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INGRID SILVA LUCAS
ENTRE CONCEITOS:
REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO
EM PERSPECTIVA VARNHAGENIANA (1842-1857)
2019
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INGRID SILVA LUCAS
ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM PERSPECTIVA
VARNHAGENIANA (1842-1857)
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro como parte dos requisitos necessários à
obtenção de título de Mestre em História Social.
Linha de pesquisa: Instituições, Poder e
Ciências.
Orientadora: Profª. Drª. Claudia Regina Andrade
dos Santos
Rio de Janeiro
2019
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INGRID SILVA LUCAS
ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM PERSPECTIVA
VARNHAGENIANA (1842-1857)
Esta dissertação foi julgada adequada
para a obtenção do título de Mestre
em História Social e aprovada em
sua forma final pelo Orientador e
pela Banca Examinadora.
Aprovado em _______ de ____________________ de ________.
Banca Examinadora:
__________________________________________________
Profª. Drª. Claudia Regina Andrade dos Santos
UNIRIO
_____________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Guimarães Sanches
UNIRIO
_____________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Scheidt
FFP/UERJ
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de direcionar meus agradecimentos aos meus pais,
Iracema e Salvador, sem os quais eu dificilmente teria trilhado este caminho até aqui. A eles
tenho só a agradecer por valorizarem minha educação e demonstrarem isso a cada necessidade
que tive. E, extensivamente, agradeço aos meus familiares que nunca deixaram de ser
solícitos com aquilo que percebem ser importante para mim.
Meus sinceros agradecimentos ao professor Sérgio Câmara da UniLaSalle-RJ, que foi
quem me orientou na graduação, no projeto inicial do mestrado, e continua a me orientar,
espero que ao longo de toda minha vida profissional.
Agradeço ao PPGH/UNIRIO, na figura de cada professor com quem tive o privilégio
de aprender um pouco mais sobre a área que escolhi como profissão. Destaco principalmente,
a professora Claudia Regina Andrade dos Santos, por quem tive a felicidade de ser orientada e
que me ajudou muitíssimo com seus comentários sempre esclarecedores a compor este
trabalho.
Às outras instituições que possibilitaram minhas pesquisas e desenvolvimento desta
dissertação, tais como a UFF, a Biblioteca Parque de Niterói, o IHGB, e a PUC-Rio. Meu
sincero agradecimento pelos espaços e aprendizados obtidos neles.
Aos meus amigos, aos colegas de turma, a todos aqueles que participaram das minhas
preocupações, ansiedades e alegrias neste período do mestrado. De forma especial dedico este
agradecimento à Katherine, pelo apoio direito e indireto ao longo desta etapa.
Agradeço a todos que, de alguma maneira, lutam pelas universidades públicas de
nosso país. A cada professor, ativista, aluno, político que verdadeiramente se empenham para
que o Brasil seja um lugar menos desigual.
Finalmente agradeço a Deus, sem o qual nenhum dos outros agradecimentos faria
sentido.
6
Aos meus pais pelo apoio de sempre.
Ao meu afilhado, Vicente.
7
Resumo: Esta dissertação visa contribuir com as análises a respeito do pensamento de
Francisco Adolpho de Varnhagen, conhecidamente um dos mais importantes historiadores
brasileiros. Nesta abordagem, Francisco Adolpho de Varnhagen será considerado, antes de
tudo, como um pensador e ativista político, levando em consideração os múltiplos lugares de
produção das suas ideias, na esfera da diplomacia, da História e na Imprensa. Em uma
perspectiva conceitual (História dos Conceitos), é nosso intuito compreender a dimensão do
conservadorismo varnhageniano, relacionando-o, de forma direta, aos acontecimentos
revolucionários oitocentistas, e consequentemente, ao conceito de revolução.
Palavras-chave: Francisco Adolpho de Varnhagen – Conservadorismo – Revolução –
Conceito – pensamento varnhageniano
Abstract: This dissertation aims to contribute to the analysis of the thoughts of Francisco
Adolpho de Varnhagen, known as one of the most important Brazilian historians. In this
approach, Francisco Adolpho de Varnhagen will be considered first of all as a thinker and
political activist, taking into account the multiple places of production of his ideas in the
sphere of diplomacy, history and the press. From a conceptual perspective (History of
Concepts), it is our intention to understand the dimension of Varnhagenian conservatism,
relating it directly to the nineteenth century revolutionary events, and consequently to the
concept of revolution.
Keywords: Francisco Adolpho de Varnhagen – Conservatism – Revolution – concept –
varnhagenian thought
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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES:
Figuras:
Figura 1: A Liberdade guiando o povo. Eugène Delacroix. 1830........................................... 26
Figura 2: Jornal “Le Conservateur”, 1818. ............................................................................. 32
Figura 3: Mapeamento das revoltas regenciais. ...................................................................... 37
Figura 4: Mapa dos departamentos apresentados por Varnhagen. ........................................ 112
Figura 5: Segunda parte do mapa apresentados por Varnhagen. .......................................... 113
Tabela:
Tabela 1: Conotações positivas e negativas para o termo revolução. ..................................... 65
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 10
1. TUDO É REVOLUÇÃO NESTE MUNDO: UMA ANÁLISE DO CONTEXTO DE
REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO ............................................................................ 16
1.1 O rouxinol da liberdade como filosofia política. ................................................ 25
1.2 A filosofia conservadora moderna ..................................................................... 28
1.3 Revoluções e consolidações no contexto brasileiro (1831 – 1850) .................... 35
1.3.1 A estrutura dos partidos e a gênese da configuração imperial ................................. 39
1.3.1.1 O cativeiro como instrumento político ....................................................................... 47
2. SINUOSIDADES DE UMA IDEIA: O PENSAMENTO VARNHAGENIANO DIANTE
DA CENA REVOLUCIONÁRIA ............................................................................................ 52
2.1 A discussão em torno do pensamento varnhageniano ...................................... 53
2.2 Circulação da ideia de Revolução ....................................................................... 55
2.2.1 Visão de mundo varnhageniana .......................................................................... 62
2.3 A malograda Revolução ....................................................................................... 66
2.4 A bem lograda Revolução ..................................................................................... 77
3. POR UM AMANTE DO BRASIL: ABOLIÇÃO E REPUBLICANISMO COMO IDEIAS
REVOLUCIONÁRIAS ............................................................................................................. 84
3.1. Parlamento, História e diplomacia: diálogos institucionais e políticos ........... 87
3.2 Escravidão nos escritos varnhagenianos ........................................................... 92
3.3 A res publica nas penas varnhagenianas: o contexto e o conceito ................. 104
3.3.1.1 Primeira estratégia: Fronteira defendida ................................................................. 110
3.3.1.2 Segunda estratégia: Republicanismo interno rechaçado ......................................... 114
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ..................................................................................................... 120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ...................................................................................... 124
FONTES: ...................................................................................................................................... 129
OBRAS DE VARNHAGEN: ....................................................................................................... 130
10
INTRODUÇÃO
O século XIX foi, sem dúvidas, um período marcado por profundas e conflituosas
mudanças – tanto na Europa, quanto na América –, iniciadas em fins do século anterior com
os movimentos revolucionários que alteraram não só a conjuntura sociopolítica e econômica,
mas igualmente, as estruturas intelectuais e conceituais. A impressão para seus atores era a de
que a Revolução estava por todo lado, e, definia o rumo das condutas, mobilizando as ações e
as reações na sociedade, além de definir “os lados” no jogo político, extremamente
polarizado.
Assim como os eventos revolucionários preenchiam de sentido grande parte dos
embates da vida política, paralelamente, o termo Revolução também era alvo de uma disputa
em torno de seu significado. A interpretação deste termo dizia muito a respeito do lado no
qual os atores se colocavam nesta cena política, mais especificamente, como progressistas ou
conservadores; agregando à palavra, a depender desses lados, a ideia de irreversibilidade ou
de retorno.
Ao colocar em relevo esta disputa queremos relativizar aqui frases como: “o termo
[revolução] passa a ter nova roupagem”, “ganha novo sentido”, “recebe nova conotação”, pois
retiram o destaque ao conflito existente ao longo de todo século em torno desta ideia. O termo
não mudou, estava em mudança! E, é este conflito em torno da transição que buscaremos
realçar na pesquisa, pois a partir desta disputa é possível identificar o protagonismo da
relação com o principal conceito analisado, o de conservadorismo.
A partir deste cenário, procuramos analisar a filosofia política de Francisco Adolpho
de Varnhagen, mais especificamente o seu pensamento conservador. Importante ressaltar a
respeito da ideia considerada é que a definição de seu Conservadorismo não se encontra no
período de vida do Visconde de Porto Seguro, é uma designação à posteriori1, apontada pela
maioria de seus comentadores e estudiosos. Neste âmbito destaco, principalmente, as análises
de alguns professores/pesquisadores como Nilo Odália (1997), José Carlos Reis (2006),
Antônio Paim (2011), Lúcia Guimarães (2001) e, em especial, Arno Wehling (2013); este
último discutiu a respeito do pensamento conservador varnhageniano através de um breve
1 Trata-se de um aspecto importante em nossa pesquisa, pois nos permite levantar uma discussão em torno da
compreensão atual do conceito no personagem analisado e, principalmente, das utilizações, e dificuldades de tais
utilizações dos termos que se relacionam com a ideia considerada, como chaves de investigação deste contexto.
Como argumenta Angela Alonso (2002; p. 32) “a nomeação é uma arma em meio a conflitos de definição de
identidades. Os termos estão, pois, inscritos num contexto de sentido. São construções tanto históricas como
políticas”; ou seja, ao apontarmos ou definirmos, estamos trazendo à tona estas construções, tanto no período
oitocentista, quanto na fase da definição de conservador, no século XX.
11
artigo2 em que ressaltou algumas características deste pensamento, apresentando-o como um
intelectual conservador, demasiadamente influenciado pela filosofia liberal. Um dos aspectos
que todos estes comentadores possuem em comum é a alusão, de maneira direta ou indireta, a
seu conservadorismo.
Concordamos com tal alusão, e a partir disso, a nossa análise se concentrará em definir
melhor as características desse conservadorismo de Varnhagen. Como podemos, então,
interpretar este conservadorismo? A partir deste questionamento emergem dois aspectos
importantes que tomaremos como caminho para discorrer sobre o tema: primeiro, a
mencionada relação do conservadorismo com o termo/evento revolução no século XIX;
segundo, a existência no Brasil, de Conservadorismos, no plural, e não apenas, de uma face
deste pensamento. Estes aspectos são cruciais para a compreensão da aplicabilidade do
conceito em relação ao Visconde de Porto Seguro.
A nossa abordagem sobre o pensamento conservador de Francisco Adolpho de
Varnhagen será realizada com referência à História dos Conceitos (Bergriffsgeschichte) de
Reinhart Koselleck, e nesta perspectiva ressalto alguns aspectos do prisma conceitual que são
relevantes para nossa abordagem. Em primeiro lugar, a ideia do significado de uma palavra,
ou seja, do entendimento único que toda palavra possui para que seja possível uma
comunicação e compreensão dos termos; ao se dizer uma palavra como amor, por exemplo,
há num primeiro momento, um entendimento geral do conceito de amor, a partir de sua
definição. Assim também, e de forma ainda mais profunda se faz a discussão no âmbito das
linguagens políticas, como a do termo revolução. É necessário que se tenha uma apreensão
inicial de seu significado antes de tratar de suas nuances e complexidades, de suas
diferenciações no próprio período analisado, e de suas rupturas e permanências.
Concomitantemente a este primeiro aspecto, o conceito tem um caráter polissêmico,
ou seja, a capacidade de conter em si uma multiplicidade de significados. Como argumenta
Koselleck (2006), os conceitos são mais do que simples palavras ou formas de linguagem para
a comunicação, eles abarcam um conjunto de circunstâncias político-sociais e empíricas que
se misturam à sua conotação inicial ou usual, “um conceito reúne em si diferentes totalidades
de sentido. Um conceito pode ser claro, mas deve ser polissêmico.” (IDEM, 2006, p. 109). E,
é esta polissemia que acompanha os acontecimentos brasileiros do século XIX, as definições
de revolução e conservadorismo, e as articulações entre os termos existentes neste período.
2 Artigo intitulado: O Conservadorismo Reformador de um Liberal: Varnhagen, publicista e pensador político,
que inclusive, foi utilizado como introdução aos escritos varnhagenianos no Memorial Orgânico.
12
É preciso compreender que o conceito não é apenas uma palavra, ele está eivado desta
relação com os acontecimentos políticos; ele é fato e indicador simultaneamente, não está
fora dos acontecimentos que o tecem, e, por isso, sempre que nos referirmos à ideia de
conceito, seja de revolução, seja de conservadorismo neste estudo, estamos apreendendo esta
complexidade da qual está revestido: “todo conceito é não apenas efetivo enquanto fenômeno
linguístico; ele é também imediatamente indicativo de algo que se situa para além da língua”
(KOSELLECK, 1992, p. 136).
Neste prisma, a palavra permanece a mesma, no entanto, esta característica não deve
camuflar sua historicidade; como argumenta Pocock (2003, p. 64), “a linguagem determina o
que nela pode ser dito, mas ela pode ser modificada pelo que nela é dito”, portanto, há no
caráter polissêmico também o aspecto da mudança na compreensão através dos tempos, e que
nos permitem discutir suas continuidades e descontinuidades, como é o caso da análise do
conceito de conservadorismo. O abismo entre o que a palavra significava à época analisada e
o que compreendemos atualmente sempre existirá, no entanto, é possível traçar um maior
entendimento do termo.
Pois bem, retornando, então, ao objeto principal de nossa análise, cabe a seguinte
pergunta: que Varnhagen é esse que iremos tratar? O nosso empreendimento analisará o
pensamento político do intelectual a partir daquilo que compreendemos como sua tríplice
dimensão, ou seja, baseado nas principais funções exercidas do ponto de vista político-
intelectual3. Estas funções eram: primeiro, o conhecido trabalho de historiador, considerado
pela historiografia como Heródoto brasileiro, ferrenho pesquisador da história do Brasil,
sobre a qual destinou anos consideráveis de sua vida enquanto esteve na Europa4; a segunda
dimensão é a da diplomacia5, exercida por Varnhagen principalmente, em Lisboa e em
Madri6, e foi nestas cidades que pesquisou (graças ao seu trabalho de diplomata), e publicou
seus principais escritos historiográficos, suas opiniões políticas para o Brasil e como
representante do Império em solo europeu. A terceira é a de pensador político, mas na relação
com a dimensão de ativista, tamanho era o seu engajamento nos debates políticos do seu
tempo, mesmo não tendo exercido a função de parlamentar.
3 Varnhagen foi também engenheiro de formação, exerceu cargo militar, e possuía amplo conhecimento nas
áreas de geografia, matemática e cosmografia, além de suas atuações como poeta e dramaturgo. 4 Ver Francisco Adolfo de Varnhagen: História Geral do Brasil, professora Dra. Lúcia Guimarães, 2001.
5 Em 2016, ano do bicentenário do nascimento de Francisco Adolpho de Varnhagen, a Fundação Alexandre de
Gusmão promoveu um encontro em comemoração, no qual destacou em suas palestras principalmente a
dimensão da diplomacia varnhageniana. O evento, inclusive, rendeu um livro intitulado: Varnhagen: Diplomacia
e Pensamento Estratégico (1816-1878), em que ressalta a relevância de pesquisas e abordagens que levem em
consideração os aspectos do intelectual, que ultrapassem o viés do historiador. 6 Carreira diplomática exercida entre os anos de 1842 e 1878.
13
Visando explorar tais aspectos, em busca da compreensão de seu pensamento,
percebemos a convergência desta tríplice dimensão, pois elas dialogam entre si e se
complementam. Dito isto, ressaltamos que a nossa pesquisa não se refere a um estudo
historiográfico sobre o Visconde de Porto Seguro, mas tem como proposta estabelecer uma
discussão conceitual, e agregar aos debates já travados uma perspectiva de análise de seu
pensamento político, e de maneira concomitante, aprofundar a compreensão contemporânea a
respeito de seu conservadorismo e das faces deste pensamento no Brasil oitocentista.
Para isto, o recorte temporal de nossa investigação será principalmente, entre os anos
de 1842 e 1857, pois o primeiro marca o momento em que Varnhagen, aos 26 anos, ingressa
na carreira diplomática, nomeado como adido da legação do Brasil em Lisboa, após os
serviços prestados à coroa portuguesa como Primeiro-Tenente; e o último período
mencionado diz respeito à publicação do II tomo de História Geral do Brasil, sua obra
intelectual de maior fôlego. Desta forma, salientaremos a dita tríplice dimensão de seu
pensamento.
Nesta fase mencionada, destaco aqui as principais obras varnhagenianas publicadas e
que serão utilizadas como fontes basilares nesta pesquisa: o Memorial Orgânico: uma
proposta para o Brasil em meados do século XIX7, publicado em duas partes, sendo uma em
1849 e outra no ano de 1850; a mencionada História Geral do Brasil (HGB), publicada em
dois volumes, um em 1854, e outra em 1857. Destes escritos utilizaremos, especialmente, os
capítulos que possuem como tema principal a questão revolucionária, no intuito de mapear e
debater a respeito do pensamento do intelectual sobre a ideia de revolução. Além disso,
utilizaremos também as correspondências enviadas pelo Visconde de Porto Seguro neste
período e que abordam o tema em investigação, como maneira de corroborar as ideias
abordadas nas obras mencionadas; para este fim utilizaremos as missivas sistematizadas por
Clado Ribeiro Lessa, que denominou a organização como Correspondência Ativa: Francisco
Adolpho de Varnhagen, publicação do ano de 19618.
Assim sendo, no capítulo inicial, intitulado “Tudo é revolução neste mundo”: uma
análise do contexto de Revolução e Conservadorismo recordaremos a abordagem
koselleckeana de que toda análise conceitual passa pela ideia de que há uma relação entre
texto e contexto, e neste prisma, trataremos da discussão a respeito da centralidade do
7 Subtítulo dado posteriormente por Arno Wehling (2016). Ao publicar, Varnhagen aponta o seguinte subtítulo:
Que a consideração das Assembleias Geral e Provincial do Império. 8 Nas citações referentes às cartas, será indicado a quem se destina e ano de envio da correspondência; todas
foram retiradas da mesma organização feita pelo Dr. Clado Ribeiro Lessa (1961).
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conceito de revolução e o contexto das Revoluções, tanto na Europa, quanto na América (o
caso brasileiro em especial), e como esses acontecimentos davam tom e significado ao jogo
político.
Em paralelo, trataremos do debate da emergência do pensamento conservador nesta
fase, principalmente na figura daquele que é considerado o pai do Conservadorismo
Moderno, Edmund Burke, bem como a circulação da ideia de revolução neste meandro; e
ainda, como o termo “conservador” adentrou a esfera política a partir de sua utilização na
Imprensa, e sua constituição no século XIX, com ênfase no período em destaque nesta
pesquisa; ou seja, nossa principal finalidade nesta etapa investigativa é refletir em como se
constituía a conjuntura em que o pensamento varnhageniano se estabeleceu, entenda-se, a fase
de ascensão e apogeu de uma das faces do Conservadorismo no Império, através do Partido
Conservador.
Em seguida, o segundo capítulo, denominado Sinuosidades de uma ideia: o
pensamento varnhageniano diante da cena revolucionária abarca os possíveis significados
do termo revolução no período oitocentista, ou seja, como a ideia revolucionária circulava na
sociedade, em especial nos periódicos e dicionários, apresentando neste estágio, as nuances do
termo, e as querelas em torno dele, em outras palavras, o seu caráter sinuoso.
Na segunda parte deste mesmo capítulo, analisamos, então, como esta ideia em disputa
foi abordada por Varnhagen e como a interpretava em seus escritos. Nesta abordagem, a
principal obra esquadrinhada foi a História Geral do Brasil; e analisamos, principalmente,
seus capítulos que possuem como abordagem central o tema revolucionário: Ideias e conluios
em favor da independência em Minas; Desde a Revolução Constitucional até o regresso de
Dom João VI para Lisboa, Revolução Pernambucana de 1817, dentre as diferentes menções a
outros eventos revolucionário ocorridos no Brasil (como o caso da Bahia em 1798); e nestes
capítulos de sua História Geral, nossa investigação se estabeleceu, sobretudo, em uma
pesquisa inicial do uso do termo “revolução” na obra, e a partir de uma análise das
ocorrências desta palavra, ponderamos a respeito de como esta era interpretada por
Varnhagen, ou seja, a nossa investigação se deu a partir de uma reflexão de como o conceito
era concebido pelo intelectual, e em que lugar ele se encaixava na disputa em torno da
palavra.
Por fim, no terceiro capítulo denominado “Por um amante do Brasil”: abolição e
republicanismo como ideias revolucionárias abordaremos, principalmente, a partir das ideias
contidas no Memorial Orgânico, as interpretações do intelectual a respeito de duas das
15
principais perspectivas de caráter revolucionário (ou amplamente influenciadas pelo
revolucionarismo) de seu próprio período: as convicções abolicionistas e republicanas. Ao
discutir tais temáticas neste último capítulo, destacaremos, como estes debates permitem
perceber a complexidade existente em seu pensamento conservador, destacando suas
preocupações com os elementos que poderiam, em sua visão, ser nocivos para a pátria, que
destoariam do seu projeto de nação, evidenciado não somente pelo prisma historiográfico,
mas também, e singularmente, por suas propostas políticas ao parlamento brasileiro.
Como é mencionado frequentemente no terreno da História, fazemos sempre História
do presente, se pensarmos de onde partem os questionamentos propostos e nossas hipóteses.
Sem dúvidas, esta pesquisa é representativa desta afirmação, pois tem como elã a emergência
da polaridade política no Brasil dos últimos anos, bem como a proeminência do que muitos
intitulam como Conservadorismo. Neste sentido, nos surgem questões diversas do que, nos
diferentes períodos, este conceito pode significar.
Sabemos que a ideia do Conservadorismo no século XIX no Brasil não se trata de uma
esfera de fácil acesso, por seu caráter multifacetado, e por suas próprias contradições, mas
indiscutivelmente, é uma abordagem importante para o debate a respeito deste tema na
atualidade, pois é no contexto analisado que se situam tanto suas inaugurações, quanto
algumas de suas características marcantes para o processo de desvelamento deste pensamento
político. Neste sentido, buscamos abordar nesta pesquisa, um dos possíveis caminhos para
este esclarecimento.
16
1. TUDO É REVOLUÇÃO NESTE MUNDO: UMA ANÁLISE DO CONTEXTO DE
REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO
A partir do século XIX, a linguagem se dobra sobre si
mesma, adquire sua espessura própria, desenvolve uma
história, leis e uma objetividade que só a ela pertencem.
Tornou-se um objeto do conhecimento entre tantos outros:
ao lado dos seres vivos, ao lado das riquezas e do valor, ao
lado da história dos acontecimentos e dos homens.
Comporta, talvez, conceitos próprios...
Michel Foucault, As palavras e as coisas, 1999.
Ao investigar a configuração do Conservadorismo no período oitocentista, mais
especificamente em meados desta fase, é possível compreendê-lo em meio às diversas
inaugurações das quais ele é partícipe. Tendo em vista o prisma koselleckeano9, entendemos
que o emaranhado existente entre os conceitos, neste caso tecidos no período oitocentista, se
constituíram de forma importante em torno da ideia de revolução. E a crucialidade em
analisá-lo se configura por sua centralidade enquanto evento, e consequentemente, por sua
relevância enquanto termo.
Analisar o conceito de conservadorismo no recorte do início dos anos de 1840 e fins
da década de 1850 significa compreendê-lo na relação, ou nas palavras de Koselleck, na
articulação, que possui com o termo e acontecimentos revolucionários. Explico-me, esta
relação era presente primeiro porque o aspecto da Revolução era central no cenário político
pelos diversos movimentos que levaram este nome, portanto, muitos dos desdobramentos da
vida social tinham, em alguma medida, conexão com a palavra revolução. Segundo, pelo fato
de haver neste período em especial, um vínculo ímpar entre estes conceitos, pois a
interpretação dos eventos revolucionários influenciava, de forma significativa, no
estabelecimento do pensamento político conservador no século XIX.
Fato é que, este foi um período de instauração de diversos conceitos que marcaram e
mudaram este período da Modernidade, e que atualmente norteiam as diversas análises em
Ciências Humanas, de forma geral; e, seus usos, além do estabelecimento de novos
paradigmas, bem como de releituras de ideias preexistentes, rearranjou o sistema político, não
só no Velho Mundo, mas naquilo que entendemos por ocidente:
As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos.
Consideremos algumas palavras que foram inventadas, ou ganharam seus
significados modernos (...). Palavras como (...) “aristocracia” e “ferrovia”,
9 Com base na História dos Conceitos, apresentada em nossa “Introdução”.
17
“liberalismo” e “conservador” como termos políticos. Imaginar o mundo moderno
sem estas palavras (isto é, sem as coisas e conceitos a que dão nomes) é medir a
profundidade da revolução que eclodiu entre 1789 e 1848, e que constitui a maior
transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem
inventou a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado. Esta revolução
transformou, e continua a transformar, o mundo inteiro. (HOBSBAWM, 1977, p.
17).
Este mundo inteiro, sobre o qual se refere Hobsbawm (1977), foi afetado por tais
inaugurações. Estas transformações e construções tecidas ao longo do período analisado, de
certa forma, ainda permeiam o imaginário10
contemporâneo, e compõem nossas
interpretações, entenda-se a relação entre o que compreendemos e o que não compreendemos
dos termos (KOSELLECK, 2006). Diz respeito, então, a estes diversos lugares alcançados
pelos novos paradigmas conceituais que se estabeleceram progressivamente na esfera poder.
Isto significa, de alguma maneira, compreender como os veios revolucionários se
estendiam na sociedade em seus diversos âmbitos, inclusive nas palavras e como estas eram
corriqueiramente reinterpretadas, não só pelos seus atores, mas também pelos historiadores
atuais, ou seja, a frase do escritor francês Louis Sébastien Mercier11
, aludida no título deste
capítulo, fazia todo sentido para os que vivenciavam este século: tudo na política parecia
refletir ou conter a ideia revolucionária.
Por isso, a perspectiva desta compreensão de Revolução é, sem dúvidas, condição sine
qua non para o debate a respeito do pensamento conservador no contexto oitocentista, pois
uma de nossas principais defesas é que dificilmente nos contextos posteriores a compreensão
de Conservadorismo será tão dependente da discussão acerca do conceito de revolução como
no século XIX.
Tendo em vista os elementos aludidos nos parágrafos anteriores, cabe-nos ressaltar
então, que as ideias revolucionárias, de cunho progressista, republicano, democrático,
circulavam12
no ocidente, movimentando, tanto os eventos políticos europeus, quanto os
eventos nas Américas. Via-se despontar o intercâmbio de ideias, cada vez mais latente;
figuras como Toussaint Louverture (1743-1803), Thomas Jefferson (1743-1826) e Simón
Bolívar (1783-1830), nas Revoluções e independências dos domínios francês (1791), inglês
10
“O conceito imaginário deve ser compreendido como as imagens produzidas por uma sociedade, mas não
apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais, e, em última instância, as imagens mentais”
(BARROS, 2005, p. 7). 11
Proferida em 1772: „Tout est révolution dans ce monde‟ (KOSELLECK; 2006, p. 67). 12
A perspectiva da Circulação de ideias se constitui principalmente, a partir do ponto de vista de Pierre Bordieu,
de que as informações e formações, intelectuais, sobretudo, se veiculam nas sociedades por diversos meios,
espalhando-se e “alimentando-se dos acidentes da vida cotidiana, das incompreensões [e compreensões], dos
mal-entendidos, das feridas” (BORDIEU, 2002, p. 5); define ainda a circulação como importações, mas também
exportações intelectuais simultâneas.
18
(1776) e espanhol (ao longo do século XIX), respectivamente, são representativas destas
trocas constantes existentes entre o velho e o novo mundo, e das interpretações sobre o
discurso revolucionário.
No Brasil, com suas particularidades obviamente, os movimentos de cunhos
revolucionários, e também partícipes desta circulação de ideais despontavam, tanto em fins
do século XVIII, quanto ao longo do século XIX. O movimento mineiro, conhecido por
inconfidência, que traz a luz figuras como a de Tiradentes (1746-1792), demonstra que esta
troca abalava igualmente as estruturas sociais no Brasil, a partir das questões, pensamentos e
dispositivos políticos próprios, somados aos aspectos salientados. Ou seja, todos estes fatores
estão certamente vinculados, mas não devem ser confundidos com uma importação de ideias,
como algumas interpretações supõem13
. Partimos desta ideia de circulação, da premissa que:
A relação entre contexto brasileiro e teorias europeias é dinâmica. A frase de Hale
para o México aplica-se perfeitamente para o Brasil: “Devemos superar a
controvérsia estéril acerca do caráter imitativo ou original das ideias mexicanas, se
elas eram periféricas à „realidade‟ mexicana ou propriamente incorporadas e
„mexicanizadas‟” (Hale, 1989:19). Tanto o repertório estrangeiro quanto a tradição
nacional são fontes intelectuais, apropriadas de maneira seletiva num processo que
envolve necessariamente supressão, modificação, recriação. (ALONSO, 2002, p.
33).
Outro elemento importante a ser ressaltado, no caso brasileiro, é a ideia da maneira
intensa com que foi vivida, e a interpretação revolucionária da experiência da renúncia de
Dom Pedro I, principalmente pela população mais vinculada à política e pela imprensa, de
maneira geral. Neste sentido, poderíamos dizer como apontado a seguir, que foram tempos
vivenciados de forma visceral:
Os anos que se seguiram à Abdicação foram, no dizer de um contemporâneo, anos
de ação, de reação e, por fim, de transação. Foram também anos de levantes,
revoltas, rebeliões e insurreições. De sonhos frustrados e de intenções transformadas
em ações vitoriosas. Foram, sem dúvida, anos emocionantes para aqueles que
viviam no Império do Brasil (MATTOS, 1987, p. 2).
Todo este contexto forma um conglomerado de eventos e construções que fazem já
deste início do século XIX um período complexo do ponto de vista político, não apenas no
contexto europeu, mas, também enquanto realidade da conjuntura brasileira: a Independência
em 1822, a Constituição em moldes liberais de 182414
, as pressões sofridas pelo Imperador
Dom Pedro I, as Revoltas regenciais, o Golpe da Maioridade, o Regresso, os movimentos
13
Conferir, por exemplo, em Ideias fora do lugar, de R. Schwarcz (2000).
14 Tanto a Independência, quanto a Primeira Constituição tinham como base os princípios que estavam em
discussão e circulação no ocidente.
19
federativos, enfim, todos estes elementos foram, com toda certeza, responsáveis pelo conjunto
de interpretações e compreensões dos conceitos supracitados de Revolução e
Conservadorismo.
Pois bem, compreendendo as considerações acima, partimos do princípio da
imbricação existente na relação entre essas questões sociais e políticas, e os usos das palavras
que se constroem, se destroem e se ressignificam no desenrolar destes acontecimentos, ou
seja, nas disputas em torno dos termos. Isto significa dizer que não podemos separar as
palavras das situações práticas da vida política:
A co-incidência entre o conteúdo empírico e o campo de expectativa diminuía cada
vez mais. Inclui-se aqui a criação dos numerosos “ismos” que serviram como
conceitos de agrupamento e dinâmica para ordenar e mobilizar as massas
estruturalmente desarticuladas. (...). Basta lembrar termos como “conservadorismo”,
“liberalismo”, “socialismo” (KOSELLECK, 2006, p. 102).
Nossa discussão está baseada, portanto, nesta construção dos variados “ismos” na
sociedade. O conservadorismo se estrutura, nestas diversas inaugurações oitocentistas, como
uma espécie de filho discordante das Revoluções15
de cunho progressista, se assim podemos
dizer. Fato é que a nova ordem de coisas, promovida neste período, instaurava novas
necessidades para seus atores, e a demanda trazida pela Revolução (ou Revoluções) pairava
nas experiências políticas deste contexto. O espetáculo16
das cenas social e política
abrigavam, então, as opiniões e os discursos; e os panfletos políticos inflamados pró e contra
Revolução pululavam, e abordar tais conceitos significa discutir as preocupações e lugares de
fala de seus atores, e principalmente, as interpretações em relação à ideia de revolução
existente:
Foi principalmente para o espectador, muito mais do que para o ator, que a lição da
Revolução Francesa se afigurou como demonstração da necessidade histórica ou que
em Napoleão Bonaparte se tornou um “destino”. No entanto, o nó da questão é que
todos os que seguiram os passos da Revolução Francesa ao longo de todo o século
XIX e pelo século XX adentro se consideravam não meros sucessores dos homens
da Revolução Francesa, e sim como agentes da história e da necessidade histórica
(ARENDT, 2011, p. 84-85).
Ou seja, entender o conteúdo, tanto do conceito de revolução, quanto de
conservadorismo em meados do século XIX, significa entender que seus conflitos e
15
Isto não significa dizer, no entanto, que todo Conservadorismo se constituía como reacionarismo, como
iremos desenvolver nesta análise. 16
Hannah Arendt (2011) debate em Sobre a Revolução a ideia destes contextos que emanam pelo menos até a
Guerra Fria como uma espécie de espetáculo da política. Trabalhando com a noção de espectadores, trama
teatral e cenas. Sem dúvidas o aspecto da novidade trazia consigo esses olhares curiosos sob o contexto e
inúmeros posicionamentos a respeito. A política engendrava um caminho que fazia com que seus atores
estivessem, em maior ou menor grau, neste espectro revolucionário, falando e escrevendo sobre ele, e tomando
posicionamentos relativos a esta Nova Ordem.
20
definições foram constituídos na fase anterior, e por isso a indispensabilidade dela nesta
pesquisa, pois as definições disputadas no período oitocentista estão em conexão com as
definições e debates analisados nos próximos neste estudo.
***
A Revolução Francesa! Este é o ponto central e elemento incontornável de abordagem
neste debate por seu caráter inaugurador de novos paradigmas na política ocidental e
influência sobre outras revoluções, além de ser crucial para a compreensão das ideias
provenientes de seu contexto, e que será, com toda certeza, para além de evento17
histórico,
ideia fundamental por sua particularidade dentro da estrutura dos séculos XVIII e XIX, e
pressuposto essencial para a compreensão da ideia atual de conservadorismo neste período.
Principalmente no século XIX, as Revoluções que se seguiram foram um canal
político para ampliação dos ideais das Revoluções Americana e Francesa, tanto que nesta
fase, tamanho eram os impactos destes eventos, que foram denominados de ondas
revolucionárias, tendo seus ápices, nas ondas na América18
, que geraram as emancipações das
colônias, e na Europa, nos movimentos de 1830, 1832 e 1848, por exemplo:
Ao contrário das revoluções do final do século XVIII, as do período pós-
napoleônico foram intencionais ou mesmo planejadas. Pois o mais formidável
legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de
sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes
do mundo. (...) Elas [as revoluções do século XIX] ocorreram porque os sistemas
políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais
inadequados, num período de rápida mudança social, para as condições políticas do
continente, e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a
ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis (HOBSBAWM, 1977,
P. 130).
17
Com certeza, a análise da Revolução nestas duas perspectivas: conceitual e eventual serão relevantes neste
debate enquanto aprofundamento das questões trazidas referente à discussão sobre o pensamento conservador e
seu desenrolar ao longo do século XIX no contexto brasileiro, e que ao mesmo tempo se articula com as
significações e historicidade do conceito de conservadorismo ao longo do tempo. 18
A República do Haiti, proclamada em 1804, é de especial importância, visto que agrega uma série de
elementos que demonstram as querelas em torno da ideia de revolução: uma independência e uma república
negra acarretavam diversas discussões em seu próprio curso. É um caso ímpar que permite que compreendamos
esta avalanche incontornável da circulação das ideias revolucionárias, e demonstra o seu caráter contraditório na
medida em que se percebe um discurso de liberdade na Europa, e o paralelo desconforto causado pela Revolução
Haitiana. Na América, de forma geral, o chamado Medo Negro não se tratava de mera expressão, se tornou um
assombro a possibilidade de que estas ideias revolucionárias se espalhassem de forma tal que fosse impossível
conter os levantes escravos em diversas localidades. Ou seja, embora o discurso permeasse a categoria filosófica
homem, a busca por conter, de alguma maneira, a sua propagação e interpretação era coexistente.
21
Como supõem Hobsbawm (1977) e Hannah Arendt (2011), é interessante
compreender, então, a existência de uma ideia de revolução tanto no singular, a partir da
perspectiva da Revolução Francesa, quanto no plural, pelas diversas revoluções que afloraram
neste período, compreendendo, portanto, estes movimentos, ou subversões (HOBSBAWM,
1977), com suas particularidades e inovações próprias. Não pretendo nesta análise buscar
respostas para esta questão, e proponho então, que assumamos estas duas perspectivas de
análise: tanto a ideia de Revolução, quanto a de Revoluções.
Fato é que, à medida que estas ondas revolucionárias se espalhavam de forma
endêmica (HOBSBAWM, 1977), na Europa e nas Américas, podemos destacar a emergência
de uma face do Conservadorismo que ganhou ênfase neste período: o de caráter restaurador,
ou seja, vinculado à tentativa, por parte daqueles que estavam alinhados ao poder monárquico,
de restabelecer a antiga ordem de coisas. No entanto, por mais que a Restauração (1815-
1848) tenha tentado, tornou-se impossível, reestabelecer algumas estruturas baseadas no
status quo anterior. A mudança na cena política era uma realidade incontornável, o
imaginário em torno da Revolução era vívido19
, e os movimentos organizados por algumas
esferas da sociedade se solidificavam20
.
***
O contexto e a ideia de Revolução neste período são de suma importância para a
discussão de seus possíveis significados. O termo revolução adquire nesta tempestade de
acontecimentos, de seu período inaugural, uma nova compreensão. A esta altura vale ressaltar
sua significação primária, que será relevante ao longo de todo nosso caminho pela amplitude
de sua transformação no contexto setecentista, seu aprofundamento, bem como as querelas em
torno do termo ao longo da fase oitocentista.
A palavra, inicialmente pertencia às ciências naturais, uma das principais referências é
o texto copernicano De revolutionibus orbium coelestium (A Revolução dos corpos celestes,
publicado em 1543), e seu significado tinha uma conotação completamente diferente da que
adquire após a Revolução de 1789. Até este período revolução significava o movimento que
19 Destacamos, por exemplo, o famoso romance de Victor Hugo, Les Misérables (Os Miseráveis), publicado
1862, e traduzido para diversos idiomas. 20
A exemplo dos movimentos operários e de viés socialista que emergiam, igualmente, destacando figuras como
a de Karl Marx (1818-1883).
22
os planetas faziam (de forma natural) de retorno à órbita, quando se desalinhavam desta, ou
seja, possuía um sentido de volta constante a um ponto específico. E, quando adentra o meio
político este é o sentido que possui: assim como os corpos celestes, os homens ao saírem do
ciclo político natural, obedecem a uma estrutura de retorno a órbita política original, nisto se
constituía o seu entendimento.
Em suas primeiras utilizações, ou nas palavras de Arendt (2003), a primeira vez que o
termo desceu dos céus para designar os acontecimentos da vida dos homens na Terra, ainda
possuía esta perspectiva de retorno ou restauração. Como argumentou a filósofa, até mesmo
a Revolução Americana, com todas as suas especificidades, se caracterizou ainda nestas
premissas. No continente americano o evento não teve a perspectiva de mudança de sentido e
entendimento do termo como aconteceu na Revolução Francesa.
O erudito francês do século XIX, Haréau (Apud KOSELLECK, 2006, p. 63),
relembrou a ideia de LeRoy sobre o imaginário a respeito do ciclo político em que as
sociedades se colocavam, contendo a mentalidade do aspecto natural do conceito, apontado
em linhas anteriores:
Para LeRoy, a primeira dentre todas as formas de governo era a monarquia, a qual,
uma vez transmudada em tirania, era dissolvida pela aristocracia. Segue-se o
conhecido esquema, segundo a qual a aristocracia transforma-se em oligarquia,
deposta a seguir por uma democracia, a qual, por fim, degenera na forma decadente
de uma oclocracia, dominação pelas massas. Neste ponto ninguém mais governa de
fato, e o caminho para a dominação por um único indivíduo encontra-se novamente
livre. Inicia-se novamente o velho círculo.
Portanto, esta ideia de retorno, do velho ciclo, estava no entendimento inaugurador do
termo. Não havia uma mudança estrutural, as mudanças eram sempre para um ponto já
conhecido, que levaria a outro ponto também conhecido, e assim, consecutivamente. É o ciclo
que se realiza na natureza humana e em sua forma de fazer política: “é certo que as
revoluções ocorriam acima das cabeças dos envolvidos, mas cada um deles permanecia preso
as suas leis (...)” (Idem, 2006, p. 64), nisto consistia a compreensão da palavra revolutio: é a
retomada ao que se entende por “normalidade”.
A Revolução Gloriosa, por exemplo, foi vislumbrada nesta perspectiva restauradora
por seus atores: as críticas amadureciam, principalmente, em oposição ao contexto Absolutista
inglês, lançando, especialmente ao monarca, acusações de desrespeito a Magna Carta, e a
aquilo que constituía, de certa forma, as leis e o Direito da sociedade inglesa, e, esse
seguimento à Carta precisava ser reestruturado no âmbito político. Ou seja, é “puramente” a
ideia da revolução dos corpos celestes que se encontrava nessas demandas sociopolíticas, ou
23
como argumenta Koselleck (2006), esta ideia retirada do mundo natural sempre foi um pano
de fundo presente no sentido do termo ao ser utilizado no contexto das ações do homem.
Mas com as Revoluções progressistas existentes, sobretudo, ao longo do século XIX,
neste composto de transformações e permanências que circunscreviam o conceito, a
compreensão deste no cotidiano se altera. Por isso a necessidade de apontarmos a ideia e o
sentido que a palavra começa a receber no contexto revolucionário francês, pois nesta
conjuntura compreendemos a articulação texto/contexto do termo. Existe um processo de
mudança em andamento, nesta fase, da relação do homem com a palavra; um processo de
clivagem de seu sentido:
Foi na noite de 14 de julho de 1789, em Paris, quando o duque de La
Rochefoucauld-Liancourt informou a Luís XVI sobre a queda da Bastilha, a
libertação de alguns prisioneiros e a defecção das tropas do rei de um ataque
popular. O famoso diálogo que se deu entre o rei e o mensageiro é breve e revelador.
Dizem que o rei exclamou: “C‟est une révolt!” [Isto é uma revolta!], e Liancourt
corrigiu: “Non, sire, c‟est une révolution” [Não, isto é uma revolução]. (...) O rei, ao
declarar que o assalto à Bastilha era uma revolta, afirmava seu poder e os vários
meios que dispunha para enfrentar conspirações e desafios à autoridade; Liancourt
respondeu que o que havia acontecido era irreversível e ultrapassava os poderes de
um rei. (ARENDT, 2011, p. 78)
Neste diálogo destacado é possível apontarmos algumas características que o contexto
revolucionário abrigava consigo, como uma espécie de avalanche de ideias inéditas e
mudanças de perspectivas que até então eram praticamente imóveis na sociedade. Como os
próprios agentes históricos compreendiam, seu tempo era novo. Havia, a partir deste contexto,
uma nova ordem de coisas. Construía-se, então, uma diferença na relação com o termo. O
aspecto da irreversibilidade ganhava força à medida que as ações dos homens se revestiam
destes aspectos inéditos.
Há neste período, que compreendemos como Modernidade (principalmente no período
entre 1750 e 1850, como argumenta Koselleck), o alargamento entre a perspectiva do espaço
de experiência e horizonte de expectativa21
, em outras palavras, a relação do homem com seu
passado já não iluminava seu futuro como outrora, pois as experiências sociais e políticas
21
Embora não sejam características, ou ainda, categorias cruciais para nossa discussão é válido destacarmos a
visão koselleckeana a respeito destas para o desenvolvimento da compreensão do conceito de revolução e da
História dos conceitos de forma geral. Compreende-se a respeito de história esta relação do homem, em maior
ou menor grau, com as experiências vividas e com as expectativas formadas a partir delas, “(...) todas as histórias
foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que atuam ou que sofrem”
(KOSELLECK, 2006, p. 306). Os conceitos participam desta dinâmica de interpretação de passado, presente e
futuro. Dentro destas perspectivas, o período oitocentista é compreendido como a fase em que a relação espacial
entre experiência e expectativa encurta. Em que o futuro se torna, paulatinamente, menos previsível. Inclusive,
os numerosos conceitos políticos que brotam desta fase participam da necessidade de construção de novas
terminologias para designar o que viviam.
24
eram vividas de forma inovadora, não sendo, portanto, possível olhar para o passado para
compreendê-las. A novidade trazida com a Revolução tomava conta da vida social e até
mesmo privada, e se tornou moda, em todos os sentidos do termo. O novo, a partir de
premissas imanentistas, fazia parte da ordem do dia, e o significado de irreversibilidade
ganhou tom de legalidade e se ampliou de maneira significativa, nos meios de conhecimento,
inclusive:
(...) no processo de tradução do francês para o alemão do Dicionário da Academia
Francesa, na Berlim do Iluminismo por volta de 1800, o neologismo „contre-
révolutionnaire‟ foi traduzido por „inimigo do Estado‟ [Staatsfeind]. Aquele que
respeita o Estado deve ser revolucionário (KOSELLECK, 2006, p. 70).
Para os revolucionários progressistas, a novidade e progresso deveriam se expandir.
Como afirma Koselleck (2006), neste período a coincidência entre as palavras “evolução” e
“revolução” não era apenas uma negligência linguística, ou termos casualmente parecidos,
elas foram colocadas, ao longo do século XIX, quase como sinônimas. Ser revolucionário era
o maior empreendimento que se poderia fazer para a evolução do homem, e,
consequentemente, para o progresso constante da sociedade.
O ponto alto da ideia progressista, sem dúvidas, está ligado à perspectiva da fuga dos
padrões tradicionais para o alcance de um futuro que se constituísse de maneira diferente, e
até contrária, ao passado. Fato é que a tese do progresso ganhava amplitude ao longo de todo
o século, e tal tese estava, sobretudo, apoiada na perspectiva antropocêntrica e na ideia da
potencialidade do homem de construir sua realidade. O progresso se conecta à ideia da
novidade.
Este caráter está iminentemente marcado em diversas facetas representativas da
Revolução: em seus artefatos simbólicos, em suas ações, e também - como se faz relevante
neste trabalho - em suas novas perspectivas políticas e seus conceitos e potencialidades de
mudança do status quo: “o novus ordo saeclorum deixou de ser uma benção concedida pelo
„grande plano e desígnio da Providência‟” (ARENDT, 2011, p. 78) e passou a ser uma força
intrínseca ao homem a partir de sua racionalidade e sua intenção. Ao longo do século é
possível perceber que estas concepções já estavam presentes no imaginário e eram de certa
forma, parâmetros para uma boa política, ou seja, faziam parte das premissas sob as quais se
pautaram o mundo moderno, como é o caso da filosofia do Liberalismo, por exemplo.
O progressismo revolucionário trazia em sua onda de ideias o poder do homem sob
seu contexto: “foi somente no curso das revoluções setecentistas que os homens começaram a
ter consciência de que um novo início poderia ser um fenômeno político (...)” (ARENDT,
25
2011, p. 77); já não era necessário aguardar a esfera transcendental, o homem poderia seria o
autor deste novo início.
Outros dois pontos interessantes a serem ressaltados são os aspectos da ideia de
universalidade da Revolução e a perspectiva de seu caráter permanente: estas perspectivas
criaram o chamado “revolucionário profissional”, que leva a frente a Revolução e a expande
para além do seu contexto social. Condorcet (Apud KOSELLECK, 2006, p. 75) afirmou que
“uma lei revolucionária é uma lei que tem como objetivo manter esta revolução e acelerá-la
ou regular seu andamento”. Estas ideias em torno do termo é que abrem campo para o
desdobramento das situações e conflitos políticos, e até mesmo conceituais ao longo do século
XIX.
Por fim, a premissa de que este período inaugurava nestes acontecimentos um tempo
de liberdade, ou seja, uma revolução só seria considerada enquanto tal se estivesse eivada de
um caráter libertário. Liberdade adquire uma relevância central para as discussões e
desdobramentos políticos no Velho Mundo, e, igualmente, no Novo Mundo. Foi em nome da
liberdade que se constituiu a política e suas querelas no século XIX.
1.1 O rouxinol da liberdade como filosofia política.
Esta talvez seja uma das inaugurações mais emblemáticas do século XIX, e, é uma das
palavras que estão no cerne das ações sociopolíticas, e consequentemente, de nossa
abordagem. Os movimentos deste período estavam imbuídos da ideia de liberdade, e a partir
desta nova estrutura, esta ideia emerge nas relações políticas:
As palavras que sempre ocorrem, são “rebelião” e “revolta”, cujos significados
foram determinados e inclusive definidos desde o final da Idade Média. Mas essas
palavras nunca indicaram a libertação, tal como era entendida pelas revoluções, e
menos ainda apontavam para a instauração de uma nova liberdade. (ARENDT,
2011, p. 69).
As discussões, ou levantes e as Revoluções ocorreram em torno desta ideia de
liberdade, que destaco aqui nas palavras do político e escritor Ludwig Boerne, em 14 de
fevereiro de 1831 (Apud Hobsbawm, 1977, p. 127):
A liberdade, este rouxinol com voz de gigante, desperta os que têm o sono mais
pesado... Como é possível pensar em alguma coisa hoje que não seja lutar a favor ou
contra a liberdade? Os que não podem amar a humanidade ainda podem ser grandes
tiranos. Mas como se pode ficar indiferente.
26
As palavras de Ludwig Boerne são, portanto, excelentes para simbolizar o período em
que estava inserido, não só no tocante à liberdade, mas, sobretudo, porque, neste contexto, a
ideia do liberalismo está relacionada amplamente à ideia de Revolução. Lutar a favor ou
contra a liberdade era um elemento que constituía e caracterizava de certa forma, a vida
pública do século XIX.
Neste sentido, é preciso considerar que o Liberalismo, no entanto, como afirma
Rémond (2018), não pode ser colocado, neste período, apenas numa conotação econômica,
como por vezes é compreendido; mas, é necessário considerá-lo como “um sistema completo
que engloba todos os aspectos da vida na sociedade, e que julga ter resposta para todos os
problemas colocados pela existência coletiva” (p. 16), o liberalismo é uma filosofia política
voltada para a ideia de liberdade em todos os seus sentidos; e que foi utilizado de modo mais
radical ou mais moderado, conforme as interpretações e os contextos.
À medida com que se expandia a ideia revolucionária, a perspectiva e influência
liberal também se ampliavam e se consolidavam no imaginário em diversos âmbitos. Era a
pauta central do jogo político e social na modernidade. Podemos destacar a presença desta
Filosofia Política na arte, por exemplo, como é caso da famosa obra de Eugène Delacroix, A
Liberdade guiando o povo, que representa os levantes e, de maneira especial as Jornadas de
fins de julho de 1830 ocorrida na França contra o rei Carlos X, símbolo do movimento de
Restauração.
Figura 1: A Liberdade guiando o povo. Eugène Delacroix. 1830.
Óleo sobre tela. 260 X 325 cm. Museu do Louvre, Paris.
27
O quadro possui, em seu cerne, diversas prerrogativas existentes no período: primeiro,
a expectativa depositada de forma ampla, e, por vezes, passional, nos ideais políticas liberais;
depois, a representação da destruição do despotismo absolutista, com a imagem dos soldados
do rei massacrados no chão; e por último, a esperança no reerguimento e consolidação das
demandas revolucionárias, representadas, especialmente, pela centralidade da figura da
mulher, simbolizando a própria liberdade, que serve de baluarte para o povo, que a segue com
armas nas mãos. Além da bandeira tricolor (vermelha, azul e branca), que fora utilizada no
contexto da Revolução de 1789, até a derrota de Napoleão em Waterloo. Todo este imaginário
cobria as idealizações em torno da filosofia liberal.
***
Neste contexto de liberdade, foi erguida a figura da nação, que ocasionará na
emergência da ideia de Estado-nação. Para os progressistas, o símbolo mais importante não se
manifestava no monarca, mas na própria nação, e para compreender tal ideia é necessário
abordar que, a partir deste período a ideia de nação se constitui com certa sacralidade (NORA,
1993), é uma espécie de ente que acolhe e une fraternalmente todos outros indivíduos que o
compõe, e os faz progredir. Há no nacionalismo uma mística e um irracionalismo (NORA,
1989).
Todos estes aspectos atrelados ao sentimental permeiam o conjunto que se congrega
em torno de um Estado, por uma identificação nacional22
. Por isso também o mito será algo
característico do aspecto nacionalista, bem como o elemento afetivo, ou seja, há algo, em um
passado longínquo que liga a todos que ali nascem, e isto justificaria a existência e a soberania
da nação:
Admite-se normalmente que os estados nacionais são “novos” e “históricos”, ao
passo que as nações a que eles dão expressão política sempre assomam de um
passado imemorial, e, ainda mais importante, seguem rumo a um futuro ilimitado. É
a magia do nacionalismo que converte o acaso em destino. Podemos dizer com
Debray: “Sim, é puro acaso que eu tenha nascido francês; mas afinal, a França é
eterna”. (ANDERSON, 2008, p. 38)
22
É neste contexto de criação dos Estados-nação que desponta a História como elemento importante para o
poder, pois destacar o vínculo fraterno e evidenciar o passado comum passam a ser, quase que uma vocação dos
historiadores naquele período. A História se torna um instrumento cabal para a consolidação da estrutura
cultural, e o historiador possuía uma função social clara: era o estruturador de uma consciência nacional.
28
Foi pautado neste prisma, que a lógica do Estado-nação ascendeu na vida política, e
esta ótica oitocentista de Estado está atrelada, sobretudo, à perspectiva hegeliana; e, neste
prisma é concebido como objetivo e norte humano, guiado pela Razão absoluta. O Estado
seria, então, a instância administradora de conflitos e de coesão social:
O Estado, afirma Hegel, “é o racional em si e para si. Esta unidade substancial é um
fim em si absoluto. Ela tem o direito supremo em face dos indivíduos, cujo primeiro
dever é – o de serem membros do Estado”. E Hegel acrescenta com uma clareza que
não lhe é comum: ao se confundir o Estado com a Sociedade Civil, e se o considera
como instituído para garantir a liberdade das pessoas e a segurança das propriedades
então é o interesse dos indivíduos que lhe será seu fim último (...) (LÉVI-BRUHL,
2013, p. 656).
O estabelecimento do Estado estava atrelado às ideias conceituais em torno deste: é o
cerne da organização da sociedade, representaria o auge da civilização, da lei e da ordem. Sua
ausência significaria opostamente, as perspectivas de selvageria, do predomínio da força e da
desarticulação social (WEHLING, 1999, p. 86).
1.2 A filosofia conservadora moderna
Somos anões em ombros de gigantes.
Bernardo de Chartres, século XII.
“Não somos esses convertidos por Rousseau” – esbravejou Edmund Burke23
(1729 –
1797), considerado o pai do Conservadorismo Moderno, em seu mais famoso escrito,
Reflexões sobre a Revolução na França, possivelmente o marco fundador do pensamento
conservador em fins do século XVIII; ou como argumenta Nisbet (1987), o documento que
pode ser considerado a Bíblia do Conservadorismo. Com a frase burkeana buscaremos
compreender de que forma este pensamento se construiu e influenciou também naquilo que
chamamos de movimento conservador no Brasil oitocentista.
23
Político, nascido na Irlanda (colônia inglesa na época), deputado da Câmara dos Comuns, e com grande
influência no Parlamento inglês, como membro do partido Whig. “Burke não escreveu um tratado sobre teoria
política; sua obra consiste em uma série de cartas, discursos parlamentares e panfletos de circunstância, e seu
pensamento, embora altamente imaginativo, é bastante assistemático.” (KINZO, 2000, p. 15).
29
Em meio às diversas novidades trazidas pela Modernidade, podemos compreender o
Conservadorismo como uma das mais importantes inaugurações para o pensamento político;
e, como argumenta Bobbio (1998), não podemos pensar nas ideias de conservadorismo e
progressismo antes deste período. Tal pensamento [Conservador] não pode ser compreendido
como uma filosofia voltada ao interesse do retorno das antigas estruturas e do Antigo Regime.
Traçamos este debate na busca de compreensão do complexo sistema em torno do
pensamento conservador, que pouco refletido, pode gerar a ideia de se caracterizar como um
imobilismo político ou de uma espécie de reacionarismo (BOBBIO, 1998). Definitivamente,
não se trata disto. Embora exista uma linha reacionária do Conservadorismo, de fato, existem
vertentes que não se encaixam nesta perspectiva.
Ainda nesta direção, levantamos o seguinte questionamento: como nós, historiadores
contemporâneos, podemos compreender o Conservadorismo destes períodos, que nos
antecedem, sem nos perdermos no anacronismo da compreensão atual do conceito24
? Neste
aspecto se centra uma de nossas principais discussões, e neste intuito traçamos o debate da
relação/articulação entre os conceitos de revolução e conservadorismo, sem a qual não é
possível compreender o desenvolvimento e estruturação do pensamento conservador ao longo
do século XIX.
E, há de se considerar que o Conservadorismo se constituiu no decorrer desta fase da
seguinte maneira: primeiro em resposta à ideia de revolução concebida a partir da Revolução
Francesa; segundo, e concomitantemente, colocando o termo revolução no híbrido
terminológico pelo qual o conceito passou ao longo do século, ou seja, entre as compreensões
de retorno e irreversibilidade, conforme discutimos. Terceiro, como as linhas políticas
resultantes do próprio conservadorismo, e também do progressismo compreendiam e
debatiam a respeito das ideias de revolução e liberdade.
Num sermão proferido em Londres em 4 de novembro de 1789, Richard Price,
amigo de Benjamin Franklin e crítico frequente do governo inglês, tornou-se lírico a
respeito dos novos direitos do homem. "Vivi para ver os direitos dos homens mais
bem compreendidos do que nunca, e nações ansiando por liberdades que pareciam
ter perdido a ideia do que isso fosse." (HUNT, 2009, p. 24).
São estas palavras do dissidente protestante Price, que motivaram as palavras das
Reflexões em 1790. Para Burke, a Revolução não vislumbrava a liberdade, mas a anarquia e a
desordem. Portanto, a disputa em torno da ideia de liberdade estava em jogo. Era um conceito
24
Como argumenta Koselleck (1992), um dos desafios principais em traçar uma análise conceitual se configura,
exatamente, pelo fato da palavra permanecer a mesma. Portanto, ao mencionarmos um conceito político em
diferentes fases, tratamos de diferentes compreensões em torno do termo.
30
central no embate por legitimidade. Na visão burkeana as Revoluções Americana e Gloriosa
se constituíram como verdadeiras revoluções, por estarem contidas na ideia de retorno. Por
esta razão apoiou as reivindicações das Treze Colônias contra o controle excessivo e absoluto
da metrópole, além de compreender tais demandas como lícitas, pois como argumenta em
uma de suas famosas cartas, Letter to the sheriffs of Bristol (1777), era óbvia a necessidade de
maior diálogo e conciliação para que fosse evitada a separação entre a colônia e a metrópole.
Outro ponto interessante de análise se trata da visão do político inglês sobre a questão
do poder real e a relação com a Revolução Gloriosa de 1688. Para Burke era evidente a
importância parlamentar, embora o rei Jorge III tenha buscado a todo tempo reconstituir
premissas absolutistas. Neste prisma, ele se coloca em defesa da ação dos partidos políticos25
como partícipes da vida pública, criticava o uso do favorecimento pessoal para a escolha dos
ministros, e principalmente, atuava e discursava em defesa da Constituição, que simbolizava o
pacto político da sociedade, e ao mesmo tempo, a ligação com a tradição26
: “Nossa
constituição é uma Constituição cuja única autoridade consiste no fato de ter existido desde
tempos imemoriáveis” (BURKE Apud Kinzo, 2000, p. 21).
Aí estava sua legitimidade e poder diante do autoritarismo e dos desmandos; e o
parlamento, por sua vez, era parte dessa simbologia em termos práticos, pois significava o
vínculo com a sociedade. Por outro lado, Edmund Burke se colocava como opositor da ideia
de sufrágio universal, pois, via a Câmara dos Comuns como local de debate entre os homens
de sabedoria, e como expressão máxima do sentimento de nação e da ideia racional.
No entanto, a respeito dos acontecimentos ocorridos além-Mancha, se colocava
totalmente contrário, pois estas rupturas, que a Revolução Francesa buscava, não partiam dos
mesmos princípios conceituais destas duas revoluções citadas. Estamos diante de uma disputa
de conceitos. O que se entendia e denominava revolução estava em jogo e determinando os
posicionamentos políticos. Como argumentou o filósofo Novalis, foram escritas várias obras
antirrevolucionárias sobre a Revolução. Burke escreveu um livro revolucionário contra a
Revolução; ou seja, para o político inglês, a ideia de revolução não deveria ser descartada da
vida pública, mas interpretada corretamente, ou seja, dentro de um aspecto reformista, na
perspectiva de retorno.
O chamado espírito de continuidade e tradição, em maior ou menor escala, foi diluído
e destruído, do ponto de vista do pensamento e das ações políticas ao longo da Revolução de
25 “(..) cabe ressaltar a importância assinalada por Burke aos partidos políticos, peça essencial de um governo
livre. Na verdade, Burke foi quem primeiro atribuiu um significado positivo ao termo partido político,
dissociando-o do caráter faccioso originalmente atribuído aos agrupamentos políticos.” (KINZO, 2000, p. 22). 26
Tradição se constitui como um elemento central para a ideia de Conservadorismo Moderno.
31
1789 pelos revolucionários, principalmente no período jacobino. Como analisa Kinzo (2000,
p. 19):
Se foi em nome dessas liberdades que Burke se insurgiu contra as investidas da
Coroa em tentar aumentar seu poderio interna e externamente, foi em nome da
ordem e das tradições inglesas que Burke iniciaria uma cruzada contra o
acontecimento histórico mais surpreendente se sua época, a Revolução Francesa de
1789.
Portanto, percebemos nestas linhas a complexidade e desafio de se estabelecer uma
característica única e pontual para o Conservadorismo em Burke, e digamos que, esta
dificuldade se reproduz para todos aqueles que intitulamos como conservadores, exatamente
pela inexistência de uma teoria política sólida (BOBBIO, 1998) que determine o pensamento;
além das próprias divergências entre diferentes tipos de conservadores27
.
Por isso, diante de tantas características imbricadas, seria melhor analisarmos Burke
na esfera de um liberal conservador, pelas diversas premissas modernas que agrega em seu
pensamento. Sem dúvidas, nele podemos perceber o caminho que o Conservadorismo tomou
nestes séculos, como a busca da ideia de progresso, característica desta fase, sem a destruição
da tradição. A ideia dos homens do presente serem anões em ombros de gigantes era latente
para o prisma Conservador: mudar nunca significaria destruir as estruturas, “a revolução é
manca, ironizava Rivarol, a direita marcha sempre para o lado esquerdo, mas a esquerda
nunca marcha para o lado direito” (KOSELLECK, 2006, p. 71), ou seja, sempre há uma
mescla das novas premissas no Conservadorismo.
Outro aspecto imbricado no pensamento conservador deste contexto, como fora citado,
diz respeito à ausência de uma sistematização completa do pensamento, o próprio Burke não
foi sistemático neste sentido em suas Reflexões – “são as circunstâncias que fazem com que
qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade” (BURKE
Apud Kinko, p. 20). Isto se deu pela própria característica do pensamento de ser localizado, ou
seja, de pensar e agir conforme cada situação específica; como argumenta Mannheim (1982) é
preciso conhecer a fundo o movimento e o contexto conservador do período investigado e do
país em questão, a fim de assimilar as nuances deste pensamento na sociedade estudada;
portanto, em nossa análise, isto significa dizer que se trata de uma conjuntura em que a
Europa se encontrava em seus conflitos civis em torno das revoluções e da busca da
Restauração; e a América em ferrenha oposição ao colonialismo e com ampla circulação da
ideia republicana e federalista.
27
No que tange ao período dos séculos XVIII e XIX, podemos detectar a emergência, na Europa e no Brasil, de
Conservadorismos: Reacionário; Reformista; vinculado à escravidão; Regressista; Liberal; etc.
32
***
No tocante ao seu uso, o termo conservador surge na França em 1818, no jornal Le
Conservateur, sendo empregado como denominação de partido político posteriormente
(Partido Conservador). Portanto, o conceito político migra do contexto social para o contexto
político parlamentar. Estas ideias e realidades sociais estão integradas:
Foi Chateaubriand quem primeiro emprestou à palavra seu significado peculiar ao
intitular de O Conservador o periódico que publicava para defender as ideias da
Restauração política e clerical. A palavra começou a ser usada na Alemanha de
modo mais generalizado durante a década de 30 do século XIX, e foi oficialmente
adotada na Inglaterra em 1835. Podemos tomar o surgimento de uma nova
terminologia como índice do aparecimento de um novo fenômeno social, embora
evidentemente ela pouco diga a respeito da verdadeira natureza deste último.
(MANNHEIM, 1982, 112).
Ou seja, a própria inauguração da utilização política da palavra conservador está
ligada a estas contendas públicas em relação ao termo revolução, reforçando a defesa de nossa
investigação, da dependência, ou melhor, da articulação dos termos.
Figura 2: Jornal “Le Conservateur”, 1818.
Paris, Le Normant Fils, 1818-1820.
33
Citamos alguns destes aspectos em linhas anteriores, mas, vale apontarmos,
cuidadosamente, os prismas que regem o pensamento conservador quanto à sua estrutura e
crítica aos movimentos progressistas.
Primeiro, o aspecto da novidade, tão vislumbrado e defendido pela Revolução é um
dos principais questionamentos de pensadores conservadores como é o caso do próprio Burke
e também por outros, como Alexis de Tocqueville, que critica a concepção da destruição
promovida pela França revolucionária, com seu amplo aspecto da ideia de um reinício,
principalmente, através da negação do passado em busca de um novo futuro. Segundo a sua
famosa frase, “desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, a mente do homem
vagueia na escuridão” (Apud ARENDT, 1997, p. 32).
Nesta mesma linha de pensamento, Burke ressalta um importante aspecto filosófico: a
questão da felicidade28
, sobre a qual aponta que a Revolução Francesa não legou a seu povo.
Neste aspecto, destacou em uma das notas de rodapé das Reflexões, uma das palavras do
deputado Rabaut Saint-Etienne, presidente da Assembleia Nacional, em que o político
argumenta que era necessário mudar os homens, suas ideias, suas leis, alterar todas as coisas,
inclusive as palavras, era preciso, segundo ele, destruir tudo, pois era preciso refazer tudo.
Burke argumenta, em resposta a tais pensamentos, que a anarquia se disfarça de liberdade na
França, sendo também esta uma das principais críticas que pôde ser vista, igualmente, no
âmbito brasileiro, quando se levantavam insurreições diversas. Burke lança, sobretudo, o
prognóstico do período do Terror francês. Para ele, o excesso de repressão política por parte
dos regimes absolutistas abriu a caixa de Pandora, que levou a ideia de liberdade
revolucionária às últimas consequências, do ponto de vista dos sentimentos, dos costumes e
das opiniões morais (BURKE, 2014, p. 99).
Outro ponto de discordância entre progressistas e conservadores está contido na ideia
de democracia. Para o pensamento burkeano era evidente a inviabilidade do processo
democrático, pela sua destruição da estrutura vigente e por sua premissa representativa, que
na visão conservadora, não passava de uma mera regra de número, e a política não poderia
28
A felicidade não pode ser considerada neste contexto como uma simples e superficial palavra, mas podemos
destacar a ideia de felicidade como uma questão central nas discussões durante os séculos XVIII e XIX.
Logicamente é um ponto que acompanha o homem e seus questionamentos desde os antigos, no entanto,
podemos afirmar que recebe um aspecto novo: a felicidade é uma meta política das nações. Ao observá-la como
cerne da Declaração de Independência das Treze Colônias, que salientava: “Consideramos estas verdades como
auto evidentes, que todos os homens são iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que
entre estes são a vida, liberdade e busca da felicidade”; consta igualmente na Declaração de Direitos do Homem
e do Cidadão, ou ainda em panfletos políticos como o Common Sense (1776), de Thomas Paine; em todos estes
se pode destacar a felicidade como preocupação frequente, inclusive nos escritos do Brasil oitocentista.
34
ser reduzida a esta prerrogativa simplória. Esta característica nos leva a outras duas críticas
veementes do conservadorismo: a questão da igualdade, e a ideia antropológica e filosófica de
homem defendida pelos revolucionários.
Não há igualdade! A sociedade é naturalmente desigual e por isso há nela uma
hierarquia. A ideia de igualdade, para Burke, é uma monstruosa ficção criada pelos
convertidos por Rousseau. Ficção esta, construída “para agravar e tornar mais amarga a
desigualdade real que nunca pode ser eliminada, em que a ordem da vida civil estabelece,
tanto para benefício dos que têm de viver em uma condição humilde [como dos
privilegiados].” (BURKE, apud Kinzo, 2000, p. 21).
Vinculada a esta perspectiva, se encontra a ideia filosófica de homem concreto versus
a ideia de homem abstrato dos revolucionários - que substituía “o indivíduo real tal como de
fato existe na natureza e na história por um “homem geral”” (CHARTIER, 2009, p. 33) -
baseado, segundo a crítica conservadora, em um artificialismo metafísico. Como argumenta
Mannheim (1982), existe um apelo ao concreto, por parte dos conservadores.
Os princípios abstratos, como aqueles defendidos pela Revolução, ou seja, de
liberdade, igualdade, etc., não alcançavam a vida prática e o real. Embora também tivessem,
em certa medida, considerações metafísicas, os conservadores defendiam a importância de
pensar as situações em sua individualidade e pragmaticamente, ou seja, o pensamento
conservador estava ligado à perspectiva imanente. Em outras palavras, não existia o homem,
existiam homens, concretos, com suas constituições culturais próprias, e, conduzidos, não pela
razão, mas pelos hábitos perpetuados através da tradição. Como argumentou o filósofo
Maistre (2010, p. 180): “Já vi, na minha vida, franceses, italianos, russos, etc., sei mesmo,
graças a Montesquieu, que se pode ser persa; mas quanto ao homem, declaro nunca o ter
encontrado na minha vida; se existe, não tenho conhecimento”.
Estas palavras, que soam até sarcásticas, por parte de Maistre, simbolizam esta crítica
conservadora em relação ao pensamento político-filosófico dos progressistas, e estas
ponderações evocam, inclusive, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, que parte
de uma premissa totalmente abstrata, e de uma ideia generalista de homem.
Burke, por outro lado, estava em oposição à ideia do Direito Natural geral propagado
pela Ilustração, e se associava a percepção de que a atenção dos atores deveria se voltar para
o desenvolvimento da história, sem que houvesse rupturas abruptas movidas pelas vontades
abstratas dos homens. Digamos que, no pensamento conservador, há uma desconfiança em
relação à potencialidade racional do homem: o poder, por exemplo, é intrinsecamente
35
tirânico, se não controlado (BOBBIO, 1998, p. 245). Por isso, a insistência constante de
mecanismos de limitação do poder por parte do Conservadorismo Moderno, como seria o
caso da Constituição na limitação do poder monárquico.
Em última análise, estava em jogo, sobretudo, a disputa conceitual, como forma de
proeminência política, neste emaranhado existente entre os conceitos (KOSELLECK, 1992).
O que define o homem? Ou ainda, é possível defini-lo? Talvez estas sejam algumas das
perguntas que alimentavam a querela neste período:
O Conservadorismo surge só como resposta necessária às teorias que, a partir do
século XVIII, se distanciaram da visão antropológica tradicional, para reivindicar
para o homem a possibilidade, não só de melhorar o próprio conhecimento e seu
domínio sobre a natureza, como também alcançar, por meio de ambos, uma
autocompreensão cada vez maior e, consequentemente, a felicidade. (BOBBIO,
1998, p. 243).
Estas disputas não se encontravam, como salientamos desde o início deste capítulo,
apenas no solo e nos conflitos sociopolíticos europeus, as discussões circulavam por entre as
diversas direções no ocidente. Procuramos então, pensar a respeito de uma compreensão ou
possíveis compreensões ao abordarmos o Conservadorismo oitocentista, e da mesma forma,
discorrer sobre as questões que permeavam essas concepções no que se refere às suas
convergências e divergências na análise do Brasil neste mesmo período.
1.3 Revoluções e consolidações no contexto brasileiro (1831 – 1850)
No caso brasileiro, o período regencial (1831-1840) torna-se cabal para a discussão
que traçamos neste debate, primeiro, por se tratar de uma fase extremamente conturbada na
esfera política e que estava no bojo dos acontecimentos finais do Primeiro Império; segundo,
como argumenta Marcelo Basile (2014), pela herança que tal contexto deixou para a vida
política do Segundo Império:
Marco Morel o definiu como um grande “laboratório” político e social, no qual as
mais diversas e originais fórmulas politicas foram elaboradas e diferentes
experiências testadas, abarcando amplo leque de estratos sociais. (...) A edificação
da nação, nesse momento, passava substancialmente pela via do espaço público,
sendo marcada por autênticas “guerras de opiniões”, por “guerras de doutrinas”.
(BASILE, 2014, p. 97 – 98).
Como argumentou um dos principais políticos da fase Regencial e do Segundo
Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, o principal foco dos grupos mais ligados a uma
perspectiva conservadora, era conter aquilo que entediam por excessos, e findar com as
36
guerras mencionadas no trecho anterior. A ideia principal era fechar o abismo da revolução e
parar o carro revolucionário no Brasil (Apud MOREL, 2003, p. 20). Revolução, portanto,
também nos trópicos, se constituía como uma ideia da qual era impossível ser indiferente no
século XIX: as ações políticas se davam em torno deste conceito, ou estabelecendo a ideia de
revolução a partir daí.
Neste prisma, o carro da revolução foi uma preocupação constante, principalmente,
pelo pulular frequente das chamadas revoltas, que foram muitas, principalmente na fase das
Regências (conforme quadro a seguir); e, que assim como no contexto europeu, passavam por
uma disputa, não somente no âmbito sociopolítico, mas também, e consequentemente,
semântico: as diversas insurreições regenciais eram compreendidas na ótica do poder como
espécies de traições, e que, assim sendo, deveriam ser contidas. Ou seja, ainda na esfera de
definição imbricada.
O que no Brasil criou-se o costume de nomear como revolta passava igualmente por
essa disputa conceitual entre a ideia de contravenção e conspiração, e a ideia apontada por
Liancourt: une révolution, ou seja, incontornável, irreversível, e, sobretudo, legítima. Tal
legitimidade passava pela batalha semântica existente no contexto. Como argumenta Morel
(2003), esta foi a palavra-chave dessa era, ou em nossos termos, se constituiu como um
conceito elementar para a compreensão do contexto, o termo era um “inevitável divisor de
águas na cena pública, como se tivesse vida e movimentos próprios” (MOREL, 2003, p. 20),
o jogo político se movia em torno deste.
E, sem dúvidas, a tessitura política que compôs o período posterior, na segunda fase
imperial do Brasil, começou a ser estruturada neste contexto; os personagens, no jogo
político, se moviam em relação à conjuntura revolucionária. Neste prisma, havia, de forma
geral, três atitudes em relação à Revolução (IDEM, 2003, p. 21): negação de sua existência
(absolutistas e ultramonarquistas), complementação e encerramento (liberais conservadores) e
continuidade ao processo revolucionário (liberais revolucionários). Estas vertentes
compunham a cena política e davam tom ao contexto regencial.
37
Figura 3: Mapeamento das revoltas regenciais.
BASILE, M. Laboratório da nação: a era regencial (1831-1840), p. 69, 2014.
38
Após a saída de Dom Pedro I29
o clima ficou ainda mais conturbado no cenário
sociopolítico e, tanto as ideias de uma revolução em curso, quanto à ideia de vazio de poder30
se engendravam no imaginário coletivo e acaloravam ainda mais a esfera política. Estas
foram, sem dúvidas, algumas das causas pelas quais ainda em 1831 (e, digamos que às pressas
para conter as ideias revolucionárias), tenha-se criado o primeiro triunvirato: a Regência Trina
Provisória, composta pelo chefe militar Francisco de Lima e Silva, pelo senador Nicolau
Vergueiro, que atuou na sedição de Dom Pedro, e pelo tradicional membro da Corte, José
Joaquim Carneiro de Campos, o marquês de Caravelas, e que durou cerca de sessenta dias.
Tal comando foi substituído pela Regência Trina Permanente, liderada pelo mesmo
general Lima e Silva, como um dos principais nomes deste período, e pelos deputados José da
Costa Carvalho e José Bráulio Muniz. Davam, então, prosseguimento às ideias de um Brasil
moderado politicamente, e que possuía, no geral, o viés de encerramento da Revolução no
país e continuidade do caminho ordeiro de progresso, removendo os resquícios do
“Absolutismo” do Estado imperial, característico por sua centralização de poder político.
O despontar de mudanças bruscas na política e a necessidade de corroborar o discurso
moderado supracitado, e, de não romper de forma taxativa com a tradição, fazia com que,
neste contexto, a ala mais radical dos liberais fosse colocada, paulatinamente, de fora do
poder regencial, e consequentemente, das decisões do governo.
29
Inclusive, a renúncia do Imperador foi interpretada também nos quadros revolucionários, pois, de fato as
insatisfações com a figura de Dom Pedro I cresciam de forma avassaladora, e este era frequentemente, associado
à figura de um tirano. À medida que as notícias das insurreições de julho de 1830, que destronaram Carlos X,
chegavam ao conhecimento popular, Dom Pedro era ainda mais comparado ao monarca francês, associado à
ideia de um soberano despóstico e absolutista, e que deveria ser também retirado do trono. A França passava a
ser vista, no Império brasileiro, como exemplo de liberdade (MOREL, 2003). 30
Vale destacar que as diversas formas de compreensão que pairavam em torno do termo revolução estavam em
jogo na esfera política pelos diferentes grupos que divergiam no poder. Neste contexto definir os rumos do
movimento revolucionário, definiria, consequentemente, a compreensão da palavra e a manutenção do poder.
39
1.3.1 A estrutura dos partidos e a gênese da configuração imperial
Destaquemos, a esta altura, este fator central para o processo de desvelamento do
Conservadorismo brasileiro: a discussão em torno do que posteriormente seriam os partidos
políticos31
no contexto do Segundo Império, e que, em certo aspecto, constroem as bases de
compreensão da sociedade e do poder.
Segundo Evaristo da Veiga (Apud HOLANDA, 1992, p. 25), “não há senão dois
partidos no Brasil, chimangos ou amigos da Revolução e caramurus ou inimigos dela”.
Portanto, a própria construção da ideia de partido estava, em alguma medida, articulada com a
ideia de revolução. Estar contra ou a favor do processo revolucionário dizia muito de cada
ator na cena política.
Partidos Exaltado, Restaurador e Moderado, estes davam tom ao contexto político do
período. E, posteriormente, com suas mudanças, dariam corpo aos partidos do Segundo
Império. Neste momento, o partido dos liberais exaltados defendia, sobretudo, a ideia de uma
descentralização política, administrativa e, principalmente, o federalismo, e convocavam a
todo tempo a maior participação popular, também das camadas mais pobres da sociedade para
a atuação política, inclusive através da luta armada. O ideário da soberania popular era latente
para este partido.
Amplamente influenciados pelos movimentos revolucionários europeus, e pelas
filosofias políticas de Rousseau, Montesquieu e Thomas Paine, não participaram diretamente
do poder. Como argumentou Teophilo Ottoni: “vi com pesar apoderarem-se os moderados do
leme da revolução, eles que só na última hora tinham apelado conosco para o juízo de Deus”
(APUD BASILE, 2014, p. 61). No entanto, por meio de levantes e revoltas estabeleceram
larga influência no cenário político; e, por suas ações, por vezes radicais, eram criticados,
principalmente pelos moderados, por se renderem as paixões e sentimentos e insuflarem o
povo ao anarquismo e a irracionalidade política. Estavam atrelados, sem dúvidas, à ideia de
Revolução como um movimento de irreversibilidade.
O partido Restaurador, por sua vez, se caracterizou, especialmente, pela defesa da
legitimidade do Império português e do Antigo Regime. Destacou a ideia da soberania
31
A ideia de partido não pode ser compreendida, pelo menos até fins do século XIX, tanto na Europa quanto no
Brasil, com a mesma roupagem que entendemos atualmente, ou seja, como organização a partir de determinados
critérios para ação na cena política (MOREL, 2003). Entretanto, nestes períodos, os partidos devem ser
compreendidos como uma espécie de agrupamento daqueles que têm percepções e ideias políticas iguais ou
similares, caracterizado por um senso de liderança altamente pessoal (NEEDELL, 2009). Mesmo porque a ideia
de partidarização era vista, principalmente na fase regencial, como um ataque à ordem e à unidade da pátria.
40
monárquica, em detrimento a perspectiva da soberania popular, e neste período, pleiteava,
principalmente, o retorno de Dom Pedro I ao trono brasileiro, além de defender a ideia de um
governo que fosse centralizador, aos moldes absolutistas, ou “apontavam para o reforço do
poder de antigos corpos sociais, como senhores locais, oligarquias, clero e suas clientelas”
(MOREL, 2003, p. 36). Após a morte do imperador, em 1834, se abalou sua principal pauta,
mas, abriu precedente para a junção posterior com os Liberais Conservadores.
Alguns dos principais representantes deste posicionamento político foram os irmãos
Andrada e no contexto das disputas e críticas políticas, os adeptos deste partido eram
frequentemente chamados de caramurus, ou ainda corcundas, pois eram criticados por se
curvarem ao despotismo32
.
Por fim, o partido dos liberais moderados, também chamados de homens bons
(MOREL, 2016), que por sua vez possuía como principais referências filosóficas pensadores
como Montesquieu, Locke, Guizot e Benjamin Constant, e a partir de uma perspectiva
racionalista (soberania da razão), da qual se diziam representantes, apontavam o liberalismo
político numa perspectiva clássica de equilíbrio (juste milieu), que reformaria os meandros da
política, e, ao mesmo tempo, manteria a ordem.
Posicionavam-se contrários ao Absolutismo e ao despotismo, e igualmente, à ideia de
revolução como destruição das estruturas, e consideravam-se finalizadores do processo
revolucionário. Moderação significava para eles, muito mais do que uma vertente política, era
civilização, sabedoria e equilíbrio entre antigo e novo. E, sobretudo, uma forma de agir diante
das questões da vida em sociedade.
***
As ações das diferentes frentes políticas devem ser destacadas junto ao amplo
movimento que também passou a ser exercido pela imprensa nesta fase, alterando, como
argumenta Morel (2005), até mesmo os espaços de sociabilidade. Cartazes, panfletos etc. com
críticas à política se faziam notar nas praças públicas, transformando a conexão da sociedade
com a esfera política.
32
Outras denominações pejorativas, como argumenta Morel (2005), eram atribuídas aos Restauradores, tanto
pela imprensa, quanto nas discussões parlamentares – eram chamados, corriqueiramente, de caveiras, mariolas,
pés-de-chumbo, marinheiros, papeletas, marotos.
41
Os debates ocorriam não só por meio dos debates parlamentares, mas se intensificaram
em outras esferas da sociedade. Mesmo havendo dificuldade desta comunicação, pelo grande
número de analfabetos, este fator era superado pelas leituras públicas em voz alta, por
exemplo. Fato é que, a esfera pública se abriu, consideravelmente, ampliando os debates a
respeito das questões políticas.
Muitos periódicos que começaram a circular estavam vinculados aos membros destes
diferentes partidos, e, com isso, os debates, as críticas, as querelas33
, alcançavam a população,
fazendo com que estas disputas ganhassem maiores repercussões. Destaco aqui um exemplo:
“Uns quinze dias antes do afastamento de D. Pedro I do poder, Borges da Fonseca escrevia:
Quando o gôverno é opressor e injusto, só se pode salvar o povo resistindo-lhe. A
REZISTENCIA à opressão é DIREITO natural34
”. (APUD MOREL, 2005, p. 110).
Como é possível perceber no apontamento de Borges da Fonseca, os conflitos se
davam, de forma ainda mais ampla nesta arena. As diferentes compreensões de nação e
governo se faziam notar através da mobilização da opinião pública, que paulatinamente, se
ampliava; entre as décadas de 1820 e 1840, com destaque para o claro aprofundamento na
década de 1830, os jornais e panfletos se desenvolveram de maneira considerável e “os
homens da época vinculavam o fenômeno [junto às associações] ao novo tempo de liberdade
advindo da Revolução de 7 de Abril” (BASILE, 2014, p. 66).
***
Detalhando, então, esta gênese da configuração partidária, podemos salientar que,
sem dúvidas, estas faces movimentaram o período regencial, que é um dos mais imbricados e
complexos politicamente, e isto significa dizer também e, consequentemente, que este período
foi repleto de mudanças e novas estruturações na vida política. Constitucionalmente, houve
alterações significativas no âmbito do governo central: a transformação do Império em uma
33
“Esse desenvolvimento da imprensa vinculava-se intimamente às disputas políticas, à emergência de diferentes
projetos políticos e à mobilização da opinião pública. Foi a arena na qual os debates transcorreram com maior
abertura e amplitude, além de franca virulência, facilitados pela relativa liberdade de expressão e pela prática
comum do anonimato” (BASILE, 2014, p. 65).
Jornais como Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga; Sete d‟Abril, orientado por Pereira de Vasconcellos; O
Justiceiro, do padre Diogo Feijó; O Sentinella do Serro, de Teophilo Ottoni são alguns exemplos de jornais que
foram veiculados na época com forte teor político dessas lógicas partidárias. 34
Nesta mesma perspectiva podemos destacar a circulação da ideia de um Direito natural, argumentado por
figuras do contexto europeu, como John Locke, por exemplo.
42
monarquia federativa; a extinção do poder moderador; e a mudança no senado para cargo
temporário foram algumas das medidas importantes do período regencial, sobretudo, no
intuito de uma paulatina descentralização do poder:
Graças ao empenho dos moderados na Câmara, medidas nesse sentido começaram a
ser tomadas ainda na época de d. Pedro I, com a instituição, em 1827, dos juízes de
paz (já prevista na Constituição de 1824) e, em 1830, do Código Criminal. Aqueles
eram magistrados não profissionais e sem remuneração, eleitos pelos votantes do
distrito de sua jurisdição, inicialmente encarregados de promover conciliações em
pequenos litígios e ações cíveis, e de manter a ordem pública local; sua criação era
um ataque direto à velha magistratura profissional (...) e uma forma de descentralizar
e reduzir a interferência do imperador sobre o Judiciário. (BASILE, 2014, p. 73).
Podemos dizer que tais mudanças estavam num crescente, especialmente pela eleição
direta do chefe do Poder Executivo, o regente uno, moderado, padre Diogo Feijó, em 1835,
vencendo o caramuru, Hollanda Cavalcanti de Albuquerque. Todas estas características
compreendiam este conjunto que ficou intitulado como experiência republicana brasileira
(MOREL, 2003).
O poder se construía desta forma no cenário político, e no campo social as demandas
eram ainda mais intensas, e não paravam de brotar através de revoltas, levantes (revoluções),
que eram influenciadas em ampla medida, pelo pensamento político liberal: os movimentos
no Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, dentre outras localidades, participavam do prisma
internacional que se instaurava desde as Revoluções na América e Europa, e pressionava o
governo regencial: “Os motins e sedições espalhavam-se em proporção crescente em todo o
país, em grande parte integrados por soldados das forças regulares, nas quais o governo não
confiava mais para reprimir as contestações”. (MOREL, 2003, p. 29).
Estas revoltas foram, junto às pressões de seus antagonistas, causas cruciais da perda
de poder do regente Diogo Feijó, e “ao mesmo tempo, difundia a imagem de um governo
caótico e vacilante, incapaz de conter a anarquia” (BASILE, 2014, p. 85), além dos atritos
pelas políticas imputadas por sua gestão que entraram em conflito direto com a Igreja
Católica, principalmente pela questão do celibato clerical, e com a imprensa, pelas tentativas
de restrições à liberdade.
O ano de 1837 é, então, o momento que podemos salientar como início de um
rearranjo político importante para a compreensão da estrutura relacional revolução-
conservadorismo no Brasil. O chamado Regresso Conservador começa a se estruturar no
âmbito da política em oposição ao republicanismo que emergia. A preocupação com os
avanços revolucionários progressistas era latente, e a ala mais conservadora da política se
posicionou de forma enfática:
43
A palavra decisiva, para essas forças, passou a ser “ordem”. Levantaram o
espantalho da “anarquia” e até o da secessão. Apresentaram-se como fiadores e
asseguradores da unidade nacional. Criaram instrumentos adequados de repressão.
Podaram as manifestações eleitorais, garantindo a maioria nas Câmaras: a partir da
Regência de Feijó, assinala-se progressivo declínio na representação parlamentar da
esquerda liberal. (SODRÉ, 1999, p. 129).
Entre rebeliões provinciais, pressões políticas, e tempestades sociais que abalaram o
país, foi traçado o caminho do regresso (Idem, 1999). O padre Feijó, e consequentemente, os
rumos mais progressistas perdiam forças, e em 10 de julho de 1837 a Comissão das
Assembleias Legislativa da Câmara formada pelos regressistas, Paulino Soares de Souza,
Miguel Calmon e Carneiro Leão, apresentou o projeto de interpretação (conservadora) das
reformas instituídas através do Ato Adicional de 1834, “era claro o intuito de reduzir os
efeitos da descentralização, retirando parte significativa da autonomia provincial” (BASILE,
2014, p. 88). Tal reinterpretação seria aprovada no ano seguinte com o prosseguimento do
regresso e as ações contínuas para conter o carro da revolução.
“Não devo por mais tempo conservar-me na regência; cumpre, que lanceis mão de
outro cidadão, que mais habil, ou mais feliz mereça as sympathias dos outros poderes
políticos.” (ANNAES DO PARLAMENTO, 1887). Com tais palavras Feijó renuncia seu
cargo de regente, e assume, interinamente, o ex-caramuru e agora regressista ministro Araujo
e Lima, que em abril de 1838 seria eleito pelo voto. Do seu lado no governo estariam Paulino
Soares de Souza e Euzebio de Queiroz, compondo o novo rumo da política, e o futuro Partido
Conservador35
.
Fato é que a influência da política regressista, tanto em fins da Regência, quanto no
Império, tomou conta do contexto político brasileiro de diversas formas: por meio da política
parlamentar, das ações econômicas e administrativas, e através do imaginário coletivo. Vale
lembrar que Araújo e Lima reestabeleceu o ritual do “beija mãos” no aniversário de 13 anos
do imperador e, como é relevante neste estudo, da movimentação intelectual (a fundação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro faz parte desse empreendimento).
À medida, então, que a força conservadora se ampliava no cenário político, a busca de
contorno desta situação, por parte da ala progressista, se ampliava igualmente. As crises e
revoltas nos diversos setores da sociedade persistiam e com isto, de alguma forma o terreno se
35
Destaco aqui que Jeffrey D. Needell em Party formation and state-making: the conservative party and the
reconstruction of the brazilian state (APUD BASILLE, 2014, p. 117) destaca, de forma enfática, que até a fase
final da regência não se falava em Partido Conservador, que passa a ser utilizado somente no Segundo Reinado.
Usa-se neste período “Regresso”, como discutimos neste tópico, ou ainda “Partido da Ordem”.
44
tornava propício para trazer à tona a proposta de maioridade do imperador, que era pauta
desde 1835, e desta maneira, conter o avanço e o protagonismo conservador no poder.
A estratégia se pautou em reforçar todo o simbolismo em torno da figura imperial,
considerando-a como único elemento capaz de evitar a anarquia e estabelecer a valorizada
ordem. Ou seja, o discurso utilizado pelos progressistas para irromper a proposta da
Maioridade foi o mesmo que os regressistas utilizavam para permanecer no poder.
O Clube da Maioridade, também chamado de Sociedade Promotora da Maioridade foi
então fundado com esta finalidade em abril de 1840, tendo como membros figuras como José
de Alencar, Teophilo Ottoni e Hollanda Cavalcanti. Buscaram apresentar ao Senado a
proposta de imediata mudança na idade considerada como propícia para o herdeiro subir ao
trono. O requerimento e o discurso tomou tamanha proporção que se tornou impossível conter
tal empreendimento, pois a ideia de que a imagem do imperador era essencial para
“restabelecer a ordem que o Regresso tanto pregava” (BASILE, 2014, p. 95) se alastrou no
contexto brasileiro.
“- Quero já!” – estas são as conhecidas palavras do imperador quando perguntado se
gostaria de assumir antecipadamente os rumos do Brasil. Um imperador com sangue da
monarquia europeia era visto como esperança, tanto pela ala progressista, quanto pela ala
conservadora, principalmente como forma de amenizar o medo constante da anarquia e das
correntes políticas vinculadas ao federalismo e ao republicanismo. A figura do Imperador
seria o símbolo de conexão e vínculo do país, o elo entre a Europa e o Brasil: “(...) o peso da
mística que envolvia a figura do imperador e a força da tradição monárquica, ajudaram a
cimentar a recomposição da elite política e a definir, assim, um importante mecanismo
regulador de conflitos” (...). (BASILE, 2014, p. 99).
Pois bem, para a esfera progressista da política, um monarca significava a
possibilidade de ascensão das ideias liberais, a partir dos exemplos provenientes das
monarquias constitucionais europeias; para a matriz conservadora, a figura real poderia ser a
possibilidade de solidificar as estruturas iniciadas pelo Regresso. Nestas duas possibilidades
existentes, a segunda foi a vencedora, iniciando uma conjuntura conservadora no âmbito do
poder, mas isto não significa, de forma alguma, que esta conjuntura, era isenta de conflitos.
***
45
A fase inicial do Segundo Império, ou seja, de meados do século XIX, foi decisiva
para a corroboração da ideia de unidade em torno de Dom Pedro II. A elite política, neste
primeiro momento, em constante conflito entre as partes progressista e conservadora, tanto
na esfera do governo, quanto da sociedade civil, caracterizava, o que foram os primeiros anos
do governo monárquico, ou seja, de intensos duelos de influência das duas frentes sobre a
administração imperial, com notório crescimento do setor conservador.
É a partir deste contexto que podemos começar a definir realmente a existência de dois
partidos na cena parlamentar, ambos de viés liberal – com suas particularidades, obviamente –
um mais à direita, no caso do Partido Conservador; e outro mais à esquerda, intitulado como
Partido Liberal. O primeiro, proveniente do vínculo entre os antigos Restauradores e uma ala
dos Moderados, e tinha como bandeira e principal preocupação política com o fortalecimento
da ideia monárquica, vinculada a defesa da escravidão e da unidade do territorial; o segundo
partido foi constituído pela outra ala dos Moderados e pelos liberais Exaltados, e defendiam,
especialmente, a descentralização do poder, e alguns ramos reivindicavam o republicanismo;
estavam conectados aos levantes políticos que movimentaram esta fase imperial.
Neste embate político, o imperador buscou, nos primeiros anos, como estratégia,
intercalar o Ministério entre o partido liberal e conservador. Após 1841, no entanto, os
conservadores foram colocados por Dom Pedro II a frente, e estes, que haviam começado a
despontar na cena política com maior amplitude desde o início do Regresso, conseguem desta
maneira, chancelar as ideias de retorno conservador, iniciadas em fins da década anterior.
Chegam, nesta fase, ao apogeu de sua atuação nos rumos do país, intitulada, inclusive por
Ilmar Rohloff de Mattos (1987) como tempo Saquarema, exatamente por seu protagonismo
político.
Também pelo mesmo motivo do protagonismo saquarema, os integrantes do partido
Liberal começam a ser denominados de luzias; intitulados desta forma pelos conservadores
por conta de uma das grandes derrotas dos liberais no conflito na Vila de Santa Luzia, em
Minas Gerais, no ano 1842.
As derrotas ao longo de todo este período por parte dos luzias foram tão significativas
que não se deram apenas no âmbito dos levantes civis, mas também, e principalmente na
esfera parlamentar. Podemos salientar, inclusive, as diversas reformas que foram estruturadas
pelos regressistas, principalmente do ponto de vista da centralização do poder: especialmente
pela já citada reinterpretação do Ato Adicional da Regência, que podemos salientar que teve
como auge o retorno do Poder Moderador e do Conselho de Estado em 1840.
46
Além disso, pelo menos até 1860, o partido não foi tão contundente em suas propostas
quando alcançava o poder ministerial, e, sobretudo, não mudavam politicamente, as
características centralizadoras dos saquaremas. Por isso, a famosa frase e acusação de
Holanda Cavalcanti: Nada tão parecido com um saquarema, como um luzia no poder!
(APUD MATTOS, 1987).
No entanto, embora houvesse uma crítica à atuação política dos luzias, a tensão
revolucionária causada pelo partido existiu, de maneira vívida, ao longo de toda a fase
analisada. A Revolução Praieira, de cunho liberal, republicana, ocorrida na Província de
Pernambuco em 1848, preocupou conservadores, e serviu de parâmetro revolucionário para
outros movimentos; e juntamente com a Revolução Pernambucana de 1817, se tornou central
no imaginário.
E, como exemplo deste imaginário, destaco uma cantiga pernambucana, deste período,
que criticava uma das famílias que representava o poder centralizador do Império (família
Cavalcanti) da seguinte forma: “Quem viver em Pernambuco, não há de estar enganado, que
ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado” (Apud MIGOWSKI, 2019, p. 102).
47
1.3.1.1 O cativeiro como instrumento político
A máquina brasileira de morar, ao tempo da colônia e do
império, dependia dessa mistura de coisas, de bicho e de
gente, que era o escravo. Se os casarões remanescentes do
tempo antigo parecem inabitáveis devido ao desconforto, é
porque o negro está ausente. Era ele que fazia a casa
funcionar: havia negro para tudo – desde negrinhos sempre
à mão para recados, até negra velha, babá. O negro era
esgoto; era água corrente no quarto, quente e fria; era
interruptor de luz e botão de campainha; o negro tapava
goteira e subia vidraça pesada; era lavador automático,
abanava que nem ventilador.
Lúcio Costa, 1951.
Outro elemento que abarcou as querelas acaloradas entre conservadores e liberais na
vida política do século XIX do Brasil foi, sem sombras de dúvidas, a questão movida em
torno da escravidão, e dos movimentos de cunho liberal progressista ou revolucionário, que
reivindicavam medidas abolicionistas. À medida que as políticas do Regresso se estruturavam
paulatinamente, estes buscavam colocar, cada vez mais à margem da vida pública as
discussões em torno da liberdade, no entanto, isto se fez impossível àquela altura: abolição
tornou-se, junto aos debates referentes à unidade, um tema obrigatório.
A escravidão foi tornando-se, progressivamente, o calcanhar de Aquiles da
Monarquia, um problema a ser solucionado, pois enfrentou opiniões diversas, principalmente,
nos meandros parlamentares e nas relações exteriores. Exemplo disso é o caso da Convenção
entre o Império do Brasil e a Grã-Bretanha para a abolição do tráfico de escravos, assinado
em 23 de novembro de 1826, que “declarava que o comércio interatlântico de escravos se
tornaria ilegal três anos após a ratificação do acordo, que ocorreu em 13 de março de 1827”
(BASILE, 2000, p. 215), o que, sem dúvidas, demonstra a ampla pressão europeia em torno
da escravidão e que, obrigava a tomada de atitudes internas a este respeito.
As discussões desta pauta, gradualmente, se acirraram36
, e as críticas, ao longo da fase
imperial se aprofundaram, gerando, em contrapartida, reações. O próprio romancista, José de
36
Como argumenta Parron: “Ao longo da década de 1840, a política do contrabando negreiro condicionou o que
poderia ser dito ou silenciado nos espaços públicos brasileiros, aceito ou negado no centro de decisão do Estado
nacional e até mesmo criado ou omitido nos discursos artísticos. Entretanto, seria equivocado acreditar que os
48
Alencar direcionou algumas missivas ao imperador37
, apontando a justificativa do cativeiro
pela perspectiva da inevitabilidade de uma libertação lenta pela grande necessidade do
trabalho escravo no Império, criticando de forma irônica, inclusive, os juízos europeus
filantrópicos a respeito da escravidão:
Bem o sabeis senhor, da Europa, e com especialidade de Inglaterra, França e
Alemanha, tão abundantes de filantropos como de consumidores dos nossos
produtos. Não fomos nós, povos americanos, que importamos o negro da África para
derrubar as matas e laborar a terra; mas aqueles que hoje nos lançam o apodo e o
estigma por causa do trabalho escravo. O filantropo europeu, entre a fumaça do bom
tabaco de Havana e da taça do excelente café do Brasil, se enleva em suas utopias
humanitárias e arroja contra estes países uma aluvião de injúrias pelo ato de
manterem o trabalho servil. (ALENCAR, 2008, p. 89).
Ainda na fase regencial, com aprofundamento no Império, os debates e as críticas no
contexto nacional se expandiram e adentraram as discussões a despeito da tentativa contrária
por parte de um grupo de conservadores, como o exemplo alencariano apontou. Fato é que se
tornou um tema impulsionado pelo embate entre forças de diferentes pensamentos38
, com
diferentes propostas em torno da abolição. O Conservadorismo enquanto partido, no entanto,
tinha uma proposta clara, através de seus representantes, de conter os avanços abolicionistas e
frear qualquer tipo de movimentação por parte dos escravos:
(...) o Regresso e o Partido Conservador, no futuro, dirigiram incontestavelmente o
Estado brasileiro de 1837 até o decênio de 1860, entendendo por “dirigir” não
exatamente o controle do Executivo, senão o consenso por eles instilado em torno da
ordem do Estado (contra as liberdades regionais), da autoridade da Coroa (em
desfavor do Parlamento), do princípio monárquico (em prejuízo do democrático), da
unidade territorial e da defesa da escravidão (PARRON, 2011, p. 174).
***
estadistas imperiais estiveram a reboque durante os anos quarenta, apenas à espera de um golpe aplicado contra o
cativeiro para desviá-lo em seguida, pois em cada um dos momentos cruciais da década (1842-1844; 1845; 1848-
1850), eles agiram em nome de interesses escravistas” (2009, p. 157). 37
Em torno do ano de 1867, Alencar, através do pseudônimo de Erasmo, em alusão ao humanista holandês,
Erasmo de Roterdã, inicia a escrita e publicação de uma série de cartas endereçadas ao imperador – “Ao
imperador: novas cartas políticas de Erasmo” – em que apresenta, dentre outros assuntos, discussões a respeito
da questão da escravidão no Império brasileiro. 38
Este tema nos permite perceber que a ideia de Conservadorismo não deve ser analisada de forma homogênea,
nesta fase. O Conservadorismo é, sem dúvidas, multifacetado, tanto na Europa, quanto no Brasil; elemento este
que nos possibilita mencionar a ideia de Conservadorismos, no plural.
49
Em 07 de novembro de 1831, foi promulgada a chamada Lei Feijó, que declarava o
seguinte: todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora,
ficam livres. Tal lei foi apelidada pejorativamente como Lei para inglês ver, pela acusação de
não ter sido posta em prática com tanta veemência. No entanto, novas interpretações nos
permitem perceber que o Decreto de 1831, acirrou os debates, e durante a Regência Una de
Feijó algumas medidas foram de fato tomadas para o combate ao tráfico, gerando divergentes
opiniões e acirrando os conflitos; segundo Beatriz Mamigonian (Apud PARRON, 2011, p.
137), “a Regência desejou fulminar o tráfico negreiro e, apenas por ser governo fraco, acedeu
a poderosos grupos econômicos do Império”.
A ideia de liberdade, com suas diversas interpretações, movimentou, sem dúvidas, as
estruturas políticas que sedimentavam a ideia do cativeiro. Então, antes de ser uma lei
ilusória, ou para inglês ver, como supunham muitas análises, tal decreto fortificou as
campanhas abolicionistas, que, paulatinamente, se estendiam no Brasil e em outras
localidades. Como o exemplo haitiano demonstrava naquele século, as ideias de liberdade e
abolição do trabalho escravo tinham perspectivas revolucionárias, o que causava aos
defensores da escravidão, uma preocupação com a propagação deste ideário:
(...) a campanha de abolição do tráfico transatlântico de africanos ganhou contornos
de experimento abolicionista por ser considerada, pelos ativistas, um passo para a
abolição da escravidão e por testar a liberdade com africanos resgatados dos navios
negreiros. (MAMIGONIAN, 2017, p. 24).
A Lei Feijó mobilizou as ações, tanto por parte dos escravizados, quanto por parte dos
abolicionistas, que identificados à filosofia política liberal deste período, acirraram os
conflitos pela emancipação real e completa. Neste mesmo prisma, vale destacar que a partir
da data deste decreto, muitos foram os movimentos liberais para colocá-lo em prática pelos
âmbitos legais, e, por outro lado, muitas foram as tentativas do gabinete conservador de inibi-
lo, instaurando uma “nova fase da escravidão, dando aos senhores garantias de defesa da
propriedade adquirida por contrabando” (MAMIGONIAN, 2017, p. 27).
Na política do Partido Conservador, a constante ideia de uma atividade parlamentar
que se opusesse às vozes antiescravistas e justificasse o tráfico, era latente e praticamente
preocupação geral. As ações a favor do tráfico foram tomadas de maneira abrangente “nos
jornais, no Parlamento, nas ações do Executivo, na elaboração de projetos de leis, na
publicação de opúsculos, no patrocínio de livros e, finalmente, no envio de representações
municipais e provinciais” (PARRON, 2011, p. 137). Todas as condutas conservadoras
50
parlamentares conduziam para esta justificação, inclusive na esfera da sociedade. O político
Bernardo Pereira de Vasconcelos escreveu o seguinte parágrafo em sua gazeta:
Este sr. Deputado disse que a escravidão dos africanos não era tão odiosa como a
representavam alguns outros srs.; que ela era acomodada aos nossos costumes,
conveniente aos nossos interesses e incontestavelmente proveitosa aos mesmos
africanos, que melhoravam de condição; e confirmou quanto disse com a opinião
dos filósofos antigos, e com exemplos de todas as nações civilizadas e não
civilizadas, concluindo que a abolição deste tráfico não era objeto de lei, mas que se
devia deixar ao tempo e ao progresso do país: quando o tráfico não conviesse mais
aos interesses públicos e particulares, seriam estes os seus mais pronunciados
inimigos (PARRON, 2011, p. 104).
“Regresso, ordem, tráfico, escravidão. O resto era o caos” (IDEM, 2011, p. 205). Esta
perspectiva, resumida em algumas palavras configuravam os pontos cruciais da política
conservadora parlamentar, e, traziam à tona as preocupações e objetivos constantes deste
partido. Por outro lado, é verdade igualmente, que diversas condutas antiescravistas foram
tomadas, especialmente, ao longo da segunda metade do século XIX.
As influências intelectuais, liberais, abolicionistas, enfim, revolucionárias, no sentido
progressista do termo, também se aprofundaram nesta fase, além das políticas antiescravistas
advindas da Europa, que de alguma maneira, auxiliaram no desenvolvimento de ações
internas, ainda que lentas, no caminho da concepção de leis para o fim do tráfico e escravidão
no Império. Destaquemos duas delas compreendidas no período analisado; a primeira se trata
do Bill Aberdeen, promulgada unilateralmente, em 08 de agosto de 1845, pelo Parlamento
inglês, que autorizava a apreensão de navios suspeitos de transportar escravizados no
Atlântico. Por essa medida, o Bill Aberdeen levantou críticas por parte dos diversos estadistas
que analisavam o ato como um ataque à soberania do Império, e a oposição à medida era
desviada, desta forma, dos debates em torno da escravidão, e voltadas para o aspecto do
ataque à soberania brasileira.
A lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581), promulgada em 04 de setembro de 1850,
proibindo a entrada de africanos no Brasil, demonstra igualmente, este crescimento das
discussões em torno da escravidão, em detrimento da busca conservadora de contornar tais
demandas. O decreto, advindo do próprio gabinete conservador (e pode ser considerado como
uma derrota para o partido), era fruto do impasse das relações com a Inglaterra
(CHALHOUB, 2007), mas também de outro elemento destacado, inclusive, pelo ministro
Eusébio de Queirós, em um de seus discursos, ou seja, o sintoma de gravíssima natureza que
produzia um terror (Apud CHALHOUB, 2007, p. 326) que eram os levantes escravos.
51
A esta altura, deve ser considerado que, os escravos eram mais do que um grupo de
mão-de-obra; caracterizavam-se por suas alianças, por seus levantes, e movimentavam a cena
política, com seus vislumbres de liberdade39
. Neste sentido, destacamos a ponderação de
Parron acerca da organização e mobilizações escravas, que não foram interrompidas com as
tentativas de sufocamento por parte do poder:
Em 1833, dezenas de cativos se sublevaram na freguesia de Carrancas (comarca do
Rio das Mortes), onde se concentravam as mais altas taxa de escravos por homem
livre da província, cerca de 60%, e uma igualmente elevada proporção de africanos
entre os cativos (56,25% do total). A escravaria do deputado Gabriel Francisco
Junqueira matou seu filho na fazenda Campo Alegre e, em seguida, rumou a Bela
Cruz, onde se juntou a outros insurrectos para chacinar o proprietário José Francisco
Junqueira, a mãe, a esposa, o genro, a filha e os dois netos – um de 5 anos e outro de
dois meses. Ao todo, nove membros da família Junqueira foram massacrados no
levante, cuja repressão, tão imediata como violenta, resultou no enforcamento
exemplar de dezesseis participantes. (...) Mais explosiva foi a Revolta dos Malês, em
janeiro de 1835, na capital da Bahia. (...) Quase seiscentos cativos lutaram nas ruas
de Salvador por cerca de três horas, com a intenção de seguir para a zona rural, onde
previam se encontrar com outros e travar batalha menos desigual. Mais uma vez a
repressão foi rápida e cruenta: quase setenta escravos foram fuzilados sumariamente
e mais de cinco centenas sofreram punições (...). Por fim, merece ser citado um
terceiro levante, conhecido como a revolta de Manuel Congo, na freguesia de Pati
do Alferes (comarca de Vassouras, Rio de Janeiro) (...). Em novembro de 1838,
centenas de escravos de duas fazendas do capitão-mor Manuel Francisco Xavier
abandonaram as senzalas na calada da noite e se infiltraram na mata atlântica. Parece
que tiveram por objetivo montar quilombos na topografia serrana do Rio de Janeiro
(...). A repressão da Guarda Nacional sobreveio seis dias depois da fuga. Ao fim e ao
cabo, todos os escravos foram recuperados, à exceção de seis cativos mortos em
combate e do líder, Manuel Congo, condenado ao enforcamento exemplar
(PARRON, 2009, p. 78).
A partir desta conjuntura política, parlamentar, da imprensa, da escravidão e liberdade,
etc., é que podemos desvelar, em alguma medida, o Conservadorismo compreendido no
Brasil, e mais especificamente em um personagem como Francisco Adolpho de Varnhagen.
Neste prisma, seguimos com o questionamento de qual seria o significado deste conceito ao
atribuirmos tal definição ao historiador. O Visconde se pronunciou a respeito destes diversos
acontecimentos em solo brasileiro, e é a partir destas considerações sobre território,
monarquia, unidade, escravidão que teceremos a seguir, nossas reflexões acerca de seu
pensamento.
39
Fato é que, a Revolução no Haiti (1791-1804) criou um imaginário em torno da ideia de liberdade, juntamente
com os levantes escravos que explodiram em todo o Atlântico: Conspiração de Gabriel, na Virgínia; Denmark
Vesey, na Carolina do Sul (1822); Nat Turner, também na Virgínia (1831); em Cuba, insurreições de Morales
(1795); no Caribe inglês, as revoltas de Barbados (1816), e a de Demerara (1823); no Brasil, o ciclo de rebeliões
na Bahia, com seu ápice com a Revolta dos Malês (1835) (PARRON, 2009, p. 22).
52
2. SINUOSIDADES DE UMA IDEIA: O PENSAMENTO VARNHAGENIANO
DIANTE DA CENA REVOLUCIONÁRIA
Como os próprios biógrafos e estudiosos das obras de Francisco Adolpho de
Varnhagen argumentam, a investigação acerca de seu pensamento trata-se de um complexo
empreendimento, visto que o sorocabano não possui obras em que expõe claramente seu
pensamento filosófico e político. Cabe-nos, então, investigar, em algumas de suas obras, 1)
como se manifesta o seu Conservadorismo; 2) em que medida tal adjetivação é possível; e,
principalmente, 3) como a partir desta análise podemos compreender um tipo de pensamento
considerado conservador inscrito em dado período.
Para tal empreendimento, analisaremos neste capítulo, principalmente os dois tomos
de História Geral do Brasil, publicados entre 1854 e 185740
, em Madri, na Espanha. Visando
complementar a investigação, citaremos também seu texto político intitulado Memorial
Orgânico (1849- 1850), bem como seu conjunto de missivas enviadas, ao longo da década de
1850 às diversas figuras políticas.
Esta é sempre uma proposta imbricada do ponto de vista da análise do
Conservadorismo brasileiro oitocentista já que se faz um empreendimento complexo, visto
seu, já anunciado, caráter multifacetado. Ou seja, este desafio se revela, como já fora
mencionado, principalmente pelo fato do pensamento conservador não possuir um traço
único, e, sobretudo, não se manifestar de uma mesma maneira em todos os personagens deste
período apontados pela Historiografia como conservadores.
Discutir, portanto, o pensamento varnhageniano e sua concepção de revolução, ou em
outras palavras, sua visão de mundo em relação aos acontecimentos revolucionários, como
abordaremos à frente, têm como intento, em última instância, compreender o conceito
principal analisado, e dialogar com as discussões historiográficas já existentes neste sentido.
40
Após receber algumas críticas, publica uma segunda edição de sua História Geral em 1871.
53
2.1 A discussão em torno do pensamento varnhageniano
Nos escritos e principais obras de Francisco Adolpho de Varnhagen, podemos detectar
as nuances e os problemas do contexto político do período, que se manifestam em suas
discussões historiográficas e políticas. Desta forma é que iremos adentrar o pensamento
varnhageniano e as fissuras que permitem traçar e compreender a característica
“conservadora” do seu período.
Em uma de suas cartas endereçada ao Imperador em 1852, o Visconde de Porto
Seguro se opõe à perspectiva indianista, considerando que estas ideias se configuram como
demasiadamente subversivas, e que descaracterizariam as verdadeiras matrizes formativas da
nacionalidade brasileira; ou em outras palavras, poderiam se desdobrar em ideias que
romperiam com suas perspectivas de unidade e integridade, nas quais se pautavam os seus
empreendimentos, como discutiremos à frente.
Capistrano de Abreu inseriu esta perspectiva varnhageniana no que denominou como
quadros de ferro. Isto significa dizer que seu pensamento tinha como premissas os elementos
do valor científico, vinculado à construção da memória nacional e de uma matriz explicativa
da história do Brasil que excluía o prisma romântico indianista (Apud WEHLING, 1999, p.
196). O autor reitera ainda que a sua escrita da história seria sua grande contribuição ao
Império Brasileiro e à Sua Majestade; nesse sentido, se colocava, em certo aspecto, como
guardião e propagador da História oficial, e, portanto, das bases do Estado-nação e de sua
cultura.
Na busca de compreender este arcabouço intelectual na figura do sorocabano,
destacamos uma das questões-chave: de que a utilização do termo “conservador”, para
designar o pensador, foi uma conceituação à posteriori, portanto, apontada por alguns de seus
principais comentadores e biógrafos.
Uma das primeiras alusões ao termo pode ser observada na declaração de Manuel
Oliveira Lima41
, no ano de 1897, onde há um destaque de maneira mais direta e contundente
da característica conservadora da figura de Varnhagen. Oliveira Lima aborda em seu discurso
não só seu conservadorismo, mas a complexidade dessa ideia, apontando tal traço em
conjunto a outros que são necessários para a compreensão (sem reducionismos) do conceito,
como é o caso da face liberal de seu pensamento, que aprofundaremos a frente:
[...] assim como se revelou um conservador esclarecido e adiantado num tempo em
41
Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Oliveira Lima presta um profundo discurso ao
patrono da cadeira número 39, que, a partir de então, ocuparia na ABL: Francisco Adolfo de Varnhagen.
54
que o epíteto de liberal andava comumente atribuído aos que afixavam ideias
revolucionárias. A sua ascendência era assaz fidalga para permitir-lhe essa postura
meio reacionária; a sua natureza assaz altiva para dispensá-lo de cortejar uma falsa
popularidade, baseada no esquecimento das suas tradições de família e das suas
predileções morais. (LIMA, 2019, p. 6).
Dito isso, gostaríamos de anexar a este debate, a discussão desencadeada ao longo dos
primeiros anos do século XX (da qual participa Oliveira Lima), e do período que se seguiu,
principalmente na fase entre as duas Guerras Mundiais, em que se iniciou e ganhou maior
proporção à perspectiva de vinculação conceitual do espectro conservador com a figura de
Varnhagen, e apontar, especialmente, àquela que se situa em meados deste mesmo século.
Pois bem, Wehling (1999) menciona que este panorama crítico em torno do
conservadorismo na figura de Varnhagen é acentuado do ponto de vista teórico-metodológico
a partir da primeira metade do século XX, e seu aprofundamento partiu, principalmente das
abordagens marxistas e das perspectivas ligadas aos Analles e a Nouvelle Histoire. A
abordagem marxista acentuou, principalmente, as críticas ao que intitulava de corroboração
do historiador aos interesses de grupos conservadores de seu contexto, bem como a ausência
de abordagens econômicas e sociais nestas mesmas construções historiográficas. E a segunda
ponderação, advinda da perspectiva dos Anales e da Nouvelle Histoire, diz respeito,
principalmente a crítica à história focada apenas em fatos políticos, guerras e batalhas
(Histoire Événementielle), em que Varnhagen, por exemplo, centrava a sua abordagem.
Confluindo aos aspectos citados, do que podemos dispor e tratar como funcionamento
do pensamento varnhageniano salientamos que a ideia de seu conservadorismo, ou melhor, da
utilização e problematização deste termo, de forma ainda mais direta, está vinculada a seus
comentadores e críticos posteriores a este período, de maneira especial, entre as décadas de
1950 e 1970 no Brasil:
Nesse contexto, a matriz Varnhagen perdeu sua influência. Foi-lhe reconhecida a
importância como pesquisador e revelador de fatos relevantes da história política
nacional, mas acentuaram-se também críticas a seu conservadorismo, ao
monarquismo, à antipatia pelos movimentos revolucionários, à defesa da posição
subalterna de negros e índios. José Honório Rodrigues [em 1967], não obstante
reconhecer-lhe méritos de investigador, formulou um dos juízos mais contundentes,
ao afirmar que se tratava de um conservador intransigente, oficialista, colonialista e
com horror ao inconformismo. (WEHLING, 1999, p. 218)
Da mesma forma, Wehling argumenta que o principal fator para uma caracterização
mais acentuada começou a se desenvolver no Brasil, a partir da ampliação dos estudos e
pesquisas de pós-graduação em História, que se desenvolveu no período apontado. Mas com
toda certeza, o contexto político e social brasileiro, e os diversos movimentos culturais que
55
ocorriam na Europa e América eram, paralelamente, elã para a promoção desse tipo de
discussão crítica no ambiente acadêmico, e vice e versa. Os movimentos de contracultura, o
contexto de disputa ideológica entre comunismo e liberalismo, aprofundavam as críticas dos
intelectuais impulsionando-os ao revisionismo, que passou a permear os estudos históricos e
historiográficos. Como por exemplo,
para Nilo Odália [1979; 1997], (...) Varnhagen foi um dos intérpretes mais
qualificados do projeto político conservador que definiu o Estado imperial e que se
caracterizava por: (a) atribuir ao Estado um papel não só político, mas de
organização social; [...] (b) constituir uma nação branca e europeia; (c) criar um
Estado forte e centralizado que, por sua vez, constituiria a nação (WEHLING,
APUD Lima, 2016, p. 88).
Bom, dito isto, podemos afirmar que o conceito de conservador, destinado a
Varnhagen, foi formulado principalmente, por seus comentadores de meados do século XX,
que se encontrava em um contexto revisionista de alguns aspectos da História nacional, na
medida em que seus contextos políticos motivavam à emergência das críticas às
características do Conservadorismo; aspecto este que permitiu despontar análises como as
apontadas por José Honório Rodrigues, e Nilo Odália, destacadas nos trechos acima.
Concordando com esta conceituação, e em discussão com seus investigadores, é que
buscamos compreender seu contexto para analisar a ideia de conservadorismo no mundo
oitocentista.
2.2 Circulação da ideia de Revolução
Diante da centralidade das discussões em torno dos acontecimentos revolucionários e
do termo Revolução simultaneamente, esta se torna, como defendemos, uma pauta inevitável
em busca de um debate do conceito de Conservadorismo neste período. Como procuramos
salientar no capítulo anterior, a nossa defesa orbita na ideia de um vínculo (articulação) entre
os conceitos supracitados como meio de compreensão do significado, ou de traçar uma
definição do conservadorismo varnhageniano e, consequentemente, do Conservadorismo de
seu período.
Dito isto, destacamos como o termo revolução permeava a sociedade nas esferas
explicativas, como dicionários de época, nos domínios de informação e poder, como é caso de
como circulavam nos periódicos do Brasil do século XIX e em debates nos meios políticos
mais formais.
56
Por vezes, a impressão gerada em nossas discussões historiográficas e sociológicas é a
de que o termo de repente (e simplesmente) sofreu uma quebra, uma ruptura abrupta de seu
significado. O exemplo dado no capítulo anterior retirado do texto de Hannah Arendt, caso
não interpretado no contexto da obra, pode gerar tal ideia em uma análise superficial. No
entanto, ao esquadrinhar o debate fica evidente a complexidade que a conjuntura imprime ao
vocábulo revolução (como podemos ver na própria Arendt, e de forma ainda mais detalhada,
em Koselleck)42
.
E, além disso, há ainda duas circunstâncias tão relevantes quanto esta perspectiva
nesta abordagem: primeiro, o aspecto aberto do termo, ou seja, a sua capacidade de absorver
novos conteúdos43
, pois, como argumenta Nietzsche (Apud KOSELLECK, 2006, p. 109)
“todos os conceitos nos quais se concentra o desenrolar de um processo de estabelecimento de
sentido escapam as definições. Só é passível de definição aquilo que não tem história”; e a
segunda circunstância: a permanência de seu antigo significado influenciando na vida política
e social.
Como tratado vastamente por historiadores, sociólogos e filósofos interessados neste
período44
, a preocupação não se restringia as possíveis ações políticas revolucionárias, mas
sem dúvidas, como essas ações seriam interpretadas ou reinterpretadas por seus atores e,
principalmente, nas perspectivas posteriores. Em outras palavras, as definições dos
acontecimentos e a necessidade de novas palavras (ou ressignificações de palavras já
existentes) que abarcassem essas novidades, caminhavam em paralelo às movimentações
políticas, fossem elas progressistas ou conservadoras:
A palavra pode permanecer a mesma (a tradução do conceito), no entanto o
conteúdo por ela designado altera-se substancialmente (...). Isto significa assumir
sua variação temporal, por isso mesmo histórica, donde seu caráter único articulado
ao momento de sua utilização. (KOSELLECK, 1992, p. 5)
Salientadas essas discussões, realçamos o trecho acima, que nos aponta o caráter
variável das definições (conceitos), e a disputa ao longo do período, iniciado com as diversas
mudanças apontadas no primeiro capítulo. Exemplo disso são os já citados dicionários, além
de enciclopédias e libelos políticos que exprimem esta instabilidade dos termos, ou na
expressão koselleckeana, essa batalha semântica.
Para traçar uma breve análise como forma de exemplificar a discussão já iniciada,
42
Nos textos abordados no primeiro capítulo sobre a temática revolucionária. 43
Em outras palavras, o caráter polissêmico do conceito (Ver primeiro capítulo). 44
Como é o caso dos já citados Koselleck em textos como Estratos do Tempo, Crítica e Crise e Futuro Passado;
ou Hannah Arendt em Sobre a Revolução. Ou ainda, em autores como Jacques Le Goff, em História e Memória
(2003), que tratam vastamente deste aspecto.
57
abordamos, a esta altura, alguns dos principais dicionários e vocábulos da língua portuguesa
do período que nos possibilitam perceber a circulação e assimilação da palavra e discutir a
respeito da complexidade que o termo revolução adquiriu.
Sem dúvidas, estão em diálogo com os principais dicionários do mundo ocidental,
como são os casos dos dicionários existentes nos idiomas francês, inglês e alemão, em que
podemos perceber a transição e disputa em relação ao termo. No entanto, importa-nos neste
empreendimento, como a língua portuguesa o interpretava, ou em outras palavras, como se
dava a percepção do termo e seu fluxo neste contexto particular.
Há, certamente, um conflito em torno do vocábulo revolução, ou seja, em linhas
gerais, há um ponto de vista que o equipara à ideia de revolta; ou outro viés que o entende
como permanência da perspectiva astrofísica newtoniana. Mesmo porque, estamos em um
momento em que os termos existentes para determinar eventos como os ocorridos pós-1789,
de alguma maneira, não capturavam ou se aproximavam do acontecimento. Koselleck
argumenta, por exemplo, que nos séculos anteriores às manifestações políticas e sociais foram
expostas com palavras que se perpetuaram, como revoltas, ou inconfidências. No entanto,
claramente, os acontecimentos revolucionários não se encaixam nesses termos (muitos deles
utilizados, inclusive, nos dicionários):
Para os sangrentos combates e as cegas paixões com as quais se conduziram as
dissensões políticas dos séculos XVI e XVII havia expressões bastante diferentes.
Assim como já na própria Idade Média, no século das terríveis lutas confessionais –
as quais, repetida e simultaneamente devastaram a França, a Holanda, a Alemanha, e
a Inglaterra – foi empregada uma larga escala de definições. Elas vão desde motim e
sublevação, passando por insurreição, tumulto e rebelião até divisão e guerra
intestina. Bürgerkrieg, guerre civile e civil war foram conceitos centrais nos quais se
cristalizaram – ou, mais ainda, se fixaram legalmente – as paixões e as experiências
das fanáticas guerras religiosas. (KOSELLECK, 2006, p. 65).
Os dicionários nos permitem perceber as querelas no campo da política que se
aprofundaram após a Revolução Francesa, principalmente as sinuosidades que permeavam o
termo revolução, de forma especial, ao longo do século XIX, mas que são anteriores a ele: um
dicionário alemão de 1728 apontou a palavra como “comoção ou alteração do fluxo do tempo,
Revolutio regni, alteração ou modificação de rota de um Império Real ou de uma nação (...),
principalmente ao sofrer alteração em seu regime ou instituições políticas”. Já o Dicionário
da Academia Francesa em 1694 designava com a significação astronômica para a palavra
(Apud KOSELLECK, 2006, p. 66-67).
Retornando ao século XIX, o que podemos perceber é que não há uma quebra na
compreensão da palavra, pelo contrário, este jogo de significados permanecia constante entre
58
as rupturas e as permanências, que, sem dúvidas, eram partícipes do cenário político, como
vemos na vida política até os dias atuais, inclusive no Brasil.
Ao abrirmos alguns dos dicionários45
desse período para o caso português e brasileiro,
nos deparamos com algumas dessas formas de compreensão do termo e das querelas em torno
do mesmo. Em 1789, o advogado Antônio Moraes da Silva publicou em Lisboa o Dicionário
da Língua Portugueza46
, do qual tivemos acesso a sua 4ª edição do ano de 1831, publicado
pela imprensa Regia de Lisboa. Nele, o lexicográfico aponta o termo Revolução como
movimento pela órbita, giro; um giro inteiro do planeta em sua órbita, e ao mesmo tempo
toma o exemplo da Revolução de Pernambuco contra a tirania holandesa. Revoltas,
perturbações; levantamento, sublevação contra o governo. (MORAES, p. 651, 1831).
Em 1836, o médico e jornalista Francisco Solano Constancio publicou em Paris o
Dicionário Crítico e Etimológico da Língua Portuguesa, em que aponta o termo de forma
semelhante a Morais, porém acrescentando as perspectivas políticas positivas ao substantivo,
como Revolução política: mudança violenta em determinado governo (CONSTANCIO,1836).
Já o verbo Revolucionar e o adjetivo Revolucionário estão totalmente vinculados às
perspectivas políticas nos dicionários citados. Solano Constancio, por exemplo, aponta que o
termo é moderno e oriundo do francês “Revolutionner” e diz respeito àquele que opera uma
Revolução política.
Ao mesmo tempo, ambos apontam Revolução e suas variáveis como sinônimo do
verbo Revolver, o qual tem o sentido de remexer, agitar; e, paralelamente, a ideia de mover
em giro, órbita. Ao mesmo tempo, ainda vinculado com o substantivo Revolta, mas,
notadamente com características que ultrapassam a essa simples associação, o termo não se
apresenta como mudança na vida política, somente o vocábulo revolução é compreendido
desta forma.
Por fim, o terceiro dicionário analisado foi o da Língua Brasileira, de Luiz Maria Silva
Pinto, lançado em Ouro Preto - MG, em 1832. Vale ressaltar, que o dicionário foi publicado
em meio ao clima tenso na política, na fase regencial, inflamado por questões diretamente
vinculadas ao termo. É interessante neste último a definição da palavra: Revolução se
encontra no dicionário como giro dos astros. Mudança política. Transtorno. (PINTO, 1832,p.
45
Koselleck em “Histórias dos Conceitos: problemas teóricos e práticos” elucida a respeito da relação da
pesquisa com os dicionários. A palavra que importa ser compreendida como conceito é aquela que propõe
reflexão e teorização: Revolução é uma dessas palavras. E seguindo este ponto de vista, buscamos discutir
introdutoriamente, sobre a circulação deste termo nos trópicos. 46
O Dicionário publicado por Moraes tinha como referência o Vocabulário Português e Latino, publicado pelo
francês, padre Raphael Bluteau entre os anos 1712 e 1728, reconhecido como um dos parâmetros de dicionários
da língua até então.
59
83) Não há nele os termos derivados, como nos dois primeiros exemplos. Pelo contrário, o
autor é sucinto, e associa o termo, ao mesmo tempo, à ideia de transformação e a de
transtorno, não aprofunda a análise da palavra, o que seria possível, pela sua provável leitura
e acesso aos dicionários que antecederam ao seu.
***
Não podemos afirmar então, que o termo mudou no século XIX, mas estava em
mudança. Parece apenas um jogo de palavras, mas não se trata disso. Trata-se de enfatizar a
longa fase de alteração (que perdurou todo o século) de uma compreensão a outra. Nos
periódicos, por exemplo, se faz ainda mais claro este debate; defesas e ataques em torno da
palavra.
Neste sentido, destacamos dois jornais que circulavam neste período no Rio de Janeiro
e que possuem inúmeras recorrências do termo, em defesa ou em acusação, na década de
1850: o Correio Mercantil47
, de cunho mais progressista e o Diário do Rio de Janeiro48
, com
apontamentos mais conservadores.
Em ambos, o caso do termo revolução pode ser visto, pelo menos sob três faces: numa
delas, imbuído de disputas políticas; em outra, a palavra é designada apenas para apontar
determinado evento histórico que recebeu tal nomenclatura, sem chamar atenção para as
rivalidades políticas em torno deste, ou sem problematizar o vocábulo. Em outros momentos
os periódicos lançam mão de adjetivos antes da menção do conceito, como forma de apontar o
lado nesta disputa. Neste segundo caso é possível atentar para os certames existentes na
conjuntura do século XIX a respeito do termo, e este aspecto nos chama atenção de forma
particular.
No caso do primeiro periódico, o Correio Mercantil, verificamos que a sua tônica em
torno da ideia revolucionária é congruente à lógica de transformação (benéfica) da sociedade,
47
O Correio Mercantil foi publicado na cidade do Rio de Janeiro entre 1 de janeiro de 1848 e 15 de dezembro de
1868 de propriedade de Francisco José dos Santos Rodrigues e Companhia, e impresso na Tipografia do Correio
Mercantil, lotada na Rua da Quitanda, nº 13. Na primeira década o jornal era editado em francês e aos domingos.
Em 1855 o proprietário passou a ser J. F. Alves Moniz Barreto. 48
Primeiro jornal da história da imprensa brasileira, publicado em 1 de junho 1821 pela Imprensa Régia, e a
partir do ano seguinte na Typographia do Diário do Rio de Janeiro. Ao longo de sua vida, o Diário do Rio de
Janeiro preservou interesses conservadores, e fechou definitivamente suas portas com sua última sua edição de
31 de outubro de 1878.
60
chegando, inclusive, a utilizar termos que dão alguma ideia de vínculo do jornal ao evento
revolucionário, em outras palavras, enquanto partícipe do movimento progressista.
O trecho a seguir transparece tais prerrogativas, e, além disso, destacamos o tom
elogioso ao aspecto, em sua concepção, clemente da Revolução, em detrimento ao
revanchismo de seus opositores: “A revolução havia concedido às aristocracias vencidas
perdão generoso: a contrarrevolução vinga-se do seu terror com a crueldade, e corresponde á
nossa clemência com a perseguição.” (Correio Mercantil, 1850, ed. 4).
Em outro trecho do mesmo periódico podemos constatar a defesa da Revolução
Pernambucana de 1848 (que em amplo aspecto contribuiu para o imaginário brasileiro a
respeito da ideia revolucionária) e as injustiças que entendiam que essa sofrera por seus
opositores:
O devastador de Pernambuco assigna-la como causa da revolta as paixões violentas
dos revoltosos. A revolução pernambucana está há muito julgada pelo paiz: de
sobejo se tem demonstrado as causas que a produzirão, alimentarão, e
engrandecerão, e tão evidentes tem sido as provas e os fatos, que os homens da
ordem ficarão completamente indefesos a respeito da imensa responsabilidade que
pesa sobre eles pelo sangue derramado. (Correio Mercantil, 1850, ed. 5).
Portanto, ao tratar do ocorrido nesta Revolução, o jornal se coloca claramente,
contrário aos chamados homens de ordem, fazendo alusão ao círculo conservador do império,
representado, majoritariamente, pelo Partido da Ordem, que se compreendia como
representante da boa sociedade e opositor aos aspectos que considerava como desordem
(MATTOS, 1987), como era o caso de Revoluções tais quais a de Pernambuco. Neste trecho,
então, o periódico ressalta que esta esfera da sociedade era símbolo da tentativa de manter
status quo, portanto, não-revolucionários, e mais ainda, inimigos da Revolução, partindo
deste ponto de vista.
Em contrapartida, o segundo jornal mencionado, o Diário do Rio de Janeiro, parte de
premissas mais conservadoras e aponta adjetivos ao fenômeno revolucionário que nos
permitem compreender, tanto a disputa em torno do termo, quanto as críticas ao que
assimilavam como excessos das ações revolucionárias. Estes três recortes da área de
correspondência de Paris são referenciais no que tange à acepção da ideia revolucionária neste
prisma. No primeiro caso, apontando o caso de Marat, o qual o periódico não o compreendeu
como revolucionário, mas como um execrável usufruidor em excesso da ideia de liberdade:
Bem que os homens da nossa revolução fossem muitos noviços n‟esta matéria,
depressa adquiriu a experiência, e os perigos da liberdade illimitada da imprensa
revelarão-se a seus olhos. (...) Um d‟elles sobretudo, que legou a historia um nome
execrável, o infame Marat, dava todas as manhães como parto à canalha os
monstruosos desvarios de sua imaginação sequiosa de sangue. (...) A assembleia
61
constituinte, cuja maioria se compunha de homens de bem, comoveo-se com taes
horrores: decretou-se a acusação de Marat, mas Marat não podia ser prezo; escondia-
se nas adegas, onde imprimia ele mesmo sua folha abominável. (Diário do Rio de
Janeiro, 1850)
Nos recortes do Diário do Rio de Janeiro a ideia de revolução está associada à
desordem, a uma agitação sem sentido, sendo tratada com afastamento e críticas, chegando a
ser vinculada à perspectiva de desorientação, como no trecho a seguir, em que o periódico
menciona a respeito de uma votação do Parlamento vencida pelos Liberais:
É para surpreender, que homens para quem a ordem é uma necessidade absoluta,
tenham votado em favor dos representantes da desordem, que homens que muito
tem que conservar e muito que perder em uma revolução, tenham votado com uma
facção que não dissimula sua resolução bem determinada de assentar as bases de
uma sociedade nova sobre um sistema de espoliação geral. (Diário do Rio de
Janeiro, 1850, ed. 8407).
E, no exemplo a seguir, constam ainda, as adjetivações citadas em parágrafos
anteriores, em que podemos reconhecer em que lugar se coloca o periódico em relação às
ações revolucionárias, neste caso em crítica aos acontecimentos da mesma Revolução de
Pernambuco, iniciada em 1848:
Não há duvida, a gente de bom gosto não pôde deixar de desgostar-se para todo
sempre das revoluções (fazendo abstrações de todo sentimento patriótico). Não há
nada mais monótono e mais enfadonho: uma revolução é uma agitação incessante
entre duas crises, uma que começa, outra que acaba essa dança do inferno. Um povo
em revolução assemelha-se ao desgraçado viajante que, perdido de noite, acha-se em
uma subida escarpada: para ele a salvação lá está em cima, no cume quase
inacessível do monte; a morte está embaixo, no abismo aberto a seus pés. (Diário do
Rio de Janeiro, 1850, ed. 8415).
O terreno de discussão e consolidação da ideia revolucionária é, portanto, volúvel;
com nuances, por vezes obscuras; e o contexto do certame político, que ultrapassa as barreiras
parlamentares e monárquicas, agrega ainda mais complexidade a este quadro. O debate se
encontrava nos folhetins, nos dicionários, nos livros, nos levantes, ou seja, em ampla medida
se consolidava no imaginário, não como ideia estável e com apenas uma compreensão, mas
habitava nesse imaginário em forma de disputa política e conceitual, a partir da perspectiva do
conceito como fenômeno linguístico e, que ao mesmo tempo, ultrapassa as barreiras da língua
(KOSELLECK, 1992).
62
2.2.1 Visão de mundo varnhageniana
Para compreendermos o que o conceito de Revolução significa no pensamento
varnhageniano, algumas de suas características principais precisam ser levantadas, e faremos
isso ao longo dos tópicos seguintes, para desvelamento da compreensão das ideias destacadas,
e sem dúvida, para procurarmos ultrapassar a história da língua, e atentarmos aos dados da
história social, “pois toda semântica se relaciona a conteúdos que ultrapassam a dimensão
linguística” (KOSELLECK, 2006).
Em prisma complementar, é importante percebermos o que está de pano de fundo no
empreendimento do Visconde de Porto Seguro. Em seus principais escritos49
é possível
destacar alguns desses pontos, que são principalmente: a defesa da monarquia50
, o destaque ao
discurso histórico, a unidade territorial, o nacionalismo, dentre outros, que, como supracitado,
foram determinantes para seus comentadores e estudiosos traçarem seu perfil político:
Ler Varnhagen, hoje, não pode significar que creiamos que ele nos conduzirá pelos
estreitos caminhos que nos revelam os segredos da história do Brasil – o que nele
interessa é descobrir, pacientemente, como se encaixa cada um dos fatos históricos
analisados em função da visão de mundo política. É essa visão do mundo política
que integra e dá significado aos fatos históricos, é ela ainda que resume e
consubstancia os anseios, as preocupações, os ideais, os projetos de uma classe
dominante em relação a uma nação que está em vias de se construir. (ODÁLIA,
1979, p. 14).
Portanto, este é um conceito interessante que pode contribuir de forma significativa
para nossa abordagem, pois como determina o mesmo Nilo Odália, citando Lucien Goldmann
(1959), visão do mundo não se refere somente à forma pessoal de enxergar o mundo do
personagem analisado, mas exprime o pensamento ou ao menos resquícios do modo de
pensar, do grupo, da comunidade a qual pertence. Ou seja, no intento de compreender as
principais ideias em torno dos conceitos traçados nesta pesquisa, o auxílio da ideia de visão de
mundo amplia algumas possibilidades de discussão dos termos.
Outro aspecto que se faz relevante para discutirmos sobre a abordagem da ideia
revolucionária no pensamento varnhageniano é, sem dúvida, o aspecto andarilho do Visconde
de Porto Seguro. Como argumenta o professor Temístocles Cézar, estar em movimento fez
49
Utilizamos neste debate História Geral do Brasil, Memorial Orgânico e Correspondência Ativa, de onde
retiramos seus principais pensamentos políticos, historiográficos e diplomáticos. 50
Dizem seus estudiosos e biógrafos que o Visconde de Porto Seguro era mais monarquista que o próprio
imperador. Lacombe (1967, p. 145) destaca que, por isso, “discretamente, uma vez ou outra, envia alguma
publicação [ao Imperador]. Em 1857 diz ao Imperador: Aqui vai um livro a favor da monarquia. (**) Naõ se
sabe se sabe qual seja, nem se o Imperador se dignou comentá-lo. De Madri tenta aproximar D. Pedro de um dos
grandes doutrinários do sistema monárquico, enviando uma carta de Donoso Cortês”.
63
parte da característica e do desafio da escrita da História de Varnhagen, “estar longe da nação
e ter como meta contar sua história; estar longe da nação e ter de consolidar sua nacionalidade
como brasileiro51
, eis o dilema da vida e obra varnhageniana” (CEZAR, 2007, p. 159).
Para compreendermos, portanto, o mundo, imagens, conceitos e modelos em que se
insere o historiador e os termos revolução e conservadorismo analisados, é necessário,
sobretudo, que entendamos o desenvolvimento da política e sociedade brasileira, bem como a
relação com o Velho Mundo, pois Varnhagen é um excelente exemplo desta ligação entre
estes dois lados do Atlântico:
Varnhagen é assim, está sempre em movimento. Ele caminha constantemente, de um
país a outro, de um arquivo a outro. Quase não para, é infatigável. Como o Michelet
de Roland Barthes, é um andarilho. Ao viajar, ao transpor fronteiras, ele vê a
história. Porém sempre com esse olhar distanciado de quem viveu praticamente toda
a vida fora do seu país. (CEZAR, 2007, p. 159).
Acrescento ainda, que, estar distante do solo brasileiro e levantar discussões e opiniões
a respeito da vida política, se fez igualmente uma questão complexa, já que boa parte do
tempo esteve na Europa. Isto deve ser levado em consideração e recordado a todo o momento:
Varnhagen estava, em solo europeu (e posteriormente latino americano), traçando discussões
do contexto brasileiro. Como é perceptível em suas cartas, por exemplo, sempre solicita e
cobra documentações acerca das discussões que permeavam o Brasil, principalmente ao
IHGB52
.
O seu lugar de observação do contexto em que se encontra é sua visão da História.
Sem dúvida, a emergência da centralidade da História no contexto do século XIX coloca a
obra historiográfica de Varnhagen em um lugar de destaque, vinculada a uma perspectiva
historicista e rankeana53
, o intelectual compreende a si mesmo como um dos construtores da
51
Varnhagen iniciou seus empreendimentos de pesquisa sobre o Brasil, e conseguiu destaque na Academia Real
de Ciências de Lisboa, sobretudo, com a obra “Reflexões Críticas sobre o escrito do Século XVI impresso com o
título Notícia do Brasil”, (de Gabriel Soares de Sousa), em 1838. No ano de 1844, por decreto consegue a
nacionalidade brasileira. Em uma carta escrita ao Imperador em Julho de 1852, Varnhagen afirma: “A minha
vida é do Brasil, que é minha pátria, e de Vossa Majestade Imperial, que me protege” (Carta ao Imperador,
1852). 52
Em carta endereçada ao Secretário do IHGB, Dr. Joaquim Manuel de Macedo, em 22 de junho de 1852,
Varnhagen cobra: “(...) de me mandar tão imediata e pontualmente como lhe seja possível, os números da
Revista. Até hoje não recebi nenhum, depois que saí dessa cidade, e consta-me que não é porque hajão deixado
de publicar, circunstância essa que eu muito mais sentiria que a do esquecimento da minha pessoa. Além disso,
devo também pedir ao Instituto duas novas coleções da 2ª Série da Revista, por quanto começo a julgar perdidos
(com outros meus livros e papeis) que vinham no barco espanhol S. Pedro, saído desse porto quanto eu, no dia
15 de Dezembro do ano passado”. (VARNHAGEN, 1961, p. 181). 53
Verificar Em torno de Ranke: A questão da objetividade histórica, do prof. Dr. Arno Wehling, 2018.
64
nação54
, ou seja, a História varnhageniana estava ligada aos aspectos da oficialidade; da
construção Estado-nação monárquico, do ponto de vista hobbesiano-hegeliano; da verdade
histórica, característica desta fase. Por exemplo, a dedicatória do Segundo tomo de sua
História Geral do Brasil esclarece o pensamento do intelectual acerca de sua contribuição e
traz alguns dos elementos mencionados:
(...) associando-me ao ponto de partida da história da civilização do Brazil, são actos
de Imperial Magnanimidade, que por si sós acusarão aos leitores futuros o reinado
fecundo que produziu a obra, bem que ainda com defeitos, filha de aturado trabalho
de uma vida sempre votada ao estudo e à investigação da verdade.”
(VARNHAGEN, Dedicatória Tomo Primeiro, 1972).
Nesta mesma linha de pensamento é que Varnhagen, no Prólogo de sua História Geral
do Brasil, cita Tocqueville, ao ponderar a respeito da obra historiográfica como cerne da
construção nacional. E, mais adiante, alude outro escritor francês que afirma que a nação, ou
seja, o grupo de pessoas, ou famílias, como pondera, é composta por uma única história, e
não duas; em outras palavras, por uma história oficial que daria conta do contexto.
Portanto, para discutir e pensar sua visão do mundo, esses aspectos são
demasiadamente importantes, ou seja, de qual perspectiva falava, quais eram os pontos que
abordava, pois muitas de suas ponderações, sem dúvidas, levavam em consideração os
acontecimentos que via e que tinha notícias a respeito do Brasil, na Europa. Neste sentido, as
menções ao termo revolução, que analisaremos a seguir, estão nessa perspectiva do olhar
sobre a sua realidade.
Nos próximos tópicos, analisaremos seu pensamento a partir de alguns desses pontos
destacados (e outros que acrescentaremos ao longo deste estudo), acentuando os capítulos de
História Geral do Brasil (HGB) em que o autor trata da discussão revolucionária. Nestes
aspectos, levamos em consideração não apenas o posicionamento de Varnhagen em sua
construção historiográfica, mas ressaltamos igualmente – valendo-nos dos conceitos
abordados por Arno Wehling (2016) – sua opinião enquanto pensador político, e, mais
especificamente, como publicista.
Nesta análise, tanto a ideia de pensador político quanto a de publicista são vinculadas
à noção do intelectual que busca, de alguma forma, atuar na vida pública; ou podemos apontar
o primeiro conceito da seguinte forma, mais especificamente:
(...) O pensador político era concebido como o analista do conjunto de uma
sociedade, em todos os seus aspectos materiais, intelectuais e morais e não
estritamente das relações políticas, como fizeram, antes de Varnhagen, Benjamin
54
Neste sentido, podemos pensar em Varnhagen da ótica gramsciana, do intelectual orgânico, ou seja, do prisma
do papel político-social exercido por este para a difusão do pensamento hegemônico (GRAMSCI, 1982).
65
Constant e, em sua época, Alexis de Tocqueville. (WEHLING, 2016, p. 49).
Quanto ao segundo conceito, o de publicista, é concebido da seguinte maneira:
(...) intelectual voltado para uma atuação pública com vistas ao aperfeiçoamento da
sociedade em que vivia. O Dictionnaire de politique, obra coletiva dirigida por
Maurice Bock, publicado em 1864, assina-la uma polissemia do conceito, que teria
transitado do especialista em direito público e direito das gentes para um sentido
mais largo e ambicioso. O publicista seria um escritor dos novos tempos, que sem
ser exclusivamente historiador, filósofo ou literato reuniria os três aspectos, sendo
capaz de uma visão abrangente simultaneamente teórica e empírica, sendo também
dotado de um espírito capaz de sintetizar a grandes traços uma época ou uma vida.
(WEHLING, 2016, p. 48).
Levando em consideração que nosso principal objetivo é analisar seu pensamento,
teremos em vista todas as características mencionadas, para tal empreendimento. Com isto
ressalto que não será utilizada a ordem em que as sessões (ou capítulos) aparecem nos tomos
de História Geral do Brasil, mas destacaremos cada capítulo à medida que discutimos
algumas características constitutivas de seu pensamento, e como qualifica o termo revolução.
Neste sentido, trabalharemos com a ideia de conotações positivas ou negativas, a partir do
ponto de vista do historiador.
O quadro abaixo aponta algumas dessas formas com as quais Varnhagen tratou o
conceito Revolução em seus escritos:
Tabela 1: Conotações positivas e negativas para o termo revolução.
Conotações Negativas Conotações Positivas
Conluio Honrados (revolucionários)
Veneno Triunfante
Conspiração Grande (sentido qualitativo)
Malvados (revolucionários) Célebre
Horrendo sucesso Bem lograda
Triste
Mal
Incêndio
Sintoma (sentido de doença)
Malograda
Deplorável
66
2.3 A malograda Revolução
Podemos afirmar, sem sombras de dúvida, que no pensamento varnhageniano também
existe as nuances políticas e disputas em torno do termo Revolução que discutimos no início
deste capítulo. No século XIX (ou até os dias atuais) o entendimento da palavra não está
fechado, a querela estava em voga continuamente nos debates políticos. Varnhagen determina
a valoração que atribui ao termo de acordo com o seu conteúdo, ou melhor, com o que o
movimento que descreve defende ou ataca. Neste sentido é importante destacar que não é
possível detectar um conservadorismo reacionário em Varnhagen, e este ponto é praticamente
unívoco entre seus estudiosos.
Seu conservadorismo é acentuadamente mais complexo do que a simples ideia de uma
reação aos elementos progressistas. Ou ainda, assim como muitos de seu tempo, Varnhagen
também utiliza o termo revolução de forma genérica, apenas para apontar um acontecimento
político: “Estava anunciada a revolução na cidade do Porto” (VARNHAGEN, 2011, p. 274).
Dito isso, vale ressaltar o primeiro aspecto em torno da questão do termo Revolução
em conotação negativa no pensamento do historiador: destaco, em primeira instância, as
colocações de Varnhagen em História Geral do Brasil a respeito do movimento em Minas
Gerais pela independência da região (nomeia o capítulo de Ideias e Conluios em favor da
Independência em Minas55
) em que aborda as ações dos principais atores deste tentame e qual
seu prognóstico caso fosse realizado:
E supondo ainda que no fim de uma encarniçada guerra civil, que já por si só seria
um flagelo, triunfasse a revolução, estaria hoje o Brasil em melhor estado? Essa
pequena república, encravada no meio do majestoso império de Santa Cruz, não
teria sido um mal? Não teria alguma nação poderosa procurado um pretexto de
guerra para buscar ter nesse território uma Guiana? Não teria ainda nele também
outra Guiana o próprio Portugal? Curvemos a cabeça ao decreto da Providência,
que, à custa do próprio sangue dos mártires do patriotismo, veio a conduzir-nos à
única situação, em que podemos, sem novos ensaios, procurar ser felizes, e fazer-nos
respeitar como nação. (VARNHAGEN, 2011, p. 238).
Destaco ainda uma colocação complementar do historiador:
Lamentando, como devemos as vítimas que causou esta mal denominada
conspiração, que tantas simpatias inspira a todas as almas generosas, cremos que o
seu êxito, ainda quando a revolução chegasse a realizar-se, não podia ser diferente
do que foi; e que, portanto, quase parece ter sido um bem que ela não estalasse, para
não comprometer muito mais gente, e induzir a província em uma guerra civil, que
devastasse essas povoações, que começavam a medrar (VARNHAGEN, 2011, p.
239).
55
Nilo Odália (1979, p. 22) destaca que para Varnhagen o movimento mineiro (que não é senão um conluio),
não adveio do contexto colonial, mas como um simples reflexo da revolução americana e se configura como
rebeldia contra o Estado. Ele não passa de uma desunião, e possibilidade de uma nova Guiana.
67
As citações acima, nos permitem retirar diversos pontos de análise a respeito do
caráter espinhoso do aspecto revolucionário na interpretação do historiador. A priori,
destacamos o aspecto da felicidade, que trouxemos em outro momento de nosso estudo. Uma
revolução ou qualquer outro empreendimento para a sociedade deve estar em consonância
com o aspecto da felicidade56
enquanto elemento político, ou seja, este é o ponto a ser
almejado e concretizado em uma nação, e é neste intuito, na visão do Visconde de Porto
Seguro, que age a providência divina.
Neste aspecto levantamos outro ponto importante: a providência como elemento
constitutivo da história da nação, para o historiador57
. Em inúmeros momentos em seus textos
podemos verificar que as ações divinas são colocadas na cena política. Trazemos assim, outra
característica de seu posicionamento conservador: embora em sua história os feitos dos
homens sejam acentuados, a providência é superior, inclusive aos desejos humanos –
“curvemos a cabeça ao decreto da Providência”. Portanto, um aspecto do conservadorismo
varnhageniano, integrando-se aos traços conservadores de seu tempo, é a desconfiança na
potência racional do homem de mudar o contexto, tão destacada pelos revolucionários
progressistas.
Embora se posicione favorável a uma revolução que leve à independência – na obra
Memorial Orgânico, por exemplo, a todo tempo destaca, de forma elogiosa a grandeza de
uma nação independente – Varnhagen reforça em suas colocações que esse homem não age
sozinho, neste caso, inclusive, seria um mal, como escreve, e a providência age para conduzir
à única situação possível ao homem, ao bem, como argumenta em um dos trechos
destacados.
Mudanças são admissíveis, e mesmo necessárias, como vemos na citação acima que a
sua oposição não se faz diretamente por ser um ato revolucionário, no entanto, ao lermos os
escritos de Varnhagen fica claro que uma revolução que pudesse conduzir a uma guerra civil,
a um republicanismo e a um ambiente de incertezas e vulnerabilidade estatal – o que se
constituiria como caos – era uma revolução que deveria ser evitada. Como argumentam
56
No Memorial Orgânico, há uma nota de rodapé destacada por Arno Wehling em que aponta que Varnhagen
“afirma que toda nação tem duas missões sobre a terra, sustentar-se com dignidade administrando justiça a todos
e aperfeiçoar a felicidade de seus súditos. Se não as cumpre, merece “que de fora a venham governar”. E conclui
a nota: “A nação deve melhorar suas forças, que só consistem na multiplicação de seus habitantes, no fomento às
virtudes militares e na sua riqueza, compreendendo nestas as fortalezas e os meios de guerra”” (VARNHAGEN,
2016, p. 110). 57
No capítulo em que aborda a Revolução Pernambucana do século XIX, por exemplo, um dos tópicos de
introdução foi intitulado por Varnhagen de “A Providência protegendo a integridade do Brasil”.
68
muitos de seus estudiosos, Varnhagen é um adepto da filosofia liberal, com críticas ao que
considerava que ultrapassava os limites, e por isso, também um homem da ordem58
:
“Varnhagen, partidário da ordem e crítico do liberalismo radical, entendia ser prioritário o
fortalecimento da nação, pela via preferencial – mas não exclusiva – do fortalecimento do
Estado.” (WEHLING, 2016, p. 71).
Neste sentido, outro capítulo a ser destacado em que Varnhagen aborda o tema
revolucionário, e aponta uma conotação negativa ao evento, e consequentemente, ao termo, é
a sessão em que discute a Revolução ocorrida em Pernambuco de inícios do século XIX. É
interessante ressaltar, antes de tratarmos diretamente do caso na obra varnhageniana, que as
Revoluções pernambucanas tornaram-se, para os conservadores um movimento problemático,
e para os progressistas, um marco político e acontecimento compositor do imaginário
brasileiro revolucionário. O Correio Mercantil, por exemplo, no ano de 1849, comenta sobre
a Revolução de 1848, ainda em curso, nos seguintes termos:
(...) é uma revolução política, que tem por bandeira – a convocação de uma
constituinte para assentar sobre mais segura bases a paz e prosperidade das
províncias.
Quem pode calcular hoje o alcance que a revolução de Pernambuco terá d‟ora em
diante, que influência exercerá sobre o paiz, quando o descontentamento é geral, e
esse grito tão poderoso vem achar o império a braços com a mais furiosa reação, em
luta aberta contra os princípios retrógrados do partido dominante? (Correio
Mercantil, 1849, Ed. 9).
Em contrapartida a este pensamento, Varnhagen menciona em sua História Geral o
jornal Correio Braziliense (APUD VARNHAGEN, 1972, p.1138), em que podemos mapear a
disputa em torno do termo e a opinião do historiador a respeito da Revolução Pernambucana
de 1817:
(...) pois tudo mostra não só a precipitação, erros e injustiça dos cabeças; mas a sua
total ignorância em matérias de governo, administração e modo de conduzir os
negócios públicos; em uma palavra, não mostraram outra qualidade respeitável,
senão a energia, que é filha do enthusiasmo, em todos os casos de revoluções.
Acrescentou ainda Varnhagen que o redator do periódico se restringiu a colocar as
principais informações para que os leitores tivessem ciência de que era necessário, em seu
entendimento, evitar a propagação de tal ideia, “censurá-la, como imprudente, e como
58
O problema do equilíbrio ou mesmo da síntese entre liberdade e ordem estava no centro das discussões da
filosofia política e do direito público na virada do século XVIII para o século XIX, consubstanciado na
concepção do estado de direito, que se apresentava como alternativa ao contratualismo inglês e francês. Esse
problema não parece ter penetrado extensamente a discussão brasileira do estado constitucional à época, mas sua
face pragmática, a de efetivamente equilibrar os polos, esteve na ordem do dia desde a Independência. Ela se
definiria pela solução política que daria o poder a uma elite promotora da ordem, basicamente mineiro-
fluminense-paulista. (WEHLING, 2016, p. 58)
69
atrasadora do próprio desenvolvimento político do Brazil”. (VARNAHGEN, 1972, p. 1137).
Tal trecho nos permite perceber que toda esta disputa político-conceitual que destacamos até
então se fazem presentes nos escritos varnhagenianos de forma entusiasmada.
Pois bem, fixando-nos nos escritos do capítulo mencionado, denominado de: A
Revolução Pernambucana em 1817, em que, como argumenta Lucia Guimarães (2001, p. 92),
“Varnhagen simplesmente desqualifica essa revolta, de caráter emancipacionista”; ou seja, em
toda construção deste capítulo e na maior parte dele, quando menciona o termo revolução,
atribui uma conotação indiscutivelmente negativa a este levante. Trataremos de algumas
destas alusões à frente.
Detenhamo-nos, a priori, nestes aspectos já destacados para frisar a ótica de
Varnhagen, e principalmente para uma discussão mais abrangente acerca de seu pensamento.
Ao analisarmos o tratamento que o Visconde de Porto Seguro confere ao vocábulo revolução
é possível termos a seguinte informação a respeito de sua utilização: fica evidente, que, no
pensamento varnhageniano não existe o termo “revolução” no singular, existem “revoluções”,
que dependem, como já fora destacado pelo prisma koselleckeano, de qual é o enxerto
político, ou seja, o acontecimento, que acompanha o termo. Alimentando, portanto, a ideia de
que este é o período da clivagem, mas não de forma abrupta do conceito.
Neste sentido, destaco o seguinte recorte do capítulo mencionado:
Quanto aos dois sentidos em que dissemos que esta revolução deve ser desastrosa: o
primeiro é que a nação tem de pagar mais tributos para ressarcir as despesas
necessariamente ocorridas para suprimir a insurreição; e estas despesas por força hão
de ser consideráveis, tanto de presente, como em suas consequências: segundo, isto
deve causar um motivo de suspeita da parte do governo, que temerá toda e qualquer
proposta de reforma, como sintoma de revolução, e uma correspondente timidez da
parte do povo, que receará pedir reforma alguma, com o temor que d'ahi se sigam
revoluções, ou suspeitas de haver vistas atraiçoadas; e por tanto, os homens bons e
cordatos, que realmente desejam ver remediados os abusos, de sua pátria, antes se
sujeitarão aos males presentes do que se arriscarão ao máximo dos males, que é a
dissolução do governo. (VARNAHGEN, 1972, p. 1139)
Portanto, no destaque acima podemos debater a respeito da ideia de “revoluções”
contida no pensamento varnhageniano. O autor aponta o pronome “esta”, ou seja, que esta
revolução, portanto, este tipo de revolução, com essas características específicas é desastrosa,
ou seja, insurreições que perpetrassem uma desagregação dos elementos tradicionais. “No seu
entender, a rebelião que proclamou a independência de Pernambuco do governo do Rio de
Janeiro não passa de um motim de quartel, provocada por militares insubordinados (...)”
(GUIMARÃES, 2001, p. 92).
Tais críticas, tão vorazes a respeito do movimento se dão exatamente por seu enxerto
70
político. No prisma do historiador, o que a Revolução Pernambucana causa à população é
uma extrema desordem social e prejuízos políticos reformistas. Em seu ponto de vista, as
Revoluções travam o progresso, o desenvolvimento nacional, pois causam medo de suas
consequências, ao passo que as reformas, são bem-vindas, pois significam o oposto, no
entanto, àqueles que se interessariam em promovê-las são bloqueados pela correspondente
timidez e pelo receio de serem confundidos ou se tornarem movimentos revolucionários
perigosos à ordem social. Por isso, revolução e reforma, tanto uma, quanto a outra deveriam
ser devidamente definidas, pois poderiam ser confundidas a ponto de criar uma tensão social.
A respeito do aspecto da desordem é importante ressaltar que esta é intolerável, em
sua perspectiva, e se situa na contramão do que assinala como civilizado e racional, por isso,
uma sociedade, construída na ordem é tão valorosa. Podemos compreender a ideia de ordem,
nos seguintes termos:
(...) trata-se, na verdade, de um limite que atua quando não existem limites
específicos e que tende a coincidir com a exigência, por via integrativa, do núcleo de
princípios que caracterizam a constituição do Estado, mas que por vezes coincide
com a exigência também de um núcleo de valores e de critérios extrajurídicos que
fogem a uma possível predeterminação objetiva. (BOBBIO, 1998, p. 851).
Neste sentido, a ordem ao mesmo tempo em que extrapola a ideia de uma norma
formal, perpassa também por ela. Podemos dizer que este era um dos poucos aspectos em que
havia uma convergência entre o pensamento de Varnhagen e as prerrogativas do chamado
Partido da Ordem (Conservador), e com a lógica do Regresso, que pode ser apontada,
principalmente, por sua participação não só enquanto membro, mas no projeto do IHGB como
um todo.
Pois bem, na esteira do aspecto da ordem, destacamos a sentença anterior de História
Geral do Brasil, em que Varnhagen salienta o que, no seu ponto de vista, se caracteriza como
o maior dos males: a dissolução do governo, e por isso, este é um aspecto importante para que
esta Revolução seja considerada maléfica para a construção da sociedade; e este tópico nos
permite pensar a respeito da centralidade da ideia de Estado na construção historiográfica
varnhageniana, “tal como Ranke, o visconde de Porto Seguro privilegia, sobretudo, o Estado,
daí sua ênfase na primazia dos fatos políticos, relativamente isolados das forças econômicas e
sociais” (GUIMARÃES, 2001, p. 95), e, daí se constitui seu pensamento político a respeito da
temática:
(...) o Estado apresenta-se como ponto culminante e questão central da organização
da sociedade. Há, mesmo, uma antinomia explícita: o Estado representa da
civilização, a lei e a ordem. Sua ausência, a selvageria, o predomínio da força e a
desarticulação social (WEHLING, 1999, p. 86).
71
Não há dúvidas que a imagem de Estado, defendida pelo historiador, está em
consonância com o pensamento hobbesiano e hegeliano. A partir da filosofia de Hobbes,
podemos destacar alguns pontos do pensamento que estão presentes na filosofia política de
Varnhagen:
É nele [Deus Imortal] que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim
definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos
recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela
poder usar a força e os recursos todos, da maneira, de modo a ela poder usar a força
e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz
e a defesa comum. (HOBBES Apud RIBEIRO, 2000, p. 62).
Noutro trecho, desta vez contendo a Filosofia política de Hegel podemos destacar o
apontamento em que compreendemos a perspectiva do historiador a respeito das ideias de
Estado e de Sociedade Civil, que se encontra em contraposição em seu prisma, conforme o
destaque abaixo. Tais ponderações estão contidas também na filosofia e análise política
varnhagenianas:
A ela [Sociedade Civil] se contrapõe o Estado Político, isto é, a esfera dos interesses
públicos e universais, na qual aquelas contradições estão mediatizadas e superadas.
O Estado não é, assim, expressão ou reflexo do antagonismo social, a própria
demonstração prática de que a contradição é irreconciliável, como dirá mais tarde
Engels, mas é esta divisão superada, a unidade recomposta e reconciliada consigo
mesma. A marca distintiva do Estado é esta unidade, que não é uma unidade
qualquer, mas a unidade substancial que traz o indivíduo à sua realidade efetiva e
corporifica a mais alta expressão da liberdade. (BRANDÃO, 2000, p. 106).
Portanto, somente na perspectiva estatal é que se conclui a vida em sociedade, é o
auge da relação social, “é a totalidade orgânica de um povo, e não um agregado”
(BRANDÃO, 2000, p. 107). Na perspectiva do Visconde de Porto Seguro, esse Estado está,
sobretudo, vinculado à figura do monarca e de seu aparato governamental. É o monarca quem
representa e, de forma singular, quem personifica o Estado, principalmente, como mantenedor
da ordem; neste sentido, merece o respeito, e, sobretudo, a lealdade dos súditos, como
inúmeras vezes podemos constatar em suas cartas ao imperador.
A preocupação no ambiente político com a figura representativa da sociedade, a
imperial, era observada frequentemente nas discussões e nos posicionamentos políticos,
principalmente da ala conservadora do parlamento. A ideia de um poder que mantivesse a
ordem era assunto frequente, pois também eram frequentes e graduais as ações progressistas59
59
Destaco neste sentido o trecho de Illmar Rohloff de Mattos (1987, p. 194), em que ressalta esta frequente
preocupação: “Os Saquaremas proclamavam as excelências de um poder forte, destacando a eficácia e utilidade.
Somente um poder forte poderia tanto oferecer „suficientes garantias à ordem pública e a bem entendida
liberdade‟, quanto tornar audível a voz da „Razão nacional e verdadeira indicadora do pensamento e das
necessidades públicas‟, no entender de Paulino Soares de Sousa”. Neste mesmo raciocínio destaca a figura do
72
ou revolucionárias. Por isso Varnhagen destaca em seu texto, o que fora dito pelo Conde de
Palmela, e que podemos afirmar, por seus escritos, ser ele também partícipe da mesma
opinião:
Minha opinião é diametralmente contrária, porque V. M. não se deve sujeitar aos
revolucionários; - não deve largar o cetro da mão. Compete-lhe conservar a herança
de seus pais até à última extremidade: não lhe convém aprovar a revolução, e
desanimar todo o partido realista; não lhe é decente seguir os malvados e
desamparar os honrados. (VARNHAGEN, 1972, p. 288).
Por isso, na citação de sua História aponta que o máximo dos males é a dissolução do
governo (representado pelo monarca), pois a sua integridade mantem o cerne do seu papel: o
de condutor e tutor da sociedade. “O Estado é prioritário – como mostrou José Honório
Rodrigues -, o povo é secundário” (WEHLING, 1999, p. 90).
Esta centralidade do Estado, representado pelo monarca, era visto como um
importante elemento a ser considerado pelo diplomata para determinar o caráter benéfico ou
não de uma revolução, e principalmente (em nossa análise), como ele irá adjetivar o
movimento, a partir deste cerne que se configura como:
O Estado forte, maior do que a sociedade, criador da nação e aperfeiçoador
pedagógico e étnico do povo – eis o ideal de Varnhagen. Tudo o mais –
representação, funções estatais, relações internacionais, formas de governo – cede o
passo ao objetivo maior de um Estado regenerador. Tudo o que destoa deste padrão
unitário, ou que o ameaça, é condenado. (WEHLING, 1999, p. 91).
Todo e qualquer levante que marginalizasse o papel do Estado, que se opusesse a ele
(como na citação a seguir), ou que, simplesmente não o incluísse nos movimentos era sujeito
a crítica do historiador, ou nas palavras de Nilo Odália (1979), enfrentam uma rejeição por
parte do Visconde de Porto Seguro, pois sua intenção é realçar, quase que didaticamente, o
ofício do Estado no espectro formativo da população: “Fim triste, e na verdade digno de
lástima, do mais belo carácter que apresentou a malograda revolução pernambucana de 1817.”
(VARNHAGEN, 1971, p. 1147).
Ou seja, tal Revolução, se apresentou com o aspecto de malograda, mal sucedida, pois
se opunha totalmente à ideia do Estado forte, que perpassava principalmente, pelas
características de uma monarquia constitucional, e com mudanças que pudessem ser pautadas
pela perspectiva, sobretudo, regressista:
No Brasil, os fundamentos de suas posições podem ser rastreados na ideologia do
Regresso e no conservadorismo da década anterior, a partir da Assembleia
Constituinte. Elas assumem papel semelhante ao das ideias liberais que circulavam
na Europa após a restauração: um Estado laisses faire no plano econômico, isto é,
monarca, principalmente, no exercício do poder moderador, como esta fonte central da ideia agregadora do
poder: associação entre unidade de poder e unidade da nação.
73
mantenedor do status quo institucional, assegurado pelo controle do poder político
pelos proprietários através do sufrágio censitário e indireto. (WEHLING, 1999, p.
87)60
Neste trecho destacado, Varnhagen se coloca em oposição frontal ao que apontava
como conluios que poderiam desintegrar o território e, consequentemente, a nação. Este é um
aspecto importante, que para alguns de seus estudiosos61
se caracteriza como elemento-chave
em seu pensamento: os aspectos agregadores e desagregadores, neste caso, de certos
movimentos. Para o historiador, o que desagregava era perigoso e um mal, por si só. Escreve,
inclusive, ao imperador em certo momento:
Sobre este ponto nada mais digo quando V.M. I [Vossa Majestade Imperial] sabe
tudo, e quando não desconhece que o empenho principal que me guiou a pena do
Memorial Orgânico foi o de promover desde já, com a maior segurança possível, a
unidade e a integridade do Império futuro, objeto constante do meu cogitar. A
possibilidade e a conveniência de tal unidade, ainda na época do porvir em que o
Brasil possa chegar a contar mais de cem milhões de habitantes, quando o espírito
público se forme pela história de um modo idêntico, foi por mim sustentada
tenazmente em 1851 em muitas discussões com os meus amigos deputados pelo
norte, e não perco ocasião de a pregar na História geral, que, por si só, se for adotada
nas academias, há de contribuir e muito a elevar o patriotismo e à harmonia do
espírito nacional, fomentada pela igualdade de educação de todos os súditos.
(VARNAHGEN, Carta ao Imperador, 1961, p. 246).
Varnhagen vislumbrava nestes movimentos uma cisão que desmembraria o país não só
do ponto de vista metafórico, mas prático, a partir de divisões territoriais que trariam,
consequentemente – em sua interpretação – um enfraquecimento do governo, e um
alastramento dos ideais separatistas, por isso elevar o patriotismo e o espírito nacional,
principalmente com sua historiografia eram pontos centrais para a coesão do território, em
paralelo a medidas políticas que viabilizassem respostas mais ágeis a possíveis levantes
provinciais, e que gerassem maior conexão entre as áreas mais remotas do império.
60
Destaco a nota de rodapé apontada por Wehling (1999, p. 88): “Tais características foram identificadas, para o
caso da política do regresso, por perspectivas tão diferentes como as de Otávio Tarquínio de Sousa, Bernardo
Pereira de Vasconcelos, Rio de Janeiro, José Olympio, 1952, p. 48; Caio Prado Jr., Evolução Política no Brasil,
São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 77; João Camilo de Oliveira Torres, A democracia coroada, Petrópolis, Vozes,
1963, p. 143; Paulo Mercadante, A consciência conservadora no Brasil, Rio d Janeiro, Saga, 1964; Ilmar Rohlof
de Matos, O tempo Saquarema, São Paulo, Huicitec, 1987, p. 32”. Estes autores identificaram alguns pontos que
se tornam interessantes à análise do conservadorismo, pois tratam da complexidade da caracterização e aspecto
do pensamento neste período. Partindo deste princípio, e em diálogo com tais discussões, destaca-se o caráter
conservador, com traços liberais de Varnhagen, que aprofundaremos. Nesta citação destacada, sobretudo, tais
traços podem ser identificados com as características conservadoras pós Assembleia Constituinte no Brasil. 61
A professora Dra. Lucia Guimarães, por exemplo, trabalha com a ideia dos elementos agregadores e
desagregadores que são relevantes para Varnhagen. O primeiro como construtor da nação e o segundo como
prejudicial a essa estrutura (GUIMARÃES, 2001). Estes aspectos (agregadores e desagregadores) também são
ressaltados na introdução de Memorial Orgânico (2016), produzido pela FUNAG.
74
***
Vão decorridos já quarenta anos depois desta insurreição, e os sucessos narrados
com pouco exame a vão convertendo em um mito heroico de patriotismo, não
brasileiro, mas provincial, sem fundamento algum. A verdade é só uma, e há de
fulgurar em vista dos documentos que vão aparecendo e dos protestos dos homens
comprometidos, mais probos e ilustrados; e mais prudente é não elevar tantos
altares, para depois se derrubarem e profanarem (VARNHAGEN, 1972, p. 1116).
No trecho acima, ainda tratando da Revolução Pernambucana, fica nítido que para
Varnhagen o aspecto provincial do movimento, e não coesivo do ponto de vista nacional é o
que o define como malogrado. O futuro da nação dependia de ações governamentais que
proporcionassem a união entre um território tão extenso, ainda que isto se promovesse de
forma gradual e alcançada lentamente (ODÁLIA, 1929).
Varnhagen é categoricamente antagônico à ideia de uma revolução que rompesse de
forma abrupta com o status quo, que se opusesse ao aspecto da coesão nacional, e neste
sentido podemos vinculá-lo ao conservadorismo que se forma neste período, como o exemplo
do caso burkeano, discutido no capítulo anterior. Se analisarmos as ponderações
varnhagenianas é visível o vínculo deste tipo de revolução com o significado de transtorno da
ordem, rebelião; como o pai do conservadorismo moderno tratou, por exemplo, a Revolução
Francesa, que é citada, inclusive, pelo Visconde de Porto Seguro, de forma reprovadora, neste
capítulo de História Geral do Brasil:
Para remedar-se a revolução franceza, aboliu-se também o uso do tratamento de
senhor; nem que a liberdade e a própria democracia fossem incompatíveis com as
atenções da cortesia. Igualmente se aboliram as excelências, as senhorias, e as
mesmas humildes mercês, e até a humilissima contracção em "vocês". – Tudo ficou
nivelado a vós. E por certo que mais logico, embora menos imitante aos usos lá da
França e da Inglaterra, houvera sido o simples pronome da segunda pessoa do
singular. - Misérias de todas as revoluções desta natureza! - A bandeira que foi
adoptada era bicolor, azul escura e branca, sendo as cores partidas horizontalmente;
a primeira em cima e esta por baixo, e tendo, no retângulo superior azul, o arco íris
com uma estrela em cima e o sol por baixo, dentro de semicírculo; e no inferior,
branco, uma cruz vermelha. As bandeiras da tropa foram benzidas e distribuídas na
quinta-feira santa. (VARNHAGEN, 1972, p. 1133)
O parágrafo apontado acima reúne alguns elementos interessantes para compreensão
do pensamento de Varnhagen no tocante, principalmente, à sua oposição ao que ele mesmo
aponta como revoluções desta natureza. Primeiro porque é uma tônica que esclarece a nossa
defesa das diferentes compreensões de revolução; segundo porque ele se coloca claramente do
outro lado do discurso dos movimentos de cisão. Revolucionar significa reformar, do ponto
75
de vista varnhageniano, e neste prisma o termo seria benéfico. As revoluções [desta natureza]
criariam um problema, do ponto de vista reformista, pois quebram a continuidade natural e as
relações sociais.
Neste trecho, por exemplo, a referência principal é o tuteio62
(uso do tratamento tu)
num determinado momento da Revolução Francesa, e que, ao ser destacado por Varnhagen,
nos atenta para os usos dos diversos símbolos63
, inclusive as palavras, na Revolução de 1789,
e a influência no imaginário de outros movimentos que se entendiam como continuadores do
fenômeno explodido em fins do século XVIII. Neste destaque, fica claro que os simbolismos
em torno dos processos desobscurecem a compreensão dos discursos em torno da ideia
revolucionária, pois evidenciam a querela em torno do caráter emblemático do próprio termo.
Retomando, então, a discussão no fragmento, ao apontar certo tipo de revolução,
considera, portanto, a possibilidade de existirem outros tipos, ou em suas palavras, de outras
naturezas. Como apontamos desde o início dessa discussão, compreendemos aqui dois tipos
para o diplomata: uma benéfica a nação, e outra prejudicial. Esta última, ele trata como
miserável, porque entende que os ideais inscritos no movimento são, além de separatistas,
também republicanos, princípio político este, que era veementemente opositor.
Ainda em torno do aspecto das palavras, que refletia seu posicionamento político,
podemos destacar que para o Visconde de Porto Seguro o aspecto da igualdade não era
compatível com a realidade e contexto. Como muitos conservadores de seu tempo, a
abstração da igualdade não era concebível; o que importava nesta perspectiva era o que
estava dado, o que existia de fato, o que pertencia à tradição: por exemplo, a ideia de
monarcas e súditos. E, até entre os últimos, como se podia verificar facilmente na sociedade,
também havia distinções, por isso, a crítica em torno da concepção de nivelamento social que
o tratamento representaria.
Em continuidade, a crítica aborda outro aspecto simbólico do movimento: a bandeira
confeccionada como representativa da Revolução Pernambucana. Esta, descrita pelo
62
Segundo Michelle Perrot (2009, p. 25), o uso de uma linguagem menos formal, propositalmente, no intuito de
promover a ideia de igualdade, tomou conta dos diálogos ao longo do movimento revolucionário. A autora
relembra um episódio no início do chamado Período do Terror, em que um sans-cullotes encaminha uma
Petição à Convenção solicitando que a partir de então todos os republicanos se tratassem por tu, sob pena de
serem considerados suspeitos caso contrariasse a regra. O projeto não é aprovado, no entanto, o uso ocorria, e tal
lembrança é interessante para demonstrar o contexto e as ideias que se moviam no decorrer das revoluções,
como é o caso da pernambucana. 63
Importante destacar aqui, que o uso do termo “símbolo” não pode ser compreendido de forma despretensiosa
nesta abordagem. Do ponto de vista conceitual, símbolo tem o significado de representação (CHEVALIER
GHEERBRANT, 2003), ou em outras palavras, de conexão, neste caso, de uma ideia a uma palavra ou a um
objeto. As palavras são simbólicas, portanto, em linhas gerais, são diferentes prismas em disputa, evidenciado
aqui, pelas críticas varnhagenianas.
76
historiador, carrega em seus traços algumas das características que são compreendidas como
prejudiciais ao vínculo nacional. Por isso, em sua visão, seria imprescindível operações
governamentais que promovessem a ideia de união, minando perspectivas de coesão somente
a nível provincial, como este movimento proporcionaria.
Por esta concepção, como argumenta Arno Wehling64
, nas ponderações políticas de
Varnhagen e em seus escritos visando à construção da nação fica evidenciado sua
preocupação com o imaginário, principalmente por aquilo que se constrói em torno do
patriotismo, que acredita ser tão relevante para a segurança do estado quanto à religião.
Em meio a todos estes pontos destacados, deixa claro um deles, que, é aspecto de
questionamento frequente em seus escritos: o problema brasileiro da busca de imitação de
aspectos europeus. Neste trecho deixa clara tal opinião como crítica ao que chama de imitação
ao que ocorria na Europa. Em sua perspectiva, o Brasil deveria, com relação a este aspecto e
tantos outros, seguir seus próprios trilhos, principalmente, tendo a ordem e a tradição como
motrizes de ações que despontassem em alguma revolução.
Em suas diretrizes políticas ao parlamento, Varnhagen critica aquilo que chama de
espírito de imitação ou de rotina (VARNHAGEN, 2016) existente na conjectura das ações
políticas brasileiras: remendar-se a Revolução francesa não era para ele uma alternativa
eficaz, e muito menos benéfica do ponto de vista político e social, em seu prisma era preciso
analisar as necessidades do Brasil pelo próprio Brasil, e não copiando as leis e
comportamentos políticos de países, em seu ponto de vista, mais civilizados. Neste sentido,
agrega em sua opinião um preceito do filósofo Vattel (Apud VARNHAGEN, 2016, p. 202):
Toda nação deve primeiro conhecer-se: sem isso nunca poderá ela trabalhar com
bom êxito para seu aperfeiçoamento. É preciso que faça justa ideia do estado em que
se acham a fim de tomar medidas que covenham a esse estado; deve conhecer os
progressos que tem feito, os que lhe cumpre fazer, e o que tem de bom ou de
defeituoso, para saber o que há de conservar e o que há de corrigir.
Portanto, não imitar, ter uma autenticidade, tem associação com a ideia de levar em
consideração os vestígios tradicionais próprios de cada cultura, de cada contexto, e
revolucionar, como veremos no próximo tópico, tem conexão com a ideia de correção, e não
de destruição da ordem. Vale ressaltar, que a tradição defendida por Varnhagen, de forma tão
veemente, tem a ver com os elementos culturais agregados, principalmente, do ramo
português da composição do Império do Brasil, opinião esta que foi motivo de inúmeras e
famosas contendas entre a sua vertente de ideia de formação do povo, e dos indianistas, por
64
Este pensamento está contido nas ponderações do autor na introdução do “Memorial Orgânico”, e de forma
mais vasta e aprofundada é trabalhado em “Estado, História e Memória”, de Arno Wehling.
77
exemplo.
Por isso, as revoluções de tipo prejudicial são vinculadas, inúmeras vezes pelo autor, a
uma perspectiva medicinal, chegando a utilizar, diversas vezes, para tratar desses
acontecimentos, palavras como doença, antídoto, sintoma, remédio, como no exemplo a
seguir, em que, claramente, aponta essas referências ao tipo de revolução que lança sua
crítica.
Trazendo a luz a frase do Conde dos Arcos sobre a Revolução em Minas, ou como
ficou conhecida, a Inconfidência Mineira, Varnhagen (1972, p. 256) destaca: “liberalidade
que espante [revoluções deste tipo], e justiça por sistema inabalável são os únicos antídotos
contra o veneno da revolução”, e neste mesmo parágrafo aponta a ideia da necessidade de
remediar tal mal. Ou ainda quando trata do início da Revolução Pernambucana é enfático em
dizer: Triste sintoma de uma revolução em princípio.
O sentido da revolução é um só na visão varnhageniana: mudar com ordem as
injustiças. Por esta razão, o restante dos movimentos, denominados como revolução, são, na
verdade, vislumbrados pelo Visconde de Porto Seguro, especialmente por seu caráter
desagregador, como insurreições, conluios, deslealdes fadadas, sem dúvidas, ao malogro.
2.4 A bem lograda Revolução
Conectando a ideia de visão de mundo, iniciada neste tópico, destaco a perspectiva
varnhageniana, para aquilo que compreendia como a sua contribuição, ou ainda, a sua
função65
neste mundo, que vislumbra. Friso, portanto, o que fora dito em linhas anteriores:
para compreendê-lo é necessária a percepção de que a unidade nacional é, acima de tudo,
pano de fundo de seu arcabouço intelectual. Como no trecho abaixo, de uma das cartas
destinadas ao imperador em que, apresentando ao imperador o segundo volume de HGB, fala
a respeito dessa função:
Porém, caí de joelhos, dando graças a Deus não só por me haver inspirado a ideia de
tal grande serviço â nação e às demais nações, e concedido saúde e vida para realizá-
lo (sustentando-me a indispensável perseverança para convergir sobre a obra desde
os anos juvenis, direta e indiretamente, todos os meus pensamentos).
(Carta ao Imperador, 1857, p. 242).
65
Argumenta Odália (1979, p. 18) que após a constituição formal da nação cabe ao historiador assumir seu
“papel e sua missão: cabe-lhe a tarefa de dar forma e conteúdo ao projeto político”, projeto esse que deve ser
compreendido para além da simples ideia de projeção de desejos e vontades, mas deve ser entendido como um
contínuo de sequência histórica das condições socioeconômicas em que se desenvolveu a nação até aquele dado
momento.
78
No tópico anterior atentamos em perceber as características de seu conservadorismo a
partir daquilo que pretendia, metaforicamente, destruir das revoluções; do ponto de vista das
ideias que se pudessem se apresentar enquanto opositoras a este pensamento (conservador).
Nesta segunda fase, gostaríamos de destacar o que pretendia construir, enquanto bases
intelectuais e políticas nacionalistas. Este é um ponto importante: não importa ao
conservadorismo que Varnhagen representa66
manter o status quo, mas transformá-lo a partir
de perspectivas que levem em consideração diversas situações locais e/ou culturais,
vinculando-se, assim, a análise conceitual de conservadorismo destacada por Bobbio (1998),
apontada no primeiro capítulo desta análise. Neste sentido, quais eram os fundamentos
essenciais para que um movimento revolucionário contribuísse para o crescimento do
Império, afinal? Buscaremos responder a este questionamento ao longo deste tópico, iniciando
com a citação seguinte:
Esta revolução triunfante marcava uma nova era para o Brasil: se não adere a ela,
fica separado em Estado independente; se adere e consegue proclamar também as
novas instituições, era mais que seguro que não se havia de dar ao trabalho de se
libertar do jugo do antigo sistema de governo, para voltar ao jugo maior e mais
humilhante do estado colonial, de que aliás já se libertara com a vinda da Corte.
(...) Somente mais de três semanas depois da primeira notícia, a 11 de novembro,
chegaram ao Rio as notícias desse triunfo completo da revolução em Portugal.
(VARNHAGEN, 1979, 279).
Neste trecho, o Visconde de Porto Seguro se refere à Revolução Constitucionalista do
Porto67
de 1820, em que novamente, coloca em primeiro plano a análise de um movimento
revolucionário e sua interpretação nesta disputa conceitual. O próprio caráter e finalidade
desta Revolução, e a adjetivação positiva com a qual se refere ao movimento português já nos
permite perceber algumas das características de seu pensamento; neste prisma a Revolução
não é colocada como malograda ou prejudicial.
Para esta análise, vale, em primeira instância destacar que as insatisfações que davam
tom a insurreição se vinculavam a algumas premissas políticas destacadas como importantes
por Varnhagen: cabe lembrar que o movimento visava, para além de outros pontos, atingir
objetivos liberais, do ponto de vista político, especialmente, alcançar uma constituição que
desmantelasse a monarquia absolutista portuguesa, sendo influenciado, de forma principal,
66
Reafirmo, com isto, a necessidade da compreensão da ideia de conservadorismos, no plural. Nem sempre as
diversas possibilidades de pensamentos e as diversas matrizes conservadoras caminham em convergência, como
podemos perceber, por exemplo, com a construção do pensamento conservador no caso brasileiro, observado no
primeiro capítulo. 67
Aborda esta temática no capítulo de História Geral do Brasil: Desde a Revolução Constitucional até ao
Regresso de Dom João VI para Lisboa.
79
pelos diversos movimentos já iniciados na América e em outras nações na Europa68
.
Neste sentido, Varnhagen tece elogios à Revolução Liberal, por estar, definitivamente,
inscrita naquela concepção de retorno analisada no capítulo anterior, ou seja, de acordo com
as premissas do Conservadorismo burkeano. A glória e característica exemplar da Revolução
estão, sobretudo, em algumas de suas premissas em favor da Constituição e seu interesse por
representatividade na esfera pública.
Por este mesmo motivo, paralelamente, se coloca como opositor de uma de suas
demandas: o interesse econômico na permanência do Brasil no status de colônia, que
caracteriza como “jugo humilhante”. Sobre esta, conclui que deveria triunfar, e em momento
algum se opõe a ela em terras portuguesas; entende, porém, que o Brasil deveria tomar o seu
exemplo, e não aderir e retornar ao jugo colonial.
E, com isto, destaco a centralidade de outro aspecto e conceito que se faz mister para a
compreensão de seu caráter conservador: a ideia de liberalismo deste século. Varnhagen
decididamente não é um reacionário, talvez seu conservadorismo se encaixe nas perspectivas
de relação, e não de reação – como fora abordado no primeiro capítulo – e neste sentido
muito de seu pensamento se conecta com algumas premissas e conceitos construídos ao longo
deste século, como é o caso do liberalismo, que como argumenta Renè Remond, é um dos
grandes fatos do século XIX (2018, p. 15).
O conservadorismo varnhageniano está ligado a este grande fato secular nas
perspectivas políticas, sociais e econômicas69
: ouso dizer que não é possível a compreensão
de seu conservadorismo sem mencionar o caráter liberal de seu pensamento. O historiador
aponta a necessidade de combater as injustiças, destaca também que as pessoas de almas
generosas devem se colocar politicamente (revolucionar), mas neste século de dificuldade de
lidar com tal termo: liberdade70
, o diplomata se coloca com cautela como defensor das
premissas liberais:
No caso de Varnhagen, em fins da década de 1840, a referência principal opõe o que
via como excessos da liberdade à necessidade da ordem. No confronto entre a
instabilidade e estabilidade política, o historiador sempre optou sem hesitar por esta,
mesmo porque entendia que os elementos básicos da liberdade – como a de
68
Vale destacar que movimentos ocorridos, principalmente, na Espanha, com demandas liberais similares,
tiveram grande peso e influência sob os movimentos ocorridos em Portugal neste mesmo período. 69
Sem dúvidas, no plano econômico podemos também vincular Varnhagen a vertente liberal, pois, claramente
alimentava preferência por iniciativas privadas, no entanto, vale ressaltar, que vislumbra, no caso do Brasil, por
exemplo, a necessidade de uma intervenção monárquica no que diz respeito ao incentivo à produção
(WEHLING, 2016). 70
Este é, além de fato do século, também termo imbricado e que produz discussões diversas no âmbito político e
conceitual, e, sobretudo filosófico nesta fase. O texto A Liberdade dos Antigos comparada a dos Modernos, de
Benjamin Constant, « De la Liberté cliez les Modernes. (Le Livre de Poche, Collection Pluriel. Paris, 1980.) », é
uma das obras deste período que simboliza este contexto.
80
expressão, a de associação e a de constituir um pacto político – estavam assegurados
no Brasil pela Constituição e pela monarquia constitucional. (WEHLING, 2016, p.
87).
Assim como muitos políticos e pensadores políticos de seu tempo, Varnhagen
participa deste mundo político de seu período, em que a ideia de liberdade é abordada com
cuidado para não ser associada automaticamente, a uma perspectiva revolucionária
progressista radical, por isso, inclusive sua aproximação a uma espécie de ideia
contratualista, vinculada a vertente de Montesquieu, ou até mesmo ao prisma de Benjamin
Constant. Em outras palavras, existiriam, para ele, prerrogativas fundamentais que norteariam
a sociedade – a ideia de um poder compartilhado, por exemplo, era apreciada pelo diplomata.
A estabilidade política mencionada acima era um dos elementos primordiais em seu
conservadorismo: a vertente jacobina deveria ser, sem sombra de dúvidas, evitada. A ideia de
uma revolução aceitável está vinculada à ideia de reforma, de uma moderação, que é
representativa de um conservadorismo que ganha forças nessa época em diversos países
europeus e americanos. O próprio Varnhagen se define desde a juventude como um
constitucionalista representativo e parlamentarista.
***
O aumento da facilidade das comunicações, que acompanha o desenvolvimento da
civilização, irmana de tal modo em sentimentos, assim os povos da mesma nação,
como os de nações diferentes, que não é raro em política que os ecos de uma
grande revolução se repercutam em paragens muito distantes, mediando só o
tempo necessário para se propagar a notícia. Memorável exemplo do que levamos
dito nos oferece a bem lograda revolução feita pelas colônias inglesas do Norte da
América, para se declararem nação independente da mãe pátria (...). Em França,
onde tanto entusiasmo havia pela revolução norte-americana, deviam os
brasileiros encontrar nesse mesmo entusiasmo incentivos e estímulos, para
imitarem o primeiro povo da América colonizada e cristã, que se emancipou,
proclamando sua nacionalidade (VARNHAGEN, 1979, p. 215).
Em oposição a todo contexto latino-americano, considerado como bárbaro pelo
historiador, insiste (representando a ideia de seu período), na perspectiva de civilização. Não é
difícil, como no trecho acima, verificarmos Varnhagen colocar tal conceito como parâmetro
para legitimar um movimento. Esta ideia civilizadora está pautada, sem dúvidas, no padrão
81
europeu71
de sociedade. Não podemos perder de vista que Varnhagen está, em boa parte do
tempo, na Europa72
, vislumbrando os acontecimentos do Velho Mundo e, tecendo críticas a
partir das novas ideias advindas deste contexto.
Por isso, o Estado brasileiro que ligava a América à Europa através do monarca73
, e,
portanto, o que estaria em um grau maior de civilidade, deveria ser representante oficial da
“ideia de civilização no Novo Mundo” (GUIMARÃES, 1988, p. 7). A ideia comparativa
(grau) de civilização é recorrente em suas análises, inclusive esta ideia está contida em HGB
e em Memorial Orgânico. No último, por exemplo, há um capítulo intitulado como
“Civilização dos índios por tutela”.
Propagar a civilização era tarefa imprescindível, por isso, no trecho destacado
Varnhagen aponta a Revolução Americana como bem lograda, se aproximando, inclusive, do
pensamento burkeano, já mencionado: para o historiador, as premissas políticas desta
revolução são exemplares, pois carregam consigo a ideia de independência, influenciando,
inclusive o movimento mineiro, por isso, é notável a diferença e o peso das críticas que tece
acerca do tentame revolucionário ocorrido em Minas e do acontecido em Pernambuco em
1817: sem dúvidas seu julgamento é mais brando com o movimento mineiro.
Estado iluminado, esclarecido e civilizador (GUIMARÃES, 1988), eis a ideia de
construção deste tipo de conservadorismo. Há uma conexão: civilizar tem vínculo com a ideia
de esclarecimento, que por sua vez, se conecta à moderação política, e ao chamado retorno
das estruturas – Varnhagen, assim como Edmund Burke, está ligado ao conceito de revolução
como movimento que só tem sentido a partir de uma perspectiva moderada, por isso, o
exemplo a ser tomado deveria ser o americano, e não o francês; neste sentido é imprescindível
destacar a perspectiva koselleckeana (1992) em que conceito e conteúdo possui uma relação
necessariamente tensa – esta é uma situação que expõe tal tensão na ideia de revolução.
“Precisamos civilizar o Império.” (VARNHAGEN, 2016, p. 167). É, então, para dar
71
É claro, dissemos em linhas anteriores, que o Visconde de Porto Seguro insiste no prisma da não imitação,
mas existem fundamentos, que, em seu pensamento, são intrínsecos ao homem. Não podemos esquecer a
perspectiva de Estado hegeliana. Portanto, a ideia civilizadora, advinda do solo europeu, ultrapassa, nesta
vertente, o lugar de onde surge. 72
A característica andarilha de Varnhagen é o tema principal do prof. Dr. Temíscles Cesar no artigo
“Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência” (2007). O visconde de Porto Seguro serviu ao
Império como diplomata na Europa em Lisboa, Madri, e Viena, além de locais na América como Santiago,
Lima, Caracas e Assunção. 73
Em sua dedicatória ao Imperador de sua História Geral, Varnhagen deixa claro a sua ideia de conexão entre as
perspectivas monárquicas e civilizadoras: “...associando-me ao ponto de da história da civilização do Brazil são
actos de Sua Imperial Magnanimidade” (1972, p. 3).
82
fundamento à ideia de civilização que Varnhagen constrói sua história74
, e nela, como o
próprio argumenta o ponto alto de uma sociedade, uma nação organizada por meio de um
Estado monárquico forte e com uma história nacional: “para ele, como para Martius, o
historiador deveria escrever do ponto de vista unitário nacional, o que se justificava por
fatores políticos e ideológicos de sua conjuntura” (WEHLING, 1999, p. 77).
Nesta afirmação de Wehling se encontra nossa análise do conceito analisado:
primeiramente, para o visconde de Porto Seguro, assim como para muitos de seu século, ser
historiador significava ocupar um cargo no serviço do Estado, construir um sentido que
integraria a nação, e, portanto, estaria vinculado a sua premissa conservadora da ideia de
unidade, e, chegando desta forma, ao ápice da civilização. Por isso, sobre a História Geral diz
em sua dedicatória:
(...) escrevê-la por mais puro amor da Pátria: - a publicá-la em vida por inteira
dedicação e obediência a sagrada pessoa de V.M.I [Vossa Majestade Imperial], cujo
reinado (que oferece já assunto a brilhantes páginas dignas da História) imploramos
todos os seus fieis súditos ao Altíssimo que perpetue por dilatados anos para glória
sua, esplendor do trono e felicidade do Brasil. (Carta ao imperador, mai. 1853,
p.203)
***
Por fim, argumentamos que, em oposição aos movimentos que buscavam desagregar,
Varnhagen abre seu segundo tomo com a palavra em que detemos nossa análise: revolução75
.
Nesta narrativa, seu estudo se volta à luta ocorrida no século XVII, a respeito da “invasão
holandesa”. Diferentemente, esta revolução reúne elementos que agregam e mobilizam o
patriotismo.
A notícia da revolução, e provavelmente já desta primeira vitória, foi em Portugal
recebida, como era natural, com grande satisfação; e por ventura contribuiu a que
fosse promulgado o decreto de 27 de outubro (1645), dispondo que os primogênitos
dos reis e herdeiros presuntivos da Coroa se intitulassem daí em diante, "Príncipes
do Brasil". (VARNHAGEN, 1972, p. 611).
Neste capítulo, sem dúvidas, há uma justificativa da guerra, pois em sua análise este
74
O prisma historiográfico varnhageniano é bastante característico de seu período, vinculado à perspectiva de
alcance da verdade com seus escritos, Capistrano de Abreu, por exemplo, afirmava que era um bandeirante em
busca da verdade. Esta busca pela verdade seja talvez, junto com a ideia de método, o elemento que o conecte,
de certa forma, com a vertente científica da historiografia deste período. Além de ser, sem dúvidas, de alguma
maneira, influenciado pela cultura alemã – “a exegese documental parece revelar a influência de Ranke” (REIS,
2006, p. 24). 75
Capítulo intitulado: Revolução de Pernambuco até a primeira ação dos Guararapes.
83
movimento gerou a possibilidade de união, sendo intitulado por Varnhagen, em uma de suas
cartas ao imperador, de célebre guerra, pois estreitou os laços patrióticos, ergueu o país do
torpor (REIS, 2006) para uma causa comum – sem dúvidas, o que poderíamos citar Lívio
(Apud ARENDT, 2011, p. 37): “É justa a guerra que é necessária, e sagradas são as armas
quando não há esperança senão nelas” (Iustum enim est bellum quibus necessarium, et pia
arma ubi nulla nisi in armis spes est). Se tratando do pensamento varnhageniano, sua
justificativa se encontra, sem dúvidas, no aspecto da construção da nação; da unidade; e da
coesão.
Portanto, revolução aqui pode ser chamada por ele “célebre” porque congrega todos os
fatores que merecem ser perpetuados. Ocorreu do seu ponto de vista, para que a estrutura
permanecesse, e vinculasse, em diversos aspectos, os elementos negro, indígena e português,
com evidente proeminência do último:
Finalmente, após longa reflexão, o historiador faz uma pausa e se indaga: “Em
definitivo: da invasão holandesa resultou algum proveito para o Brasil?” Mais
adiante, conclui categórico: “[...] se apresentou mais crescido e mais respeitável”.
No seu entender, a guerra contra o estrangeiro – o inimigo comum – assumiu o papel
de elemento catalisador. Transformou-se na força que aglutinou as três raças.
Combateram a mesma causa, brancos, índios e negros. (GUIMARÃES, 2001, p. 88).
Portanto, é evidente: os elementos políticos que envolvem a figura de Francisco
Adolpho de Varnhagen são inúmeros, e entre perspectivas agregadoras e desagregadoras
existentes na sinuosa compreensão de revolução é possível percebermos, igualmente, alguns
elementos do pensamento conservador de meados do período oitocentista.
84
3. POR UM AMANTE DO BRASIL: ABOLIÇÃO E REPUBLICANISMO COMO
IDEIAS REVOLUCIONÁRIAS
Un peuple qui a fait une revolution n‟en surmonte les perils
et n‟en recuille les fruits que lorsqu‟il porte lui-même, sur
les príncipes, les intérêts, les passions, les mots qui ont
présidé à cette révolution, la sentence du jugement dernier,
„separant le bon grain de livraie et le froment de cette paile
destinée ao feu76
.
François Guizot, De la Démocracie em France,
Bruxelles, 1849
Sendo algumas das principais discussões dos debates públicos ao longo de todo o
século XIX no Brasil e na América, as temáticas de escravidão e republicanismo, sem dúvida,
adquiriram maior pujança nesta fase do Império, ganhando, paulatinamente, protagonismo nos
meandros políticos. Como mencionado no primeiro capítulo deste estudo as leis de cunho
abolicionista, os movimentos sociais, as ações parlamentares, possuíam, em seu interior,
ideais revolucionários que influenciavam o contexto brasileiro.
Nesta etapa trataremos, portanto, de compreender como o pensamento conservador
varnhageniano, representativo de uma das matrizes dentre os diversos conservadorismos de
seu período77
, se manifestava diante das questões revolucionárias colocadas em seu próprio
tempo, ou seja, como dialogava e traçava o seu pensamento diante dos conflitos e ideias que
eram gestadas naquela fase política, no jogo parlamentar e intelectual.
Vale lembrar que o temor de Varnhagen sobre a ideia de uma imitação das
perspectivas políticas do Velho Mundo se dava também pelos eventos políticos vinculados à
ideia de “revolução” que via ocorrer em solo europeu. Discussões sobre república,
democracia e socialismo78
estavam em voga, e blindar o Brasil intelectualmente destes pontos
significava alertar aos estadistas da necessidade de uma interpretação conservadora Moderna
de “revolução”, que estava atrelada àquela perspectiva astronômica, e por isso, que a
premissa de uma mudança gradativa, sem destruição dos vínculos tradicionais estava no
horizonte da publicação do Memorial Orgânico (1849 e 1850), principal fonte de análise
neste capítulo.
76
Tradução da epígrafe: “Um povo que fez uma revolução só supera os seus perigos e só recolhe seus frutos,
quando ele mesmo traz, sobre os princípios, os interesses, as paixões e as palavras que guiaram esta revolução a
sentença do julgamento final, separando o joio do trigo e o fermento da palha destinada ao fogo” (Apud
MOREL, 2016, p. 46). 77
Pois, como já fora ressaltado, partimos da premissa da ideia de “conservadorismos”, no plural. 78
Vale lembrar que um ano antes da publicação de Memorial Orgânico, Marx e Engels publicavam na Europa O
Manifesto do Partido Comunista (1848).
85
As perspectivas de abolição e república estavam, sem dúvidas, na esteira da ideia
progressista de Revolução, e eram, possivelmente, duas das principais bandeiras dos
movimentos que se entendiam como revolucionários na América. Na epígrafe deste capítulo,
Guizot argumenta uma espécie de herança do ideário revolucionário, “da elaboração de uma
memória histórica das revoluções com o passado servindo de exemplo e lição para o presente”
(MOREL, 2005, p. 46); portanto, podemos compreender que este legado, ou herança
revolucionária, foi traçada ao longo do século XIX, ganhando outras faces, como era o caso
do socialismo na Europa, ou as questões emancipacionistas na América; e, com isso, havia
uma dilatação das discussões em torno das concepções do termo “revolução”.
Para os mais progressistas, Revoluções deste tipo – abolicionistas e republicanas –
eram uma esperança; para o viés mais conservador, um perigo em diversas instâncias,
principalmente, do ponto de vista de suas intenções, e concebidas como insubordinações e
rebeliões. E, nesta ótica e em diversas outras, seu aspecto polissêmico pode ser identificado
em diversos âmbitos; de fato, o pensamento conservador não é homogêneo. Podemos dizer
que, em amplo aspecto, o posicionamento dependerá dos interesses econômicos, nacionais,
políticos, intelectuais, etc., e neste âmbito, o Visconde de Porto Seguro deve ter o
conservadorismo atrelado, sem dúvidas, ao liberalismo filosófico e ao reformismo.
Neste prisma, portanto, podemos compreender que, vinculando-se a estes debates que
ganhavam amplitude, Varnhagen destaca em sua História Geral e em suas publicações aos
parlamentares estes aspectos. Inclusive no Memorial Orgânico observamos estes enunciados:
Regozijando-nos ao ver nas sessões parlamentares deste ano foram tratadas com
seriedade as questões do tráfico africano, da necessidade de uma nova divisão de
províncias, da segurança de nossas fronteiras da reforma de nossas academias, e
como neste e noutros assuntos governativos a opinião melhorou do ano passado pra
cá. (VARNHAGEN, 2016, p. 201).
Em sua primeira proposta para o Brasil, Varnhagen se coloca de forma anônima, e
nomeia o seu parecer de Memorial Orgânico: que a consideração das Assembleias Geral e
Provinciais do Império, apresenta Um Brasileiro, e ao final aponta: Dado a luz por um
amante do Brasil. O aspecto do anonimato de seu primeiro texto passaria, sem dúvidas, de
forma imperceptível (por ser algo comum), não fosse o fato de mencionar inúmeras questões
polêmicas, que estavam nos debates políticos e no ambiente intelectual de forma pujante, e
possivelmente, por este motivo fazia sentido sua precaução. Essa era sua intenção, colocar-se
nas discussões como construtor da nação e como ativista e pensador político. Por isso, na
introdução de sua segunda parte do Memorial Orgânico esclarece:
86
A primeira parte deste escrito, impressa e distribuída com um mapa, em fins do
passado ano de 1849, tinha por objetivo despertar a atenção pública, especialmente a
dos representantes da Nação, sobre algumas questões importantes para nossa melhor
organização; e levava, além disso, a mira de, em vez de adular, ferir e estimular o
amor próprio nacional, e obrigar muita gente a pensar, saindo da rotina.
(VARNHAGEN, 2016, p. 201)
Bom, o trecho acima é esclarecedor no que concerne ao seu pensamento político, e
alguns elementos merecem ser destacados do ponto de vista do estabelecimento de certa
elucidação de seu conservadorismo. O primeiro tópico que vale ser endossado é a perspectiva,
sempre presente nas obras varnhagenianas, da necessidade de consolidação dos já
mencionados, aspectos agregadores da nação.
Em sua construção historiográfica em História Geral do Brasil, escrevendo sobre seu
passado, Varnhagen está nitidamente preocupado em demonstrar como tais aspectos
(agregadores) se fizeram presentes na construção do Império até aquele momento. No
Memorial Orgânico, escrevendo sobre e para o seu presente, o diplomata está, além disso,
demonstrando suas preocupações e medos no tocante à permanência destes aspectos rumo ao
futuro, e propondo soluções para o que observava como problemas ou possíveis problemas,
que levariam à desagregação.
Destaquemos, pois, dois pontos da conjuntura política da qual Varnhagen é
representante: preocupação e medo. Primeiro, a preocupação perene com as ameaças, que, a
seu ver, sofria o poder imperial e, portanto, a unidade territorial, com as “revoluções nocivas”;
segundo, o medo das ações emancipacionistas já concretizadas no cenário americano. Por
isso, a utilização, por Varnhagen, no Memorial, de termos como perigo, risco, golpismo. Tais
termos explicam ou revelam o que permanecia continuamente no jogo político.
Outro ponto que vale ressaltar e que gostaríamos de acrescentar como forma de
compreender como se constituem suas ideias é o fato de seu Conservadorismo estar em
função do nacionalismo, em outras palavras, seu pensamento está em função da integridade
do país. Não podem ser analisados de maneira separada; e, por isso os seus posicionamentos,
não são tácitos a respeito dos diversos temas que permeavam os debates, pelo contrário,
dependiam sempre de sua interpretação do acontecimento político como algo benéfico ou
prejudicial do ponto de vista da conjuntura nacional, ou seja, da integridade e da integração79
nacionais.
79
Arno Wehling (2016), inclusive, aponta que as ideias de integridade do país e integração nacional são tão
presentes no pensamento político varnhageniano que se caracterizam como ideias-força para a compreensão de
seu pensamento. Wehling compreende o conceito de ideia-força na seguinte perspectiva: “O conceito de ideia-
força, que se deve ao filósofo oitocentista Alfred Fouillée, é útil para caracterizar duas das concepções mais
87
Seguindo este pensamento, ao tratar de suas ponderações a respeito dos movimentos
compreendidos ou vislumbrados como revolucionários por seus atores, Varnhagen se coloca
primeiro, como alguém capaz de auxiliar no combate aos elementos desagregadores;
segundo, via-se a si mesmo como um instrumento central para formar e solidificar as
estruturas estatais agregadoras, como diplomata, historiador e pensador político, ligando-se
às instituições cruciais para a manutenção do status quo por uma via segura, do ponto de vista
regressista, Saquarema.
3.1. Parlamento, História e diplomacia: diálogos institucionais e políticos
Arno Wehling tece a seguinte afirmação:
Todas as instituições, quer recentes, ou seja, já fundadas no clima da pós-
restauração, quer anteriores, refletiram em suas sessões e publicações esse processo
de ruptura e construção de um mundo novo, sob a égide e com instrumentos
racionalizadores das grandes polarizações ideológicas da época – o nacionalismo, o
historicismo e o romantismo (1999, p. 25).
Neste sentido, para compreender de que forma Varnhagen está dialogando com seu
presente, ou contribuindo intelectualmente para este, vale ressaltar com que instituições
partilha suas preocupações e anseios, sobretudo nacionais. O seu conservadorismo, sem
dúvida, se congrega e dialoga com algumas das principais instituições das quais participa
direta e indiretamente e, neste sentido, antes de prosseguirmos com as abordagens de
escravidão e republicanismo, cabe-nos destacar de onde partem e quais os objetos de foco de
seu pensamento.
Já argumentamos que cronologicamente nos encontramos dez anos depois do Regresso
Conservador no Parlamento Imperial, após, obviamente, da chamada, experiência
republicana, mas ainda com seus fantasmas, e este ponto da vida política é crucial e, por isso
é a primeira instituição a ser destacada: Varnhagen não é membro do parlamento, não é um
político propriamente dito, passou a maior parte da sua vida, como já fora mencionado, no
exterior, como diplomata; no entanto, o Visconde que escolhera o Brasil por nação,
presentes no pensamento de Francisco Adolfo de Varnhagen ao longo de toda sua vida. O conceito reagia contra
o determinismo mecanicista dominante no século XIX e a subordinação das ideias ao mundo material,
considerando-as uma força moral alimentadora da consciência, capaz de criar valores objetivos e autorreflexivos.
Constituiriam assim uma realidade objetiva tão concreta quanto às construções econômicas, sociais ou políticas.”
(WEHLING, 2016, p. 33).
88
preocupava-se, frequentemente com o caminho e as decisões no parlamento, e isto é
perceptível tanto no Memorial Orgânico, quanto em suas missivas a diversos estadistas80
. O
vínculo varnhageniano com a instituição parlamentar conservadora possui dois vieses, um de
convergência, e outro de divergência no tocante ao aspecto doutrinário.
Destaca-se o primeiro viés a partir do fato de Varnhagen representar uma geração
(GOES, 2016) a qual tinha diversos parlamentares como representantes, a exemplo de
Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos fundadores do Partido Conservador no Brasil,
portanto, um dos principais nomes desta geração, que é apontada, de forma geral, como
preocupada com as perspectivas agregadoras, vinculadas à tradição, e à mudança através da
ordem. O objetivo de parar o carro da revolução – progressista ou radical – não findou com a
ascensão dos saquaremas; o medo da desintegração existia, continuamente:
O Visconde do Uruguai, Ministro da Justiça e do Império, em 1841, explica com
outras palavras o pensamento dessa geração, na abertura dos trabalhos legislativos:
“Reconhece o Ministério que a primeira necessidade dos brasileiros era a maior
soma de liberdade com a mais perfeita segurança, e está também convencido de que
esse grande benefício só pode ser conseguido sob os auspícios da monarquia
constitucional que está em absoluta dependência da integridade do Império”.
(GOES, 2016, p. 77)
Embora o vínculo de Varnhagen seja indireto com o Parlamento, podemos dizer que
suas preocupações estavam, neste sentido, em congruência com os debates parlamentares,
bem como com as falas do trono. A primeira parte de seu Memorial Orgânico foi voltada
diretamente para os representantes da Nação, como o mesmo aponta claramente já na capa de
suas proposições e nas primeiras linhas de seu escrito. E, são estes apontamentos que
demonstravam tais preocupações e medos a respeito da integridade e integração do país; por
isso, a sua satisfação em receber a notícia de que alguns dos temas haviam sido tratados nas
assembleias com seriedade.
Se o viés da convergência se concretizava pelas preocupações, o viés da divergência
se constituía na solução para estas preocupações. Para o Partido Conservador, por exemplo, a
continuidade do sistema escravista era um elemento crucial para o crescimento da nação, e a
ordem não seria afetada por esta instituição, mas caso fosse, deveria haver uma resposta
imediata pela força e pela repressão de possíveis movimentos. Para Varnhagen, no entanto, a
“solução” para manter a unidade era livrar-se do perigo negro, como analisaremos a frente,
pois a escravidão se caracterizava como uma ameaça constante à nação.
80
Em sua Correspondência Ativa (organizada por Clado Ribeiro) podemos ler diversas cartas enviadas a
membros do parlamento, como, por exemplo, o Visconde do Uruguai.
89
Esta primeira conexão institucional simbolizava o diálogo constituído através dos
pontos de confluências e discordâncias entre o pensamento varnhageniano e o pensamento de
um determinado partido. E evidencia, sobretudo, o diálogo entre os tipos de pensamentos
conservadores e as, também diversas, perspectivas de construção e solidificação da nação.
A segunda instituição com a qual Varnhagen vinculou-se – desta vez de forma direta –
foi o IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) 81
. Neste, atuou como diretor de seu
museu e como primeiro-secretário, além de organizar a biblioteca da instituição. Foi,
inclusive, em diálogo com tal instituto que elaborou a principal obra de sua vida, a já
mencionada História Geral do Brasil (1854 e 1857).
É através desta instituição e em suas pesquisas historiográficas, na referida obra, que o
Visconde de Porto Seguro82
deixou claro, primeiro: que este seria o seu legado. Como a maior
parte dos historiadores deste período, e como a própria História era vislumbrada de forma
geral, enxergava-se como um importante instrumento para a chancela da nação brasileira
perante o contexto internacional, e para a coesão interna. Em segundo lugar, o Visconde da
História defendia ser portador de uma história oficial, pois o que construía estava pautado em
pesquisas documentais e, portanto, portadoras da verdade. Por isso, defendemos a perspectiva
de que o pensamento conservador varnhageniano está sempre em função de seu nacionalismo
e, portanto, de sua construção nacional: tudo em Varnhagen estava em função desta premissa,
porque nela estaria contida, de certa forma, a ideia de verdade.
Esta atuação institucional, portanto, não deve ser ignorada ao tratarmos de suas
ponderações sobre as temáticas revolucionárias de seu tempo, pois não surpreende àqueles
que já tiveram algum contato com textos a respeito do século XIX dizer que este Instituto
representava a política regressista de seu período, e dava voz, de forma majoritária, à vertente
conservadora da política imperial83
, em outras palavras, era o tentáculo saquarema no âmbito
81
A Fundação do IHGB está, sem dúvidas, vinculada a ascensão da História enquanto ciência e baluarte de uma
nação, e neste prisma está anexada ao molde de outras instituições neste mesmo modelo que surgiram na Europa,
destacando-se, principalmente, o Institute Historique de Paris (IHP): “Desde sua fundação, em 1834, até 1856,
muitos brasileiros, dentre os quais alguns dos principais representantes políticos do mundo oficial do Império,
participaram das atividades do Instituto [francês], fato que inspirou a criação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, em 1838. Daí, pode-se pensar a influência desse grupo sobre intelectuais brasileiros do início do
século XIX. Em 6 de abril de 1834, quando foram aprovados os estatutos do Instituto, tornou-se oficial o seu
caráter exclusivamente histórico, expresso no objetivo principal da Sociedade, a saber, estimular e propagar os
estudos históricos na França e no estrangeiro (Estatutos – Atas manuscritas)” (CARRARO, 2003, p. 2). 82
Inclusive, o título de “Barão de Porto Seguro” (em 1871), e depois de “Visconde de Porto Seguro” (em 1874)
foi concedido a Varnhagen por sua grande contribuição para a História oficial da nação, já que este foi o local
onde aportaram os primeiros navios portugueses. Vale destacar que é possível verificar em diversas cartas ao
Imperador, após a entrega da HGB, os pedidos insistentes do historiador por um título nobiliárquico. 83
É claro que devemos salientar que as opiniões acerca da construção nacional não eram uníssonas neste meio
intelectual e geravam inúmeros conflitos dos quais Varnhagen foi partícipe de maneira direta e efusiva, no que
diz respeito aos diferentes pontos de vista quanto aos meandros da representatividade do país.
90
intelectual e, do ponto de vista deste projeto político, a concretização mais bem acabada no
que tange à cultura (WEHLING, 1999).
Em resumo, destacamos um apontamento de Arno Wehling, em que traz à tona
importantes aspectos para as discussões vindouras, vinculadas à existência do Instituto.
Concordamos com a afirmação do autor que sustenta que seu principal substrato era:
A existência de uma elite política “moderada”, vinculada ao movimento do regresso
e que se opunha, ideologicamente, tanto ao modelo político jacobino e sua solução
democrática, quanto ao modelo neoabsolutista da restauração. A existência de uma
quantidade considerável de não-cidadãos (escravos) e de cidadãos passivos (os
homens livres pobres, não aptos pelo censo ao exercício do sufrágio) fazia com que
esse grupo recusasse as soluções “liberais radicais” que poderiam colocar em risco a
propriedade territorial e sua própria liderança política – ameaças em 1838 eram
concretas, já que ocorriam, simultaneamente, a Cabanagem, a Sabinada, a Balaiada e
a Farroupilha (WEHLING, 1999, p. 35).
Portanto, a instituição estava preocupada, sobretudo, com os movimentos que
poderiam acarretar em ações de cisão radical com o status quo, ou seja, o âmbito cultural era
crucial para a continuidade do projeto conservador e para a vitória na disputa terminológica.
E, vinculando-se a esta perspectiva, destacamos a terceira participação institucional
varnhageniana: a diplomacia84
, que em amplo aspecto auxiliou sua construção historiográfica.
No entanto, pensaremos neste estágio a respeito de sua preocupação enquanto
diplomata com a própria diplomacia; ou seja, como lidava e pensava as questões de território
e de diálogos internacionais como representante da instituição imperial. Neste sentido,
destacamos a sua colocação em Memorial Orgânico em que aponta tal preocupação, dizendo
que:
...em toda a vastíssima fronteira do Império os nossos limites por assinar de um
modo terminante. E o mais é que não são menos de nove as nações limítrofes de
quem dependem as negociações a respeito... Anularam o sábio tratado de 1750,
caducou o de 1777, e o Império só está devidamente limitado pelo oceano. Adiante
veremos se há meio de sair quanto antes desse estado que para os vizinhos deve ser
tão desagradável como para nós (VARNHAGEN, 2016, p. 76).
Como destacamos anteriormente, a geração de Varnhagen estava preocupada com a
questão da unidade. Bom, do ponto de vista da diplomacia isto significou, após a
independência, uma preocupação latente com as fronteiras/limites do país85
. O Visconde Porto
84
Como já fora mencionado, sua vida diplomática foi constituída entre os anos de 1842 a 1878, e pode ser
estruturada em quatro etapas: a portuguesa (1842-1847), a espanhola (1847-1858), a sul-americana (1859-1867),
em que auxiliou com as definições das fronteiras com seu conhecimento histórico, e a austríaca (1867-1878). Ou
seja, exerceu este cargo até a sua morte em Viena, no ano de 1878. 85
A questão da definição territorial foi a principal discussão do corpo diplomático brasileiro durante o século
XIX, o limite geográfico “foi o tema básico de nossa história diplomática até a primeira década do século XX”
(GOES, 2016, p. 83), passando a se preocupar, de forma mais abrangente com outros assuntos internacionais
após tal delimitação.
91
Seguro, assim como muitos de seu contexto compreendiam a diplomacia como uma espécie
de instrumento mantenedor da unidade e proteção nacional.
Este aspecto não se resumia ao ponto de vista geográfico, mas significava, de alguma
forma, defender o país das “ideias perigosas”, como inúmeras vezes definiu Varnhagen em
seus escritos, a respeito das filosofias políticas que, em sua perspectiva, pudessem afetar o
governo monárquico constitucional, principalmente, a filosofia republicana que
caracterizavam os países limítrofes.
Varnhagen estava ligado a um grupo que, passando pelo Ministério dos Negócios
Estrangeiros até outras áreas da vida pública/política brasileira, estavam ligados às questões
diplomáticas do governo tais como o Marquês do Paraná (1801-1856), o Visconde do
Uruguai86
(1087-1866) e o Visconde do Rio Branco (1819-1880), que em amplo aspecto,
dedicaram-se às questões geopolíticas.
Por isso, no Memorial Orgânico, ao apontar a preocupação com a questão da capital,
por exemplo, propondo uma mudança para um local na parte central do país, estava, sem
dúvida, visando o aspecto da defesa territorial, da unidade e da integridade nacional. É
interessante destacar que, após os primeiros Enunciados, o autor parte, imediatamente, para as
questões dos limites territoriais e da capital, ou seja, o Varnhagen que aponta e oferece
sugestões para o seu tempo estava extremamente ligado às perspectivas de publicista e
diplomata, e estas características se conectam à sua preocupação com a tradição que defende.
Em outras palavras, importava defender a coesão social, a unidade política, a História e os
limites territoriais87
constituídos a partir da chegada e dos acordos portugueses, que destaca
no trecho destacado (1750 e 1777). Estes eram pontos tradicionais no Brasil, em sua análise,
e o que devia ser conservado.
Por esta razão, destacamos o seguinte trecho escrito em 1849 por Varnhagen que,
paralelamente destaca a discussão precedente e introduz nossos próximos tópicos:
O Brasil é uma Nação cujas raias com as vizinhas nações estão por assinar; um
Império cujo centro governativo não é o mais conveniente; um País cujo sistema de
comunicações internas se o há, não é filho de um plano combinado; um território
enfim cuja subdivisão em províncias é desigual, monstruosa, não subordinada a
miras algumas governativas e procedente das primeiras doações arbitrárias feitas, há
mais de três séculos pelos reis portugueses [...] Temos cidadãos brasileiros; temos
escravos africanos e ladinos, que produzem trabalho: temos índios bravos
completamente inúteis ou antes prejudiciais; e temos pouquíssimos (infelizmente)
colonos europeus (VARNHAGEN, 2016, p. 107)
86
“Paulino disse e escreveu várias vezes: não era engrandecer o território do Império, era dar segurança à Nação
e estabilidade às relações com os vizinhos” (GOES, 2016, p. 91). 87
“O Visconde de Porto Seguro conhecia bem a necessidade de termos limites claros e reconhecidos e, por isso,
foi chamado pelo Visconde do Uruguai para assessorá-lo no período mais ativo de nossas negociações
fronteiriças no Segundo Reinado” (GOES, 2016, p.97).
92
3.2 Escravidão nos escritos varnhagenianos
A experiência de escravizar e ser escravizado não escapou ainda uma
só família humana.
José de Alencar
Escravidão-liberdade é um dos assuntos-chave quando se trata de compreendermos ou
traçarmos uma espécie de mapeamento das diversas linhas de pensamento político no Brasil.
Tanto pensadores conservadores quanto progressistas entravam corriqueiramente neste
debate, e, se tratando do Visconde de Porto Seguro, podemos mencionar que, sem dúvida, o
tema era uma de suas preocupações quanto ao que pretendia construir do Brasil, enquanto
nação.
Os debates sobre liberdade e escravidão se ampliavam, principalmente por ações
antiescravistas que existiam por meio de uma herança revolucionária vinculada à insatisfação
crescente com as condições de cativeiro. Fato é que no Brasil o quadro revolucionário
ganhava novos rumos e a filosofia Liberal, como já fora mencionado, possuía um valor
político forte, que no tocante ao Império brasileiro foi importante também na concepção e
aprofundamento da ideia de ser livre; como argumenta Chalhoub (1990, p. 73): “para os
negros, o significado da liberdade foi forjado na experiência do cativeiro”, e tal significado
inflamou-se com esta herança da ideia de revolução.
No que concerne ao posicionamento varnhageniano, podemos dizer que não é possível
sermos taxativos, de forma simplista, a respeito do que pensava sobre o cativeiro e sobre a
liberdade. Sua famosa querela com os indianistas pode confundir o leitor iniciante no que se
refere ao pensamento do autor, visto que é enfático quanto à defesa da escravização indígena,
no entanto, sua posição com relação a isto é, antes de qualquer coisa, complexa do ponto de
vista conceitual.
Como já fora dito anteriormente, discutir o pensamento conservador é compreender
suas nuances, e quanto ao que se refere à Varnhagen e sua relação sobre esta temática,
significa dizer que há um relativismo88
em seu posicionamento quanto ao grupo a qual a
abordagem da escravidão se refere, e quanto ao impacto da escravidão na grande questão
nacional. Ou seja, neste prisma podemos detectar que o pensamento varnhageniano sobre o
88
Assim como as outras abordagens do pensamento varnhageniano, as temáticas da escravidão e republicanismo
estão, igualmente, sendo tecidas em relação à questão nacional (unidade).
93
assunto está em concordância com sua historiografia e com a preocupação latente dos
políticos brasileiros deste período com tal questão:
Soberania, crescimento econômico, raça, cidadania, ordem social e resistência
escrava. Eis os principais temas subjacentes às discussões políticas sobre a
escravidão e tráfico negreiro no Império do Brasil, desde 1826 até 1865. Localizá-
los é tarefa necessária, e suficiente, pois eles tendem a adquirir sentido em questões
mais amplas, que envolvem constantemente, por parte dos agentes históricos, leitura
do quadro mundial e ação no nível local, decisões governamentais e concepções
sobre o regime representativo, articulação de partidos políticos e atuação de grupos
de eleitores. Para apreender os debates sobre a instituição ao longo as décadas, é
necessário reinseri-los em seus respectivos contextos e recobrar as principais forças
em jogo a cada momento. (PARRON, 2009, p. 30).
As forças em jogo que buscavam influenciar a disputa eram diversas: políticas,
econômicas, sociais, intelectuais. A questão escravidão-liberdade atingiu, paulatinamente,
uma amplitude tamanha que, ocasionaria no final do século, mesmo que de forma tardia, se
comparado a outras nações, a Lei Áurea. No entanto, neste meado do século XIX – período
que nos é relevante – as questões liberais, sobretudo vinculadas à abolição, atingiram outro
patamar. Era crucial para a política regressista estabelecer e dialogar internacionalmente
sobre o futuro do cativeiro no país. E, é a partir daí que alguns intelectuais e publicistas,
incluindo Varnhagen, se manifestaram a respeito deste tema:
Claro está que perpassa pela doutrina e pelo debate político da época o confronto
entre a liberdade e os seus limites, o que atingia o âmbito da igualdade, num país de
sufrágio censitário e escravidão. No próprio Varnhagen, embora faça questão de
manter-se afastado dos desdobramentos dessas questões tanto no plano teórico
quanto no do varejo político da época, as referências ao pacto social representado
pela Constituição e ao “vulcão” escravo demonstram seu conhecimento do assunto e
sua clara opção pela “ordem”, que na sua concepção equivalia a estabilidade social,
centralização política e homogeneidade étnica. (WEHLING, 2016, p. 88).
De fato, o debate público sobre liberdade, igualdade ganhavam pujança no meio
intelectual, no entanto, é possível, a partir do trecho acima, repensar em uma ideia de
afastamento de Varnhagen destas discussões. O sorocabano opina, escreve a respeito, e não só
aborda os problemas nacionais, mas busca colaborar com soluções para estes problemas.
Entende-se então, que estava ativamente na cena política, como no caso da escravidão, que
não apenas demonstra sua opção pela “ordem”, mas suas ações no caminho de mantê-la.
Estas ações se constituíam, principalmente, em vista de combater a face
revolucionária, neste caso, dos movimentos em prol da liberdade. Destaquemos, pois, o
aspecto revolucionário da abolição e ainda, a influência da filosofia revolucionária nestes
eventos que, como iniciamos neste capítulo, estavam vinculados ao pensamento progressista e
em contínua discussão.
94
O debate entre a ideia de revolução e de revolta permeava o ambiente público
brasileiro, e para o pensamento conservador este era, sem dúvida, um terreno caudaloso, visto
que atingia questões de diversas naturezas, e revelava a polissemia do Conservadorismo em
torno do assunto. Por exemplo, para Pereira de Vasconcelos89
a justificativa da escravidão se
dava em torno das questões econômicas e de civilizacionais, isto significa dizer que para o
político havia um vínculo entre desenvolvimento estatal e a escravidão, e apoiava a ideia do
benefício da convivência do escravo com a civilização para o seu próprio auxílio. Para José de
Alencar90
, a alegação se constituía por questões de propriedade, ou seja, do direito do dono
sob o escravo, além de observar como uma instituição natural em qualquer sociedade. Já para
Varnhagen, em oposição a estas vertentes, a escravidão afetava a premissa da integridade
nacional, era prejudicial ao crescimento do Império, e deveria ser excluída para que o Brasil
não se tornasse uma África.
A partir deste entendimento, destaquemos que, para o Visconde de Porto Seguro, o
tema da escravidão africana é analisado como um problema em diversos âmbitos, ou como
um perigo, termo este utilizado em diversas ocasiões pelo intelectual ao tratar do assunto.
Palavra esta [perigo] que dá tom à nossa análise, pois, para o publicista, a escravidão africana
ameaçava, em amplo aspecto, a segurança social, por um motivo simples: geraria inimigos
internos à pátria, ocasionando revoltas. Em seu Memorial Orgânico, Varnhagen recorre aos
antigos para aconselhar o seu presente sobre as consequências do cativeiro:
Conta Heródoto que, em uma incursão que fizeram os Citas na Média, sublevaram-
se os escravos durante a ausência dos senhores, e que estes se viram obrigados a
ceder-lhes as terras, e a emigrar. Aristóteles, na sua Política, ao expor o difícil que
era tratar os escravos, para que nem a brandura os fizesse insolentes, nem a dureza
lhes excitasse vinganças, revela-nos como os Lacedemônios, nos casos de perigo,
viam-se sempre ameaçados pelos seus hilotas, e como muito frequentemente em
Tessália se revoltavam os escravos penestas. Passemos por alto a degolação de Tyro,
“exemplo e terror do universo”, segundo a expressão de Justino, e as insurreições de
Herdônio e Espártaco, que fizeram estremecer a Itália, quando a bela Itália tinha
escravatura. Os exemplos da jovem América dão-nos a cruel certeza de que a raça,
ou a cor da pele, não fazem variar as tendências de todos os escravos, e nos
aconselham a não deixar de consultar a verdadeira mestra da vida, como tão
filosoficamente chama Cícero à história. (VARNHAGEN, 2016, p. 211).
Obviamente, não há para no pensamento varnhageniano uma associação entre os
movimentos legítimos de reformas com as possíveis sublevações escravas. Os termos
89
O líder do Partido Conservador argumenta que “a África civiliza a América” (PARRON, 2008), no sentido
que proporciona, através do cativeiro e do trabalho braçal, o ócio necessário aos cidadãos do Novo Mundo para
alcançarem a civilização. 90
Mencionamos aqui apenas uma das preocupações alencarianas a respeito da questão da escravidão/liberdade,
no entanto, em suas cartas endereçadas ao imperador o intelectual desdobra diversos aspectos a respeito da
escravidão no país. Verificar Cartas a Favor da Escravidão (PARRON, 2008).
95
utilizados de forma insistente são “revolta”, “levante”, e ainda “rebelião”, apontadores da
corriqueira querela em torno das palavras que permeavam o ambiente político e chancelavam,
ou não, os movimentos sociais. Varnhagen estava como demonstra no trecho, ciente de
eventos escravos no continente americano, e por isso, possuía a cruel certeza do perigo
iminente de levantes.
No Memorial, primeiramente, aponta a escravidão africana como um problema do
país, ou ainda como uma enfermidade. Tanto é desta maneira que na segunda etapa do mesmo
escrito propõe “soluções e remédios” para aquilo que se configura como doença na
civilização, ou seja, o caso do cativeiro precisava, em sua análise, ser solucionado já que,
desde o século anterior, os movimentos promovidos por escravos e livres em torno do fim do
cativeiro tinham se intensificado.
Como sua análise se pautava pela distinção entre forças agregadoras e
desagregadoras, Varnhagen inicia esta discussão mencionando o prejuízo para a população
brasileira em ter escravos africanos e neste aspecto argumenta: “a escravatura dos africanos
torna o país escravo de si próprio” (VARNHAGEN, 2016, p. 120), pois, a médio e longo
prazo, pela quantidade de escravos, o país se tornaria uma catinguenta Guiné. Ou seja,
etnicamente seria um prejuízo.
A partir disto, podemos destacar que uma característica importante no pensamento
conservador varnhageniano em relação a este tipo de escravidão é que o historiador era
opositor ao cativeiro91
, com a seguinte ressalva: sua oposição estava longe de caracterizar
uma premissa da filosofia abolicionista, e consequentemente, não era antagônica a todos os
tipos de cativeiro. O sentido de sua declinação à escravatura dos africanos era a ideia de que
esta não estimulariam os tais aspectos agregadores, pelo contrário, esta situação poderia levar
a insurreições e cisões em diversos âmbitos da sociedade, ou seja, sua oposição à escravidão
resultava do Conservadorismo.
Isto se dava por uma questão: para Varnhagen os africanos e seus descendentes eram
vistos sempre pela perspectiva do inimigo interno, por este motivo também há, em seus
escritos, um distanciamento nas palavras que utiliza, para se referenciar aos cativos. Termos
como “essas pessoas”, “essa gente” são usados com frequência pelo diplomata. Esta menção
conecta à outra perspectiva importante: a dificuldade ou impossibilidade de agregar os
91
Neste âmbito é possível perceber as tais nuances do pensamento conservador oitocentista, pois figuras como
José de Alencar, por exemplo, se posicionava como justificador do cativeiro e pensava numa (irremediável)
abolição gradual. Talvez os dois pensamentos se encontrem nesta última característica.
96
africanos à população. A ideia da homogeneidade tinha raízes europeias; e esta era a linha
varnhageniana para nortear a nação brasileira, portanto, tal afastamento para referenciar a
matriz africana não era uma simples separação entre cativos e livres, mas significava uma
delimitação do que compunha a nação e daquilo que “não fazia parte dela”.
***
Alguns anos antes de Varnhagen publicar a sua História Geral do Brasil e de traçar
propostas para o futuro em seu Memorial Orgânico, o alemão Karl von Martius publicava em
1840 a sua conhecida dissertação apresentada ao IHGB, intitulada Como se deve escrever a
História do Brasil (2010). Percebemos claramente o diálogo da história varnhageniana com o
texto de Martius e como a questão negra/escrava permanecia como um problema a ser
resolvido, pelo menos na visão varnhageniana.
Havia duas alternativas para o historiador: a primeira seria o retorno92
dos escravos à
África, e vinculada a esta, a segunda solução seria a homogeneização étnica por uma espécie
de diluição da matriz negra (e indígena) pela matriz portuguesa93
, que seria a principal das
três, e que expressa a intertextualidade com a obra de Martius, à exemplo da seguinte
sentença:
A colonização africana teve uma grande entrada no Brasil, podendo ser considerado
um dos elementos de sua população, o que nos obriga a consagrar algumas linhas a
essa gente de braço vigoroso. Mas fazemos votos de que um dia as cores de tal
modo se combinem, que venham a desaparecer totalmente do nosso povo as
características da origem africana e a acusação da procedência escrava de um dos
troncos da população brasileira (VARNHAGEN, apud REIS, 2006, p. 43).
Outro trecho em que destaca este aspecto, apontando-o como um dos referenciais para
as suas opiniões contrárias à escravidão africana, bem como o levantamento do problema é o
seguinte: “É necessário tratar de equilibrar as raças, proteger por todos os modos seu
cruzamento, para assim termos, daqui a um ou dois séculos, uma população homogênea,
condição essencial para evitar no futuro contínuas guerras civis” (VARNHAGEN, 2016, p.
120).
92
Ideia complicada, visto que muitos já haviam nascido no Brasil, entretanto, o que podemos compreender com
tal proposta é que, para Varnhagen, a identificação cultural dos cativos seria com a África e não com o Brasil;
para ele, poderiam permanecer somente os nascidos livres. Sobre a discussão em torno do fim do tráfico,
verificar: Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil, 2017, de Beatriz Mamigonian. 93
Opinião esta que dialogava, em amplo aspecto, com as opiniões de Martius.
97
Portanto, conter e eliminar o vulcão escravo através destes mecanismos era uma forma
de promover a ordem, de dar continuidade ao projeto nacional da forma moderada, sem a
necessidade de conflitos, principalmente aqueles que se pretendiam revolucionários. Vale
ressaltar, a mencionada Revolta dos Malês ou Grande Insurreição, ocorrida anos antes de
seus escritos, mais especificamente em 1835 na Bahia, que, juntamente com outros
movimentos revolucionários criou uma tensão constante, ou como analisamos nesta pesquisa,
um sentimento de perigo iminente e medo constante para Varnhagen, que neste sentido
recorre insistentemente à Mestra da Vida com o intuito de alertar a seus contemporâneos:
As rebeliões de escravos manumissos nos tempos antigos e modernos, e as dos
mouriscos na Espanha no século XVI, nos ensinam a prudência com que devemos
proceder para levar a cabo essas medidas [liberdade], embora benéficas. É essencial
ou restringir muito os direitos de toda raça que se está libertando, ou obrigar os
libertos, para entrarem neste gozo, a deixarem o país, ou impedir-lhes que vão
muitos morar em povoações etc. (VARNHAGEN,2016, p. 214).
Ou seja, para o autor era uma questão de tempo até que a instituição escravista, tida
por muitos como auxiliadora do desenvolvimento (um engano para o autor), gerasse uma
insurreição irreversível. E, por conta disto, paulatinamente, deveria ser extinta, pela
segurança do Estado, pois “matá-la de um tiro equivalia a soltá-la, e solta nos devoraria”
(VARNHAGEN, 2016, p. 214).
Os exemplos não advinham somente do passado mais longínguo, como na citação
acima, mas igual e principalmente das ocorrências próximas a seu contexto: chamada por
Varnhagen de hidra94
, a escravidão africana era, sem dúvida, vinculada a um problema do
ponto de vista nacional, como a questão da Revolução haitiana, conhecida por muitos como
perigo de São Domingos95
, e que era frequentemente utilizada como exemplificação
prejudicial por diversos políticos e intelectuais, vinculados, em alguma medida, ao
pensamento conservador, e isto inclui o Visconde de Porto Seguro:
O triunfo exclusivo dos africanos no Haiti é um aviso a todos os pardos da América,
sobre a sorte que os esperaria, se eles se unissem aos negros contra os brancos. A
supremacia ultranegra despreza a raça parda, ao passo que os brancos admiram nela
a força intelectual europeia, subordinada à muscular da etiópica (VARNHAGEN,
2016, p. 215).
94
Ou hydra, como era escrito no século XIX. Termo oriundo da Mitologia grega, “a hidra era uma referência
frequente no imaginário e retórica política, tanto na Europa como nas Américas. Na visão dos representantes do
Estado, representava a multiplicidade monstruosa, caótica e anônima da expressão e da revolta popular,
multiétnica e multilinguística da época colonial: marinheiros, escravos urbanos ou fugidos, e posteriormente
trabalhadores rurais ou das manufaturas urbanas. Hércules, por sua vez, como semideus filho de Zeus, supremo
deus do Olimpo, era a representação do Estado que esmaga aquela monstruosidade” (ARAUJO, 2017, p. 57). 95
Ou ainda, chamada de “haitização”, ou seja, o medo de outras rebeliões (revoluções) negras/escravas.
98
Neste sentido, o caso haitiano de fins do século XVIII e início do XIX realmente havia
gerado um alerta geral por seu caráter revolucionário e republicano, radicalmente opositor aos
brancos. Por exemplo, num dos artigos da Constituição nacional do Haiti havia o seguinte
ponto: “nenhum branco, qualquer que seja a sua nação, poderá pisar este território a título de
amo ou proprietário e não poderá no futuro adquirir nenhuma propriedade” (Apud MOURA,
2013, p. 359).
Pois bem, como argumenta Clóvis Moura (2013), criou-se uma atmosfera
revolucionária através de sua repercussão. Havia uma inegável circulação da ideia de
liberdade, tanto no Novo quanto no Velho Mundo, e a despeito das tentativas contrárias, as
premissas liberais e revolucionárias também adquiriram significado para os escravos, “a
revolução de São Domingos impulsionou uma revolução na consciência dos negros de todo o
Novo Mundo” (Idem, 2013, p. 359). Mencionando o próprio Varnhagen, Moura (2013)
recorda que o diplomata em sua análise sobre a Inconfidência Baiana de 1798, diz ter receado
que, se ela tivesse saído vitoriosa, teria ocorrido no Brasil as mesmas cenas deploráveis de
São Domingos.
Portanto, novamente verificamos dois elementos importantes a partir da ideia do
medo: primeiramente a proteção do Estado-nação, vinculada aos elementos que
correspondiam ao que podemos chamar de tradição brasileira96
, e o segundo aspecto,
importante para a nossa análise, a disputa existente em torno dos movimentos pela liberdade a
respeito da ideia, e principalmente, do termo “revolução”.
Como podemos perceber o próprio uso da terminologia “cena deplorável”, por parte
de Varnhagen, sobre o evento haitiano, demonstra a tentativa de não colocar os
acontecimentos de São Domingos como sinônimos da ideia de revolução. Então, neste caso, a
disputa terminológica seria ainda mais ampla do que a simples utilização de adjetivos
pejorativos para demonstrar oposição ao evento, como fez no caso da Inconfidência Mineira,
por exemplo. O embate estaria, então, no fato de o historiador sequer ponderar o evento como
revolucionário. No âmbito da escravidão, a manifestação política radical não é uma
alternativa, e, se tratando de insurreições escravas, é compreendido como insubordinação,
rebelião; não é, em sua análise, uma “revolução”.
96
Como argumentamos, tal tradição brasileira está vinculada, sobretudo aos elementos portugueses (matriz
referencial) agregados aos elementos que encontraram e trouxeram ao Novo Mundo: herança política
monarquista e Constitucional, territorial do Descobrimento e acordos internacionais, coesão social.
99
No intuito então de evitar que estes eventos ocorressem e causassem danos amplos,
Varnhagen propõe leis antiescravistas, principalmente vinculadas aos filhos de escravas, e
neste sentido destaca:
Para que os senhores não fiquem interessados em favorecer a propagação da raça
africana, convém que eles tenham a certeza que será livre todo o filho de escrava
nascido de 1853 em diante, apenas este cumpra os 12 anos. Antes desta idade seria
cruel abandoná-lo, e depois seria tarde, pois haveria tomado os hábitos e prevenções
da servidão (VARNHAGEN, 2016, p. 214).
Vinculando-se às diversas discussões existentes sobre o tema já naquele período,
Varnhagen propõe uma lei muito mais “radical” do que a lei que será promulgada em 28 de
setembro de 1871. A lei 2.040/1871 consideraria que a liberdade seria concedida de fato após
os 21 anos97
, principalmente para que se pagasse o prejuízo ao senhor. Mesmo diante disso, a
lei sofreu forte oposição do Partido Conservador, e o decreto definiu uma série de benefícios
aos proprietários.
Já a proposta varnhageniana apontou uma medida muito mais imediata, ou seja, em
1853, os filhos das escravas, após os doze anos, adquiririam a liberdade plena, para evitar,
sobretudo, o desejo de propagação e protelação do sistema escravista. A liberdade era um
assunto de urgência para a defesa nacional e a unidade territorial, tão prezadas por todas as
esferas conservadoras. Por este motivo é que a questão dos filhos de mães escravas havia sido
levantada pelo Visconde de Porto Seguro tanto na primeira, quanto na segunda parte do
Memorial Orgânico.
De maneira paralela, teceu elogios à lei “Eusébio de Queiróz”, assinada em 1850
(mesmo ano em que publicava a segunda parte do Memorial Orgânico), e propôs uma espécie
de aprofundamento de tal lei, com a ideia de retorno daqueles que haviam sido traficados, e de
forma anexa demonstrava a sua preocupação como diplomata com a eficácia desta lei e
possíveis problemas que deveriam ser solucionados para sua efetiva aplicação:
O primeiro empenho deve ser concluir de todo com o tráfico da costa. Com a Lei de
4 de setembro deste ano pode-se dizer que o Brasil meteu uma lança em África; mas
isso só pelos bons desejos que essa lei descobre; pois para o fim a que se propôs não
passará de um simples tiro de azagaia. Além de gravosa ao Estado (que toma
injustamente sobre si, não só pagar certas quantias pelos escravos que se apreendam,
como até reconduzi-los ao seu tisnado país) é insuficiente, e o tempo no-lo provará.
Tem o Brasil demasiada extensão de litoral para poder guardar este, quando
necessita empregar melhor a sua pouca marinha, e quando a audácia dos piratas vai
crescer tanto mais quanto mais aliciadores forem os lucros. Haverá no mar
traficantes contrabandistas enquanto na terra se pague a mercadoria
(VARNHAGEN, 2016, p. 212).
97
Como argumentam alguns críticos do gradualismo, a Lei do Ventre Livre que fora promulgada significou uma
forma de dar segurança aos proprietários de um sistema escravista assegurado por mais uma geração, pelo
menos.
100
Ou ainda neste outro trecho:
Ao marcar o prazo para se acabar com a venda se poderiam indicar alguns distritos,
v.g., o do nosso primeiro departamento, as ilhas da nossa costa, a comarca de
Paracatu etc., onde não se permitiria mais a escravatura, já para segurança do estado,
já para se ensaiarem desse modo novos sistemas de colônias europeias etc. Ao
expirar o prazo indicado, cada senhor teria feito inventariar seus escravos, com os
sinais, nação etc., sob pena de perder o direito a eles em caso contrário. De então por
diante, qualquer compra ou venda, ou troca de escravos por outros, ou por efeitos,
seria considerada crime de pirataria (VARNHAGEN, 2016, p. 213).
Nestes dois aspectos se daria na prática a sua proposta de findar o tráfico tanto no mar,
quanto em terra, através de dois pontos que o próprio Varnhagen ressalta, o primeiro de
combater o excesso de escravos, e o segundo, que servirá de elã para a nossa próxima análise:
afim de que o Brasil seja mais do Brasil e menos dos negros (VARNHAGEN, 2016, p. 160).
Ou seja, na análise varnhageniana, a figura do escravo é a figura do “outro”, e “o outro”
significa perigo.
***
Egoístas insensatos! Já no primeiro parágrafo de sua proposição da segunda parte
(1850) no Memorial Orgânico sobre o tema, Varnhagen se utiliza destas palavras para se
referir àqueles que imaginavam ser necessária a entrada de mais africanos em terras
brasileiras para o trabalho na cultura da cana e do café. Neste aspecto entende que isto afetaria
o futuro da nação, pois o escravo africano é sempre, em sua abordagem, “o outro”, portanto é
aquele que pode afetar o desenvolvimento nacional, e neste sentido adverte: “Ora, pois,
tenhamos mais patriotismo e não atraiçoemos o futuro do Brasil” (VARNHAGEN, 2016, p.
160).
Estes são pontos cruciais: os esforços intelectuais de Varnhagen focavam na
construção de um país sólido, do ponto de vista político e étnico, portanto, discursos
sobrepostos, antagônicos e revoltosos eram, sem dúvidas, prejudiciais à integração nacional.
A incerteza não é um bom terreno para uma pátria em construção, a razão de Estado deveria
101
estar acima de qualquer ideia parlamentar: “foram considerações de Estado, mais que de
[economia política]98
que pesaram em nossas opiniões” (VARNHAGEN, 2016, p. 164).
Pois bem, o Estado brasileiro deveria ser defendido dos aspectos desagregadores em
potencial. E, é em nome de sua perspectiva nacional que conduz seus escritos no Memorial
Orgânico: “É o patriotismo que nos conduz outra vez (...). É ele quem nos impele, e nos
clama continuamente – avante! É ele quem nos rouba o sossego e o sono enquanto não
passam ao domínio público, pela imprensa, as ideias que nos inspiram” (VARNHAGEN,
2016, p. 202).
Outro ponto relevante para o pensamento varnhageniano a respeito da escravidão
negra/africana é o aspecto da civilização, o exemplo europeu da Idade Média deveria ser
seguido: deixam de ser escravos e passam a ser servos, e como justificativa recorda com
insistência que isto poderia evitar uma rebelião:
Reformemos esta parte mais odiosa da nossa servidão: esta pode ser uma
necessidade, um fato, e não atacar a dignidade do pobre servo; mas a ideia de ser
vendido a dinheiro, quando já não se é boçal, deve ser a mais humilhante para um
homem, de qualquer cor, que tenha sentimentos. Não plantemos a ignomínia, pois
por fruto não pode ela dar senão rancorosa vingança (VARNHAGEN, 2016, 213).
Partindo de uma filosofia liberal, influenciado fortemente pelos filósofos e pensadores
europeus e pelas próprias circunstâncias políticas ocorridas na Europa, Varnhagen se antepõe
ao modelo de escravidão do Império do Brasil. Há uma ideia filantrópica crescente no
contexto europeu99
e brasileiro, e diversos intelectuais do período mencionam tal perspectiva
e o historiador não agiu de maneira diferente. É importante compreender que esta ideia de
filantropia, ou seja, o amor a outrem influenciado pela perspectiva político-religiosa do
período estava presente em suas discussões, principalmente pelo fato de ser uma das
principais premissas filosóficas de seus opositores. No entanto, mesmo esta ideia era abordada
com ressalvas por Varnhagen e, no Memorial, lançou inúmeras críticas à filantropia
concebida por alguns pensadores.
Para ele estava claro: havia uma perspectiva humana, filantrópica, no entanto, existia
igualmente, e em paralelo, a perspectiva civilizacional. Este era um aspecto que, justificava
por um lado a escravidão, pois as luzes iriam se difundindo pelos escravos, mas também fazia
98
“Caridade”, escrito em suas anotações. Destacamos tal aspecto por ser importante compreendermos a ideia que
temos defendido neste estudo de que também estes elementos (de concordância ou oposição a certas políticas)
estão em função de seu nacionalismo. 99
Vale ressaltar também que havia uma pressão religiosa no tocante ao cativeiro: em 1839, por exemplo, o papa
Gregório XVI publicou a todos os fieis a bula In Supremo em que condenava o tráfico de negros e quaisquer
outros homens. Portanto, advinha de diversas filosofias a crítica à escravidão, e também, muitas eram as
diferentes perspectivas sobre a liberdade.
102
com que esta [a escravidão] precisasse findar, a fim de que fosse ampliado o número de
brancos, ou seja, de civilizados100
no país. Neste sentido defende o seu ponto de vista da
seguinte forma:
Temos a escravatura por lícita, e até conforme com o Evangelho e com o voto dos
publicistas, quando necessária para a segurança do Estado, e melhor governo dos
cativos. Cremo-la ilícita e bárbara quando é possível evitá-la e isso se não faz. E que
diremos quando até se promove indo longe por ela? Sustentam todos no Brasil que
os africanos melhoram de sorte deixando suas pátrias e passando à América, onde
são bem cuidados e doutrinados na fé. Pode ser: mas os seus filhos? Mas eles
mesmos depois de doutrinados e civilizados não ganhariam mais em ficar livres? Se
os trouxestes da África por bem deles, completai vossa obra. Dai-lhes a liberdade
(VARNHAGEN, 2016, p. 164).
Pela pátria, então, se deveria, primeiro, impulsionar que os negros que ainda
estivessem em situação escrava passassem a condição de servos; segundo, que diminuindo o
número de africanos101
, e até findando o seu trabalho, passasse este então, para os brancos,
pois para ele se configurava como traição e mentira a perspectiva de que o branco não
pudesse trabalhar na terra. Não trabalhariam, no entanto, se tivessem que pegar a enxada ao
lado do escravo, e, neste sentido propunha:
Trabalharão os brancos menos horas ao sol, v.g., desde as 6 às 9 da manhã, e desde
as 4 às 6 da tarde. E quem no Brasil trabalhar no campo cinco horas por dia
recolherá mais que o europeu que trabalhe dez. Das restantes seis horas pode aplicar
parte ao descanso, parte a caçar pelo mato ou a trabalhar em casa (VARNHAGEN,
2016, p. 161).
Nesta perspectiva, cabe-nos ressaltar a principal solução trazida por Varnhagen no que
se refere à escravidão, para cessar as tendências ao tráfico africano, e que gerou a conhecida
querela com os românticos brasileiros102
: a sua posição sobre a escravidão indígena. O
Visconde era categórico em sua defesa: “Para suprir seus braços [negros], cumpre que se
tomem providências acerca dos indígenas, fazendo que se tire destes o possível proveito”
(VARNHAGEN, 2016, p. 120).
Civilização dos índios por tutela – este é o título que inicia a segunda parte a respeito
desta discussão no Memorial Orgânico e que utilizaremos como norte por condensar o
pensamento varnhageniano acerca do cativeiro indígena. Primeiro não fazia sentido para
Varnhagen a tentativa dos indianistas de agregar os indígenas à nação e não cobrar-lhes
100 Em História Geral do Brasil, no capítulo em que trata da escravidão africana, por exemplo, Varnhagen
argumenta sobre o perigo da perversão dos costumes, e dos hábitos sem pudor e menos decorosos dos escravos. 101
Desta forma argumenta o seguinte: “É cegueira ou perversidade proteger a entrada de mais africanos”
(VARNHAGEN, 2016, p. 161). 102
É possível perceber, por exemplo, a forma consideravelmente menos belicosa com que trata a temática na
segunda parte do Memorial Orgânico, por conta, principalmente, das críticas inflamadas que gerou a sua
primeira publicação. O próprio Varnhagen destaca este aspecto antes de iniciar a segunda etapa de sua proposta
para o Brasil com relação aos indígenas.
103
civilidade e deveres, isto chamava de forma pejorativa de caboclismo. Em sua opinião,
faltava-lhes, sobretudo, vínculo à terra: “Não sabeis que essa gente era e é nômade, e sem
assento fixo; e que só aproveita do território enquanto nele acha caça?” (VARNHAGEN,
2016, p. 167). Estes eram pontos suficientes para que o historiador argumentasse que eles,
embora habitantes da terra, não possuíam vínculo patriótico, portanto, não eram donos do
território; pois caso fossem os brasileiros seriam, então, invasores. Mas não o eram, pois os
indígenas não fundaram um Estado, não tinham direitos sobre a terra, portanto, pois não
estavam nos padrões civilidade.
Em amplo aspecto, a premissa da pátria tinha vínculo com a ideia de civilização: o
tripé fé, lei e rei ao não possuir significado para os indígenas, abria margem para a
dominação, tanto do português, quanto do brasileiro, e para a justificação da conquista:
Precisamos civilizar o Império, fazer todos em toda a sua extensão obedecer ao
pacto proclamado, e a experiência de mais de meio século tem provado a
insuficiência dos meios brandos que são justamente os mais gravosos para o Estado.
Se necessitamos, pois, seguir a conquista, que quer dizer ir-se consolar os rebelados
levando-lhes presentes de facas e machados? Tem-se visto com sua paciência
converter esses ferros em pontas de setas, que no ano seguinte despedem contra os
seus benfeitores. Que mais jus têm eles para, só por sua incapacidade moral, estarem
excluídos do Código Penal? Não constituem eles uma rebelião armada dentro do
Império? (VARNHAGEN, 2016, p. 167).
Pois bem, os índios bravios não deveriam possuir uma vivência paralela à ideia de
Estado. Isto, em primeira instância representa um perigo, e em segunda, significa a
permanência da barbárie em meio à civilização brasileira. Era necessário se defender do que
classificava como roubo da civilização, e não aguardar inerte que estes aceitassem as luzes.
Para isto, a tutela dos indígenas seria imprescindível, e segundo ele, os brasileiros teriam todo
o direito de conquista103
, “pois não há direito de conquista mais justo que o da civilização
sobre a barbárie” (VARNHAGEN, 2016, p. 217). Esta característica era tão relevante para
Varnhagen, que segundo Temístocles Cezar (2018), nisto se configura o centro de sua escrita
da História. E, é nesta mesma perspectiva que o historiador elogiava as ações dos
bandeirantes e, paralelamente, apoiava a continuidade do sistema das bandeiras. Isto
solucionaria dois problemas: o da barbárie e da possível rebelião.
A filantropia no pensamento varnhageniano significa, então, oferecer a civilização,
sem a crueldade que identificava, por exemplo, nos Estados Unidos: utilizou, inúmeras vezes,
palavras como educação e humanidade, com que deveriam ser tratados os índios para que
103
“O primeiro direito de todas as nações foi o da conquista” (VARNHAGEN, 2016, p. 167). A premissa da
guerra justa também participa desta mesma opinião a respeito de tal direito.
104
fossem bons cidadãos e bons cristãos. Mudar a forma de vivência dos índios era uma
urgência do ponto de vista patriótico, e nesta premissa continha a preocupação, que falamos
no início deste tópico: o futuro:
(...) esperamos que a todo o tempo se fará justiça à abnegação com que defendemos
uma causa tão pouco simpática. E se não mudarmos de sistema, e daqui a meio
século ou mais os índios se acharem como hoje, haverá quem diga em 1900 ou em
2000 que houve alguém que em 1850 apresentou no Brasil uma jurisprudência capaz
de produzir resultados (VARNHAGEN, 2016, p. 218).
As ideias que não levavam em consideração, antes de tudo, a questão nacional
vinculada à tradição brasileira defendida pelo diplomata – como era o caso da perspectiva dos
indianistas104
– configuravam-se para ele como, uma pseudofilantropia. Neste ponto,
recordemos a sua crítica à imitação dos aspectos europeus, principalmente no tocante às
novas ideias e às doutrinas filosóficas que eram antagônicas ao seu pensamento:
Estávamos para deixar esta simples indicação aos nossos políticos, receosos de que a
exposição completa de novas ideias a tal respeito prejudique outras de nossas
propostas. Há hoje em dia uma tal praga de falsos filantropos, graças a Rousseau105
ou a Voltaire ou a não sei quem, que a gente em matéria de índios quase não pode
piar, sem que lhe caiam em cima os franchinotes, com estas e aquelas sediças teorias
pseudofilantrópicas (VARNHAGEN, 2016, p 165).
Agregar, portanto, com o trabalho braçal seria uma contrapartida justa por parte dos
indígenas. Agregá-los à população significava desagregar menos o povo, no sentido nacional.
Do ponto de vista da escravidão, o pensamento conservador varnhageniano é, sem dúvida,
repleto de sinuosidades. Para este conservador era a razão de Estado, vinculada às ideias de
liberdade e civilização, que deveriam ser o norte do pensamento dos estadistas e intelectuais
sobre a escravidão. Não faria sentido deixar totalmente livre o índio bravio, e, tampouco faria
sentido a continuidade da importação de africanos para escravizar. Ambos prejudicariam o
Estado, pois causariam automaticamente, levantes, revoltas, revoluções...
3.3 A res publica nas penas varnhagenianas: o contexto e o conceito
Antes mesmo de ser um partido político no Brasil oitocentista (passa a ser somente em
1870), o republicanismo era compreendido como uma linha de pensamento, uma filosofia, e,
104
Nomeados por Varnhagen, de maneira sarcástica, de filotapuias. 105
Verificar o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”. Em alguns tópicos
deste ensaio, Rousseau argumenta a respeito da questão dos “selvagens”.
105
principalmente, ao longo de toda a fase imperial – e mesmo antes dela106
– um dos lados da
política brasileira. Os jornais e folhetins que se vinculavam à ideia da república, por exemplo,
já se dirigiam à seus leitores como “republicanos”, ou seja, escreviam a todos aqueles que
abraçavam, de alguma maneira a esta ideia, e muitos destes periódicos utilizavam, inclusive, o
modelo instituído pela fase republicana francesa como grande norte dos acontecimentos
políticos brasileiros, e utilizavam inclusive dos artefatos simbólicos inaugurados neste
contexto, como foi o caso do calendário republicano107
(ou revolucionário) francês.
Além disso, antes mesmo do século XIX, o resgate do termo res publica dos Antigos
já estava espalhado pelas sociedades europeias, utilizado por qualquer gênero de estado.
Bluteau destaca em 1728 como o termo ganhou uma grande proporção em seu contexto:
Venezianos e genoveses chamam os seus Estados de República, sendo o governo
deles propriamente Oligárquico, id est, Governo de poucos. Em Itália, além da
República de Veneza, e Genova, há a república de Luca, e de S. Marino. A
República de Ragusa é em Dalmacia. Os treze Cantões dos Suiços são República.
Também temos na Europa as Respúblicas de Geneva, e Hollanda. Na África há uma
república chamada Brava ou Barraboa, nas terras de Azania, perto do rio Quilmanco.
(BLUTEAU, Apud ARAUJO, 2017, p. 91).
Paulatinamente, a ideia republicana se alastrou no período setecentista, e no século
XIX se intensificou de tal maneira que, podemos dizer que suas utilizações não se resumiam
mais a um hábito, apenas. Diferentemente das interpretações ou significações atuais, ou a
despeito delas, algo estava claro para os republicanos do século XIX: o republicanismo era
um desdobramento natural e uma das faces (ou fases) do processo revolucionário, trazendo
inclusive, novos conceitos em seu conteúdo, como é o caso das ideias de indivíduo,
propriedade, e, sobretudo, da pessoa com direitos e obrigações garantidos, ou seja, a figura do
cidadão entrou assim, na cena política. E, em oposição a tal perspectiva, em outras palavras,
para o pensamento de matriz conservadora – em que nesta fase não se adequa em nada à
filosofia republicana – republicanismo não significava nada além de desordem.
106
Já na fase colonial podemos identificar alguns discursos republicanos ou fortemente influenciados por tal
linha de pensamento político. Como analisa a prof. Dra. Heloisa Starling (2018), embora seja uma ideia
praticamente esquecida, a tradição republicana e seu conceito se faziam presentes na América, sendo tema de
discursos políticos, especialmente em tons críticos à Coroa portuguesa e ao fato de os interesses particulares se
sobreporem ao interesse público, ou seja, da coisa pública, como é possível notar, por exemplo, em alguns
sermões do pe. Antônio Vieira: “Tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares. Perde-
se o Brasil, senhor, porque alguns ministros de sua majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm cá buscar
nossos bens” (Apud STARLING, 2018, p. 13). 107
Calendário com base solar, instituído em 1792 na França, mais especificamente na fase jacobina da
Revolução, como forma emblemática, sobretudo, de iniciar um novo tempo, não mais vinculado às premissas
religiosas católicas, mas sim ao discurso do científico e universal. Na concepção deste calendário está contida a
perspectiva republicana de que, a partir daquela instituição, o tempo também seria secular e público, e nas
palavras do idealizador do calendário, Fabre D‟Eglantine: “Não podemos mais contar os anos em que os reis nos
oprimiam como um tempo em que vivemos” (D‟EGLANTINE, apud. NORA, 1989, p. 468).
106
Neste sentido, vale destacar então, os significados que o conceito de “república”
adquire no período oitocentista não só na Europa, mas também no Brasil. O dicionário de
Morais e Silva, por exemplo, destacou o conceito de república da seguinte forma:
O que pertence, e respeita ao público de qualquer estado; v.g. “convém a República,
que todos trabalhem. Estado, que é governado por todo o povo, ou por certas
pessoas, a República das Letras; i.e os homens letrados, ou Litteratos (MORAIS
Apud ARAUJO, 2017, p. 92).
Naquele período, a ideia republicana, ou seja, de res publica (da coisa pública), estava
sendo resgatada em oposição proporcional a da ideia da coisa particular, como era visto o
regime monárquico por seus críticos naquele contexto. Ou seja, a nação não poderia ser
propriedade de um governante, e no seu início a ideia estava vinculada, especialmente, em
oposição ao Absolutismo. Os acontecimentos com diretrizes republicanas, em oposição ao
sistema político absolutista, tornavam-se então, cada vez mais emblemáticos e influentes no
contexto ocidental, desde o corte da cabeça do rei, no período da Revolução Francesa, ou a
instauração da Segunda República em 1848 no mesmo país, ou ainda a proclamação de uma
República Negra no Haiti, e no Brasil, o movimento Pernambucano.
Outro aspecto é a ideia de uma Constituição, que comporia a perspectiva republicana,
e seria o símbolo principal da oposição ao interesse particular: a revolução americana, a
revolução haitiana, os movimentos de independência hispano-americanos, ao se
estabelecerem promulgaram uma Constituição; este era o principal ponto, destacado
inicialmente por Kant108
e levado adiante ao longo de todo o século XIX. Seria ela quem daria
norte as antigas e novas nações, e tal foi sua abrangência que posteriormente foi destacada
também pelos regimes monárquicos, que, na fase da Restauração, precisaram abrir
concessões. As premissas que outrora estabeleciam a vida política foram totalmente
ressignificadas, e grande parte dos pensadores políticos passaram a defender a ideia
constitucionalista:
O direito público é um sistema de leis para uma pluralidade de homens que, estando
entre si numa relação de influência recíproca, necessitam de um estado jurídico sob
uma vontade que os una, necessitam, isto é, de uma constituição, para partilharem
do que é de direito (KANT Apud Bobbio, 1998, p. 1108).
Na esteira destas características, apontamos o aspecto do federalismo. Segundo
Bobbio (1998), era primordial para a República uma extensão modesta, do ponto de vista
territorial, e isto foi o que ocorreu, por exemplo, com as diversas nações vizinhas do Brasil
108
Ver A Metafísica dos costumes. Kant destaca a importância da questão constitucional como forma de servir de
guia para as sociedades.
107
que proclamaram suas independências, ou ainda com os Estados Unidos, que se dividiram em
federações, com autonomia administrativa. Esta era uma das principais demandas, do ponto
de vista político de diversos republicanos também no Brasil, desde a independência: uma
divisão em federações, ou maior autonomia (demandas estas que geraram uma série de
insurreições e debates na esfera pública).
De fato, o republicanismo trazia consigo, nesta fase, uma conotação revolucionária,
como dissemos desde o início deste capítulo. E queremos dizer com isto, que esta
característica transpõe a ideia de um levante em oposição à instituição monárquica. A
perspectiva da “República” era revisitada neste período como forma de estabelecimento de
novas premissas políticas. Diversas insurreições que antecederam as instituições republicanas
vieram acompanhadas do nome “revolução” (no viés progressista do termo), tanto na Europa,
quanto na América, em geral. E, ao longo de todo o século (culminando no século XX) o
conceito de “república”, passa a agregar, em seu conteúdo ainda mais significados – sufrágio,
representação, democracia – que aumentaram ainda mais a contraposição à ideia monárquica,
ainda que constitucional; ou seja, em meados do século XIX, com a expansão dessas ideias,
os ditos medos e preocupações dos conservadores, que viam no Republicanismo uma ameaça.
Para o Brasil estes medos se materializavam na ideia da ameaça territorial e da
necessidade da proteção das fronteiras. Do ponto de vista da política governamental
significava defender o Estado do republicanismo das nações vizinhas, no tocante,
principalmente, às ideias que poderiam se disseminar no território imperial, e neste quesito
Varnhagen se preocupava demasiadamente. Podemos dizer que para o historiador defender-se
das ideias era tão ou mais importante quanto defender-se belicamente, e neste aspecto buscou
auxiliar em seus escritos.
Ao imperador Varnhagen se dirige nestes termos:
(...) que o empenho principal que me guiou a pena no Memorial Orgânico foi o de
promover desde já com a maior segurança possível a unidade e integridade do
Império futuro, objeto constante de meu cogitar. – A possibilidade e a conveniência
de tal unidade, ainda na época do porvir em que o Brasil possa chegar a contar mais
de cem milhões de habitantes, quando o espírito público se forme pela história de
um modo idêntico, foi por mim sustentada tenazmente em 1851 em muitas
discussões com meus amigos deputados pelo norte, e não perco ocasião de pregá-la
na História Geral, que por si só, se for adotada nas Academias, há de contribuir e
muito a elevar o patriotismo e a harmonia do espírito nacional, fomentada pela
igualdade de educação de todos os súditos (Carta ao Imperador, Jul.1857).
Varnhagen é insistente nestes aspectos – unidade e integridade – e, é ele mesmo quem
aponta tal aspecto na carta ao imperador destacada acima. O Visconde não se afasta de tais
preocupações. Seu pensamento, e a característica de seu conservadorismo, que buscamos
108
analisar aqui, definitivamente não se aparta destas premissas, e por elas, discute
obstinadamente com parlamentares e deixa contundente ao imperador. Inclusive, se manifesta
de forma clara ao tratar do cativeiro, e também do viés republicano da política, do qual é
claramente opositor, visto que, da ótica de seu pensamento (e pelos exemplos vizinhos), o
republicanismo seria sinônimo de divisão e instabilidade, ao passo que a monarquia
sintetizaria a ideia de unidade e ordem.
Este aspecto não era uma característica apenas de Varnhagen; ele representa o que
Lacombe (1967) chamou de ardente entusiasmo monárquico deste período: “Parlamento,
imprensa, teatro, poesia, caricatura, todo o Brasil fremia de entusiasmo e se declarava
monárquico” (LACOMBE, 1967, p. 138). Isto se dava pela própria conjuntura política,
principalmente após o imaginário criado com os acontecimentos regenciais, ou seja, da ideia
de desordem e levantes, e pela necessidade de se opor ao pensamento revolucionário
progressista e, especialmente neste contexto, republicano e até mesmo democrático, que
igualmente, crescia.
***
Varnhagen era totalmente constitucionalista, e este aspecto é consensual entre seus
estudiosos a partir da clareza dos escritos em relação a esta questão, que estava vinculada ao
seu patriotismo e a ideia que carregava de tradição brasileira, que tinha como cerne o poder
monárquico, que deveria ser resguardado e não contaminado e diluído por certas ideias, ou
seja, ideias ligadas aos republicanos. Por isso, a explicação seguinte ao Imperador sobre como
constituía seu pensamento para concepção de seus escritos:
Em geral busquei inspirações de patriotismo sem ser no ódio a portugueses, ou a
estrangeira Europa, que nos beneficia com ilustração; tratei de pôr um dique a tanta
declamação e servilismo à democracia; e procurei ir disciplinando produtivamente
certas ideias soltas de nacionalidade (...). (Carta ao Imperador, Jul. 1857).
O fato é que o fenômeno iluminista, com suas devidas ressalvas (como é o caso de
Rousseau), influenciava vastamente a visão varnhageniana a respeito dos acontecimentos
políticos e sobre o conceito de política, e neste caso analisado, de Constituição. As ideias de
Kant e Montesquieu na questão constitucional e de divisão de poderes e etc. davam tom aos
debates políticos neste sentido, e o Visconde de Porto Seguro, por sua formação e vivência
109
europeia, sem sombra de dúvida, estava eivado das filosofias políticas neste sentido. E, a
partir disso, se apresenta tanto a sua defesa ao constitucionalismo, quanto a sua justificação da
monarquia. Neste viés está em concordância com Montesquieu que afirma que:
Estas leis fundamentais pressupõem necessariamente a existência de canais médios
por onde flui o poder: pois se existe no Estado apenas a vontade momentânea e
caprichosa de um só, nada pode ser fio, e consequentemente, nenhuma lei pode ser
fundamental (...). Não é suficiente, numa monarquia, que existam grupos
intermediários; precisa-se ainda, de um depósito das leis (MONTESQUIEU, 1996,
p. 26).
Ou seja, é perceptível, em seu pensamento (moderno e conservador) a
imprescindibilidade de uma constituição; e igualmente, a necessidade de evitar o viés
republicano ou democrático, pois o que observava na Europa e no Brasil eram movimentos
que em sua visão, possuíam significados concordantes com as ideias de revolta, levante,
sublevação. E, podemos dizer a respeito do último, que Varnhagen concordava com a
conceituação de Morais e Silva (APUD ARAUJO, 2017,p. 96), que definia como uma
rebelião, uma sublevação de súditos “contra seu legítimo Senhor, Superior ou rei”.
Ou seja, o embate conceitual se dava em diversas esferas, e destaco aqui que, para o
Visconde de Porto Seguro, a política se desdobrava na ideia de monarcas e súditos, e não de
representantes e cidadãos, mesmo que a perspectiva constitucional estivesse presente. Para tal
pensamento, o republicanismo seria, então, uma revolução malograda, por não se tratar
daquela ideia revolucionária que reequilibraria e recolocaria nos eixos a vida política.
Portanto, para seu conservadorismo tais premissas revolucionárias estavam em oposição à
ideia de verdadeira revolução, ou seja, uma revolução no sentido burkeano, mais
especificamente, daquele retorno dos astros, do revolutio.
110
3.3.1.1 Primeira estratégia: Fronteira defendida
Como diplomata e estrategista109
do século XIX, a principal preocupação
varnhageniana se dava em torno da ideia de defesa das fronteiras do país, como já
mencionamos ser esta uma preocupação importante de sua geração. Atrelado a esta
perspectiva, podemos destacar o seu caráter de intelectual, mais especificamente de pensador
e ativista político, que compreendia que esta defesa deveria prevalecer à medida com que as
ideias políticas revolucionárias se alastravam nos ambientes mais longínquos e nas sociedades
em geral. Neste aspecto, diferentemente ou de forma muito mais ampla que os outros
políticos, a preocupação fronteiriça de Varnhagen se centrava na ideia de que defender os
limites significava, paralelamente, defender-se das ideias políticas advindas dos outros pontos
da América, ou seja, defender as fronteiras da entrada das ideias.
Dividimos, neste ponto então, em duas partes as preocupações varnhagenianas em
relação ao republicanismo: primeiro, o medo destas ideias advindas das fronteiras, ou seja, das
revoluções vizinhas que influenciavam e aprofundavam as insatisfações dos revolucionários
brasileiros. E, em segundo lugar as preocupações com os próprios movimentos que já
existiam no Império do Brasil, que se intensificavam e arrefeciam periodicamente110
. A partir
destes dois aspectos, portanto, podemos traçar a interpretação e relação e embate do
pensamento conservador do historiador com as matrizes republicanas.
Já na introdução de sua primeira parte do Memorial Orgânico (1849), Varnhagen
deixa claro que a defesa do território era algo tão importante que pensava ser a vocação de
Dom Pedro II enquanto Imperador, dando continuidade ao crescimento e enraizamento da
nação, iniciado desde seus antepassados:
O primeiro soberano que viu a América franqueou os portos do Brasil e elevou-o à
categoria de reino. O segundo emancipou-se com uma coroa imperial. Qual deve ser
a missão do terceiro?... Do primeiro soberano nascido no novo mundo?
Respondamos: a de organizar fundamentalmente e assegurar para sempre o seu
vasto Império. Força, perseverança, valor político, olhos no futuro – e adiante!
(VARNHAGEN, 2016, p. 111).
109
A característica de estrategista advinda de seus conhecimentos em História, Geografia e na área militar é
inclusive, levantada pelo evento em homenagem ao intelectual feito pela FUNAG, em 2016, mencionado no
início deste trabalho. Ver “Varnhagen: Diplomacia e Pensamento Estratégico”, 2016. 110
Vale lembrar que muitos movimentos revolucionários (ou que se intitulavam desta forma), movidos pela
insatisfação com a centralização monárquica, desembocaram em movimentos federalistas, e por vezes,
republicanos, como foi o caso da Revolução Farroupilha, por exemplo, que gerou a República Rio-grandense,
existente entre os anos de 1836 e 1845, ou a própria Revolução Praieira, de cunho federalista e liberal. Portanto,
podemos afirmar que, no imaginário coletivo, os acontecimentos republicanos eram presentes, tanto para
conservadores, quanto para progressistas.
111
Esta, que pensava ser a principal função do novo imperador, dizia muito a respeito do
que o Visconde pensava a acerca desta temática para o Brasil: era crucial, era o cerne em
torno do qual outras questões orbitariam. Por isso, no capítulo que segue a introdução
(Capítulo II), o diplomata destacou seu principal ponto: “Limites”, em que ao criticar a
ineficácia dos tratados fronteiriços, salientou a necessidade de negociar com as nações
vizinhas, sendo elas: Montevidéu, República Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador e
Venezuela; além da Inglaterra e França, que colonizavam as respectivas Guianas.
Tais negociações baseavam-se em tornar perceptível a estas nações o poder bélico,
diplomático, e institucional do Império, principalmente no que tangia à força da monarquia.
Para Varnhagen, se houvesse alguma cisão nas relações diplomáticas entre o Império e os
países vizinhos, seria necessária então, uma rápida investida, militarmente falando:
Por ocasião de qualquer acidental ruptura de boas relações com esta ou aquela
república, houvéssemos de mandar forças à competente parte da fronteira. Nem se
diga que, por serem pequenas e fracas essas nações aí limítrofes, podemos nós estar
descuidados; para nos fazermos respeitar é necessário estarmos fortes: se não o
estivermos, mais vergonhosa e vexatória será a ofensa que receberíamos se víssemos
alguns de nossos vizinhos entrando-nos impunemente por casa. E convençamo-nos
de que para entrar em guerra basta estar em paz. (VARNHAGEN, 2016, p.157).
Como forma de salvaguardar as fronteiras e ampliar a utilização do território, há outro
componente que Varnhagen considera como partícipe desta tradição brasileira, que é a figura
do bandeirante. A característica do desbravamento e da habitação proporcionaria a
continuidade e o auxílio da vocação imperial de seu período de proteção do território. O
bandeirante era, no seu pensamento, aquele que, consequentemente, imporia os limites
territoriais:
Daí a exaltação do bandeirante, de que ele se proclama orgulhosamente
consanguíneo, e a admiração pelos que ampliaram as fronteiras e salvaram a
unidade, o bem supremo, que permite ao Brasil aspirar no futuro a um papel
primacial. Tudo que se opõe a essas linhas ele considera nefasto à nossa formação
(LACOMBE, 1967, p. 143).
A partir destes estabelecimentos internos seria possível então, em sua visão, o
desenrolar das negociações externas, e com isto, estrategicamente detalha como deveria se
estabelecer as relações com os países vizinhos e quem seriam, portanto, os aliados e os
principais oponentes. E, neste quesito, o trecho abaixo é esclarecedor:
Com o Peru e a Bolívia convém tratar conjuntamente: talvez poderemos oferecer à
primeira república algum território sobre o Amazonas, v.g., desde o Javari ao Jutaí,
para que, cedendo essa república em equivalente sobre o mar, sobre Cuzco ou sobre
o Lago de Titicaca à Bolívia, esta nos venha a indenizar com 1º) as vertentes todas
da margem esquerda do Guaporé até este confluir com o Madalena ou Chiquitos; 2º)
112
o terreno que se possa adquirir, sobre a margem direita do Jauru, convindo porém
advertir que não se deve pensar em excluir a Bolívia de ter por sua fronteira um
pedaço do rio Paraguai. É mais um aliado que sempre teremos em qualquer questão
dos Argentinos sobre a navegação do rio da Prata (VARNHAGEN, 2016, p. 123).
Inclusive, como forma de demonstrar sua preocupação com este assunto, o Visconde
de Porto Seguro finaliza sua primeira parte do Memorial Orgânico (1849) com a exposição de
um mapa do território brasileiro, evidenciando, como comenta no início da segunda parte, as
questões que destaca como importantes para o Brasil e sua proposta no que diz respeito às
fronteiras e divisão das províncias em departamentos111
, como chamou.
Figura 4: Mapa dos departamentos apresentados por Varnhagen.
Memorial Orgânico, FUNAG, 2016.
111
No Memorial Orgânico (1849), Varnhagen propõe a divisão territorial em departamentos, como ocorria na
França, sendo para o caso do Brasil dividido em 19 departamentos, estrategicamente formados: “Aos
departamentos regulares e compreensíveis deve a França a harmonia com que marcha. Por tão bom precedente, e
para não confundir a história e a legislação, deixamos o nome de Províncias, e propomos o de novos
departamentos [administrativos]. Em lugar de departamentos se poderão adotar ainda os nomes Cantões ou
Partidos, departamentos fronteiriços ou militares, departamentos-colônias, e um departamento ultramarino”
(VARNHAGEN, 2016, p. 138; 153).
113
Figura 5: Segunda parte do mapa apresentados por Varnhagen.
Memorial Orgânico, FUNAG, 2016.
De forma paralela aos destaques acima apontados, que colocariam, de forma
simplória, Varnhagen num conservadorismo clássico ou até mesmo em uma espécie de
reacionarismo ou movimento contrarrevolucionário (dois aspectos que não correspondem),
destacamos novamente a complexidade do pensamento varnhageniano no tocante à seu
conservadorismo. Numa certa missiva, o Visconde de Porto Seguro trouxe o seguinte
argumento: “Precisamos desvanecer a crença de que estamos associados à Europa para
monarquizar tudo” (VARNHAGEN, Apud LACOMBE, 1967, p. 146).
Na mesma carta apontou que esta opinião, ou sua oposição a esta crença de
associação à Europa, se daria pelo seu elevado sentimento de justiça. Ou seja, era um
pensamento que estava atrelado à ideia da moderação ilustrada, ou mesmo ao fato de o
conservadorismo vincular-se à questões concretas112
da vida política, se posicionando a partir
delas. Neste caso, pode-se perceber o seu vínculo com a filosofia burkeana.
112
Em oposição à ideia da abstração revolucionária-progressista, como argumentamos no primeiro capítulo.
114
Defendemos novamente que para a compreensão do conservadorismo varnhageniano,
devemos vinculá-lo à perspectiva da filosofia liberal. Varnhagen não é um Liberal do ponto
de vista político partidário, mas sim filosófico (no prisma apontado no primeiro capítulo). E,
tanto o conceito de conservadorismo quanto o de liberalismo não podem ser vistos
separadamente na análise do pensamento do intelectual. Assim sendo, não apoiava a
colonização na América; e, é neste viés que compreendemos o trecho da carta acima
destacada. E, consequentemente, concordamos com o ponto de vista de Lacombe quando
argumenta a respeito de Varnhagen da seguinte maneira:
Separava, assim, nitidamente suas convicções e suas simpatias monárquicas, da sua
função de representante de um país independente em face de países europeus ainda
não conformados com a perda das colônias. Se cria que os países americanos
pudessem “cansar-se de seu regime para abraçarem a monarquia, sem uma palavra
nossa que poderia prejudicar”. Como escreveu ao Imperador, não hesitou em arriscar
sua carreira quando viu as repúblicas do Pacífico ameaçadas pela violência
(LACOMBE, 1967, p. 146).
Como um conservador, via nas experiências de independência e solidificação
americanas um prejuízo do ponto de vista da unidade, pois em sua perspectiva,
republicanismo e esfacelamento territorial eram ideias parelhas; em compensação, como um
liberal, via, igualmente, o prejuízo na dominação política espanhola na América, por isso, na
balança de seu pensamento, convinha o aspecto da liberdade, e por este motivo, não pensava
ser justo que o Brasil apoiasse, por conta da monarquia, uma perpetuação da colonização
espanhola na América.
3.3.1.2 Segunda estratégia: Republicanismo interno rechaçado
Outro espectro movido pelas preocupações conservadoras de Varnhagen, no tocante à
ideia de revolução progressista, diz respeito aos movimentos que, paulatinamente, nutriam
ideais republicanos e separatistas no âmbito interno. Capistrano de Abreu (Apud LACOMBE,
1967, p. 143) resume de forma contundente o pensamento varnhageniano acerca dos
principais movimentos de oposição ao poder central, apontando da seguinte maneira: para ele
“a conjuração mineira é uma cabeçada, a baiana um cataclismo, a Revolução Pernambucana
uma calamidade”.
Estes são os pontos de argumento para o Visconde de Porto Seguro: existem nestes
levantes a influência da filosofia política federalista, e a ideia de que a solução para suas
reivindicações estaria no afastamento das premissas monarquistas portuguesas. E, embora
115
Varnhagen concordasse parcialmente com as críticas, e fosse avesso às ações exacerbadas
economicamente e dos exageros políticos do poder português, estava totalmente em oposição
à saída encontrada pelos revolucionários para resolver a questão.
Portanto, algo estava evidente: o país não poderia embarcar numa aventura
republicana federalista, pois o que garantiria a força da nação seria o monarquismo e o
constitucionalismo, garantidores da conhecida ordem e da unidade, e por isso, tal pensamento
se constituiu como pano de fundo de suas proposições no Memorial Orgânico a respeito da
divisão territorial, das conexões internas e da nova capital. E, nestes temas, se encontram
suas constantes preocupações em homogeneizar o poder e as ideias em torno dele em todo o
território, pois embora unificado no papel, o fato é que na prática os regionalismos113
figuravam-se na vida política, como é o caso do norte do país, sobre o qual, após uma visita,
Varnhagen encaminhou uma missiva com as seguintes palavras ao Imperador:
Senhor! Permita-me V.M.I lembrar-lhe outra vez cá de longe, quanto é urgente
acudir, coma Sua Augusta Presença, às Províncias do Norte. Político seria até
passar-se para ali com o Governo e as Câmaras, ao menos por um ano. As coisas
vão-se figurando muito mal, e nada pode já acudir a certas tendências senão a
Presença Augusta de V.M Imperial (Carta ao imperador, 1852).
- As coisas vão-se figurando muito mal -, estas são as palavras de Varnhagen e que,
possivelmente, integram o arcabouço de seus medos, e auxiliam no entendimento das
principais ideias e o porquê da oposição à certos movimentos mais que a outros. No trecho
fica, igualmente revelado, o quanto Varnhagen participa da ideia dos monarquistas de seu
tempo da ideia da mística imperial, ou seja, de que a figura do Imperador – juntamente com
seu aparato burocrático – proporcionaria uma estabilidade política, inclusive nas áreas mais
afastadas da capital.
***
No tocante à movimentação republicana mineira, pergunta-se retoricamente: Essa
pequena república, encravada no meio do majestoso império de Santa Cruz, não teria sido
um mal? Uma separação na fase da Inconfidência, num ponto importante do país, sem
113
Neste aspecto, Varnhagen se opõe a qualquer tipo de enraizamento cultural (regional) em que houvesse a
possibilidade de sobreposição a unidade nacional, por este motivo, julga perigoso, por exemplo, o federalismo e
“pensa que compete aos literatos e historiadores criar a unidade cultural do país e combater o provincialismo”
(LACOMBE, 1967, p. 151).
116
dúvidas se configuraria um mal, pois, os traços do movimento, embora de independência, o
que era algo benéfico, possuía um aspecto republicano, ou seja, uma ideia separatista, na
ótica varnhageniana.
O evento mais emblemático e principal inimigo ideológico de Varnhagen, ou seja, a
Revolução Pernambucana (1817), que destacamos vastamente no capítulo anterior, assim se
configurava, pois, o seu principal caráter emancipacionista e republicano influenciou de forma
abrangente os movimentos posteriores, acompanhado de traços já vistos em nações como
França e os Estados Unidos, como fora a questão da instauração de um novo governo,
baseado em novas premissas políticas. A ideia republicana e as notícias do movimento se
alastraram já após o ocorrido, e se tornou como argumentamos nesta pesquisa, referência ao
longo de todo o século114
:
Cessava, com este ato de eleição de um governo provisório saído de uma rebelião
militar, a soberania do príncipe regente D. João sobre Pernambuco. Não tardou que,
inclusive pelo envio de emissários, a notícia da instalação de um governo
republicano e patriótico em Pernambuco logo se espalhasse pelas províncias da
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e pela Comarca de Alagoas, ainda território
pertencente à província de Pernambuco. Com mais ou menos apoio, com duração
variada, em todas elas foram postos abaixo o s governos de nomeação da Coroa,
abandonados os símbolos reais tais como bandeiras e barretinas militares e governos
composto por patriotas tomaram o poder. Foi em todos estes lugares, o breve, mas
intenso, “tempo da Pátria”, quando pela primeira vez em toda a história do Império
português deixou de existir a soberania real e um ordenamento político inspirado nos
princípios da Revolução Francesa tomou o seu lugar (SIQUEIRA, 2017, p. 131).
Era necessário defender-se destas ideias, e, paralelamente, compor a filosofia
conservadora liberal, e nisto, como dissemos, consiste muitas das abordagens
varnhagenianas. Primeiramente, destacamos o aspecto de urgência com que o diplomata trata
das temáticas. A preocupação é latente com a questão de como o Império lidaria com a
integridade, e influenciaria na unidade, por isso, é um dos precursores da ideia de mudança da
capital do país, do Rio de Janeiro para um local mais distante da costa, salientando a
necessidade e exemplo de outras nações, europeias e americanas de uma centralização da
capital, criando um novo lugar em que o governo pudesse se estabelecer estrategicamente:
(...) abandonando a ideia de achar já feita e acabada a cidade que tanto nos convém,
nós resolvemos fundar uma, segundo as condições que se requerem a toda a capital
de país civilizado hoje em dia, a verdadeira paragem para ela é a mesma natureza
quem a aponta, e de modo muito terminante (...). É nessa paragem bastante central e
elevada, donde partem tantas veias e artérias que vão circular por todo o corpo do
Estado, que imaginamos estar o seu verdadeiro coração; é aí que julgamos que deve
fixar-se a sede do governo do Império (VARNAHGEN, 2016, p. 127).
114
Podemos citar nesta esteira, a Confederação do Equador, eclodida em 1824 também em Pernambuco, que
juntamente com a Revolução de 17, criou um imaginário revolucionário. Verificar Sergio Buarque de Holanda,
1992.
117
Ao longo de sua defesa, o Visconde deixa claro que esta mudança se daria por três
motivos: primeiro, para ele, uma capital centralizada, auxiliaria no crescimento econômico e
impulsiona a igualdade entre as variadas regiões do Império:
Sendo certo que as capitais, quando crescidas, são o centro do luxo, ou dos artigos
que não são de primeira necessidade, portanto as maiores consumidoras dos
produtos do comércio marítimo, esses chegarão ao interior já meio convertidos em
tráfico interno pelos preços dos transportes, do que resultarão valores criados em
benefício do país. (VARNHAGEN, 2016, p. 125).
O segundo aspecto é que uma capital interiorizada, obviamente, seria mais segura
contra ataques dos oponentes políticos e contra as investidas inimigas, do que as capitais
costeiras:
Quanto mais central esteja a capital, mais obstáculos se poderiam criar para não
chegar a ela nenhum inimigo que ousasse invadir o país; e ainda sem imaginar esse
caso extremo: qualquer exigente negociador não se julgaria aí tão forte para ditar
condições, como tendo à vista suas esquadras (VARNHAGEN, 2016, p. 125).
Por último inibiria, igualmente, o inimigo interno, bélica ou ideologicamente
constituído, pois agregaria ainda um terceiro elemento, que é o da conexão interna,
proporcionada pelas estradas de ferro, que ligaria a capital às diversas províncias
(departamentos administrativos), pois é interessante, ao governo, com sede interiorana, que as
comunicações internas sejam progressivamente facilitadas, de modo a criar uma conexão com
todas as partes, ligação esta que nomeou de estradas imperiais. E, a respeito delas, faz a
seguinte observação:
Esse caminho de ferro essencial é o que deve pôr em pronto e imediato contato a
capital com o porto do litoral onde haja mais facilidade de encaminhá-lo. Não
tratemos de indagar qual será esse porto, pois para o nosso fim e para a economia do
Estado preferimos o caminho que for mais barato e se fizer mais depressa
(VARNHAGEN, 2016, p. 134).
Todos estes aspectos, vinculados à um conjunto ideológico monárquico, segundo o
intelectual, seriam a salvação do Brasil; e esta premissa estava vinculada, ao que gostaria,
sobretudo, de evitar em solo brasileiro: a presença do inimigo e a dissolução do território. Um
território tão extenso poderia ser facilmente fragmentado, como demonstra a própria tentativa
de Pernambuco ou a Farroupilha, ou ainda os eventos mencionados em sua escrita da História,
os quais denominava de conluios ou revoltas, que precisariam ser combatidos por uma
estratégia que aponta, de forma complementar, em seus escritos políticos no Memorial, como
a ideia mencionada da ligação de todos os lugares do Império:
118
Demais, a integridade do Império, a unidade nacional, não será efetiva e duradoura,
enquanto ela não proceda de uma grande frequência de relações entre as províncias,
a qual nunca é bem feita por mar. Necessitamos, pois, o quanto antes, abrir a estrada
imperial que propusemos para comunicar o norte com o sul do Império, e que, para
ser mais fácil, tem de ser traçada da banda de dentro, isto é, pelas vertentes
ocidentais, da serra geral ou do Mar. Consideramos a abertura desta estrada, e o
acompanhá-la de uma linha de telégrafos, duas medidas de salvação para o Brasil.
(VARNAHGEN, 2016, p. 204).
***
Finalmente, destacamos uma interessante afirmação do historiador a respeito da
questão republicana, demonstrando neste trecho, certo diálogo com as perspectivas que davam
tom à vida política do século XIX e aos termos utilizados neste contexto. Varnhagen
argumenta com a seguinte sentença:
Desenganemo-nos; somos uma quase república aristocrática. A monarquia é entre
nós um bem, uma garantia liberal, porque suaviza a oligarquia, que é a representação
da parte livre da nação: reciprocamente, a aristocracia teria de ser no Brasil, como o
foi em Inglaterra, a mais segura salvaguarda popular, se para o futuro algum partido
levantasse bandeira por instituições ultramonárquicas. É por não entendermos assim
as coisas que os partidos entre nós não se definem: é por isso que temos feito tantas
leis prejudiciais ou absurdas, que com sua própria impotência se assassinam
(VARNHAGEN, 2016, p. 225).
A primeira vista possivelmente gera a impressão de que o Visconde de Porto Seguro
pauta-se nesta sentença, na cartilha republicana, no entanto, a partir de suas defesas até aqui
mencionadas, alguns pontos devem ser destacados: primeiro em relação ao entendimento do
conceito no período, ou seja, da coisa pública, e neste aspecto, como salienta, era a monarquia
constitucionalista quem assegurava tal premissa, e, com isso, fazia com que os princípios
liberais fossem garantidos, em outras palavras, a partir de uma constituição era possível
prezar o aspecto público da política:
Este [Varnhagen], leitor de Montesquieu (...), aceitava e aplicava ao Brasil sua teoria
do governo misto, por sua vez inspirada na experiência inglesa, como o filósofo
francês a vivenciou no governo de Robert Walpole, no qual o poder era
compartilhado entre a monarquia e a aristocracia representada no Parlamento
(WEHLING, 2016, p. 89).
Ou seja, em nenhum aspecto pode-se traçar um paralelo entre o pensamento
varnhageniano e o republicanismo que emergia na Europa e nos países hispano-americanos, e
nada o aproxima de um pensamento republicano no sentido progressista do termo. Varnhagen
119
é um ferrenho crítico, por exemplo, das esferas democráticas, sob as quais argumentou
inclusive ao Imperador, em uma de suas missivas, que após ter visto as eleições na Espanha e
Portugal poderia afirmar que eram as piores.
Possivelmente, então, sua afirmação destacada em linhas anteriores, como ele mesmo
aponta no trecho, tenha mais vínculo com ideia de evitar um ultramonarquismo e,
consequentemente, consolidar as premissas liberais, que em seu caso, e dos que
compartilhavam do seu pensamento, não devem ser analisadas de forma desvinculadas de seu
conservadorismo.
A partir destes aspectos é possível considerar que o Visconde de Porto Seguro, em
seus escritos – historiográficos e políticos – deixou, ainda que de forma difusa, esta discussão,
por isso utilizamos os principais temas de seu período. O republicanismo e a perspectiva de
liberdade, discutidos acima, auxiliam, de certa forma, na compreensão do pensamento
conservador já que englobam outras temáticas que circundaram o conceito naquele período
(democracia, representatividade, etc.).
Seu pensamento participa de um conjunto próprio de seu tempo; um arcabouço de
pensadores políticos, filósofos, historiadores, que de forma direta ou indireta, (principalmente
por sua constante presença na Europa) construíram e desconstruíram sua ideia a respeito do
termo revolução. A partir dos vestígios deste termo em seu pensamento, é possível pensar,
então, em uma definição do conceito de conservadorismo no diplomata, e consequentemente,
do tipo de conservadorismo do qual é representativo. Em outras palavras, o historiador se
colocou e se tornou uma figura crucial para a compreensão do conceito na fase oitocentista do
Brasil: liberal, reformador, patriota, monarquista... Muitos são os conceitos-chave inscritos no
pensamento conservador varnhageniano.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A partir da discussão tecida ao longo de toda esta pesquisa, podemos salientar nesta
etapa conclusiva que, embora de difícil conceituação, – principalmente no Brasil –, o
Conservadorismo, como ideia complexa, se configura como um elemento-chave para a
compreensão do pensamento do historiador, diplomata e pensador político, Francisco
Adolpho de Varnhagen. Neste esforço de compreensão, é possível identificar o diálogo desse
conservadorismo de Varnhagen com os múltiplos conservadorismos de seu período.
Debates já traçados por historiadores como Ilmar Rohloff de Mattos, por exemplo, em
O Tempo Saquarema, bem como investigações de outros pesquisadores a respeito do contexto
de inaugurações como o IHGB possibilitam que compreendamos melhor o cenário político e
intelectual da ascensão conservadora na primeira metade do século XIX. Essa perspectiva
histórica foi crucial para identificar o conservadorismo de Varnhagen, na sua relação com um
projeto de nação estreitamente vinculado à manutenção do território do império.
A ascensão conservadora brasileira desta fase está certamente, como apresentamos,
atrelada aos acontecimentos revolucionários e às várias significações possíveis a respeito da
ideia de Revolução, pois, como defendemos os conceitos não se desvinculam dos eventos
políticos. Desde a gênese revolucionária progressista, com suas características alteradoras do
status quo, podemos concordar com a ideia de que o conservadorismo moderno surgiu no
contexto deste acontecimento, na medida em que se colocava numa relação direta com este;
discutindo-o, traçando outras interpretações aos eventos políticos, ressignificando, etc. Como
fora demonstrado ao longo de nossa análise, a relação entre os conceitos de revolução e
conservadorismo ultrapassa – e muito – a ideia reacionária, ou melhor, não se limita a ela, e por vezes,
não se vincula a esta perspectiva.
Estes componentes são também importantes para considerarmos nestas últimas
observações da investigação, que a ideia de o século XIX ser uma fase de transição, clivagem
do conceito de revolução é extremamente relevante para a assimilação da própria ideia de
conservadorismo, pois como fora demonstrado, tal pensamento também se constituiu a partir
do estabelecimento da discussão em torno da nova ordem de coisas que se construiu na
modernidade.
Em outras palavras, o processo de mudança do entendimento político durou todo o
século, como argumentamos: a ideia não mudou na fase oitocentista, ela estava em mudança.
Eram, simultaneamente, uma queda de braços, e uma disputa por uma conceituação efetiva
do termo: ambas as perspectivas, de retorno e de irreversibilidade, estavam em jogo.
121
Com estes elementos pudemos destacar o lugar em que o Visconde de Porto Seguro se
colocava neste contexto emblemático e, ao mesmo tempo, sair da conceituação de
conservadorismo ceifada de uma problematização do conceito ao tratar do intelectual.
Portanto, é possível com isto, conforme elaboramos neste trabalho, tanto aprofundar a ideia de
um dos tipos de Conservadorismo existente no Brasil imperial, quanto compreender o que
Varnhagen representa quando se trata de analisar uma ideia, ou melhor, um conceito como
este.
Fato é que, relacionar os conceitos de conservadorismo e de revolução torna-se um
caminho importante para a análise do século XIX; possibilita-nos uma linha de pensamento e
averiguação do primeiro, por conta do caráter inaugurador e central da ideia de Revolução.
Como argumenta Koselleck, há um emaranhado, uma cadeia entre os conceitos, “através do
conjunto da língua, que articula um conceito a outro” (1992, p. 137), ou seja, existe uma
construção da vida política, social e intelectual das sociedades, proveniente da articulação
entre os termos.
Neste período é impossível desprezar esta articulação, para o vínculo existente entre
estes dois conceitos; vínculo este que torna, em alguma medida, possível uma maior
compreensão do termo no pensamento varnhageniano, mesmo que não seja totalmente
apreensível, pela nossa própria distância temporal. De fato, não estamos mais no século XIX,
e muito do que a palavra foi já não significa mais, embora, obviamente, exista a característica
da permanência, indispensável a todo conceito.
Pois bem, como indicado, a partir de sua visão de mundo, Varnhagen se coloca em
uma das alas neste contexto em seus escritos historiográficos e políticos, e deixa claro, pelo
menos três interpretações da palavra revolução: uma que podemos salientar como “neutra”,
em que não problematiza efetivamente a ideia, apenas menciona o evento; outra em que se
coloca favorável, quando o evento mencionado contém aquilo que entende como ideias
liberais e .a perspectiva do retorno, com características ordenadamente reformistas, como o
caso da Revolução do Porto; e a terceira em que se posiciona totalmente como opositor,
quando o acontecimento se constituía demasiadamente progressista e que, em sua perspectiva
significaria desordem e desintegração, como foi o caso dos movimentos republicanos de
Pernambuco em 1817 e 1848, e os levantes escravos, como o exemplo dos Malês.
Seu lado, se assim podemos dizer, é definido a partir da razão de Estado, atrelado à
algumas ideias-chave como a de monarquia constitucional, orientadas por suas conclusões dos
eventos revolucionários americanos e europeus, como as experiências democráticas, ou o
122
jacobinismo de alguns movimentos. É impossível não verificar uma influência burkeana em
seu conservadorismo, em sua análise dos episódios políticos e sociais, e principalmente, em
sua concepção de concretude na observação do contexto, em clara oposição a abstração
revolucionária progressista. É, possivelmente, no Brasil, um dos intelectuais que nos
possibilita compreender e esquematizar mais claramente o pensamento de uma das diretrizes
conservadoras.
Varnhagen representa um destes tipos de conservadorismo na mesma medida em que
estava vinculado à perspectiva moderna, de caráter constitucional, com ampla defesa da
monarquia e da tradição estabelecida pelo legado português. Dentre os diversos
conservadorismos existentes no Brasil em meados do século XIX, pudemos perceber que, por
vezes há alinhamentos e choques entre as diferentes visões de mundo, como foi a questão da
escravidão, por exemplo. Fato é que todas as características do pensamento conservador
varnhageniano estavam em função, como mencionado, de sua análise do que poderia
impulsionar ou enfraquecer as perspectivas de unidade e integridade do Território do
Império, e quais seriam os fatores agregadores e desagregadores existentes, que deveriam ser
motivados ou removidos, a depender de sua intenção.
Estes fatores foram verificados ao longo dos três capítulos, em primeira instância
através da abordagem da conjuntura política que se apresentava na fase oitocentista como
elemento central, e que foi nesta discussão elemento fundamental para constatar a expansão e
circulação das Revoluções, tanto na Europa quanto nas Américas, mas especificamente no
Brasil com eventos que marcaram o período regencial e a primeira parte do Segundo Império.
Ao mesmo tempo averiguar como tais eventos despontaram em uma disputa que durou todo o
século em torno do conceito de Revolução: entre a perspectiva astronômica de retorno, e a
inauguração revolucionária da significação de irreversibilidade.
Através dos trechos analisados, em História Geral do Brasil, constatamos que para
Varnhagen era evidente que os movimentos progressistas no passado brasileiro se
constituíam como revoltas; infidelidades ao poder monárquico; e eram incoerentes do ponto
de vista político, colocando em xeque seus aspectos revolucionários. É um dos intelectuais
que fazem com que a ideia de revolução neste século, seja sinuosa, como evidenciaram os
dicionários e jornais, que disputavam entre as rupturas e permanências do conceito.
Na esteira deste debate, Varnhagen propõe aos estadistas, principalmente por sua
experiência na área da diplomacia e História, soluções para combater às ideias e aos
movimentos revolucionários de seu presente, a partir da oposição ao republicanismo e às
123
contradições em torno do fim da escravidão. O cativeiro deveria ser extinto por questões
conservadoras: as ameaças de levantes escravos estariam resolvidas, e a preocupação com “o
outro”, anulada.
Neste viés, os levantes republicanos seriam combatidos com a defesa das fronteiras,
militar e ideologicamente; e as ideias já adentradas deveriam ser rechaçadas com uma
História Oficial do Estado, promotora da homogeneidade e da unidade, e com as ações
políticas em torno da integridade, como o exemplo da mudança da capital e das conexões por
ferrovias em todo o território.
É neste âmbito que assimilamos a ideia de inícios do século XX e aprofundada em
meados deste mesmo século: de um conservadorismo varnhageniano. O que esquadrinhamos
foi, portanto, a complexidade desta ideia, ou melhor, destes conceitos – revolução e
conservadorismo – que marcaram profundamente a vida política do ocidente na fase
oitocentista, consequentemente, permeando e definindo o pensamento de intelectuais como
Francisco Adolpho de Varnhagen.
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