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CAPÍTULO 5 - Metodologia
Segundo Easton (2002, p. 108), quando “um trabalho de pesquisa é levado a
cabo, os investigadores partem de pressupostos sobre como o mundo é (ontologia) e
como é possível conhecê-lo (epistemologia)”. Isto tem implicações metodológicas em
aspectos da pesquisa como a generalização, a inferência científica, ou o papel da teoria
(Danermark et al., 2002). Assim, parece-nos importante enquadrar a pesquisa no
paradigma científico que lhe serviu de base, o Realismo Crítico.
Sayer (1992, p.5) sintetiza, da seguinte forma, esta abordagem: “(1) O mundo
existe independentemente do nosso conhecimento sobre ele. (2) O nosso conhecimento
sobre o mundo é falível e fundamentado na teoria. (…) De qualquer forma, o
conhecimento não é imune à verificação empírica. (…) (5) O mundo é diferenciado e
estratificado, consistindo não apenas em eventos, mas em objectos, incluindo estruturas,
que têm poderes e susceptibilidades capazes de gerar eventos. Estas estruturas podem
estar presentes mesmo quando (…) não geram padrões regulares de eventos. (6) Os
fenómenos sociais (…) são dependentes de conceitos. Nós, portanto, não temos apenas
que explicar a sua produção e os seus efeitos materiais, mas compreender, ler,
interpretar o que significam. Apesar de terem que ser interpretados, partindo da própria
estrutura de significados do investigador, (…) eles existem independentemente da sua
interpretação pelo investigador. (…) (8) A ciência social deve ser crítica do seu objecto.
De forma a poder explicar e compreender os fenómenos sociais, temos que os avaliar
criticamente."
No Realismo Crítico, a explicação dos fenómenos sociais, através da revelação
dos ‘mecanismos causais’ que os produzem, é uma tarefa fundamental da pesquisa
científica (Danermark et al., 2002). Neste contexto, “a causalidade não diz respeito a
uma relação entre eventos discretos (‘causa e efeito’) mas a ‘poderes causais’ e
‘susceptibilidades’ dos objectos e relação, ou, mais genericamente, da forma como
agem (…)” (Sayer, 1992, p.104), ou seja os ‘mecanismos causais’ (ver Figura 11).
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Figura 11– Eventos, Mecanismos e Estruturas
Fonte: Adaptado de Sayer (1992, pp.117)
Segundo Danermark et al. (2002), neste papel explicativo, a ‘abdução’1 e a
‘retrodução’2 são duas ferramentas importantes. Em particular, a retrodução é o método
que permite encontrar as condições básicas determinantes da existência do fenómeno
estudado. Por outro lado, a teoria surge com um papel decisivo, guiando a pesquisa,
que, muitas vezes, envolve a combinação de diferentes métodos. Assim, torna-se
necessário ultrapassar a categorização dos métodos em termos de quantitativos e
qualitativos. Pelo contrário, na ciência, aplicam-se métodos intensivos e extensivos.
Finalmente, sendo a sociedade um sistema aberto, torna-se impossível fazer previsões,
mas, baseando-nos na análise dos ‘mecanismos causais’, é possível discutir as
consequências potenciais desses mecanismos, em diferentes contextos (ver Figura 12).
1 “Inferência ou operação de pensamento, implicando que um fenómeno particular ou evento é interpretado a partir de um conjunto de ideias gerais ou conceitos” (Danermark et al., 2002). 2 “Operação de pensamento que envolve a reconstrução das condições básicas para que qualquer coisa seja o que é, ou, dito de outra forma, é através do raciocínio que se consegue obter conhecimento sobre que propriedades são necessárias para que o fenómeno exista (…)” (Danermark et al., 2002).
E1 E2 E3 E4 EK
M1 M2 M3 MK
S1 S2 SK
E5 …
…
…
EVENTOS
MECANISMOS
ESTRUTURAS
CONCRETO
ABSTRACTO
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Figura 12– A explicação causal
Fonte: Adaptado de Sayer (1992, pp.109)
Depois de, no capítulo anterior, se terem definido as questões de pesquisa e as
respectivas proposições e depois de enquadrada a investigação no paradigma científico
que lhe serve de base, pretende-se agora descrever a metodologia utilizada neste
trabalho. Assim, neste capítulo, procura-se abordar os seguintes pontos:
- A estratégia de pesquisa;
- O método de recolha de informação;
- O critério utilizado para interpretar os dados obtidos;
- A qualidade do research design.
Objectos Condições Eventos
Relação necessária
Relação contingencial
Poderes Causais e Susceptibilidades
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5.1. Estratégia de Pesquisa
Como se viu no capítulo anterior, este trabalho procura responder às seguintes
questões:
1) Como é que as competências organizacionais influenciam a estratégia de
franchising?
2) Porque coexistem unidades integradas e franqueadas, numa mesma rede?
3) Como evolui esse mix, ao longo do tempo, e porquê?
4) Como pode contribuir, ou contribui, o franqueado para a criação de
competências dinâmicas da rede, porque razão esse seu papel é desvalorizado
por práticos e académicos e como é que essa negligência pode influenciar o
sucesso de algumas redes de franchising?
Para Yin (1994), os case studies adequam-se a questões de pesquisa sobre o
‘como’ e o ‘porquê’, quando o investigador tem pouco controlo sobre os eventos
estudados e quando analisa fenómenos contemporâneos. Por outro lado, Dubois e
Gadde (2002) consideram que a interacção entre o fenómeno e o seu contexto é melhor
apreendida através da realização de case studies. Finalmente, na opinião de Easton
(2000, pp. 206), o estudo de casos “é talvez o método de pesquisa mais apropriado para
pesquisar redes industriais”. Segundo este autor (op. cit. pp.216), “as redes industriais
incluem um grande número de actores organizacionais onde as fronteiras entre uma rede
e outra são, no melhor dos casos, indistintas. A ligação entre actores torna [totalmente
aplicável] a prescrição de Yin, [relativamente] à utilização de estudo de casos quando as
fronteiras entre o fenómeno e o contexto não sejam claramente evidentes (…)”.
Assim, baseando-nos nestes autores, e tendo em conta as questões de pesquisa, a
natureza do fenómeno estudado e o quadro teórico que serviu de ponto de partida a esta
investigação, optou-se pela realização de case studies como estratégia de pesquisa neste
trabalho.
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Uma das críticas, muitas vezes, formulada à elaboração de case studies prende-
se com a dificuldade em generalizar a partir dos resultados obtidos. No entanto, é
possível generalizar a partir de case studies. De acordo com Easton (2000, pp.214),
estas críticas resultam da abordagem positivista, cuja “forma de generalização, que é na
prática muito limitada, é a generalização para a população a partir de uma amostra.
Quanto maior a amostra, mais seguro se pode ficar acerca da população. No entanto, se
aceitarmos um ponto de vista realista, um caso é suficiente para generalizar, não para
toda a população, mas para o mundo real que foi descoberto”. Também Stake (1995,
pp.7) considera que os case studies permitem generalizações, pois são estudos em
profundidade. “Certas actividades ou problemas ou respostas surgem repetidamente.
Portanto, (…) algumas generalizações serão elaboradas. (…) Depois de observação
adicional, (…) a generalização é refinada, não numa generalização nova, mas, numa
generalização modificada. Isto é comum na pesquisa. Poucas vezes, se obtém um
conhecimento inteiramente novo, mas, [apenas,] refinamentos ou [melhor]
compreensão.”
De acordo com Yin (1994, pp.10), os “estudos de caso, tal como as experiências,
são generalizáveis em preposições teóricas, e não para populações ou universos. Neste
sentido, os estudos de caso, tal como as experiências, não representam uma ‘amostra’, e
o objectivo do investigador é expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e
não enumerar frequências (generalização estatística)”. Para Easton (2000, pp.214), “Yin
foi algo prudente acerca do processo de generalização analítica. Mas não necessitava de
o ter feito. (…) [A sua afirmação] enquadra-se exactamente nas noções realistas (…),
i.e. a pesquisa deve ter como objectivo a compreensão e explicação da realidade,
subjacente a qualquer fenómeno ou conjunto de fenómenos (i.e. o caso), ao
desembrulhar e descrever os poderes causais contingentes dos objectos que os
originaram. Um caso pode criar e/ou testar uma teoria, na medida em que desvenda a
realidade”.
Easton (2000, pp.214) acrescenta ainda que “mesmo os investigadores mais
entusiastas dos estudos de caso, muitas vezes, falham ao compreender a distinção que
Yin faz”. Estes investigadores procuram fazer mais do que um caso, como se um maior
número de casos, por si só, aumentasse o poder explicativo do trabalho que
desenvolveram. Também para Dubois e Gadde (2002, pp.557), a realização de mais do
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que um caso são “reminiscências dos tempos em que a especificidade da situação
[estudada] era considerada uma fraqueza.” A este respeito Easton (2000, pp. 211)
argumenta ainda que “um caso é um exemplo singular. Claro que podemos usar mais do
que um caso mas (…) o estudo de casos não pode depender do número [de casos] para
ter uma justificação epistemológica”.
Segundo Yin (1994), o design da pesquisa através de case studies pode ser de
quatro tipos. A matriz apresentada na Figura 13 facilita a sua caracterização. Esta matriz
tem duas dimensões: o número de casos estudados e o número de unidades de análise
adoptadas. Assim, esta matriz divide-se em quatro quadrantes:
• Design do Tipo I – em que apenas se realiza um estudo de caso e se
adopta uma unidade de análise;
• Design do Tipo II – em que apenas se realiza um estudo de caso mas se
adoptam mais do que uma unidade de análise;
• Design do Tipo III – em que se realizam mais do que um estudo de caso
mas apenas se adopta uma unidade de análise;
• Design do Tipo IV – em que se realizam mais do que um estudo de caso
e se adoptam mais do que uma unidade de análise.
Figura 13 – Case Study Design
Fonte: Yin (1994, pp.39)
Neste trabalho, optou-se por um design do Tipo IV, pelo que foram analisados
dois casos e adoptadas duas unidade de análise.
TIPO
I
TIPO
II
TIPO
III
TIPO
IV
Caso Único
Casos Múltiplos
Unidade de Análise
Única
Unidade de Análise Múltipla
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5.1.1. Casos Múltiplos
Stake (1995) distingue entre os case studies intrínsecos que são realizados
quando se tem um interesse específico no caso, e os instrumentais que são levados a
cabo quando se pretende compreender um fenómeno mais geral. Neste último caso, o
estudo de casos múltiplos poderá produzir melhores resultados.
No caso concreto deste trabalho, e tendo em conta as questões de pesquisa, e o
quadro teórico que lhe está subjacente, pareceu-nos que seria interessante estudar mais
do que um caso. Mais interessante do que as semelhanças que poderíamos encontrar,
seriam as possíveis diferenças e as suas explicações. Yin (1994) distingue entre a
‘replicação literal’, onde se prevê que os casos escolhidos tenham resultados
semelhantes e a ‘replicação teórica’, onde se prevê que os casos escolhidos tenham
resultados contrastes, por razões predeterminadas. Assim, neste trabalho, pensamos que
seria de todo o interesse estudar casos contrastantes. A Figura 14 ilustra as fases do
processo de realização de estudos de caso múltiplos.
Figura 14 – Estudos de Casos Múltiplos
Fonte: Yin (1994, pp.49)
Definir e Desenhar Preparar, Reunir e Analisar Analisar e Concluir
Desenvolver Teoria
Seleccionar os Casos
Elaborar Protocolo
Para Obtenção
Dados
Realizar Primeiro
Caso
Realizar Segundo
Caso
Realizar Outros Casos
Escrever Relatório Individual
Escrever Relatório Individual
Escrever Relatório Individual
Elaborar Conclusões cross-case
Modificar A
Teoria
Desenvolver Implicações
Elaborar Relatório
cross-case
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Contudo, de acordo com Yin (1994), não se deve confundir o conjunto de casos
estudado com uma amostra. Pelo contrário, o estudo de casos múltiplos deve ser visto
como se tratasse da realização de experiências múltiplas. Portanto, deve-se seguir uma
lógica de replicação, ou seja, prever os mesmos resultados para todos os casos
estudados, ao contrário do que se faria se se seguisse uma lógica de amostra. Nessa
situação, os casos estudados seriam vistos como vários sujeitos dentro de uma
experiência (Yin, 1994).
5.1.2. Unidade de Análise
A utilização de mais do que uma unidade de análise, não significa a inexistência
de uma unidade de análise predominante. Neste caso, essa unidade foi a “rede de
franchising”. Cada case study realizado debruçou-se sobre uma rede de franchising. O
primeiro caso estudou a rede de escolas de línguas Lancaster College e o segundo caso
analisou a rede de comércio a retalho Throttleman. No entanto, a utilização de
subunidades de análise permitiu-nos aprofundar a investigação das questões em estudo.
Assim, pareceu-nos relevante utilizar como subunidade de análise “o relacionamento do
franqueador da rede com um franqueado”. A este nível de análise, foi estudada o
relacionamento entre o franqueador de cada rede com um franqueado, como por
exemplo, o relacionamento entre o franqueador da Lancaster College a o franqueado da
escola da Póvoa do Varzim.
É ainda importante, neste ponto, referir o critério utilizado para delimitar a “rede
de franchising”. Uma rede inter-organizacional consiste nas empresas e nos
relacionamentos entre elas. Mas, a rede onde uma empresa se encontra inserida é difícil
de delinear e delimitar. As suas fronteiras não são claras e objectivas, mas dependem do
objectivo e prisma da análise. Na verdade, o delineamento da rede pode não ser
percepcionado da mesma maneira por cada uma das empresas que a compõe, nem
mesmo por cada indivíduo dentro de uma mesma empresa. Cada actor tem uma
percepção diferente da rede que depende da sua experiência e dos seus relacionamentos.
Neste contexto, ao relacionar-se com outra, a empresa tem que ter em consideração a
forma como a sua contraparte percepciona a rede, pois é de acordo com essa percepção
que ela vai actuar e reagir (Ford et al., 2002).
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Neste trabalho, optou-se por delimitar a “rede de franchising” de acordo com a
perspectiva do franqueador, considerando a rede como o conjunto das empresas com
quem a empresa franqueadora se relaciona através do franchising. A opção por esta
perspectiva resultou do facto de este ser, normalmente, o ângulo de análise dos estudos
sobre o franchising. Ainda que possamos concordar que uma opção diferente,
nomeadamente incluindo outros actores fora desta rede, fosse interessante, esta
perspectiva permite-nos abordar este fenómeno utilizando uma estrutura conceptual
nova, mas mantendo o ângulo de análise da literatura existente. Na verdade, um dos
problemas originados pela abundância de literatura que analisa o franchising, “ é que
paradigmas (…) concorrentes, pressupostos implícitos, e várias normas metodológicas
tornam a literatura particularmente difícil de rever e sintetizar” (Combs et al., 2004, pp.
908). Nesse sentido, uma primeira abordagem ao tema recorrendo a uma perspectiva de
competências em redes de relacionamentos poderá ser beneficiada por manter o mesmo
ângulo de análise da literatura existente, facilitando de alguma forma a compatibilização
ou comparação de conceitos. Esta discussão não exclui, no entanto, o interesse de, em
trabalhos futuros, se adoptar uma perspectiva diferente da rede.
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5.2. Método de Obtenção de Informação
De acordo com Yin (1994), na realização de um case study, existem quatro
métodos de obtenção de informação. Estes métodos, as suas características e as
situações em que são mais adequados encontram-se resumidos na Tabela 1.
Tabela 1 – Fontes de Evidência
MÉTODOS CARACTERÍSTICAS ADEQUAÇÃO � Observação � Textos e Documentos � Entrevistas � Gravação
Áudio e Vídeo
� Períodos de contacto longos � Atenção à organização e
utilização deste material � Pouco estruturadas e abertas � Transcrições precisas de
interacções que ocorrem naturalmente
� Compreensão de sub-culturas � Compreensão de linguagem e
outros sistemas de sinais � Compreensão de experiências � Compreensão de como a
interacção se organiza
Fonte: Silverman (2000)
5.2.1. Recolha de Informação
Optamos pela realização de entrevistas a franqueadores e franqueados a operar
no território nacional, como principal fonte de obtenção de dados, por nos parecer um
método adequado ao objectivo do estudo. Yin (1994) lista um conjunto de pontos fortes
e fracos, associados a cada uma das fontes de obtenção de dados, de onde destacamos os
relativos às entrevistas (ver Tabela 2). O conhecimento prévio destes pontos fracos
permitiu-nos, dentro do possível, procurar evitá-los.
Tabela 2 – Pontos Fortes e Fracos das Entrevistas
PONTOS FORTES PONTOS FRACOS � Focalizam-se
directamente nos tópicos do caso em estudo;
� Fornecem inferências causais percepcionadas.
� Questões pouco estruturadas podem ser tendenciosas;
� As respostas também podem ser tendenciosas;
� Falta de precisão associada à não memorização;
� O entrevistado pode responder o que entrevistador quer ouvir.
Fonte: Adaptado de Yin (1994, pp. 80)
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Tendo em mente, as fraquezas associadas a este método de recolha de
informação, elaborou-se um guião para as entrevistas a realizar a franqueadores e outro
para os franqueados. Com estes documentos, procurou-se focalizar as entrevistas no
assunto em análise, ainda que procurando manter as questões de resposta aberta.
Durante a realização das entrevistas, procurou-se criar um ambiente de conversa, tendo
cuidado para não direccionar as respostas, e deixando o entrevistado falar livremente.
Sempre que possível as conversas foram registadas num gravador, de forma a procurar
resolver problemas associados às falhas na memorização. Foi também pedido aos
entrevistados a exemplificação das respostas obtidas através de casos concretos. Todas
estas questões foram abordadas numa perspectiva dinâmica, procurando compreender
de que forma têm evoluído, ao longo do tempo.
Os guiões das entrevistas a realizar a franqueadores e franqueados encontram-se
em anexo (ver Anexos 2 e 3). As perguntas encontram-se divididas em cinco grupos: a
rede, as competências do franqueador, as competências do franqueado, o
relacionamento franqueador/franqueado e a forma plural. As perguntas colocadas aos
franqueados encontram-se igualmente divididas nestes cinco grupos. As questões são
semelhantes, mas, pretendia-se, neste caso, captar a perspectiva do franqueado. Nas
entrevistas aos franqueadores, em cada um destes grupos de questões, pretendeu-se
obter as seguintes informações:
I. A rede.
Neste grupo de questões introdutórias, procurou-se obter informação, junto do
franqueador, relativa à história da empresa e da marca, nomeadamente, como,
quando e porque montou o negócio, como e quando começou a franquear
unidades e o que o motivou a optar pelo franchising em vez da integração
vertical, do mercado ou de outra estratégia de partilha, como tem evoluído o
franchise ao longo do tempo e, finalmente, que problemas encontrou nestes
processos e porque razão.
II. As competências do franqueador:
Neste ponto, procurou-se identificar as competências distintivas do franqueador
que, na sua perspectiva, lhe permitiram ou facilitaram a venda do franchise.
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Assim, procurou-se determinar quais as competências pessoais e
organizacionais, que o franqueador pensa serem mais valorizadas pelos
franqueados num franqueador, bem como que competências desse tipo pensa
possuir, e de que forma estas influenciaram, e influenciam, a venda do franchise.
Neste contexto, procurou-se definir a importância da reputação do franqueador e
da marca, no processo de recrutamento de franqueados, nomeadamente,
determinando se a marca já era conhecida dos franqueados antes do início do
processo de franchise, ou enumerando as unidades próprias detidas nesse
momento. Finalmente, procurou-se compreender qual a perspectiva do
franqueador sobre o que procuram os franqueados quando investem num
franchise, e no caso concreto, o que, na sua opinião, os fez decidir por este
investimento e não por outro franchise ou por um negócio não franqueado.
III. As competências do franqueado:
Neste ponto, procurou-se identificar as competências que o franqueador procura
obter num franqueado. Assim, procurou-se determinar como se processa o
recrutamento do franqueado, que características individuais, nomeadamente que
conhecimentos e experiências, o franqueador mais valoriza quando selecciona
um franqueado. Por outro lado, procurou-se saber se o franqueador já, alguma
vez, excluiu um candidato a franqueado e porque razão.
IV. O relacionamento com o franqueado:
Neste ponto começou-se por questionar a (i.) divisão do trabalho entre as partes
do relacionamento de franchising, procurando identificar que actividades são
desempenhadas pelo franqueador e pelo franqueado, e de que forma se
interrelacionam. Este grupo de questões abrangeu, ainda, perguntas relacionadas
com a (ii.) formação do franqueado e a (iii.) transmissão de informação e
replicação de rotinas. O principal objectivo foi compreender como se processa a
replicação de rotinas na rede, questionando, por exemplo, como e que tipo de
informação, conhecimentos, regras, procedimentos, manuais, rotinas são
transmitidas pelo franqueador ao franqueado, durante e após a formação inicial.
A (iv.) supervisão do franqueado foi, também, abordada, neste ponto. A forma
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como o franqueador lida com o paradoxo da estandardização/ inovação, mais
concretamente as dificuldades encontra no (v.) desenvolvimento do conceito
franqueado, foram também alvo de inquérito. Finalmente, o (vi.) papel do
franqueado no relacionamento de franchising foi abordado.
V. A forma plural:
Neste ponto, no caso de a rede deter unidades integradas e franqueadas,
simultaneamente, procurou-se determinar que sinergias/vantagens o franqueador
encontra nessa combinação e qual o critério de decisão entre franquear e deter
directamente uma unidade.
Durante os contactos desenvolvidos nas empresas entrevistadas, procurou-se,
dentro do possível, obter também o acesso a outras fontes de informação que
permitissem complementar a obtida através das entrevistas, nomeadamente através de
informação escrita e de observação directa,
Em particular, foi possível aceder à cópia do contrato celebrado entre uma das
redes e os seus franqueados e aos Relatórios e Contas dos últimos anos da outra rede.
Estes últimos documentos foram extremamente úteis pois permitiram obter informação
fidedigna respeitante à evolução do número de unidades próprias e franqueadas e à
localização de cada tipo de unidade ao longo do tempo. Gostaríamos de ter obtido
também outro tipo de documentos, como por exemplo manuais de procedimentos dos
franqueados. No entanto, foi impossível obter estes elementos, uma vez que as empresas
os consideraram confidenciais.
Foi também interessante e vantajoso para esta investigação, o facto de se ter
visitado quer a sede da rede, quer algumas das suas unidades, apesar de as unidades
visitadas se situarem todas no Grande Porto. Assim, tivemos, por exemplo, a
possibilidade de verificar o grau variável de uniformidade em termos de imagem das
unidades da rede. Na sede, em particular na rede do Lancaster College, foi possível falar
com mais do que um responsável e aprofundar as informações que se foram obtendo, ao
longo da investigação. O confronto de informação obtida através de diferentes fontes
permitiu construir uma imagem mais completa da realidade da rede.
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Contudo, apesar de se terem entrevistado alguns gestores locais não se obteve
muita informação qualitativa relevante. Tendo sido apresentados pelo proprietário da
marca a esses responsáveis, ficamos com a sensação de que estes entrevistados se
sentiam um pouco intimidados pela nossa presença As entrevistas com os responsáveis
da sede foram bastante mais ricas em informação. Ainda assim, em alguns casos
ficamos com a sensação que a resposta obtida era aquela que se julgava que
pretendíamos ouvir. Esta constatação resultou do confronto entre algumas respostas
obtidas e as práticas entretanto verificadas.
Finalmente, assumindo este trabalho uma perspectiva longitudinal, ficamos de
alguma forma dependentes da memória dos entrevistados quanto ao que se passou no
passado, o que por vezes se mostrou um problema. Por exemplo, detectaram-se algumas
inconsistências, normalmente de pormenor, entre as informações obtidas através do
mesmo entrevistado em datas diferentes.
5.2.2. Relação entre os Dados Obtidos e as Proposições
As questões elaboradas no Guião das entrevistas tiveram como objectivo
procurar obter informação que permitisse validar (ou não) cada uma das proposições
apresentadas neste estudo (bem como as de teorias rivais), tal como o demonstrado nas
Tabelas 3 e 4. Em cada coluna destas tabelas encontra-se uma das Proposições
identificadas no Capítulo Quatro. Cada linha corresponde a um grupo de questões
apresentado no ponto anterior deste capítulo. Cada cruzinha (x) indica a relação entre a
informação que se esperava obter através de cada grupo de perguntas e cada uma das
proposições em análise.
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Tabela 3 – Relação entre as Proposições e os Grupos de perguntas a colocar ao Franqueador
Grupo de Proposições Questões 1A 1B 1C 1D 1E 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D 3E 4A 4B 4C
I x x x x x x x x x x x x x II x III x x x x x x x x x x x x
IV- i x x x x x x x x x IV- ii x x x x IV- iii x x x x IV- iv x x x x IV- v x x x x IV- vi x x x x x x x x x x x
V x x x x x x x x
Tabela 4 – Relação entre as Proposições e os Grupos de perguntas a colocar ao Franqueado
Grupo de Proposições Questões 1A 1B 1C 1D 1E 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D 3E 4A 4B 4C
I x x x x x x x x x x x x X II x III x x x x x x x x x x X
IV- i x x x x x x x x X IV- ii x x x X IV- iii x x x X IV- iv x x x X IV- v x x X IV- vi x x X
V x x x x x x x x
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5.3. Método de Análise dos Dados
Yin (1994) descreve quatro formas de análise de case studies:
1. Comparação de Padrões: consiste na identificação de determinados
padrões no caso em estudo, e a sua comparação com os previstos
teoricamente;
2. Construção de Explicações: neste caso, o investigador analisa o case
study e constrói uma explicação para os fenómenos detectados;
3. Análise de Séries Temporais: examinar o ‘como’ e o ‘porquê’ de certas
relações entre eventos, ao longo do tempo;
4. Programar Modelos Lógicos: consiste na realização simultânea da
comparação de padrões e da análise de séries temporais.
O estudo vertente enquadra-se, dada a natureza das questões abordadas, na
primeira destas formas. A Comparação de Padrões consiste na identificação de
determinados padrões, no caso em estudo, e a sua comparação com os previstos
teoricamente. Neste contexto, é especialmente importante, a comparação dos padrões
identificados, não só com os propostos neste estudo, mas, também, pelos previstos pelas
teorias rivais (Yin, 1994), que, neste caso, são a Teoria da Agência e a Teoria dos
Recursos da Empresa3. Segundo Bennett e George (1997, pp.5), “a explicação científica
adequada tem que incluir tanto o ‘efeito causal’ de uma variável independente, como o
‘mecanismo causal’ subjacente a esse efeito”. Tal como diz Sayer (1992, pp.106-107),
“se queremos saber como as coisas acontecem, não é suficiente saber que, normalmente,
‘C’ é seguido de ‘E’, mas, conhecer o processo através do qual ‘C’ produziu ‘E’, e, se
realmente o fez”.
A Comparação de Padrões, utilizado nos case studies, envolve dois modos de
análise (Champbell, 1975). O mais utilizado é o ‘método da congruência’, onde se
procura testar se o resultado de um case study é congruente com as previsões das teorias
subjacentes, que relacionam as variáveis dependentes e independentes, nas suas várias
3 Note-se, contudo, que não é de excluir a hipótese de conciliação entre alguns elementos das várias teorias.
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dimensões. Este método, portanto, procura determinar o ‘efeito causal’ de uma variável
explicativa, isto é, a mudança na probabilidade da variável dependente, que ocorreria, se
a variável explicativa assumisse um valor diferente, e todas as restantes variáveis de
mantivessem constantes. O segundo método é o de ‘process tracing’, onde se procura
testar se as variáveis intervenientes são consistentes com as expectativas da teoria
causal considerada e dos ‘mecanismos causais’ que ela defende, isto é os processos
causais e as variáveis intervenientes, através das quais as variáveis explicativas
produzem efeitos. Mas segundo Bennett e George (1997) os investigadores têm dado
pouca importância a este segundo método, focalizando-se apenas no primeiro.
Este método consiste na generalização e análise dos dados “nos mecanismos
causais ou processos, eventos, acções, expectativas e outras variáveis intervenientes que
relacionam causas prováveis com os efeitos observados” (Bennett e George, 1997,
pp.5). Existem duas abordagens diferentes:
(1) Process Verification: que envolve testar se os processos observados entre as
variáveis num caso são consistentes com o previsto teoricamente;
(2) Process Induction: que envolve a observação indutiva dos mecanismos
causais aparentes e a sua transformação em hipóteses para testes futuros.
Os autores, contudo, alertam que é normal que, ao adoptar o método de process
tracing, se perca alguns detalhes específicos da singularidade do caso.
Assim, os resultados que validam as proposições apresentadas deverão, tanto
quanto possível, demonstrar que a emergência do franchising resulta da necessidade de,
por um lado, coordenar actividades percepcionadas como dissimilares mas muito
complementares (Richardson, 1972), e por outro, de o franqueador utilizar as
competências que necessita, mas não dispõe, num determinado momento do tempo, e ao
menor custo de transacção dinâmico (Langlois e Robertson, 1993). Alternativamente, os
benefícios decorrentes da combinação de competências podem justificar que a empresa
suporte custos de governo superiores (Loasby, 1998). Os resultados deverão igualmente
indicar que as competências indirectas (Loasby, 1998) do franqueador são
determinantes para a emergência do franchising.
Neste contexto, sendo a forma plural, o resultado de combinação das
competências do franqueador e dos franqueados, a evolução do mix de unidades
150
franqueadas e integradas verticalmente deverá ser influenciada, primeiro, pelo
desenvolvimento das competências directas do franqueador e do franqueado, que
modificam as vantagens decorrentes da combinação dessas competências, segundo, pelo
desenvolvimento das competências indirectas do franqueador, que provoca uma
alteração no custo de obtenção das competências de que necessita, mas não dispõe,
terceiro, pelo desenvolvimento e difusão do conhecimento na indústria, que provocam
uma alteração no custo de obtenção das competências.
Finalmente, a diversidade do conhecimento, das experiências, das localizações e
dos percursos passados dos vários franqueados deverão surgir como uma fonte
importante de competências dinâmicas da rede, sendo que a sua valorização deverá
influenciar o desempenho da rede de franchising.
As proposições do estudo sairão tanto mais reforçadas, quanto menor validade
for encontrada para as teorias rivais, nomeadamente, se não ficar demonstrado que o
franchising surge como forma de ultrapassar as limitações de recursos que impedem o
crescimento rápido, sendo a forma plural, uma fase transitória, até que a empresa se
integra completamente, pelo que a evolução do mix de unidades franqueadas e
integradas verticalmente depende da maior facilidade de acesso aos recursos, resultante
do amadurecimento da rede. Será também relevante que os resultados não validem a
emergência do franchising como forma de reduzir os custos da prevaricação dos
agentes, nem a da forma plural como resultado da existência de um trade-off entre
custos de agência, onde a evolução do mix de unidades franqueadas e integradas
verticalmente depende da maior facilidade de supervisão das unidades resultante do
amadurecimento da rede. Finalmente, será também interessante se não se constatar que
o franqueado assume um papel passivo no relacionamento de franchising.
151
5.4. Testar a Qualidade do Research Design
Duas questões deverão ser tidas em consideração ao elaborar um trabalho de
investigação: (1) a validade dos resultados e a (2) consistência dos métodos.
(1) A questão da validade será a de definir até que ponto determinado relato
representa de forma correcta o fenómeno social a que se refere (Silverman, 2000). Esta
questão coloca-se a três níveis, (a) a validade da construção, (b) a validade interna e (c)
a validade externa. A validade da construção tem a ver com opções operacionais certas,
para o caso em estudo. A validade interna garante a distinção entre relações causais e
relações espúrias, resultantes de problemas a nível de inferências. A validade externa
determina o domínio possível da generalização das conclusões (Yin, 1994).
Existem algumas estratégias que permitem conferir validade aos resultados
obtidos (Yin, 1994). Neste estudo foram utilizadas as seguintes:
(a) na validade da construção:
- a triangulação: isto é, a utilização simultânea de várias fontes de
informação, através da realização de entrevistas e o recurso a documentos
(como, por exemplo, contratos, relatórios de gestão), dados históricos
(como seja a evolução da percentagem de unidades franqueadas, no total
de unidades da rede, ao longo do tempo) e a observação directa (por
exemplo da sala onde formação é ministrada aos franqueados ou do grau
de uniformização da imagem das unidades da rede);
- a revisão pelos respondentes: um esboço do relatório do case study foi
revisto pelos informadores-chave, neste caso pelos responsáveis principais
pelas empresas franqueadoras;
(b) na validade interna:
- comparação de padrões : comparar um padrão empírico com uma ou mais
previsões teóricas. A sua coincidência fortalece a validade interna. A
utilização de previsões teóricas rivais poderá fortalecer os resultados
obtidos, se estas não forem compatíveis com o padrão empírico
encontrado.
152
(c) na validade externa:
- casos múltiplos: Segundo Yin (1994, pp.31), num método de generalização
analítico, “uma teoria desenvolvida previamente é utilizada como um
template com que se irão comparar os resultados empíricos do estudo de
caso”. Os resultados serão mais fortes se dois ou mais casos encaixarem
nesse template.
(2) A questão da consistência será a de determinar em que medida determinadas
situações são atribuídas às mesmas categorias (Silverman, 2000). Para Yin (1994) trata-
se de demonstrar que as operações realizadas no estudo podem ser repetidas com
sucesso. Neste trabalho, tentou-se alcançar este objectivo através da:
- elaboração de um Case Study Protocol: segundo Yin (1994, p.37) resolve-
se a questão da consistência, operacionalizando o maior número possível
de fases do processo de investigação e realizando a pesquisa “como se
alguém estive sempre a olhar por cima do ombro”. Este autor propõe a
construção de um ‘guião’ da pesquisa, para que, caso um outro
investigador analisasse os elementos reunidos, poderia repetir os mesmos
procedimentos e chegaria aos mesmos resultados.
- manutenção de uma Case Study Database: organizando, separadamente, e
para cada caso, os dados obtidos, as análises realizadas e os relatórios
elaborados.
Nos próximos dois capítulos, apresentam-se dois estudos de caso relativos a
empresas franqueadoras de origem nacional. As duas redes são contrastantes no grau de
complexidade das actividades desenvolvidas pelas unidades locais. Uma das empresas
actua no comércio a retalho, onde o produto é elaborado e promovido pelo franqueador
e vendido pelas unidades locais. A outra empresa opera no ensino. Nesta rede, ainda que
a definição do serviço seja realizada centralmente, a sua execução fica a cargo das
unidades locais. O diferente nível de complexidade das actividades realizadas
localmente poderá explicar outras diferenças encontradas nas duas redes.
153
Inicialmente, cada caso é apresentado sob a forma de narrativa e depois,
utilizando a metodologia descrita neste capítulo, analisado dentro do enquadramento
teórico desenvolvido. Em seguida, no penúltimo capítulo, realiza-se uma análise
comparativa dos dois casos, procurando explorar a relevância das idiossincrasias de
cada um deles, face ao quadro teórico que suporta a investigação. Finalmente, ainda
nesse mesmo capítulo, procura-se enquadrar as conclusões deste estudo no âmbito nas
questões de pesquisa levantadas no quarto capítulo.