o autor, Assentamento Espontâneo é um termo enganador, no
sentido que muitos são desenvolvidos de forma organizada para se protegerem de
desapropriações e expulsões.
Os trabalhos de Arnillas (1987) e Riofrío (1987) apontavam que as novas favelas eram
formadas por famílias provenientes de outras favelas e analisam sua consolidação através do
processo de densificação ligado aos desdobramentos familiares. Esta nova corrente de
investigação contribuiu para aprofundar as críticas às apreciações positivas sobre as favelas –
as que as consideram como solução duradoura para o problema da moradia popular.
158
Para Driant (1991), a favela seria uma modalidade de acesso ao solo e moradia para a
população excluída dos mercados convencionais públicos e privados. A especificidade deste
modo de acesso estaria na produção lenta da moradia.
No Peru a definição de favela seguiu as seguintes etapas:
a) São bairros formados em terras invadidas, sem um plano de assentamento, carentes de
serviços públicos e sociais e em condições ambientais deploráveis;
b) A Lei orgânica dos bairros marginais e urbanizações populares, definiu favelas como
grupamentos de moradias em lotes irregulares (não aprovados oficialmente), sem infra-
estrutura básica, em áreas invadidas e à margem das disposições legais. Essa Lei define a
favela enfatizando a modalidade de acesso ao solo e não apenas o caráter sub-equipado e
insalubre do bairro (Driant, 1991).
Para Gustavo Riofrío, a favela é definida pelo processo de ocupação e de
consolidação. A descrição das carências é substituída, em seus estudos, pela de um processo
de dotação, integrando a construção da moradia definitiva com a chegada dos serviços e dos
equipamentos públicos.
Driant (op.cit.), a partir das definições citadas e baseando-se nas observações de
campo, avançou em uma definição, considerando a favela como um processo, e assim
incorporando à definição, as fases posteriores á ocupação, que inclui a dotação de serviços e a
construção da moradia:
“La barriada es um conjunto de viviendas formado a partir de la ocupación de um terreno por parte de familias, por iniciativa propia o por la de los poderes públicos. El terreno no goza, al momento de su ocupación, de ninguna habilitación urbana con la excepción, en ciertos casos, de un simple trazo de lotización. La adjudicación, la dotación de servicios y equipamientos públicos y la construcción de la vivienda, se llevan a cabo posteriormente a la ocupación del solo, en un proceso lento, diferente de una barriada a otra, y cuya iniciativa, e incluso realización, generalmente corre a cargo de la población, en el marco de la familia o de la organización de los pobladores” (Driant, 1991: 20)
Mais recentemente, Cravino (2003) nos mostra que o processo de formação das
favelas em Buenos Aires tem similaridades com o Rio de Janeiro. A política econômica de
substituição das importações provocou a chegada, na cidade, de uma massa populacional a
procura de trabalho, cuja única opção de moradia foi a favela. Essa parece ser a história de
formação das favelas nas grandes cidades latino-americanas. As características mais comuns
que expressam o significado da favela na Argentina são:
1. Lugar com traçado irregular, com vielas, que, em geral, não passam veículos;
159
2. A estruturação do espaço é decorrente de práticas individuais, com ocupação
fragmentada no tempo, sem nenhum planejamento;
3. As moradias são construídas com materiais residuais e aos poucos são substituídas por
alvenaria;
4. Alta densidade populacional;
5. Localização estratégica em relação aos centros de produção e consumo;
6. Os moradores são trabalhadores pouco qualificados, informais ou desempregados.
Nos anos 90, os moradores das favelas mostram a heterogeneidade da pobreza, que,
segundo Cravino, mistura antigos favelados, novos migrantes, setores pauperizados e novas
gerações de favelados.
Conceitos utilizados pelos Órgãos Nacionais de Políticas Públicas
Em 1950, o IBGE incluiu pela primeira vez as favelas na contagem de população
(Guimarães (1953) apud Taschner, 2001:14). No conceito de favela utilizado pelos órgãos
oficiais, predominam a relação com o estatuto jurídico, a tipologia habitacional e as condições
de urbanização. O conceito oficial de favela considerava as seguintes características:
1. Agrupamentos residenciais com número superior a 50 domicílios;
2. Predominância de casebres ou barracões rústicos, construídos principalmente com folha
de flandres, chapas zincadas ou similares;
3. Construções sem licenciamento e sem fiscalização em terreno de terceiros ou de
propriedade desconhecida;
4. Ausência de rede sanitária, luz, telefone e água encanada;
5. Área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento.
O conceito adotado pelo IBGE nos Censos 80, 91 e Contagem de 96, favela seria “um
setor especial do aglomerado urbano, formado por pelo menos 50 domicílios, na sua maioria
carentes de infra-estrutura e localizados em terrenos não pertencentes aos moradores”
(p.16).
No Censo 2000, algumas alterações foram consideradas na definição de favela, como a
não identificação/referência ao material de construção da moradia, tornando impossível a
quantificação dos domicílios rústicos.
160
Para Souza e Silva (2001), a diferença básica do último Censo, foi identificar a favela
como subconjunto de um Aglomerado Subnormal, cuja definição é um “Conjunto (favelas e
assemelhados) constituído por unidades habitacionais (barracos, casas, etc...), ocupando ou
tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular),
dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria3, de serviços
públicos essenciais”.
Para o IBGE, favela e aglomerado subnormal têm o mesmo significado; dos
domicílios em favela, 98% são contabilizados como aglomerado subnormal, e 90% dos
domicílios em aglomerado subnormal são contabilizados em favelas. Para o Òrgão,
aglomerados subnormais seriam áreas dos Assentamentos Humanos4 com baixa qualidade de
urbanização e habitação, e baixa disponibilidade de serviços. O nível de equipamento urbano
descrito nas variáveis do IBGE, corresponde ao nível de acesso à infra-estrutura básica (água,
esgoto, coleta de lixo), e ao número de cômodos e banheiros por domicílio. Para um
Assentamento Humano ser caracterizado como Aglomerado Subnormal, ele deverá apresentar
pelo menos uma das seguintes características:
• A maior parte das unidades habitacionais não possuir título de propriedade, ou possuir
a partir de 1980;
• Possuir sistema de circulação viária estreito e irregular, lotes não padronizados e
construções não regularizadas pelos órgãos públicos;
• A maior parte das unidades habitacionais não é servida por rede oficial de energia
elétrica, água e esgoto, além de não disporem de canalização interna.
Já a Prefeitura Municipal de São Paulo, define favela como “todo o conjunto de
unidades domiciliares construídas em madeira, zinco, lata, papelão ou alvenaria, em geral,
distribuídas desorganizadamente, em terrenos cuja propriedade individual do lote não é
legalizada para aqueles que o ocupam” (p.16). Nessa definição a Prefeitura delimita as
condições habitacionais, restringindo os assentamentos que podem ser denominados favela.
No caso do Rio de Janeiro, o IPLANRIO, hoje IPP – Instituto Pereira Passos – iniciou
em 1983 um Cadastro de Favelas a partir da definição de que esta seria uma área
predominantemente habitacional, invadida, cujo uso e ocupação do solo não obedece às
normas urbanísticas, e de onde se verifica precariedade na prestação de serviços públicos.
3 Grifo nosso. 4 Os Assentamentos Humanos que se enquadram na categoria de aglomerados subnormais são invasão, loteamento irregular e/ou clandestino.
161
Esta definição difere da até então utilizada pela SMDS – Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social – que atuou em favelas de 1979 a 1993. Para a SMDS, favelas
seriam áreas em condições precárias (insalubres, de risco e sem infra-estrutura), que
necessitavam de intervenção do poder público. A maior discordância entre a SMDS e o
Iplanrio, era que a primeira não considerava como favela os espaços habitacionais em áreas
non aedificandi (viadutos, beira de rios e estradas de ferro).
O Plano Diretor Urbano de 1992 conceitua favela como a “área predominantemente
habitacional, caracterizada por ocupação da terra por população de baixa renda,
precariedade da infra-estrutura e de serviços públicos, vias estreitas e de alinhamento
irregular, lotes de forma e tamanho irregular, e construções não licenciadas, em
desconformidade com padrões legais ...” (art. 147).
Para a CEDAE, favelas são núcleos com precariedade na dotação de serviços públicos
de infra-estrutura, com ocupação desordenada, e em áreas invadidas. O Órgão não leva seus
serviços a assentamentos em áreas non aedificandi , nem considera o número mínimo de
domicílios.
A representação tradicional da favela como o lugar da pobreza, é questionada, diante
das transformações e evoluções do ambiente construído, que são as melhorias das
construções, desenvolvimento de comércio e serviços. Além das transformações físicas, temos
as sociais, com mudanças no perfil dos moradores. Essas mudanças estão relacionadas a
outros fatores de ordem econômica e estrutural, como a queda da taxa migratória inter-
regional e o aumento da migração intra-urbana e intrametropolitana, que implicam em uma
redefinição da noção de favela, tradicionalmente conhecida. As diversas intervenções do
poder público e da própria comunidade nas favelas, geraram alterações na estrutura do espaço
interno, descaracterizando as favelas da sua definição original.
A produção científica sobre movimentos sociais enfatiza a formação da ação coletiva e
a dinâmica das relações sociais (Silva, 2002). No momento atual, Silva (op. cit) coloca como
questão as práticas coletivas dos favelados em torno da questão fundiária e da apropriação da
cidade, como forma de integração social. Para o autor, o livro de Alba Zaluar e Marcos
Alvito, Um Século de Favela, é uma tentativa de superar as teses que definem as favelas e
seus moradores pelas carências materiais, simbólicas e políticas. Para Silva, “a favela venceu”
sim, mas e seus moradores? Conseguiram se integrar? Para o autor os favelados sempre foram
e continuam sendo “criaturas da reprodução da desigualdade fundamental da sociedade
brasileira”, expressão de uma sociedade sem cidadania. A favela venceu, mas o padrão de
162
sociabilidade urbana e estratificação social, pouco se alterou, principalmente em relação à
produção e acesso à moradia - fortemente segmentados.
A face do problema favela pode ser vista pelas políticas públicas, que passaram por
várias fases (solução, controle, redução e regulação dos conflitos); e pelo movimento dos
favelados5. Na gênese da construção social da favela, seu significado referia-se à dimensão
físico-espacial e não social. Quanto aos moradores, sua identidade estava referenciada pela
condição de moradia, definida a partir de critérios jurídicos (clandestinidade, ilegalidade, ...) e
morais, e não pela pobreza, ou formas de inserção no trabalho.
No que se refere à dotação de infra-estrutura básica, de acordo com o Censo 2000, nas
três maiores favelas da cidade – Complexo da Maré, Rocinha e Complexo do Alemão –
apresentam 99,9% dos domicílios atendidos.6 Considerando as favelas tomadas como
referência nas análises dos nossos Estudos de Caso – Pavão-Pavãozinho, Rio das Pedras e até
Morro do Sossego, localizada em Senador Camará – observa-se que são atendidas pelos
serviços urbanos, principalmente, abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de
lixo.
Observando as definições oficiais – Prefeitura do Rio de Janeiro e São Paulo, IBGE, e
até mesmo a definição de pesquisadores sobre o tema - podemos considerá-las como
expressão da realidade das “favelas” cariocas? Se analisarmos ao pé da letra, verificamos
que as variáveis utilizadas para definir a favela, encontrarão identidade em apenas alguns
casos. A caracterização da favela pela ausência, pode ser aplicada apenas em algumas áreas
das favelas consolidadas (expansão), e em algumas favelas recentes da Zona Oeste. Desse
modo, seja pela mobilização interna através de mutirões comunitários, seja pelas obras
realizadas pelos programas oficiais, algumas favelas conseguiram obter uma oferta razoável
de serviços e equipamentos urbanos, não mais se justificando a denominação de favela.
5 Silva (2002) coloca como marco para a fase de controle e regulamentação da favela, o Código de Obras de 1937, que proibia a formação de favelas e a ampliação e/ou melhoria das existentes; e a Lei do Inquilinato, em 1950, que incentivou a consolidação da favela como forma de acesso à moradia pelos pobres. 6 Folha de São Paulo, 21/12/2001.
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aumento do número de favelas na periferia do município, deve ser interpretado não
apenas em relação ao processo de consolidação observado em algumas favelas, significando
um esgotamento das possibilidades de acesso a essa forma de moradia pelas camadas mais
empobrecidas nas áreas centrais e nos subúrbios da cidade, como também à instabilidade
econômica da população, devido às mudanças na forma de inserção no mercado de trabalho,
observadas a partir da década de 80. Para Wacquant, estamos diante de uma nova
marginalidade, um novo tipo de pobreza, diferente daquela da fase de crescimento industrial
do fordismo. Atualmente, a pobreza é fruto não da falta de emprego, mas do surgimento do
trabalho ocasional, que gera instabilidade e baixa remuneração.
Na verdade, a situação de exclusão dos pobres urbanos vem se agravando desde o final
da década de 70. Esta situação gerou comportamentos próprios em relação à organização
social, à ocupação do solo urbano, à construção de moradias, e à gestão de serviços urbanos.
Nas últimas décadas os segmentos de baixa renda conseguiram avançar no alcance de seus
objetivos, segundo seu poder de organização e consciência de seus direitos.
A partir dos anos 80, se conforma uma nova forma de ocupação ilegal da terra urbana,
organizada por pessoas com maior grau de consciência das implicações políticas de seus atos,
e do que podem alcançar junto ao poder público. Quanto mais organizados e conscientes de
seus direitos, mais facilmente conseguem obter resultados em suas reivindicações. É o caso de
Asa Branca, que tem maior poder de mobilização da comunidade, desenvolvendo atividades
de melhoria na infra-estrutura básica, e assistencialistas (distribuição de cestas básicas),
educacionais e culturais. Em Verde é Vida, a configuração da favela e o padrão habitacional
espelham o tipo de relação entre a comunidade e sua liderança. Apesar de haver atendimento
aos mais carentes (que são muitos) e cooperação entre os vizinhos, a Associação de
Moradores é controlada pelo tráfico de drogas, impedindo-a de ter atuação mais efetiva na
melhoria das condições de vida comunidade.
Analisando a evolução da demanda por moradia em favelas, através dos estudos de
caso, observamos que em relação às favelas mais antigas, podemos destacar as seguintes
alterações no contexto sócio-demográfico:
164
1. Transição de uma homogeneidade demográfica: migrantes da década de 60, para uma
heterogeneidade produzida pela segunda geração de migrantes e pela presença de
pessoas que não moravam anteriormente em favela;
2. Nas favelas recentes há maior concentração de jovens até 10 anos, em contraposição às
favelas antigas, que possuem maior concentração de moradores na faixa de 20 a 29
anos;
3. O nível educacional dos moradores das favelas recentes é maior do que os das antigas;
4. O tamanho das famílias diminuiu, significando menos moradores por domicílio,
constituindo um novo fator na determinação da demanda por moradia nos anos
recentes;
5. Queda no nível de vida pelo aumento do subemprego e da informalidade. Vale lembrar
que 54% dos entrevistados em Asa Branca estavam no mercado informal de trabalho, e
que 57% dos entrevistados em Verde é Vida estavam desempregados na época da
pesquisa.
A literatura tem apontado, que a noção de favela está relacionada a sua imagem
externa. Essa imagem, geralmente interpreta a favela como lugar homogêneo, solução
habitacional dos pobres e expressão das contradições urbanas e de articulação da força de
trabalho na produção capitalista. A representação tradicional da favela como o lugar da
pobreza é questionada, diante das transformações e evoluções do ambiente construído, com as
melhorias das construções, desenvolvimento de comércio e serviços. Além das transformações
físicas, temos as sociais, com mudanças no perfil dos moradores. Essas mudanças estão
relacionadas a outros fatores de ordem econômica e estrutural, como a queda da taxa
migratória inter-regional e o aumento da migração intra-urbana e intra-metropolitana, que
implicam em uma redefinição da noção de favela, tradicionalmente conhecida. As diversas
intervenções do poder público e da própria comunidade nas favelas, geraram alterações na
estrutura do espaço interno, descaracterizando as favelas da sua definição original. No
entanto, identificamos em um dos nossos casos, Verde é Vida, a permanência e reprodução da
maior parte das variáveis que definem ou representam a noção de favela.
Diante desse quadro, podemos inferir que o processo de diferenciação inter e intra-
favelas é determinado por duas dinâmicas. A primeira diz respeito à valorização imobiliária de
favelas localizadas em áreas da cidade que receberam investimentos públicos; e a segunda
decorre dos investimentos realizados na favela, seja pelos programas governamentais, seja
pelas melhorias realizadas pela própria comunidade.
165
Como mencionamos, seja pela mobilização interna através de mutirões comunitários,
seja pelas obras realizadas pelos programas oficiais, algumas favelas conseguiram obter uma
oferta razoável de serviços e equipamentos urbanos, não mais se justificando a denominação
de favela. Não se trata de excluir a variável da definição, pois favela é isto, é um “Conjunto
(favelas e assemelhados) constituído por unidades habitacionais (barracos, casas, etc...),
ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou
particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria,
de serviços públicos essenciais”. Não é a definição que tem que mudar, as “favelas”, assim
denominadas é que se transformaram ao longo do tempo, seja em 20, 30, 40 ou mais anos, ou
no caso de uma mais recente (4ª invasão em Asa Branca), que em apenas um ano transformou
seus barracos de madeira em alvenaria, implicando na necessidade de uma redefinição desses
espaços habitacionais. Bairros Populares; Comunidades; Assentamentos Humanos de Baixa
Renda, etc..., eles poderiam ser definidos por qualquer uma dessas categorias, menos favela.
Mas ainda existe um impedimento: “ocupando ou tendo ocupado até período recente,
terreno de propriedade alheia (pública ou particular)....”. A ausência do título de propriedade
é um argumento forte para continuarmos definindo algumas “favelas” como favelas. Mas não
são apenas as favelas que ocupam irregularmente a terra urbana. Vários prédios nos bairros da
Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes são exemplos da irregularidade dos
“assentamentos de alta renda”. Além disso, a Prefeitura do Rio de Janeiro tem desenvolvido
programas de regularização fundiária em favelas1.
Na verdade, devemos avaliar com muito cuidado as características de cada “favela”,
pois como revela Preteceille e Valladares (2001), existem favelas e favelas, se referindo à
grande diversidade existente entre elas e no seu interior, configurando, o que Alvito (2001)
chamou de micro-áreas dentro de Acari. É o caso de Asa Branca. As quatro etapas de sua
ocupação delimitam espacialmente as fases de consolidação, tanto física como social, pois as
ocupações foram realizadas por pessoas conhecidas, pertencentes à mesma comunidade, sendo
muitos parentes, que conformaram um espaço próprio, homogêneo nas suas característica
sócio-culturais. A última ocupação – “Quinto dos Infernos” – é estigmatizada pelos moradores
mais antigos, que a rejeitam como parte integrante da mesma comunidade. Por que? Não é
porque se abrigam em casebres improvisados, e sim porque, para os mais antigos, os novos
moradores fazem parte de outro grupo, o qual um dia eles mesmos já pertenceram. Os novos
1 Em áreas urbanizadas pelo Favela-Bairro, a Secretaria Municipal de Habitação está cadastrando imóveis para emissão de habite-se e cadastro no IPTU. A Quinta do Caju já foi beneficiada pela urbanização e transformada em uma área regularizada.
166
moradores são os estrangeiros, os favelados que um dia os antigos já foram, mas que hoje já
não se consideram mais. A tendência é que , com o tempo e consolidação da recente área
ocupada, eles se integrem ao restante da “favela”.
No caso de Verde é Vida é diferente. Ela possui as características do que se entende
por favela, possuindo quase todas as variáveis contidas nas definições. No entanto, não se trata
de um espaço fragmentado, como verificamos na maioria das “favelas” consolidadas e como
acabamos de relatar em Asa Branca. Verde é Vida é coesa, é homogênea, na sua miséria, na
sua carência, no desemprego massivo, nas dificuldades de mobilização e organização dos
moradores, no medo da violência. Verde é Vida é favela.
Definir favela não é difícil; difícil é definir o que ela se tornou ao longo do tempo,
diante das transformações internas, das inovações na forma de produção e organização do
espaço, e das mudanças no perfil dos moradores.
Não podemos entender a especificidade e dinâmica da formação de novas favelas na
cidade, sem relaciona-las com o conjunto da dinâmica urbana, pois esses assentamentos são
parte da dinâmica da cidade, e reflexo das decisões dos atores que a produzem.
A partir dos anos 80, a estruturação do espaço periférico é explicada pela retração da
produção de loteamentos, crise econômica e valorização de algumas áreas pela expansão das
atividades imobiliárias, implicando em mudanças nas formas de acesso à moradia para os
segmentos de baixa renda, e conseqüentemente, nos levando a repensar que as diferenças entre
favelas e loteamentos periféricos não se sustentam atualmente.
Cabe ainda destacar, para futuras investigações, a relação inversa entre o aumento do
nível educacional dos moradores das favelas recentes e o aumento da sua inserção na
informalidade do mercado de trabalho, impedindo-os de adquirir estabilidade econômica, que
aliada à falta de políticas habitacionais voltadas aos segmentos de baixa renda, inviabiliza seu
acesso à moradia no mercado formal de imóveis.
167
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177
FIGURA 01 – MAPA DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS
Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos
178
FIGURA 04 – MAPA DE LOCALIZAÇÃO FAVELA ASA BRANCA
Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos / Levantamento Aerofotogramétrico, 2000
179
FIGURA 05 – FOTO AÉREA FAVELA ASA BRANCA
Fonte: Sistema Informações Geográficas INFRAERO / Levantamento Aerofotogramétrico, 2002
180
FIGURA 06 – MAPA DE LOCALIZAÇÃO FAVELA VERDE É VIDA
Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos / Levantamento Aerofotogramétrico, 2000
181
FIGURA 02 – MAPA DE SITUAÇÃO - FAVELAS E LOTEAMENTOS DÉCADA 70 / 80
Fonte: IPP – Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro - 1998
182
FIGURA 03 – MAPA DE SITUAÇÃO - FAVELAS DÉCADA DE 90
Fonte: IPP –Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro - 1998 Faria, T.C-2000
184
FIGURA 07 – RUA DA FAVELA VERDE É VIDA
FIGURA 08 – RUA SEM ASFALTO DA FAVELA ASA BRANCA
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FIGURA 09 – RUA LIMÍTROFE DA FAVELA VERDE É VIDA
FIGURA 10 – RUA PRINCIPAL DA FAVELA ASA BRANCA
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FIGURA 11 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA VERDE É VIDA
FIGURA 12 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA ASA BRANCA – QUINTO DOS INFERNOS
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FIGURA 13 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA VERDE É VIDA
FIGURA 14 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA ASA BRANCA
188
FIGURA 15– BECO E MORADIAS DA FAVELA VERDE É VIDA
FIGURA 16 – BECOS E MORADIAS DA FAVELA ASA BRANCA – QUINTO DOS INFERNOS
189
FIGURA 17 – COMÉRCIOS NA FAVELA ASA BRANCA
FIGURA 18 – COMÉRCIOS NA FAVELA ASA BRANCA
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FIGURA 19 – ESGOTAMENTO SANITÁRIO – FAVELA ASA BRANCA
FIGURA 20 -ABASTECIMENTO DE ÁGUA – FAVELA VERDE É VIDA
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APÊNDICE
A pesquisa de campo partiu da identificação preliminar das favelas que surgiram a partir da
década de 80 na região da AP 4 – Barra da Tijuca/Jacarepaguá, e AP 5 – Zona Oeste, por
serem áreas que tiveram crescimento mais expressivo no período intercensitário.
Essa identificação teve como base empírica, o levantamento realizado pelo IPP – Instituto
Pereira Passos, constante no SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda.
Das 136 favelas que surgiram em toda a cidade a partir a década de 80, selecionamos 10 (dez)
favelas na região de estudo.
O critério de seleção baseou-se na data de ocupação; nas mais carentes (renda per capita
variando entre ½ e 1 salário mínimo); e que não fossem objeto de programas de intervenção
publica, dos tipos Favela-Bairro, Bairrinho, e outros, para que pudéssemos analisa-las em sua
origem, ou seja, na sua forma de ocupação original.
Desse modo, foram selecionadas as seguintes favelas para avaliação preliminar no processo
de eleição dos estudos de caso:
I – NA REGIÃO DA BARRA DA TIJUCA E JACAREPAGUÁ
1. Favela Cambalacho – localizada na Barra da Tijuca, possui 1007 habitantes e 312
domicílios, teve início em 1989.
A favela, que aparecia nos registros do SABREN como uma nova favela, é na verdade, uma
expansão da antiga Favela Muzema.
Segundo nosso informante, a favela ou expansão da Muzema foi formada por moradores da
parte antiga, de forma organizada, pela Associação de Moradores da Muzema. A princípio a
ocupação foi a custo zero, mas atualmente, a forma de acesso é através da compra de lotes ou
moradia.
2. Favela Asa Branca – o início de sua ocupação data de 1986. Localizada em
Jacarepaguá, possui 567 domicílios e 2032 habitantes, segundo o CENSO 2000.
Na ocasião de nossa primeira visita, em novembro de 2001, o Vice-presidente da Associação
de Moradores nos relatou um pouco da história de ocupação da área, apresentada no capítulo
3, destacando a forma de organização da comunidade para realização de obras de melhoria da
infra-estrutura básica. Segundo ele, a associação de moradores descentralizou a
administração, criando comitês de obra por áreas da favela. Cada área possuía um diretor de
rua, que se responsabilizava em recolher verba dos moradores para execução das obras, assim
como na coordenação do mutirão.
192
Também nos foi apresentado os projetos sociais e culturais, desenvolvidos pela associação de
moradores, com a ajuda de ONG’s.
Esses projetos e a forma como a comunidade se organiza na busca de soluções para seus
problemas, nos chamou a atenção após compararmos Asa Branca com as demais favelas
recentes visitadas, nos levando a elege-la como um dos estudos de caso.
3. Favela Estrada do Quitite – possui 215 domicílios e 714 moradores.
Foi ocupada em 1986, em Jacarepaguá, de forma gradual e individual, por pessoas do próprio
bairro e de outras favelas próximas. Segundo nossa informante, no início não se pagava, mas
com a consolidação, o acesso é através da compra de casa. A associação de Moradores
controla o adensamento da favela, não permitindo subdivisões de lote e moradia.
A maior parte dos moradores trabalha próximo à favela, mas é alto o índice de desemprego.
II – NA REGIÃO DE BANGÚ
4. Favela Vila Moreti – foi ocupada em 1989. Segundo o CENSO 2000, a favela possui
474 domicílios e 1813 moradores.
A invasão foi organizada com ajuda de um vereador, com mais ou menos 20 pessoas.
Os invasores eram de locais próximos ao terreno, mas a informante era de Mesquita na
Baixada Fluminense, e soube da invasão por uma colega de trabalho. Com ela foram todos os
irmãos que também moravam em Mesquita.
A ocupação foi a custo zero, e conheciam o dono da terra, Sr. Moreti, que também devia
impostos à Prefeitura. Já conheciam o local e a possibilidade de obter a casa própria. O fator
proximidade do local de trabalho não teve muita importância na decisão, pois segundo a
informante, a maioria dos moradores trabalha na área central do Rio, inclusive ela. Segundo
D. Ivete, a explicação está nos baixos salários pagos na Zona Oeste, “aqui se paga muito
pouco”. Ela também considera que em Bangu a acessibilidade é boa em relação aos
transportes e a hospitais e comércio. Perguntei porque ela não escolheu uma favela próxima
ao seu local de trabalho (trabalhava como faxineira em vários locais da zona sul), e ela me
respondeu que tinha medo de morar nas favelas tradicionais por causa da violência.
Mais da metade dos moradores na época de nossa visita eram recentes; ela não soube dizer
porque e para onde foram os que venderam suas casas. A origem é variada, muitos vieram de
favelas do núcleo do município (centro, Penha e Ramos) e da baixada fluminense, mas
também tem muitos nordestinos. A informação sobre o imóvel é sempre obtida por amigos
(ou colegas de trabalho) ou parentes que já moram no local.
193
As casas e as condições de saneamento são piores. Não observamos muitas pessoas nas ruas,
o que pode indicar que a taxa de desemprego seja baixa.
A informante classificou a comunidade de tranqüila, e em relação ao tráfico não negou sua
existência, mas que a convivência com a comunidade é pacífica e que eles só interferem no
caso de conflitos que possam prejudicar a paz do local. Realmente não observamos qualquer
movimento que indicasse a presença do tráfico ou qualquer facção criminosa. D.Ivete, ao
defender o lugar disse que poderíamos caminhar pelas ruas sozinhos sem qualquer perigo, a
não ser à noite, que é a hora do movimento.
5. Favela Vila João Lopes – localizada em Bangu, possui 1350 domicílios e 4879
habitantes, segundo CENSO 2000.
A invasão, segundo o presidente da Associação dos moradores e líder dos invasores, foi
violenta, com confrontos diários com a polícia, mas de forma organizada e planejada, com a
ajuda de um integrante da CUT e do atual vereador Pedro Porfírio, com delimitação do
terreno em lotes de 8x6 m. A ocupação foi organizada por um grupo de 8 pessoas, que
imediatamente fundaram a Associação, mas contou com a participação de mais 300 pessoas.
Os ocupantes moravam na mesma rua onde se localiza a favela – Rua Manuel Nogueira de Sá.
Os primeiros invasores não pagaram pelo lote, mas a Associação cobrou uma taxa (não
revelada), pela ocupação, para pagamentos dos impostos atrasados para ajudar na Ação
Judicial contra o dono do terreno pela posse da terra. Eles foram beneficiados pelo Estatuto da
Terra, ganhando o direito de permanecerem no local. No entanto, os impostos desde a
ocupação não foram mais pagos. O terreno pertencia à Vacaria Pratini – criação de carneiros,
vacas, cabritos, etc.
A partir de 1992, a maior parte dos primeiros invasores vendeu seus imóveis, e pode-se dizer
que atualmente a maioria da comunidade é formada por novos moradores. Os antigos saíram
para um lugar melhor à medida que melhoravam de vida. O preço das casas varia de R$
15.000,00 ( boa casa, com três pavimentos) à R$ 2.000,00.
A favela conta com Projeto Mutirão e em Janeiro começa as obras do Favela-Bairro.
Impressões sobre o local: Mais de 50% da população moradora da Vila João Lopes têm renda
familiar per capita de até ½ salário mínimo. A maior parte das casas é precária, porém em
alvenaria. A comunidade já possui algumas ruas pavimentadas, pelo projeto Mutirão, mas o
esgoto ainda corre a céu aberto, e o lixo é jogado nas ruas, apesar de haver coleta na rua de
principal acesso à favela.
194
A comunidade é tranqüila, e realmente não percebi a presença do tráfico, como este é
observado nas favelas tradicionais: rapazes sentados na entrada da favela, ou até mesmo
armados, observando os estranhos que entram. Havia muitos homens na rua, mais do que
mulheres, mas eram aposentados bebendo na birosca ou desempregados “jogando conversa
fora”, e crianças brincando na rua.
6. Bairro Santo André – a área que constava como ocupada em 1986, era na verdade uma
expansão do Bairro Santo André, consolidado, totalmente urbanizado, com casas de boa
qualidade, localizado em Senador Camará. A expansão é uma área precária, em um morro,
que foi ocupado graças à doação de lotes e material de construção, pelo Deputado André Luis,
a famílias carentes.
7. Parque Nossa Senhora de Fátima – localizada em Bangu. Trata-se de ocupação em
Uma parte da encosta do maciço da Pedra Branca, iniciada em 1995, em terreno pertencente à
Fabrica Bangu. Possui poucas casas, sendo que algumas estão em área de risco. Não
conseguimos obter mais informações.
8. Vila São Bento – trata-se também de extensão de favela antiga. A parte recente é
composta de aproximadamente 150 domicílios. Fomos informados que a população invasora,
são originárias de outras favelas próximas, e também do próprio bairro, que ocuparam a área
remanescente da parte antiga, sem nenhuma organização prévia, de forma desordenada. Não
houve cobrança pela ocupação.
9. Favela Verde é Vida – localizada em Senador Camará, possui 121 domicílio e 438
moradores. Essa favela nos chamou a atenção pela diversidade em relação às outras recentes,
principalmente em relação à Asa Branca, nos levando a elege-la como o segundo estudo de
caso, pela possibilidade de comparação entre favelas recentes em áreas diversas.
A ocupação iniciou em 1990 por famílias do próprio bairro e de outras favelas próximas. A
situação dos moradores é muito precária, com alto índice de desemprego, de jovens
envolvidos com o tráfico de drogas.
Segundo o presidente da Associação de Moradores, a comunidade receberá ajuda do
Deputado estadual André Luiz e da Vereadora Eliane Ribeiro para obras de saneamento.
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ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ABERTAS
1. MOBILIDADE RESIDENCIAL • Explique os motivos que te levaram a mudar de endereço – Fatores de expulsão: Foi
uma decisão espontânea? Se pudesse não se mudaria? Todos os membros da família ficaram satisfeitos com a mudança?Quais foram os principais fatores que determinaram a mudança?
• Explique os fatores que te levaram a se mudar para o endereço atual – Fatores de atração: Melhorar as condições de vida? Proximidade do local de trabalho? Proximidade dos parentes? Como estratégia de sobrevivência devido à utilização de redes de solidariedade?
• Compare seu endereço anterior com o atual; destaque os pontos positivos e negativos dos dois em relação à qualidade da moradia, à acessibilidade, e portanto à localização, à vizinhança.
2. PROCESSO DA INVASÃO
• Como soube da invasão? Participou da organização? • Como foi sua chegada: Onde foi morar? Já tinha lote marcado? Foi morar com
parentes? Ganhou o lote ou teve que pagar por ele? Se pagou, quanto pagou e para quem?Como os lotes eram distribuídos?
• Já conhecia as pessoas que participaram da invasão? Algum parente seu participou ou veio morar depois na comunidade?
• Houve ameaça de remoção?Por parte de quem?Como os moradores resistiram?Quem ajudou vocês a se fixarem?
• Atualmente as pessoas que participaram da invasão ainda moram aqui?Os seus vizinhos são os mesmos de quando você se mudou, ou estes já saíram da comunidade?
3. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO INTERNO
• A delimitação dos lotes tem sido respeitada? • Ainda existem lotes a serem ocupados? • Como foi feito o parcelamento do terreno? • Existe uma preocupação em não ocupar áreas de preservação ambiental? • Existe uma preocupação em preservar a baixa densidade e não invadir áreas de uso
comum, como as vias públicas? • Compare o atual local com o da moradia anterior
4. RELAÇÕES DE VIZINHANÇA – REDES
• Quais são os Projetos sociais/comunitários que existem na sua comunidade? Você ou alguém da sua família participa de algum?Como?Por que?
• Qual a importância da Associação de Moradores na promoção da qualidade de vida dos moradores?O que sua atuação traz de benefícios para as crianças, os jovens, as mulheres e os idosos da comunidade?
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• Existe algum projeto de geração de trabalho e renda?Na área de esporte, cultura e educação?
• Qual é o grau de participação dos moradores na vida comunitária? • Defina/descreva seus vizinhos. • Os moradores participam da construção de infra-estrutura e/ou das moradias? De
que forma: mutirão solidário, mutirão remunerado? • Você gostaria que seus parentes viessem morar na comunidade? Por que? • No seu endereço anterior você deixou parentes ou amigos? Com a mudança
romperam-se os laços de amizade/cooperação mútua? • Compare com o endereço anterior
5. EXPECTATIVAS
• Em relação à melhoria das condições habitacionais • Em relação ao acesso à equipamentos e serviços urbanos • Em relação à vida comunitária