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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)
Comunicação, consumo, memórias nas subculturas juvenis: caminhos para entendimento de um grupo medievalista
Nome: Davi Naraya Basto de Sá1
Vinculação Institucional: ESPM
Resumo
Com base nas teorias da cultura, da mídia e do consumo, o presente artigo pretende analisar e entender algumas práticas da cultura juvenil, por meio dos estudos de jogos e competições, da construção da memória, demonstrada por meio das relações entre o tempo vivido e o consumo de narrativas midiáticas. Serão analisadas as práticas de medievalistas do grupo Graal-Rj no evento aquecimento Anime Family 2015 na cidade do Rio de Janeiro. Palavras-chave: consumo, jogos, medieval, memória
O presente artigo pretende entender algumas práticas da cultura juvenil, por
meio dos estudos da era medieval, de construção da memória, demonstrada por meio
das relações entre o tempo vivido e o consumo de narrativas midiáticas, simbólicas e
o consumo material. Este trabalho buscará entender como são os processos de
construção de personagens medievais dos jovens pertencentes do grupo de LARP2 da
equipe Graal-RJ e como eles criam e reproduzem suas práticas de lutas e encontros. A
pesquisa teve como campo de estudo o evento Aquecimento Anime Family 2015 na
cidade do Rio de Janeiro3. Serão analisadas as práticas de reprodução medieval deste
grupo via um estudo netnográfico e de campo por meio de fotos e, através destes
1 Possui graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (2010). Mestre no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação e Práticas de Consumo pela 2 LARP ( live action role-playing, ou jogo de interpretação ao vivo em português ), usualmente chamado apenas de Live Action (ação ao vivo em português), é uma das formas de se jogar RPG (sigla para Role Playing Game, ou "jogo de interpretação de papéis"). Fonte: http://www.confrariadasideias.com.br/ acessado em maio de 2016 3 O Aquecimento Anime Family 2015 foi um evento de Anime, que ocorreu do dia 01 e 02 de agosto, organizado pela empresa Yamato.
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casos, será feito um estudo de como se dá a relação do consumo midiático, simbólico
e material com estes praticantes.
Desta forma, os objetivos do artigo são: apresentar alguns dos personagens
criados pelos jovens participantes do Graal-RJ no que diz respeito ao processo de
criação, natureza e funcionamento de tal personagem no grupo; demonstrar a
importância da memória na produção de uma figura dramática e no funcionamento do
grupo; mapear a relação do jogo e a sua função no grupo Graal-RJ; entender as
rupturas propostas pelos participantes com a criação e uso do personagens; mostrar
os rituais de consumo das vestimentas; mapear a relação do consumo com a
construção dos personagem e da produção dos vestiários; demonstrar a importância da
memória na produção das vestimentas dos integrantes do grupo.
Em visita ao evento Anime Family 2015 logo no hall de entrada e indo mais
ao fundo me deparei com uma área de combate que pertencia ao grupo Graal-RJ. Este
é um grupo de teatro de aventuras improvisadas estavam usando um espaço para
realizar combates fictícios com armas não letais feitas com materiais improvisados,
tais como: silvertape, borracha, papelão e outros materiais que absorvem impacto.
Segundo o próprio site do Graal-RJ, eles se definem como “um grupo dedicado à
atividades no Rio de Janeiro, que organiza eventos de RPG ao Vivo.” 4. Na figura 1 é
possível notar um exemplo destes combates.
4 Fonte: http://graalrj.com.br/ acessado em agosto de 2015.
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Figura 1: Área de combate do Graal-RJ no evento Anime Family RJ 2015. Fonte: captura digital realizada pelo autor
Para iniciar um processo de entendimento de trabalho e funcionamento deste
grupo de medievalistas deve-se entender como estes jovens operam. Primeiramente é
necessário entender a estrutura hierárquica do grupo. Dentro do Graal-RJ os novos
ingressantes são intitulados de Aprendizes e conforme vão atuando cada vez mais no
grupo, recebendo treinamentos dos seus superiores, participando continuamente dos
eventos propostos e tendo bom desempenho nas lutas improvidas, estes Aprendizes
vão evoluindo e, assim, vão progredindo dentro da escala determinada do grupo. O
nível mais alto a ser atingido é o de Arauto. Além desta escala hierárquica, o time
possui clãs. O jovem ingressante deve escolher um clã para fazer parte. Existem 24
clãs, sendo que 11 estão ativos e os outros 13 estão inativos. Cada clã pertence a uma
área da cidade do Rio de Janeiro.
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Seguindo essa estrutura criada pela aliança em questão, vale notar os estudos
de Huizinga referente ao combate, visto que a principal maneira de crescer no Graal-
RJ é por meio do combate improvisado. Segundo Huizinga:
“Os homens entram em competição para serem os primeiros “em” força ou destreza, em conhecimento ou riqueza, em esplendor, generosidade, ascendência nobre, ou no número de sua progenitura.” (HUIZINGA, 2010, p. 59).
Nota-se que o combate dentro do Grall-RJ não é apenas a batalha por sí só. Ela
possui um objetivo de crescimento e desenvolvimento. Portanto, os jogadores estão
sempre tentado aprimorar suas técnicas e, inclusive, seu arsenal e vestimentas. O
grupo disponibiliza armamento para os seus integrantes, mas em entrevista com o
guerreiro iniciante Guilherme, figura 2, ele afirma que criou sua própria espada e a
está aprimorando para combate, a fim de obter mais prestigio dentro do time. Para
Huizinga:
“Jogamos ou competimos “por” alguma coisa. O objetivo pelo qual jogamos e competimos é antes de mais nada e principalmente a vitória, mas a vitória é acompanhada de diversas maneiras de aproveitá-la – como por exemplo a celebração do triunfo por um grupo, com grande pompa, aplausos e ovações. Os frutos da vitória podem ser a honra, a estima, o prestígio.” (HUIZINGA, 2010, p. 58)
Durante a conversa com Guilherme, ele disse que não existe honra maior do
que ser reconhecido como um bom lutador nas batalhas por um dos Arautos do grupo.
Vale entender que as batalhas não ocorrem de forma violenta. Quando um jogador
encosta, sem grande contato físico, numa parte do corpo do oponente, este adversário
não pode mais usar esse membro do corpo. Por exemplo, quando Guilherme bate com
sua espada no braço direito do inimigo, este braço fica imóvel durante o resto do
combate, assim limitando as habilidades do seu rival. Por tais motivos, o entrevistado
relatou que o que menos importa durante as batalhas é força e, sim, a agilidade,
destreza e complexidade dos golpes. O Arauto, ou outra pessoa de nível elevado que
supervisiona e dá início aos combates, avalia cada movimentos dos integrantes, para
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que, num futuro, tais diretores possam decidir quem merece evoluir dentro do
esquema hierárquico proposto.
Figura 2: Foto do participante do grupo Grall-RJ Guilherme vestido a sua roupa de Cavaleiro da morte no Anime Family 2015. Fonte: Captura realizada pelo autor.
Os medievalistas possuíam uma área exclusiva no Anime Family e neste
espaço eles praticavam suas atividades de lutas improvisadas. Vale notar que os
praticantes possuem roupas que remetem a idade medieval fazem parte do Graal-RJ e
as outras pessoas que estavam lá lutando sem roupas específicas da época não eram
integrantes do grupo. Um fato curioso é que o Graal-RJ permite que outras pessoas
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lutem mesmo sem as vestimentas medievais. Portanto não há restrição dos
medievalistas para a participação de pessoas externas nos combates. Contudo, os
líderes do grupos apenas avaliam o desempenho das lutas quando o combate ocorre
entre indivíduos participantes do Graal-RJ. Quando há uma luta de um integrante do
grupo com pessoas externas, essa luta serve apenas para diversão. Na figura 3
podemos ver um exemplo desta luta mista.
Figura 3: Área de combate do Graal-RJ no evento Anime Family RJ 2015 com jogadores usando roupas medievais e outros usando roupas do cotidiano. Fonte: captura digital realizada pelo autor
Guilherme descreveu que o Grall-RJ é um grupo que, além das lutas, realiza
diversas atividades, tais como: conversas sobre diversos assuntos, trabalhos sociais e
passeios pela natureza do Rio de Janeiro. O que mais chamou a atenção foram as
conversas, pois Guilherme disse que essas conversas foram muito importante para ele,
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principalmente, pelo fato dele possuir algumas questões particulares em que o Graal-
RJ o ajudou a resolver tais inquietações.
É notável compreender como surge o desejo por fazer determinado
personagem. O que está por trás da escolha do personagem e como é a relação do
papel escolhido com o jovem disposto a incorporar tal papel. Um aspecto importante
a ser considerado é como o consumo midiático é presente na construção do
personagem. Em diversos momentos da conversa o jovem relatava produtos da mídia
contemporânea. Ao perguntar qual é sua ligação com a idade média, Guilherme
respondeu que ele gosta de livros que remetem a está época, como por exemplo o
Senhor dos Anéis 5 . O entrevistado, também, nos contou que gosta de jogos
eletrônicos quem possuem a temática medieval. Um jogo citado por ele foi o game
World of Warcraft6. Este é um jogo de fantasia que se passa em um período que
remete a idade medieval. Um aspecto curioso é que o entrevistado contou que é um
Cavaleiro da morte e no game World of Warcraft existe um personagem chamado
Death Knight7.
Outro entrevistado foi um Pajem chamado Marcelo, conforme mostra a figura
4. Pajem é o segundo maior ranking do grupo, ficando atrás dos Arautos. Marcelo é
um bardo e ele relata o seguinte:
“No caso o meu personagem toca instrumento, mas eu não toco instrumento nenhum.(..) O bardo sempre tem que ter recurso. Então ele sempre tem que esconder as cartas que ele tem para poder jogar. Seja num duelo, numa bravata, seja resolvendo qualquer pendenga ou qualquer problema que apareça no caminho dele. Então, ele é um personagem que usa uma capa. Ele nunca revela o que ele tem. Eu não uso uma arma grande, eu uso uma arma pequena.” (MARCELO, 2015).
5 O Senhor dos Anéis é uma trilogia de livros de fantasia escrita pelo escritor britânico J. R. R. Tolkien escrito entre 1937 e 1949. Fonte: http://www.biography.com/people/jrr-tolkien-9508428 acessado em março de 2016. 6 World of Warcraft é um jogo on-line, da produtora Blizzard lançado em 2004. Fonte: http://us.blizzard.com/en-us/ acessado em maio de 2016 7 Fonte: http://us.battle.net/wow/en/game/class/death-knight acessado em agosto de 2015.
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Esta passagem é importante para entender como é o processo de construção de
um personagem. Os jogadores não apenas reproduzem um papel, eles os transcriam.
No caso de Marcelo, é curioso notar como ele muda o personagem do bardo. Um
bardo na Europa antiga, era uma pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos,
lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em poemas
recitados. Era simultaneamente músico e poeta e, mais tarde, seria designado de
trovador8. Contudo, o bardo de Marcelo não toca nenhum instrumento e não faz
nenhum tipo de música, usa uma arma e não reproduz nenhum tipo de história.
Tal relação nos leva a entender melhor a questão da transcriação. Alguns
medievalistas usam elementos, signos de uma cultura arcaica medieval e mitológicas
e os adaptam para a cultura contemporânea, este processo pode ser entendido como
transcriação. Este conceito foi desenvolvido pelo poeta, ensaísta e tradutor Haroldo de
Campos, como dito na introdução deste trabalho. O termo pode ser melhor entendido
por meio de duas passagens do seu livro: “Como ato crítico a tradução poética não é
uma atividade indiferente, neutra, mas – pelo menos segundo a concebo – supõe uma
escolha, orientada por um projeto de leitura, a partir do presente da criação, do
‘passado de cultura’.” (CAMPOS, 1994, p. 64), portanto podemos dizer que quando
Marcelo transcria o bardo para o arquétipo do jogo, ele sofre alteração visando uma
tradução poética do arcaico para o contemporâneo e para a realidade do Graal-RJ.
8 Fonte: http://global.britannica.com/art/bard acessado em maio de 2016
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Figura 4: Marcelo com sua arma no evento Anime Family RJ 2015. Fonte: captura digital realizada pelo autor
O consumo simbólico de uma narrativa arcaica ocorre aqui numa esfera única,
pois o consumo não é direto, ele sofre alterações para se enquadrar aos parâmetros da
contemporaneidade. Segundo Campos:
Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de imagética visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por signo icônico aquele “ que é de certa forma similar àquilo que ele denota”). O significado, o parâmetro semântico, será apenas tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora. Está-se pois no avesso da chamada tradução literal (CAMPOS, 1962, p. 35)
Esta observação nos ajuda a identificar como é o processo de transcriação de
uma narrativa arcaica para o uso dos medievalistas que jogam o LARP. Analisando os
elementos simbólicos do bardo e a transcriação deste como um processo é possível
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notar como o consumo simbólico e material possuem grande influência no processo
de construção do personagem.
Em uma citação, Marcelo afirma: “Eu sou a cara do grupo e pelo o carisma eu
tenho que chamar atenção (...) Eu prefiro ter um chapéu legalzinho com uma pena
bem grande. Fica estiloso” (MARCELO, 2015). Portanto, ele usa uma pena vermelha
no seu chapéu para aparecer mais para os outros e ficar mais aparente. É interessante
entender como essa frase se relaciona com os estudos sobre consumo. Segundo
Baudrillard:
“É preciso ver que o consumo não se ordena em redor do indivíduo com as necessidades pessoais indexadas depois, segundo a exigência de prestígio ou de conformidade, num contexto de grupo. Em primeiro lugar existe a lógica estrutural da diferenciação, que produz os indivíduos como personalizados, isto é, como diferentes uns dos outros mas em conformidade com modelos gerais e de acordo com um código aos quais se conformam.” (BAUDRILLARD, 2007, p.111,112)
Nesta passagem é possível entender a maneira como Marcelo consome o seu
vestuário. O entrevistado usa a pena e o chapéu não apenas para tentar remeter ao
personagem do bardo, mas sim para se individualizar dentro do grupo. Logo, ele
precisa consumir itens que o auxiliam a se destacar dentro do grupo, mas dentro de
um padrão já estabelecido do grupo. As roupas que Marcelo usa remetem a era
medieval, algo que se encaixa nos padrões do grupo, se por acaso o jovem usasse
roupas de uma outra era ele estaria fora do padrão. Vale ressaltar que não é apenas o
vestiário que importa na construção do personagem. Quando entrevistei Guilherme,
ele contou que ainda não acabou de montar a sua espada, ele pretende colocar mais
itens na sua espada a fim de torna-la mais bonita e obter mais reconhecimento do
grupo. Assim, o arsenal criado pelo jogador é tão importante quanto as vestimentas.
É relevante compreender que estes aspectos comunicacionais presentes nos
trajes dos participantes do grupo tangem a questão do prazer no consumo. Quando
Marcelo alega que o chapéu e a pena o tornam mais “estiloso”, podemos entender que
este consumo lhe traz diversos tipos de prazeres. A memória transcriada presente no
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vestuário relaciona-se com a questão do consumo simbólico das imagens medievais
presentes em seu imaginário. Segundo de Featherstone:
“há a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos.” (FEATHERSTONE, 2007, p. 31).
Nesta passagem deve-se entender como a produção e consumo das roupas dos
personagens devem ser trabalhados. A criação da vestimenta leva vários aspectos em
consideração. Partindo desta citação é necessário perceber que o consumo da
narrativa proposta pelo Graal-RJ é um consumo simbólico muito importante. A fim
que a história proposta pelo grupo seja construída e representada diversos fatores
devem ser considerados. O enredo deve ser importante, porém deve ser contemplada
por diversos outros itens que a deixe atrativa para os usuários, proporcionando um
prazer estético, como sugere Featherstone (2007). As cores, a textura, a granulação
das roupas e outros elementos são também importantes para garantir o envolvimento
do consumidor. Continuando, Featherstone avalia: “esses fenômenos têm resultado
ainda num interesse cada vez maior por conceituar questões de desejo e prazer, as
satisfações emocionais e estéticas derivadas das experiências de consumo”
(FEATHERSTONE, 2007, p.32).
Neste sentido é notável entender como o ato de personalizar a roupa tangencia
com um ritual de posse. Para McCracken:
“O ato de personalização é, com efeito, uma tentativa de transferir significado do próprio mundo do indivíduo para o bem recém-adquirido. O novo contexto, neste caso, é o complemento individual dos bens de consumo, que assumiu agora significados tanto pessoais quanto públicos.” (MCCRACKEN, 2003, p. 116)
Aqui o ato de personalizar é visto como “um efeito adicional de permitir ao
consumidor de reivindicar a posse do que é seu” (MCCRACKEN, 2003, p. 116). Para
que os jovens do Graal-RJ possam vestir as roupas e se sentir na pele do personagem
proposto, a personalização entra como uma função necessária de pertencimento. As
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propriedades simbólicas do personagem escolhido se tornam inerente ao usuário. Com
este cenário em mente vale entender o processo de ritual de arrumação destes jovens.
Segundo McCracken: “Estes rituais equipam o indivíduo que está “saindo para um
programa” com as propriedades significativas especialmente glamorosas e exaltadas
que residem nos “melhores” bens de consumo”(MCCRACKEN, 2003, p. 117). Nesta
passagem podemos perceber como os participantes do Graal-RJ se equipam com os
melhores itens que possuem para deixar suas vestimentas mais bonitas e atrativas.
Logo, o processo de ritual de arrumação é algo que faz parte do processo de
construção de um bardo, de um cavaleiro da morte ou de alguma outra figura
dramática. O consumo é ritualizado e possui diversas etapas a fim de agradar ao
máximo o medievalista. Estes rituais ajudam a extrair o significado desses bens e
investi-los no consumidor (MCCRACKEN, 2003).
É interessante analisar como o consumo simbólico desses personagens
medievais está relacionado a cultura. Por tal motivo, os estudos sobre memória nos
ajudam a entender como a cultura se torna memória e influencia nas decisões de
consumo dos jovens medievalistas. Segundo Lotman, “visto que a cultura é memória
(ou se preferem, gravação na memória de quanto tem sido vivido pela coletividade)
ela relaciona-se necessariamente com a experiência histórica passada.” (LOTMAN,
UPENSKI E IVANÓV, 1972, p. 41), assim entende-se que a experiência histórica
passada seria a base de criação do Graal-RJ e ela se relaciona diretamente com a
memória e, igualmente, afeta nas trancriações atuais dos personagens do grupo.
Assim sendo, os principais traços que permaneceram na memória da era medieval
serão remetidos às características principais dos elementos presentes neste grupo. As
lógicas de produção dos vestuários e da criação do grupo contam como estes
estereótipos remanescentes da memória e definem claramente os traços da era
medieval aplicada no Graal-RJ.
Um aspecto que influencia na memória medieval deste grupo é a cultura. A
cultura possui um papel de “dispositivo estereotipizador”, ela que vai ajudar a definir
os traços principais do Graal-RJ. Segundo Lotman e Uspenskii, “O trabalho
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fundamental da cultura, como tentaremos demonstrar, consiste em organizar
estruturalmente o mundo que rodeia o homem.” (LOTMAN e USPENKII, 1975, p.
39). Por tal razão, entende-se que a cultura medieval tratada na aliança influencia na
criação de um estereótipo de como serão as características principais do jogo, ou seja,
os personagens, a arquitetura, as armas, os sons e outros elementos que apontem e
remetam as características medieval no jogo. Portanto, todo o esforço de
estereotipização da cultura remete a um empenho de comunicação medieval presente
no jogo do grupo.
Outro aspecto curioso é como a cultura bélica faz parte da construção da
história da era medieval e como a guerra é o elemento predominante do grupo Graal-
Rj, visto que a batalha é o artifício mais importante para o jogadores do grupo. Todo o
trabalho dos jovens desde a produção da roupa até produção da sua arma, tem como
objetivo as batalhas que o grupo organiza. Segundo Lotman e Uspenskii:
“Toda cultura cria um modelo inerente à duração da própria existência, à continuidade da própria memória. Modelo esse que corresponde à ideia do máximo de extensão temporal, de tal modo que constitui praticamente a eternidade duma determinada cultura.” (LOTMAN e USPENKII, 1975, p. 42).
A partir desta análise entende-se que a guerra, para os medievalistas, é
elemento constituinte da eternidade da cultura medieval. Isto ocorre pelo fato dos
aspectos bélicos serem representados, em diversas histórias, crenças, deuses e
elementos de comunicação desta cultura. Um exemplo interessante é que durante as
entrevistas de Marcelo e Guilherme, ambos fizeram citações de jogos de videogames,
filmes e livros de guerra do período medieval. Portanto é inquietante o fato que a
memória que permanece nos produtos de consumo midiático contemporâneos,
referente a era medieval, possuem relação direta com a guerra.
Para entender melhor o processo de adaptação da era medieval para o jogo do
grupo Graal-RJ é conveniente entender a cultura como semiosfera, ou seja, os espaços
preenchidos pelos signos na cultura fora do qual não existem semiose, isto é, a ação
do signo que nos marca como seres viventes, seres culturais. Segundo Nunes: “os
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sistemas semióticos verbais, orais, impressos, manuscritos, sonoros, vocais, plásticos,
cênicos, têxteis e muitos outros participam da semiosfera” (NUNES, 2011, p 18).
Assim sendo, os signos de uma cultura analisada pela semiosfera “misturam-se,
acoplam-se ou se justapõem criando novas sintaxes (relações entre signo), semânticas
(relações entre signo com o que ele significa) e, pragmáticas (relações do signo com
seu usuário).” (NUNES, 2011, p18). O jogo em questão realiza de maneira clara esse
acoplamento. No jogo os elementos que mais chamam a atenção para os aspectos
medievais são os personagens criados pelos jovens. Estes personagens possuem
signos que remetem diretamente a cultura da era medieval.
Nota-se que no caso do Graal-RJ, a era medieval é diretamente ligada à guerra.
Esta justaposição cria novas relações em que, no caso do grupo em questão, a guerra
não pode ser guerra por si só, mas ela deve sempre ter uma temática por trás e, por
consequência, a época medieval é um tema que dá uma base relevante para este tipo
de jogo realizado por grupos medievalistas. Assim, a guerra e o período medieval são
dois elementos arcaicos que se adaptam e se transformam em elementos de consumo
contemporâneos. Porém, todo esse consumo ocorre na esfera do jogo. Segundo Alves:
“ A criança, o adolescente e o adulto, quando se entregam ao jogo, estão certos de que
se trata apenas de uma evasão da vida real, um intervalo na vida cotidiana, embora
encarem essa atividade com seriedade” (ALVES, 2004, p. 18). Aqui é presumível
dizer que o consumo ocorre durante essa evasão de tempo do jogador. Por fim,
podemos compreender que toda a estética presentes no Graal-RJ são elementos
importantes na comunicação e possuem a memória como elemento constituintes
destas narrativas. O jogo do grupo foco do trabalho traz à tona a dimensão da cultura
pela comunicação. Cada história que um jogador relata é uma cultura transcriada
posta em prática, sendo comunicada, e, sobretudo, consumida.
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Referências
ALVES, Lynn. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Editora Futura,
2005
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. São Paulo, Editoria Arte e
Comunicação, 2007
CAMPOS, Haroldo de. Transcriação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. São Paulo,
Studio Nobel. 2007.
HUIZUINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010.
LOTMAN, I. e USPENSKI, B. Sobre o mecanismo semiótico da cultura. In: LOTMAN, I.;USPENSKII B.; IVANÓV, V. Ensaios de Semiótica Soviética. Lisboa: Livros Horizonte,1981.
MCCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo. Rio de Janeiro. Editora Mauad, 2010.
NUNES, F. Mônica. Passagens, paragens, veredas: semiótica da cultura e estudos culturais. In: SANCHES, Tatiana (Org). Estudos culturais: uma abordagem prática, São Paulo: Senac, 2011.