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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 720
(Ano VIII)
(13/10/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
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rídico-ISSN
–-
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‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: editorial@conteudojuridico.com.br WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
13/10/2016 João Baptista Herkenhoff
» TV Discrimina a Mulher
ARTIGOS
13/10/2016 Rodrigo de Campos Costa » Bem Jurídico Penal, breves comentários
13/10/2016 Liziane Bainy Velasco
» Boa‐fé e função social dos contratos
13/10/2016 Paulo Gomes Ferreira Filho
» Medidas cautelares patrimoniais e o prazo para oferecimento da
denúncia
13/10/2016 Jaqueline Oliveira Gross
» Celeridade processual e segurança jurídica: a teoria da argumentação
como forma de resolução da colisão entre princípios
13/10/2016 Tauã Lima Verdan Rangel
» Da Desapropriação por Zona: Singelos Comentários
13/10/2016 Erika Rocha Barreto
» A inteligência na gestão pública
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TV DISCRIMINA A MULHER
JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF: Mestre em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Livre‐Docente da Universidade Federal do
Espírito Santo. Pós‐doutoramentos na Universidade
de Wisconsin, Estados Unidos da América, e na
Universidade de Rouen, França. Professor do
Mestrado em Direito da Universidade Federal do
Espírito Santo. Juiz de Direito aposentado. Membro
do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do
Instituto dos Advogados do Espírito Santo. Membro
da Associação de Juristas pela Integração da América
Latina. Membro da Associação "Juízes para a
Democracia". Membro da Associação Internacional
de Direito Penal (França). Autor de 39 livros e
trabalhos publicados ou apresentados no Exterior,
comunicações em congressos, palestras,
intervenções em debates, trabalhos inseridos em
obras coletivas, na França, nos Estados Unidos, no
Canadá, no México, na Nicarágua, na Argentina.
Se queremos destruir preconceitos, a atitude básica é enxergar a verdade.
A mulher é discriminada e inferiorizada em vários espaços sociais. A televisão não pode ser absolvida desse pecado.
A TV fabrica um estereótipo de mulher, que tem de ser seguido. As telenovelas estabelecem um padrão do feminino. Quem se rebela a esse padrão é discriminado e excluído. A mulher negra, por exemplo, tem pouco espaço no mundo das novelas, um mundo só na aparência inocente. Essa presença é sempre estabelecida no sentido de inferiorizar a mulher. Ou é empregada doméstica, ou vende comida ambulante, sempre a latere de qualquer valor. Nunca exerce um papel social relevante. Quando se exalta
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sua sexualidade, nunca se vê o direito ao exercício livre dessa sexualidade, mas é apenas mulher objeto, a mulata gostosa que existe para servir ao apetite masculino, ao senhor de engenho, ao proprietário, ao dono do corpo e da alma. Expressões machistas correm à larga no quadradinho colorido, hipnotizador.
Reconheço que há reações a esse modelo. Novelistas conscientes opõem-se a esse ignóbil projeto. Atores e atrizes recusam papéis que afrontam a própria consciência e pagam um alto preço por sua fidelidade ao que consideram justo e digno. Só a História, que é implacável, revelará a verdade e desmascara a mentira. A História não reconhece o poderio dos grandes meios de comunicação.
Não cabe apenas às mulheres defender a própria dignidade. A dignidade feminina não é uma causa feminina. Homens e mulheres devem estar comprometidos com a dignificação das mulheres e dos homens, ou seja, com a dignificação do ser humano.
Nosso antigo Código Civil dizia: "todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. Esse Código vigorou por quase todo o século passado.
O atual Código Civil estabelece que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. (Artigo 1º)
O novo Código foi mais feliz na redação do preceito.
Quando se usa a expressão “todo homem” abrange-se, sem dúvida, homens e mulheres. Mas não deixa de haver uma certa impropriedade nesse uso porque a expressão privilegia o gênero masculino para abarcar os gêneros feminino e masculino. É mais correto que se fale “toda pessoa” ou “todo ser humano” para compreender homens e mulheres.
Examinar a História, olhar para o passado não é um passatempo, uma brincadeira. Só se constrói o futuro a partir das lições do passado. Ainda estamos longe de poder celebrar no Brasil a igualdade de homens e mulheres. Há muito chão a percorrer, preconceitos abertos e sutis a desatar.
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Não podemos perder o rumo. Cumpre avançar com coragem e altivez. Doa a quem doer os reparos que façamos
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BEM JURÍDICO PENAL, BREVES COMENTÁRIOS
RODRIGO DE CAMPOS COSTA: Delegado de Polícia Federal, especialista, mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela PUC-SP.
Resumo: Trata-se o presente artigo da análise da finalidade do direito penal como a proteção de bens jurídicos. Procura-se estabelecer o seu conceito e suas espécies, como de natureza individual e supraindividual, bem como a necessidade de aproximação com valores constitucionais quando da eleição de bens jurídicos dignos de tutela penal. Analisam-se os crimes de perigo abstrato, como forma de proteção da sociedade em bens de natureza supraindividual.
PALAVRAS-CHAVE: Bem jurídico; bem jurídico supraindividual; crimes de perigo concreto; aproximação constitucional.
O Direito Penal tendo como norte a teoria do contrato social, desenvolvida por Jean Jacques Rousseau em sua obra o “O contrato social”, tem como finalidade precípua proteger os cidadãos que dele fazem parte, contra atos nocivos e que perturbem a paz social.
Vale dizer, as pessoas que fazem parte e aderiram a este contrato, são coniventes e permitem que o Estado atue, seja de forma repressiva ou preventiva, no sentido resguardar a paz e segurança social.
Assim, o Direito Penal possui caráter intimidador e de controle social, uma vez que elege condutas que entende perniciosa ao convívio social, criminalizando-as, através do comando normativo competente, determinando sanção, por vezes, proporcional a sua gravidade, seja de natureza pecuniária, seja restritiva de liberdade.
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De toda sorte, entendendo que o Direito Penal é um instrumento do Estado, no sentido de criminalizar condutas que entende nocivas à sociedade, também é correto dizer que o Direito Penal, será reflexo do regime adotado pelo mesmo.
Temos exemplos, num passado não muito distante, de regimes totalitários como na Alemanha nazista ou na Itália de Mussolini, onde o Estado, utilizando-se do instrumento a ele conferido – Direito Penal – reprimia uma série de condutas que entendia, diante do contexto social que vivenciava, nocivas e, portanto, perniciosas à sociedade, ferindo direitos e garantias outrora reconhecidas por legislações anteriores.
Portanto, o Direito Penal é um forte, senão maior instrumento, nas mãos do Estado, com vistas à manutenção do poder. Conquanto, diante deste quadro, a história nos fornece diversos exemplos de como o Direito Penal foi mal utilizado por inúmeros governantes, elegendo condutas que não demandavam resposta através do Direito Penal, haja vista que o estado utilizava de critérios não, necessariamente, jurídicos na eleição de condutas criminosas, mas sim, critérios políticos e subjetivos, visando apenas a manutenção e sustentação no poder.
Diante desta fundamentação o postulado que deve determinar e vincular o Estado, através do legislador, na eleição de condutas criminosas, é tarefa bastante árdua e difícil, mas os erros e excessos do passado, como no Absolutismo, na Idade Média e a Segunda Grande Guerra Mundial, fornecem parâmetros de como não agir e as vitórias conquistadas através da Revolução Francesa e do Iluminismo, são nortes a serem seguidos pelo legislador no sentido de ter um Direito Penal justo e condizente com os valores humanitários de uma sociedade democrática, valorizando acima de tudo a dignidade da pessoa humana.
Com a finalidade de concretizar um Direito Penal que atenda aos ideários da sociedade hodierna, duas premissas deverão sempre orientar e pautar o legislador, quais sejam: o seu caráter fragmentário e o Direito Penal como ultima ratio.
Pelo caráter fragmentário, significa dizer que o Direito Penal elege determinadas condutas, dentro de um contexto social, que deve merecer
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resposta penal, ou seja, reprime apenas fragmentos de condutas e não todas; por ultima ratio, entenda-se que o Direito Penal deve agir apenas e tão somente como último instrumento por parte do Estado. Ou seja, se outros instrumentos legais, como direito civil, administrativo, são suficientes para resolução do conflito, não se deve utilizar o Direito Penal, haja vista sua característica repressiva e, portanto, mais grave, suprimindo, por vezes, direitos como a liberdade, patrimônio e até a própria vida.
A respeito da ultima ratio, BERND SCHÜNEMANN[1]:
O significado da fórmula da ultima ratio tem sido discutido de maneira geral no que se atêm as relações entre direito penal e direito administrativo. Segundo TIEDMANN, em muitos casos o direito penal representa a medida menos grave, porque o controle por uma autoridade administrativa apenas é suficientemente eficiente se exercido com muito rigor, o que é um peso também para os cidadãos que se comportam conforme a lei.
Preciso o magistério de LUIS GRECO[2], a respeito da ultima ratio, os trazendo como sinônimos de acessoriedade, intervenção mínima e sua aproximação com o princípio da fragmentariedade.
O princípio da subsidiariedade, também denominado princípio da ultima ratio, da acessoriedade, da intervenção mínima, e de sentido bastante próximo ao chamado princípio da fragmentariedade, é amplamente reconhecido na moderna ciência do direito penal. A doutrina esmagadoramente majoritária o compreende da seguinte maneira: como o direito penal representa a intervenção mais gravosa na liberdade dos cidadãos, o Estado só está legitimado a recorrer ao direito penal quando não dispuser de outro meio menos grave para coibir a prática de determinado comportamento. Apesar de, na maior parte dos casos,
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se mencionarem entre os meios menos graves outros ramos do direito, em especial o direito administrativo ou o direito civil, alguns autores apontam, acertadamente, que também meios extra-jurídicos devem ser levados em conta.
Porquanto, a tarefa de determinar a diretriz a ser adotada pelo Estado, na eleição de condutas criminosas é deveras difícil, haja vista o vasto campo de discricionariedade por parte do detentor do poder. No entanto, a fim de frear esse poder, necessário se faz estabelecer qual o efetivo objetivo do direito penal.
Para CLAUS ROXIN[3]:
A questão a respeito de quais princípios gerais podem limitar a faculdade penal estatal de punir é bastante controvertida e objeto de extensa literatura. [...] Meu ponto de partida é o seguinte: os limites da faculdade estatal de punir só podem resultar na finalidade que tem o direito penal no âmbito do ordenamento estatal. Quero descrever esta finalidade de uma maneira que ela possa ser objeto de consenso na cultura ocidental e também em vastas partes do mundo.
1. Objetivos do Direito Penal;
A terminologia a respeito do tema é diferente consoante a doutrina a ser utilizada, fala-se em missão ou função do Direito Penal, mas o que se necessita saber é qual sua efetiva finalidade e objetivo, na medida em que, definidos estes parâmetros – missão, objetivo ou função – é possível fornecer subsídios que limitem a atuação legislativa, por vezes, repressora, através do Direito Penal.
Para FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO[4] a missão do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos, conforme segue:
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A tarefa imediata do direito penal é, portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos. Nisso, aliás, está empenhado todo o ordenamento jurídico.
Para CLAUS ROXIN[5] a finalidade do direito penal é “[...] garantir a convivência pacífica na sociedade [...]”, através da proteção de bens jurídicos.
GUNTER STRATENWERTH e HIRSH são contrários à tese de que o Direito Penal tem como objetivo a proteção a bens jurídicos, conforme preleciona CLAUS ROXIN[6]:
HIRSCH entende que o conceito de bem jurídico como entidade pré-existente ao critério do legislador não existe. O conceito de bem jurídico oferece um enfoque apto para a limitação imanente do Direito Penal. STRATENWERTH remete as múltiplas e diversas definições de bem jurídico existentes na literatura e assim conclui que “conseguir uma completa definição material de bem jurídico”, é impossível. Indo mais adiante, defende a opinião de que a razão pela qual se cria um tipo penal não é a proteção de bens jurídicos, senão a conduta indesejável.
Para GUNTHER JAKOBS[7] a função do Direito Penal consiste na manutenção da vigência da norma, não descartando a proteção jurídica do bem, mas centrando-se na proteção da norma, como meta fundamental do Direito Penal. Para o penalista alemão, uma vez garantida a vigência da norma, por corolário, o bem jurídico estará protegido.
O direito penal garante a vigência da norma, não a proteção de bens jurídicos. Neste ponto, os representantes da tese da proteção dos bens jurídicos argumentarão que isso não deve, de forma alguma, ser uma contraposição; pelo contrário, dirão que o decisivo é limitar o direito penal à proteção da
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vigência daquelas normas que proíbem afetar um bem, e deslegitimar as outras normas, especialmente, aquelas que se caracterizam por proteger determinadas convicções morais.
Desta forma temos posicionamentos que se confrontam a respeito da missão do Direito Penal, de um lado, defendendo que sua missão seria a proteção dos bens jurídicos, de outro a proteção da vigência da norma, para os adeptos do funcionalismo sistêmico, tendo como precursor GUNTHER JAKOBS, nada obstante as posições contrárias GUNTER STRATENWERTH e HIRSH.
Dando enfoque às razões que fundamentam a não aceitação da teoria do bem jurídico penal, FÁBIO ROBERTO D´AVILA[8]assim se manifesta:
Entre velhos e novos argumentos alega-se, principalmente, (a) sua incapacidade em contribuir para a definição da tutela obrigatória, estaria restrita à tutela possível, nada dizendo sobre a obrigatória; (b) insuficiência enquanto argumento crítico, mesmo que restrito a definição de tutela possível; (c) a impossibilidade de obter-se uma definição material de bem jurídico ou mesmo a sua não preexistência ao legislador; (d) a sua inadequação a técnicas de tutela em expansão, nomeadamente no direito penal secundário, (e) a falácia do seu contributo na superação de delitos de cunho meramente moral, uma vez que, para a proibição de uma conduta, bastaria ser ela indesejada e, em razão disso, objeto de um acordo de base social e legislativamente reconhecido.
Contudo, pesem as argumentações em sentido contrário e o calibre de seus autores, a doutrina majoritariamente inclina-se no sentido de que a finalidade principal do Direito Penal consiste justamente na proteção de bens jurídicos, finalidade esta que vai ao encontro do conceito material do
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crime, no qual o delito consiste em lesão ou ameaça de lesão a bens juridicamente tutelados.
Segundo PAULO CÉSAR BUSATO e SANDRO MONTES HUAPAYA[9], a missão do Direito Penal consiste:
Deste modo, para que tenhamos um Direito Penal que expresse verdadeiramente os propósitos dos iluministas de igualdade e liberdade, somente é possível conceber como missão do Direito Penal a garantia igualitária de proteção aos bens jurídicos indispensáveis para o desenvolvimento social do homem, através da sanção aos ataques mais graves dirigidos contra tais bens jurídicos.
Ainda nessa posição, MARCIA DOMETILA LIMA DE CARVALHO[10] assim se manifesta a respeito da função do Direito Penal: "A doutrina moderna tem entendido, como função primordial do Direito Penal, a proteção dos denominados bens jurídicos".
Ainda trazendo à baila as lições CLAUS ROXIN[11] a respeito dos defensores de que o objetivo do Direito Penal consiste na proteção de bens jurídicos:
Sem embargo, a idéia de proteção de bens jurídicos como instrumento de limitação da intervenção jurídico penal também tem encontrado comprometidos defensores. HASSEMER, protagonista há mais de 30 anos do chamado conceito “crítico” de bem jurídico e na atualidade Vice-Presidente do Tribunal Constitucional Alemão, tem afirmado, recentemente, que “a proibição sob ameaça de pena de uma conduta que não possa vincular-se com um bem jurídico, constituiria terror estatal [...] a limitação de uma esfera de liberdade não teria nenhum elemento legitimador do que possa extrair-se seu sentido. SCHUNEMANN vincula a renúncia ao potencial crítico do princípio de proteção de bens
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jurídicos como o regresso do Direito Penal “a um nível pré-ilustrado”.
Portanto, forte na premissa maior de que a missão do Direito Penal consiste na proteção a bens jurídicos, ainda resta a difícil tarefa de conceituar o que seria bem jurídico.
Outrossim, destaque-se que o simples o fato de um bem ser juridicamente tutelado, não significa dizer que tenha o respaldo da legislação penal, face às características inerentes ao Direito Penal, isto é, a fragmentariedade e da ultima ratio.
Eleito um bem jurídico, passadas as barreiras da fragmentariedade e da ultima ratio, ter-se-á o que se convém denominar de bem jurídico penal
2. Conceito;
É certo que o direito é dinâmico, evoluindo paralelamente com a sociedade, de igual sorte o conceito de bem jurídico evolui à sua maneira.
Estabelecer um conceito fechado sobre bem jurídico é tarefa quase impossível, mas podem-se estabelecer critérios e parâmetros seguros para sua conceituação, com a meta sempre de limitar o poder repressor do Estado, frente ao arbítrio na utilização do Direito Penal.
A respeito da dificuldade em se conceituar bem jurídico penal, JUAREZ TAVARES[12] assim preleciona: “Dada as variedades com que se apresenta, é praticamente impossível conceituar exaustivamente o bem jurídico. Todas as conceituações geralmente procuram aclarar de forma sintética as diretrizes do pensamento jurídico [...]”.
Frente essa tormentosa tarefa, CLAUS ROXIN[13]conceituou bem jurídico penal da seguinte maneira:
Com apoio nestas reflexões se pode definir o bens jurídicos como realidades ou fins, que são necessários para uma vida social livre e segura, que garanta os direitos humanos e fundamentais do indivíduo, ou
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para o funcionamento do sistema estatal erigido para a consecução de tal fim.
JORGE FIGUEIREDO DIAS[14] também apresenta a dificuldade em se obter um conceito fechado a respeito do bem jurídico penal, assim o conceituando:
[...] a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.
O Direito Penal é resultado de escolhas políticas influenciadas pelo tipo de Estado em que a sociedade está organizada. O direito de punir é uma manifestação do poder de supremacia do Estado nas relações com os cidadãos, principalmente na relação indivíduo-autoridade. A situação histórica, portanto, condiciona o conceito de crime e, conseqüentemente, o conceito de bem jurídico e a sua importância para o Direito Penal.
Ainda procurando um conceito de bem jurídico penal, JUAREZ TAVARES[15] se manifesta da seguinte maneira:
A noção de bem jurídico como interesse juridicamente protegido é produto da idéia privatística, dominante no século passado, que se intrometeu na formulação da teoria do injusto desde VON JHERING. Aqui o marco penal encontra suas delimitações no momento subjetivo, quer dizer, na materialização do exercício da capacidade de contratar por parte do sujeito, de modo que, protegendo-se o interesse, se concebe a vida social como uma resultante de pretensões individuais, as quais dependendo de sua importância se vêem amparadas pela norma de direito público. Há aqui, se bem que ingênua, uma idéia utilitarista da normal penal sobre a base de uma realidade.
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Outrossim, deve-se ressaltar ainda que a proteção aos bens jurídicos, transcende à norma penal, esta na verdade, apenas materializa mediante o comando normativo competente sua proteção. Bens como a vida, patrimônio, saúde, liberdade dentre outros, são protegidos pelo Estado através da norma penal, a norma, por sua vez, materializa sua proteção, sendo correto, portanto, afirmar que o bem é anterior à norma, que a precede, pois são garantias inerentes ao ser humano.
Entrementes, não se deve confundir bem jurídico com objeto material do delito, que são conceitos, absolutamente, distintos e independentes. Bem jurídico é o valor, está no campo da abstração, objeto material é o bem sobre qual recai a conduta do agente, de característica concreta.
PAULO CÉSAR BUSATO e SANDRO MONTES HUAPAYA[16] descrevem a diferença entre bem jurídico penal e objeto material do crime, conforme descrevemos acima:
O objeto material é concreto e representa a configuração material do interesse jurídico. Assim, por exemplo, enquanto o bem jurídico protegido do delito de furto é o patrimônio e no delito de lesões é a integridade física, o objeto material do furto é o carro, a carteira ou o televisor, e o objeto material das lesões é corpo humano. O bem jurídico é interesse jurídico protegido; o objeto material é o objeto sobre o qual incide a ação do sujeito.
Assim, pelos conceitos de bem jurídico trazidos à análise neste artigo, aliado ainda na crença de que o objetivo do Direito Penal consiste na proteção de bens jurídicos e que somente a lesão a bens jurídicos fundamenta um Direito Penal calcado em valores da dignidade da pessoa humana, percebe-se que todos os conceitos convergem numa via única, qual seja, de que bem jurídico são valores, interesses ou, como diz CLAUS ROXIN, garantias para o livre desenvolvimento da pessoa humana. Desta maneira, se o ponto em comum do conceito de bem jurídico centraliza-se na pessoa humana, em valores ou garantias para seu livre desenvolvimento,
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qual e como seria a justificação para criminalizar condutas que não afetem o livre desenvolvimento da pessoa humana. Dito de outro modo, é possível fundamentar a eleição de uma conduta criminosa, através do Direito Penal, que não necessariamente proteja um bem jurídico? É dizer, toda a legislação penal está, necessariamente, vinculada e calcada à teoria do bem jurídico?
Nesse sentido, LUIS GRECO[17], adotando o mesmo posicionamento de CLAUS ROXIN e ROLAND HEFENDEHL, defende uma via não muito convencional, no sentido de que somente o bem jurídico delimita o direito penal, no entanto, abre exceções: “O bem jurídico seria, portanto, quase sempre condição necessária para legitimar uma proibição, salvo face a poucas exceções, como a proteção de animais, da flora e (talvez) dos interesses de gerações futuras”. Ainda nesta exceção, CLAUS ROXIN acrescenta a necessidade de proteção do embrião.
Portanto, finalizando, retroagindo ao conceito de material de crime, no qual consiste o delito em lesão a bem juridicamente tutelado, deve-se estabelecer, após a conceituação de bem jurídico penal, quando e quais são os parâmetros que estabelecem a efetiva lesão a um bem juridicamente tutelado, mas antes, a fim de se estabelecer com segurança os critérios de lesão, necessário se faz analisar as espécies de bens jurídicos penais.
3. Espécies;
O foco central do presente artigo consiste em analisar o Direito Penal, enquanto elemento de controle social, face às atuais necessidades da sociedade, notadamente, no que se referem aos aspectos da crescente criminalidade organizada.
Primou-se por entender que a finalidade do Direito Penal consiste na proteção a bens jurídicos, isso porque tal fundamentação vai ao encontro dos valores da dignidade da pessoa humana, em cotejo com os primados de um Estado Democrático de Direito.
A dogmática penal e a eleição de condutas criminosas, no que se refere à teoria do bem jurídico, num primeiro momento da
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evolução do Direito Penal, centravam sua fundamentação, única e exclusivamente, na proteção a valores individuais, tal como a vida, patrimônio, liberdade, honra dentre outros.
Por conta desta valoração, temos o que se convencionou denominar bem jurídico individual, porque o objeto de sua proteção é individualizado, centralizado e facilmente identificado. A lesão a um bem jurídico individual é constatada sem maiores problemas.
Entretanto, os avanços da sociedade pós-industrial, envolvendo nesse sentido, os conceitos de saúde pública, segurança econômica, meio ambiente (incluindo o conceito a flora, fauna e a biodiversidade), ambiência tecnológica, os efeitos da transnacionalidade, o mercado de capitais dentre outros, fez com que a antiga teoria do bem jurídico penal fosse remodelada.
Essa remodelação na verdade partiu-se de uma constatação. Tal constatação consiste em que, a evolução da sociedade fez surgir valores que o Direito Penal de outrora, mesmo fincado na teoria do bem jurídico, possuía suas limitações.
O avanço da sociedade, com novos valores agregados, fez surgir o que se convencionou denominar de Teoria da Sociedade do Risco, desenvolvida por Ulrich Beck, o qual consiste, segundo RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA[18]:
Na modernidade avançada, a produção social de riqueza vem acompanhada, sistematicamente, por uma correspondente produção social de riscos. Diante disso, os problemas e os conflitos da sociedade são substituídos por problemas e conflitos que surgem da produção, definição e divisão dos riscos produzidos de maneira técnico científica. De fato, essas mudanças conceituais hão de ser percebidas, primeiramente, à medida que se confirma o nível atingido pelas forças humanas produtivas e tecnológicas e, também, pela
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segurança e pelos regulamentos estabelecidos pelo Estado Social, ambos visando, objetivamente, reduzir e excluir socialmente a miséria social.
Ainda no que se refere à Teoria da Sociedade do Risco, PIERPAOLO CRUZ BOTTINI[19] analisa a evolução desenfreada da sociedade, em descompasso com outros ramos do conhecimento, não somente com o Direito Penal:
A obstinação na inovação importa na velocidade da descoberta de novas tecnologias que, por sua vez, decorre do financiamento de pesquisas científicas destinadas a tais finalidades. Este fenômeno cria uma dinâmica peculiar, pois a intensidade do progresso da ciência não é acompanhada pela análise, por parte desta mesma ciência, dos efeitos decorrentes da utilização destas novas tecnologias. A criação de novas técnicas de produção não é seguida pelo desenvolvimento de instrumentos de avaliação e medição dos potenciais resultados de sua aplicação. Do descompasso entre surgimento de inovações científicas e o conhecimento das conseqüências de seu uso surge a incerteza, insegurança, que obrigam o ser humano a lidar com o risco sob uma nova perspectiva.
O avanço da sociedade, agregando novas condutas e valores, fez também com que surgissem novas modalidades de condutas que lesavam interesses que demandavam proteção jurídica penal. Contudo, esta nova faceta da criminalidade lesava bens jurídicos não necessariamente identificados, mas pertencentes a uma coletividade, surgindo então o que se convencionou denominar de bens jurídicos supraindividuais ou universais.
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Para MIR PUIG[20] os bens jurídicos supraindividuais ou universais merecem proteção, através do direito penal, porque:
As mudanças que tem sido usufruídas pelo capitalismo e o modelo de estado em nosso âmbito cultural vêm determinando ou exigindo certas mudanças nos bens jurídicos do Direito Penal. Na atualidade vão abrindo-se passo a opinião de que o Direito Penal deve estender sua proteção a interesse menos individuais [...].
A grande problemática da teoria do bem jurídico supra-individual consiste, justamente, na dificuldade ou mesmo na impossibilidade de se identificar a efetiva lesão ao bem jurídico e também ao sujeito passivo de tal ação, supostamente, delituosa.
Nada obstante às dificuldades acima esposadas, temos também que o conceito de bem jurídico supra-individual possui conceituação vaga, consoante lição de WINFRIED HASSEMER[21]:
Já numa primeira aproximação vemos que as novas leis no âmbito de nosso Direito Penal material (Parte Especial e leis penais especiais) não têm como objeto de proteção apenas bens jurídicos universais, apenas que estes bens jurídicos universais estão formulados de forma especialmente vaga.
Contrário à tese do bem jurídico supra-individual para quem sua definição é prescindível, temos GUNTER STRATENWERTH[22]:
Neste modelo social não pode servir como base na qual tenha que se verificar sua legitimidade na legislação penal de uma época totalmente distinta. Com isto, quero dizer que o conceito de bem jurídico coletivo é prescindível. Por um lado, se a lei protege os interesses individuais mais ou menos consolidados
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de uma pluralidade de sujeitos, talvez um número indeterminado ou de que todos, então não temos que criar nenhum bem jurídico universal a justificar a norma penal (que naturalmente sempre pode ter mais ou menos sentido).
A respeito da problemática envolvendo a adoção da tutela a bens jurídicos universais, interessante a posição de RAUL CERVINI[23], para quem reconhece a necessidade de proteção penal a bens universais, não deixando de lado que a proteção jurídico penal de tal bem, pode, mas não necessariamente, proteger um bem jurídico individual “[...] A respeito da fórmula dois esclarecimentos: a) da afirmação de que o delito econômico ampara básica e prioritariamente bens supraindividuais, não se deve concluir que possa, ademais, restar protegido o interesse jurídico particular [...]”.
Aos defensores do bem jurídico supra-individual ou universal, diz-se que são adeptos da teoria dualista, na medida em que aceitam e convergem no sentido de que existem bens jurídicos individuais e coletivos, ambos, legítimos e merecedores de proteção, através do Direito Penal. Nessa linha de pensamento temos JORGE FIGUEIREDO DIAS, CLAUS ROXIN, KLAUS TIEDMAN, BERND SCHUNEMANN dentre outros.
Por outro lado, os que defendem a existência somente de bens jurídicos individuais, que legitimam a atuação do direito penal, temos a teoria monista, tendo como defensores WINFRIED HASSEMER e GUNTER STRATENWERTH.
Pode-se dizer que a doutrina majoritariamente, tanto nacional como internacional, é favorável à eleição de bens jurídicos universais, como merecedores de proteção jurídica, através do Direito Penal.
A adoção da teoria monista como fundamento de eleição de condutas criminosas leva à impossibilidade de criminalizar condutas como a devastamento florestal, crimes contra a fauna, contra o sistema financeiro dentre outros, vez que nestas modalidades de
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crimes não há lesão a bem jurídico individual, mas universal. Ademais, por tal disciplina, um simples ato de corrupção, sem maiores proporções, também estaria deslegitimado, na medida em que não lesaria interesse individual, mas sim da coletividade, materializado na probidade da Administração Pública.
O que a doutrina pondera é a utilização de critérios sérios na eleição de bens jurídicos universais, na definição de condutas criminosas. Diferente do que se vê nos dias de hoje, na utilização, absolutamente, desarrazoada do Direito Penal, desprezando os critérios da ultima ratio e do princípio da fragmentariedade.
Atualmente há um aumento significativo de leis tipificando condutas como criminosas que poderiam ser amparadas por outros ramos do direito, sobretudo, o Direito Administrativo Sancionador defendido por HASSEMER, caracterizando desta maneira o que se chama de Direito Penal Simbólico. Utiliza-se do Direito Penal como substituto de políticas públicas e sociais, inflacionando a legislação penal, causando com isso, inevitavelmente, a sua ineficácia na proteção de bens jurídicos que, efetivamente, merecem a chancela penal.
Nesse sentido MARCELO DA SILVEIRA CAMPOS[24]:
As políticas de segurança pública e justiça criminal do Brasil pós 1988 sugerem que diferentes conflitos societais ainda são pensados prioritariamente sob a ótica da resolução penal e da criminalização. Ou seja, a instituição e seus mecanismos de legitimação fazem “...desconhecer como arbitrário e a reconhecer como legítimo e natural um limite arbitrário, ou melhor, a operar solenemente, de maneira lícita e extraordinária, uma transgressão dos limites constitutivos da ordem social e da ordem mental a serem salvaguardadas a qualquer preço”
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Portanto, resumidamente, temos bens jurídicos individuais e universais ou supraindividuais, os quais, por seu turno, subdividem-se em bens jurídicos coletivos e difusos, todos consoante a adoção de critérios democráticos e com base na dogmática penal portadores de dignidade penal, respeitados os princípios basilares da ultima ratio e da fragmentariedade.
Retroagindo à problemática do bem jurídico universal, RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA[25] assim se posiciona: “No particular caso dos bens difusos ou supraindividuais, devido à sua própria característica impessoal, nem sempre será confirmado um dano evidente”.
Assim, por conta desta problemática, quando se elege um bem jurídico universal, digno de proteção penal, ocorre, na maioria das vezes, o que se denomina de crime de perigo abstrato, de duvidosa constitucionalidade, para parte da doutrina, objeto do tópico seguinte.
4. Crimes de perigo abstrato;
Para adentrar no questionamento atinente à constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, necessário, estabelecer o conceito de crime de perigo.
Por crime de perigo entenda-se a mera exposição do bem juridicamente tutelado a situação de possível lesão. De toda sorte, a partir desta premissa – possibilidade de lesão – decorre a subdivisão dos crimes de perigo, em concreto e abstrato.
Nos crimes de perigo concreto, para a realização do tipo incriminador, se faz necessária a efetiva exposição de perigo ao bem jurídico, fato que por si só não gera dificuldade no enfrentamento do tema.
Por outro lado, nos crimes de perigo abstrato, basta a realização da conduta prevista no tipo penal para configurar a situação de perigo, de modo que sua exposição efetiva ao perigo não é exigida pela norma penal para consumação do delito.
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Assim, de um lado, o crime de perigo concreto demanda a comprovação de efetiva exposição a dano, leia-se perigo, ao tipo incriminador para sua realização, razão pela qual, pode-se dizer que possui presunção jures tantun. Em sentido, diametralmente, oposto o crime de perigo abstrato não demanda esta efetiva exposição a dano, de modo que a mera conduta já basta para configuração do delito, onde então tem-se que sua presunção éjures et jures.
A doutrina é reticente ao aceitar a criminalização de condutas que não causem lesões efetivas a interesses juridicamente tutelados, tendo como norte o princípio da lesividade e da intervenção mínima. Havendo, inclusive, quem se posicione no sentido de que seria inconstitucional tal modalidade delitiva.
Para os que se posicionam pela inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, entendem que o conceito de bem jurídico penal está totalmente atrelado aos valores estabelecidos pela constituição, não podendo dela se afastar ou mesmo encontrar exceções, conforme posição de MARCO AURÉLIO COSTA MOREIRA DE OLIVEIRA[26]:
O disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, indica como juridicamente relevante a causação de lesões efetivas ou ameaças a direitos, só podendo ser entendidas como verdadeiras ameaças as que sejam concretas, pois ameaças abstratas inexistem. Em conseqüência, a ordem jurídica não deve admitir crimes de perigo abstrato, por não conterem as condições concretas e diretas a afetarem bens fundamentais juridicamente protegidos.
No mesmo sentido, temos LUIZ FLÁVIO GOMES, DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS, ALICE BIANCHINI dentre outros, os quais comungam do entendimento segundo o qual os crimes de perigo abstrato atentam contra o princípio da dignidade da pessoa humana, culpabilidade, ofensividade e lesividade, na medida em que não há lesão, propriamente, dita ao bem jurídico tutelado, mas antecipação da punição estatal.
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Entretanto, em virtude do processo de evolução da sociedade pós-industrial, conforme já explanado em linhas pretéritas, agregando novos valores, a adoção de condutas criminosas, com base no conceito perigo abstrato é algo inevitável, sob pena da sociedade perecer no que se refere à proteção dos bens jurídicos universais.
Neste sentido RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA[27]assim se posiciona:
Verdadeiro fenômeno das sociedades de risco, o enfoque supra-individual do Direito Penal, tem, em grande monta, se utilizado do referencial dos crimes de perigo abstrato. Nesse contexto, aqui tratado quanto ao Direito Penal Econômico, funda-se uma das maiores críticas às novas fronteiras criminais.
[...]
Sem dúvida, enorme quantidade de doutrinadores sustenta que, dada a ampliação ou expansão do Direito Penal, torna imprescindível tal técnica.
Favorável à tese do crime de perigo abstrato, GUNTHER JAKOBS[28] fundamenta que se houve a eleição de um bem jurídico penal, nada mais coerente o legislado punir eventual perigo de lesão a este bem, já previamente tutelado pela norma penal.
De fato, o costume da antecipação do delito é, no direito penal moderno, um problema, cuja gênese, porém, não alheia à tese do direito penal como proteção de bens jurídicos: se do que se trata é da proteção de bens jurídicos, então, essa proteção deve ser efetiva, e dessa perspectiva, não se aceitaria a renúncia à penalidade das condutas geradoras de perigo abstrato. Se no contexto da lesão de um bem, fica aberta a seguinte questão: por que razão há de se esperar até que se produza a lesão?
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Na linha de GUNTHER JAKOBS temos CLAUS ROXIN, BERND SCHUNEMANN citados por GRECO[29]:
Ou seja, é preciso formular critérios de distinção um pouco mais complexos do que um mero tudo ou nada, numa postura que não pode ser, nem de aceitação global, nem de obstinada recusa, mas de busca de um sadio meio termo, ciente da heterogeneidade dos problemas com que se está lidando [...]
Portanto, amparado na melhor doutrina, temos que é perfeitamente plausível e necessário diante do atual contexto da sociedade, a criminalização de condutas, através de crimes cuja exposição ao perigo seja abstrata. Nesse sentido, temos que a utilização encontra-se com maior incidência quando tutela bens jurídicos universais, tanto na modalidade difusa como coletiva.
Ainda quanto à suposta inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da lesividade, preciso o posicionamento de PIERPAOLO CRUZ BOTTINI[30], no sentido da constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato:
A nosso ver, o respeito ao princípio da lesividade não implica a rejeição de plano, dos delitos de perigo abstrato (infra IV, 4.1.3). A lesividade não é verificada apenas nos comportamentos que danificam bens jurídicos, mas abarca também a ameaça real ou potencial dos objetos de tutela, que revela condutas penalmente relevantes. O abalo social que legitima a repressão é revelado inicialmente pela conduta, e não pelo resultado ex post.
Exemplos dessa tutela encontram-se dispostos no Estatuto Repressivo, nos crimes contra incolumidade pública, como também na legislação esparsa, notadamente, no que se convenciona
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chamar de Direito Penal Econômico, onde temos a Lei 7492/86 que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro dentre outros.
O que se deve pugnar é a banalização de crimes de perigo abstrato, procurando sua utilização na proteção de bens jurídicos universais, efetivamente, dignos de tutela pelo Direito Penal, forte nos preceitos da ultima ratio e do princípio da framentariedade, sob pena de perda, por parte do Direito Penal, de sua eficiência e legitimidade.
5. Moral e Bem Jurídico;
Outro tema bastante importante diz respeito à moral e bem jurídico, na medida em que ambos não podem ser tidos como sinônimos, haja vista que a conceituação do que significa a moral é demasiadamente subjetiva, possuindo diversas variantes.
Essas variantes, que podem ser a própria educação, origem, religião, condição social, dentre outros, fornecem critérios, extremamente, inseguros como parâmetro de eleição de condutas perniciosas e que sejam nocivas ao convívio social.
No entanto, não se pode desvincular em absoluto o bem jurídico da moral, na medida em que na maioria das vezes um bem juridicamente tutelado possui como matiz a identificação com a moral. Assim, é correto dizer que existe um mínimo ético de moral aplicado ao direito, mas não é correto padronizar a eleição do bem jurídico com fulcro, única e exclusivamente, na moral, frente à insegurança em utilizar critérios, demasiadamente, subjetivos.
Na Alemanha nazista era comum ter-se como critério definidor da existência de delito a ofensa aos costumes alemães, dando azo a inúmeras injustiças cometidas e ao arbítrio do detentor do poder.
Conforme a lição de KNUT AMELUG[31], a respeito da teoria do bem jurídico, como freio limitador da utilização da moral, como critério de eleição de bem jurídico:
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Esta teoria impede que legisladores e intérpretes protejam a vigência das normas de conduta em si mesma considerada. O perigo de que isto ocorra espreita tanto o Direito penal do despotismo como do moralismo. O déspota pode abusar do Direito penal para forçar atos simbólicos de submissão, isto é, para exigir a obediência pela obediência. O moralista pode impor a moral em interesse da própria moral para assegurar sua fixação na estrutura psíquica. Segundo a teoria do bem jurídico, ambas são ilegítimas.
A doutrina é unânime nesse sentido, ou seja, de que a moral não deve ser utilizada como orientadora e norte na definição de bens juridicamente tutelados e, por via de consequência, merecedores de chancela legal através do Direito Penal.
Tão unânime que é a questão atinente à diferenciação entre bem jurídico e moral, aliado ainda a não vinculação de seus princípios na eleição de condutas, cujo resultado seja a criminalização, que os penalistas alemães CLAUS ROXIN e GUNTHER JAKOBS, que defendem posições absolutamente díspares e antagônicas, sobre a função do direito penal, ambos, acabam por convergirem em suas posições a respeito do tema em comento.
Para CLAUS ROXIN[32]:
Outra consequência da concepção delineada é que a imoralidade ou a reprovabilidade ética de um comportamento não podem legitimar uma proibição penal, se os pressupostos de uma convivência pacífica não forem lesionados. Não se pode fundamentar a punibilidade do homossexualismo, alegando tratar-se de uma ação imoral [...].
No mesmo sentido GUNTHER JAKOBS[33]:
A afirmação positiva de que o direito penal serve à proteção de bens jurídicos, costuma-se vincular uma
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afirmação negativa: as meras infrações morais, por assim dizer, não lesam bem algum e, por isso, não devem ser punidas. Por essa razão, afirma-se que a moral em si mesma – já que uma vulneração desta não afeta a ninguém – deve ficar excluída como bem.
Por fim, segundo EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI[34]:
Sob nenhum ponto de vista a moral em sentido estrito pode ser considerada um bem jurídico. A ‘moral pública’, é um sentimento de pudor, que se supõe ter o direito de tê-la, e que é bom que a população a tenha, mas se alguém carece de tal sentimento [...].
Desta forma, em virtude dos argumentos acima esposados, de longe está a hipótese de vinculação entre bem jurídico e moral. Hipótese que se aproximaria a essa fundamentação, de enorme insegurança jurídica, diga-se de passagem, seria a tese defendida por HANS WELZEL a respeito da função do Direito Penal para o qual seria a proteção de valores ético-sociais, leia-se, moral.
Portanto, a moral como norte na eleição de bens jurídicos dignos de tutela penal é medida que muito se aproxima a regimes totalitários e se distancia de critérios da dignidade da pessoa humana e de um regime baseado no Estado Democrático de Direito.
6.Teoria do bem jurídico e aproximação constitucional;
A doutrina e os próprios tribunais vêm sendo mais sensíveis à aproximação do conceito de bem jurídico penal, em consonância com os valores constitucionais.
Por conseguinte, esta valoração ocorre em vias, absolutamente, distintas: de um lado, a adoção do princípio da lesividade, intervenção mínima e insignificância, os quais refletem uma possível interpretação constitucional que levam à despenalização de condutas que não afetem,
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sobremaneira, bens juridicamente, tutelados ou mesmo que seja reconhecida sua atipicidade. Em sentido oposto, a existência de mandados de criminalização expressos ou implícitos que norteiam o legislador na eleição de condutas que entendem, já no contexto da carta constitucional seja lesiva e, portanto, perniciosa à sociedade.
Partindo desta premissa, tendo o texto constitucional como norte na eleição de bens juridicamente tutelados pelo Direito Penal, toda a legislação penal feita à luz de ordem constitucional diversa deve ser relida, sob o prisma da recepção do novo texto constitucional.
Nesse sentido, MARCIA DOMETILA LIMA DE CARVALHO[35]:
Sendo a constituição a expressão dos princípios fundamentais que inspiram o ordenamento jurídico, nela se encontra inserida a concepção do direito que deverá informar toda a legislação subjacente. O conteúdo da Constituição, expressão centrada do direito existente em uma determinada ordem social, deve ser levado em conta pelas demais normas do sistema jurídico.
No mesmo sentido, FRANCESCO PALAZZO[36]:
Já havíamos acenado, desde as páginas iniciais, para a possibilidade de adequação constitucional de disposições incriminadoras isoladas, no âmbito interpretativo, por parte da jurisprudência constitucional ou ordinária, independentemente de incidência sobre a estrutura externo-linguistica do tipo, mas atuando, tão só, sobre o conteúdo normativo interno, no sentido de melhor adaptá-lo ao cambiante quadro dos valores constitucionais.
Há posição em sentido contrário, entendendo que o critério constitucional não é tão seguro quanto parece, posição esta defendida por PAULO CÉSAR BUSATO e SANDRO MONTES HUAPAYA[37],
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citando como exemplo constituições outorgadas, como a do Brasil, na revolução de 1964, as quais não necessariamente expressavam valores democráticos. Para os penalistas citados “[...] o bem jurídico cuja defesa incumbe ao Direito Penal é aquela cuja proteção implica a manifestação de garantias de igualdade e liberdade cidadãs.”
Assim, em virtude das proposições acima esposadas, é correto dizer que todo o processo de eleição de bens juridicamente tutelados deve ter como espelho a constituição? Em caso afirmativo, não seria despropositada toda a discussão a respeito do bem jurídico, na medida em que bastaria utilizar como parâmetros os valores estabelecidos pela Carta Política?
Na verdade, o legislador deve ter como norte a Carta Política, mas sempre, tendo o freio limitador fornecido pela ultima ratio e fragmentariedade, haja vista que nem todos os valores protegidos pela Constituição, necessariamente, possuem dignidade penal.
Neste sentido a posição de LUIS GRECO[38]:
Creio que a resposta deve recair em sentido negativo, porque o bem jurídico penal, apesar de ter de ser arrimado na constituição – afinal, doutro modo, não poderia limitar o poder do legislador -, deve ser necessariamente mais restrito do que o conjunto dos valores constitucionais. Nem tudo o que a constituição acolhe em seu bojo pode ser objeto de tutela pelo direito penal. A palavra-chave aqui é o princípio da subsidiariedade e ultima ratio, ou da intervenção mínima
[...]
A nossa constituição protege até mesmo os interesses do Colégio Pedro II, ao qual dedica dispositivo próprio, em que declara: “O Colégio Pedro II, localizado na Cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal (art.242 §2°)
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Portanto, diante do que acima foi exposto, o legislador ordinário utilizará como critério norteador para eleição de bens jurídicos dignos de tutela penal, aqueles cuja diretriz tenha como referência os valores constitucionais, conforme preleciona RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA[39]: “[...] os valores essenciais devem ter referência constitucional, estando o legislador ordinário obrigatoriamente vinculado a uma proteção de bens jurídicos, prévia ao ordenamento penal”.
Entretanto, com o ímpeto de trazer à baila os principais posicionamentos doutrinários, importante mencionar o posicionamento de ÉDSON LUIS BALDAN[40], no que se refere à necessidade aproximação dos bens jurídicos aos valores expressos em tratados internacionais, valores estes que teriam maior segurança jurídica, na medida em que não se estaria à mercê da legislação do país, o qual por conjunturas governamentais pode adotar uma Constituição não necessariamente garantidora:
A relevância hodierna da ordem jurídica supranacional avulta, em especial, na proteção dos direitos fundamentais do indivíduo, sendo o instrumento mais atual e relevante do ponto de vista penal, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, recentemente incorporado ao ordenamento brasileiro. Os indivíduos, antes submissos em absoluto às leis de seu país, tornaram-se hoje sujeitos de direito internacional e, nessa condição, a essa normativa podem recorrer para defesa de seus direitos subjetivos.
CONCLUSÃO
De tudo o que foi exposto, comungamos do entendimento no sentido de que a objetivo principal do Direito Penal consiste na proteção de bens jurídicos, amparados, obviamente, em sólida doutrina nacional e internacional, mormente, pelos postulados de CLAUS ROXIN e BERND SCHUNEMAN.
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O critério orientador de eleição dos bens jurídicos por parte do legislador deve consistir na aproximação com os valores constitucionais, no entanto, pensamos também que os valores previstos em Convenções e Tratados Universais relativos a direitos humanos devem nortear a escolha de bens com dignidade penal.
Bens jurídicos supraindividuais são uma realidade da sociedade moderna, especialmente, em virtude da globalização e da sociedade de risco, de modo que o Direito Penal deve-se adequar aos novos valores agregados, sob pena da sociedade perecer em virtude de lesão a bens essenciais para convivência.
Nesse aspecto, os crimes de perigo abstrato, a despeito de respeitosa posição em sentido contrário, são fundamentais para a que haja proteção efetiva a bens com dignidade penal, como os de origem supraindividual, no entanto, referida modalidade penal deve ser usada sob estrita observância dos princípios norteadores do Direito Penal, ou seja, a fragmentariedade e a ultima ratio.
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NOTAS:
[1]¡El derecho penal es la ultima ratio para la protección de bienes jurídicos! Sobre los limites inviolables del derecho penal en un Estado liberal de derecho. Traducción de Ángela de la Torre Benítez, p.52 (tradução livre do autor).
[2]Breves reflexões sobre os princípios da proteção de bens jurídicos e da subsidiariedade no Direito Penal, p.266.
[3] Estudos de Direito Penal: Tradução Luis Greco, p.32.
[4] Princípios Gerais do Direito Penal, p.13-14.
[5] Ibid., p.33.
[6]¿Es la protección de bienes jurídicos uma findalidad del Derecho penal?, p.445 (tradução livre do autor).
[7] Direito Penal e Funcionalismo: Tradução André Luiz Callegari, Nereu José Giacomolli e Lúcia Cali, p.34.
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[8]Aproximações à teoria da exclusiva proteção de bens jurídicos no direito penal contemporâneo, p.10-11.
[9] Introdução ao Direito Penal, Fundamentos para um Sistema Penal Democrático, p.35.
[10] Fundamentação Constitucional do Direito Penal, p.33.
[11]¿Es la protección de bienes jurídicos uma findalidad del Derecho penal?, p.446. (tradução livre do autor).
[12] Bien Jurídico Y Función en Derecho Penal,p.11(tradução livre do autor).
[13] Ibid., p.448 (tradução livre do autor).
[14] Direito Penal: parte geral, t.I, p.114.
[15] Teoria do Injusto Penal, p.177.
[16] Ibid. p.52-53.
[17]Breves reflexões sobre os princípios da proteção de bens jurídicos e da subsidiariedade no Direito Penal, p.259.
[18] Direito Penal Supra Individual: Interesses Difusos, p.28.
[19] Crimes de Perigo Abstrato, p.35-36.
[20] Derecho Penal: Parte General, p. 135 (tradução livre do autor).
[21] Pena y Estado: Función simbólica de la pena, p.32 (tradução livre do autor).
[22] La criminalización em los delitos contra biens jurídicos colectivos, p.371-372 (tradução livre do autor).
[23] Derecho Penal Económico: concepto y bien jurídico,p.88. (tradução livre do autor).
[24] Crime e Congresso Nacional, uma análise da Política Criminal aprovada de 1989 a 2006, p.212.
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[25] Direito Penal Supra Individual, Interesses Difusos, p.89.
[26] Crimes de perigo abstrato, Disponível em: <www.ibccrim.org.br>, consulta em 01/11/2010.
[27] Direito Penal Econômico como Direito Penal de Perigo, p.154-155.
[28] Direito Penal e Funcionalismo, tradutores André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli, Lúcia Kalil, p.42.
[29] Princípio da Ofensividade e crimes de perigo abstrato: Uma introdução ao debate sobre o bem jurídico e as estruturas do delito, p.126.
[30] Ibid., p.172.
[31] El concepto “Bien Jurídico”, em la teoria de la protección penal de bienes jurídicos, p.246-247 (tradução livre do autor).
[32] Estudos de Direito Penal: Tradução Luis Greco, p.37-38.
[33]Ibid., p.32.
[34] Manual de Direito Penal Brasileiro, v.1, Parte Geral., p.399.
[35] Ibid., p.36-37.
[36] Valores Constitucionais e Direito Penal: Um estudo comparado, Tradução Gérson Pereira dos Santos, p.96-97.
[37] Ibid., p.52.
[38]Princípio da Ofensividade e crimes de perigo abstrato – Uma introdução ao debate sobre o bem jurídico e as estruturas do delito, p.100-101.
[39] Direito Penal Supra-Individual, p.51.
[40] Intertipicidade Penal, f.45.
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BOA-FÉ E FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
LIZIANE BAINY VELASCO: Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
Resumo: Tem‐se como objetivo a conceituação de boa‐fé (aspectos
objetivo e subjetivo) e função social enquanto princípios fundamentais (os
quais redundam em verdadeira conditio sine qua non do direito
obrigacional) estabelecidos pelo ordenamento pátrio aos contratos e suas
implicações, bem como a aplicação dos referidos princípios no caso
concreto e sua análise.
Palavras‐chave: princípios contratuais, boa‐fé objetiva, função social.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E ASPECTOS
HISTÓRICOS DA BOA‐FÉ. 2. DIFERENCIAÇÃO ENTRE BOA FÉ SUBJETIVA E
BOA‐FÉ OBJETIVA. 3. ASPECTOS GERAIS ACERCA DA BOA‐FÉ OBJETIVA. 4.
BOA‐FÉ: APLICAÇÃO EM CASOS CONCRETOS. 5. ASPECTOS GERAIS ACERCA
DA FUNÇÃO SOCIAL. 6. FUNÇÃO SOCIAL: APLICAÇÃO EM CASOS
CONCRETOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO Os contratos são, indubitavelmente, a principal fonte do Direito
Obrigacional. Decorrem de ato humano entre partes distintas, bastando a
tais, precipuamente, o consenso acerca do estabelecido.
A visão tradicional que deu à luz ao Código Civil de 1916 vê nas
relações obrigacionais vínculo de subordinação do devedor frente ao
credor (o dominus da relação), de forma que este tem o direito de receber
seus créditos e aquele, apenas o dever de adimplir a obrigação.
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À luz de 1988, todavia, percebe‐se nitidamente que, para além do
já afirmado, cabe ao credor o cumprimento do que lhe compete, assim
como ao devedor, o direito de adimplir a obrigação. A partir do texto
constitucional (que vem romper com um passado essencialmente liberal
e patrimonialista) as relações obrigacionais veem‐se, mais do que nunca,
baseadas em princípios e carentes de tais para, fatalmente, obrigar as
partes e produzir efeitos de fato.
O presente artigo objetiva elucidar recorrentes dúvidas acerca dos
conceitos de dois princípios fundantes a partir, sobretudo, da óptica social
que predomina (ou deve predominar) as relações contratuais pós‐1988: a
boa‐fé – objetiva e subjetiva – e a função social.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E ASPECTOS HISTÓRICOS
DA BOA-FÉ
De acordo com o art. 422 do Código Civil, o princípio da boa‐fé
consiste na exigência de que ambas as partes se comportem de maneira
correta durante a formação e o cumprimento do contrato, bem como
durante as tratativas.
O princípio da boa‐fé recomenda ao juiz que esta seja presumida,
devendo ser comprovada a má‐fé por quem a alega. Segundo Gonçalves,
“deve este [juiz], ao julgar demanda na qual se
discuta a relação contratual, dar por pressuposta a
boa‐fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão
de conduta, de agir com retidão, ou seja, probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem
comum, sendo atendidas as peculiaridades dos usos
e costumes do lugar” (2012, pág. 54).
A regra da boa‐fé é cláusula geral para a aplicação do direito
obrigacional, que junto da consideração de outros princípios jurídicos e de
fatores não‐jurídicos, colaboram para a resolução do caso.
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O antigo ordenamento civil que existia no nosso país privilegiava
os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos
contratos, seguindo um viés individualista. Já o novo sistema civil
implantado fornece ao juiz um novo instrumental, tendo como base os
princípios da sociabilidade e operabilidade que deu nova feição aos
princípios fundamentais dos contratos, incorporando novos institutos,
especialmente a boa‐fé e a probidade.
Pondera Gonçalves que “o juiz deve rigorosamente aplicar no
julgamento das relações obrigacionais: a boa‐fé objetiva, o fim social do
contrato e a ordem pública”. (2012, pág. 55). Assim, percebe‐se o quão
fundamental é a boa‐fé nas relações jurídicas obrigacionais.
2. DIFERENCIAÇÃO ENTRE BOA-FÉ SUBJETIVA E BOA-FÉ
OBJETIVA
A boa‐fé subjetiva pode ser facilmente percebida como “dizer o
que se acredita e acreditar no que se diz”. Era presente no Código Civil de
1916. Está diretamente vinculada, via de regra, a um entendimento
equivocado quanto à realidade fática. A esse respeito, Venosa afirma que
“o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista
o grau de conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado
de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado” (2013,
pág. 396).
Partindo de seu caráter eminentemente subjetivo (como
evidencia sua denominação), é fundamental que o intérprete considere a
intenção do sujeito. Não à toa, é também denominada
concepção psicológica da boa‐fé.
Por sua vez, a boa‐fé objetiva tem compreensão diversa. Essa
concepção ética de boa‐fé corresponde a “uma regra de conduta e um
dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos
e reconhecidos”, elucida Venosa.
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Gonçalves sustenta que o elemento inovador da boa‐fé no Código
de 2002, com profundo impacto na gênese da relação obrigacional, é seu
aspecto objetivo, “que se constitui em norma jurídica fundada em um
princípio geral do direito, segundo o qual todos devem comportar‐se de
boa‐fé nas suas relações recíprocas” (2012, pág. 56).
3. ASPECTOS GERAIS ACERCA DA BOA-FÉ OBJETIVA
Diz o art. 422 do Ordenamento Civil: “Os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa‐fé”. Tal norma legal é aberta,
uma vez que, aduz Gonçalves, cabe ao julgador entender como o
contratante deveria ter procedido frente a determinada circunstância.
Deve haver uma comparação entre as atitudes que seriam tomadas pelo
“homem médio” naquela situação e as que de fato ocorreram.
“Se houver contrariedade, a conduta é ilícita
porque violou a cláusula da boa‐fé, assim como veio
a ser integrada pela atividade judicial naquela
hipótese. Somente depois dessa determinação, com o
preenchimento do vazio normativo, será possível
precisar o conteúdo e o limite dos direitos e deveres
das partes” (GONÇALVES, 2012, pág. 58).
Depreende‐se do exposto no artigo supracitado que a boa‐fé deve
se fazer presente não apenas em pontos específicos da relação contratual,
mas antes, durante e após a obrigação ter sido celebrada, e é de tal forma
abrangente que o descumprimento de algum dever anexo ou colateral
compromete a boa‐fé objetiva da relação como um todo, sendo
identificado o inadimplemento do contrato. “Esses deveres anexos”,
afirma Gonçalves, “excedem o poder de prestação e derivam diretamente
do princípio da boa‐fé objetiva” (2012, pág. 59). São exemplos os deveres
de esclarecimento, de proteção, de conservação, de lealdade, de
cooperação etc.
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Venosa e Gonçalves aludem à função limitadora do princípio da
boa‐fé – “veda ou pune o exercício de direito subjetivo quando se
caracterizar abuso da posição jurídica” (2012, pág. 60).
Elemento digno de destaque é a proibição de venire contra factum
proprium, a qual
“protege uma parte contra aquela que pretende
exercer uma posição jurídica em contradição com o
comportamento assumido anteriormente. Depois de
criar uma certa expectativa, em razão de conduta
seguramente indicativa de determinado
comportamento futuro, há quebra de princípios de
lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato
contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à
contraparte” (2012, pág. 60).
Sabiamente formulado, o Enunciado 362 da IV Jornada de Direito
Civil aponta para essa direção, afirmando que “a vedação do
comportamento contraditório funda‐se na proteção da confiança, tal
como se extrai dos artigos 187 e 422 do Código Civil” (2012, pág. 61).
Suppressio, surrectio e tu quoque são conceitos correlatos à boa‐
fé objetiva identificados por Gonçalves, haja vista a função integrativa que
esta assume ao suprir as lacunas do contrato e trazer deveres implícitos
às partes contratuais.
A suppressio corresponde à literal supressão de direito que, em
razão do seu não exercício continuado, não poderá posteriormente sê‐lo,
por contrariar a boa‐fé; a surrectio, por sua vez, sendo a outra face
da suppressio, corresponde ao nascimento de direito a partir de repetitiva
prática de determinado ato; o tu quoque “veda que alguém faça contra o
outro o que não faria contra si mesmo” (2012, pág. 62).
4. BOA-FÉ: APLICAÇÃO EM CASOS CONCRETOS
Para melhor esclarecer de que forma a boa‐fé configura uma
cláusula geral para a aplicação do direito obrigacional, permitindo‐se
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assim a solução do caso levando em consideração fatores metajurídicos e
princípios jurídicos gerais, faz‐se necessário que se analise casos
concretos.
a) Ementa:
“APELAÇÃO CÍVEL. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE
RISCO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMPROVADA.
ÊXITO PROCESSUAL. HIPÓTESE EM QUE A RÉ
CONTRATOU OUTROS PROFISSIONAIS PARA AJUIZAR
DEMANDA COLETIVA, EM DETRIMENTO DO
ADVOGADO CONTRATADO. FRUSTAÇÃO DO
PAGAMENTO. REVOGAÇÃO DO MANDATO APÓS O
TRÂNSITO EM JULGADO.
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA BOA‐FÉ. APLICAÇÃO DOS ARTS. 112 E
422 DO CÓDIGO CIVIL. ART. 22 DO ESTATUTO DA
OAB. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE. POR UNANIMIDADE, DERAM
PROVIMENTO À APELAÇÃO. (APL Nº 70050737121 –
TJ/RS)”.
Neste caso, RENATO BONFIGLIO ingressou com Ação de Cobrança de Honorários Advocatícios em face de ADRIANE ELISE VIEIRA. Alegou que em 02/08/1993 a requerida lhe outorgou mandato para propor demanda perante o INSS, junto a 1ª Vara Federal de Piracicaba-SP. Sustentou que, quando o processo já se encontrava em fase de execução de sentença, ficou sabendo que a demandada já havia recebido o que estava sendo pleiteado, visto que havia ingressado, anteriormente, por meio de órgão regulador de sua classe profissional, com ação coletiva. Disse que nunca havia sido comunicado pela requerida sobre a existência de outro processo tratando do mesmo pedido. Declarou que nada recebeu pelo trabalho realizado, sendo que foi contratado com a autora o recebimento de 15% da vantagem financeira que decorreria da procedência da demanda. Afirmou que a requerida optou por receber em ação coletiva, apesar de ter obtido a procedência do
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pedido através de seus serviços, devendo efetuar o pagamento dos honorários com base no que foi recebido naquela demanda. Aduziu que atuou com zelo e prudência, cumprindo os atos para os quais foi designado. Requereu a procedência do pedido com a condenação da ré ao pagamento de 15% sobre o valor recebido na ação coletiva. Postulou seja juntado aos autos cópia do precatório recebido na referida ação, para que reste comprovado o montante recebido.
Por conseguinte, percebe-se que, em suas razões de apelação, o autor discorre a respeito da natureza jurídica do contrato de mandato e de prestação de serviços advocatícios, asseverando que embora o objeto tenha sido aleatório (de risco), não autoriza a demandada a contratar outros profissionais para patrocinar o mesmo objeto - por meio de ação coletiva - sem comunicar e pagar o demandante, que continuou trabalhando até o fim da demanda ajuizada, cumprindo o contrato e o mandato que lhe fora outorgado. Desta forma, em razão do trabalho prestado e êxito no feito ajuizado, entende que a demandada deve responder pelo percentual contratado (15%), nos termos do art. 422 do Código Civil, em detrimento da má-fé da ré, que se valeu de manobra ardilosa, consistente na expectativa de qual demanda seria julgada primeiro. Por fim, informa que a apelada somente não recebeu a vantagem financeira obtida no feito ajuizado pelo autor, porquanto já havia recebido nos autos da ação coletiva proposta por outros profissionais. Pede o provimento para julgar procedente a ação, o que é conferida por unanimidade pelos Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado.
Dessa forma, notadamente se percebe que a conduta praticada
pela ré não somente mostra‐se injusta, como também se manifesta
ardilosa e incompatível com o princípio da boa‐fé, qual seja, o dever das
partes de agir de forma correta, eticamente aceita, antes, durante, e
depois do contrato. Na visão de Gonçalves:
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“O princípio da boa‐fé exige que as partes se
comportem de forma correta não só durante as
tratativas, como também durante a formação e o
cumprimento do contrato. Guarda relação com o
princípio de direito segundo o qual ninguém pode
beneficiar‐se da própria torpeza. Recomenda ao juiz
que presuma boa‐fé, devendo a má‐fé, ao contrário,
ser provada por quem alega. Deve este, ao julgar
demanda na qual se discuta a relação contratual, dar
por pressuposta a boa‐fé objetiva, que impõe ao
contratante um padrão de conduta, de agir com
retidão, ou seja, com probidade, honestidade e
lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas
as peculiaridades dos usos e costumes do lugar”.
(2012, p. 54)
Além disso, cabe destacar – e que inclusive também motivou os
Desembargadores a julgarem procedente por unanimidade a ação – o fato
de que o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94, art. 22, caput), dispõe
que a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na Ordem
dos Advogados do Brasil o direito aos honorários advocatícios
convencionados, aos fixados por arbitramento judicial, e aos de
sucumbência.
b) Ementa:
“CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA E
VENDA DE APARELHO CELULAR ‐ COMPANHIA
TELEFÔNICA QUE VENDE, MAS NÃO ENTREGA
APARELHO TELEFÔNICO A CONSUMIDOR – RECURSO
NÃO PROVIDO – SENTENÇA MANTIDA.(ACJ
2005.10.1.004733‐2 – TJ/DF)”.
A lide iniciou com a não entrega de aparelho celular comprado via
telemarketing pelo valor de R$ 49,00. Apesar das várias ligações de
reclamação da demora da entrega do aparelho para o número de
atendimento da empresa BRASIL TELECOM CELULAR S/A, a mesma
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47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56911
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recusava‐se a enviar o aparelho que havia sido pago na data estabelecida.
Ainda que tenha apresentada contestação alegando que houve erro no
cadastramento e que a operadora do telemarketing ofereceu por R$ 49,00
um aparelho que custava R$ 499,00 e se comprometido a devolver o valor
pago, a empresa foi sentenciada a entregar o aparelho no modelo
comprado, no prazo de 10 dias e, a título de indenização por danos morais,
pagar a quantia de R$ 3.000,00 à parte autora. A empresa de telefonia
recorreu. O recurso não foi provido e a sentença foi mantida. A sentença
do juiz foi motivada, dentre outros princípios, pelo princípio da boa‐fé
objetiva (artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor).
Afirmou o Sr. Juiz Antônio da Silva Lemos, do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios que “a boa‐fé objetiva representa o padrão de
conduta esperado do fornecedor na sua atuação no mercado”. Visto que
a autora agiu de boa‐fé, uma vez que escolheu comprar aparelho pelo
valor anunciado pela própria empresa, esperava‐se a mesma boa‐fé da
parte ré na clareza e adequação de informações sobre o produto, para que
a consumidora pudesse ter sua expectativa correspondida. Fica
caracterizada má‐fé da empresa no momento em que a mesma formaliza
a venda sem mencionar a diferença do preço e, após tudo contratado, e
adimplido pela autora, a empresa não cumpre a obrigação de entregar o
aparelho. Em resumo, a empresa foi obrigada a entregar o produto
anunciado e no valor anunciado, afinal, entendeu‐se que o consumidor
não deveria arcar com os erros de informação da empresa.
c) Ementa:
INDENIZAÇÃO. CONTA CORRENTE BANCÁRIA.
CHEQUE ESPECIAL. CORRENTISTA QUE VÈ SEU SALDO
DEVEDOR AUMENTAR PAULATINA E
PROGRESSIVAMENTE, ENQUANTO DEIXA DINHEIRO
APLICADO EM INVESTIMENTO RECOMENDADO PELO
RÉU. RESGATE DA APLICAÇÃO SUBSTANCIALMENTE
DESTINADO A COBRIR O SALDO DEVEDOR DA CONTA
CORRENTE. HIPÓTESE EM QUE A INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA DEVE SER OBRIGADA A INDENIZAR O
PREJUÍZO, POR NÃO TER AGIDO COM A BOA‐FE
EXIGÍVEL. CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CONFIGURADA. DANO MORAL DA AUTORA
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CARACTERIZADO. DEVER DE INDENIZAR. RECURSO
DA AUTORA PROVIDO EM PARTE. (APL N° 1.318.755‐
2 TJ/SP).
A contenda inicia‐se com cobrança de saldo devedor de conta
bancária. A parte autora – cliente – alega que o banco ITAU/SA – parte ré
– agiu de má‐fé, pois o que ocorreu foi o seguinte: Mesmo tendo renda
mensal baixa, a cliente do banco foi aconselhada a utilizar cheque especial
e teve seu limite aumentado para R$ 50.000,00. Ao mesmo tempo, foi
também acordado verbalmente que a aplicação de regime de resgate
automático que a cliente tinha neste banco deixasse de ter esse tipo de
resgate, ficando o montante a lucrar no banco. Ocorre que a cliente
continuou a retirar o dinheiro que acreditava serem os rendimentos de
sua aplicação quando, na verdade, estava sacando do limite. Quando o
saldo devedor chegou próximo aos R$ 50.000,00 do limite, a cliente foi
chamada ao banco para adimplir esse saldo devedor, a fim de que a cliente
pagasse com o dinheiro de sua aplicação. A Justiça entendeu que o banco
não agiu com a diligência exigível, mas que a cliente também foi
negligente, pois não foi averiguar junto ao banco o porquê de não estar
mais recebendo os extratos mensais. O banco errou, pois fez um contrato
verbal que implicava em grandes mudanças e com informações as quais
uma senhora de idade podia não ter o entendimento necessário para
medir as consequências. Pelo exposto, o Tribunal concluiu que estava
configurada concorrência de culpas: culpa da autora por não examinar os
lançamentos (dever do correntista de diligência mediana) e deixar os fatos
tomarem as proporções que tomaram, e culpa do réu que não agiu com a
boa‐fé exigível em qualquer relação contratual, agindo de forma a violar
deveres como proteção de informação e lealdade (mesmo sendo deveres
secundários devem ser sempre observados). O que um cliente espera é
que o profissional do banco detenha o conhecimento necessário para
detectar situações como esta e não de usar esse conhecimento em
desfavor do cliente. Já que a concorrência de culpas foi a conclusão a qual
o Tribunal chegou, a sentença foi a seguinte: divisão igualitária dos
prejuízos. Ficando também configurado o “sofrimento psíquico” da parte
autora, que perdeu suas economias, foi‐lhe atribuída indenização no valor
de R$ 8.220,00.
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5. ASPECTOS GERAIS ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL
O Código de 2002 adota o princípio da sociabilidade, em que
prevalecem os valores coletivos sobre os individuais, garantindo o papel
fundamental da pessoa humana. O sentido social é uma das características
mais marcantes do novo diploma. A função social do contrato está
relacionada com a função social da propriedade prevista na Constituição
Federal de 1988, tendo como objetivo a realização da justiça, de modo a
igualar substancialmente os contraentes.
Segundo Gonçalves, o art. 421 do Código Civil
“subordina a liberdade contratual à sua função
social, com prevalência dos princípios condizentes
com a ordem pública. Considerando que o direito de
propriedade, que deve ser exercido em
conformidade com a função social, proclamada na
Constituição Federal, se viabiliza por meio dos
contratos, o novo Código estabelece que a liberdade
contratual não pode afastar‐se daquela função”
(2012, pág. 52).
A função social do contrato é um princípio moderno que deve ser
observado pelo intérprete na aplicação dos contratos, tornando‐se um
dos pilares da teoria contratual. Essa função social serve como limitação
dos princípios tradicionais, especialmente da autonomia da vontade. Em
situações de conflito entre autonomia e interesse social, deve prevalecer
esse último, mesmo que essa restrição atinja a própria liberdade de não
contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório.
De acordo com Gonçalves, “a função social do contrato somente
estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for
atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte
de equilíbrio social” (2012, pág. 26).
A aplicabilidade da função social está condicionada a dois
aspectos: um, individual, que diz respeito à satisfação pessoal dos
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interesses dos contratantes; e outro, público, que é o interesse da
coletividade sobre o contrato.
É importante ressaltar que a função social do contrato é uma
cláusula geral, bem como a que exige um comportamento condizente com
a probidade e boa‐fé objetiva. Caberá ao juiz utilizar como recurso valores
jurídicos, sociais, econômicos e morais para solucionar no caso concreto.
Conforme Nery Junior, sendo “normas de ordem pública, o juiz pode
aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente
de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio” (2003, pág.
416‐417).
Para Araken de Assis, o contrato cumprirá a sua função social
“respeitando sua função econômica, que é a de promover a circulação de
riquezas, ou a manutenção das trocas econômicas, na qual o elemento
ganho ou lucro jamais poderá ser desprezado, tolhido ou ignorado,
tratando‐se de uma economia de mercado” (2007, pág. 85‐86).
Com isso, percebe‐se que todo contrato que inibe o “movimento
natural do comércio jurídico” e que prejudica os demais integrantes a
sociedade na obtenção dos seus bens descumpre sua função social.
6. FUNÇÃO SOCIAL: APLICAÇÃO EM CASOS CONCRETOS
Para que “a função social do contrato avalie‐se na concretude do
direito” (VENOSA, 2013, p. 398), faz‐se necessário que casos concretos
sejam analisados.
a) Ementa:
“AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA
MANTIDA. NÃO É LÍCITA A ALTERAÇÃO UNILATERAL
DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE AUTORIZA OS
DESCONTOS EM CONTA CORRENTE, A QUAL DEVE
SER TIDA COMO CONDIÇÃO DA PRÓPRIA
CONTRATAÇÃO, VISANDO À PRESERVAÇÃO DA
PACTA SUNT SERVANDA E DAS CLÁUSULAS GERAIS
DA BOA‐FÉ OBJETIVA
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E FUNÇÃO SOCIAL DOCONTRATO. AGRAVO INTERNO
DESPROVIDO. UNÂNIME. (AGRAVO Nº 70054153952
– TJ/RS)”.
Trata-se de agravo interposto por LEONEL CORREIA COSTA contra decisão monocrática proferida nos autos do recurso de agravo nº. 70054018692. No qual “requer a reconsideração de tudo exposto, deferindo a medida liminar pleiteada, tendo em vista levar à Câmara Recursal o agravo. Alega existirem cláusulas que devem ser revisadas no contrato por serem ilegais. Postula o afastamento das cláusulas abusivas e excessivas, devendo a posse do veículo ser mantida pela agravante e a exclusão do nome nos cadastros de inadimplentes.” Contudo, após vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade em negar provimento ao agravo interno, já que os argumentos trazidos pelo recorrente não apontam motivos para a reforma da decisão monocrática anteriormente proferida.
No voto do Desembargador Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard (relator do processo), afirma-se que não se mostra lícita a alteração unilateral da cláusula contratual que autoriza os descontos em conta corrente, a qual deve ser tida como condição da própria contratação, visando à preservação da pacta sunt servanda e das cláusulas gerais da boa-fé objetiva e função social do contrato, apresentando-se esta última, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual.
Dessa maneira, conclui-se com o processo supracitado, que a função social do contrato constitui um princípio moderno no qual deve ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. De forma, nas palavras de Jones Figueirêdo Alves, a promover uma realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes.
b) Ementa:
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“AGRAVO INTERNO. SEGUROS. PLANO DE
SAÚDE. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA
REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. DEFERIMENTO. PRESENÇA DA
VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E
NECESSIDADE DE URGÊNCIA NA CONCESSÃO DO
PROVIMENTO. ART. 273 DO CPC. (AGRAVO Nº
70054391537 – TJ/RS)”.
Trata‐se de um caso em que a autora ajuizou uma ação no Tribunal
de Justiça do RS, contra o seu plano de saúde ‐UNIMED‐ com a pretensão
de obter um tratamento cirúrgico. A autora possuía indicação médica e o
procedimento fazia‐se necessário para uma melhor qualidade de vida e
exercício pleno de suas funções, as quais se encontravam comprometidas.
A parte requerente ingressou com um pedido de liminar para obter uma
autorização do procedimento. Em primeiro grau, foi concedida a
autorização, pois, estavam presentes todos os requisitos necessários para
tal, uma vez que a autora corria o risco de lesão grave. A parte requerida
(UNIMED), na tentativa de impedir que fosse dado provimento à
realização do procedimento, ingressou com um agravo para que fosse
suspensa a medida. Todavia, não obteve êxito, já que estavam presentes
todos os requisitos necessários para que o pedido da parte requerente
fosse atendido; inclusive foi estabelecida uma multa diária, caso não fosse
realizado o procedimento.
Dessa forma, diante da análise do conceito de função social
presente neste artigo, conclui‐se que tal decisão atingiu a função social,
uma vez que atende ao Princípio da Solidariedade, princípio este que serve
de base para função social, além de preservar os direitos de todos os
consumidores que se valem do plano de saúde.
Ementa: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO
NÃO ESPECIFICADO. SERVIÇOS DE TELEFONIA NÃO
CONTRATADOS. DANO MORAL. SERVIÇOS NÃO
CONTRATADOS. ÔNUS DA PROVA: As provas
produzidas são suficientes para a demonstrar a
inexistência de contratação havida entre as partes, de
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pacotes adicionais. O ônus da prova do fato
impeditivo, extintivo ou modificativo ao direito da
parte adversa é da ré, nos termos do inciso II do artigo
333 do Código de Processo Civil, ônus do qual não se
desincumbiu. Sentença mantida. MULTA POR
DESCUMPRIMENTO: Cabível a fixação de multa diária
para hipótese de descumprimento de obrigação de
fazer, ou seja, novo cadastramento em banco de dados
negativos por serviços não contratados e identificados
na inicial. REPETIÇÃO DO INDÉBITO: O consumidor
cobrado em quantia indevida tem direito à repetição
do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso. Inteligência do art. 42, parágrafo único do
CDC. PRESCRIÇÃO: Cabível a restituição integral desde
que iniciada a cobrança, observado o prazo
prescricional de cinco anos. DANO MORAL:
Incontroverso nos autos a ocorrência de cobranças por
serviços não contratados por parte da operadora de
telefonia demandada. Configurada a falha na
prestação de serviços por parte da demandada, que
não conseguiu atender as irresignações da parte na
esfera extrajudicial, restam reconhecidos como
verdadeiros os fatos alegados pela autora, o que
culmina na fixação de danos morais. Sentença
reformada. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: Majorados.
Inteligência do artigo 20, §3º, do Código de Processo
Civil. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ; E
DERAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. (APL Nº
70054763347 – TJ/RS)”.
Neste caso, a parte autora ingressou com uma ação, também no
Tribunal de Justiça do RS, contra uma companhia telefônica – BRASIL
TELECOM CELULAR S.A. OI‐ em razão da cobrança de servidos não
contratados, requerendo a devolução em dobro, daquilo que foi cobrado
indevidamente, além de danos morais em razão do constrangimento
causado à requerente. Em primeiro grau, a ação foi julgada parcialmente
procedente, ou seja, foi concedido o pedido de devolução em dobro, dos
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valores que foram cobrados por serviço não contratado e, foi considerado
improcedente o pedido de indenização por dano moral. Em virtude disso,
a autora recorreu ao STJ que, decidiu pelo provimento do dano moral. A
parte ré também recorreu, todavia não obteve êxito.
Assim sendo, ao analisar a sentença deste caso, reafirma‐se mais
uma vez a importância do princípio da função social nas relações
contratuais. Nessa situação, pode‐se dizer que houve também um abuso
de direitos da parte ré ao cobrar por serviços que não foram contratados,
fato este que, provavelmente tenha motivado a decisão do STJ de dar
provimento ao pedido de indenização por dano moral. Além disso,
mostra‐se evidente que tal atitude por parte da companhia telefônica
atinge diretamente o código de defesa do consumidor, o qual tem por
dever a priorização da função social dentro dos contratos.
CONCLUSÃO
A nova ordem jurídica brasileira proporcionou numerosos avanços
na construção de um direito menos individual e mais coletivo. Tal se
percebe a partir da análise da construção doutrinária e jurisprudencial de
boa‐fé objetiva e função social. De fato, estes são fundamentos
relativamente jovens no ordenamento pátrio, porém basilares à
concepção jurídica obrigacional efetiva hodierna.
Ser probo e agir com boa‐fé objetiva é requisito indispensável a
qualquer celebração contratual, sem, contudo, olvidar‐se da função social,
instrumento crucial para a efetivação da equidade e a implementação da
justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken de. Comentários ao Código Civil brasileiro. Volume V.
Coord. de Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume III:
Contratos e Atos Unilaterais. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
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NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil – Apontamentos
gerais. In: O novo Código Civil: Estudos em homenagem ao Professor
Miguel Reale. Coord. de Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira
Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo: LTr, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume II – Teoria Geral das
Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2013.
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MEDIDAS CAUTELARES PATRIMONIAIS E O PRAZO PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
PAULO GOMES FERREIRA FILHO: Mestre em Direito Público pela PUC-SP, Procurador da República.
RESUMO: Este breve estudo pretende demonstrar que o prazo para oferecimento da denúncia previsto no artigo 131 do Código de Processo Penal – 60 (sessenta) dias após a efetivação da medida patrimonial assecuratória – não é peremptório e pode ser prorrogado fundamentadamente pelo juiz, sob pena de comprometer-se a investigação criminal e a recuperação do produto ou proveito auferido com a prática criminosa.
PALAVRAS-CHAVE: sequestro – arresto – medidas assecuratórias patrimoniais – oferecimento da denúncia – prazo – Ministério Público.
1. INTRODUÇÃO
São inegáveis a importância e a utilidade das medidas assecuratórias patrimoniais tanto para assegurar a persecução de atos criminosos como para conferir efetividade à ação civil por ato de improbidade administrativa, em especial para estancar a atividade ilícita de organizações criminosas e combater eficazmente a corrupção.
Embora já consagradas na legislação penal como efeitos genéricos da condenação (artigo 91 do Código Penal), a realidade brasileira tem demonstrado quão difícil, na prática, é obter-se a indenização do dano causado pelo crime ou conseguir-se a perda, em favor da União, do produto ou proveito auferido com a prática dos atos criminosos[1].
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Este breve estudo pretende demonstrar que o prazo para oferecimento da denúncia previsto no artigo 131 do Código de Processo Penal – 60 (sessenta) dias após a efetivação da medida patrimonial assecuratória – não é peremptório e pode ser prorrogado fundamentadamente pelo juiz, sob pena de comprometer-se a investigação criminal e a recuperação do produto ou proveito auferido com a prática criminosa.
2. SOBRE OS PRAZOS PREVISTOS PARA AJUIZAMENTO DE MEDIDAS ASSECURATÓRIAS CAUTELARES
A Constituição Federal estabelece que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (artigo 5o, LIV). No Brasil não há tratamento coerente – seja na esfera criminal ou cível – em relação ao prazo para se intentar a ação penal ou ação civil após o deferimento de medidas cautelares patrimoniais assecuratórias, todas elas de inegável natureza cautelar.
O Decreto-lei 3.240/41, que dispõe sobre o sequestro de bens de pessoa que tenha cometido crime que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, prevê prazo de 90 (noventa) dias para o oferecimento da denúncia após a efetivação da medida.
O artigo 131 do Código de Processo Penal estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias para que seja intentada a ação penal, contado da data em que ficar concluída a diligência, sob pena de levantamento do sequestro.
A Lei 9.613/98, que tipifica o crime de lavagem de dinheiro, previa inicialmente o prazo de 120 (cento e vinte) dias para o início da ação penal (artigo 4º, §1º). Contudo, esse prazo foi expressamente revogado pela Lei 12.683/2012.
As leis que definem os crimes de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006) e o crime de terrorismo (Lei 13.260/2016), embora cuidem expressamente de medidas assecuratórias patrimoniais, não tratam do prazo para oferecimento da denúncia.
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Na falta de previsão expressa, o diminuto prazo legal de 60 (sessenta) dias previsto no CPP vem sendo aplicado em relação ao arresto e à hipoteca legal, medidas assecuratórias igualmente previstas no Código, bem como em relação aos procedimentos cautelares assecuratórios previstos nas demais leis especiais.
No âmbito cível, a Lei 8.429/92 prevê o prazo de 30 (trinta) dias para ajuizamento da ação principal pela prática de ato de improbidade administrativo, contados da efetivação da medida cautelar preparatória (artigo 17).
Por fim, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), prevê prazo de 15 (quinze) dias para aditamento da petição de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas prevê a possibilidade de o juiz fixar prazo maior (artigo 303).
Registre-se ainda que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre a Corrupção (Decreto 5.687/2006), que prevê em seu artigo 31 o embargo preventivo, a apreensão e o confisco.
3. POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO FUNDAMENTADA, NO CASO CONCRETO, DO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 131 DO CPP PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
Há precedentes jurisprudenciais no sentido de que o levantamento do sequestro devido ao decurso do prazo legal de 60 (sessenta) dias não é automático, sendo tal prazo não peremptório.
O STJ já se posicionou sobre o tema, nesse sentido, por duas vezes: na primeira delas ressaltou a “excepcionalidade do caso” e a necessidade de cumprimento de diligências apuratórias[2]; na outra, invocou o princípio da razoabilidade e destacou a “complexidade do feito”[3].
Nos Tribunais Regionais Federais também se encontram precedentes no mesmo caminho, com base nos seguintes fundamentos: complexidade do caso e ausência de inércia do Ministério Público[4];
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princípio da razoabilidade e complexidade das investigações em caso de crimes praticados por organizações criminosas.[5]
A maioria das decisões pesquisadas, porém, segue no sentido contrário: aduzem que o prazo previsto no artigo 131 do CPP é decadencial e que a medida assecuratória deve ser levantada se houver o prolongamento da medida sem o oferecimento da denúncia[6].
O ponto de partida para análise da questão, a luz do caso concreto, é o princípio da razoabilidade. De acordo com a doutrina especializada, tal princípio define-se como “forma de controle da correção material das leis que não envolvem a análise da relação entre os meios empregados e fins almejados, a qual diz respeito ao controle da proporcionalidade”[7].
Em sua vertente da justiça do caso concreto, o princípio da razoabilidade estabelece que na interpretação dos fatos descritos nas normas jurídicas deve ser considerado o que normalmente acontece e não o excepcional. Na aplicação das prescrições normativas, devem ser levados em consideração os aspectos presentes no caso concreto, quando a generalidade da lei não os leva em conta[8].
Com base no referido princípio, estão corretas as decisões jurisprudenciais que determinaram o levantamento da medida constritiva assecuratória, quando já havia se passado prazo excessivo e não havia indicação de realização de diligência ou de prosseguimento das atividades investigatórias. Ora, se houve inércia das autoridades persecutórias, não seria razoável manter-se constrito, indefinidamente, o patrimônio do investigado. Por outro lado, não se mostraria razoável o levantamento da constrição após alguns meses de término do prazo legal, se tiver sido demonstrado nos autos que o Ministério Público ou a autoridade policial encontram-se em fase final de realização de diligências complementares que permitirão o oferecimento breve da denúncia.
O Novo Código Civil, aplicável por analogia tanto ao Processo Penal (artigo 3o do CPP) quanto à Lei de Improbidade Administrativa (artigo 17, §6o da Lei 8.429/92), estabelece um título próprio para a chamada tutela de urgência. Em casos de urgência, o novo
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CPC permite que o autor apresente a petição inicial, com requerimento de tutela antecipada, expondo somente a lide, o direito que se busca realizar e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (artigo 303 do CPC). Na sequência, o autor terá o prazo de 15 (quinze) dias para complementar os argumentos e juntar novos documentos, mas o juiz poderá fixar prazo diverso.
Na nova lei processual civil, fixou-se o critério que deve ser seguido para fixação de prazo diverso pelo juiz em casos não previstos expressamente: a complexidade do ato (artigo 218, §1o, do CPC).
Ou seja: a nova lei processual civil permite a fixação, pelo juiz, de prazo diverso para a juntada de documentos e complementação da argumentação em tutela de urgência, bem como estabelece a complexidade do ato como balizador do prazo que deve ser fixado em cada caso.
Há parâmetros objetivos que apontam para a complexidade de investigações criminais, os quais devem ser verificados em cada caso. Exemplos: quantidade de pessoas e de crimes investigados, crimes praticados por organizações criminosas, crimes de lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e crimes de terrorismo.
Além disso, o Ministério Público deve informar em juízo que se encontram pendentes diligências para a formação daopinio delicit e oferecimento da denúncia, tais como a análise de dados fiscais e bancários, a realização de atos de cooperação jurídica internacional ou o término de perícia contábil ou informática. É imprescindível demonstrar-se, ainda, que os órgãos de persecução não se encontram inertes e quais as diligências que ainda estão sendo realizadas.
Com base nessas informações e aplicando-se por analogia o novo CPC, o juiz criminal poderá verificar a complexidade das investigações que estiverem em curso e estimar, de acordo com as circunstâncias de cada investigação e com as diligências que estiverem em
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curso, qual o prazo razoável para oferecimento da denúncia, que poderá inclusive ser superior ao prazo previsto no artigo 131 do CPP.
4. CONCLUSÃO
Como já vinha sendo decidido por parte da jurisprudência, o prazo previsto no artigo 131 do CPP não é peremptório, podendo ser prorrogado fundamentadamente caso a caso.
À luz do Novo Código de Processo Civil e tendo em vista os limites estreitos deste trabalho, propõe-se que a fixação do prazo seja realizada pelo juiz, em cada caso, com base nos seguintes parâmetros: princípio da razoabilidade, complexidade da investigação, existência de diligências em curso e ausência de inércia dos órgãos de persecução.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 409.
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª ed – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 269.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 8ª ed – Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 322-323.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 142-146.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 10ª ed. rev. e atual – São Paulo: Atlas, 2000, p. 77.
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PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Os Imperativos de Razoabilidade e de proporcionalidade. In: A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
NOTAS:
[1] Há avanços legislativos, embora ainda tímidos e morosos. Nesse sentido, a Lei 12.694/2012 (organizações criminosas) prevê a possibilidade de perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.
[2] RMS 9.999/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/1999, DJ 28/06/1999, p. 132.
[3] RMS 36.728/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 25/11/2013.
[4] ACR 00355573920124013500 0035557-39.2012.4.01.3500, Desembargador Federal TOURINHO NETO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:10/05/2013 PAGINA:679.
[5]EDACR 00082515720104013600 0008251-57.2010.4.01.3600, Juíza Federal CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (CONV.), TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 DATA:18/09/2012 PAGINA:57.
[6] Confira-se, por todos: REsp 1594926/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 13/06/2016.
[7] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Os Imperativos de Razoabilidade e de proporcionalidade. In: A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
[8] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Ob. Cit.
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CELERIDADE PROCESSUAL E SEGURANÇA JURÍDICA: A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO COMO FORMA DE RESOLUÇÃO DA COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS
JAQUELINE OLIVEIRA GROSS: Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes - Aracaju, Sergipe, Brasil.
RESUMO: O presente artigo científico busca apresentar a conceituação e a evolução histórica do Princípio da Celeridade Processual - disposto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004 - e da Segurança Jurídica, que embora não explícito, extrai-se de uma análise conjunta do caput dos arts. 1º e 5º da Carta Magna. Trata-se de uma abordagem de alta relevância sobre os temas que unem os institutos apresentados, considerando que, a morosidade presente no cenário jurídico atual compromete a real efetividade do processo, bem como a vida dos jurisdicionados, no entanto, há uma necessidade expressiva de zelo quanto ao conteúdo das decisões, haja vista a solidez que estas possuem em razão da busca pela preservação da segurança jurídica. Desta forma, levanta-se o questionamento acerca da previsão constitucional dos dois institutos e, da necessidade de ponderação na colisão entre tais direitos fundamentais por meio da teoria da argumentação, como forma de resolução de conflitos.
Palavras-chave: Celeridade Processual. Segurança Jurídica. Efetividade. Colisão Principiológica. Teoria da Argumentação.
ABSTRACT: This article aims to present the concept and the historical evolution of the principle of the Procedural Celerity - found in the art. 5, LXXVIII from the Federal Constitution of 1988, introduced by Constitutional Amendment n. 45/2004 – and the Legal Security, though not explicit, extracted from a pooled analysis of several sections of that art. 5th of the CRFB/88. This is a high relevant approach to the issues that unite the presented institutes, considering that, the delays present in the current legal scenario undermines the real effectiveness of the process as well as
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the lives of jurisdictional claimants, however, there is a significant need for zeal on the content of decisions, observing the strength that they have by reason of seeking to preserve legal security. Thus, sets up the question about the constitutional provision of the two institutes and the need for weighting in the collision between such fundamental rights through argumentation theory as a mean of conflicts resolution.
Keywords: Procedural Celerity. Legal Security. Effectiveness. Procedures. Colision Between Principles. Argumentation Theory.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo científico trata do Princípio da Celeridade processual face à segurança jurídica, com foco na aparente colisão de princípios nos casos concretos, e traz a baila a necessidade de aplicação da ponderação como forma de resolução dos conflitos através da teoria da argumentação.
Uma infinidade de processos chega diariamente aos diversos órgãos da justiça brasileira. Verifica-se uma grande tendência a judicialização como forma de resolução de conflitos na atualidade. Há muito a autotutela perdeu sua licitude e legitimidade, de forma que o povo depende da tutela jurisdicional para garantir seus direitos, o que o faz com certa frequência, devido à própria garantia constitucional de que não se pode afastar da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito, o que facilita o acesso à justiça.
No entanto, o que se observa no cenário atual é a demasiada lentidão no judiciário, que resulta, muitas vezes, na própria perda do direito do cidadão que buscou a justa justiça. Seus direitos perdem a razão de ser, seja pelo decurso do próprio tempo, pelo interesse, ou mesmo pelos infortúnios diários que permeiam a vida humana, como a morte, de forma que o resultado é a inefetividade da prestação oferecida.
Todavia, não há falar em uma busca desenfreada pela resolução ágil de conflitos, que resulte na inobservância dos ditames legais, e
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procedimentos necessários para a garantia de uma decisão equânime e segura para os litigantes do processo judicial e administrativo.
O princípio da segurança jurídica, presente na Constituição Federal não está explícito, mas o instituto está presente dentro de diversos outros princípios, razão pela qual guarda extrema importância na sua aplicação. Visa-se fundamentalmente garantir estabilidade à solução oferecida, trata-se da segurança do próprio direito.
Assim, verifica-se que celeridade processual e segurança jurídica são princípios supostamente contraditórios. O legislador pede a razoável duração do processo, mas garante também o direito ao contraditório e a ampla defesa, onde as partes terão direito de conhecimento e defesa contra todo o alegado. Compete aí ao intérprete da lei – Juiz – a busca pelo equilíbrio entre a resolução rápida da lide e a segurança da decisão que irá proferir.
A questão antagônica deve ser observada detidamente, com atenção a todo o sistema jurídico. Desta forma, traz-se a discussão a necessidade da ponderação dos princípios constitucionais em análise, da legislação vigente identificada aplicável, dos direitos e garantias inerentes ao cidadão e da final ponderação sobre a intensidade das circunstâncias fáticas e jurídicas que ensejarão a aplicação dos princípios de forma proporcional e razoável.
O presente trabalho não busca esgotar a análise do tema, haja vista sua complexidade e subjetividade, mas faz-se indispensável diante evidente da morosidade presente no judiciário brasileiro.
Para tornar viável o desenvolvimento do artigo em comento, adotou-se o método dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica, através de leitura e fichamento das ideias de doutrinas de renomados juristas brasileiros, interpretando os diversos posicionamentos acerca do tema. Recorreu-se também ao Direito Comparado, na medida em que se observou o desenvolvimento histórico dos institutos apresentados.
2 A EVOLUÇÃO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
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O princípio da razoável duração do processo, positivado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 decorre da busca pela celeridade processual. Segundo Pedro Lenza, a chamada efetividade do processo, é a “missão social de eliminar conflitos e fazer justiça” (2012, p. 1032). O autor considera ainda que, a sistemática procedimental atual é justamente o que muitas vezes constitui uma obstrução a eficácia da tutela pretendida (2012, p. 1033).
A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos, datada de 1950, dispõe, em seu art. 6º, parágrafo único: “A Justiça que não resolve litígios dentro de um prazo razoável é uma Justiça inacessível”.
Os ordenamentos jurídicos observaram, com mais cautela, a questão dos prejuízos decorrentes da demora processual com o decorrer dos anos. Em 1992 o Brasil ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, já adotado pela ONU em 1966. Referido Pacto já trazia do âmbito processual penal, a previsão de que todo acusado tem direito a ser julgado sem dilações indevidas.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), também datada de 1966, e ratificada pelo Congresso Nacional em 1992, já previa como direito fundamental do ser humano, a prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo.
A partir da Reforma do Judiciário, por meio da EC n. 45/2004, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos ganharam maior relevância, haja vista que, se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respetivos membros, se tornam equivalentes às emendas constitucionais, passando a ter status de norma constitucional. No entanto, a ratificação pelo Brasil, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ocorreu antes da referida emenda constitucional, não tendo passado por tal procedimento, de forma que, segundo o entendimento do STF, os tratados e convenções sobre direitos humanos ratificados antes da reforma do judiciário passaram a ter natureza de supralegal, ou seja, encontram-se acima das leis, e abaixo da constituição.
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Desta forma, por força da supracitada emenda constitucional, houve a inclusão do art. 5º, LXXVIII na CRFB/88, o qual estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2015, p. 405) asseveram que, no que se refere à celeridade processual, diversos autores “já consideravam implícita na ideia de proteção efetiva, no postulado da dignidade da pessoa humana e na própria ideia de Estado de Direito”, embora a positivação da razoável duração do processo no ordenamento jurídico brasileiro tenha se dado somente através da reforma do judiciário, apontam ainda os autores que:
O reconhecimento de um direito subjetivo a um processo célere – ou com a duração razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário, em particular, a adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo. Nesse cenário, abre-se um campo institucional destinado ao planejamento, controle e fiscalização de políticas públicas de prestação jurisdicional que dizem respeito à própria legitimidade de intervenções estatais que importem, ao menos potencialmente, lesão ou ameaça a direitos fundamentais. (MENDES; BRANCO, 2015, p. 405).
No entanto, a questão da obrigação de uma prestação Estatal que propicie os meios para alcançar a prestação buscada, encontra uma série de variações que interferem na duração do processo e comprometem qualidade do julgamento, principalmente no que tange à questão procedimental. Neste contexto, Nunes (2006, p. 49) assevera que:
É de se verificar que a quantidade média de processos que um juiz brasileiro possui sob sua “direção” impõe-lhe uma análise superficial dos casos que lhe são submetidos, uma vez que o sistema de “prestação jurisdicional” faz com que este atue como se o que importasse não fosse a aplicação de tutela constitucional e democraticamente adequada, mas sim a prestação de serviços rápidos e em larga escala.
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No entanto, conforme leciona Gajardoni (2007, p. 105) “Celeridade não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização”. Desta forma, embora evidente a questão dos prejuízos causados pelo formalismo procedimental, faz-se necessário que, aliada à busca da agilidade processual, observe-se o disposto em lei de forma ordenada e cautelosa, considerando a importância da segurança jurídica.
Neste sentido, o autor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2007, p. 218) sustenta que a morosidade da atividade jurisdicional do Estado não se combate apenas com reformas legislativas, mas com a:
Implantação de mudanças na estrutura dos órgãos jurisdicionais, com número de juízes em proporção adequada à população que atendem e ao número de processos neles em curso, dotando-lhes de recursos materiais suficientes e de pessoal treinado e tecnicamente qualificado, aspecto do problema em questão sempre olvidado. Ao lado disto, impõe-se a mudança de mentalidade e de formação técnica dos operadores práticos do direito (juízes, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público), que precisam enxergar o processo como metodologia normativa de garantia dos direitos fundamentais, vale dizer, compreendê-lo como processo constitucionalizado e não como simples instrumento técnico da jurisdição ou mero calhamaço de papéis no qual o juiz profere sentença após a prática desordenada de atos pelos sujeitos processuais, como vem ocorrendo, de forma caótica, na maioria das vezes.
Considerando que o tempo não é o mesmo para todos os litigantes indistintamente, o Judiciário deve observar as peculiaridades inerentes a cada feito de forma individualizada. Guerreiro (2007, p. 47/67) aponta que devem ser considerados o comportamento das partes, a complexidade fática e jurídica da causa, a forma de prestação jurisdicional, a importância dos direitos em análise e a questão temporal.
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Sobre o tema, Câmara (2013, p. 68) aponta que: Não se pode, pois, considerar que o princípio da
tempestividade da tutela jurisdicional sirva de base para a construção de processos instantâneos. O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo. Deve, porém, o processo demorar todo o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado.
A pretendida celeridade processual requer consonância entre tempo e segurança, haja vista a necessidade de uma decisão segura. De nada adiantaria uma tutela tempestiva, se o Poder Público e o Judiciário que não conseguissem atingir a real finalidade buscada no processo - a garantia do direito pleiteado - daí a grande importância da observância da segurança jurídica na abordagem da celeridade processual.
3 CELERIDADE PROCESSUAL E SEGURANÇA JURÍDICA
Alexandre Freitas Câmara (2013, p. 67) assevera que “Tem havido, modernamente, uma busca quase desenfreada pela celeridade do processo, mas há um tempo que precisa ser respeitado”.
O que o litigante busca na justiça é que seu processo chegue ao seu fim com uma prestação jurisdicional tempestiva e adequada. Assim, verifica-se uma grande preocupação apenas com a questão da celeridade, não se levando em consideração, por parte dos jurisdicionados, a importância da segurança jurídica.
Carnelucci (1971, p. 177), acerca do tema, aduz que: O processo dura; não se pode fazer tudo de
uma vez. É necessário ter paciência. Semeia-se, como faz o camponês, e se há de esperar para colher. Junto à atenção há de se colocar a paciência entre as virtudes necessárias entre o juiz e às partes. Desgraçadamente, estas são impacientes por definição; impacientes como os
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enfermos, pois sofrem também elas. Uma das funções dos defensores é inspirar-lhes a paciência. Os logan da justiça rápida e segura, que se encontra sempre nas bocas dos políticos inexpertos, contém, desgraçadamente, uma contradição in adiecto; se a justiça é segura, não é rápida; se é rápida, não é segura. Algumas vezes a semente da verdade leva anos, até mesmo séculos, para converter-se em espiga (veritas filia temporis)”. (apudCÂMARA, 2013, p. 67).
No entanto, acima de uma decisão célere está a segurança desta, considerando que, sem segurança, não há efetividade no processo. Neste sentido, urge a necessidade de uma abordagem acerca do princípio da Segurança Jurídica.
Verifica-se que há uma íntima relação entre os conceitos de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada com a própria segurança jurídica. Canotilho (1995, p. 373-374) defende esta posição, lecionando que:
Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos.
O Autor aponta ainda que, a segurança e a confiança jurídica são próprias do Estado de Direito, de forma que dão a este uma dimensão de “durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas”, de sorte que “legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas”.
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Abordando justamente o fato de o princípio não estar explícito no texto constitucional, José Afonso da Silva (2001, p. 65) assevera que tal fato não diminui sua importância, considerando a carga constitucional que carrega, sendo tratado como norma-princípio ou norma fundamental.
Neste mesmo sentido, Brandão (2005, p. 23) aduz que: O direito brasileiro considera o princípio da
segurança jurídica como basilar para nosso ordenamento jurídico, uma vez que este instaura a “paz” e a estabilidade no mundo jurídico, que é um pressuposto básico que gera um clima de confiança em seu conteúdo.
Verifica-se a tendência no entendimento de segurança jurídica como forma de exigência de um direito estável e previsível, em forma de busca a fim de garantir a estabilidade do ordenamento jurídico, inerente ao próprio Estado de Direito.
Cumpre ainda ressaltar a visão de Brandão acerca dos conceitos sob os quais se desenvolvem as ideias fundamentais do princípio da segurança jurídica:
(1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes.
(2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.
Deste modo, ante a relevância das decisões proferidas e a necessidade de preservação da coisa julgada, evidenciada nitidamente com a importância da segurança jurídica, torna-se manifesta a necessidade de coexistência entre esta e a celeridade processual.
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De outro modo, ocorreria a temida colisão entre princípios, um prevalecendo sobre o outro, quando, na verdade, ambos devem coexistir no ordenamento jurídico. Não há falar assim, em uma busca inconstante pela celeridade que de causa à insegurança jurídica, considerando que assim, não haveria real satisfação da tutela pretendida pelas partes.
Resta evidente a razão de ser do instituto em análise, conceder aos jurisdicionados, litigantes ou não, que os efeitos das decisões serão permeados pelo ideal de justiça.
4 A POSSÍVEL COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Verifica-se, da análise dos institutos apresentados que insurge a possibilidade de colisão entre tais princípios, razão pela qual, faz-se necessária uma abordagem conceitual acerca da interpretação principiológica constitucional.
Barroso (2009, p. 155) aponta que princípios “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins” e ainda, “fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”. Salienta ainda o autor a necessidade de observação sobre a superação da distinção que se fazia entre norma e princípio, considerando que o entendimento atual sobre o tema sustenta que não há hierarquia entre estes em sentido normativo, “todas as normas constitucionais encontram-se no mesmo plano” (2009, p. 156).
Bandeira de Mello apresenta a mais clássica das conceituações acerca dos princípios:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico....
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Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica uma ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.
A partir da apresentação do caráter principiológico dos direitos fundamentais, verifica-se que transcende a possibilidade de colisão entre estes, e neste sentido, de qual forma esta seria solucionada pelo Direito Constitucional Contemporâneo.
Barroso assevera o status de norma jurídica dos princípios constitucionais, afirmando estar ultrapassada a crença de que estes teriam natureza puramente axiológica (2003, p. 337). Afirma ainda, que:
a atividade de interpretação da Constituição deve ser iniciada com a identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar a formulação da regra concreta que vai reger a espécie.
Com base neste contexto, indaga-se sobre a hipótese em análise, dois princípios constitucionais – Celeridade Processual e Segurança Jurídica – incidentes sobre um mesmo conjunto de fatos. Tais princípios, na interpretação de um caso em concreto, poderiam levar a soluções contraditórias, simplesmente por tutelarem valores distintos, embora não se oponham.
Um primeiro raciocínio levaria o intérprete à escolha de uma das normas, uma premissa maior descartando uma menor, aplicando-se aí a subsunção. No entanto, tal perspectiva não pode prosperar, pois aí, estar-se-ia diante da hierarquia entre normas constitucionais, o que já fora
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veementemente desprezado pela interpretação constitucional contemporânea.
Neste sentido, fez-se necessário que a interpretação constitucional desenvolvesse técnicas eficazes a fim de lidar com a dialética da Carta Magna e sua tutela de interesses conflitantes. (BARROSO, 2009, p. 359).
Marmelstein (2008, p. 365) pondera também sobre o tema, afirmando que:
As normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito. Não é de se estranhar, dessa forma, que elas freqüentemente, no momento aplicativo, entrem em rota de colisão.
Diante desta problemática, entre em evidência o que se convencionou chamar de técnica da ponderação. Antunes (2006, p. 08) traz a baila o primeiro momento de utilização da técnica:
O método da ponderação de bens foi utilizado pela primeira vez no Tribunal Constitucional Federal Alemão na sentença Lüth em quinze de janeiro de 1958, na qual analisou-se e decidiu-se sobre a constitucionalidade de restrição a direito fundamental. O TCF decidiu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer, uma vez que não afetava interesses de terceiros dignos de proteção. Aludida preferência resultou em função das circunstâncias do caso concreto.
Sobre o tema, Marmelstein (2008, p. 386) aponta que: A ponderação é uma técnica de decisão
empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a
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colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.
Destarte, a ponderação compõe-se de uma técnica de decisão jurídica a ser aplicada a casos difíceis, sobre os quais a utilização da subsunção não se mostrou suficiente, especialmente quando o caso em concreto enseja a aplicação de normas de mesma hierarquia que levariam a diferentes resultados.
Embora não haja um raciocínio cautelosamente seguro, trata-se sempre de uma questão de “balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas” (BARROSO, 2009, p. 360).
Barroso descreve ainda sobre a possibilidade de se desenvolver um procedimento de três etapas para a descrição da ponderação: Na primeira etapa, o intérprete investiga no sistema jurídico as normas pertinentes à solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas, insuperáveis pela subsunção. Ainda nesta etapa, as premissas que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos. Na chamada segunda etapa, examinam-se os fatos inteirando-os com os elementos normativos, aqui, a situação concreta surge ao lado das diversas normas que a ela poderiam ser aplicáveis. A terceira e última etapa é a fase dedicada à própria decisão, realiza-se uma análise conjunta das normas passíveis de aplicação ao caso concreto e sua repercussão diante deste. Aqui se atribui o peso de cada elemento na disputa pela aplicação, isto é, a intensidade da solução escolhida. O autor extrai deste procedimento intelectual final um principal vetor de auxílio, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
Barroso conclui sobre o tema ponderando sobre aplicação da ponderação na atualidade:
No estágio atual, a ponderação ainda não atingiu o padrão desejável de objetividade, dando lugar à ampla discricionariedade judicial. Tal discricionariedade, no entanto, como regra, deverá ficar limitada às hipóteses em que o sistema jurídico
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não tenha sido capaz de oferecer a solução em tese, elegendo um valor ou interesse que deva prevalecer. A existência de ponderação não é um convite para o exercício indiscriminado de ativismo judicial. O controle de legitimidade das decisões obtidas mediante ponderação tem sido feito através do exame da argumentação desenvolvida. Seu objetivo, de forma bastante simples, é verificar a correção dos argumentos apresentados em suporte de uma determinada conclusão ou ao menos a racionalidade do raciocínio desenvolvido em cada caso, especialmente quando se trate do emprego da ponderação. (2009, p. 363-364).
Como é possível se observar, trata-se de um processo bastante subjetivo, que pode variar diante das diversas influências normativas e vinculadas ao próprio caso em concreto. A tarefa do intérprete depende de sua valoração acerca dos pesos diversos e relevantes de cada situação.
5 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO COMO FORMA DE AUXÍLIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE AS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Inicialmente, cumpre relembrar que não se admite no ordenamento jurídico atual a prevalência absoluta de um princípio em face de outro que com ele conflita. Faz-se necessário uma análise minuciosa sobre os mesmos fatos e elementos normativos e das diversas possibilidades interpretativas acerca desta hipótese, para que, assim, apresente-se uma fundamentação racional consistente.
A mentalidade atual dos operadores do direito de sempre procurar recursos, ainda que meramente protelatórios e que, evidentemente não mudem o conteúdo decisório, é uma das grandes razões de ser do assolamento do judiciário (MACHADO, LEAL JUNIOR, 2010, p. 77-119, p. 107-108).
Humberto Theodoro Júnior assevera ainda que:
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O processo do Estado Democrático de Direito contemporâneo, em suma, não se resume a regular o acesso à justiça, em sentido formal. Sua missão, na ordem dos direitos fundamentais, é proporcionar a todos uma tutela procedimental e substancial justa, adequada e efetiva. Daí falar-se modernamente, em garantia de um processo justo, de preferência à garantia de um devido processo legal.
Takoi (2010, p. 232) assevera que “Atualmente o maior
desafio do processualista é conciliar segurança do processo com a celeridade, pois a brevidade não pode comprometer o contraditório, a ampla defesa e outros princípios constitucionais”. Vistas as problemáticas apontadas, inegável a posição do autor de que a busca deve ser sempre pela decisão mais justa.
O autor Gidi (1995, p. 8) aborda a questão da estabilidade da decisão tratando-a como a própria medida de inteira justiça:
(...) esta garantia de estabilidade é anseio não somente da parte vencedora, como também da parte vencida e da população como um todo, que precisa movimentar o comércio e as relações jurídicas em geral com estabilidade e segurança. Com efeito, justiça sem estabilidade seria equivalente a nenhuma justiça.
Diante da infinidade de posições acerca da colisão principiológica em análise, a ponderação, conforme já se abordou neste trabalho, apresenta-se indubitavelmente como a grande saída para a questão em tela. No entanto, os parâmetros elementares de controle da argumentação são especialmente relevantes na utilização da técnica da ponderação.
A argumentação deve ser capaz de apresentar parâmetros normativos; é necessário que o intérprete apresente elementos presentes no ordenamento jurídico que referendem sua decisão. Assim sendo, um conflito normativo deve ser resolvido em favor da solução que seja fundamentada com a maior quantidade de normas jurídicas. Considerando
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o fato de que toda decisão deve ser fundamentada, urge, no caso da aplicação da ponderação, uma necessidade ainda mais grave de motivação, tendo em vista que diante do conflito, há uma forte tendência à universalização dos critérios adotados pela decisão prolatada. (BARROSO, 2009, p. 364-367).
Existem diversos entendimentos que se verificam incompatíveis com a celeridade processual, porém, ligados à segurança jurídica. A título de exemplo, veja-se o anteprojeto apresentado pelo Tribunal Superior do Trabalho, onde o Recurso Ordinário seria admitido apenas em caso de violação legal, constitucional ou contrariedade á súmula do TST. Tal ponto foi vetado pelo Presidente da República, considerando o fato da redução da possibilidade recursal ao TST, sendo, desta maneira, danosa a possibilidade de recurso ao Tribunal Regional.
Neste diapasão, o que se extrai do entendimento supra é uma ideia de incompatibilidade com a celeridade processual, mas intrinsecamente ligada à preservação da segurança jurídica, sob a fundamentação de que o número de recursos garante uma maior estabilidade.
Desta forma, verifica-se sinteticamente, um claro exemplo da aplicação da técnica da ponderação, aliada a teoria da argumentação na resolução do conflito aparente entre as normas constitucionais abordadas.
Cada caso concreto específico merece análise minuciosa acerca de todas as opções que o cercam. O que não se pode permitir é que em nome da segurança jurídica os processos fiquem engessados no judiciário, de forma que resulte na temida inefetividade processual com a consequente perda de Direitos. Não se busca uma mitigação do princípio da segurança jurídica em detrimento da celeridade, mas uma harmonização que gere efetividade aliada à segurança.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os princípios constitucionais analisados neste trabalho são de irrefutável relevância ao ordenamento jurídico brasileiro, de forma que a aplicação de um, não deve afetar, muito menos mitigar a aplicação do outro. Verifica-se aqui uma necessidade eminente de reestruturação judiciária a
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fim de dar efetividade aos institutos. O sistema jurídico brasileiro precisa ser drenado a fim de que de sejam atendidas as demandas, com soluções céleres e seguras, conforme previsto na Carta Magna de 1988.
A celeridade processual inserida no ordenamento constitucional pela EC n. 45/2004 é resultado do clamor social diante da lentidão instaurada no judiciário, certamente sua razão de ser, a garantia de uma duração razoável do processo, atende tal exigência. No entanto, não há como falar que tal fenômeno ocorrerá de forma milagrosa, apenas com o dispositivo positivado. Trata-se sim de progresso, mas desde que se respeitem todos os demais princípios processuais constitucionais.
No que concerne à segurança jurídica, não se pode reduzir sua aplicabilidade tendo em vista apenas o tempo do processo, deixando de observar, indistintamente, a existência de tal princípio. De nada adiantaria o poder judiciário decidindo na tão almejada duração razoável, se não houvesse estabilidade no conteúdo decisório.
Diante disto, verifica-se uma necessidade elevada de valoração dos princípios para que se encontre o equilíbrio: decisões em tempo hábil para satisfação do direito pretendido, de conteúdo seguro e efetivo.
A cultura brasileira é burocrática, valorizam-se procedimentos em detrimento de conteúdo. Formalismo exacerbado não instrumentaliza a realização da justa justiça. Desta forma, é de fundamental importância uma reforma judiciária a fim de solucionar os problemas que dão causa a morosidade na justiça.
Não se trata apenas de um conflito principiológico, pois este, conforme já explanado, é passível de resolução por meio das técnicas de ponderação e argumentação, um princípio deve complementar o outro, não mitiga-lo.
O que se verifica desta análise é a necessidade de uma reforma estrutural no judiciário, que garanta a este meios efetivos para a prestação da tutela jurisdicional, bem como uma análise complexa acerca dos institutos recursais, dado o fato de que um dos grandes fatores que geram a
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lentidão no judiciário é número de recursos possíveis, utilizados de maneira incorreta a fim de apenas protelar o desenvolvimento final do processo.
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DA DESAPROPRIAÇÃO POR ZONA: SINGELOS COMENTÁRIOS
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional, sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. A intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória.
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Palavras-chaves: Intervenção do Estado. Desapropriação Confiscatória. Hipótese Constitucional.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico; 3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro; 4 Da Desapropriação por Zona: Singelos Comentários.
1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo
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Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.
2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico
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Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[4], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais.
Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[5], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades.
Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[6]. Desta feita, para consubstanciar a novel
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feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[7], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais.
Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais. Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[8].
3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro
Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional[9], sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII[10] do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. Consoante o magistério de Carvalho Filho[11], a intervenção em comento pode ser
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agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade.
Tecidos tais comentários, cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória. Ademais, em se tratando de um procedimento de direito público retrata a existência de uma sequência de atos e atividades do Estado e do proprietário, desenvolvidas nas órbitas administrativa e judicial. Com efeito, sobre o procedimento em comento incidem normas de direito público, maiormente nos aspectos que demonstram a supremacia do Estado sobre o proprietário. Ao lado disso, cumpre evidenciar que o escopo da desapropriação reside na transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse objetivo só pode ser materializado se houver os requisitos ensejadores substancializados, ou seja, a utilidade pública ou o interesse social. Como regra geral, a indenização é paga pela transferência das desapropriações, só por exceção admitindo a ausência desse pagamento indenizatório.
Neste diapasão, a natureza jurídica do instituto da desapropriação é de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. Ora, considera-se procedimento como um conjunto de atos e de atividades, devidamente formalizados e produzidos com sequencia, com o escopo de se alcançar determinado objetivo. Em aludido procedimento de desapropriação, tais atos se originam não somente do Poder Público, mas também do particular proprietário. Convém, ainda, mencionar que o procedimento tem seu curso, quase sempre, em duas fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência
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do bem. Por vezes, a desapropriação encontra seu esgotamento nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Tal situação, porém, destaque-se, é considerada rara. O normal é prolongar-se pela outra fase, a judicial, substancializada por meio da ação a ser movida pelo Estado em face do proprietário.
No que concernem aos pressupostos, considera-se que a desapropriação só pode ser considera legítima se reunir a utilidade pública, compreendendo-se em tal requisito a necessidade pública, e o interesse social. Carvalho Filho[12] vai aduzir que a utilidade pública resta materializada quando a transferência do bem se apresenta conveniente para Administração, ao passo que a necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução reclame a desapropriação do bem. Conquanto o Texto Constitucional se refira a ambas as expressões, o correto é a noção de necessidade pública já está inserta na de utilidade pública, porquanto esta é mais abrangente que aquela, de maneira que se pode dizer que tudo que for necessário será útil. O interesse social, por sua vez, consiste naquelas hipóteses em que mais se sublinha a função da propriedade. O Poder Público, em tais episódicas situações, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas, encontrando nos assentamentos de colonos e na reforma agrária os exemplos mais robustos. É importante assinalar que ambos os requisitos autorizadores materializam conceitos jurídicos indeterminados, porquanto são despojados de precisa que permita a identificação. Logo, importa frisar que ambos os conceitos serão aludidos na legislação pertinente.
4 Da Desapropriação por Zona: Singelos Comentários
Em alinho aos comentários tecidos até o momento, cuida ponderar que o artigo 4º do Decreto-Lei nº 3.3.65, de 21 de junho de 1941[13], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, comina que A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Tal modalidade, consoante o escólio de Diógenes Gasparini[14], é denominada de desapropriação por zona ou extensiva, porquanto, por ela, é possível a desapropriação de uma área maior que a necessária à realização de uma
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obra ou serviço, com o escopo de reserva-la para posterior utilização no desenvolvimento da obra ou do serviço ou com o fito de revendê-la. Na última hipótese, é imperioso o reconhecimento que há um sucedâneo de contribuição de melhoria. Destarte, além da área necessária ao serviço ou à obra, nada obstaculariza que a desapropriação se estenda às áreas contíguas para reservar para venda. Desta feita, denota-se que três são as áreas passíveis de figurarem como objeto da desapropriação: a) a necessária à obra ou ao serviço; b) a destinada ao prosseguimento da obra ou do serviço; e c) a reservada para revenda. O Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento que:
Ementa: Administrativo. Desapropriação indireta. Indenização. Prescrição aquisitiva de parte do imóvel. Interrupção do prazo prescricional. Decreto Estadual nº 4.471/94. Juros compensatórios. Termo inicial. Valorização de área remanescente. Abatimento. Art. 27 do Decreto-Lei 3.365/41. [...] 3. Na desapropriação, direta ou indireta, quando há valorização da área remanescente não desapropriada em decorrência de obra ou serviço público, dispõe o Estado de três instrumentos legais para evitar que a mais valia, decorrente da iniciativa estatal, locuplete sem justa causa o patrimônio de um ou de poucos: a desapropriação por zona ou extensiva, a cobrança de contribuição de melhoria e o abatimento proporcional, na indenização a ser paga, da valorização trazida ao imóvel. [...] 7. No caso de valorização geral extraordinária, pode o Estado valer-se da desapropriação por zona ou extensiva, prevista no art. 4º do Decreto-Lei 3.365/41. Havendo valorização exorbitante de uma área, pode o Estado incluí-la no plano de desapropriação e, com a revenda futura dos imóveis ali abrangidos, socializar o benefício a toda coletividade, evitando que apenas um ou alguns proprietários venham a ser beneficiados com a extraordinária mais valia. 8. Por fim, tratando-se de valorização específica, e somente nessa hipótese,
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poderá o Estado abater, do valor a ser indenizado, a valorização experimentada pela área remanescente, não desapropriada, nos termos do art. 27 do Decreto-Lei 3.365/41. 9. No caso, a área remanescente não desapropriada valorizou em decorrência da construção de rodovia estadual. A valorização experimentada pelo imóvel não é especial, mas genérica, atingindo patamares semelhantes todos os imóveis lindeiros à via pública construída. Assim, a mais valia deve ser cobrada por meio do instrumento legal próprio, que é a contribuição de melhoria, sendo indevido o abatimento proporcional do justo preço a ser pago pela desapropriação. 10. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.092.010/SC/ Relator: Ministro Castro Meira/ Julgado em 12 abr. 2011/ Publicado no DJe em 15 set. 2011).
A declaração de utilidade pública deverá, tanto no caso de reserva como em hipótese de revenda, ou em ambos, especificar a área que será empregada na implantação da obra ou na prestação do serviço, a que será destinada para ulterior prosseguimento e aquela que será consagrada à revenda. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda, consoante entalhe da redação do artigo 4º do Decreto-Lei nº 3.3.65, de 21 de junho de 1941[15]. Nesta linha de dicção, são requisitos para a validade da desapropriação por zona: a) declaração de utilidade pública; b) descrição da área necessária; c) descrição da área contígua necessária ao desenvolvimento da obra; e d) descrição da área destinada à revenda. Além de tal rol, deve-se, obviamente, observar os requisitos estabelecidos como genéricos e indispensáveis às demais modalidades de desapropriação fixadas no ordenamento jurídico vigente.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < www.planalto.org.br >. Acesso em 10 jul. 2016.
___________. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941.Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
___________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 10 jul. 2016
NOTAS:
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
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Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
[3] VERDAN, 2009, s.p.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 711.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 661.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito administrativo. Servidor público. Adicional noturno. Regime de plantão semanal. Necessário reexame da legislação infraconstitucional. Análise do contexto fático-probatório. Impossibilidade. Incidência da súmula 279 do STF. Agravo regimental desprovido. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 29 mai. 2012. Publicado em 19 jun. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
[7] MEIRELLES, 2012, p. 662.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso em Mandado de Segurança N° 27.428/GO. Administrativo. Servidor público. Determinação de abertura de conta corrente em instituição financeira pré-determinada. Recebimento de proventos. Possibilidade. Recurso ordinário improvido. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relator: Ministro Jorge Mussi. Julgado em 03 mar. 2011. Publicado em 14 mar. 2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
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[9] Idem. Constituição da República Federativa do Brasil.Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < www.planalto.org.br >. Acesso em 10 jul. 2016. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXII - é garantido o direito de propriedade.
[10] Ibid. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.
[11] CARVALHO FILHO, 2011.
[12] CARVALHO FILHO, 2011.
[13] BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941.Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
[14] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
[15] BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941.Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 10 jul. 2016.
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A INTELIGÊNCIA NA GESTÃO PÚBLICA
ERIKA ROCHA BARRETO: Analista de Sistemas, bacharel em Ciência da Computação pela PUC/MG, pós graduação em Gestão de Negócios pela FGV, pós graduação em Inteligência e Contrainteligência, pós graduação em Gestão Pública e pós graduação em Gestão de Pessoas.
RESUMO: Proteger o conhecimento sensível, a integridade organizacional, das instituições públicas torna-se cada vez mais importante, uma vez que, tais organizações estão sujeitas a constantes mudanças políticas que têm como consequência quase que inevitável mudanças de gestão. Esse trabalho se propõe, por meio de revisão bibliográfica, conceituar inteligência, administração pública, a correlação entre as duas e as dificuldades da implantação da primeira no âmbito da segunda.
Palavras-chaves: Inteligência, Administração Pública
ABSTRACT: Protect sensitive knowledge, organizational integrity, public institutions becomes increasingly important, since such organizations are subject to constant political changes that result almost inevitable change management. This work proposes, through a literature review, conceptualize intelligence, public administration, the correlation between the two and the difficulties of implementation of the first in the second.
Keywords: Intelligence, Public Administration.
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INTRODUÇÃO A presente monografia pretende , a partir de revisão bibliográfica,
definir melhor os termos "Inteligência” e "Administração Pública",
conceitos que serão apresentados no primeiro capítulo e, no capítulo
seguinte, discutir a relevância da relação entre as duas questões, os
requisitos básicos dos setores de inteligência e os seus principais desafios
no setor público.
O Estado moderno Brasileiro, formalizado a partir da Constituição
Federal de 1988, tem o seu pilar em três elementos: povo, território e
soberania (Ataliba Nogueira). De acordo com a CF/1988, consiste em um
Estado Democrático de Direito em que toda atuação pública decorre de
uma competência atribuída por lei. Ao Poder Público é facultado agir
estritamente de acordo com a lei e realizar apenas o que essa determina.
Inteligência, compreendendo também a Contrainteligência consiste
na aquisição e proteção de conhecimento sensível, conforme definição
simplificada da doutrina da Escola Superior de Inteligência. Em uma
organização/entidade é a área ou setor responsável por adquirir interna
ou externamente à organização, os dados e informações relevantes à
atuação dela, transformando em conhecimento disponibilizado ao
tomador de decisão. É, ainda, responsável por proteger as informações
internas à organização que não devem / podem sair de seu domínio.
“A administração é a parte predominante do governo; é o governo em
ação; é o executivo, atuante, o aspecto mais proeminente do governo”
(Woodrow Wilson, 1887). Assim sendo a Gestão / Administração Pública
é uma das funções principais senão a principal do governo. Gerir é
gerenciar, direcionar, organizar, controlar, decidir por. O exercício dessa
capacidade é dada ao poder público por lei e nos limites da lei, não sendo
possível dela abdicar ou prescindir.
Ainda de acordo com a doutrina da Escola Superior de Inteligência,
Inteligência de Estado é essencial ao correto posicionamento de qualquer
nação soberana. Atualmente com a grande projeção internacional
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alcançada pelo Brasil se faz vital o desenvolvimento de uma Inteligência
robusta capaz de dar ao decisor todos os subsídios à tomada de decisões.
Cada vez mais os diversos órgãos da Administração Pública têm criado
os seus setores de Inteligência e investido em recursos capacitá‐los como
um diferencial organizacional, subsidiando as mais diversas ações
públicas. Numa visão conforme Habermans, a Administração Pública
brasileira é responsável por funções estratégicas que garantem a
segurança da nação sob os mais diversos aspectos: sociais, econômicos,
políticos. E para que essas funções ocorram de maneira eficaz diversas
vezes a gestão pública tem que lançar mão dos setores de Inteligência.
Atualmente no Brasil existe a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) que
responde pela nação de uma forma geral, embora diversos órgãos da
Administração Pública possuam os seus próprios setores internos de
Inteligência, responsáveis por processos mais específicos de produção e
proteção do conhecimento sensível.
. CAPÍTULO I: CONCEITUANDO INTELIGÊNCIA E ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
1.1. O QUE É “INTELIGÊNCIA”?
Inteligência é antes de tudo apoio ao decisor e dar a este todos os
elementos possíveis, dados os recursos logísticos e de prazo, para auxiliar
o processo decisório. Para que esta assessoria seja prestada da melhor
forma possível entra em cena os analistas de inteligência, responsáveis
pela produção do conhecimento. De acordo com DAVENPORT & PRUSAK
(1998), “o conhecimento da organização, também chamado de capital
intelectual, competência, habilidade, e inteligência empresarial é
reconhecido como um ativo intangível de inestimável valor”.
A produção do conhecimento é antes de tudo um trabalho de
paciência, observação, inter‐relação e uma certa dose de experiência.
Quanto mais experiente o analista mais qualificado o seu trabalho. Por
isto, formar um analista de inteligência é um processo caro e demorado,
sendo de total interesse do Brasil, nos tempos atuais, investir nesta seara
como uma forma de fazer frente a nova ordem mundial e aos interesses
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públicos brasileiros a serem defendidos em relação a um possível e muito
provável desejo internacional de se apossar de bens nacionais.
Na Pirâmide da agregação do valor à informação temos o dado na
base, seguido do informe e, após, a informação e o conhecimento,
finalizando com a Inteligência. A agregação de valor se dá de baixo para
cima, a saber: quanto mais alto maior valor agregado à informação.
Dado é a unidade básica de informação, não tem sentido sozinho, é uma representação isolada de um fato. O processo realizado em relação a ele é a organização como uma forma de ordená-los conferindo-lhes assim algum sentido lógico cognitivo. Normalmente definido como “conjunto de fatos distintos e objetivos, relativos a eventos” (DAVENPORT & PRUSAK apud SANTOS et. al.), é a informação bruta, descrição exata de algo ou de algum evento. SANTOS complementa que os dados em si não são dotados de relevância, propósitos e significados, mas são importantes porque são a matéria-prima essencial para a criação da informação. “Informação” já é uma mensagem com dados que fazem diferença, com várias formas possíveis como : audível ou visível, e na presença de um emitente e de um receptor. É o insumo mais importante da produção humana. “São dados interpretados, dotados de relevância e propósito” (DRUCKER, 1999) (apud SANTOS et. al., 2004). É um conjunto de mensagens, algo capaz de extrair e gerar conhecimento. O conhecimento tem a sua origem na informação da mesma forma que esta, nos dados. O conhecimento é uma mistura de informações, sistematicamente estruturadas, com vários elementos, sendo também intuitivo e, por isso, complicado de ser totalmente expresso em palavras ou plenamente compreendido de maneira lógica, não é algo puro ou mesmo simples. Ele tem o seu lugar dentro das pessoas e sendo assim imprevisível e complexo. Segundo DAVENPORT e PRUSAK (1998), “o conhecimento pode ser comparado a um sistema vivo, que cresce e se modifica à medida que interage com o meio ambiente”. As vivências anteriores, as crenças, os valores integram o conhecimento uma vez que determinam, na maioria dos casos, o que o conhecedor enxerga, absorve e chega a uma conclusão a
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partir das suas observações. NONAKA e TAKEUSHI (1997, p. 63) observam que “o conhecimento, diferentemente da informação, refere-se a crenças e compromisso”. Eis uma linha de conceituação dada por Hoppen (1999) (apud Neves, 2004):
Dados são fatos, imagens ou sons quepodem o
u não ser úteis ou pertinentes parauma atividade p
articular (demandada).Informações são dados cuja f
orma econteúdo são apropriados, para um usoparti
cular (determinado). Conhecimento éuma combina
ção de instintos, ideias,informações, regras e proce
dimentos queguiam ações e decisões.
Outra definição, feita por Setzer (2001) (apud Neves, 2004):
Dados são abstrações formais quantificadas, que podem ser armazenadas e processadas por computador. Informações são abstrações informais (não podem ser formalizadas segundo uma teoria matemática ou lógica) que representam, por meio de palavras, sons ou imagem, algum significado para alguém. Informações podem ser armazenadas em computador, mas não podem ser processadas (para isto seria preciso quantificá-las, reduzindo-as a dados). Conhecimento é uma abstração interna e pessoal gerada a partir da experiência. Neste sentido, não pode ser completamente descrito, representado, caso contrário seria apenas informação.
Informes são dados organizados e com sentido, porém sem garantia
de fonte ou conteúdo, devendo ser avaliados para que seja determinado
o grau de confiabilidade, uma das formas de se realizar a classificação é
através da TAD – Técnica de Avaliação de Dados, método através do qual
são atribuídos letras e números aos informes de acordo com uma tabela
pré‐definida em que a letra avalia a fonte e o número o conteúdo. As
fontes variam de inteiramente idôneas até a idoneidade não pode ser
avaliada e os conteúdos variam de confirmado por outras fontes até a
veracidade não pode ser avaliada;
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Informação é um saber sobre o qual não cabe discussão, algo que foi
ou é. É um dado ou conjunto destes últimos que faz sentido e tem garantia
de fonte e conteúdo. É também um informe classificado como fonte
confiável e conteúdo verdadeiro – de acordo com a TAD, classificação A1.
À informação cabe o processo de análise, que permitirá a transformação
desta em conhecimento.
Conhecimento é inseparável das pessoas, está associado à ação e é
avaliado pelas decisões e ações que desencadeia, – segundo o professor
Cláudio Rêgo: “Conhecimento é a ação humana sobre as informações
visando produzir inteligência”. Neste ponto são realizados processos de
julgamento que permitem a associação das diversas informações
recebidas. Peter Druker diz que “o conhecimento é a informação que
muda algo ou alguém – tanto por transformar‐se em base para ação ou
por fazer um indivíduo (ou uma instituição) ser capaz de ações diferentes
e mais efetivas”. Em outras palavras esta definição diz, de acordo com o
BARROSO, “que uma informação torna‐se um “item do conhecimento”
quando muda o estado (mental) de conhecimento de um indivíduo ou
organização, em relação à sua capacidade de agir”.
O conhecimento humano pode ser classificado em dois tipos: conhecimento explícito e conhecimento tácito (ou implícito). Para Polanyy (1996):
O conhecimento tácito é espontâneo, intuitivo, experimental, conhecimento cotidiano, do tipo revelado pela criança que faz um bom jogo de basquetebol, (…) ou que toca ritmos complicados no tambor, apesar de não saber fazer operações aritméticas elementares. Tal como um aluno meu me dizia, falando de um seu aluno: Ele sabe fazer trocos mas não sabe somar os números. Se o professor quiser familiarizar- se com este tipo de saber, tem de lhe prestar atenção, ser curioso, ouvi-lo, surpreender-se, e atuar como uma espécie de detetive que procura descobrir as razões que levam as crianças a dizer certas coisas. Esse tipo de professor se esforça por ir ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de conhecimento, ajudando-o a articular o seu conhecimento-na-ação com o saber escolar. Este tipo de ensino é uma forma de reflexão-na-ação que
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exige do professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a noção do seu grau de compreensão e das suas dificuldades.
Os conhecimentos tácito e explícito se complementam e, deacordo com Miranda (2006) a interação entre eles é feita mediantequatro processos: socialização, externalização, combinação einternalização. A socialização é a conversão do conhecimentotácito em tácito. A externalização consiste na conversão doconhecimento tácito em explícito. Combinação é o processo detransformação do conhecimento explícito em explícito. Por fim, ainternalização é a conversão do conhecimento explícito emconhecimento tácito.
Além destes quatro conceitos, dado, informe, informação e
conhecimento, mais recentemente foi incluído o de inteligência, sendo
esta a capacidade de relacionar conhecimentos no processo de decisão e
previsão de acontecimentos. Está ainda mais associada à ação do que o
conhecimento uma vez que a atitude será adotada pelo Decisor. Após esse
ser apresentado à Inteligência produzida pelo Processo representado, em
seu todo, pela Pirâmide. A inteligência diferencia‐se da informação por
esta estar relacionada com o presente ou com o passado ‐ fatos
consumados ‐ e aquela possibilitar uma projeção de cenários futuros.
É necessário registrar que, semelhante à pirâmide da agregação do
valor à informação, há a Pirâmide da Sabedoria – (CÔRTES, 2008, p. 34) –
cujos elementos são praticamente os mesmos, porém sem o informe e
tendo o Saber como elemento do topo. O autor ressalta a importância da
experiência na condução à sabedoria dos integrantes de uma Unidade de
Inteligência.
Dois outros conceitos importantes são o de proteção e o de
segurança. A maior parte dos trabalhos em “Proteção do Conhecimento”
ou “Segurança da Informação” é em inglês, assim ao traduzirmos para o
português podemos sempre cometer o engano de não usar a palavra
certa. Um exemplo deste tipo de engano é em relação às
palavras security e safety, ambas traduzidas como “segurança” (ISPS‐
CODE, p. 1), quando o mais adequado seria: security ‐ proteção contra
ameaça, e, safety – segurança relacionada com acidentes e incidentes.
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Considerando as definições realizadas a expressão correta é
“Proteção do Conhecimento” em vez de “Segurança da Informação”. O
conhecimento, ação das pessoas sobre as informações disponíveis nas
organizações, deve ser protegido, salvaguardado em relação às ameaças
externas e, infelizmente, muitas vezes, internas.
É claro que deve haver “Segurança da Informação”, mas no sentido
de zelar para que as informações armazenadas nas organizações não se
percam por acidentes ou incidentes.
Definida a questão semântica, é necessário definir também a
abrangência da Proteção do conhecimento. Na era da informação,
conforme extensa bibliografia de Peter Drucker sobre o assunto, e em um
mundo voltado para a tecnologia, corre‐se o risco de focar apenas a
informática – um engano comum – normalmente percebido tarde demais.
Em relação à Proteção, são três os elos a serem considerados: pessoas,
processos e tecnologia.
O elo pessoas deve ser o que recebe maior atenção, não só dada a sua
complexidade e possibilidade de ser cooptado pelo inimigo, mas também,
porque os outros dois são dependentes desse primeiro. È necessário que
se fortaleça o capital intelectual da organização, reconhecendo sua
importância e relevância para o processo de Proteção do Conhecimento.
Às vezes um simples office boy, com acesso à sala do presidente, pode
fornecer informações que, nas mãos erradas, prejudicariam
enormemente a entidade.
1.2. O QUE É ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?
“A administração é a parte predominante do
governo; é o governo em ação; é o executivo,
atuante, o aspecto mais proeminente do governo.”
(Woodrow Wilson, 1887)
Tendo a sua origem em polis – politikós – o termo política foi utilizado
inicialmente para designar tudo o que era urbano e social, referindo‐se às
atividades humanas relacionadas às atividades do Estado. Modernamente
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o termo foi substituído por expressões como “Ciência do Estado”, sendo
utilizado para designar tudo o que se refere ao Estado como ponto
central.
Na concepção de Bobbio (2004), a teoria da democracia advém de
três contradições históricas: a teoria clássica (aristotélica), das três formas
de governo, governo do povo; governo de um só, ou monarquia; e a
aristocracia, governo de poucos, a teoria medieval baseada na soberania
popular e, a teoria moderna, ou teoria de Maquiavel, com duas formas de
governo: monarquia e república.
Para Aristóteles, o Estado é o ente que está acima do indivíduo,
predominando o bem comum sobre o particular. Ele, Estado, é o resultado
da necessidade de ordem da sociedade e não o produto da evolução e
complexificação dela. De acordo com Santo Tomás, a partir da visão
aristotélica, a natureza humana tem fins terrenos e necessita de uma
autoridade social. O poder tem uma origem divina, e se realiza por meio
da própria natureza do homem, capaz de seu exercício e sua aplicação.
Para ele, o homem necessita do Estado, este deve servir a comunidade
dos cidadãos criando as condições satisfatórias do bem comum. O
conceito de lei é formulado no âmbito do intelecto, da razão.
Coube a Maquiavel separar a política da moral e da religião, dando
origem à concepção moderna de Estado. Para ele o importante foi teorizar
sobre um Estado já existente e não sobre um Estado ideal.
Ciência política é a faculdade de analisar fatos, ações e o
funcionamento das instituições, verificando ainda os resultados
alcançados. Estudando o poder, ela investiga as ocorrências relacionadas
a ele, com conceitos e teorias sobre as relações políticas. Não existe um
consenso quanto à sua definição. Para alguns autores é a “ciência que
estuda estruturas e processos sociais relacionados à formação, às
transformações e ao exercício do poder. Para outros é a “ciência que lida
com as formas pelas quais as sociedades se organizam e se estruturam
para a realização de seus fins.” A definição mais utilizada é a referente
“aos instrumentos, mecanismos e intituições que se valem da autoridade
para distribuir os recursos escassos em uma sociedade.” A ciência política
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está diretamente vinculada ao pensamento filosófico da inserção do
homem em sociedade, podendo ser classificada em clássica, moderna e
contemporânea. Relevante também citar a política internacional como
parte integrante da ciência política, compreendendo “a relação de poder,
estrutura e composição do sistema internacional, corrida armamentista,
sistemas de cooperação internacional, acordos e protocolos no campo
socioeconômico‐ambiental.”
De acordo com Schwartzman, 1977, são basicamente três as áreas de
pesquisa científica a respeito do funcionamento do Estado: estudo sobre
os diferentes grupos sociais, em que a ciência política tende a se
aproximar da economia, sociologia e psicologia, preocupando‐se com o
entendimento da estrutura e comportamento de classes, grupos sociais e
instituições a eles ligadas; Estado e o sistema governamental, relacionada
ao campo de conhecimento do direito, da distribuição do poder e da
autoridade; e processo de tomada de decisões das instituições públicas.
Afim de evitar uma revolução popular na Alemanha no final do século
XIX, o chanceler Otto Von Bismarck, com o apoio da elite cria o modelo de
Estado do Bem‐Estar, pai do Welfare State. Para se construir o Estado do
Bem‐Estar são necessários três elementos básicos: existência de
excedentes econômicos, que serão utilizados pelo Estado para entender
às demandas sociais; o pensamento keynesiano; e maior capacidade
administrativa do Estado, possibilitada pela centralização governamental
ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial.
A partir desses elementos foram desenvolvidas várias teorias sobre o
Estado do Bem‐Estar social: Nova Economia Institucional (Coase, 1937 e
North, 1990), segundo os quais para o funcionamento da atividade
econômica não apenas as organizações são importantes, mas também as
instituições; a teoria da convergência, para a qual o Estado começou a
assegurar um padrão mínimo de sobrevivência quando as instituições
perderam a capacidade de garantí‐lo; a teoria da cidadania, apoiada por
T. H. Marshal que analisou os três componentes da cidadania moderna na
Inglaterra – os direitos civis, políticos e sociais; a teoria Marxista de Karl
Marx, que sustenta que o Welfare Stte nasceu em decorrência da natureza
político‐partidária das populações democráticas de massa, que fez com
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que os partidos políticos buscassem o maior de apoio eleitoral possível; e
a teoria Funcionalista, que sustenta que os programas sociais procuram
gerar a harmonia social.
“en suma la constitución de un Estado del
Bienestar […] em los últimos cincuenta años há
articulado a las sociedades, dinamizando la
economia y hecho posible que las personas se
sientan indivíduos com futuro y ciudadanos com
derechos em la práctica” (Castells, 1994, p. 178)
No Brasil entre os anos de 1930 a 1980 tem‐se o processo de
expansão das políticas sociais. A Constituição Federal de 1988 universaliza
os direitos de cidadania. Para Draibe (1993), o modelo de Estado de Bem‐
Estar brasileiro é do tipo conservador‐corporativo, já para Vianna(1998)
ele é neocorporativista e americanizado. Já Poschmann (2003) e Matias‐
Pereira (2010b), consideram que, mesmo contando com um sistema de
proteção social amplo, o Brasil nunca teve um Estado de Bem‐Estar nos
moldes universalistas.
No contexto da Administração Pública eficácia é uma medida de
alcance de resultados, eficiência é uma medida de utilização de recursos
e efetividade é o grau de qualidade do resultado obtido. Num sentido
amplo Administração Pública é o conjunto de serviços e entidades
incumbidos de concretizar as atividades administrativas. Waldo (1971, p.
6) define: “Administração pública são a organização e a gerência de
homens e materiais para a consecução dos propósitos de um governo, são
a arte e a ciência das gerências aplicadas aos negócios de Estado.” Para
Noberto Bobbio (1998, p. 10), “Administração Pública designa o conjunto
das atividades diretamente destinadas à execução das tarefas ou
incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa
coletividade ou numa organização estatal.”
Para Di Pietro (2002), o serviço público é a atividade material atribuída
por lei ao Estado, que exerce diretamente ou a delega a outrem, com o
objetivo de satisfazer necessidades coletivas, regida total ou parcialmente
pelo regime de Direito Público.
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De acordo com Shepherd e Valencia (1996, p. 103‐128), as situações
que dificultam a administração de organizações públicas são: monopólio
dos serviços oferecidos, possibilitando ineficiência; o acompanhamento
das ações dos políticos pelos eleitores é geralmente falho; e, a dificuldade
dos políticos em controlar os funcionários.
“no setor público, o desafio que se coloca para
a nova Administração Pública é como transformar
estruturas burocráticas, hierarquizadas e que
tendem a um processo de insulamento em
organizações flexíveis e empreendedoras. […] Essa
transformação só é possível quando ocorrer uma
ruptura com os modelos tradicionais de
administração dos recursos públicos e introduzir‐se
uma nova cultura de gestão” (Guimarães, 2000, p.
127)
Fatores que agravaram a crise do Estado no pós‐guerra:
a) crise econômica mundial, iniciada nos anos 1970 e
agravada nos anos 1980;
b) crise fiscal do Estado, com elevação da carga
tributária;
c) crise de governabilidade, incapacidade do governo
em resolver os problemas econômicos e sociais dos
países; e,
d) emergência da globalização e das inovações
tecnológicas, que enfraqueceram os Estados
nacionais.
A partir desse cenário de crise tem‐se início as reformas dos Estados
nacionais, no Brasil as instituições organizacionais básicas da reforma
foram as agências reguladoras, as agências executivas e as organizações
sócias (BRESSER‐PEREIRA, 2001). A reforma foi dividida em dois estágios.
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No primeiro houve principalmente privatização e desregulamentação. No
segundo estruturação de capacidade administrativa institucional.
A Administração Pública possui basicamente três diferentes formas
de atuação:
a) patrimonialista, os recursos do Estado são uma extensão do poder
do monarca, que deles dispõe conforme sua vontade;
b) burocrática, princípios do desenvolvimento, profissionalização,
carreira pública, hierarquia funcional, impessoalidade, formalismo,
como forma de combate à corrupção; e,
c) gerencial, com a transferência para o setor privado das atividades
que podem ser controladas pelo mercado promovendo a eficiência
do Estado democrático, bem como a descentralização e o controle
de resultados. A administração gerencial está diretamente
relacionada ao desenvolvimento tecnológico, abertura e expansão
dos mercados e globalização da economia mundial.
2. CAPÍTULO II: RELEVÂNCIA ENTRE INTELIGÊNCIA E
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Na era da informação e com as empresas, mesmo as públicas,
tendo que ser cada vez mais competitivas e eficientes, a Inteligência se faz essencial, como forma apoio à gestão organizacional, protegendo e adquirindo conhecimento sensível. SANTOS define a Gestão do Conhecimento como um processo “sistemático de identificação, criação, renovação e aplicação dos conhecimentos que são estratégicos na vida de uma organização”. É a gestão dos bens de conhecimento das organizações. Permite à organização saber o que ela sabe. A Inteligência, através da Gestão do Conhecimento leva as organizações a mensurar com mais segurança a sua eficiência, decidir as melhores abordagens estratégicas de seus clientes, concorrentes, distribuidores e ciclos de vida de serviços e/ou produtos, conseguir determinar as fontes de informações, aprender a gerenciar seus dados e informações,
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saber realizar a gestão dos seus conhecimentos. Alves (2004), diz que várias empresas estão adaptando suas políticas de recursos humanos, com melhor qualificação dos seus colaboradores e da gerência, especialmente a gerência superior, que deve ser capaz de comunicar a todos os subordinados as estratégias da empresa, para que mesmo todos possam tomar decisões de acordo com as mesmas. As empresas são vistas não como organismos isolados, mas como organismos sociais, integradas a um ambiente de competitividade crescente, no qual as pessoas e o seu aprimoramento contínuo tornaram-se fundamentais.
Uma organização que aprende estimula a ampliação dosconhecimentos de todos de forma democrática e as pessoas têm o valor de suas contribuições reconhecido, seja qual for a suaposição hierárquica, estimulando uma política participativa. Ocomportamento de todos na organização deve ser correto, além disso, ético, que respeite as diversas opiniões e particularidades, possibilitando um clima de confiança e respeito, o que possibilita um ambiente de trabalho agradável e colaborativo. Ainda, conforme Alves (2004):
Os principais resultados advindos daadoção de práticas voltadas para aaprendizagem organizacional são:
Os conhecimentos pessoais de cadaindivíduo são transformados emconhecimentos organizacionais, valiosospara toda a empresa;
Abertura de todas as informações dacompanhia para qualquer funcionário,independente de seu cargo;
Evitam-se saltos de abstração que é atendência de passar direto da observaçãopara a generalização, sem antes refletir etestar outras hipóteses;
Sentimento de coletividade, que permeiaa organização e abre espaço para acoerência, tornando as pessoas mais aptas ase empenharem em grandes questões;
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Eliminação da obtenção eprocessamento da mesma informação emduplicidade;
Aprendizado abrangendo toda aorganização, inclusive a administração;
Aumento da competitividade e melhoriados resultados.
Em contra partida, segundoTERRA(2000), as Organizações queAprendem ainda têm algumas questões edesafios a vencer. Há dificuldades em:
a) Mapear o conhecimento(competências individuais) existentenas empresas;
b) Atrair, selecionar e reter pessoas comas requeridas competências,habilidades e atitudes;
c) Utilizar os investimentos eminformática e em tecnologia decomunicação para aumentar oconhecimento da empresa e nãoapenas acelerar o fluxo deinformações;
d) Definir quais sistemas, políticas eprocessos devem ser implementadospara moldar comportamentosrelacionados ao estímulo à criatividadee ao aprendizado;
e) Incentivar e premiar o KnowledgeSharing (compartilhamento deconhecimento) e desencorajar oKnowledge Holding (conhecimentopara si próprio);
f) Ampliar e capturar o fluxo deconhecimentos, insights e ideiasprovenientes de clientes, parceiros,fornecedores e da comunidade emgeral;
Além disso, um dos principaisproblemas na learning organization é atendência das pessoas de reter seusconhecimentos. Mesmo as que não o fazemintencionalmente podem simples
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mente nãoestar motivadas a mostrar o que sabem.
Para Alves (2004), Gestão do Conhecimento é um processo corporativo, voltado para a estratégia empresarial e que se relaciona: à gestão de competências, à gestão do capital intelectual, à aprendizagem organizacional, à inteligência empresarial e à educação corporativa. Definidos a seguir:
a)Gestão das Competências: A Competência está diretamente relacionada ao conhecimento real, às capacidades, à experiência, aos valores e às redes sociais. É o elo entre conhecimento e estratégia. Não pode ser copiada com exatidão, é transferida pela prática. É uma definição que se refere a quais são as posturas, as capacidades e os conhecimentos necessários para alcançar resultados de destaque na relação com o mercado, o conjunto de qualificações que a pessoa tem para realizar um trabalho com qualidade e performance superiores. Está diretamente relacionada às produções das pessoas, àquilo em que elas trabalham, seja produzindo e/ou entregando. Dessa forma considerada, a competência não é um estática ou apenas um conhecimento que se adquiriu e nem é somente decorrência de treinamento. Na realidade, competência é, colocar praticar tudo o que se sabe em uma realização específica. Observando-se do ponto de vista da empresa, é o fazer que interessa: é o conhecimento prático, em ação, que possibilita a produção resultados, ou seja, competência. Para propiciar o desenvolvimento de competências as áreas de Recursos Humanos estão sendo amplamente modificadas. Os sistemas tradicionalmente utilizados como referencial - centrados em cargos - vêm mostrando sua fragilidade em articular sistematicamente as várias proposições da gerência da organização, e assim, há um comprometimento no reconhecimento do seu valor. São inúmeras as possibilidades para a realização de uma gestão de pessoal a partir de uma visão centrada no conceito de competência, proporcionando a articulação das diferentes proposições da gestão de RH, como por exemplo, a relação entre desempenho, desenvolvimento e potencial, ocasionando consequentemente a sinergia do sistema.
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b)Gestão do Capital Intelectual: O Capital Intelectual é definido como a soma de todos os conhecimentos individuais em uma organização, podendo oferecer a esta vantagens competitivas; é a capacidade mental coletiva, a capacidade de continuar criando e proporcionar valor de qualidade superior. Vem à existência a partir da relação entre: capital humano (habilidades dos funcionários, em seus conhecimentos tácitos e nos adquiridos em suas informações profissionais; está diretamente relacionado às pessoas, suas experiências, seus conhecimentos e seu intelecto);capital estrutural (todos os ativos que compõe a estrutura organizacional, englobando a tecnologia, os sistemas administrativos, os bancos de dados disponíveis, as patentes, os processos, os manuais, as marcas, os conceitos ); e capital de clientes (valor dos relacionamentos de uma empresa com as pessoas com as quais faz negócios)
c)Aprendizagem Organizacional: A Gestão do Conhecimento tem como foco principal o aproveitamento dos recursos já existentes na organização afim de que os colaboradores identifiquem e utilizem as melhores práticas ao invés de recriar algo que já foi anteriormente criado. Procura agregar valor às informações, através da manipulação destas, realizando a filtragem, o resumo e a síntese delas e, assim, possibilitando o desenvolvimento de um perfil pessoalmente adequado que proporciona o acesso ao tipo de informação necessário para se colocar em prática. Utilizando-se da aprendizagem contínua, a organização aprimora a sua competência e inteligência coletiva para atender às demandas do seu ambiente interno (objetivos, metas, resultados) e externo (estratégia). A organização que aprende possui a capacidade de, continuamente, possibilitar o futuro que realmente deseja. Assim, a aprendizagem organizacional define-se como o processo contínuo de identificar e corrigir erros. Desta forma, implementando um processo através do qual os colaboradores contribuem para o bom desempenho da empresa por meio da utilização dos seus conhecimentos e habilidades em resolver problemas e de inovar constantemente. Surge a organização que gera conhecimento e que aprende num ciclo contínuo.
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d)Inteligência Empresarial: Atualmente as organizações estão cada vez mais dependentes de informações especialmente utilizadas no desenvolvimento das suas ações estratégicas. Assim pode-se concluir que a inteligência empresarial consiste na elaboração de meios para de forma sistêmica e contínua realizar os processos de coleta, de tratamento e de análise de informações sobre diferentes pontos de vista do ambiente externo à organização principalmente: concorrentes, tecnologia, futuros parceiros ou aliados, fornecedores, clientes, órgãos normatizadores, possibilitando aos tomadores de decisão da empresa se anteciparem às ações da concorrência, às tendências dos mercados de interesse, de forma a identificar e avaliar as oportunidades e as ameaças bem como as ações decorrentes consubstanciadas na estratégia empresarial anteriormente definidas.
e)Educação Corporativa: As organizações passam por várias dificuldades para se adaptarem a novas realidades, especialmente no que se refere à velocidade em que isso ocorre. Esse novo contexto empresarial redefine o perfil do trabalhador da era do conhecimento. São necessários profissionais que tenham uma curva de aprendizagem não convencional e que se disponham a trabalhar em grupo, de forma cooperativa, para gerar soluções inovadoras. Se faz necessária uma nova abordagem na formação, que necessita ser cada vez mais continuada, para que as pessoas permaneçam produzindo, com condições de acompanharem as mudanças e maximizando a utilização do seu tempo. À parte disso, a tecnologia contribui, possibilitando a realização de treinamentos de mais pessoas com um custo mais baixo. As empresas começam a perceber a necessidade de transferir o foco dos esforços de treinamento e educação de eventos presenciais em salas de aula, que normalmente possuem o objetivo de desenvolver capacitações isoladas, para a criação de uma cultura de aprendizagem contínua, em que os colaboradores aprendem uns com os outros e trocam experiências, compartilhando inovações e melhores práticas com vistas a solucionar questões organizacionais reais. Os treinamentos passam a ser baseados em competências, vinculando a
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aprendizagem às necessidades estratégicas da empresa. Assim, a capacitação estará disponível sempre que solicitada, em qualquer hora ou local, deve desenvolver competências básicas do ambiente de negócios, em um processo contínuo de aprendizagem onde se aprende atuando com o objetivo de melhorar a performance no trabalho e não só o desenvolvimento de qualificações. FERREIRA, diz que as tentativas de utilização de qualquer “tecnologia de gestão” por parte do governo brasileiro, como por exemplo, a da gestão do conhecimento, precisam prestar atenção à necessidade de serem tratadas, estrategicamente, situações ou condicionantes associadas aos seguintes aspectos:
a) desprestígio dos serviços e dos servidores públicos junto àsociedade;
b) abandono das iniciativas de padronização e de melhoria dosprocedimentos administrativos;
c) problemas éticos, legais e de legitimação associados àadministração pública e ao Estado;
d) desequilíbrios entre cargos em comissão, contrataçõestemporárias e quadro efetivo;
e) descontinuidade administrativa de objetivos, estruturas eprojetos e de políticas públicas;
f) permanência de modelos, estilos e atitudes gerenciaisinadequadas;
g) irracionalidade das diferenciadas estruturas de carreiras,cargos, salários e benefícios concedidos;
h) inadequação do quantitativo de pessoal e/ou dos níveis decapacitação e de motivação do corpo funcional;
i) falta de padrões de interoperabilidade e de adequação(quantitativa e qualitativa) da infraestrutura de tecnologia dainformação;
j) fragilidade do sistema de recompensas, reconhecimento epunições, voltado à melhoria do desempenho funcional e dosresultados organizacionais;
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k) coexistência de culturas e climas organizacionais imprópriosà colaboração e ao compartilhamento de conhecimentos;
l) formas de comunicação inadequadas às necessidades degovernança e transparência para as organizações públicas naatualidade;
No contexto mundial, a aplicação da Gestão do Conhecimento e suas
diretrizes para vencer os desafios encontrados no setor da administração
pública, encontram‐se citados nas bases de dados de pesquisa
estrangeira, principalmente estudos do continente asiático possuindo
estes uma correlação com princípios da administração pública análoga às
existentes no Brasil. (PRADO et.al.). Com base nos estudos de fonte
estrangeira e nacional PRADO et.al destaca três categorias para
classificação dessas barreiras. São elas:
a) individual - referem-se a barreiras de personalidade,relativas a habilidades de comunicação, redes sociais, diferençasculturais, falta de motivação, falta de confiança, medo de não serreconhecido;
b) organizacional – as originadas na própria organizaçãocomo as de ordem gerencial, práticas ineficazes, infraestruturainadequada, competição interna, falta de recompensas, falta deapoio da alta administração, falta de capacitação; e
c) tecnológica – ausência de interoperabilidade entre sistemas,falta de suporte técnico, relutância das pessoas no uso dastecnologias, falta de capacitação para familiarização dos sistemasde tecnologia da Informação.
De acordo com TERRA (2010), a realidade do ambiente público, com
seus enormes desafios públicos pede soluções inovadoras que
possibilitem para lidar com as necessidades da sociedade. As organizações
públicas possuem, simultaneamente, como diz o autor, a vantagem e a
desvantagem da perenidade. A vantagem diz respeito ao fato de seus
funcionários ainda terem sua vida profissional relacionada à organização
e ao seu crescimento, o que proporciona a retenção e o compartilhamento
de conhecimento. A clara desvantagem, é que um ambiente sem
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competição ou mesmo risco de falência ou perda de mercado possibilitam
uma certa acomodação, ocasionando uma perda do senso de urgência no
que se refere à inovação, capacitação e produção de conhecimento.
TERRA acrescenta ainda que, em decorrência direta de especificidades das leis brasileiras, o conhecimento nas organizações públicas está muito mais diretamente relacionado a uma função ou cargo específico do que acontece no setor privado, isso porque os servidores ou funcionários públicos fazem concurso público para um cargo específico e são impedidos muitas vezes, por força da lei, de realizarem outra atividade a não ser que façam um novo concurso. Isso gera a consequência ruim do servidor ter a sua visão muito mais voltada à sua função e cargo do que às suas potenciais competências e possibilidades de desenvolvimento profissional, especialmente se esses estiverem além do esperado de acordo com as atribuições do cargo ocupado. De forma alguma isso é uma vantagem, pois a sociedade demanda cada vez mais um aprendizado contínuo, em que a flexibilidade e a lateralidade são características importantíssimas para quem trabalha com conhecimento, dessa forma o estreito vínculo com a função não é algo desejável. Pelo contrário, na nova Sociedade do Conhecimento, os profissionais são vistos de uma forma mais ampla, atentando a todo o seu potencial criativo e técnico, considerando todas as suas experiências no decorrer da sua carreira e vida e pela sua capacidade de se relacionar com diversos tipos de comunidades de projetos, aprendizado e práticas, e também o seu perfil comportamental que pode lhe conferir outras vantagens e oportunidades. Neste contexto é fácil tornar a Gestão do Conhecimento no setor público simplesmente outro processo burocrático, uma atribuição a mais e desestimulante para os servidores, o que não permitirá agregar nenhum valor para os clientes, o seja, a sociedade.
PRADO et.al complementa que, diferente do que é visto na iniciativa
privada, servidores públicos precisam realizar funções triviais com grande
carga burocrática, o que pode‐se verificar tanto nacional quanto
mundialmente, e que gera uma tendência a realização apenas do mínimo
exigido, podendo prejudicar a produtividade dos servidores e trazerem
frustrações. Esta diferença ocasiona, principalmente, uma amplitude
menor e menos qualidade do atendimento às demandas sociais e
prestação precária e onerosa de serviços públicos.
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HOLLENBECK e WAGNER III (1999) apresentam as seguintes razões
que poderiam sugerir que a cultura não pode ser gerenciada:
a) culturas são tão espontâneas,refratárias e ocultas que não podemser cuidadosamente diagnosticadas ouintencionalmente alteradas;
b) entender a cultura de umaorganização requer considerávelexperiência e profundo discernimentopessoal, o que, em muitos casos,inviabiliza sua administração;
c) pode haver várias subculturas emuma única cultura organizacional, oque complica a tarefa de gerenciar acultura a ponto de torná-la impossível;
d) culturas proporcionam continuidadee estabilidade aos membros daorganização, o que pode levá-los aresistir a esforços de mudança culturalpor temerem a descontinuidade e ainstabilidade.
De acordo com PRADO et al, a cultura de uma organização está
fortemente ligada ao seu funcionamento e postura, é a força motriz que
baliza e determina o rumo da instituição. Assim, quando se cita a
organização, referenciam‐se também as pessoas que a compõem, e,
consequentemente à sua cultura, pois o ser humano é um ser
essencialmente de cultura.
A cultura organizacional é a base da organização. São as crenças
comuns que se refletem nos hábitos e nas tradições, além de
manifestações mais tangíveis — histórias, símbolos, ou mesmo edifícios e
produtos. A cultura organizacional influencia fortemente a maior parte
dos comportamentos no âmbito da organização como por exemplo, o
processo produtivo, os relacionamentos interpessoais, a comunicação,
questões que envolvam a qualidade do serviço prestado, entre outros,
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possuindo assim a tarefa de manter, engrandecer e resguardar a
organização (FLEURY; FISCHER, 1989 apud PRADO).
Contudo, o Comitê Executivo do Governo Eletrônico (CEGE) e o
Comitê Técnico de Gestão do Conhecimento e Informação Estratégica (CT‐
GCIE) tentam diminuir esses problemas através das seguintes iniciativas
nas organizações públicas:
a) incentivar à criação de cultura voltada para a importância e utilidade da informação e do conhecimento na gestão pública, entre os dirigentes governamentais;
b) desenvolver uma cultura colaborativa entre áreas governamentais e criação e compartilhamento de conhecimentos entre governo e sociedade;
c) incentivar o desenvolvimento de competências cognitivas, pragmáticas e atitudinais de servidores e empregados públicos, orientadas para criação, compartilhamento, uso e preservação do conhecimento (FRESNEDA; GONÇALVES, 2007 apud PRADO et. al).
A seguir exemplos de alguns setores de Inteligência em diversos
órgãos da Administração Púbica:
No Ministério Público do Estado de Minas Gerais o setor de
Inteligência está basicamente relacionado com Inteligência Policial, com o
apoio de ferramentas tecnológicas adquiridas especificamente para esse
fim, e utilizadas em outros órgãos da Administração Pública, são feitas
investigações policiais no âmbito da competência dada ao MP pela
Constituição Federal. No setor trabalham vários analistas, treinados,
muitas vezes através de intercâmbios com outros Ministérios Públicos
Estaduais, especialmente o de Brasília, sob a supervisão de um promotor,
com a atribuição de gerenciar o trabalho dos analistas e trazer o
embasamento jurídico para a sua realização. A cada analista são
distribuídas tarefas investigatórias específicas e com o auxílio do sistema
eles realizam os cruzamentos de dados, incluem informações sobre os
alvos, vão dando forma a uma verdadeira cadeia de relacionamentos que
permite elucidar a questão em tela.
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No INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, o setor de
Inteligência está basicamente relacionado à investigação de fraudes, tanto
internas à organização como externas, normalmente são feitas denúncias
e essas são investigadas pelo setor de acordo com os parâmetros de
investigação estabelecidos em lei. Cada superintendência possui o seu
setor de Inteligência associado. E em Brasília existe o órgão central de
inteligência responsável pelas normatizações e pelos casos que
ultrapassem a competência de uma superintendência.
Já na CGU – Controladoria Geral da República, o setor de Inteligência
é bastante ativo e funcional. São feitos altos investimentos tanto em
tecnologia, como em treinamentos. Os analistas fazem uma verdadeira
caça a corruptos. A área de atuação é todo o setor público federal, de
organizações inteiras a cada servidor em particular.
Nos órgãos citados o investimento em Inteligência tem sido priorizada
na parte investigativa, mas já se começa a pensar em setores de
contrainteligência em que a Gestão do Conhecimento será de grande
auxílio para a proteção do conhecimento sensível além da parte
investigativa.
CONCLUSÃO
A Inteligência no setor público ainda se atém muito a questões
investigativas, negligenciando a proteção do conhecimento ou até mesmo
a gestão do conhecimento. O apoio da Tecnologia da Informação é muito
importante para o sucesso da Gestão do Conhecimento, e também às
investigações, a questão é, comumente, as ferramentas de gestão estão
mais relacionadas ao tratamento do conhecimento explícito, não
possibilitando a gestão do conhecimento tácito. Na Administração Pública
a Gestão do Conhecimento tem um caráter fortemente social, buscando
ganhos globais, revertidos em benefícios para a sociedade, promovendo
uma celeridade no atendimento das suas demandas, diferente da
iniciativa privada, em que a gestão é utilizada principalmente com vistas a
ganhos financeiros.
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Pode‐se constatar a importância e a complexidade da Inteligência e o
enorme desafio na implantação de projetos deste gênero no âmbito da
Administração Pública, especialmente pela predominância de critérios
políticos que deram forma a um setor público em que os recursos são
escassos e as estruturas possuem pouca capacidade de darem uma
resposta adequada aos seus desafios operacionais básicos. As
organizações públicas possuem propósitos distintos das organizações
privadas, pois para o setor público a eficiência está associada ao pronto
atendimento às demandas da sociedade e, para o setor privado, a
eficiência está vinculada a aspectos ligados à lucratividade dos seus
negócios.
Vários fatores dificultam a implantação da Gestão do Conhecimento
no setor público, dos quais pode‐se destacar: a cultura organizacional do
setor que não estimula a produção e formalização de conhecimento, além
de estar muito arraigada a ideias de produção mínima dentro das
exigências burocráticas, falta de incentivo ao aprendizado contínuo,
continuísmo e acomodação; a dificuldade na documentação dos
conhecimentos tácitos dos servidores; inexistência de tempo, interesse
e/ou recursos para que haja um compartilhamento do conhecimento,
falta incentivo e de foco nas pessoas em questões de gestão do
conhecimento, em que o foco é quase que sempre em tecnologia;
inexistência de instrumentos de avaliações sistemáticas e contínuas
relacionadas à estratégia organizacional, que devido à mudanças políticas
muitas vezes se perde ou muda numa velocidade que impossibilita uma
eficaz gestão do conhecimento.
A garantia de uma eficaz Inteligência, apoiada na Gestão do
Conhecimento, na administração pública depende diretamente de uma
reformulação organizacional que permita a execução dos projetos que na
maioria dos casos encontram‐se apenas no papel.
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