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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Procuradoria Geral de Justiça
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,
com espeque no artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93; artigo 30, inciso XVI,
da Lei Complementar Estadual 95/97 - Lei Orgânica do Ministério
Público; artigo 112, inciso III, da Constituição do Estado do Espírito Santo;
e artigo 168 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça -
RITJES, propor a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Em face das Leis Complementares nº 004/2007, nº 005/2008, nº 006/2008,
nº 007/2009, nº 008/2010 e nº 009/2010, todas do Município de Castelo,
que alteraram a Lei Complementar Municipal nº 002/2007 (Plano Diretor
do Município de Castelo), requerendo, desde logo, seja concedida a
antecipação dos efeitos da tutela pretendida, in limine litis e inaudita
altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.
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I – HISTÓRICO DAS LEIS IMPUGNADAS:
A ação direta de inconstitucionalidade ora proposta se deu em virtude
de irregularidades apuradas no decurso do Procedimento Preparatório
nº MPES-013.12.13.125797-5, especialmente em relação às alterações
introduzidas na Lei Complementar Municipal nº 002/2007 (Plano Diretor
do Município de Castelo – PDM).
Consoante verificado no procedimento preparatório em epigrafe, a
aprovação das Leis Complementares Municipais nº 04/2007, 05/2008,
06/2008, 07/2009, 08/2010 e 09/2010, a par das profundas
transformações que ensejaram, não fora precedida da realização de
estudos técnicos, tampouco de audiências públicas, consoante passo a
narrar:
a) Lei Complementar nº 04/2007 (em anexo): inseriu a atividade de
“cemitério parque ou jardim” no Grupo 2 (G2), do Quadro 02 (Tabela de
Atividades por Tipo de Grupos), do Anexo II, integrante da Lei
Complementar nº 002/2007 (Plano Diretor do Município de Castelo –
PDM).
Vale destacar que as atividades compreendidas no Grupo 2 são
aquelas de médio porte que, embora necessárias ao atendimento aos
bairros, podem causar algum tipo de incômodo ao entorno,
demandando um maior controle para sua implantação (art. 140, do
Plano Diretor Municipal).
Ao deflagrar o processo legislativo (Projeto de LC nº 002/2007, em
anexo) que culminou na edição da Lei Complementar nº 004/2007, o
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então Chefe do Poder Executivo Municipal, Sr. Cleone Gomes do
Nascimento, justificou que as “zonas (áreas) passíveis de implantação
de atividades de cemitérios no Município de Castelo encontram-se
muito distantes das concentrações urbanas, ou seja, do centro da
cidade, o que vem a ocasionar dificuldade de acesso a um local de
grande visitação pública”.
Salienta-se que a justificativa encaminhada pelo Prefeito Municipal não
foi acompanhada de quaisquer estudos técnicos, limitando-se a
apontar que a alteração havia sido solicitada pelo Conselho do Plano
Diretor Municipal.
Referido projeto de lei complementar foi submetido à Procuradoria
Geral da Câmara Municipal de Castelo, que se manifestou
favoravelmente à aprovação, ressaltando que “como se trata de
norma que altera o Plano Diretor Municipal, deverá seguir as diretrizes
legais para a sua consecução, sobretudo aquela que diz respeito à
realização de audiências públicas para legitimar a pretendida
mudança”.
Contudo, à míngua da realização de audiência pública, o aludido
Projeto seguiu para votação, tendo sido aprovado no curto período de
14 dias (Projeto de Lei autuado em 02/10/2007 e aprovado em
16/07/2007).
Cumpre registrar que, já no ano de 2012, foi instaurado procedimento
administrativo na Promotoria de Justiça de Castelo, em razão de abaixo
assinado com reclamação dos moradores do Bairro de Santa Bárbara a
respeito da instalação do Cemitério Park Monte das Oliveiras, o que
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evidencia a ausência de qualquer consulta popular acerca da
instalação de referida atividade no bairro residencial.
Registre-se ainda que, conforme apurado pelo Promotor de Justiça de
Castelo, a instalação do Cemitério Park Monte das Oliveiras no Bairro
Santa Bárbara se deu em razão de licitação que ocorreu no ano de
2006 e finalizou-se em setembro de 2007 (com a contratação da
empresa), portanto, antes mesmo da aprovação da Lei Complementar
nº 004, de 17 de outubro de 2007, que permitiu a implantação de
cemitério em área residencial. Nesse viés, transcrevo trecho da
representação formulada pelo Promotor de Justiça, vejamos:
É que, em julho de 2012, aportou nesta Promotoria de Justiça
abaixo-assinado com reclamação de moradores do Bairro
Santa Bárbara acerca da instalação do Cemitério Park Monte
das Oliveiras no local. A fim de melhor apurar os fatos narrados
pelos munícipes, esta Promotoria de Justiça solicitou ao Instituto
Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – IEMA cópia
integral do processo de licenciamento do cemitério particular.
Da análise do Processo Administrativo nº 46156933
encaminhado pelo IEMA, verifica-se que, em agosto de 2009, o
Prefeito Municipal Cleone Gomes do Nascimento encaminhou
àquela autarquia o ofício OF/GAB/PMC/Nº 324/2009 (fls.
365/366) informando que a empresa Cemitério Park Monte das
Oliveiras Ltda., “vencedora do procedimento licitatório,
contratada em setembro de 2007”, apresentou área projetada
para construção do “importante equipamento social”,
solicitando, por fim que o Instituto Estadual de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos – IEMA expedisse as autorizações e licenças
para implantação do empreendimento. Urge destacar o
seguinte conteúdo da missiva: “(...) Visando buscar soluções
eficazes, com respeito à legislação ambiental e urbanística, a
Administração realizou processo licitatório de concorrência
pública para construção de um Cemitério Parque em nosso
Município no ano de 2006, cujo projeto encontra-se em fase de
implantação. Assim pretendemos dotar a cidade deste
importante equipamento social que será situado em posição
geográfica estratégica para atendimento de municípios
vizinhos. (...) A empresa (Cemitério Park Monte das Oliveiras
Ltda.) vencedora do procedimento licitatório, contratada em
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setembro de 2007 apresentou a área projetada para a
construção e instruiu-se detalhada e exaustivamente sobre
todos os aspectos do empreendimento: projeto, construção,
via de acesso, e demais aspectos legais federais, estaduais e
municipais”. (fls. 365/366) (destaques não originais).
Diante disto, conforme bem salientado pelo Promotor de Justiça de
Castelo, “a aprovação da Lei Complementar Municipal nº 04/2007 não
só não fora precedida da realização de estudos técnicos e audiências
públicas, como há indícios de que tenha sido direcionada para
benefício de pessoas determinadas”.
b) Lei Complementar nº 05/2008 (em anexo): modificou o zoneamento
da macrozona urbana para transformar uma área de Zona Mista 2
(ZM2) em área de Zona Mista 1 (ZM1).
Registre-se que o Projeto de Lei Complementar nº 1, de 12/08/2008, que
culminou na edição da Lei Complementar nº 05/2008, de iniciativa do
Vereador Everton Zanúncio Malheiros, conforme justificativa
apresentada por este, teve por finalidade a implantação de “novas e
modernas áreas de comércio” e a “geração de novas residências,
aquecendo o comércio na região”.
Entretanto, de igual modo ao ocorrido no processo legislativo que
originou a Lei Complementar nº 04/2007, o projeto de lei complementar
nº 01/2008 não foi acompanhado de qualquer estudo técnico,
tampouco foram realizadas audiências públicos no decurso do
processo legislativo, tendo o mesmo sido aprovado em 28/10/2008.
c) Lei Complementar Municipal nº 06/2008 (em anexo): modificou a
redação dos artigos 203 e 204 da Lei Complementar Municipal nº
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002/2007 (Plano Diretor Municipal), de modo a alterar a competência
para aprovação de condomínios e revogando o limite de tamanho
para os condomínios na Macrozona Urbana.
Referida legislação decorreu do Projeto de Lei Complementar Municipal
nº 002/2008, apresentado pelo Vereador Gerson Antonio Piassi, e
consoante justificativa apresentada por este, tinha por escopo tornar
mais célere o processo de autorização e licenciamento de condomínios
e permitir melhor ocupação e aproveitamento do espaço na
Macrozona Urbana.
Novamente, a aprovação da Lei Complementar Municipal, que
procedeu à alteração do Plano Diretor do Município de Castelo, se deu
em tempo recorde, tendo toda a tramitação do processo legislativo
sido concluída em apenas 15 (quinze) dias, sem que houvesse a análise
de qualquer estudo técnico ou a realização audiência pública.
d) Lei Complementar nº 007/2009 (em anexo): em 01/12/2009 foi
apresentado Projeto de Lei Complementar, de iniciativa do Prefeito
Municipal, à Câmara Municipal de Castelo, tendo o referido processo
legislativo sido autuado sob o nº 001/2009.
Referida Lei Complementar modificou o Mapa 03 – Zoneamento
Macrozona Urbana, integrante do Anexo I a Lei Complementar nº
002/2007 (PDM), alterando a classificação da Zona de Ocupação
Restrita (ZOR) localizada no Bairro Pouso Alto, inserindo-a na
classificação de Zona Residencial 2 (ZR2).
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Vale esclarecer que, de acordo com a Lei Complementar nº 002/2007
(PDM), as Zonas de Ocupação Restrita (ZOR) são compostas por áreas
com restrições no aumento da ocupação urbana pela grande
declividade do terreno e pela localização próxima com as áreas de
vegetação significativa (art. 101, inc. V). Sendo que as Zonas
Residenciais (ZR), são aquelas em que prevalece o uso para moradias
unifamiliares ou multifamiliares e as atividades de apoio a esse uso,
compatíveis entre si (art. 101, inc. I, do Plano Diretor Municipal).
Deste modo, a Lei Complementar nº 007/2009 autorizou o uso de área
com grande declividade do terreno e/ou localizada próxima a áreas de
vegetação significativa para implantação de moradias unifamiliares ou
multifamiliares e as atividades de apoio a esse uso.
Cumpre destacar que a o Projeto de Lei Complementar encaminhado
pelo Prefeito Municipal se deu em razão de solicitação do Conselho do
Plano Diretor Municipal que, por sua vez, teve por escopo atender à
sugestão apresentada pelos Srs. Archilau Vivacqua Neto, José Venâncio
Zanúncio e pela empresa Laccheng Engenharia Ltda.
Instar registrar que, consoante narrado pelo Promotor de Justiça em sua
representação, em 06/11/2009 os Srs. Archilau Vivacqua Neto, José
Venâncio Zanúncio e a empresa Laccheng Engenharia Ltda
“apresentaram ao Presidente do Conselho Diretor solicitação para
modificação de classificação de zona localizada no Bairro Pouso Alto,
em confronto com os Bairros Independência e Niterói, de Zona de
Ocupação restrita (ZOR) para Zona Residencial 2 (ZR2) – fls. 224”.
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Naquela oportunidade, justificou-se o pedido em razão da
“comodidade de acesso ao local, que fica próximo ao centro
comercial da cidade; que no local há poucas áreas de alta
declividade que, em sua maioria, já estão reflorestadas e com
preservação ambiental; e que a restrição dos índices urbanísticos para
unidades habitacionais não reduz a demanda crescente, o que eleva o
preço dos lotes e moradias, prejudicando principalmente os mais
desfavorecidos (fl. 224)”.
Destaca-se ainda que a proposta foi apreciada em uma única reunião
do Conselho do Plano Diretor Municipal, realizada no dia 18/11/2009, na
qual, consoante apurado pelo Promotor de Justiça, fora eleito como
Vice-presidente o Conselheiro Lúcio Piassi Lacchini, sócio administrador
da empresa Laccheng Engenharia Ltda, que era autora da solicitação
ao Conselho do Plano Diretor Municipal.
Nesse contexto, o Projeto de Lei Complementar Municipal nº 001/2009,
de 02/12/2009, foi apreciado e aprovado no curto período de 20 (vinte)
dias, sem que, mais uma vez, fossem realizados estudos técnicos ou
audiências públicas.
e) Lei Complementar Municipal nº 008/2010 (em anexo): por meio do
Projeto de Lei Complementar Municipal nº 001/10, de iniciativa do
Prefeito Municipal, foi apreciada e votada pela Câmara Municipal de
Castelo, novamente em curtíssimo espaço de tempo (quinze dias), a
inclusão do parágrafo único ao artigo 178 da Lei Complementar nº
002/2007, com o fito de regularizar a situação de desmembramentos de
lotes em áreas inferiores ao previsto no art. 176 do mesmo diploma legal.
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A alteração procedida pela lei complementar em epígrafe teve por
base requerimento do munícipe João Batista Felix Cordeiro, tendo a
mesma sido aprovado pelo Conselho do Plano Diretor Municipal após
parecer do GTA – Grupo Técnico de Apoio, conforme se verifica do
processo legislativo em anexo.
Contudo, assim como nos processos legislativos acima mencionados,
não foram realizadas audiências públicas.
f) Lei Complementar Municipal nº 009/2010 (em anexo): baseado no
Projeto de Lei Complementar Municipal nº 002/2010, alterou a redação
do caput do artigo 118 da Lei Complementar nº 002/2007, e
acrescentou os parágrafos 1º e 2º, autorizando a instalação de
microempreendimentos individuais em Zonas de Interesse Social (ZEIS),
áreas destinadas á manutenção e á Instalação de habitação de
interesse social (HIS).
Em relação à Lei Complementar nº 009/2010, vale registrar que a
Promotoria de Justiça de Castelo encaminhou ofício ao setor de
Vigilância Sanitária do Município apontando irregularidades que
ocorriam no Bairro Pantanal, sobretudo em razão do desenvolvimento
de atividades comerciais, expressamente vedadas naquela região,
tendo em vista que se tratava de área localizada em Zonas de Interesse
Social.
Diante disso, a Prefeitura Municipal encaminhou o ofício ao Conselho
do Plano Diretor Municipal, para que fosse revisto o artigo 118 da Lei
Complementar Municipal nº 002/207, de modo a autorizar a
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implantação de atividades de microempreendimentos individuais nas
Zonas de Interesse Social (ZEIS).
Após deliberação do Conselho do Plano Diretor Municipal, o Chefe do
Poder Executivo Municipal providenciou a redação do Projeto de Lei
Complementar nº 002/2010, autuado na Câmara Municipal de Castelo
em 26/11/2010, lido e aprovado em caráter de urgência quatro dias
após seu protocolo (30/11/2010).
De igual modo ao ocorrido nos demais processos legislativos que
visavam à alteração do PDM, não houve qualquer estudo técnico ou
realização de audiências públicas.
Por fim, cabe registrar que, embora seja de conhecimento que estas
questões fáticas apuradas pela Promotoria de Justiça de Castelo não
acarretem em inconstitucionalidade por si só, elas se mostram
importantes na medida em que evidenciam o claro intuito do legislador
municipal em atender a pretensões de pequeno setor da sociedade
municipal (especificamente empresários), sem, contudo, realizar o
necessário estudo técnico acerca das alterações do Plano Diretor
Municipal, tampouco realizar audiências públicas, para o fim de
atender aos anseios da população local.
Nesse viés, uma vez esclarecidos os contextos em que foram aprovadas
as Leis Complementares nº 004/2007, nº 005/2008, nº 006/2008, nº
007/2009, nº 008/2010 e nº 009/2010, do Município de Castelo, passo
agora a esclarecer quais as razões de suas inconstitucionalidades.
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II – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA –
AFRONTA AOS ARTS. 231, PARÁGRAFO ÚNICO, INC. IV, E 236 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO:
A nova ordem constitucional estabelecida após a promulgação da
Constituição Federal de 1988 não se coaduna mais com um Estado
demissionário das prestações civilizatórias positivas em favor da
coletividade.
Desta feita, o Estado democrático de direito que emerge com a nova
ordem constitucional tem, obrigatoriamente, uma posição ativa na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária e, ainda, deve
incentivar a participação da população nas decisões do poder.
Portanto, o princípio republicano inscrito no art. 1º da Constituição da
República, como forma institucional do Estado, deve ser aplicado em
sua expressão máxima de que todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
Assim sendo, a nova forma de governo diz quem deve exercer o poder
e como este se exerce. O poder emana do povo que o exerce por
meio da democracia representativa e direta. Neste particular, Paulo
Bonavides ressalta o avanço da Constituição da República de 1988 em
prever a necessidade de participação popular:
“houve um ponto formal, porém, onde a Constituição da
Quarta República avançou além das expectativas. E avançou
como nenhuma outra em toda a história constitucional do Brasil
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republicano e federativo: o das provisões da democracia
direta”1.
E ainda, explicita o que se deve entender por democracia direta:
“[...] democracia direta é o povo investido na amplitude real
de seu poder de soberania, alcançando, pela expressão
desimpedida de sua vontade regulativa, o controle final de
todo o processo político. Só o povo, constituído, por
conseguinte, em árbitro supremo, confere legitimidade a todos
os pactos e acomodações dos grandes interesses sociais
conflitantes da sociedade complexa e pluralista. O povo-
ficção dos ordenamentos representativos cede lugar ao povo-
realidade e concreção da democracia direta.
Só debaixo do controle dos mecanismos de consulta popular,
de operatividade sempre disponível perante questões
controvertidas ou outras que não o sejam, mas aparelhadas de
elevado grau de relevância, onde a decisão soberana do
povo se faz insubstituível para conferir legitimidade à ação
governativa, é que o funcionamento das Casas Legislativas
poderá ainda sobreviver com a finalidade complementar ou
subsidiária de adequação efetiva à vontade popular”2.
Destarte, vale registrar, que o princípio da democracia participativa,
corolário do principio da gestão democrática, se encontra assegurado
no art. 29, XII da Constituição da República como um principio que
deve ser realizado na maior medida possível, segundo teoria de Robert
Alexy “Los princípios ordenam que algo debe ser realizado em La mayor
medida possible, tiniendo em cuenta las possibilidades jurídicas e
fáticas”3.
Ainda nesse sentido, merece destaque as observações de Maricelma
Rita Meleiro, feitas quando da abordagem do tema em “Princípio da
Democracia Participativa e o Plano Diretor”:
1 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4ª ed. Malheiros Editores. Brasil. 2003. p. 431. 2 Op.cit.p. 435. 3 Robert Alexy. Teoria de los Derechos Fundamentales Centro de Estúdios Politicos y
Constitucionalles. Madrid 2002. P. 283.
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“A afirmação de que o princípio democrático não pode atuar
sem a presença da soberania popular se faz atualmente mais
consistente com a concepção básica de que a formação da
vontade estatal não se faz apenas com a atuação dos
representantes do povo democraticamente eleitos. Mais, a
participação direta dos cidadãos é colocada na Constituição
atual como uma das formas de realização da soberania
popular. A democracia passa da atuação mediata do povo,
para a promoção de comportamento imediato, evoluindo
para o que se convencionou denominar de ‘democracia
participativa.”4
Diante do exposto, temos que uma das formas de intervenção direta do
povo nas decisões dos governantes se dá por força dos artigos 231,
parágrafo único, inc. IV e art. 236 da Carta Estadual, senão vejamos:
Art. 231. A política de desenvolvimento urbano, executada
pelo Poder Público Municipal conforme diretrizes gerais fixadas
em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
Parágrafo único. Na formulação da política de
desenvolvimento urbano serão assegurados:
IV - participação ativa das entidades comunitárias no estudo e
no encaminhamento dos planos, programas e projetos, e na
solução dos problemas que lhes sejam concernentes.
Ar. 236. Os planos, programas e projetos setoriais municipais
deverão integrar-se com os dos órgãos e entidades federais e
estaduais, garantidos amplo conhecimento público e o livre
acesso a informações a eles concernentes.
Desta forma, a criação de políticas de desenvolvimento urbano está
pautada na observância da democracia direta, em que a participação
ativa das entidades comunitárias é pressuposto de validade de leis que
dispõem acerca do desenvolvimento urbanístico dos municípios.
4 In: Temas de Direito Urbanístico - São Paulo, Imprensa Oficial do Estado: Ministério
Público do Estado de São Paulo, 1999, p. 86.
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Sendo assim, o planejamento participativo, a partir da Constituição, não
está submetido à vontade dos governantes, mas sim é requisito
obrigatório em todas as fases do processamento dos instrumentos de
planejamento, como os planos urbanísticos.
A esse respeito, cumpre destacar o que leciona Nelson Saule Junior5:
A participação popular tem como pressuposto o respeito ao
direto à informação, como meio de permitir ao cidadão
condições para tomar decisões sobre as políticas e medidas
que devem ser executadas para garantir o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade. A
participação do cidadão no planejamento da cidade
pressupõe a apropriação do conhecimento sobre as
informações inerentes à vida na cidade (atividades, serviços,
planos, recursos, sistema de gestão, forma de uso e ocupação
do espaço urbano). O Plano Diretor como instrumento do
planejamento participativo, para garantir o direito da
comunidade participar de todas as fases do processo, deve
conter mecanismos e sistemas de informação, de consulta e
participação e de gestão democráticos. Com relação ao
direito à informação devem ser constituídos sistemas regionais e
setoriais de informações sobre a cidade acessíveis à população
em biblioteca, terminais de computadores, publicações (diário
oficial), cadastros, mapas disponíveis nos órgãos públicos. O
Direito à informação obriga o Poder Público a prestar
informações sobre todos os atos referentes ao processo do
Plano Diretor, desde o direito de iniciativa popular, de
apresentação de propostas e emendas ao plano, de
audiências públicas como requisito obrigatório, de consultas
públicas através de referendo ou plebiscito mediante a
solicitação da comunidade. A audiência pública, como
instrumento de participação popular do processo legislativo, é
requisito obrigatório para aprovação do Plano Diretos pela
Câmara Municipal.
Evidencia-se, portanto, que ao modificar o Plano Diretor Municipal de
Castelo, por meio das alterações procedidas pelas Leis
Complementares nº 004/2007, nº 005/2008, nº 006/2008, nº 007/2009, nº
5 JUNIOR, Nelson Saule. O tratamento constitucional do plano diretor como instrumento
de política urbana. In: Direito Urbanístico. Edésio Fernandes, Belo Horizonte: Ed. Del Rey,
1998, p. 61/63.
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008/2010 e nº 009/2010, o legislativo municipal não observou o princípio
constitucional da democracia participativa, uma vez que não abriu
debate à população e a associações representativas dos vários
segmentos da sociedade.
Reforçando a tese ora em debate, vale trazer a colação o acórdão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, lavrado nos autos da ADIN nº
70003026564, no qual é dada ênfase a importância da submissão do
município ao princípio da democracia participativa assente na
Constituição da República e no Estatuto da Cidade (art. 29, XII, da
Constituição da República e artigos 2º, II, XIII - 4º, III, “f” e § 3º - 27, § 2º -
33, VII - 40, § 4º - 42, III - 43 a 45 - 52, VI da Lei nº 10.257/01:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICIPIO DE
CAPÃO DA CANOA. LEI 1.458/2000 QUE ESTABELE NORMAS
SOBRE EDIFICAÇÕES NOS LOTEAMENTOS E ALTERA O PLANO
DIRETOR DA SEDE DO MUNICIPIO DE CAPÃO DA CANOA.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AUSÊNCIA DE
PARTICIPAÇÃO DAS ENTIDADES COMUNITÁRIAS LEGALMENTE
CONSTITUÍDAS NA DEFINIÇÃO DO PLANO DIRETOR E DAS
DIRETRIZES GERAIS DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO, BEM COMO
NA ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DOS PLANOS,
PROGRAMAS E PROJETOS QUE LHE SEJAM CONCERNENTES.
VIOLAÇÃO AO §5º DO ART. 177 DA CARTA ESTADUAL.
PRECEDENTES DO TJRS. EFICÁCIA DA DECLARAÇÃO
EXCEPCIONLMENTE FIXADA, A TEOR DO ARTIGO 27 DA LEI Nº
9.868/99. Ação procedente TRECHOS DO ACÓRDÃO: “... grassa
entendimento nesta Corte, no sentido de que as Leis Municipais
do rio Grande do Sul que digam respeito à política urbana, em
específico a elaboração do Plano Diretor, devem obedecer à
condicionalmente da publicidade prévia e asseguração a
participação de entidades comunitárias, cuja orientação deve
obediência ao estigma de instrumento idôneo à organização
político- administrativa em âmbito municipal, que lhe fora
conferido pela Constituição Federal [...] A norma constitucional
não se satisfaz com a mera publicidade dos atos legiferantes,
mas, sim, exige, em conformidade com a sua correta exegese,
a efetiva participação dos representantes comunitários na sua
progênie, mediante audiência pública, na qual serão
consultados, pondo-se em debate os pontos controversos. O
poder público não pode escapar a esta exigência, face ao
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caráter de diretriz basilar no âmbito municipal que toca ao
Plano Diretor, servindo de linha mestra para o desenvolvimento
na esfera do Município, sob, os aspectos geográficos, sociais,
urbanístico e econômico, e que irá causar influência direta no
modo de vida da população local. Eis a sua importância; [...] A
circunstância de ter, o Município, dado publicidade aos atos
legislativo, no transcorrer da elaboração do Plano Diretor do
município de Capão da canoa, tão-somente informando, via
órgãos de imprensa, o seu conteúdo, não importa dizer que
está satisfeito o requerido da participação das entidades
comunitárias legalmente constituídas na edificação do Plano
Diretor. [...] E assiste razão ao insigne Procurador-Geral de
Justiça, ao apontar ofensa ao principio da democracia
participativa. Não basta dar ampla publicidade se não for
assegurada à comunidade a possibilidade de sua
participação no planejamento urbanístico. No que pertine à Lei
nº 1.458/2000, não foi assegurado debate com a população
em audiência pública. A comunidade teve apenas a
oportunidade de conhecer o assunto, sem nele poder interferir.
Não há nenhuma ata, nos autos, relatando a participação
popular no processo prévio de elaboração da lei questionada.
Co exceção, foi anexada ata da reunião da Diretoria e
Conselho dos Construtores e Incorporadores da Construção
Civil de Capão da Canoa (fls. 190), parte altamente
interessada nas edificações. Dessa forma, as declarações
acostadas nas folhas. 364 e SS (documentos nº 5 a 18),
formalidades após a aprovação da lei impugnada, não
comprovam, de forma suficiente, o atendimento ao principio
constitucional da democracia participativa, de modo a
demonstrar que a comunidade interessada nas edificações.
Passo ao exame do outro argumento apresentado na inicial.
Outrossim, em manifestação existente nos autos (fls. 227), o
Arquiteto e Urbanista Cezar Augusto Cardoso Barcelos alerta;
“Esta pressão está acontecendo a favor da especulação
imobiliária, traduzida em índices não computáveis, muito acima
da capacidade dos terrenos.[...] Parece-me claro que a
alteração preconizada no Plano Diretor é indônea à produção
de danos ao meio ambiente regional. [...] Daí que se a nova Lei
Orgânica estabelecer regras que alteram a estrutura física do
município, implicando riscos à higidez do meio ambiente,
impunha-se ao Poder Público Municipal (a fim de assegurar o
direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado) a
realização de um prévio Estudo de Impacto Ambiental – EIA,
bem como o RIMA- Relatório de Impacto ao Meio Ambiente.
[...] Não se trata de mera formalidade, mas cuida-se de
instrumento hábil ao afastamento de qualquer dúvida acerca
da implementação de um desenvolvimento sustentável, no
qual deve prevalecer o interesse social sobre o interesse
público”.
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De igual modo, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo
já consolidou entendimento de que a não observância ao princípio da
democracia participativa importa em inconstitucionalidade por ofensa
aos artigos 231. Parágrafo único, Inciso IV e artigo 236, ambos da
Constituição do Estado do Espírito Santo, vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 100.110.030.515 REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO REQUERIDOS: MUNICÍPIO DE
VILA VELHA E CÂMARA MUNICIPAL DE VILA VELHA/ES RELATOR:
DES. CARLOS SIMÕES FONSECA EMENTA: CONSTITUCIONAL -
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N.º 5.155/11 -
ALTERAÇÕES NO PLANO DIRETOR URBANO DE VILA VELHA -
PARTICIPAÇÃO POPULAR NÃO OBSERVADA NO TRANSCURSO DO
PROCESSO LEGISLATIVO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA - ARTS. 231, § ÚNICO, IV E 236 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - CRIAÇÃO DE ZONAS INDUSTRIAIS EM
ÁREAS DE INTERESSE AMBIENTAL - REDUÇÃO DE ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO NÃO-
RETROCESSO SOCIAL - DIREITO DA POPULAÇÃO AO MEIO
AMBIENTE SAUDÁVEL E EQUILIBRADO - ART. 186 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - RISCO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE
E CRESCIMENTO DESORDENADO DO MUNICÍPIO - PROCEDÊNCIA
- INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA COM EFEITOS EX TUNC.
1 - A necessidade de participação popular na elaboração do
Plano Diretor Urbano e suas posteriores alterações consiste em
pressuposto estabelecido pelo constituinte estadual como
forma de efetivação do princípio da democracia participativa.
Exegese dos artigos 231, § único, inciso IV e 236 da Constituição
Estadual. 2 - Deve ser assegurada a participação direta do
povo e a cooperação das associações representativas em
todas as fases do planejamento municipal. 3 - A supressão do
princípio da democracia participativa no processo legislativo
que resultou na Lei n.º 5.155/11, consiste em situação suficiente
para inquiná-la de vicio de inconstitucionalidade formal
objetiva, posto que o PDU, e suas posteriores alterações, deve
ser reflexo dos anseios e das necessidades dos munícipes, que
têm o direito de externá-los por meio dos instrumentos de
efetivação da democracia participativa, como é o caso da
audiência pública. 4 - A criação de Zonas Industriais em áreas
de interesse ambiental, bem como a redução das áreas de
preservação, consiste em verdadeiro retrocesso social,
porquanto o direito ao meio ambiente ecologicamente
saudável e equilibrado encontra-se expressamente previsto no
art. 186, caput, da Constituição Estadual, que é simétrico ao
art. 225, caput, da Constituição Federal. 5 - Imperiosa
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necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade
formal e material da lei arguida pelo Parquet, com vistas a se
preservar a ocorrência de sérios danos ao meio ambiente que
permeia o Município de Vila Velha, caso as modificações nela
previstas sejam implementadas. 16 - Pedido julgado
procedente. Inconstitucionalidade declarada com efeitos ex
tunc. (TJES, Classe: Direta de Inconstitucionalidade,
100110030515, Relator : CARLOS SIMÕES FONSECA, Órgão
julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 19/11/2012,
Data da Publicação no Diário: 22/11/2012)
EMENTA CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL Nº 8.153⁄11 -
PLANO DIRETOR URBANO DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA - PEDIDO
CAUTELAR DE MEDIDA LIMINAR - PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS
NECESSÁRIOS À CONCESSÃO. 1. O deferimento da medida
liminar pleiteada sujeita-se à verificação da presença dos
requisitos fumus boni iuris e periculum in mora. 2. O fumus boni
iuris decorre, in casu, de violação art. 231, parágrafo único, IV,
da Constituição do Estado do Espírito Santo, que assegura a
participação popular na política de desenvolvimento urbano.
3. O periculum in mora decorre do fato de a Lei Municipal nº
8.153⁄11, do Município de Vitória, encontrar-se vigente e
produzindo efeitos. 4. Pedido de concessão de liminar deferido.
(TJES, Classe: Direta de Inconstitucionalidade, 100110039524,
Relator : ANNIBAL DE REZENDE LIMA, Órgão julgador: TRIBUNAL
PLENO, Data de Julgamento: 16/02/2012, Data da Publicação
no Diário: 02/03/2012)
AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO LIMINAR. LEI
MUNICIPAL. APROVAÇÃO DE CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS.
TUTELA DO MEIO AMBIENTE. LIMINAR DEFERIDA. I - Encontram-se
suficientemente demonstradas razões próprias para a
antecipação da tutela pretendida, a fim de sejam suspensos os
efeitos da Lei Municipal, na medida em que presentes, em sede
de uma cognição não exauriente, risco de impacto ambiental
negativo na aprovação de projetos de condomínios nos termos
previstos pela Lei em voga, sem falar na transmudação de
zonas rurais em urbanas sem um devido estudo, simplesmente
por já estarem sendo constituídos condomínios nestes locais,
como previu a Lei em apreço. II - Permitir a aprovação de
condomínios horizontais, sem limites aparentes, autorizando que
não seja realizado estudo de impacto ambiental, ou mesmo de
impacto de Vizinhança, estaria a configurar medida
retrocedente, afrontando garantias do bem estar social, já
conquistadas pela população. III - Entendo que a suspensão da
Lei Municipal, cuidará em atender o princípio da precaução.
Não é demais lembra que em relação ao meio ambiente, a
observância deste princípio adquire contornos ainda de maior
importância, haja vista as dificuldades para atingir-se uma
reparação integral dos eventuais danos, evitando-se, assim,
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eventuais prejuízos, seja para a coletividade, seja para os
empreendedores dos condomínios. IV - Pedido liminar deferido,
ad referendum do Tribunal Pleno. (TJES, Classe: Direta de
Inconstitucionalidade, 100120005978, Relator : MAURÍLIO
ALMEIDA DE ABREU, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de
Julgamento: 29/03/2012, Data da Publicação no Diário:
19/04/2012)
Sendo assim, é imperativo que se permita a participação popular no
planejamento da cidade.
Portanto, o resultado do planejamento deve refletir no interesse público
primário, ou seja, um instrumento técnico-jurídico que permita o
desenvolvimento das cidades, preservando a qualidade de vida dos
que ali residem. Qualquer ato em sentido contrario carece de
legitimidade por não retratar o interesse da coletividade.
Diante do exposto, resta clarividente a violação ao princípio da
democracia participativa, inserto nos artigos 231, parágrafo único, inc.
IV, e 236 ambos da Constituição Estadual.
III – DO VÍCIO DE INICIATIVA DOS PROCESSOS LEGISLATIVOS QUE
CULMINARAM NA EDIÇÃO DAS LEIS COMPLEMENTARES Nº 005/2008 E Nº
006/2008 – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUBJETIVA – VIOLAÇÃO
AO ART. 17, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO
ESPÍRITO SANTO:
Além disso, cumpre ainda pontuar que, dentre os atos normativos ora
impugnados, as Leis Complementares nº 005/2008 e nº 006/2008 não
respeitaram o requisito formal subjetivo para alteração do Plano Diretor
Municipal, ou seja, o legislador municipal não observou as regras de
iniciativa para deflagração do processo legislativo.
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Neste aspecto, importa destacar que a elaboração do plano diretor é
um processo complexo, com uma série de etapas a serem seguidas, tais
como coleta de dados através de estudos preliminares, diagnóstico,
plano de diretrizes e instrumentação do plano, etapas estas, vale
ressaltar, que não foram observadas na elaboração das leis
complementares municipais ora impugnadas.
Por ser uma peça técnica, o Plano Diretor Urbano, assim como suas
alterações devem ser elaborados por especialistas habilitados, que
serão nomeados pelo Prefeito, cabendo a este transmitir aos técnicos as
aspirações das pessoas quanto ao desenvolvimento do Município e
também a indicação de quais obras e serviços tem maior urgência e
utilidade para a população.
Em outros termos, o processo de planejamento municipal trata-se de
uma atividade executiva, de atribuição exclusiva do Poder Executivo
Municipal, por intermédio dos órgãos de planejamento da Prefeitura,
logo a iniciativa da lei respectiva pertence ao Prefeito, sob cuja
orientação se prepara o plano. A esse respeito, temos o que leciona
Hely Lopes Meirelles:
“a elaboração do Plano Diretor é tarefa de especialistas nos
diversos setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo
ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com
profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob
supervisão do Prefeito”6.
Desta forma, embora a Constituição não se pronuncie expressamente
sobre o tema, a iniciativa de lei que versa acerca de plano diretor é do
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Chefe do Executivo Municipal, já que é ele o responsável pela equipe
técnica elaboradora do plano.
Logo, o projeto de lei passa pelo crivo do Legislativo Municipal somente
no que tange à sua aprovação, enquanto a deflagração do processo
legislativo cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo.
Com o escopo de ratificar o posicionamento esposado, cumpre
transcrever os ensinamentos de José Afonso da Silva:
“A elaboração do plano é da competência do Executivo
municipal, por intermédio dos órgãos de planejamento da
Prefeitura. [...] Entre os instrumentos que integram a elaboração
do PD encontra-se o projeto de lei a ser submetido à Câmara
Municipal, para a sua aprovação. A iniciativa dessa lei
pertence ao prefeito, sob cuja orientação se prepara o plano.
O processo de elaboração dessa lei segue as regras do
processo legislativo estabelecido na lei orgânica dos
Municípios. Apresentado o projeto à Câmara, com todos os
documentos do plano, o presidente deca o remeterá às
comissões competentes, para estudo e parecer”.7
Os Tribunais Pátrios já solidificaram esse entendimento, vejamos:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - DIPLOMA NORMATIVO QUE ALTERA A
LEI DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - ORIGEM PARLAMENTAR -
VÍCIO DE INICIATIVA - AUSÊNCIA DE ESTUDO E AUDIÊNCIA
PRÉVIOS - INCONSTITUCIONALIDADE - EXISTÊNCIA - É
inconstitucional a Lei Complementar Municipal de Catanduva
359, de 8 de março de 2007, que altera a Lei Complementar
Municipal 355, de 26 de dezembro de 2006, que institui o "Plano
Diretor Participativo, a Lei de Uso e Ocupação do Solo e a Lei
de Parcelamento do Solo do Município de Catanduva e dá
outras providências", pois originada de projeto de lei
parlamentar, e não do Poder Executivo, único competente para
deflagrá-lo - Não realização de estudos e audiências prévios -
____________________________ 6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. P. 393-
395. 7 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
p. 138-140.
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Violação dos arts. 5°, 47, incisos II, XI e XIV, 144, 180, II, e 181,
"caput" e § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo -
jurisprudência deste Colendo Órgão Especial - Ação
procedente. (TJSP – ADI 00774868120118260000, Des. Rel. Xavier
de Aquino. DJ 16/11/2011).
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI
REGULANDO DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE PLANO DIRETOR -
VÍCIO DE INICIATIVA - COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO EXECUTIVO
- AFRONTA À SEPARAÇÃO E HARMONIA ENTRE OS PODERES -
OFENSA AO ART. 173 DA COSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS - REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA. I - A lei que dispõe sobre
plano diretor do município é de competência exclusiva do
chefe do Executivo - Prefeito Municipal - configurando vício de
iniciativa sua edição pelo Poder Legislativo. II - O art. 173 da
CEMG/89 estabelece a independência e harmonia entre os
Poderes Legislativo e Executivo, sendo vedado expressamente
que um deles exerça função do outro. (TJMG – ADI N°
10000100174291000 - Des. Rel. Alberto Deodato Neto. DJ
20/05/2011).
Assim, o Legislativo municipal, ao iniciar lei de competência privativa do
Executivo, incorre em grave violação ao princípio da independência e
harmonia entre os Poderes, disposto no art. 17 e seu parágrafo único da
Constituição Estadual, in verbis:
Art. 17. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Parágrafo único. É vedado a qualquer dos Poderes delegar
atribuições de sua competência exclusiva. Quem for investido
na função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as
exceções previstas nesta Constituição.
Portanto, é pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento de
que cabe privativamente ao Executivo deflagrar processo legislativo de
lei que verse acerca do planejamento do solo urbano, tendo em vista
se tratar de atividade executiva.
Ante o exposto, conclui-se que as Leis Complementares nº 005/2008 e nº
006/2008, além do vício apontado no tópico II, incorrem também em
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vício de iniciativa, por violação à regra de iniciativa para deflagração
do plano diretor urbano, em flagrante afronta ao artigo 17, parágrafo
único da Constituição do Estado do Espírito Santo.
IV – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA
Resta patente que o princípio constitucional básico do direito à tutela
jurisdicional assegura, também, ao jurisdicionado, o direito a uma
sentença potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a
direito relevante.
Nestes termos, não se pode olvidar que inexiste no ordenamento jurídico
pátrio direito mais relevante do que aquele relacionado com o respeito
ao nosso ordenamento fundamental, consubstanciado nas
Constituições Republicana e Estadual.
Urge salientar que, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade,
não se almeja a análise de um caso concreto, mas sim de legislação
em tese, com o escopo de declarar sua inconstitucionalidade em face
da Carta Política Estadual, extirpando do mundo jurídico lei que com
esta conflite.
Destarte, necessário se faz a concessão antecipada dos efeitos da
tutela pretendida na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade,
com espeque no art. 10 e seguintes da Lei nº 9.868/99, c/c artigo 273 do
Código de Processo Civil, pelos fundamentos adiante demonstrados:
O primeiro requisito imprescindível à concessão da tutela satisfativa in
limine litis, o fumus boni iuris, é facilmente constatado ao demonstrar-se
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que copiosas doutrina e jurisprudência não admitem a mitigação da
participação popular na elaboração do Plano Diretor Urbano, em clara
violação ao disposto nos artigos 231, parágrafo único, IV e artigo 236,
ambos da Constituição Estadual, bem como não admitem que sejam
desrespeitadas as regras de iniciativa previstas constitucionalmente, em
flagrante mácula ao que dispõe o artigo 17, parágrafo único, da Carta
Estadual.
Vale ainda destacar que, conforme narrado no tópico I, as alterações
do Plano Diretor Urbano do Município de Castelo, introduzidas pelas leis
ora impugnadas, foram feitas em regime de urgência, após solicitação
expressa de determinados setores empresariais do município ao
Conselho do Plano Diretor Municipal (como ocorrido no caso da Lei
Complementar nº 005/2008) ou ainda para permitir a execução de
projetos contratados por meio de licitação antes mesmo da alteração
do PDM (como ocorrido na Lei Complementar nº 004/2007).
Já o segundo requisito - periculum in mora, verifica-se em razão do
dano que pode ser causado à soberania popular, no que tange ao
direito constitucional de participação ativa do povo nos projetos de lei
que versam acerca de planos urbanísticos da cidade.
Torna-se clarividente ainda a necessidade de se conceder a medida
liminar ora pleiteada quando se leva em conta que Leis Municipais,
flagrantemente elaboradas para favorecer determinada classe
empresarial, sejam aplicadas, em detrimento da vontade popular.
Vale destacar que a demora na concessão da tutela ora pretendida
acarretaria em severa dificuldade de se atender aos anseios da
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sociedade do Município de Castelo, haja vista que uma vez iniciada a
atividade de construção de imóveis, bem como de cemitério, com
base nas legislações em epígrafe, tornar-se-ia difícil, quiçá impossível, o
restabelecimento da ordem jurídica, pautada na vontade soberana da
população.
Além disso, é temerário permitir que essa interferência do Poder
Legislativo em atribuição privativa do Poder Executivo (iniciativa de lei)
se prolongue no tempo, uma vez que isso importaria no desgaste da
independência e harmonia que deve haver entre os Poderes.
Sobressai, por oportuno, a lição de Luiz Rodrigues Wambier8:
A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom direito,
e é correlata às expressões cognição sumária, não exauriente,
incompleta, superficial ou perfunctória. Quem decide com
base em fumus não tem conhecimento pleno e total dos fatos
e, portanto, ainda não tem certeza quanto a qual seja o direito
aplicável. Justamente por isso é que, no processo cautelar,
nada se decide acerca do direito da parte. Decide-se: se A
tiver o direito que alega ter (o que é provável), devo conceder
a medida pleiteada, sob pena do risco de, não sendo ela
concedida, o processo principal não poder ser eficaz (porque,
por exemplo, o devedor não terá mais bens para satisfazer o
crédito).
Está última característica de que acima se falou (o risco) é o
que a doutrina chama de periculum in mora. É significativa da
circunstância de que ou a medida é concedida quando se a
pleiteia ou, depois, de nada mais adiantará a sua concessão.
O risco da demora é o risco da ineficácia.
De fato, o fumus boni iuris e o periculum in mora são requisitos
para a propositura de ação cautelar; são requisitos para a
concessão de liminar; e são, também, requisitos para a
obtenção de sentença de procedência.
8 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de e TALAMINI, Eduardo, in
Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais, 5ª
ed. vol. 3, rev., atual. e ampl., 2ª tir. – São Paulo: RT, 2004.
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Verifica-se que potencial dano decorre da demora no trâmite da ação,
de modo que, não sendo suspensa a vigência da norma em apreço, os
titulares do bem jurídico protegido (a sociedade) poderão sofrer com a
irreparabilidade ou a difícil reparação desse direito ou, até mesmo,
estarem obrigados a suportar os efeitos oriundos da demora da decisão
judicial.
Desta forma, assaz urgente a concessão da medida liminar por esse
Colendo Sodalício, a fim de se extirpar do cenário jurídico Leis
Complementares nº 004/2007, nº 005/2008, nº 006/2008, nº 007/2009, nº
008/2010 e nº 009/2010, todas do Município de Castelo, que alteraram a
Lei Complementar Municipal nº 002/2007 (Plano Diretor do Município de
Castelo) e obstar a clarividente lesão à soberania popular, bem como à
separação dos poderes, posto cabalmente comprovada a
inconstitucionalidade das leis ora impugnadas.
V – DOS PEDIDOS
Ex positis, o Procurador-Geral de Justiça requer:
a) Seja a representação por inconstitucionalidade do Promotor de
Justiça de Castelo (em anexo) recebida como parte integrante
da presente ação direta de inconstitucionalidade;
b) A suspensão liminar da vigência das Leis Complementares nº
004/2007, nº 005/2008, nº 006/2008, nº 007/2009, nº 008/2010 e nº
009/2010, todas do Município de Castelo, que alteraram a Lei
Complementar Municipal nº 002/2007 (Plano Diretor do Município
de Castelo), nos termos do artigo 169, alínea “b”, do Regimento
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Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - RITJES e
do artigo 12 da Lei 9.868/1999;
c) A notificação do Presidente da Câmara e do Prefeito Municipal
de Castelo, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito
Santo - RITJES;
d) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a
inconstitucionalidade das Leis Complementares nº 004/2007, nº
005/2008, nº 006/2008, nº 007/2009, nº 008/2010 e nº 009/2010,
todas do Município de Castelo, que alteraram a Lei
Complementar Municipal nº 002/2007 (Plano Diretor do Município
de Castelo), adotando-se as providências necessárias para que
cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.
VI – VALOR DA CAUSA
Dá-se à presente causa, por força de expressa disposição legal, o valor
de R$ 100,00 (cem reais).
Pede deferimento.
Vitória, 27 de setembro de 2013.
EDER PONTES DA SILVA PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA