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12/11/13 Ecos da Tradução: Tradução Literária vs. Tradução Técnica: Uma dicotomia necessária?
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Tradução Literária vs. Tradução Técnica: Uma dicotomia
necessária?Por Janaina de Aquino
Evoco Paulo Rónai1 para fazer um breve prelúdio acerca da dicotomia a ser discutida aqui:
Pensa-se geralmente que a tradução fiel é a tradução literal, e que, portanto, qualquer
tradução que não seja literal é livre. A maioria dos candidatos a tradutor, ao serem
convidados por uma editora, perguntam invariavelmente se a casa deseja traduções fiéis
ou livres, literais ou literárias. Essa pergunta é feita na tácita suposição de que o
requisito de fidelidade concerne apenas a um dos dois idiomas, aquele do qual se traduz.
Uma versão literal isto é, fiel a apenas uma das duas línguas é impossível. (1956, p. 2)
Como pode-se perceber, Rónai ilustra que, embora alguns insistem em endossar a dicotomia entre
tradução literal e livre, elas estão mais próximas do que se pode imaginar. É fato que muitos tradutores,
iniciantes ou não, ficam apreensivos tanto diante de um texto técnico quanto de um literário, pois a
qualquer um dos dois o tradutor é exposto às “dúvidas cruéis” que surgem no decorrer da tradução. Os
exemplos mais freqüentes dessas dúvidas giram em torno de qual processo tradutório seguir, dos
problemas de estilo, da infindável questão da equivalência. Etc., etc.
Seguindo Rónai, é certo que qualquer decisão tomada pelo tradutor deve estar precisamente
preocupada com as duas línguas, isto é, com a LO (língua de origem) e a LM (língua meta). Isso implica
dizer que se espera do tradutor não se ater somente às problemáticas que podem surgir na LO quando
“transportadas” para a LM, mas que trabalhe com ambas conjuntamente. E mais: é importantíssimo levar
em conta tanto as necessidades quanto as expectativas do público alvo no ato tradutório.
Segundo Martins (1992, p. 49)2, “se o texto for tratado meramente como uma entidade
autônoma, ao invés de uma série de procedimentos decisórios e uma situação de comunicação entre
falantes, dificilmente se conseguirá entender a natureza do ato tradutório”. A autora discute ainda ser
mister que o tradutor esteja consciente do ato comunicativo da tradução, afinal esse ato está estreitamente
relacionado à própria formação do profissional que o tem influenciado, inclusive, mais ou menos suas
tentativas de imparcialidade. “Uma abordagem com ênfase no processo torna-se, portanto, especialmente
útil, pois faz incidir a reflexão e a análise crítica sobre as diversas etapas de uma tarefa tradutória”,
argumenta Martins.
Minha insistência no processo/produto tradutório – enquanto a discussão do antagonismo entre
tradução técnica e literária está aparentemente deixada de lado – deve-se ao fato de que acredito a priori
ser mais relevante uma boa formação do tradutor. Dessa maneira, procuro deixar claro que um profissional
ciente saberá, através da experiência e/ou da absorção da abordagem teórica, além de sua aplicação (a
prática), quais decisões tomar diante de um texto técnico e de um literário. Em outras palavras, considero
que ambas as vertentes oferecem obstáculos no processo tradutório, indo interferir finalmente no produto:
se por um lado a má tradução de um romance famoso pode trazer severas reprovações de críticos e
leitores, por outro um manual mau traduzido terá igualmente sérias consequências.
Por fim, posto que tradicionalmente a tradução literária frui de mais status do que a técnica, é
também largamente difundido o consenso que a tradução literária, entre outras coisas, leve mais “fama” de
complicada. Além disso, muitos acreditam que “a tradução técnica tem um nível mais elevado do que a
literária, pelo menos no que diz respeito à “fidelidade”, como disse o professor Paulo Ottoni3. No entanto,
não defendo nem essa tradição nem esse consenso. Pelo contrário, sinto-me apta a dizer que a dicotomia
na tradução técnica/literária tende a desaparecer cada vez mais, somente restando diferenciar o objeto do
processo tradutório e focalizar as divergências estruturais, contextuais, lingüísticas, etc. envolvidas no
trabalho como um todo.
Nessa condição, para melhor esclarecer minha linha de pensamento, tomarei os exemplos
duplamente vividos por Rónai tanto no âmbito da tradução literária quanto no da tradução técnica.
Para descobrir que um idioma, dentro de si mesmo, pode ter várias particularidades, Rónai teve
que passar por uma “saia-justa” na sua primeira tradução de um texto técnico. Tratava-se de um extrato
cadastral do húngaro – sua língua materna – que deveria ser traduzido para o francês. O autor relata que,
embora as palavras “parecessem” húngaras, elas não faziam sentido e até as mais comuns eram usadas
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aleatoriamente. Ante seu desnorteamento, Rónai chegou mesmo a voltar ao escritório a fim de ver se, por
acaso, não lhe teriam entregado o documento errado. Convencido do contrário, o autor enfim se deu conta
de ter em mãos um texto genuinamente técnico. Uma vez nessa situação, ele teria que tomar uma nova
postura e novas decisões. Dicionários bilíngues, por exemplo, tornaram-se insuficientes em seu trabalho já
que cada área profissional demandava diferentes jargões, ou linguagem de especialidade, e nenhum
dicionário era capaz de trazer explicações de todos eles. A solução foi encontrada em catálogos, folhetos de
propaganda e anúncios. “Fato curioso”, diz Rónai, “eles me prestaram bons serviços, depois, não somente
na versão de textos técnicos e comerciais, mas também na de obras exclusivamente literárias”.
Hoje, 50 anos depois, as circunstâncias não mudaram muito. A variação de termos técnicos
continua e conquanto existam mais dicionários especializados em determinadas áreas, os termos técnicos
muitas vezes caem em desuso por serem substituídos por outros devido ao avanço da tecnologia. Deste
modo, o tradutor tem que estar constantemente se atualizando. Aproveito para incluir aqui, de forma breve,
que se torna desnecessário a especialização do tradutor em uma determinada área. O ideal, com a
progressiva globalização, é que o profissional seja competente em diversos setores. O próprio Rónai, pouco
antes de sua experiência com textos técnicos, chegou a querer instruir-se de um grande número de
palavras; o insucesso provou-o que isso era mais do que um esforço vão.
Penso que esta posição [da “inevitável” especialização] abre a perigosa
possibilidade de chegarmos a níveis de especialização que tenhamos de
depender de um mercado cada vez mais reduzido, além de nos forçar a
constantes atualizações em áreas completamente afastadas da linguagem, tais
como a “mecânica quântica” ou coisas do gênero. (1991, p. 151)4
Já familiarizado com a área, Rónai chegou à mesma conclusão que Santos assinalou acima, alguns
anos depois: nenhum tradutor é capaz de compreender todo um acervo científico. Por isso, há
preocupações muito maiores com o restante do objeto tradutório. A fidelidade, por exemplo. Um tradutor
que se prender à transcrição palavra-por-palavra pode vir a esquecer de esclarecer informações não
implícitas no texto de partida. Mais do que um intermediador, um comunicador entre duas línguas, o
tradutor assume também a atitude de um crítico transmissor de técnicas, de idéias e de conhecimento.
Tomando lá e dando cá, acredito que um profissional sério e consciente de sua importância no
processo de conectar línguas distintas, está automaticamente responsabilizado de se ater às menores
nuances que julgar necessárias no desfecho do produto. Neste momento, pesa-se o que se tem por
“fidelidade” na tradução. Partindo-se do princípio que essa “fidelidade” está relacionada à dicotomia “o
original” e “a tradução”, como expôs Ottoni, recorro mais uma vez à Santos para expressá-la:
A simples compreensão não permite acessar à fonte por parte de todo o público
potencial e esse acesso é tanto mais necessário quanto mais perigosas são as
informações de Segunda mão, além do que nem sempre há disponibilidade, por
parte de quem lê, para passar a informação adiante, inclusive pelo grau de
consciência da presença da ambigüidade, mesmo nos textos referenciais.
(1991:152-153)5
A outra lição do tradutor húngaro, na inter-relação dos procedimentos tradutórios de textos
técnicos ou literários, foi sua prática com textos literários. Corrêa6, em uma de suas colaborações para a
página virtual de O Estadão, comenta sobre as problemáticas na tradução de textos literários da língua
francesa para o português do Brasil. Embora o país latino seja um dos maiores francófilos, poucas
traduções foram fiéis aos originais. A obra em questão é “A Comédia Humana” do escritor Honorè Balzac.
Segundo ela, “[o fato da obra constituir um trabalho para os tradutores] não se tratava apenas de ter os
conhecimentos lingüísticos, mas de possuir uma técnica que conseguisse mesclar, de maneira quase
inextricável, a realidade de uma época na ficção e, assim, compor, pouco a pouco, o mosaico balzaquiano”.
Logo, muitos tradutores que se “aventuraram” na tradução de A Comédia Humana, “apesar de seus
esforços, distanciados no tempo, pertencendo a outras culturas, corriam sempre o risco de perder-se no
meio das inúmeras conexões entre os personagens e as situações (...) Além disso, as traduções seriam
realizadas por diferentes tradutores, que não se conheciam e que não tinham a preocupação de dar ao
texto traduzido a unicidade do original. Por isso, colocar-se-ia a seguinte pergunta: seria possível aceitar
uma tradução em volumes dispersos, sem nenhuma ligação, de A Comédia Humana, levando-se em conta a
"tarefa gigantesca" com que se empenhou seu autor para torná-la inteira?”. À pergunta de Corrêa, Paulo
Rónai respondeu plausivelmente por dois motivos bem simples.
Em primeiro lugar, Rónai já tinha experiência na área. Isso significa que ele pulou uma série de
etapas que talvez outros posteriores tradutores tenham hesitado mais. Uma delas está, mais do que óbvio,
na árdua decisão de se aproximar ou de se afastar do original. A situação foi mais favorável para Rónai, já
introduzindo o segundo motivo, uma vez que tinha uma declarada admiração pelo escrito francês e um
envolvimento mais do que íntimo com a língua francesa. Neste ponto, toco em um fator pertinente para a
tradução técnica e literária, discursado pelo autor húngaro:
O tradutor deve conhecer todas as minúcias semelhantes da língua de seuoriginal a fim de captar, além do conteúdo estritamente lógico, o to exato, osefeitos indiretos, as intenções ocultas do autor. Assim a fidelidade alcança-semuito menos pela tradução literal do que por uma substituição contínua. A artedo tradutor consiste justamente em saber quando pode verter e quando deveprocurar equivalências. (...) Para ser fiel, o tradutor além do indispensávelconhecimento dos dois idiomas, precisa sobretudo de imaginação. (1956, p. 21-23)
Ao mesmo tempo, é importante notar a ocorrência do mesmo fenômeno com os textos técnicos. É
o caso do professor Ottoni que se apoiou em Rónai para defender a fidelidade do texto técnico superior ao
literário: o primeiro exige uma maior necessidade no envolvimento do estilo, além de não participar
ativamente na transformação e formação de significados. Além disso, como propôs Azenha7, “é possível
evidenciar a importância da consideração de aspectos culturais inclusive na tradução de textos técnicos.
► 2008 (14)
NÃO PERCA
12/11/13 Ecos da Tradução: Tradução Literária vs. Tradução Técnica: Uma dicotomia necessária?
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Sob essa ótica, o texto técnico passa a ser uma estrutura multidimensional”. O segundo, ao contrário, está
mais preso no processo de alteração significados, constituindo assim a dicotomia entre os dois tipos de
tradução. Posso deduzir, portanto, com suas devidas disparidades, que as crendices mais convictas são
superadas: ambos os tipos de tradução exigem que o tradutor não deve apenas conhecer as línguas em
questão, mas também possuir uma considerável noção técnica, linguística e cultural à respeito do assunto.
1 Em RONAI, Paulo. (1956) Escola de Tradutores, Rio de Janeiro. 2ª edição (revista e aumentada).2 Em MARTINS, Marcia do Amaral Peixoto. Tra. Ling. Apl., Campinas, (20):49-54 Jul/Dez. 19923 Paulo Ottoni. Professor Titular do Instituto de Estudos da Linguagem Departamento de Lingüística Aplicada- Universidade Estadual de Campinas.4 Em SANTOS, Henrique Celso Jesuino dos. In: O ensino da tradução técnica a experts de outras áreasconcebido como a “obra aberta”, exercício de interdisciplinaridade universitária e difusão democrática doconhecimento: Relato de uma Experiência e Contribuições para o Pensamento Crítico de um Curso Superiorde Tradução. Bahia. 1991:147-155.5 ibid., ibidem.6 CORRÊA, Mônica Cristina. Mestrado em Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo. Tradutora ecoordenadora de suplementos de cultura em jornais e revistas brasileiras.7 Em AZENHA, João. Introdução. In: Tradução Técnica e condicionantes culturais. (?: 11)
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1 comentários:
Tabata Batista disse...Ótimo texto!29 de setembro de 2013 01:05
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