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Projetos de estágio sob as lentes do ISD
Eliane Segatti Rios-Registro (Mestranda PPGEL-UEL/Docente UENP/CP, eregistro@uol.com.br )
COAUTORIA: Vera Lucia Lopes Cristovão (Pós-Doutora PUC-SP, Docente PPGEL/UEL, veracristovão@yahoo.com)
RESUMO: No panorama da formação do professor de línguas, investigar o seu trabalho remete também a levar em conta outras dimensões de sua atividade profissional para entender melhor a origem de suas escolhas para ações em sala de aula bem como as do aluno-professor. A partir da investigação do processo de educação inicial de professores de língua estrangeira, em um curso de Letras Português-Inglês de uma Instituição Estadual de Ensino Superior do Norte do Paraná, fizemos uma análise documental dos projetos de estágio supervisionado em língua inglesa produzidos pelos alunos-estagiários da disciplina mencionada utilizando os pressupostos teóricos metodológicos do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2006). Tal análise nos permitiu traçar o perfil desses alunos-professores sendo estes executores de ações e não o atores principais, com a real capacidade de transformar o seu trabalho .
PALAVRAS-CHAVE: formação de professores, ISD, projetos de estágio.
ABSTRACT: In the scenery of the teacher’s education programmes, to investigate his/her work also takes into account other dimensions of his/her professional activity to better understand the origin of his/her choices for actions in the classroom as well as the student-teachers’. From the investigation of the foreign language teacher’s education programme, in a Letras Portuguese-English course of a State University in Parana, we carried out a documental analysis of the probation teaching projects in English language teaching produced by the own probationer, adopting the theoretical presupposition of the so-called Sociodiscursive Interactionism (BRONCKART, 1999,2006). Such analysis made it possible for us to have the student teachers profile, whose representations show themselves as executers of actions, and not as main actors, with a real capacity to transform his/her work. KEYWORDS: teacher´s formation, SDI, probation period project.
1. INTRODUÇÃO
Vários são os trabalhos desenvolvidos com o intuito de melhor compreender a ação do aluno-
estagiário/professor durante o seu processo de formação (Bueno, 2007; Lopes, 2008; Mazzilo,
2004; Machado 2004; Cristovão, 2006, para citar somente alguns) .
A análise de documentos voltados ao trabalho do professor, estendido aqui ao trabalho dos
alunos-professores pode, de acordo com Bronckart e Machado (2004), conduzir à apreensão
da natureza e às ações verbais que se configuram, bem como à compreensão sobre o papel que
a linguagem desempenha em um determinado contexto, compondo o gênero profissional e as
“figuras interpretativas sobre o professor em seu metier (SZUNDY; CRISTOVÃO, 2008, p.
117).
As ações verbais analisadas desses alunos-professores advêm dos documentos analisados e
entendidos por um gênero específico que é o projeto de ensino. Partindo da noção de gênero
textual fundamentado em Bronckart (2006, p.143), temos que “qualquer produção de texto
implica, conseqüente e necessariamente, escolhas relativas à seleção e à combinação dos
mecanismos estruturantes, das operações cognitivas e de suas modalidades de realização
lingüística”. Corroboramos como autor ao dizer que essas escolhas estão atreladas ao meio
no qual a linguagem se desenvolve, de forma que os textos possam ser adaptados não somente
às atividades comentadas como também a um meio comunicativo específico, sendo eficaz em
seu desempenho. “Devido a esse estatuto, os gêneros mudam necessariamente com o tempo
ou com a história das formações sociais de linguagem” (BRONCKART, 2006, p.144).
Nesse contexto, partindo do construto teórico-metodológico do interacionismo sócio
discursivo, pretendemos compreender como se dá o trabalho dos alunos-professores no
processo de planejamento de suas ações representadas aqui por meio de seu projeto de ensino.
Para tanto, escolhemos três partes constitutivas do projeto procurando evidenciar as ações dos
alunos-professores nessas fases de desenvolvimento: 1) metodologia, por refletir os aspectos
referentes aos modos do agir profissional, 2) justificativa, onde as crenças profissionais são
destacadas por meio de seu discurso, e 3) objetivos, onde encontramos as ações que esses
futuros profissionais acreditam serem importantes para o desenvolvimento da aprendizagem
de seus alunos.
Este artigo está dividido em 4 partes: na primeira, temos uma apresentação dos pressupostos
teóricos relacionados aos procedimentos de análise de cada etapa; na segunda, uma
apresentação do plano global e do contexto de produção dos projetos de ensino; na terceira,
análise dos projetos de ensino categorizados pelos tipos de verbos seguindo a classificação de
Borba (1990) e das capacidades da linguagem, seguido pelos tipos de discurso e de alguns
elementos da semiologia do agir, finalmente, apresentamos algumas considerações finais.
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Este estudo de análise documental voltado ao trabalho docente apóia-se no construto teórico-
metodológico do Interacionismo Sócio Discursivo, e em seu diálogo com outras correntes
teóricas, dentre elas a ergonomia da atividade1 (AMIGUES, 2004) e a clínica da atividade2
(CLOT, 2006). Essa abordagem transdisciplinar justifica-se visto a possibilidade de
compreender o agir humano por meio da análise de textos e pelo seu contexto (LOUSADA,
ABREU-TARDELLI E MAZILLO, 2007). Assim sendo, faz-se necessário reconhecer o
contexto sociointeracional em que esses textos circulam bem como verificar alguns elementos
lingüístico-discursivos para o entendimento do agir do trabalho do professor como também
das dimensões da formação e do trabalho do professor.
Os textos prescritivos, aqui entendidos como os planejamentos de ensino, são diversos e se
estabelecem a partir de uma rede de discursos, como por exemplo: os documentos
provenientes do MEC (LDBs, PCNs, OCEM, as resoluções do Conselho Nacional de Ensino
e as Diretrizes para a Formação do Professor), as normas construídas pelas diretorias de
ensino e coordenação pedagógica (na qual se inserem os regimentos escolares e os projetos
político-pedagógicos dos cursos, objeto de nossa análise) e as regras elaboradas pelos
professores (BUENO, 2007).
Os projetos político-pedagógicos das escolas ou dos cursos de graduação bem como os
projetos de ensino que são desenvolvidos a partir de uma prescrição situam-se em um nível de
reconstrução e constituem-se em ações intencionais construídas a partir das reflexões
coletivas dos professores e alunos-professores. Essas propostas apóiam-se tanto nas
dimensões sócio-políticas3, por emanar do coletivo e por seu real interesse na formação de um
profissional – professor de inglês – atento às necessidades da sociedade, quanto nas
dimensões pedagógicas, com o intuito de determinar “as ações educativas e as características
1 O objetivo da ergonomia da atividade, cujos estudos provêm da ergonomia francesa e que se contrapõem a visão taylorista e fordista, é a melhoria das condições dos trabalhadores quando em sua atuação. (MACHADO, 2004)
2 A clínica da atividade é um método de análise e compreensão do trabalho desenvolvido por Yves Clot, na França, o qual traz uma reflexão sobre suas possíveis contribuições para o campo da segurança no trabalho. (MACHADO, 2004)
3 Para Veiga (1995), existe uma reciprocidade na vivência democrática da escola, onde a dimensão política (ações tomadas dentro de uma coletividade), e a dimensão pedagógica (escola como espaço social e democrático), coexistem harmoniosamente, ou seja, para que exista uma vivência democrática é necessária a existência de uma ação política e pedagógica da escola.
necessárias às instituições, de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade” (VEIGA,
1996, p. 13, apud SAUPE & GEIB, 2000).
Acreditamos que, no processo de desenvolvimento dessa rede discursiva o professor
estabelece relações com tudo o que o constitui sócio-historicamente, pois traz consigo seus
valores e intenções específicas para um contexto desejado, refletindo mundos discursivos
particulares e que são concretizados por diferentes segmentos textuais, independente do
gênero a que pertence.
Aproximando os segmentos textuais aos tipos de discurso temos que, “ tipos de discurso são
segmentos textuais que podem ser identificáveis e diferenciados com base em suas categorias
lingüísticas ou nas configurações de unidades lingüísticas específicas” (MACHADO;
BRONCKART, PRELO, p.12).
Consideramos esses tipos de discurso importantes uma vez que “parecem traduzir ou
semiotizar mundos discursivos, isto é, formatos organizadores das relações entre as
coordenadas da situação de ação de um actante e as coordenadas dos mundos coletivamente
construídos na textualidade” (BRONCKART, 2008, p. 91). Portanto, na produção ou
recepção de um texto, encontramos tanto as representações individuais com também as
coletivas.
Para Bronckart e Machado (2004, p.154), o “termo agir designa o dado sob análise”, o qual
pode receber diferentes conotações dependendo da posição que o protagonista do texto
ocupar. Seguindo essa linha de interpretação, os termos atividade e ação referem-se às
interpretações decorrentes desse agir, sendo a primeira realizada quando esse agir for coletivo,
levando em consideração as dimensões motivacionais e intencionais mobilizadas por um
coletivo, e a última quando referir-se a um agir individual.
Para os autores, esses agires, dos quais os seres humanos tomam parte, são denominados de
actantes, um termo neutro que se refere a qualquer pessoa que possa se implicar no agir. A
partir do momento em que ele se implica, e que possui motivos, capacidades e intenções para
realizar a ação, esse actante se transforma em ator. Caso contrário, temos o termo agente,
utilizado ao actante quando não lhe forem atribuídas essas propriedades.
Retomando nossa discussão sobre as representações individuais e coletivas nos mundos
discursivos, temos nas palavras de Bronckart (2008, p.91) que, a construção desses mundos
se dá por meio de duas operações psicolinguageiras oriundas de uma decisão binária” ,
apresentadas como a ordem do NARRAR e do EXPOR. A primeira, nomeada por disjunção
ou conjunção, refere-se diretamente à distância, sendo esta a ordem no narrar, ou
proximidade, da ordem do expor; a segunda, consideramos o cruzamento entre o agente
produtor e a situação de linguagem no momento da produção, caracterizando assim a
implicação, na ocorrência de interação entre esses fatores, ou ainda de autonomia, na ausência
de interação. Como resultado dessas interseções, temos quatro mundos discursivos e a partir
deles, quatro tipos de discurso: discurso interativo, discurso teórico, relato interativo e
narração. Podemos observar mais claramente a partir da tabela abaixo:
EXPOR NARRAR CONJUNTO
Aqui, agora DISJUNTO Ontem, passado
IMPLICADO Participante
Discurso interativo Ex: diálogos com personagens – aqui, agora, presente atual
Relato interativo Ex: relato de um personagem sobre suas experiências passadas
AUTÔNOMO Relação de autonomia
Discurso teórico Ex: reflexões generalizantes do autor ou de um personagem. Digo sobre ele.
Narração Ex: tempo disjunto ao momento de produção. Refere-se ao momento de produção.
Tabela 01
Todas as teorias levantadas acima nos levam a entender e analisar os procedimentos bem
como as representações individuais e coletivas de um conjunto de dados que são
concretizados no planejamento do projeto de ensino.
Outra relação importante a ser estabelecida é a que permeia as dimensões da formação e do
trabalho do professor (PLACCO, 2005 ; 2006). A autora considera a formação de professores
sob o ponto de vista de diferentes dimensões, dentre elas:
1) Formação técnica, visa os conhecimentos técnico-científicos da área de atuação;
2) Avaliativa, visa a capacidade avaliativa do professor em relação aos aspectos
específicos de sua prática pedagógica, bem como aqueles valorizados pelo sistema ou
escola em que trabalha;
3) Ética e política, visa à formação do professor quanto à ciência da educação, aos
objetivos do processo educacional, compromissos éticos e políticos, comprometida
com uma visão de educação;
4) Dos saberes para ensinar, visa os conhecimentos que os professores possuem sobre
seus alunos, sobre as finalidades e utilização dos procedimentos didáticos e afetivo-
emocionais;
5) Da formação continuada, visa à possibilidade do profissional formado buscar novas
informações, analisando-as e incorporando-as à sua formação básica;
6) Crítico-reflexiva, visa o pensar crítico sobre o nosso agir, nosso pensar e nosso sentir,
questionando as origens e os significados de nossas certezas, saberes e conhecimentos;
7) Estética e cultural, visa à inclusão, de experiências em que o indivíduo se aproxima
de sua cultura, desenvolve o senso estético, apura a sua capacidade de observação,
identificando componentes importantes para a sua formação identitária, como pessoa e
como profissional;
8) Do trabalho coletivo, visa um desenvolvimento com outros professores, fruto de um
projeto político-pedagógico.
Todas essas dimensões acabam tendo sentido se forem consideradas sob o prisma de
sincronidade, de simultaneidade, de inter-relação que elas estabelecem entre si, atravessadas
pelas dimensões da ética e pela intencionalidade tanto do formador quanto do formando.
A maioria dessas dimensões está presente de forma mais ou menos acentuada no
desenvolvimento dos projetos de ensino. Ao considerarmos tais dimensões, concordamos com
Woods (1993) quando assevera que entender o planejamento é uma ferramenta importante no
sentido de nos ajudar a entender os procedimentos e as estratégias que os professores usam
para criarem estruturas de ensino que podem, eventualmente, constituir o curso. Para o autor,
o processo de planejamento está ligado às decisões que o professor faz ao definir suas
escolhas e essas decisões resultam em ações verbais e não verbais entre o aluno e o professor
durante o processo de ensino. Essas decisões são tomadas, por exemplo, a partir dos
conhecimentos e habilidades dos alunos, dos conteúdos do currículo e até do próprio
desenvolvimento da sala de aula.
Para este contexto de pesquisa, planejamento será referido como projeto de ensino, um
documento prescritivo no qual as decisões dos professores são transpostas, constituindo um
gênero de texto em um sistema, “que está em estreita interação com as redes de atividades
humanas e com a sua organização social”( BRONCKART, 2008 p. 40).
Algumas pesquisas já realizadas conferem a importância em se analisar o desenvolvimento do
aluno-professor durante seu processo de formação. Lopes (2008) analisou o relatório de
estágio, constituindo-o como um gênero textual o qual reflete a ação de linguagem ali contida,
mostrando que é possível fazer uma reflexão a partir da dimensão do fazer do professor bem
como das representações que os alunos-professores materializam na linguagem escrita tendo
em vista os docentes em sala de aula.
Bueno (2007) ressalta o papel do estágio ao fazer, por meio dele, a construção de
representação sobre o papel do docente. A autora analisa e interpreta as representações
construídas sobre o papel do professor nos textos elaborados para orientar o estágio em suas
tarefas bem como pelos textos produzidos pelos estagiários durante o estágio.
Concordamos com as autoras ao dizer que pesquisas voltadas para o processo de formação do
aluno-professor são ainda incipientes, e que é de suma importância fazermos uma reflexão
sobre o desenvolvimento do estágio bem como as representações que esses alunos-professores
fazem da profissão docente.
Em todas as fases propostas, identificamos um perfil dos alunos-professores concretizado na
linguagem escrita e por nós analisado. Este perfil nos dá nuances para compor a concepção de
ensino e aprendizagem que eles carregam dentro de si, bem como os aspectos e falhas do
processo de sua formação.
3. MEDOTOLOGIA
3.1.O CURSO
O curso de Letras desta instituição possui habilitação dupla, inglês-português, sendo o 4º. ano
de 2008 a última turma pertencente à antiga matriz curricular, pois as turmas que iniciaram
em 2006 contam com uma nova grade. Assim, os participantes da pesquisa tiveram um total
de 3.168 horas distribuídas em 4 anos, sem contar as disciplinas optativas. Na última série
nas disciplinas da área de língua inglesa, cerne de nossa pesquisa, os alunos contaram com a
seguinte carga horária:
Disciplina Aulas semanais Carga horária anual
Língua inglesa IV 3 108
Literatura de Língua Inglesa III
2 72
Metodologia de ensino de inglês II
2 72
Prática de ensino de inglês (estágio supervisionado)
2 72
Tabela 2: disciplinas e carga horária do 4º. Ano de Letras da turma de 20084
Estabelecidas modificações quanto ao número de horas destinadas ao estágio supervisionado,
de 300 horas no caso desta turma em especial, para 400 horas, a “ carga horária das
licenciaturas de acordo com a resolução No. 1 de 18/02/2002, é de 2.800 horas, englobando
400 horas de prática, 400 de estágio curricular supervisionado; 1800 horas de aulas para os
conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; e 200 horas para outras formas de
atividades acadêmico-científico-culturais” (PAIVA, 2003 p. 60-61). O prazo para esta
implementação se esgotou em 2004.
3.2. O PROJETO DE ESTÁGIO
A partir da necessidade de seleção dos sujeitos participantes da pesquisa, entendidos aqui
como os alunos-professores, estabelecemos um critério classificatório tendo em vista a
produção das atividades práticas que envolvem a área de língua inglesa, sendo elas a literatura
inglesa, metodologia de língua inglesa (e também estágio supervisionado) e língua inglesa.
Assim, levamos em consideração os alunos do 4º ano de Letras do ano de 2008, da Instituição
de Ensino Superior (IES) em foco, que entregaram as atividades práticas solicitadas pelos
professores das disciplinas mencionadas.
Do total de 40 alunos, somente 16 entregaram seus trabalhos em todas as disciplinas
supracitadas. Esses 16 alunos estão divididos em grupos para que se cumpra com a atividade
de estágio supervisionado. Vale ressaltar que os números aleatórios dos grupos justificam-se
devido à proximidade das cidades dos alunos em questão, facilitando os encontros para o
desenvolvimento dos estágios.
Projeto 01 Projeto 02 Projeto 03 Projeto 04 Projeto 05
4 alunos 2 alunos 3 alunos 4 alunos 3 alunos
Tabela 3: alunos/projetos
3.3 Procedimentos de análise
4 Currículo aprovado pelo parecer do CCE no. 86/01 de 07/05/2001 e Parecer no. 465/01 de 09/11/2001
Para cumprirmos nossos objetivos, nossa análise circunda primeiramente a classificação dos
protagonistas centrais presentes nos objetivos dos projetos de ensino, e para o seu
reconhecimento, faremos uso de Bronckart e Machado (2004) o quais indicam os
protagonistas centrais que são postos em cena como também os papéis sintático-semânticos
que lhes são atribuídos. A fim de identificar o(s) protagonista(s) da ação, verificamos os
sujeitos das orações (seres humanos ou inanimados) e seu papel de ator ou agente.
Após a seleção dos protagonistas, analisamos as escolhas verbais e sua relação com as
capacidades de linguagem (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004) e com a divisão verbal sintático-
semântica (BORBA, 1990). A partir dos conceitos do ISD, em relação à linguagem, ao
produzir textos o “sujeito mobiliza seus conhecimentos sobre os procedimentos a serem
seguidos, que, a meu ver, fazem os sujeitos aprenderem operações de linguagem definidas
pelas capacidades de linguagem” (CRISTOVÃO, 2008, p.262).
Corroborando com Dolz e Schneuwly (2004) as capacidades seriam divididas em três tipos
sendo elas as capacidades de ação, capacidades discursivas e capacidades lingüístico-
discursivas. No entanto, para este artigo, devido à natureza dos dados (objetivos propostos nos
projetos de ensino) , ressaltaremos somente as capacidades de ação.
As capacidades de ação estariam relacionadas com operações de mobilização de
representações sobre o contexto-físico e sócio-subjetivo onde a linguagem verbal
desenvolvida tem relação direta com o gênero que está sendo mobilizado.
Assim, a partir da classificação dos verbos, que, em sua maioria referem-se às capacidades de
ação, classificaremos somente os verbos de maior ocorrência nos cinco projetos analisados a
partir de Borba (1990, p. XII-XIII), o qual divide os verbos, segundo sua função sintático-
semântica, em quatro tipos:
1) Verbo de ação contém sempre um traço de atividade relacionado com o sujeito agente. É
composto por uma frase ativa, indicando um fazer por parte do sujeito. Ex: A mulher
reclamava porque a criança não comia.
2) Verbo de processo é sempre um afetado por algo que acontece fora dele, ou seja, é um
paciente, um experimentador, ou um beneficiário do processo. Ex: A água borbulhou; O
rapaz dormia um sono pesado; Rafaela ganhou um carro novo.
3) Verbos de ação-processo contém, pelo menos, dois argumentos. O primeiro um
agente/causativo e o segundo o afetado/afetuado. Assim, o primeiro faz com que o segundo
mude de estado, de condição, de posição, ou então faz com que passe a existir. Ex: Maria
estragou o pano; Escrevi um artigo; Dei um presente a Pedro.
4) Verbos de estado têm como sujeito um suporte de propriedades (estado/condição) ou como
mero experimentador delas. Ex: Chico ficou sentado em silêncio; Irma tem cinco filhos;
Nancy ama Paulo.
Na segunda parte analisada, temos o foco da justificativa, e situamos especificamente os tipos
de discurso, pois acreditamos que eles nos mostram o nível de implicação ou de autonomia
dos sujeitos envolvidos. Finalmente, na última , a metodologia, levantamos alguns aspectos
da semiologia do agir proposta por Bronckart e Machado (2004, p.154) que nos conduz à
compreensão das formas de agir por meio do discurso.
4. RESTULTADOS DE ANÁLISE E DISCUSSÃO
4.1. O PLANO GLOBAL E O CONTEXTO DE PRODUÇÃO
Tendo em vista a fragilidade em que se encontram os estágios supervisionados tanto em
língua portuguesa quanto em língua inglesa e suas respectivas literaturas, o professor e
supervisor de estágio desenvolveram um projeto intitulado “o estágio supervisionado: uma
visão caleidoscópica”. Este projeto tem como objetivo melhor integrar as duas áreas de
estágio – inglês e português – avaliando a prática de estágio e propondo encaminhamentos
alternativos.
O projeto é composto por fases de observação, participação, regência e iniciação científica, e
para o quarto ano especificamente são trabalhados os eixos temáticos 2 e 3 para ensino, sendo
modalidades de ensino e diversidade cultural respectivamente.
Assim, como parte integrante do estágio supervisionado, na modalidade regência, espera-se
que os alunos produzam seus projetos de ensino dentro da proposta do referido projeto
elaborado pelos professores o qual foi desenvolvido da seguinte forma: 1) Definições das
estratégias nos meses de janeiro a março, 2) Palestras nos meses de março e abril,
3)Elaboração dos projetos nos meses de abril e maio, 4)relatórios nos meses de julho e
novembro e, 5) Encontro de supervisão, todos os meses ao longo do ano.
Como resultado desse processo, temos projetos de ensino diversificados, o que podemos
comprovar a partir do próprio título dos documentos:
Projeto 1 Trabalhando linguagens: uma iniciação à língua inglesa a partir da língua materna.
Projeto 2 O Jornal na sala de aula
Projeto 3 Projeto Moleca: debater para aprender
Projeto 4 Sem título
Projeto 5 O ensino de língua portuguesa e língua inglesa para vestibulandos do município de São Jerônimo da Serra;
Tabela 4: Títulos dos projetos
Apesar do intuito de ampliar e expandir a visão dos alunos procurando a integralização das
duas áreas, português e inglês, parece ter havido, já pelo título, uma priorização a uma das
áreas, o que resultou em termos alguns projetos de ensino voltados unicamente para língua
inglesa ou língua portuguesa, prejudicando assim a formação dos próprios alunos-professores
a partir de suas próprias escolhas.
Ao analisarmos os projetos de ensino, observamos certa preocupação em seguir um modelo, o
que “leva a pensar em uma necessidade padronizada para o cumprimento da tarefa e para a
organização dos itens relatados para o leitor” (LOPES, 2008, p.224). De forma geral, os
projetos apresentam-se topicalizados bem como marcados em sua ocorrência conforme a
tabela abaixo:
Projetos de ensino
01 02 03 04 05
Título X X X X
Identificação X X X X X
Justificativa X X X X
Síntese X
Objetivos
Gerais
X X X
Objetivos específicos
X X X
Estrutura programática
X X X X
Metodologia de trabalho
X X X X
Participantes X X X X
Avaliação X
Referência bibliográfica
X X
Número de Vagas
X x X
Cronograma X X X
Recursos X X X
Orçamento X X
Tabela 5 - Plano geral dos projetos
Este plano geral dos projetos de ensino nos faz perceber uma prescrição estabelecida,
constituindo assim, o gênero projeto de ensino, delimitando regras para a sua constituição e
significação.
Após essa constatação inicial ligada à constituição do gênero projeto de ensino, “leva-nos à
questão de que os textos, sendo entidades semióticas com estruturas lingüísticas supra-
ordenadas, fornecem um quadro às trocas interindividuais de representações que constituem
os fins das produções verbais” (LOPES, 2008, p. 224), e organizam-se seguindo alguns
aspectos ligados á forma “discursiva, aos mundos discursivos e aos tipos de discurso”
(BRONCKART, 2006, p.165-166).
Machado e Bronckart (PRELO) asseveram que estes textos pertencem a um momento anterior
a uma tarefa, um momento de planejamento de uma tarefa docente que ainda será realizada.
Este momento de produção acaba por refletir os modos de agir desses estagiários vinculados
às suas concepções teóricas e prescritivas advindas de textos científicos e regulamentadores,
bem como as tomadas de decisões sobre o que será feito e quando, refletidas em seu
planejamento (WOODS, 1993).
4.2. OS OBJETIVOS
Para a análise dos verbos usados na parte dos objetivos dos projetos de ensino analisados
utilizamos a classificação dos protagonistas e, a partir destes os verbos em maior ocorrência
que se apresentam nos cinco projetos de ensino analisados. Com relação ao aluno-professor,
encontramos 31 ocorrências verbais diferentes, e 13 para os alunos. Já de início percebemos
que o número de ações é muito maior para o aluno-professor do que para o seu aluno. Tendo
em vista o formato deste artigo, classificamos somente os verbos que se apresentam em maior
ocorrência para cada protagonista. Temos então a seguinte classificação:
Maior ocorrência:
Aluno-professor Aluno
Ampliar Enriquecer
Estimular fazer
Facilitar Trabalhar
Respeitar utilizar
Tabela 6: verbos com maior ocorrência
4.2.1.PROTAGONISTA: ALUNO-PROFESSOR
1) AMPLIAR
1.1) (...) ampliando a visão de mundo do aluno.
1.2) Ampliar a comunicação através de dramatizações, dos trabalhos coletivos, da
criatividade e do imaginário (...)
Borba (1990) classifica esse verbo como ação-processo, com o significado de tornar amplo ou
maior, alargar, aumentar. Percebemos que mesmo que o destinatário não se faça presente
diretamente, percebemos a relação entre o enunciador e o destinatário, aqui representado
pelos alunos da turma estagiada.
2) ESTIMULAR
2.1) Incentivar a leitura, estimular a contar histórias
2.2) Estimular a produção artística dos participantes
Seguindo a classificação de Borba (1990), o verbo indica uma ação-processo com um sujeito
agente/causativo. Significa incitar, excitar, ativar. Podermos interpretar a utilização desse
verbo no sentido de os alunos-professores provocarem uma ação em seus alunos motivando-
os a produzirem tanto oralmente (ex: 2.1) quando artisticamente (ex: 2.2).
3) FACILITAR
3.1) Vivenciar situações de descobertas, por meio de atividades lúdicas, facilitando
assim o processo de ensino-aprendizagem
3.2) Facilitar o manuseio da informação desenvolvendo o senso crítico e criativo do aluno
em relação ao jornal
Este verbo também indica uma ação-processo (BORBA, 1990). Significa tornar fácil ou
exeqüível. Portanto, em ambos os exemplos o verbo facilitar é uma capacidade de ação a qual
é identificada por um sujeito facilitador, no caso os alunos-professores, e os beneficiários
desta ação representada pelos alunos.
4) RESPEITAR
4.1) (...) enfatizar a oralidade nesse primeiro contato com a língua inglesa, respeitando,
assim, alguns limites no processo de aprendizagem de línguas nessa etapa (...)
4.2) Utilizar a linguagem para expressar sentimentos, experiências e idéias, acolhendo e
respeitando os diferentes modos de produção individual
O verbo respeitar indica estado (BORBA, 1990) e refere-se ao sentido de considerar, ter em
conta. Assim, em ambas as ações os alunos-professores levam em consideração os limites e
as diferenças de cada aluno no processo de aprendizagem. Em ambas as frases, percebemos a
preocupação do aluno-professor em desenvolver uma cão comunicativa em seus alunos,
priorizando o desenvolvimento lingüístico comunicativo.
4.2.2. PROTAGONISTA: ALUNO
1)ENRIQUECER
1.1) Enriquecer o vocabulário após o estudo das unidades
1.2) Relacionar fatos importantes nos conteúdos trabalhados em sala de aula, emitindo
opiniões e enriquecendo a compreensão
Segundo Borba (1990, p.621) enriquecer indica uma ação-processo, com sujeito
agente/causativo. Em ambas as frases o complemento é expresso por um nome, significando
“tornar melhor, mais rico ou mais precioso, acrescentando um ornamento ou um elemento de
valor”. Para as frases apresentadas acreditamos que o sentido de tornar melhor tanto o
vocabulário quanto a compreensão dos alunos seria aplicado.
2) FAZER
2.1) Através da leitura de contos, atividades e da dramatização feita pelos alunos, fazer com
que despertem sua criatividade
2.2) (...)fazendo o uso do conhecimento e da estrutura da língua
O verbo fazer indica uma ação-processo. Para Borba (1990, p.745), o complemento expresso
pode ser apresentado por um nome humano (feita pelos alunos), no sentido de uma ação
realizada por eles. Na mesma frase (2.1) temos uma oração conjuncional precedida de com
(fazer com que despertem), no sentido de provocar, produzir, causar. Na frase 2.2 com o
complemento expresso no abstrato, temos o significado de empreender, executar.
3) TRABALHAR
3.1) (...) trabalharemos com notícias tanto em português como em inglês
3.2) Trabalhar com a objetividade dos jornais e com as funções da linguagem, como por
exemplo, a referencial, expressiva e conativa
3.3)Trabalhar a interpretação de texto em Língua Inglesa, apresentando aspectos que possam
facilitar a interpretação dos alunos mesmo sem um conhecimento avançado da língua.
Nas duas primeiras frases (3.1, 3.2) o trabalhar com notícias e com a objetividade, nos passa
a idéia de “desempenhar as funções específicas” para atingir o fim desejado, indicando uma
ação-processo (BORBA, 1990, p. 1303). Na frase 3.3 nos parece que o verbo trabalhar
adquire a função de “preparar para algum fim”, pois o objetivo final é que os alunos
interpretem mais facilmente os textos. Pertencente a capacidade de ação, os autores do projeto
de ensino procuram mobilizar certa ação por parte deles próprios, ou seja, dos alunos-
professores. Somente no primeiro trecho temos a menção dos alunos e ainda assim como
beneficiários dessa ação.
4) UTILIZAR
4.1) Observar e utilizar os recursos expressivos da língua, através da oralidade
4.2) Utilizar a linguagem para expressar sentimentos, experiências e idéias, acolhendo e
respeitando os diferentes modos de produção individual
Segundo Borba (1990, p.1331), “o verbo utilizar indica ação-processo. Com sujeito agente e
com complemento expresso”. Dentre as significações temos “fazer uso de, empregar,
aproveitar”. Notamos no primeiro trecho (4.1) que há a capacidade de ação pela utilização do
verbo “utilizar” ,mas também a mobilização da capacidade discursiva, tendo em vista que irão
se expressar de alguma forma. No segundo trecho, atrelado ao verbo utilizar denotando
também a capacidade de ação no sentido de empregar a linguagem para atingir determinado
fim.
A capacidade privilegiada foi a de ação e seguindo a classificação de Borba (1990), há a
predominância da ação-processo tanto nos alunos-professores quanto nos alunos. Sendo essa
ação compreendida como algo que expressa uma mudança de estado, de condição ou de
posição ou até mesmo de algo que possa começar a existir, notamos que essa ação é realizada
por ambos os protagonistas.
Concluímos que, devido ao gênero proposto, um documento prescritivo intitulado projeto de
ensino no qual os alunos-professores devem cumprir com uma das fases para o término de seu
curso, os alunos-professores seguem modelos de agir propostos pela própria profissão
docente, e nesse caso, o agir centrado no professor (papel exercido pelo aluno-professor) que
tem seu aluno como beneficiário. Um modelo de ensino tradicional, onde o foco é a figura do
professor e o seu papel é do transmissor de conhecimento.
4.3. JUSTIFICATIVA: tipos de discurso
O primeiro projeto de ensino é composto por quatro parágrafos, sendo que em somente dois
momentos percebemos a utilização do discurso interativo, no restante há a predominância de
um discurso teórico. Os exemplos abaixo ilustram a explicação:
Ex 01: “ A proposta toma como argumento embasador o fato de que aprender uma língua
estrangeira na escola constitui um benefício educacional e pragmático, que reflete os valores
do grupo social em que ela está inserida (PCNs-LE).”
Ex 02: (...) “ Sendo assim, vimos a necessidade de um trabalho comprometido com o cultural
e pedagógico do educando, focado na ampliação e enriquecimento de vocabulário,
proporcionando assim, um conhecimento básico de uma nova cultura/realidade, partindo do
uso e inferência à língua materna, por meio de textos e atividades de leitura, escrita,
interativas, gramaticais, entre outras (...)”.
A recorrência do uso do discurso teórico na justificativa desse projeto de ensino pode ser
justificada em função de que, pertencente ao mundo do expor, os participantes da pesquisa
não se implicam na ação, e procuram dar o tom de veracidade, uma vez que toma como
pressuposto para a sua ação o próprio documento dos Parâmetros Curriculares.
Em poucos momentos de implicação, caracterizado pelo discurso interativo, percebemos o
posicionamento do grupo frente às questões de ensino e aprendizagem da língua inglesa. A
exemplo do segundo excerto, observamos uma visão estruturalista da língua misturada com
um comprometimento “cultural e pedagógico do educando”, será que é possível?
No segundo projeto de ensino, composto de 3 parágrafos, há a predominância do discurso
teórico com algumas incidências do discurso teórico-interativo, como podemos comprovar a
seguir:
Ex 01: Através do referido projeto, será realizado o estágio para cumprimento de parte da
carga horária de estágio supervisionado, modalidade regência, (...)
Ex 02: O tema escolhido “ O jornal na sala de aula” inicia-se da idéia de utilizar o jornal
como instrumento pedagógico e levá-lo para dentro da sala de aula, transformando este em
uma ferramenta prática para a motivação do ensino.
Ex 03: (...) o educador precisa assumir seu papel político pedagógico, articular-se com a
comunidade e trabalhar conteúdos contextualizados e não abstratos.
A voz da instituição trazida na justificativa desse grupo de alunos-professores faz justificar a
predominância do discurso teórico, pois a ele atribui-se um tom de veracidade de algo não
questionável.
No terceiro projeto de ensino, em seus dois parágrafos, não percebemos nenhuma implicação
por parte de seus organizadores, novamente a alta incidência do discurso teórico.
Ex 01: Organizações de ação dramática a partir de histórias (fatos vividos ou imaginados,
contos de fada, histórias orais e escritas, literatura infantil), de personagens (caracterização de
fatos, gestos maquiagem, adereços), e espaço cênico (caracterização de elementos sonoros e
visuais)
Ex 02: A ação dramática propriamente dita: faz-de-conta, improvisação, jogo dramático,
dramatização. Através de leitura de diversos contos e atividades, despertar nos alunos o gosto
pela leitura e montando uma dramatização.
Ao analisarmos esse discurso, percebemos uma mistura de ações e estratégias para o
desenvolvimento do projeto de ensino sem justificar efetivamente o seu trabalho.
O quarto projeto de ensino rompe com a sequência proposta pelo gênero “projeto de ensino” e
não apresenta topicalizados os objetivos e justificativas, mas uma síntese composta de um
único parágrafo. Dessa forma, extraímos do texto os elementos que possam pertencer a uma
justificativa.
Ex 1: Nosso trabalho tem como base o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visando
abordar temas referentes à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer,
profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária.
Ex 2: A turma escolhida para realização deste estágio é formada por nove (09) alunos com
idades entre nove (09) e quinze (15) anos, que fazem parte da classe especial da escola por
apresentarem dificuldades referentes à aprendizagem, leitura, escrita e oralidade, além de
necessidades especiais de locomoção.
Percebemos um grau de implicação através do discurso interativo, assim as palavras “nosso
trabalho” e “deste estágio” acabam por aproximar os organizadores desse projeto de ensino ao
redor de suas ações. Ressaltamos, porém, que esse é o único momento do projeto em que a
implicação aparece. Nosso questionamento aqui gera em torno de se trabalhar tantos temas
justamente em uma classe especial, a qual demanda muito mais foco em temas mais
específicos para que assim possam gerar algum resultado de aprendizagem.
No quinto e último projeto de ensino analisado, composto de 4 parágrafos, o discurso teórico
novamente predomina, somente no último parágrafo percebemos a relação de autonomia por
meio do discurso interativo.
Ex 01: O município de São Jerônimo da Serra, possui um número alto de jovens e adultos que
prestam vestibular e esse número vem aumentando anualmente.
Ex 02: Partindo desta realidade, nosso projeto de ensino visa trabalhar as maiores dificuldades
relacionadas às disciplinas de Língua Portuguesa e Língua Inglesa.
A maioria das justificativas está em torno de uma dimensão da formação técnica (PLACCO,
2005; 2006), a qual visa os conhecimentos técnico-científicos da área de atuação. Ao lado da
predominância de um discurso teórico, percebemos pouca implicação por parte dos
organizadores dos projetos de ensino, mas uma reprodução de discurso oficial e prescritivo
em torno do seu trabalho. Baseando-se em Bronckart e Machado (2004), esses textos são
denominados de prescrição do trabalho uma vez que norteiam todo o sistema organizacional, os
objetivos, as formas de interagir e as ações propostas a serem postas em prática, portanto, uma fase
que merece muita atenção.
Percebemos que, a maioria dos projetos que tiveram uma preocupação em seguir o rigor de
uma orientação provavelmente dada pelos professores supervisores seguiu o modelo do
discurso teórico, o qual tem sido reproduzido na academia e que é tido como inquestionável,
refletindo também o posicionamento do saber sobre o professor, neste caso o aluno-professor.
Somente em um projeto, o qual não seguiu os padrões estabelecidos, observamos uma maior
implicação, e assim mesmo em número de uma única ocorrência.
4.4. METODOLOGIA: capacidades, motivos e intenções.
As metodologias explicitadas em cada projeto de ensino serão interpretadas utilizando-se
categorias de uma semântica do agir. Bronckart e Machado (2004, p. 154) asseveram que
nesta terminologia,
“o termo agir designa o dado sob análise, enquanto atividade e ação designam as interpretações desse agir, coletivas e individuais respectivamente, e que mobilizam ou explicitam as dimensões motivacionais (razões de agir, retrospectivas) e intencionais finalidades do agir, prospectivas), assim como os recursos sincronicamente disponíveis para os agentes.”
Partindo da conceitualização acima, analisamos os cinco projetos considerando a noção de agir bem
como os planos motivacional, da intencionalidade e dos recursos para o agir.
Projeto de ensino 01
- Aulas expositivas dialogadas;
- Elaboração de uma apostila para os alunos, dividida por temas/lições devidamente contextualizadas e fixadas com atividades diversas, como embasamento para introdução dos conteúdos trabalhados em sala no decorrer do projeto;
- Pesquisa de temas ou fatos importantes
- Uso do dicionário formal e construção do seu próprio dicionário, no caderno, a cada aula e vocabulário apreendido;
- Apresentação de vídeos, músicas e uso do retro projetor;
- Trabalho em grupo e individual;
- leitura dinâmica, dramatizada e oral pelo professor e, posteriormente, pelos alunos, de textos e diálogos diversificados.
- Cruzadinha, caça-palavras, brincadeiras, sensibilizações, dinâmicas, jogos e atividades lúdicas;
- Discussões dirigidas, dramatizações, debates, análises e conversas informais;
- Registro no caderno das atividades exploradas em sala;
- Participação em situações de comunicação através da escrita, desenho, oralidade, entrevistas.
No projeto 1 a metodologia apresenta-se de forma objetiva e topicalizada, totalizando 11 itens
dos quais o grupo utilizará para desenvolver o seu projeto dentro de um carga horária de 40
horas-aula. Embora não conste no projeto a série a ser trabalhada pelos alunos-professores,
percebemos que se trata do ensino fundamental II, pelos procedimentos metodológicos
utilizados, a exemplo da confecção de um dicionário no próprio caderno dos alunos. A
metodologia apresenta-se desordenada, pois percebemos que algumas ações deveriam ser
efetuadas anterior a outras. Os actantes são representados pelos alunos-professores e os
alunos, pois observamos as ações que são realizadas por ambos de forma implícita, ademais,
acreditamos que algumas ações são desenvolvidas pelos alunos e outras pelos alunos-
professores levando em consideração os modelos de agir do professor.
A partir dos objetivos para este projeto colocado anteriormente, percebemos a falta de um
foco específico para a ação desses estagiários, sem um início, um meio e um fim. São
procedimentos diversos, mas sem promover a autonomia do aluno no sentido emancipatório.
Os artefatos utilizados configuram-se de diversas formas, como os livros, filmes, cruzadinhas
entre outros, no entanto não nos parece que eles se transformam em ferramentas promotoras
de um real ensino, não observamos aqui que esta ferramenta foi realmente apropriada pelo e
para os alunos, tendo em vista a falta de um esquema de sua utilização. Temos que levar em
consideração os vários artefatos que estão disponíveis para apropriação, no entanto, dependerá
de sua verdadeira apropriação para se tornar um instrumento para o ensino. Com tanta
variedade pensamos se é possível chegar a um fim específico.
Projeto 2
Ao longo do projeto, os alunos serão motivados a definir os problemas e a examinar as várias alternativas para solucionar suas dúvidas. Usando diferentes áreas do conhecimento, buscam dados nas turmas, com os professores, nos eventos culturais da Escola e pesquisam na internet.
Fazendo leituras de diversos jornais, observando sua estrutura, linguagem e analisando criticamente as notícias, ao final do projeto apresentarão seu trabalho em público, comunicando-se verbalmente e na forma escrita, de forma adequada.
Os alunos são os protagonistas deste projeto no sentido de que são eles quem irá definir os
problemas, solucionar suas dúvidas entre outras atividades acima mencionadas. A proposta
parte de um plano motivacional, por parte dos alunos-professores com o objetivo de definir as
ações futuras desses alunos. O trabalho de sondagem é válido de início, no entanto de nada
serve, pois não há uma ligação lógica entre o primeiro e o segundo parágrafo. Apesar de
utilizarem o jornal como um artefato de ensino, novamente questionamos aqui se este artefato
será transformado em um instrumento, este gênero é solicitado apenas como leitura e a fase
final desse processo se dá por uma apresentação tanto escrita como verbalizada sem critérios
definidos para tal, exigindo capacidades as quais os alunos não estão aptos a desenvolverem.
Projeto 3
Metodologia Sócio-interacionista (através de leitura de contos, contação de histórias pelos alunos e estagiárias, atividades relacionadas, confecção de material para dramatização; e após alguns contos serem trabalhados, fazer a escolha de um para montar dramatização)
Entendemos a abordagem sócio - interacionista como aquela que concebe a aprendizagem
como um fenômeno que se realiza na interação com o outro, em um dado contexto específico,
em um dado momento histórico mediante uma finalidade, um propósito. Assumimos neste
projeto o artefato livro sendo transformado em um instrumento para o ensino, uma vez que ele
é um meio de apropriação tanto dos alunos quanto das estagiárias. Percebemos certa
linearidade nas atividades no sentido de apresentar um início, meio e fim. O gênero literário
conto é uma boa opção para desenvolver a leitura, tendo em vista a sua extensão. No entanto,
notamos que o gênero é modificado para a atividade criativa da dramatização, levando-nos a
acreditar que o objetivo aqui seria a compreensão da história e não a articulação e
desenvolvimento de apropriação do mesmo.
Projeto 4
Os conteúdos serão aplicados utilizando-se, principalmente, a oralidade e a linguagem não-verbal, representada por propagandas, revistas, cartazes, pinturas, entre outros. Os alunos terão, também, acesso à sala de informática, para que possam aprender a utilizar os computadores, instrumento indispensável na vida tecnológica da atualidade, além de poder auxiliar os alunos no aprendizado deste projeto de estágio.
A metodologia do projeto 4 é composta por um único parágrafo de 5 linhas onde os alunos-
professores levam em consideração os alunos que trabalharão, pois são alunos com
dificuldade de aprendizagem e também com problemas motores. Assim, os alunos-professores
procuram partir de um plano motivacional utilizando realia para o trabalho em sala de aula
por meio de uma abordagem mais comunicativa. Entretanto, a metodologia não explicita as
fases necessárias para atingir um fim específico, com também não nos fornece as ações que
seriam desenvolvidas pelos alunos, somente a instrumentalização de um equipamento como
mediador de um processo de aprendizagem.
Projeto 5
Aulas expositivas, dialogadas, trabalhos individuais e em grupo, leitura e interpretação de textos e resolução de dúvidas trazidas pelos alunos.
Os alunos aparecem aqui como os actantes do processo, e de uma forma implícita e
mediadora os alunos-professores. O modelo do agir do professor é expresso nas diversas
metodologias aplicadas a esse planejamento de ensino. Um “pacote” que foi comprado pelo
aluno-professor sem ler efetivamente as instruções de uso. Dos alunos é exigida a capacidade
de leitura e interpretação de textos sem um desenvolvimento necessário para torná-lo ator de
sua aprendizagem.
De todas as partes analisadas, a metodologia é a que se apresenta de forma mais
desorganizada e sem objetivos claros para se atingir um fim. Podemos inferir que há uma
lacuna e uma falta de apropriação das metodologias de ensino de língua inglesa, reproduzindo
um discurso sem se apropriar efetivamente dele. Concluímos que, em função da falta de
clareza da maior parte das metodologias propostas nos cinco projetos de ensino, os alunos-
professores podem até possuir intenções, mas há nitidamente a falta de motivos e capacidades
no desenvolvimento de sua função docente.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Na maioria dos projetos de ensino analisados, percebemos o ir e vir de procedimentos
resultantes da própria proposta do documento prescritivo que permeia todo o processo de
produção e desenvolvimento dos projetos de ensino dos alunos-professores, uma proposta de
integração das disciplinas de inglês e português a qual acabou excluindo objetivos,
justificativas e metodologia próprias de cada área de linguagem.
Concordamos com Bronckart (2008, p. 19-20), ao dizer que “qualquer ação implica um
agente, que, ao fazer uma intervenção no mundo, mobiliza determinadas capacidades mentais
e comportamentais que ele sabe que tem (poder-fazer), determinados motivos ou razões que
ele assume (o porquê do fazer) e determinadas intenções (os efeitos esperados do fazer)”,
assim as suas capacidades, seus motivos e suas intenções acabam por definir a
responsabilidade que o agente assume no momento de sua intervenção ou de sua ação.
No entanto muitos desses elementos acabam se perdendo ao produzir um projeto de estágio.
A partir da própria predominância do discurso teórico nos objetivos expostos em cada projeto,
“o que contribui para que esse documento se assemelhe a uma lei que é válida para todos”
(BUENO, 2007, p.94), não há implicação por parte dos alunos-professores tampouco uma
planejamento do seu agir , distanciando-se da ações que deveriam ser desenvolvidas e
realidades para que seus alunos desenvolvam as capacidades necessárias para promover a
aprendizagem.
Muitos dos projetos visualizam o aluno com agente desse processo, pois “a eles não são
atribuídas nem intenções nem capacidades próprias, sendo mostrados apenas como
participantes futuros de uma série de atividades previstas pelo agir prescritivo”
(BRONCKART; MACHADO, 2004, p. 156).
Esperamos que com esse trabalho, possamos contribuir para a reflexão nos curso de formação
de professores, especialmente de língua inglesa, no sentido de colocarmos lentes maiores no
desenvolvimento dos projetos de ensino, visto que estes refletem, além do caráter prescritivo
de uma ação que deve ser realizado obrigatoriamente, o perfil de nosso futuro professor.
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